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DANÇA E

POLÍTICA:
estudos e práticas
ORGANIZADORES
Marila Vellozo
Rafael Guarato
Link para o vídeo que contextualiza o projeto:
https://bit.ly/VIDEOPNA
DANÇA E POLÍTICA: estudos e práticas

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ORGS.
Marila Vellozo
Rafael Guarato
DANÇA E POLÍTICA: estudos e práticas

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ORGS.
Marila Vellozo
Rafael Guarato

APRESENTAÇÃO

Este projeto foi contemplado pelo Edital de Fomento à Dança do Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás 2017
Editora ANDA.
1.ª Edição - Copyright© 2022 dos organizadores.
Direitos dessa Edição Reservados à Editora ANDA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dança e política [livro eletrônico] : estudos e


práticas / organizadores Marila Vellozo, Rafael
Guarato. -- Salvador, BA : ANDA - Associação
Nacional de Pesquisadores em Dança, 2022.
PDF

Vários autores.
ISBN 978-65-87431-24-6

<< 1. Artigos - Coletâneas 2. Dança - Pesquisa >>


3. Política cultural I. Vellozo, Marila. II. Guarato,
Rafael.

22-133571 CDD-792.8
Índices para catálogo sistemático:

1. Dança : Artes 792.8

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realiza-
do o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nº 10.994, de 14/12/2004, e
12.192, de 14/01/2010.

EDITORA

Editora ANDA.
Av. Milton Santos, S/N.
Ondina – Salvador, Bahia.
CEP 40170-110
MARILA VELLOZO
RAFAEL GUARATO
(orgs.)

DANÇA E POLÍTICA: estudos e práticas

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EDITORA ANDA, 2022.


ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PESQUISADORES EM DANÇA
ANDA

Diretoria
Dr. Alysson Amâncio de Souza (URCA)
Dr.ª Maria Inês Galvão Souza (UFRJ)
Dr.ª Meireane Rodrigues Ribeiro de Carvalho (UEA)
Dr. Vanilto Alves de Freitas (UFU))

Suplência Diretoria
Dr.ª Carmen Anita Hoffmann (UFPel)

Conselho Científico e Fiscal


Dr. Diego Pizarro (IFB)
Me. Jessé Da Cruz (FURB)
<< Dr.ª Yara dos Santos Costa Passos (UEA) >>
EDITORA ANDA
EDITORIAL
Dr.ª Lígia Losada Tourinho (UFRJ)
Dr. Marco Aurelio da Cruz Souza (UFPEL)

REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA


Antônia Schwinden
Ana Paula Mira

CAPA E PROJETO GRÁFICO


Ricardo Augusto Mendes dos Santos

PROJETO EDITORIAL E REVISÃO TÉCNICA


Diego Pizarro
CONSELHO CIENTÍFICO

Prof.ª Dr.ª Amélia Vitória de Souza Conrado (UFBA)


Prof. Dr. Amílcar Pinto Martins (Universidade Aberta de Lisboa/Portugal)
Prof.ª Dr.ª Ana Macara (Instituto de Etnomusicologia)
Centro de estudos em música e dança/polo FMH (ULisboa – FMH – Portugal)
Prof.ª Dr.ª Elisabete Alexandra Pinheiro Monteiro (Instituto de Etnomusicologia
Centro de estudos em música e dança/polo FMH (ULisboa – FMH – Portugal)
Prof.ª Dr.ª Eleonora Campos da Motta Santos (UFPel)
Prof. Dr. Fernando Marques Camargo Ferraz (UFBA)
Prof.ª Dr.ª Helena Bastos (USP)
Prof. Dr. Marco Aurelio da Cruz Souza (UFPel)
Prof.ª Dr.ª Pegge Vissicaro (Northern Arizona University)
Prof. Dr. Rafael Guarato (UFG)
Prof. Dr. Sebastian G-Lozano Universidade Católica San Antonio de Murcia, España
Prof. Dr. Thiago Silva de Amorim Jesus (UFPel)
Prof. Dr. Daniel Moura (UFS)
<< Prof.ª Dr.ª Rebeca Recuero Rebs (UFPel) >>
Prof. Dr. Diego Pizarro (Instituto Federal de Brasília)
Prof.ª Dr.ª Melina Scialom (UFBA)
Prof.ª Dr.ª Daniela Llopart Castro (UFPel)
Prof. Dr. Adriano Bittar (UEG)
Prof.ª Dr.ª Aline Nogueira Haas (UFRGS)
Prof.ª Dr.ª Fabiana Amaral (Pesquisadora do MeDHa/UFG)
Prof.ª Dr.ª Lenira Peral Rengel (UFBA)
Prof.ª Dr.ª Isabela Buarque (DAC/UFRJ)
Prof.ª Dr.ª Lara Seidler (DAC/UFRJ)
Prof.ª Dr.ª Yara dos Santos Costa Passos (UEA)
Prof. Dr. Giancarlo Martins (UNESPAR/FAP)
Prof.ª Dr.ª Jaqueline Reis Vasconcellos (Instituto Arte na Escola – Região Nordeste)
Prof.ª Dr.ª Christiane Araújo (UEMS)
_______________________________________________________________
Esta obra foi aprovada pelo conselho científico e editorial.
SOBRE AS PESSOAS ORGANIZADORAS

Marila Vellozo
Artista da Dança. Professora no Mestrado Profissional em Artes e nos cursos de Bacharelado e de Licen-
ciatura em Dança da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), em Curitiba. Doutora em Artes Cênicas
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenadora Pedagógica da Residência Técnica e Especia-
lização em Gestão Cultural/UNESPAR/SETI/SECC. Consultora da Unesco para a área da dança no Plano
Nacional das Artes (2015). Foi membro do Colegiado Setorial de Dança/Região Sul e do Conselho Nacional
de Política Cultural. Cocriadora do Fórum de Dança de Curitiba.
<< >>
Contato: marila.velloso@unespar.edu.br
Orcid – https://orcid.org/0000-0002-4491-5806

Rafael Guarato
Rafael Guarato é historiador da dança e professor do curso de graduação em Dança e dos Programas
de Pós-Graduação em Artes da Cena e Performances Culturais da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Doutor em História e Líder do Grupo de Pesquisa em Memória e História da Dança (CNPq) e integrante
do grupo Descen-tradxs – Descentrar la Investigación en Danza. Além de artigos publicados em diferentes
periódicos nacionais e internacionais, é autor dos livros Dança de rua: cor-pos para além do movimento
(2008) e Ballet Stagium e a fabricação de um mito (2019).
Contato: rafaelguaratos@gmail.com
Orcid – https://orcid.org/0000-0001-9710-4364
A Clayton Leme
<< (in memoriam) >>
AGRADECIMENTOS

Ao Fundo Estadual de Cultura de Goiás e ao Conselho Editorial da ANDA. Às autoras e aos autores desse
livro pela empreitada trilíngue que parte dessa reedição em português. Ao comemorar 20 anos da Con-
<< tacto Associação Cultural (CAC), agradecemos aos fundadores Emerson José de Camargo, Luciano Oro e >>
Luiz Frederico Favoretto e ao suporte para a manutenção de projetos e da CAC de Rosemeri Rocha, Loa
Campos, Henrique A. Vellozo Andreazza, Ana Paula Reiman, Rejane Paredes, Cinthia Kunifas, Olga Nenevê,
Eduardo Giacomini, Yuiki Doi e de outros membros que mantiveram a atuação e produção dessa asso-
ciação ao longo desses 20 anos.
SUMÁRIO
PREFÁCIO
Marila Vellozo e Rafael Guarato

APRESENTAÇÃO
DE POLÍTICAS E SUAS DOBRAS
Marcio Pizarro Noronha
ARTIGOS

MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL E DE FOMENTO PARA AS POLÍTICAS CULTURAIS:


UM PARALELO ENTRE OS CONSELHOS DE CULTURA DOS ESTADOS DE GOIÁS E DO PARANÁ
POR UMA PERSPECTIVA DA ÁREA DA DANÇA
Marcella Souza Carvalho
DANÇA E POLÍTICAS ESPECÍFICAS
Marila Vellozo
DANÇA NA POLÍTICA DO CERRADO
Rafael Guarato

<< FÓRUM DE DANÇA DE GOIÂNIA, POLÍTICA E ENGAJAMENTO >>


Luciana Ribeiro e Valéria Maria Chaves de Figueiredo

INSTABILIDADE NA VIDA ARTÍSTICA OU A PERMANÊNCIA DA QUASAR CIA. DE DANÇA


Vera Bicalho
“SOBRE COMO SÃO AS COISAS”: UMA ABORDAGEM POÉTICA
SOBRE O ARTISTA E GESTOR CULTURAL, CLAYTON LEME
José Geraldo Fernandes e Marila Vellozo

RELATOS
DESLOCAMENTOS DE UM ARTISTA PRODUTOR
Kleber Damaso
A PORQUARIA DE SER ARTISTA DE DANÇA
Luciana Ribeiro
VIDA VERSUS SOBREVIVÊNCIA NA CULTURA
Leonardo Taques

QUANDO UMA BAILARINA SE DESCOBRE ARTISTA, QUANDO UMA ARTISTA SE DESCOBRE


CORPO E POR CONSEQUÊNCIA CORPO POLÍTICO E DANÇANTE
Loana Campos

ÍNDICE REMISSIVO

SOBRE AS PESSOAS AUTORAS

12
PREFÁCIO À EDIÇÃO TRILÍNGUE
(Português, Espanhol e Inglês)

Quando organizamos o livro Dança e política: estudos e práticas entre os anos de 2014 e 2015, tínhamos
um duplo objetivo. O primeiro em reunir debates acumulados ao longo de duas décadas de experiências
de representatividade da dança junto ao poder público. O segundo em disponibilizar e fornecer visibilidade
a estudos e reflexões, envolvendo a dança em suas interações históricas com o poder público. Em ambos,
realizamos o recorte de tratar destas relações a partir estados do Paraná e Goiás. Naquele momento,
vivíamos um recente percurso de conquistas e embates não apenas teóricos, mas principalmente práticos,
que compreendeu tensões na lida com nossos pares e do aprendizado e disputas diretas em negociações
com os poderes municipais, estaduais e federais envolvendo o presente e principalmente, o futuro do
fomento público às ações de dança em nosso país.
Dado este recorte específico das interações possíveis entre “dança” e “política”, – ao mesmo tempo
em que o livro demonstra não pretender abarcar as diferentes frentes em que a dança se politiza, e
que as políticas dançam ou das políticas específicas do fazer dança – os textos reunidos apresentam,
como principal contribuição, a percepção, a reflexão e a acrítica sobre as interações entre “a” política
e “as” práticas de dança. Por esse viés, a concepção geral de política neste livro a compreende como as
práticas que envolvem pessoas e instituições que, ao interagirem, promovem uma certa organização a
partir dos conflitos de suas próprias interações. Com esta edição trilíngue, esperamos poder compartilhar
debates locais na expectativa de que possamos cambiar experiências e saberes com outras localidades,
principalmente aquelas cujas dificuldades e desafios se apresentam similares à dos contextos contidos nos
textos.
<< A tradução para o espanhol e para o inglês compreende, ainda, outras dimensões que entendemos >>
importantes de ressaltar, como o reconhecimento dos fazeres e dos conhecimentos produzidos no Hemisfério
Sul, pela disseminação e alcance que nossas produções poderão encontrar ao serem compreendidas por
estarem em outras Línguas, além do Português. Sabemos que as traduções oportunizarão um acesso e
compreensão diferenciados de nossas produções, assim, que a leitura em espanhol e em inglês aproxime
nossos contextos para uma interlocução mais vigorosa com os pares da dança, da cultura e das artes de
outros países e continentes. Com recursos do Fundo de Cultura de Goiás, no Brasil, essas publicações em
formato ePub, disponibilizadas gratuitamente, oferecem um acesso que extrapola fronteiras econômicas
e linguísticas.
Também não poderíamos deixar de destacar que esta publicação ocorre na contramão dos
acontecimentos nacionais envolvendo a dança e a cultura em nosso país. De 2016 até o momento
da escrita deste texto, vivemos um cotidiano de desmantelamento e sucateamento não apenas de
conselhos, instituições e políticas públicas para arte e cultura, mas também a desarticulação de coletivos e
organizações da sociedade civil. Portanto, junto à publicação bilíngue desta obra, nos desafia o presente a
realimentarmos nossas esperanças e potencialidades de articulação e mobilização para possíveis projetos
de futuros desejáveis.

Marila Vellozo e Rafael Guarato


Goiânia/Curitiba, março de 2022.

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Apresentação

DE POLÍTICAS E SUAS DOBRAS


Marcio Pizarro Noronha
I

O horizonte da investigação do livro organizado por Marila Vellozo e Rafael Guarato, mediante o Fundo
de Cultura do Estado de Goiás, é o das sociedades democráticas atuais, dos processos de redemocratização
enfrentados no Brasil pós-abertura política e da nova Constituição Federal de 1988.
Balizando seus autores, textos e debates, reconhecem-se a recorrência do tema político do dissenso,
aos moldes como este é apresentado por Jacques Rancière, e o debate da esfera política tal qual é
historicamente inventada por Hannah Arendt.
Para Rancière, uma das características das sociedades democráticas do mundo atual é a da produção
de uma racionalidade fundada na divisão das opiniões gerando a potência de um realismo democrático.
Há um mundo em comum, mas este é incapaz de ser visto ou pensado de um modo uníssono, com uma
só voz ou um só modus operandi.
Assim, o problema da representatividade dos meios sociais abrangentes aparece como um possível
pano de fundo para os atores deste livro em sua presença e ação social.
Por outro lado, todos os autores são artistas, teóricos, docentes, pesquisadores e ativistas envolvidos
<< >>
no universo de um setor econômico produtivo e social denominado Dança. Assim, suas falas e escritas
revelam esta presença de um singular ponto de vista, algumas vezes pontuado quase como depoimento
e, por outras vezes, apontando para recortes testemunhais, presentes no interior dos artigos. Portanto,
trata também de ser um tipo de jogo memorialístico e, em alguns momentos, como essas memórias são
efeitos catárticos para aqueles que vivem esta realidade.

II

O artigo de Marila Vellozo, Dança e Políticas Específicas, apresenta um pouco da história do Brasil
recente, dos anos 2000 para cá, no âmbito das políticas de cultura e das políticas setoriais, para o campo
específico da dança.
De um lado, ela revela o processo de democratização e de constituição dos espaços e dos mecanismos
de participação política e, de outro, as dimensões perversas desses mesmos mecanismos, apontando para
um fator de estatização e burocratização do campo cultural e artístico.
Ela revela, em seu texto, as tensões existentes no interior e entre o Sistema Nacional de Cultura, o
Conselho Nacional de Políticas Culturais, as Câmaras e Colégios Setoriais, o Fundo Nacional de Cultura,
o Plano Nacional da Dança, os Comitês, os programas e editais voltados para o fomento, Funarte e,
finalmente, os Fóruns locais e regionais.
Todo o texto aponta para uma defesa da especificidade da arte em relação aos programas mais
abrangentes do universo cultural, já que esta envolve também uma política das e para as linguagens.
Pensar as condições da linguagem como elemento instituinte do trabalho.
Esta história também transita na maneira tal qual foram sendo consolidadas as formas de representação
administrativa e como esta é fundamental na constituição de mecanismos gestores.

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Aspectos deveras kafkianos são revelados neste artigo, demonstrando aspectos da falta de comunicação,
de planejamento, de compromisso, de dimensões éticas, de uma visão da política e da gestão (como
processo e dinâmica) que se transformam, pouco a pouco, em estruturas burocratizadas dos organismos
culturais, transformando os mecanismos e seus agentes diretos na própria política de cultura e arte.
É um jogo de transformar a parte em todo, o que se lê e acompanha neste texto.
O tema também se abre para um horizonte das economias culturais e do campo das artes, pensando o
quanto é possível articular autonomia política com autogestão econômica e a fundação de dinâmicas de
produção que possam servir a manutenção deste setor produtivo da sociedade – o artista e a arte como
trabalhador e trabalho.

III

Seguindo esse raciocínio encontro o também esclarecedor texto de Marcella Souza Carvalho,
Mecanismos de controle social e de fomento para as políticas culturais: um paralelo entre os Conselhos
de Cultura dos Estados de Goiás e do Paraná. Por uma perspectiva da área da Dança, traça uma história
conceitual, política e institucional dos Conselhos e dos Conselhos de Cultura no Brasil. Os Conselhos são
pensados como formas da organização que articulam a estrutura governamental, os mecanismos de
representação social da sociedade civil e seus setores e agentes, e, mais atualmente, a ampliação da
presença de uma representação civil pelo trajeto dos movimentos sociais.
Assim, traçando uma história dos Conselhos, desde sua etimologia e presença histórica recente, dos
anos 2000 para cá, a autora aponta para as transformações ocorridas nos modelos de gestão da cultura.
A maneira como os planos e o sistema e seus organismos e mecanismos foram transversalizando temas e
conteúdos, apresentando-se cada vez mais multiculturais e multiétnicos em suas ações e pontos de vista.
Isso permite um inventário dos novos objetos do desejo no mundo cultural brasileiro, o que envolve
<< uma articulação explícita entre atores sociais (da sociedade civil), formas de representação e de instituição >>
dos agentes representantes e a maneira como estes irão se apresentar e se fazer atuantes nos organismos
governamentais.
Esse jogo, presente nas sociedades democráticas – e do dissenso –, permite a formação de redes sociais
voltadas a pensar as políticas sociais de âmbito público. São destes novos atores e suas demandas que
vão aparecendo novas formas de gestão (gestão participativa, coletiva, comunal, autogestão, colaborativa
etc.) e estas, por sua vez, afetarão a representatividade e a governabilidade.
Mas tal como no texto de Vellozo, a autora levanta questões e deixa dúvidas no ar acerca da eficácia e
da efetividade destes novos modos de fazer-se representar da sociedade civil.
O empowerment dos grupos sociais não é apenas uma forma de organização para atuar no Estado,
mas, mais que isso, um elemento gerador de conflitos e novos dissensos entre Estado, seus agentes,
atores sociais e seus representantes. Assim, nos meandros dos processos de representatividade política,
Conselhos entram em conflito com o Governo, e representantes da sociedade civil podem também entrar
em conflito com seus representados, se fazendo mais parte cooptada do Estado do que representantes de
seus setores sociais e produtivos.
São os desvios burocratizantes já apontados por Vellozo que permitem também observar quando
representantes da sociedade civil assumem a óptica do Estado, reduzindo o espaço diferencial entre este
e a sociedade civil.
A perspectiva sistêmica e burocrática transforma de modo acelerado o espaço político dos Conselhos
em mero administrador de fundos culturais, restringido a sua atuação a um lugar técnico, destinado à
aplicação de leis e de construção e acompanhamento de editais.
A arena política se transforma em arena do capital monetário, e o debate recai na precariedade da
busca por recursos e mecanismos de fomento.
Na última parte do texto, Carvalho se dedica a traçar paralelos entre as histórias e a estruturação

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administrativa dos Conselhos de Cultura do Estado de Goiás e do Paraná, sem com isso desenvolver um
trabalho de cunho comparativo, algo que exigiria um redobrar dos dados e dos instrumentos de pesquisa.

IV

O capítulo de Rafael Guarato, Dança e Política do Cerrado, parte de um ponto de vista macrossocial,
da reforma administrativa do Estado brasileiro, de cunho geral embasada na cartilha da Descentralização,
e, do modo como as políticas públicas passam a ser o modus operandi da organização do poder público
estatal, com suas instituições e agentes, garantindo assim a governabilidade.
Ele traça dentro deste quadro, aos moldes do conjunto dos textos, os modos como as políticas de governo
receberam intervenções diretas e efetivas da sociedade civil, determinando a presença de discursos de
caráter social (demandas sociais específicas), fazendo com que cultura e identidade invadissem o cenário
das lutas políticas.
Mesmo assim, a esfera social não deixaria de se apresentar sob formas de uma economia e demandas
dos atores se transformaram em grande parte em solicitação de atendimento direto da demanda, o que
representa pensar a distribuição do “bolo financeiro” do Estado entre os interesses sociais. Estes, por sua
vez, não estão liberados de uma participação mais ampla na economia geral do mundo atual, e, portanto,
acabam por ser afetados, por políticas de marketing, avaliações estatísticas, e quantificação geral dos
interesses sociais.
A transformação das demandas em legislação e em programas e mecanismos de fomento revelam uma
boa parte desta história e transformam uma parcela do debate acerca das políticas para a arte e a cultura,
e neste livro, das políticas setoriais para a dança, em espaço de enfrentamento entre seus agentes e suas
demandas por recursos.
A economia e os efeitos perversos do localismo dos projetos artísticos também integram uma parcela
<< desta história. >>

O capítulo Fórum de Dança de Goiânia, Política e Engajamento, de autoria de Luciana Ribeiro e Valeria
de Figueiredo, é um relato sobre a história da constituição do Fórum da cidade. As autoras listam questões
surgidas entre as reuniões, revelando um pouco da problemática de pensar e atuar nas relações entre
arte, política e cidade.
Elas se valem de uma ideia geral do mesmo contexto de redemocratização para demonstrar quais são
as demandas dos atores que se autoidentificam como agentes da dança e da arte na cidade de Goiânia,
sendo elas mesmas parte integrante desta história. Assim, muito aquém de qualquer distanciamento,
apontam para desejos dos quais são parte ativa: o desejo de profissionalização do setor (formação,
capacitação, piso salarial, forma trabalho), de representatividade política e administrativa nos organismos
públicos, da construção de documentos, mapeamento setorial e de planejamentos para o setor tanto na
esfera dos municípios quanto do Estado.
Mesmo trazendo um elemento da óptica de Rancière, acabam por adotar uma visão mais culturalista
do que política, aos moldes de Stuart Hall, revelando o quanto o sintoma da culturalização e da estetização
do campo político são parte integrante do discurso dos agentes que se autorreconhecem e se legitimam.

VI

O texto-ensaio de Vera Bicalho, Instabilidade na vida artística ou a permanência da Quasar Cia. de


Dança, é um relato de trajetória que busca articular campo profissional da dança – no embate entre
carreiras, mercado e produção – com as políticas públicas.

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O material revela, de dentro da constituição e da história da companhia, um pouco das estratégias de
inserção nos circuitos profissionais ampliados – do nacional ao internacional – e como estes exigem uma
compreensão transversal entre economia, visibilidade, formação de uma marca (para além das questões
formais e estilísticas), relações amplas com as diferentes mídias, ao mesmo tempo em que não pode
perder o horizonte de formação, capacitação e melhoria das relações de trabalho.
É uma história de como as companhias se transformam também em empresas de arte e cultura, tendo
que lidar com questões do mundo do trabalho, salários, tributação, fiscalização, fazendo destas parte do
vasto círculo da cultura como negócio.
Por outro lado, os vazios das políticas públicas tornam esses grupos, muitas vezes, os responsáveis pela
manutenção do interesse público pela arte, tendo que enfrentar uma política imediatista de editais e a
famosa dinâmica de balcão de projetos.
Assim, negócios e publicização são confrontados com relevância cultural e esfera pública, numa divisão
entre aquilo que vende e aquilo que seria do interesse do setor em questão, tornando-se parte integrante
de um processo de tornar público, formar e ampliar plateias.

VII

Sobre como são as coisas, uma abordagem poética sobre o artista e gestor cultural Clayton Leme, de
José Geraldo Fernandes e Marila Vellozo, é um texto de memória da dança. Versa sobre um capítulo da
história local da dança em Curitiba, traçando caminhos entre a biografia e as práticas culturais e processos
criativos de Clayton Leme, um artista e gestor, parte da história do Fórum de Dança de Curitiba. O texto
relata, quase na forma de um testemunho, as combinações exercitadas por Leme entre organizações civis
e organismos públicos, interesses artísticos e exigências de mediações culturais, preocupações com a
cultura escolar que vigora e a falta do corpo e de uma cultura da infância nas escolas.
<< O artista-gestor, pontuado em Ribeiro e Figueiredo, é aqui ressaltado na trajetória singular, nas buscas e >>
investigações e, acima de tudo, na valorização da experiência e na busca da felicidade. Para tal empreitada,
os autores recontam parte de um programa de cultura para o município de Votorantim.

VIII

O livro ainda se constitui de um conjunto de relatos, alguns depoimentais, outros vizinhos do ensaio,
e outros ainda que se assemelham a artigos. Seus autores também são agentes transversalizados do
contexto da dança, passando por entre os lugares de artistas, gestores, produtores, captadores, curadores,
representantes de coletivos e de organismos da sociedade civil, cidadãos engajados na vida comum pela
sua expressividade estética.
São eles, Quando uma bailarina se descobre artista, quando uma artista se descobre corpo e,
por consequência, corpo político e dançante (Loana Campos), Vida versus Sobrevivência na Cultura
(Leonardo Taques), A porquaria de ser artista de dança (Luciana Ribeiro) e Relato de Kleber Damaso
(Kleber Damaso).
Loana Campos fala da constituição do seu corpo próprio, dançante e político, traçando os paralelos
entre sua formação estética e artística e sua integração nos circuitos de participação política e como este
cruzamento reafirma seu empoderamento no corpo.
Leonardo Taques relata a sua experiência de formação e atuação na dança, como artista cidadão,
passando sempre pela dança de salão e a dança folclórica e a criação do espaço pedagógico de invenção.
Luciana Ribeiro relata sua entrada pela porta dos fundos ou pelo avesso e seu desejo de ser um ser
dançante. As passagens entre a criação de um grupo, a reinvenção subjetiva na experiência coletiva, a
inserção e a posterior saída do espaço universitário extensionista, até chegar ao momento presente, lugar
gestora de um espaço de dança na cidade de Goiânia.

17
Kleber Damaso faz um relato a partir dos múltiplos da formação e da consolidação do sujeito artista. Do
artista ao produtor e do artista produtor, ele evoca dois outros modelos, teóricos e artísticos, de Joseph
Beuys e de Walter Benjamin. O relato de Damaso revela muito destes deslocamentos, trânsitos e fronteiras
na cadeia produtiva artística.
Para ele, o que resulta de tudo isso é a emergência da figura do artista-produtor e da importância de
manter a relevância e centralidade dos processos de criação, tanto no campo expandido da cultura (da
atividade criativa no campo social) quanto na arte propriamente dita e sua produção, tomando a esfera
técnica como parte integrante da poética.
Assim, conta-nos um pouco do projeto Conexão Samambaia e seu modelo aberto para a autogestão
tanto do processo de criação quanto da gestão administrativa do projeto, contrapondo esta ação com as
políticas para a cultura, que, em sua grande maioria, acabam sendo apenas efeitos perversos de agentes
especializados voltados quase exclusivamente para uma ação burocrática na esfera política. Tal como em
diversos capítulos deste livro e outros relatos, aparece como zona nebulosa, uma gestão policialesca da
cultura e das artes, para a qual o que é mais importante e relevante a afirmação quantitativa, os efeitos
publicitários, a garantia burocrática de poder para os agentes estatais.

IX

Finalizando, o conjunto de artigos e relatos é a produção sintomal dos embates que se dão nas sociedades
de uma ordem política democrática ao mesmo tempo que de uma ordem econômica de produção para o
consumo. Um grande dilema da democracia é o enfrentamento das demandas promovidas pela sociedade
civil e suas esferas de representação e como estas não são coisas dissociadas dos demais fazeres sociais e,
portanto, não podem estar descontaminadas de uma sociedade que também trata a cultura e a arte como
negócios e consumo.
<< São zonas tensas que surgem nas passagens entre criatividade, capital criativo e economia criativa. O >>
que cabe ao artista produtor? O que é da gestão? E o que pertence ao mundo dos negócios e ao mundo
da burocracia de Estado?
Fronteiras cada vez mais imprecisas, dignas de reflexão e de ação. Mas também são o sintoma de
uma cultura que se estetizou como um todo, fazendo design na esfera da economia e culturalizando e
estetizando o campo da política. Qual a potência em se politizar a arte? Qual a relevância em se estetizar a
esfera política? Questões ainda sem respostas, mas de suma importância, para balizar nossas atuações Este
é um livro de atores engajados e atuantes, comprometidos e imersos no presente. Assim, suas reflexões
são também memórias (memórias em trajeto e projeto e memórias do tempo presente) e, portanto, seus
juízos futuros serão por este lugar singular avaliados.

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Artigos

MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL E DE


FOMENTO PARA AS POLÍTICAS CULTURAIS:
UM PARALELO ENTRE OS CONSELHOS
DE CULTURA DOS ESTADOS DE GOIÁS
E DO PARANÁ POR UMA
PERSPECTIVA DA ÁREA DA DANÇA
Marcella Souza Carvalho

<< >>

RESUMO: O presente artigo possui o intuito de realizar uma abordagem do instituto dos Conselhos como
mecanismos de controle social inseridos no âmbito da democracia participativa no país. O estudo abrange
desde a análise do histórico de formação, classificações, composição, funcionamento e formas de atuação
dos variados tipos de Conselhos existentes no Brasil, até o tratamento específico e acurado dos Conselhos
de Cultura, passando pelo diagnóstico minucioso dos Conselhos Estaduais de Cultura de Goiás e do Para-
ná, com oportuna atenção à condição da Dança em ambos.

PALAVRAS-CHAVE: Conselho. Cultura. Democracia. Dança.

19
INTRODUÇÃO

O período de redemocratização da sociedade brasileira trouxe consigo a aparição dos Conselhos de Políticas
Públicas como atores desta nova fase de construção democrática e participativa do país. Sem dúvidas, os Conselhos
assumem papel de inovadores no campo da participação popular a partir do momento em que, de certa forma,
detêm influência nas decisões governamentais. Por evidente, este cenário se intensifica e ganha ainda mais
força após a promulgação da Constituição Federal de 1988, que lhes dá formato institucional, juntamente com
a gama de direitos civis e do apreço por decisões coletivas que trouxe a nova ordem constitucional. A despeito
de vigorar o regime do presidencialismo puro, no qual o comando é unipessoal, o equilíbrio se evidencia por
políticas específicas, como a dos Conselhos, ou ainda pela existência das casas parlamentares. Fato é que a CF de
1988 privilegia sobremaneira os Conselhos, criando e disciplinando uns, determinando a instituição de outros e
reconhecendo terceiros (CUNHA FILHO, 2010).
Entretanto, denota-se que o histórico de surgimento dos Conselhos tem início muito antes da redemocratização
e da Carta Magna Brasileira, diga-se ainda no período monárquico, no século XIX, conforme assevera o professor
Bernardo Mata-Machado (MACHADO, 2010). Já no Estado Novo, e juntamente com o surgimento de uma
série de Conselhos de áreas técnicas específicas, no ano de 1938 é criado o primeiro órgão colegiado do Brasil
dedicado às questões culturais, o Conselho Nacional de Cultura, então subordinado ao Ministério da Educação
e Saúde Pública.
Evidente que tais colegiados não detinham, à época, a mesma função de controle social e construção coletiva
como se dá na atualidade. Todavia já representavam um espaço de discussão e desenvolvimento de normas,
ainda que compostos pelos chamados “notáveis”, ou seja, indicados a dedo pelo governo e com o condão
de aconselhamento somente. Mesmo no período da ditadura, os Conselhos estiveram presentes, ainda que
cumprissem função meramente decorativa, tendo em vista o total cerceamento decisório do período. Novamente
emergia os chamados Conselhos de Notáveis.
<< De lá para cá, a presença dos Conselhos de Políticas Públicas nas instâncias de poder se fez constante, mesmo >>
que suas prerrogativas de constituição e funcionamento fossem intensamente diferentes ao longo dos períodos
históricos do país. A partir da década de 1980, e como já salientado com a força do cunho participativo disciplinado
pela Constituição de 1988, é que o cenário dos Conselhos populares se intensifica.
Segundo Machado (2010, p. 221): “Pelos exemplos retirados da história brasileira, verifica-se que a instituição
denominada “Conselho” serviu a diferentes regimes e exerceu diferentes funções: consultivas, deliberativas,
normativas, repressivas, recursivas, de fomento, articulação política, cooptação e legitimação”.
Fato é que hoje não se pode negar o simbolismo dos Conselhos de Políticas Públicas como objetos de desejo
por mudança e por mais democracia efetivamente participativa, de maneira institucional. A participação de
representantes da sociedade civil podendo influenciar nas decisões ressignifica o modelo de participação social
na sociedade democrática contemporânea.
Grande relevância nesse processo detêm os movimentos sociais, que desde sempre exercem forte influência
nos processos constituintes e na fiscalização e conservação de seus princípios. De fato, estão atrelados governo,
sociedade civil, movimentos sociais e os próprios conselhos no agir sobre o contexto político, pois nenhuma ação
acontece isolada dos demais interesses e áreas daqueles que são atores no cenário político (cidadãos e gestores).
A composição de um Conselho popular sempre exigirá, independente da sua forma, que os gestores respondam
ao clamor público por mudanças nas respectivas áreas. E no caso dos Conselhos estaduais e nacionais isso ainda
engloba as reivindicações de outras esferas administrativas.
A partir do momento em que o cidadão passa de mero espectador para protagonista e responsável pela
formulação de políticas públicas, ele começa a se reconhecer como agente da democracia, e assume o caráter de
compartilhamento de decisões com o Estado, lugar outrora nunca imaginado para a sociedade civil. A participação
social ganha o status de participação direta e tende a ser vista como ferramenta para a gestão, corporificando
uma nova forma de governo. Esta é a forma estratégica como os Conselhos de Políticas Públicas se impõem para
a qualificação da democracia.

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Importante destacar que o cenário acima descrito retrata um ideal teórico de como deveria ser a
funcionalidade desses Conselhos como espaços de controle social e construção democrática. Nem sempre
é isso que acontece, sendo necessário levarmos em consideração uma série de questões que surgem
dentro desses ambientes, ainda mais quando se trata dos Conselhos de Cultura,que por si só abarcam
uma temática plural e abrangente. Tudo isso será tratado no presente artigo, especialmente a partir da
análise dos Conselhos de Cultura dos Estados de Goiás e do Paraná, com destaque para como a área da
Dança se faz presente em ambos.

OS CONSELHOS COMO INSTRUMENTO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA POPULAR NO BRASIL

A origem da palavra conselho vem do latim consilium, e, quando utilizadas no campo da ciência política,
ambas representam um ato de aconselhamento, este podendo ser exercido individual ou coletivamente.
No caso do coletivo, o ato de aconselhamento dos conselheiros culmina no órgão denominado de igual
forma que o produto de sua atividade: conselho. Nas palavras do professor Francisco Humberto Cunha
Filho (2010, p.94):
Um agrupamento de pessoas, formalmente constituído por norma jurídica, para ter atuação de suporte a
dada autoridade, relacionada a determinada(s) política(s) pública(s). A atuação dos conselhos, enquanto ór-
gãos, permite observar a conver'gência e aproximação das seguintes ideias: pluralidade de pessoas, reunião,
decisão e ato. Efetivamente, a etimologia é latina e está na palavra consilium, também multifacetada, mas
que conserva, desde a origem, os sentidos expostos.

Conforme já mencionado, a Constituição de 1988 impulsionou o surgimento dos Conselhos de Políticas


Públicas com a participação da sociedade civil. Alguns, por obrigatoriedade de lei federal, nas diversas
instâncias (federal, estadual e municipal); outros têm sua origem em legislação municipal ou estadual,
conforme as especificidades de cada região; outros ainda derivam da pressão popular pela sua existência.
<< Sobre os diversos tipos de conselhos, assevera Ana Claudia Teixeira (2005, p.20):
>>
Alguns conselhos são gestores de programas específicos, como, por exemplo, o da Merenda Escolar e o do
Ensino Fundamental. Há, ainda, os formados para implementar políticas públicas num sentido mais amplo,
como o da Saúde, da Educação e da Cultura. Outros ainda são setoriais, ligados a grupos específicos da so-
ciedade, como o Conselho da Mulher; o Conselho do Negro ou o Conselho dos Portadores de Necessidades
especiais. Surgem, ainda, conselhos mais gerais que procuram, inclusive, abarcar outros já existentes no mu-
nicípio.

Estatísticas do IBGE relativas ao ano de 2001 indicam que nesse ano mais de 90% dos municípios
brasileiros registravam a presença de conselhos nas áreas da saúde, assistência e criança e adolescente.
Desde então, outras áreas da política também implementaram conselhos, como, por exemplo, no campo
das políticas urbanas e habitacionais, segurança, direitos humanos, segurança alimentar, cultura, bem
como áreas que buscam se estruturar como sistemas nacionais com a criação de conselhos, conferências,
fundos e planos (este é o caso do campo da cultura, que será mais bem delineado no tópico seguinte).
Os conselhos são criados com o intuito de propiciar espaços para diálogo com o Estado, deliberação e
implementação de novas políticas. São elementos estruturantes e momentos vitais para a rede de políticas
públicas de uma sociedade, e, como instituições burocráticas oriundas de processos participativos, detêm
natureza setorial e vínculo direto com os governos. Também por essa razão são vistos como espaços de
disputas pelo poder e disputas setoriais. A participação de representantes da sociedade civil é conquista
recente, e estes atuam em prol de que suas demandas sejam ouvidas e atendidas pelos dirigentes públicos,
considerando que as atribuições destes coletivos formados por distintos interesses consistem em traçar
diretrizes voltadas para a população. Portanto, a postura corriqueira não é mais somente a de combate ao
Estado, mas de compartilhamento das decisões e fiscalização dos recursos.
Em regra, o funcionamento dos conselhos é pautado por normas legais e administrativas que, ao longo
do tempo, estabeleceram certo padrão com relação à organização e estrutura desses órgãos, o que veio a
colaborar para o reconhecimento do seu papel no campo de decisões setoriais.

21
As leis específicas que regem esses conselhos – normalmente vinculados a um órgão público específico
de acordo com a área a ser representada – já determinam o seu modus operandi, ou seja, quais serão as
regras de funcionamento e estrutura desses órgãos. Mas mesmo os conselhos que porventura não são
regidos por legislação específica reproduzem o corriqueiro modelo organizacional e classificatório típicos
da criação desses colegiados.
De acordo com a área de representação, sua vinculação institucional e (ou) normativa, e suas
peculiaridades, cada conselho adotará os critérios de estrutura e funcionamento necessários, como, por
exemplo, a forma de indicação dos representantes da sociedade civil, a proporção destes com relação
aos indicados pelo governo (sendo o modelo paritário considerado o ideal), suas atribuições (consultivo,
deliberativo, normativo, fiscalizador), periodicidade das reuniões, seus órgãos internos de controle, divisão
de setoriais, regionais, e assim por diante. Sobre as regras recorrentes presentes nos conselhos, destaca-
se trecho da autora Soraya Vargas Cortes (2010, p.58):
Algumas regras são recorrentes nos conselhos: os participantes são representantes; as reuniões são perió-
dicas e regulares (bimensais, quinzenais, mensais, por exemplo); existe algum tipo de corpo diretivo além
da presidência, que pode ser uma mesa diretora, um núcleo de coordenação; e, em alguns deles, especial-
mente nos conselhos nacionais, estaduais e municipais em cidades maiores, existem estruturas técnicas de
apoio e administrativas de apoio (comissões técnicas, secretarias executivas, por exemplo). Normalmente,
a maior parte das decisões é tomada de modo consensual, o que envolve, em alguns casos, discussões.
Quando assuntos tornam-se objeto de disputa há votação e vence a posição majoritária. Outra regra reco-
rrente, quanto ao modo de funcionamento, é a existência de um regimento interno, que não é imutável.

O que se vê habitualmente é a conjugação de distintas maneiras de representação nos conselhos, que


podem ser por categorias e(ou) segmentos, e também pela representação territorial. Relevante asseverar
a importância da organização dos movimentos sociais na escolha dos representantes para compor o
Conselho, sua indicação e participação nos casos de votação popular.
Todas essas questões convergem para uma reflexão sobre a efetividade e eficácia dos conselhos,
<< partindo da análise das estruturas adotadas por eles, o que nos leva a refletir também sobre a relativização >>
da autonomia deles, a depender da conclusão a respeito de serem ou não modelos eficazes. Certamente,
o cenário ideal para a eficácia em um Conselho de Política Pública é aquele que, em primeiro lugar, adota
atribuição de deliberativo e fiscalizador, capaz de dar o crivo na formulação das diretrizes políticas e
na gestão de seus recursos; também aquele que é paritário em sua composição, equilibrando, assim, a
participação da sociedade civil com o governo.
Em suma, várias são as problemáticas que podem surgir desta análise e das experiências já vividas
por esses colegiados, algumas delas expostas a seguir, tais como a influência da territorialidade ligada à
articulação política, como bem ponderado por Soraya (2010, p.63):
De um lado estão aqueles localizados em cidades com vida política pouco institucionalizada e frágil organi-
zação da sociedade civil. Eles tendem a ser muito dependentes dos gestores para a formação das agendas
de discussão e mesmo para a definição das entidades que representam a sociedade civil. As assimetrias
de poder no interior desses conselhos aparecem principalmente através do controle que o gestor exerce
sobre a dinâmica de seu funcionamento e sobre o comportamento dos demais atores. De outro lado estão
os conselhos nacionais, estaduais, das capitais e das cidades em que existe uma forte organização da socie-
dade civil e a vida política é intensa. Esses fóruns tendem a ser mais atuantes, a funcionar regularmente, a
ter um certo grau de autonomia em relação ao gestor, a participar de processos de decisão e até a serem
propositivos.

O que ocorre na maioria dos casos é que, com o empoderamento dos conselheiros representantes
da sociedade civil, agora como atores com influência real e válida nos processos decisórios das políticas
públicas, uma série de efeitos vai surgindo, muitos deles derivados de conflitos com os representantes
do governo que procuram manter sob seu inteiro controle as decisões dos conselhos, a fim de evitar
situações que não lhes sejam favoráveis.
Por essa razão, muitas vezes, mesmo com esse empoderamento, os conselheiros representantes da
sociedade civil pouco podem fazer, o que pesa sobremaneira na sua condição de representatividade de

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classe, já que, em tese, aqueles que os elegeram/indicaram estão do outro lado acompanhando o trabalho
realizado. Entretanto, o que se percebe em alguns casos é que as entidades, os movimentos e as classes,
após a eleição de seus representantes, tendem a se afastar da rotina dos conselhos, seja porque a pauta
das reuniões não chega a ser discutida com as entidades, seja pelo distanciamento das decisões de classe
perante o respectivo Conselho. A verdade é que, em se tratando de representatividade setorial, fica difícil
conceber que uma só pessoa vá dar conta da demanda de todos os seus representados, sendo esta outra
situação delicada presente nos conselhos atualmente.
Muito se fala acerca da capacitação e qualidade dos conselheiros societais diante dos conselheiros
governamentais, para que dialoguem em um mesmo nível de debate, sem que, contudo, se tornem
especialistas, e que isso leve à burocratização da participação popular. Por outro lado, é necessário frisar
que a tentativa de equalizar o debate tende a desvirtuar os valores precípuos deste tipo de organização,
já que a presença de representantes da sociedade civil tem de ser aproveitada justamente pelo que traz
de diferencial e contribuição para além da visão governamental. Inclusive, a respeito da burocratização
dentro dos conselhos, alguns movimentos sociais e entidades criticam esse ambiente institucionalizado,
que limitaria o potencial de democratização da gestão pública, a tal ponto de hesitarem em integrar tais
espaços, por receio de legitimar o que consideram não democrático.
Ainda no âmbito da institucionalização, podem ser citados os conselhos que são formados por
indução e força de sistemas nacionais, sendo peças indispensáveis para estruturação desses sistemas, que
funcionam em rede e contam com repasses de verbas de fundos nacionais para estados e municípios que se
articularem implementando políticas que contam, além de conselhos, com planos, fundos e conferências
– como é o caso do Sistema Nacional de Cultura. Quando a motivação é essa, e esses conselhos são
criados segundo os princípios que regem a democracia participativa e efetivamente se prestem a formular
diretrizes para as políticas públicas de sua área, este é o cenário ideal. O problema reside na criação única
e exclusivamente para preencher um dos requisitos dos respectivos sistemas, cumprindo protocolo com
<< vistas ao recebimento de recursos dos fundos nacionais. >>
Outro ponto a se considerar seriam os conselhos que se voltam mais a atividades internas, como
regimento, cadastros, aprovação de projetos financiados, do que efetivamente a traçar diretrizes para
as políticas públicas, deixando que tais decisões ocorram por fora. Nesse sentido, é válido mencionar
a criação de “vazios produtivos na agenda dos conselhos”, como bem ponderado por Luciana Tatagiba
(2010, p. 46):
Em primeiro lugar, é preciso “criar vazios produtivos na agenda dos conselhos”, para que os conselheiros
possam ter tempo e energia para pensar a política de forma ampla e generosa, propor saídas, disputá-las na
esfera pública, criar articulações no interior dos governos, dos legislativos, comprometer o judiciário etc. Para
isso, é preciso resistir à conformação da agenda dos conselhos pelos executivos que mesmo bem intenciona-
dos acabam, muitas vezes, sobrecarregando o cotidiano dos conselhos com questões que são prioridade para
os governos, mas não necessariamente para o campo de produção de determinada política vista de forma
ampla. Também é preciso resistir à tendência de usar os conselhos como espaços para realização dos interes-
ses das entidades e segmentos que o compõe.

Crucial também trazer ao debate a questão dos recursos públicos de um conselho, fator estritamente
vinculado à sua eficácia. Nem sempre os conselheiros conseguem trabalhar do modo como gostariam,
aplicando suas políticas e deliberações, por falta de verba. É reflexo da falta de verba do órgão público
a que está vinculado, o que acaba transformando o ambiente em uma arena de disputa somente por
recursos financeiros. Mesmo com as deliberações dadas à unanimidade por conselheiros governamentais
e societais, nem sempre há respaldo da secretaria ou órgão público respectivo. Esse é outro aspecto
condizente à relativização da autonomia nos conselhos.
A baixa eficácia pode ser relacionada também quando não há paridade na composição desses colegiados,
aspecto fundamental para o equilíbrio das decisões a que se prestam esses espaços de participação
popular na construção de políticas públicas.
Recursos escassos, conselheiros que não são funcionários públicos – na grande maioria dos casos não

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se prevê remuneração aos conselheiros, quando muito paga-se reembolso dos gastos por diárias (jeton) –,
infraestrutura reduzida, falta de articulação entre conselhos inseridos em sistemas nacionais, e os limites
que são inerentes aos Conselhos de Políticas Públicas são outros exemplos de problemáticas enfrentadas.
De toda forma, é necessário lembrar que os Conselhos de Políticas Públicas são instituídos por lei, e por
isso pertencem ao Estado e não, ao governo. Dependem, é claro, do governo para o seu funcionamento,
mas não são propriedade de uma gestão ou outra. O que se pode notar é que, ao longo do tempo e até
os dias de hoje, os conselhos variam muito conforme sua localidade, tema, gestão política e condições de
funcionamento. Todo esse cenário, aliado à complexidade da área cultural, será abordado a seguir.

A EVOLUÇÃO DO CONTROLE SOCIAL E FOMENTO PARA AS POLÍTICAS CULTURAIS:


O PAPEL DOS CONSELHOS DE CULTURA

O campo da Cultura, por certo, não fica à margem da dinâmica política e do contexto de democracia
participativa acima mencionado. Justamente o contrário, até pela sua conotação plural e polissêmica,
a cultura está atrelada e permeia estrategicamente todos os campos relacionados à implementação
de políticas públicas. Tanto é que o conjunto que compreende os artigos 215 e 216 está diretamente
relacionado ao tema cultura na Constituição Brasileira de 1988, em que está demonstrado que o Estado
garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, bem
como apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Além disso, os dispositivos indicam que a proteção das culturas populares, indígenas, afro-brasileiras
e de outros grupos do processo civilizatório nacional é um objetivo a ser traçado, além de traduzirem um
sentido de necessidade de uma política de preservação proposta a garantir aos cidadãos o pleno direito à
cultura, sendo esta entendida como valores pelos quais se reconhece uma nação.
Com as inovações das políticas do Ministério da Cultura, desencadeadas no governo de Luis Inácio Lula
<< da Silva, com início em 2003, iniciou-se uma mudança fundamental no modelo de gestão cultural no país, >>
com uma maior presença e participação do Estado, propondo novas diretrizes para o desenvolvimento
das políticas culturais, sob o comando dos Ministros Gilberto Gil e Juca Ferreira. O Ministério da Cultura
foi o responsável pela criação de uma nova política pública de cultura no Brasil, proveniente de um
Plano Nacional de Cultura (de caráter plurianual), e de um Sistema Nacional de Cultura, hoje previsto
na Constituição Brasileira, envolvendo a sociedade civil e os entes federados integrantes do processo.
Além de outras políticas implementadas, tais como a aprovação do Vale Cultura, Programa Cultura Viva,
projeto de modificação na Lei Rouanet, Conferências de Cultura, dentre outros modelos que evidenciam
a importância das políticas culturais no cenário democrático da atualidade.
Ao lado disso, o tema dos conselhos foi trazido intensamente para este momento de fundamental
conformação de uma política estável para a área cultural, principalmente a exemplo da renovação do
Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) no ano de 2007. O debate envolvendo Conselhos de
Cultura resulta no reconhecimento de singularidades e peculiaridades afetas à área, que, pelo seu conceito
amplo, provocará mudanças para além daquelas que implicam a participação da sociedade civil junto
ao Estado e a contemplação das mais diversas vertentes culturais nos conselhos. Além de dar conta da
inclusão das diferentes áreas, etnias, classes artísticas, culturas populares, setores da economia cultural,
entidades, representantes territoriais e de patrimônio material e imaterial, entre outras, esses colegiados
deverão também representar espaços de transversalidades com políticas de áreas que possuam interface
com a Cultura, tais como: educação, meio ambiente, turismo, saúde, finanças, planejamento, transportes
públicos, habitação, turismo, ciência e tecnologia, segurança pública e desenvolvimento econômico e
social – ou seja, nada fica de fora quando o assunto é cultura.
Tal qual já mencionado neste artigo, a primeira referência a órgão colegiado destinado às questões
culturais no país seria data no ano de 1938, o Conselho Nacional de Cultura. Pouco se sabe sobre tal

24
formação, sendo que a próxima referência deste tipo de colegiado se dá em 1961, durante o governo Jânio
Quadros, e ligado diretamente ao presidente da República (CALABRE, 2010).
Durante a ditadura militar, o Conselho Nacional de Cultura foi extinto e substituído pelo chamado
Conselho Federal de Cultura (CFC), em 1966. Destaca-se que a cultura ainda estava dentro do Ministério
da Educação, apesar da criação desse conselho. Sobre o Conselho Federal de Cultura (RUBIM; BRIZUELA;
LEAHY, 2010, p.113):
O CFC tinha como prioridade política a recuperação das instituições de cultura nacionais sob a responsabilida-
de do governo federal e a institucionalização da área cultural no campo da administração pública. Para isso,
as atribuições do Conselho Federal eram de estimular a criação dos Conselhos Estaduais de Cultura, Secre-
tarias de Cultura; formular a política cultural do país e elaborar o Plano Nacional de Cultura, que levasse em
consideração à diversidade regional.[...] Também era tarefa do CFC implementar as casas de cultura, sendo
a primeira inaugurada em 17 de dezembro de 1970, na cidade de Lençóis, na Bahia. Em sua trajetória, o CFC
apresentou alguns planos de cultura para o governo em 1968, 69 e 73, mas nenhum deles foi posto em práti-
ca. Uma das principais consequências que esta pesquisa pode verificar, é que até 1973 foram criados mais da
metade dos conselhos estaduais em atividade atualmente [...] No final dos anos 1970 e durante os anos 1980,
o CFC teve um papel cada vez menor na política pública para o campo da cultura, possivelmente pela criação
de organismos culturais a nível federal que vão assumindo as funções antes desempenhadas pelo CFC. Na
constituição de 1988, não aparece nenhuma menção ao CFC.

Há que se considerar que a criação tanto desses conselhos quanto daqueles criados pós-motivação
da Constituição Federal de 1988 não detinha o cunho participativo popular como as estruturas atuais, as
quais detêm abertura para interferência e participação da sociedade civil na formulação de suas políticas.
Tal perfil sequer era imaginado até pouco tempo, prevalecendo a composição de conselhos por notáveis,
com o cunho apenas consultivo na maioria dos casos.
Após a extinção do Ministério da Cultura no governo de Fernando Collor, em 1991, o órgão é recriado no
ano seguinte depois por Itamar Franco, contando com um Conselho Nacional de Política Cultural composto
por notáveis, mas que, entretanto, não perdurou por muito tempo, até sua completa inatividade no ano
<< de 2000. O fato é que o modelo de abertura dos conselhos à participação democrática ocorre mesmo a >>
partir de 2003, com a definição das novas políticas nacionais de cultura do MinC, especialmente no que
diz respeito ao Sistema Nacional de Cultura.
A implantação do SNC possui como prerrogativa a criação, por Estados e Municípios, de órgãos gestores
da cultura, constituição de conselhos de política cultural democráticos, realização de conferências com
ampla participação dos diversos segmentos culturais e sociais, elaboração de planos de cultura com
participação da sociedade (já aprovados ou em processo de aprovação pelo legislativo), criação de sistemas
de financiamento com fundos específicos para a cultura, de sistemas de informações e indicadores
culturais, de programas de formação nos diversos campos da cultura e de sistemas setoriais articulando
várias áreas da gestão cultural.
Ou seja, o SNC motivou ainda mais a criação de conselhos democráticos de Cultura uma vez que eles
são indispensáveis para que União, Estados e Municípios articulem-se nesta rede de fortalecimento
institucional das políticas culturais com a participação da sociedade. Aqueles que já existiam realizarão
as adaptações necessárias seguindo o padrão estabelecido pelo CNPC, bem como aqueles que passam a
existir a partir de então. É importante lembrar que isso envolve também repasse de verbas via SNC, uma
vez cumpridas todas as suas prerrogativas pelos Estados e Municípios.
No ano de 2005, foi promulgado o Decreto nº 5.520, que veio a reestruturar o Conselho Nacional de
Política Cultural (órgão colegiado integrante da estrutura básica do Ministério da Cultura). Este órgão,
instalado definitivamente em dezembro de 2007, tem como finalidade «propor a formulação de políticas
públicas, com vistas a promover a articulação e o debate dos diferentes níveis de governo e a sociedade
civil organizada, para o desenvolvimento e o fomento das atividades culturais no território nacional»
(VELLOZO, 2011, p.51).
Pela primeira vez composto por membros eleitos pela sociedade – além do poder público federal,
estadual e municipal; de setores empresariais, culturais e de fundações e institutos –, o CNPC forma-

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se pelos seguintes entes: I – Plenário; II – Comitê de Integração de Políticas Culturais; III – Colegiados
Setoriais; IV – Comissões Temáticas e Grupos de Trabalho; e V – Conferência Nacional de Cultura. Ainda
sobre o CNPC:
O CNPC foi reformado e refundado em 2005. Está em operação desde 2007 e é composto em sua maioria por
representantes da sociedade civil, indicados, em geral, pelos colegiados setoriais e por organizações específi-
cas. Funcionando com regularidade, espera-se que seja uma referência para os demais conselhos de cultura
do país. O CNPC propõe e aprova as diretrizes gerais do Plano Nacional de Cultura (PNC), assim como propõe
e estabelece as diretrizes gerais para a aplicação de recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC). Cabe tam-
bém ao conselho fiscalizar, acompanhar e avaliar tanto o PNC como o FNC. É, ainda, encarregado de aprovar
o regimento interno da Conferência Nacional de Cultura (RUBIM, BRIZUELA, LEAHY, 2010, p.142).

Fica nítido que a autonomia e independência dos conselhos constituem fator fundamental para
a efetiva e eficaz consecução de suas funções. Sua composição, os procedimentos de eleição para os
representantes da sociedade civil, a escolha de presidente, a questão orçamentária e independência
financeira, a não subordinação ao governo, são fatores indispensáveis, sem os quais fica impossibilitado
o reconhecimento desses colegiados como espaços efetivos de partilha de poder. Sobre a estrutura e
vinculação dos conselhos de cultura, destaca Hamilton Faria (2010, p.281):
Grande parte dos conselhos é organizada a partir das estruturas das secretarias ou órgão específico respon-
sável pelas ações culturais, do município ou do estado. No entanto, há que separar as águas entre secretaria
e conselho. O conselho necessita de uma secretaria de apoio que registre os debates, convoque as reuniões,
facilite a atividade das comissões, facilite encontros regionais, desenvolva pesquisas e indicadores. É neces-
sário também recursos para deslocamentos e para remunerar a participação dos conselheiros, sua partici-
pação em pautas gerais e ações específicas, particularmente de articulação com o território e com processos
preparatórios de conferências. Atualmente a participação deve-se à boa vontade de alguns militantes e aos
bolsos de alguma organização que financia a participação dos conselheiros.

É imprescindível também que se valorizem os espaços de discussão cultural da sociedade civil, como
fóruns, grupos, coletivos etc., para que haja o interesse da classe em integrar os conselhos. Além disso, que
<< haja articulação entre os conselhos nas suas instâncias municipal, estadual e federal, que se proponham >>
ações integradas entre eles, e que o CNPC atue como incentivador e organizador desses programas.
Um bom exemplo é a criação do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura – conecta, o qual
se constitui em um processo de articulação dos conselhos estaduais. Outro exemplo de programa de
articulação é a reunião de representantes de conselhos de cultura de todo o país no evento organizado
pelo Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura da Universidade Federal da Bahia (Cult/UFBA), em
parceria com o Ministério da Cultura (MinC), denominado Seminário Políticas Culturais, Democracia e
Conselhos de Cultura. Realizado na capital baiana, possui o objetivo de elaborar uma investigação sobre o
papel dos conselhos de cultura no Brasil.
A seguir serão analisadas as estruturas de dois conselhos estaduais de cultura, o Conselho de Cultura
do Estado de Goiás (CEC-GO) e o Conselho Estadual de Cultura do Paraná (CONSEC).

CONSELHO DE CULTURA DO ESTADO DE GOIÁS (CEC-GO)

A primeira vez que o Estado de Goiás teve uma lei instituindo Conselho de Cultura foi em 10 de
novembro do ano de 1967, precisamente publicada no Diário Oficial da cidade de Goiânia no dia 4 de
dezembro do mesmo ano, sob o nº 6.750. Com oito artigos em sua constituição, a lei previa a criação do
Conselho Estadual de Cultura (CEC-GO) contando com doze membros, todos nomeados pelo Governador
do Estado, por um período de seis anos, e sendo estes “personalidades eminentes da cultura goiana e de
reconhecida idoneidade (Art. 1º da Lei 6.750/67)”. Ou seja, um Conselho de Notáveis.
Entretanto, a posse dos primeiros conselheiros deu-se apenas no ano de 1972, sendo que o
funcionamento regular do Conselho – com a devida aprovação de um regimento interno pelo Governador
– deu-se apenas no ano de 1973. De lá para cá, treze conselheiros já ocuparam o cargo de presidente do
Conselho de Cultura de Goiás.

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A lei que hoje rege o Conselho é do ano de 2001, nº 13.799 de 18 de janeiro, tendo sido revogada a
lei anterior de 1967. A lei atual possui 16 artigos em sua constituição e conserva traços estruturais da
primeira disposição normativa. O Regimento Interno vigente foi homologado por decreto em 20 de agosto
de 2003, com alterações nos anos de 2004, 2005 e 2006, tendo a seguinte redação em seu primeiro artigo:
Art. 1 – O Conselho Estadual de Cultura, criado pela Lei nº 6.750 de 10 de novembro de 1967, órgão colegiado
da Governadoria, com atribuições normativas, deliberativas, consultivas e fiscalizadoras, com sede em Goiâ-
nia e jurisdição em todo o Estado de Goiás, tem por finalidade promover a gestão democrática da política de
cultura do Estado, nos termos do disposto na Lei nº 13.799 de 18 de janeiro de 2001, com a redação intro-
duzida pela Lei nº 13.829 de 7 de maio de 2001.

O CEC-GO é órgão independente vinculado diretamente à Casa Civil. A antiga Secretaria de Cultura foi
incorporada na então instituída Secretaria de Educação, Cultura e Esporte pela Lei nº 18.746 de 29 de dezembro
de 2014, a qual dispõe sobre a constituição e organização dos órgãos componentes da administração
direta do Estado de Goiás. Dentro dessa Supersecretaria – como é chamada – existe uma Superintendência
Executiva de Cultura, porém sem ligação com o Conselho, que atua de forma independente ligado somente
à Governadoria; condição essa que de pronto remete à sua autonomia e liberdade de ação, o que antes não
ocorria plenamente devido à vinculação que o Conselho mantinha com a antiga Secretaria de Cultura.
A Lei do CEC-GO prevê doze artigos que dispõem sobre suas competências, e, além destes doze, o
Regimento Interno prevê mais treze artigos que dispõem sobre as diversas competências do Conselho, desde
as mais formais – como estabelecer diretrizes para as políticas culturais, fiscalizar a execução dos projetos
culturais, avaliar os projetos culturais e artísticos, emitir pareceres, promover a proteção e conservação de
obras e patrimônio histórico, elaborar o plano estadual de cultura – até as mais específicas – como indicar
bens para tombamento, publicar boletim ou revista, manifestar-se sobre a edição de livros, revistas, discos e
produtos semelhantes, manifestar-se sobre a concessão de bolsas de estudo ou viagens culturais, articular-se
com órgãos institucionais do Estado visando amparar o ensino da História, Geografia, Letras, Artes e Folclore
<< de Goiás; dentre tantas outras.
>>
A composição conta com 12 membros conselheiros, sendo seis indicados pelo governo e outros seis eleitos
por entidades culturais, representando a sociedade civil. Todo o procedimento de eleição está detalhado no
regimento interno, compreendendo indicação de um conselheiro e um suplente pelas entidades culturais
cadastradas no Conselho – as entidades precisam estar formalmente constituídas e são agrupadas em seis
segmentos culturais, a saber: I- ciências humanas, memória e patrimônio histórico, artístico e cultural; II-
artes plásticas e artesanato; III- artes cênicas; IV- cinema e vídeo; V- música; e VI- letras – e votação entre
estas mesmas entidades nos seus indicados.
O fato de as eleições para representantes da sociedade civil ocorrerem somente mediante a indicação de
entidades cadastradas ainda causa certa crítica por parte de artistas e coletivos que não possuem entidades
formalmente constituídas, e que, portanto, não se sentem representados por aquelas devidamente
cadastradas, e também daqueles que sabem que os processos de eleição dos Colegiados Nacionais funcionam
diferentemente deste modelo.
O mandato dos conselheiros representantes da sociedade civil é de seis anos, sendo que os conselheiros
indicados pelo governo possuem mandato de quatro anos, coincidindo com a gestão que realizou a indicação.
Portanto, de dois em dois anos a composição do CEC-GO é renovada em um terço de seus membros.
Em relação à estrutura interna, o Conselho possui como órgãos de sua administração: o pleno, as câmaras
técnicas e a presidência.
O Pleno é o órgão deliberativo do CEC-GO e suas reuniões ocorrem semanalmente, em sessão ordinária,
às sextas-feiras. As deliberações são tomadas pelo voto da maioria simples de seus membros, cabendo ao
presidente o voto de qualidade. A maioria absoluta é utilizada apenas nos casos de eleição de presidente e
alteração do Regimento Interno. A presidência é composta pelo presidente e vice-presidente, com mandato
de dois anos (permitida reeleição) para ambos, sendo que o presidente designa ainda quem desempenhará
a função de Secretário Geral do Conselho (tal função é remunerada conforme previsão da Lei do Conselho).

27
Qualquer dos membros pode ser eleito para a Presidência.
São Câmaras Técnicas do Conselho: I- Câmara Técnica de Ciências Humanas; II- Câmara Técnica de Letras
e Artes; III- Câmara Técnica de Memória e Patrimônio Cultural; e IV- Câmara Técnica de Legislação e Normas.
Cada Câmara Técnica é composta por três membros designados pelo Presidente, após ter sido ouvido o
Pleno, sendo um deles escolhido para desempenhar a função de coordenador da Câmara. Cada Câmara pode
instituir suas próprias reuniões, cujo conteúdo é apresentado nas reuniões do Pleno. Importante destacar
que a divisão entre tais Câmaras existe desde a primeira Lei do CEC- GO, em 1967. A intenção é que se levem
em conta as aptidões e os interesses de cada conselheiro na hora da divisão entre as câmaras, para que se
conserve uma distribuição equilibrada e com vistas à efetividade dos trabalhos desempenhados.
O fato de haver apenas três conselheiros na composição de cada câmara torna o seu debate mais rápido
e objetivo, sendo suas deliberações internas levadas às reuniões do Pleno por meio de pareceres.
Quando necessário, o CEC-GO pode instituir ainda Comissões Especiais, em casos específicos cuja matéria
escape da área peculiar das Câmaras Técnicas.
Direitos e deveres dos conselheiros são previstos no Regimento Interno. Além disso, está previsto o
recebimento, pelos conselheiros, de um jeton no valor de noventa reais pela comprovada presença nas
sessões, respeitando o limite máximo de vinte ocorrências por mês. Cada jeton equivale a duas horas de
participação.
No que diz respeito à Lei de Incentivo Estadual, Lei Goyazes, a atribuição de recebimento, análise e avaliação
dos respectivos projetos é, por lei, afeta ao Conselho de Cultura. Os projetos são recebidos e distribuídos por
ordem de chegada aos conselheiros, para análise e parecer. São também os conselheiros que determinam o
valor que será aprovado para captação de tais projetos.
Já o Fundo Estadual de Cultura, que teve seu primeiro edital realizado recentemente em 2014, prevê 0,5%
da arrecadação líquida do Estado, escalonado em três anos até chegar a esse valor efetivamente. O CEC-GO
participou da avaliação dos projetos do primeiro edital, trabalho árduo, considerando a demanda de projetos
<< apresentada. Por essa razão, está em debate a proposta de abertura de edital nacional de chamamento >>
de pareceristas, ficando o Conselho e a Superintendência de Cultura – estrutura interna da Secretaria de
Educação, Cultura e Esporte – responsáveis pela coordenação destes trabalhos.
O CEC-GO é também o responsável por organizar indicações e outorgar homenagens a personalidades ou
entidades de destaque no meio cultural do Estado. São elas o Troféu Jaburu, Medalhas de Mérito Cultural e
Diplomas de Destaque Cultural do Ano, entregues em sessão solene do Conselho, em nome do Governo de
Goiás.
Pode-se dizer que a gestão de Carlos Cipriano no CEC-GO (2010/2014) teve grande atuação e
reconhecimento, se analisarmos o processo de abertura e estruturação para um colegiado forte e participativo,
resultado de ações iniciadas ainda na gestão anterior, de Custódia Anuzziata.
O Conselho esteve profundamente envolvido nas questões atinentes à Lei Goyazes e ao Fundo Estadual,
inclusive tomando para si a análise dos projetos do primeiro edital do Fundo, bem como o fato de ter
conseguido diminuir o escalonamento do pagamento dos projetos aprovados de cinco vezes para três vezes.
Além disso, envolveu as setoriais para que participassem dos processos de consulta, não restringindo este
papel somente às entidades cadastradas.
Outra dificuldade vencida se deu quando o gestor da pasta da Casa Civil pretendeu utilizar-se do Sistema
Estadual de Cultura para modificar a estrutura do Conselho, quando na verdade quem detém tal prerrogativa
de mudança é somente o próprio Conselho. O CEC-GO possui sítio eletrônico próprio no qual constam
informações sobre a formação, as atribuições, as normas e o funcionamento do Conselho.
Em relação ao Sistema Nacional de Cultura, Goiás assinou o Acordo de Cooperação Federativa do Sistema
em 21 de dezembro de 2012, sendo atribuído prazo indeterminado à vigência do acordo por meio do termo
aditivo publicado no D.O.U, de 07 de março de 2013.

28
CONSELHO DE CULTURA DO ESTADO DO PARANÁ – CONSEC

Dos documentos arquivados na Secretaria de Cultura de Estado do Paraná, constam livros de Atas e de
Posse do Conselho Estadual de Cultura datados de janeiro 1985, provenientes do Decreto nº 4.569 de 21
de dezembro de 1984, da então Secretaria de Cultura e do Esporte. Tratava-se de um Conselho de Notáveis,
indicados diretamente pelo governo. Este é o registro mais antigo que diz respeito à implementação de
Conselho de Cultura no Estado. Também constam termos de posse de conselheiros culturais nos anos de
1988, 1990 e 1992, sempre com uma média do número de conselheiros variando entre 10 e 15 membros.
Não há registro de lei ou de regimento que regulamentasse tais Conselhos.
No início dos anos 2000 formou-se ainda novo Conselho, apenas consultivo e composto de indicações
do governo, mas não perdurou, todavia. Não há registro dessa nova formação na Secretaria de Cultura.
Após esse período, não há mais qualquer apontamento relativo ao Conselho de Cultura.
Já no cenário de inovação da estrutura do Ministério da Cultura na Gestão de Gilberto Gil, com a
construção do Sistema Nacional de Cultura, permanecia o Paraná ainda sem Conselho e sem assinar o
Acordo de Cooperação Federativa relativo ao Sistema Nacional de Cultura. Em junho de 2010, por meio da
Recomendação nº 7 do Ministério da Cultura, publicada no D.O.U de 29/07/2010, o Conselho Nacional de
Políticas Culturais recomendou a instalação de conselhos nos estados de Minas Gerais, Paraná e Rondônia,
até então os únicos da federação a não possuir tal órgão.
O projeto de Lei para criação do Conselho Estadual de Cultura formalizou-se apenas em setembro de
2010, por meio do PL nº 421/2010. Foram realizadas, a partir de então, algumas audiências públicas no
Paraná para o debate do referido projeto de lei. Em outubro de 2010, o CNPC apresenta “Moção de Apoio
à célere tramitação, na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, do Projeto de Lei nº 421/2010, que
cria o Conselho Estadual de Cultura – Consec”, publicada no D.O.U de 22 de novembro do mesmo ano.
Em 2010 surge ainda no Estado do Paraná o Movimento Pró-Conselho Estadual de Cultura do Paraná,
<< formado pela classe artística e interessados na mobilização para criação do CONSEC. >>
Após as alterações necessárias no PL nº 421/2010, a lei que institui o Conselho Estadual de Cultura
– CONSEC é publicada somente em 23 de janeiro de 2012, e a primeira formação de conselheiros toma
posse em 31 de julho do mesmo ano. É também no ano de 2012, precisamente em 05 de dezembro (com
publicação no D.O.U de 12 de dezembro), que o Paraná assina o Acordo de Cooperação Federativa tendo
como objeto estabelecer as condições e orientar a instrumentalização necessária para o desenvolvimento
do Sistema Nacional de Cultura (SNC) com implementação coordenada e (ou) conjunta de programas,
projetos e ações, no âmbito da competência do Estado.
Assim rege o primeiro artigo do Regimento Interno do CONSEC:
Art. 1º – O Conselho Estadual de Cultura, instituído pela Lei Estadual nº 17.063/2012, caracteriza-se como
órgão composto por representantes do Poder Executivo Estadual; por representantes das macrorregiões
histórico-culturais e por representantes das áreas artístico-culturais, presidido pelo Secretário de Estado da
Cultura, e que tem por finalidade participar na formulação das políticas públicas de cultura para o Estado do
Paraná, constituindo- se, para tanto, como órgão colegiado de caráter consultivo, normativo, deliberativo e
fiscalizador, integrante da estrutura organizacional básica da Secretaria de Estado da Cultura – SEEC.

São 36 os membros que compõem o colegiado, com seus respectivos suplentes, sendo 18 indicados
pelo governo e os outros 18 representantes da sociedade civil. A distribuição dos conselheiros segue a
seguinte estrutura: I- o Secretário de Estado da Cultura, na qualidade de Presidente; II- 17 membros titulares
escolhidos pelo Poder Executivo Estadual, sendo: (a) cinco membros selecionados entre funcionários efetivos
ou detentores de cargo em comissão, em exercício na Administração Pública Estadual; (b) um representante
das Universidades Estaduais; (c) um representante das Universidades Federais localizadas no Paraná; (d)
um representante escolhido dentre os gestores de cultura das seguintes organizações: Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Social do Comércio (SESC), Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas
e Médias Empresas (SEBRAE) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); (e) um representante
da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP); e (f) oito representantes selecionados entre os

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gestores municipais de cultura; III- 18 membros titulares e respectivos suplentes, sendo oito representantes
das regiões histórico- culturais do Paraná (Campos Gerais, Centro-Sul, Curitiba e região metropolitana,
Litoral, Nordeste, Noroeste, Oeste e Sudeste) e dez representantes das seguintes áreas: (a) teatro; (b) ópera;
(c) circo; (d) artes visuais; (e) audiovisual; (f) dança; (g) literatura, livro e leitura; (h) música; (i) patrimônio
cultural material e imaterial; e (j) manifestações populares, tradicionais e étnicas da cultura.
O processo de eleição dos representantes da sociedade civil deu-se via cadastro de eleitores e candidatos
no site da Secretaria de Cultura. Tanto candidatos quanto eleitores deveriam preencher cadastro de agente
cultural, e estar vinculado a alguma entidade de sua área. Conforme previsão na lei do Conselho, os candidatos
são eleitos em Conferência Estadual de Cultura, convocada pelo Governador do Estado e regulamentada
por meio de edital pelo Secretário de Estado da Cultura. O mandato de todos os conselheiros corresponde
ao período de dois anos. Quanto à periodicidade das reuniões ordinárias, a lei prevê que estas ocorram
bimestralmente, conforme calendário aprovado na primeira sessão plenária do ano. Nesse primeiro biênio,
as reuniões aconteciam, em sua maioria, em dois dias seguidos, mas não há definição formal na lei ou no
regimento desse período.
O Regimento interno foi elaborado e aprovado pelo CONSEC em suas primeiras reuniões. A função de
conselheiro não é remunerada, sendo considerada relevante serviço prestado ao Estado. A Secretaria de
Cultura arca com as despesas de deslocamento, hospedagem e alimentação dos membros. As pautas são
preparadas e encaminhadas aos conselheiros pela Secretaria de Estado da Cultura.
As competências do CONSEC estão previstas na Lei e em seu Regimento, dentre elas: participar da
formulação das políticas públicas de cultura no Estado; cooperar com os conselhos de cultura nas esferas
municipal, estadual e federal; emitir pareceres; incentivar a proteção do patrimônio cultural; valorizar
manifestações culturais locais; incentivar pesquisas sobre a cultura paranaense; fiscalizar recursos; participar
da elaboração do Plano Estadual de Cultura; participar da formulação dos editais do Programa Estadual de
Fomento e Incentivo à Cultura do Paraná – PROFICE, entre outras.
<< A lei do CONSEC prevê ainda que, conforme a necessidade, o Conselho criará Comissões Técnicas e >>
Grupos de Trabalho, com o objetivo de fornecer subsídios para a tomada de decisões em temas específicos,
transversais ou emergenciais.
Como integrante da estrutura organizacional básica da Secretaria Estadual de Cultura, esta presta todo o
apoio técnico, administrativo e financeiro, com o repasse de recursos humanos, materiais e estrutura física
para o desempenho das funções do CONSEC. As deliberações são tomadas por maioria simples de votos,
tendo o Presidente voto de qualidade.
Quanto à organização interna, o CONSEC possui Mesa Diretora cujo Presidente sempre será o Presidente
do Conselho, que, por sua vez, sempre será o Secretário de Cultura de Estado. Fica a cargo dos membros
via voto secreto eleger, dentre seus pares, um Vice-Presidente e um Secretário Geral para mandato anual.
Há previsão ainda de função de Secretário Executivo, indicado pelo Presidente dentre os funcionários que
compõem o Gabinete do Secretário de Cultura.
O sítio eletrônico da Secretaria de Estado da Cultura possui link para informações do CONSEC, tais como
identificação dos Conselheiros, Legislação e Regimento Interno, regulamentação das eleições, registro de
áudio e vídeo das reuniões.
Falar sobre o CONSEC implica uma análise de sua primeira formação apenas, já que é a primeira experiência
de Conselho popular instituído por lei no Estado. O que se pode dizer é que esse período serviu mais para
estruturação interna do que efetivamente formulação de políticas públicas. Em primeiro lugar, sendo o
Presidente do Conselho sempre a figura do Secretário Estadual de Cultura, além do fato de o CONSEC já
estar subordinado à estrutura da Secretaria, denota certa tendência e extrema dependência das posições
governamentais. Por mais que o Conselho seja paritário, a situação tal qual apresentada não remete a um
equilíbrio ideal, nem a uma efetiva chance de que as decisões sejam influenciadas pela participação popular
dentro do Conselho.
No primeiro ano de existência do CONSEC, o montante destinado à Cultura não chegava nem a 0,3% da

30
Receita Estadual (o valor atual não se distancia muito disso). Até hoje o Paraná não possui Fundo Estadual de
Cultura regulamentado. Tal situação prejudicou sobremaneira o andamento das atividades do CONSEC. Sem
verbas para o regular desempenho de suas funções, o Conselho realizou apenas nove reuniões ordinárias,
sendo a última de novembro de 2013, véspera da Conferência Nacional de Cultura.
A primeira formação do CONSEC ficou de novembro de 2013 até o final de seu mandato (julho de
2014) sem realizar reuniões. Nove meses sem qualquer indício de funcionamento ou posicionamento da
Secretaria de Cultura. Até que em agosto de 2014, já com o mandato vencido, os conselheiros receberam via
correspondência uma carta da Secretaria de Cultura informando sobre o término do mandato.
Ainda falando sobre a primeira gestão do CONSEC, alguns pontos podem ser destacados quanto à postura
de alguns conselheiros perante os acontecimentos, especialmente os representantes da sociedade civil, que,
em sua maioria, não se sentiam em condições de exercer tal representatividade, já que não lhes era fornecida
estrutura suficiente ante a falta de verbas do Governo para com a pasta da Cultura. Tanto é que no mês de
outubro de 2013 veio a notícia de que o Governador pretendia fazer a fusão das pastas das Secretarias de
Cultura e Turismo do Estado, passando ambas a representar uma só Secretaria.
A notícia causou furor e não foi bem aceita por nenhuma das duas áreas. O movimento ficou conhecido
como #contrafusão. Alguns dos membros do CONSEC, à época dos acontecimentos, publicaram carta aberta
de repúdio a tal medida administrativa; oportunidade essa em que também solicitaram reunião extraordinária
do Conselho. Entretanto, o pedido não foi atendido. Tendo em vista as inúmeras manifestações, veiculação
nas mídias e tratativas políticas, o Governador voltou atrás em sua decisão com relação à fusão, mantendo
as duas Secretarias.
Em março de 2014, nova carta aberta de membros do Conselho foi publicada e entregue formalmente ao
presidente do Conselho e então Secretário de Cultura do Estado, questionando a ausência de informações
sobre as atividades do CONSEC, bem como uma série de “pendências” referentes aos trabalhos iniciados
pelo Conselho e outrora não concluídos, como o lançamento do Edital do PROFICE, o Plano Estadual de
<< Cultura e a revisão da lei de criação do CONSEC. A carta ainda questionava o cancelamento do Edital de >>
Festivais de Cultura, isso depois de aprovados os projetos; e a situação do Fundo Estadual de Cultura. Outro
documento foi publicado pelo mesmo grupo de conselheiros em junho de 2014, solicitando maior prazo de
consulta pública referente ao Plano Estadual de Cultura e, novamente, solicitando reunião extraordinária.
Todavia, conforme já mencionado, após a última reunião em novembro de 2013, o CONSEC não mais
voltou às suas atividades. Em agosto de 2014, após o recebimento de carta oficial aos conselheiros indicando
o término do mandato, nova carta aberta foi publicada por um grupo de conselheiros, demonstrando o total
descontentamento quanto à gestão, e relatando todos os acontecimentos do período.
Durante a gestão, o CONSEC reivindicou presença de representante da Secretaria da Fazenda do Estado
para demonstrar as possibilidades de recursos para a pasta da Cultura; por diversas vezes foi solicitada
atenção às setoriais; levou-se à pauta a denúncia em relação ao programa Conta Cultura; potencializaram-
se as assinaturas da petição pública e moção pela PEC150 (a qual prevê destinação de 1,5% da receita
estadual para a Cultura); os conselheiros estiveram presentes como delegados natos da Conferência Estadual
de Cultura; até mesmo reuniões organizadas por conta dos próprios conselheiros aproveitando a vinda de
alguns deles para a capital a fim de que alguma providência fosse tomada.
Enfim, a eleição para o preenchimento das vagas da sociedade civil foi convocada apenas em outubro
de 2014, por meio de Conferências realizadas às pressas e sem a devida divulgação para votação, que desta
vez partiu da indicação de entidades culturais cadastradas no site da Secretaria de Cultura. Entretanto, os
novos conselheiros ainda não foram empossados. Em razão da falta de verbas, essas mesmas Conferências
destinadas à eleição dos novos conselheiros serviram para divulgação de um Plano Estadual de Cultura
formulado sem a devida participação do Conselho e da sociedade civil. O Paraná, que nunca antes teve
legislação de incentivo à cultura, lançou o primeiro edital do PROFICE em dezembro de 2014, sendo que
em fevereiro de 2015 a verba anunciada de 30 milhões de reais foi cortada, e não se sabe qual o valor que
realmente será destinado ao CONSEC.

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Em suma, está claramente demonstrado que toda a situação descrita ocorreu devido à falta de verba e
condições para manutenção tanto do CONSEC quanto das próprias políticas culturais do Estado; situação
esta que nem o Conselho, nem os funcionários da Secretaria, e muito menos a população têm autonomia
e condições para reverter, apesar de todos os esforços.

PARALELO ENTRE AS DUAS ESTRUTURAS E A ÁREA DA DANÇA

Primeiramente, importante destacar que o presente tópico não possui o condão de realizar qualquer
tipo de comparação entre os dois colegiados apresentados, já que tal feito seria inconcebível uma vez que
ambos possuem raízes extremamente distintas. Não se poderiam esperar as mesmas condições de um
conselho que acaba de encerrar sua primeira experiência de formação em detrimento de outro existente
desde o ano de 1967 e que perdura até os dias de hoje com estrutura semelhante.
O que se pode traçar são alguns pontos de diferenciação a partir do modelo em que as políticas culturais
são instituídas em cada um deles, e sobre os reflexos então decorrentes de suas estruturas, experiências,
composição, e tempo de duração, inclusive.
É inegável que o CEC-GO representa um modelo sólido e que reflete seu longo período de existência. Em
que pese ter se reestruturado para atender às prerrogativas de participação social democrática, o CEC-GO
conserva sua estrutura básica galgada nas Câmaras Técnicas e em sua composição, que prevalecem desde
a sua criação. A autonomia do CEC-GO é talvez sua maior característica e diferenciação, não somente
quando posto lado a lado ao CONSEC, mas com relação à maioria dos Conselhos de Cultura, já que está
vinculado diretamente à Casa Civil, contrariamente ao CONSEC, que permanece em extrema dependência
do governo, por meio da Secretaria de Estado da Cultura.
Tornou-se clara também a diferenciação na área dos recursos destinados a ambos, pois o CEC-GO dispõe
de um valor considerável para projetos do Fundo Estadual de Cultura, enquanto o Estado do Paraná passa
<< por período crítico com relação às suas finanças, sequer tendo condições suficientes para manutenção das >>
atividades do CONSEC.
Pode-se destacar ainda que a diferença quanto à função de presidente dos conselhos analisados
exerce grande influência, já que em um deles a condição de presidente é imutável resguardada sempre ao
Secretário de Cultura de Estado, por sua vez, representante do governo. De forma geral, a formatação de
ambos distingue-se sobremaneira, podendo ser facilmente reconhecida mediante uma análise ainda que
superficial dos seus regimentos.
Em relação à área da dança, no Paraná, houve movimento intenso para que o projeto de lei do CONSEC
seguisse o previsto na Moção da 10ª Reunião do Conselho Nacional de Política Cultural (nº 25, de 23 de
junho de 2010, publicada no D.O.U de 06 de julho de 2010), que dá apoio à Câmara Setorial de Dança pelo
cumprimento da Recomendação nº 01/2005, que aconselha a todas as instâncias públicas ou privadas,
em todas as esferas da Federação, que evitem o uso da nomenclatura Artes Cênicas como expressão
generalizadora de áreas distintas como Teatro, Dança, Circo e Ópera. Isso porque o PL previa uma cadeira
única de Artes Cênicas no CONSEC. Foi a partir da forte mobilização da classe da dança, tanto nas audiências
públicas quanto por reivindicação direta e de formas variadas à Secretaria de Cultura, que se conquistou o
desmembramento da referida cadeira em quatro outras distintas, cada uma delas representando as áreas
da dança, teatro, circo e ópera.
Como Conselho pioneiro, e ante as dificuldades estruturais do CONSEC, pouco pôde ser feito na área, uma
vez que não havia previsão de apoio direto às setoriais, tampouco de recursos, por mais que tenham sido
por diversas vezes solicitados pelos conselheiros. A maneira menos drástica de atuar representativamente
foi, na medida do possível, manter a classe informada das atividades e agir como porta-voz do que fosse
necessário.
Já no CEC-GO, a atuação na área da dança é voltada para o fortalecimento no que tange ao mercado
de trabalho e também à inserção da Dança nos diálogos dentro do Conselho, com vistas a ter autonomia

32
dentro das Artes Cênicas. Foi assim que, por dois anos consecutivos, foram previstas medalhas para a
área da Dança dentro da Homenagem do Troféu Jaburu, feito nunca conquistado. Além disso, nos últimos
quatro anos, a representatividade da dança conseguiu prever verba para o Fundo no mesmo patamar das
áreas de Teatro, Literatura e Artes Visuais, da mesma forma que houve aumento de aprovados na área da
Dança na Lei Goyazes.
Tudo isso demonstra o quanto a área da dança está se solidificando tanto em Goiânia quanto no Estado
todo, e o quanto o diálogo é o caminho acertado para tais conquistas. Outro grande feito para a área é
que o Fórum de Dança, organização de representatividade dentro do cenário da dança em Goiás, mesmo
não sendo entidade cadastrada por não possuir CNPJ, teve indicação aceita pelo Conselho para ocupação
da vaga de Artes Cênicas. Sem dúvida, outro indício de como a área tem se articulado de maneira efetiva
perante o Conselho e as políticas culturais do Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todo o exposto neste artigo, algumas percepções sobressaem quanto às experiências de políticas
públicas alcançadas por meio dos Conselhos, especialmente os de Cultura. Viu-se que, apesar das
inovações democráticas trazidas especialmente após a Constituição Federal, ainda perduram, no cenário
dos conselhos brasileiros, exemplos de práticas ultrapassadas, como os colegiados que não passam por
qualquer processo eletivo.
No campo da Cultura, ainda existem atualmente conselhos de cultura tradicionais que se afastam da
estrutura ideal do Sistema Nacional de Cultura. Para que isso não ocorra, é necessário limitar a participação
governamental desenfreada e sem equilíbrio dentro dos conselhos, o que retira totalmente a autonomia
que devem possuir.
Os espaços de participação popular democrática são, sem dúvidas, salutares para a sociedade brasileira
<< contemporânea, especialmente na área da Cultura. Entretanto, é necessário que haja atenção suficiente >>
para que tais instrumentos não se engessem de modo a tornarem-se extremamente institucionalizados e
rígidos, a ponto de perderem seu real objetivo, o que seria ainda pior no caso dos conselhos de cultura, já
que possuem a peculiaridade de lidar com uma área plural e abrangente.
Ainda faltam fontes fiéis de informação a respeito do formato que os conselhos vêm tomando, o que
se pretende solucionar com o controle do Sistema Nacional de Cultura. Visto também que os conselhos
podem adotar estruturas as mais diversificadas possíveis, o que se pode dizer de comum a eles é que,
para que atinjam uma participação política popular ampla e efetiva, esses colegiados deveriam ter, no
mínimo, metade de seus membros representantes da sociedade civil, sendo a escolha de seu presidente
livre, ou seja, desvinculado do governo; que estes sejam eleitos democraticamente por seus pares; e que,
efetivamente, possam influenciar na formulação de políticas públicas para sua área.
É certo que, no que diz respeito à grande maioria dos conselhos no Brasil, configura-se como um
desafio a demanda pela efetiva participação política, sendo que todos os atores deste contexto, tanto a
sociedade civil quanto o poder público, devem amadurecer a compreensão das atividades envolvidas no
funcionamento dessas instituições híbridas que são os conselhos de políticas públicas, além de considerar
neste aspecto o quanto o campo da cultura interfere não só nos conselhos de políticas culturais, mas
também na totalidade das estruturas colegiadas.

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REFERÊNCIAS

ATAS E LIVRO POSSE DO CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA DO PARANÁ DOS ANOS DE


1985, 1988, 1990 E 1992.

BRASIL. Lei nº 12.343, de 2 de Dezembro de 2010. Institui o Plano Nacional de Cultura – PNC, cria o
Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais – SNIIC e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 03 dez. 2010.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, 5
de outubro de 1988. Brasília, 1988.

BRASIL. Ministério da Cultura. Moção nº 25, de 23 de junho de 2010. Moção da 10ª Reunião do
onselho Nacional de Política Cultural que dá apoio à Câmara Setorial de Dança pelo cumprimento da
Recomendação nº 01/2005, que aconselha a todas as instâncias públicas ou privadas, em todas as
esferas da Federação, que evitem o uso da nomenclatura Artes Cênicas como expressão generalizadora
de áreas distintas como Teatro, Dança, Circo e Ópera. DOU, Brasília, DF, 06 jul. 2010, seção 1, p.15.

BRASIL. Decreto nº 5.520, de 24 de agosto de 2005. Institui o Sistema Federal de Cultura – SFC e dispõe
sobre a composição e o funcionamento do Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC do Ministério
da Cultura, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de agosto de 2005 BRASIL.
Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010. Institui o Plano Nacional de Cultura – PNC, cria o Sistema
Nacional de Informações e Indicadores Culturais – SNIIC e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 03 de dezembro de 2010;
<< >>
BRASIL. Ministério da Cultura. Moção nº 27, de 20 de outubro de 2010. Moção de Apoio à tramitação
do Projeto de Lei nº 421/2010 na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná. DOU, Brasília, DF, 22 nov.
2010, seção 1, p.28.

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RUBIM, Iuri (Orgs.). Políticas culturais, democracia e conselhos de cultura. Salvador: Edufba, 2010.

CÔRTES, Soraya Vargas. Conselhos de Políticas Públicas: o falso dilema entre institucionalização
e democratização da gestão pública. In: RUBIM, Albino; FERNANDES, Taiane; RUBIM, Iuri (Orgs.).
Políticas culturais, democracia e conselhos de cultura. Salvador: Edufba, 2010.

CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Conselhos no Vigente Modelo Constitucional do Brasil: paradigma
para a construção dos congêneres culturais. In: RUBIM, Albino; FERNANDES, Taiane e RUBIM, Iuri (Orgs.).
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Salvador: Edufba, 2010.

FARIA, Hamilton. Conselhos de Cultura: novos e antigos desafios da cidadania cultural. In: RUBIM,
Albino; FERNANDES, Taiane; RUBIM, Iuri (Orgs.). Políticas culturais, democracia e conselhos de cultura.
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GOIÁS. Decreto de 20 de Agosto de 2003 – REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO ESTADUAL DE

34
CULTURA – Diário Oficial. nº 19.223 de 25 de Agosto de 2003.

GOIÁS. Lei nº 13.799, de 18 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o Conselho Estadual de Cultura
e dá outras providências. D.O. de 25.01.2001.

GOIÁS. Lei nº 6.750, de 10 de novembro de 1967. Cria o Conselho Estadual de Cultura e dá outras
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MACHADO, Bernardo Novaes da Mata. Conselhos de Cultura e Democratização do Estado no Brasil.


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MACHADO, Bernardo Novaes da Mata. Participação Política e Conselhos de Cultura: uma proposta.
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PARANÁ. Resolução nº 67/2012 de 08 de outubro de 2012. Torna público o Regimento Interno do


Conselho Estadual de Cultura do Estado do Paraná
<< >>
PARANÁ. Projeto de lei nº 421/2010 de 21 de setembro de 2010. Anteprojeto de lei tendo por objetivo
implantar o Conselho Estadual de Cultura – CONSEC.

RUBIM, Iuri; BRIZUELA, Juan; LEAHY, Renata. Políticas Culturais, Democracia e Conselhos de Cultura.
In: RUBIM, Albino; FERNANDES, Taiane; RUBIM, Iuri (Orgs.). Políticas culturais, democracia e conselhos
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Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

WITKOWSKY, Sacha. Entrevista concedida à autora em janeiro de 2015.

35
DANÇA E POLÍTICAS ESPECÍFICAS
Marila Vellozo

<< >>

RESUMO: Partindo de um breve registro sobre alguns dos componentes que estruturaram políticas cul-
turais e da área da dança nos últimos 12 anos, em esfera nacional, objetiva-se valorizar mecanismos e
espaços de participação política gerados neste período. O artigo apresenta aspectos que dificultam a im-
plementação de deliberações do Estado a partir dos espaços de discussão, em virtude, por exemplo, de
mecanismos legais não aprovados, da falta de estrutura e dotação orçamentária, do desmanche de es-
paços de participação. Baseia-se em documentos como o Regimento Interno do Colegiado Setorial de
Dança, o Plano Nacional da Dança (PND), entre outros e na experiência vivenciada em espaços de parti-
cipação e representação, pela autora. O texto reitera a importância de desenhar-se uma política nacional
para a área da dança que pode vir a ser efetivada pela implementação do (PND) e pelo fortalecimento da
Fundação Nacional das Artes/Funarte.

PALAVRAS-CHAVE: Dança. Políticas culturais. Participação política. Mecanismos de seleção e de fomento.

36
INTRODUÇÃO

[...] pensar diferentemente – esse pensamento deve estar profundamente nas nossas in-
tenções, ações e assim por diante [...]
David Bohm

O período em recorte, neste texto, abrange os oito anos de governo Lula (2003 a 2010), e os anos
subsequentes, até 2014, e parte do processo de implementação do Sistema Nacional de Cultura. É a partir
daí que sucede a instalação de espaços de participação instaurados pelo Governo Federal como órgãos
colegiados como as Câmaras Setoriais, o Conselho Nacional de Política Cultural, seus respectivos Colegiados
Setoriais, pré- conferências setoriais e conferências nacionais; a reorganização do Fundo Nacional de Cultura,
por meio de Comitês como o Técnico de Circo, Dança e Teatro; a formulação de projetos de lei com a revisão
da Lei Rouanet e elaboração do Procultura; a abertura de consultas públicas para ocupação de espaços de
representatividade nessas instâncias, incluindo os específicos como a coordenação de dança da Funarte – e
a elaboração dos planos setoriais das áreas artísticas e de áreas da cultura. Além da Proposta de Emenda
Parlamentar 1501 (PEC 150/2003), para destinação de recursos à Cultura com vinculação orçamentária de
2%.
Uma análise de ações e do desenvolvimento da dança em relação aos temas mencionados é considerada
a partir de dois pressupostos: sua especificidade como norteadora para a elaboração de programas,
implementação de ações e para a ocupação de espaços de representatividade; e o processo de participação
ativa – aquela, segundo BUNGE (2009) e SEN (2009), que transforma e modifica algo – para a elaboração de
suas políticas específicas e para a ocupação dos espaços mencionados.
Durante os doze anos em questão, houve períodos de transição na administração tanto no Ministério
da Cultura quanto na própria Funarte, o que reverberou em alterações nos espaços de representatividade
da dança e mesmo nos órgãos Colegiados, a exemplo do período de suspensão dos trabalhos das Câmaras
<< >>
Setoriais, entre 2006 e final de 2007. Essas alterações ainda envolveram mudanças de representante no
Ministério da Cultura – Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana Maria Buarque de Hollanda, Marta Suplicy e o retorno
de Juca Ferreira, em 2015 –, cinco mudanças na presidência da Funarte – Antonio Grassi, Celso Frateschi,
Sergio Mamberti, Antonio Grassi, Guti Fraga e Francisco Bosco – e duas mudanças na Coordenação de
Dança da Funarte – Marcos Moraes, Leonel Brum e Fabiano Carneiro.
O marco mais importante das ações políticas para as artes realizadas nesse período, e que se refere
à valorização de especificidade em espaços de participação, foi a implantação das Câmaras Setoriais2 de
Teatro, Dança, Música e Circo, em 2005.
A atribuição das Câmaras Setoriais era a de fornecer subsídios e formular recomendações que
fundamentassem o estabelecimento de diretrizes, estratégias e políticas públicas voltadas ao
desenvolvimento das áreas artísticas e culturais, de acordo com os eixos centrais que orientam as políticas
do Ministério da Cultura e do próprio Plano Nacional de Cultura, e criando os planos setoriais de cada
segmento. E a atribuição de manter ativos o espaço e a consulta pública junto à sociedade civil. Para a dança
foi um marco especial já que inicialmente foi lançada a Câmara Setorial de Artes Cênicas, desdobrando-se a
nomenclatura e o funcionamento logo no início em Câmaras de Circo, de Dança e de Teatro, respectivamente,
conforme solicitação dos representantes da dança ao então Secretário-Executivo, Juca Ferreira, que acatou
a reivindicação. Cabe ressaltar a importância desse fato vinculado à recriação da Coordenação de Dança, na
Funarte, que registra uma motivação conjunta e de demanda expressiva da classe artística da dança, que
ainda exige conquistas nesta seara da especificidade como a destinação de recursos financeiros para a área.

1 A PEC 150/2003 foi transformada em PEC 241/2013, encontra-se desde janeiro de 2015 na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados
como “Arquivada nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados”.

2 O lançamento das Câmaras Setoriais (música, cênicas, visuais, livro e literatura) foi na Cinemateca brasileira da Funarte, em São Paulo,
em 25 de outubro de 2005.

37
As Câmaras Setoriais eram constituídas por representantes do setor público federal e estadual, além de
representantes da cadeia produtiva de cada atividade artística, por área de atuação; objetivavam elaborar e
avaliar as políticas desses setores e tiveram sua gestão orientada pela Funarte, nesse início.
Na dança integraram a primeira gestão 11 representantes de dez estados e do distrito federal, e cinco espe-
cialistas em áreas da cadeia produtiva3.
As diretrizes pontuadas por essas Câmaras buscavam a elaboração de diagnósticos e rumos para o
desenvolvimento das atividades artísticas e se constituíram na elaboração do Plano Nacional da Dança
(PND), fundamentado nos resultados obtidos na I Conferência Nacional de Cultura e nas consultas que foram
possíveis e realizadas por meio dos membros das Câmaras Setoriais, desde 2005.
Importante salientar que ao longo do processo de elaboração do PND fóruns específicos foram criados, a
exemplo dos Fóruns de Dança de Goiânia e de Curitiba, entre outros pelo País, que atuaram dando suporte aos
trabalhos de consulta e debate e contribuindo para o levantamento de demandas junto aos representantes da
Câmara Setorial, especialmente até junho de 2009. Organizações civis da área, representantes das Câmaras e
a coordenação de dança da Funarte trabalharam, de modo unificado, na construção do PND.
Os trabalhos das câmaras setoriais foram suspensos por quase dois anos, entre 2006 e 2007, e somente
com o estabelecimento do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), em dezembro de 2007, foram
resgatados. A suspensão dos trabalhos ocorreu por decisão do Ministério da Cultura não tendo sido
encontrada nenhuma explicação sobre as razões específicas desta interrupção que se desdobrou na perda
de documentos elaborados pelas câmaras setoriais. Para Marcos Moraes (2010):
Na criação das Câmaras Setoriais especulou-se que o ‘abacaxi’ político [da criação e implantação das mes-
mas, cercada de resistências e desconfiança] nos havia sido jogado no colo pelo Ministério como parte das
dificuldades de comunicação que havia entre setores do MinC e a Funarte. No entanto, uma vez ‘descascado
o abacaxi’, ficou comprovado que as Câmaras haviam se transformado numa excelente ferramenta institucio-
nal. Imagino que o ministério preferiu esperar sua nova agenda política para re-impulsionar o funcionamento
das Câmaras, incluindo a mudança de ministro que ocorreria um pouco adiante.
<< A fala de Marcos Moraes pontua um aspecto recorrente no entendimento de gestores quanto a >>
compreender o espaço de participação da sociedade civil como um “abacaxi”, metáfora que retrata como
pejorativos as preocupações, as perturbações e os incômodos gerados pelo embate de argumentações e
contra- argumentações entre poder público e sociedade civil, e mesmo pelo dissenso:
A escolha desse termo [dissenso] não busca simplesmente valorizar a diferença e o conflito sob diversas
formas: antagonismo social, conflito de opiniões ou multiplicidade de culturas. O dissenso não é a diferença
dos sentimentos ou das maneiras de sentir que a política deveria respeitar. É a divisão no núcleo mesmo do
mundo sensível que institui a política e a racionalidade própria. Minha hipótese é, portanto, a seguinte: a ra-
cionalidade da política é a de um mundo comum instituído, tornado comum, pela própria divisão (RANCIÈRE,
1996, p.368).

O dissenso por meio dessa compreensão, está longe de ser um mal-entendido ou apenas uma opinião
contraditória, porém encerra uma prática de convívio e de debate que em si mesma é estruturada pelas
divisões, como o autor aponta, e que exige um exercício permanente de reconhecimento do que divide, não
como algo negativo, e sim, como uma das dimensões da política. Nesse sentido, o dissenso parece ser um
componente indispensável para uma maior dimensão democrática, assim como para Robert Dahl (2009)
esta dimensão ampliada codepende da liberação do debate público e do aumento do direito à participação
por meio da representação. Liberação do debate público e representação por meio de participação são
caminhos que democratizam países, instituições, espaços, à medida que são ampliados, do mesmo modo
que o dissenso.
Ao mesmo tempo, o direito de participação política demanda um espaço de interlocução e escuta
requerendo a exposição das causas e dos projetos públicos e um regime político que possa desenvolvê-los
(BUNGE, 1979).
3 Os representantes foram indicados pelas organizações de dança de seus estados, e vários deles vinham de uma militância junto ao
Fórum Nacional de Dança.

38
E é considerando todos esses aspectos sobre participação ativa e política que se entende neste texto a
importância da retomada dos órgãos colegiados com condução do CNPC, em final de 2007 – inicialmente
coordenados pela Funarte –, pois o objetivo era que estes viessem a cumprir o papel de órgãos consultivos,
de escuta à sociedade civil4. Com o estabelecimento do CNPC, houve uma alteração na denominação do
órgão, de câmara para colegiado setorial.
Em janeiro de 2010, foram eleitos os delegados pré-setoriais que estiveram na I Pré-Conferência Setorial
realizada em Brasília, em março do mesmo ano, quando se elegeu a segunda composição do Colegiado
Setorial. As duas composições iniciais do colegiado formularam políticas específicas para a área artística
e reformataram o plano setorial que deve nortear os planos setoriais de estados, municípios e distrito. O
plano setorial de Dança (PND) foi publicado, em julho de 2010, pela Funarte5.
A terceira composição do colegiado (2013-2014) contribuiu, especialmente, para o andamento
das políticas culturais em âmbito nacional com a revisão das Metas do Plano Nacional de Cultura em
conjugação com o PND; com uma aproximação e interlocução efetiva com a então ministra Marta Suplicy
e para a efetivação do Projeto de Mapeamento Nacional da Dança6, aprovado no Fundo Nacional de
Cultura, no Comitê de Circo, Dança e Teatro, em 2010 e que até 2014 (não havia se efetivado por falta
de recursos). Em audiência com a Ministra Marta Suplicy, no dia 29 de abril de 2014, Dia Internacional da
Dança – quando foi protocolado documento (anexo) com as reivindicações da Área –, foi direcionada pelo
Ministério da Cultura (MinC) a quantia de 1 milhão de reais para iniciar o projeto de Mapeamento nas
capitais brasileiras.
Partindo de um valor bastante inferior ao que previa o projeto inicial de Mapeamento nas capitais foi
necessária uma readequação no projeto, que o subdividiu em três etapas. Esse tempo e o atraso entre a
data de aprovação de um projeto em uma determinada instância – por exemplo, Fundo Nacional de Cultura
– e a execução do mesmo projeto, demonstram que o fato de existirem os mecanismos que medeiam os
diálogos para consulta e para a elaboração de planejamento para a área, não basta para a realização e
<< implementação das diretrizes e ações programadas. >>
A falta de estrutura do MinC e das instituições vinculadas a este ministério para efetivar o processo de
escolha, definição e organização das políticas culturais dificulta o prosseguimento das ações e indigna os
mediadores desses processos de consulta pelo atraso no desencadear das ações que invalidam orçamentos
e o próprio planejamento ou programa, em si. O mesmo tem ocorrido com conselhos de cultura por todo
País, que mesmo quando são deliberativos, não dão cabo de efetivar por intermédio de seus conselheiros
as demandas da sociedade e (ou) do próprio Sistema Nacional de Cultura7.
A segunda e terceira composição do Plenário do Colegiado Setorial de Dança contemplaram: I (cinco)
representantes do Poder Público, escolhidos dentre técnicos e especialistas indicados pelo Ministério da
Cultura e (ou) pelos órgãos estaduais, distrital e municipais relacionados ao setor e seus suplentes; e 15
representantes da sociedade civil organizada.
A representação8 da sociedade civil passou por uma mudança significativa ao contemplar representantes
das cinco macrorregiões administrativas e não mais de 11 estados da federação e um do Distrito Federal.
São 15 integrantes, sendo cinco representantes regionais, três da área de produção, três da área de
criação e três da área de formação. O 15º membro efetivo pode ser escolhido por critérios definidos

4 Os espaços de participação muitas vezes são os primeiros a serem desmanchados quando se trocam gestões na área da Cultura, basta
observar o momento atual de transição no MinC cujo primeiro mecanismo a ser questionado em sua composição e representatividade é
o CNPC e seus órgãos colegiados.
5 Para acessar o Plano nacional da Dança, na íntegra conforme publicação mencionada:
http://pnc.culturadigital.br/wp-content/uploads/2012/10/plano- setorial-de-danca-versao-impressa.pdf
6 Um dos principais objetivos solicitados pelo Colegiado Setorial foi de que esse projeto de mapeamento estabelecesse parceria com os
grupos de pesquisa dos cursos de dança, pelo país, promovendo o fomento e uma rede nacional de pesquisadores.
7 Ver mais no artigo de Marcella Souza: “Mecanismos de controle social e de fomento para as políticas culturais: um paralelo entre os
conselhos de cultura dos estados de Goiás e do Paraná por uma perspectiva da área da dança”.
8 O mandato dos representantes do poder público é de um ano, e improrrogável, a contar da data da posse, sendo permitida uma única
recondução, e o mandato dos representantes da sociedade civil é de dois anos, improrrogável, a contar da data da posse, sendo permiti-
da uma única recondução. Cada titular tem um suplente, escolhido no mesmo processo eleitoral.

39
a cada mandato. Para o segundo mandato, por exemplo, foi escolhido entre os membros das antigas
Câmaras Setoriais. Em um país com as dimensões territoriais como as do Brasil, onde uma região chega a
ser composta por nove estados da federação, este modelo de representatividade passa a ser um desafio
de grande magnitude visto que não há subsídios financeiros para que os representantes regionais possam
circular pelos estados.
Outro importante espaço de representação da dança na esfera de poder federal foi lançado em setembro
de 2010, com os fundos setoriais do Fundo Nacional de Cultura. O Fundo Setorial, que se chamaria de
Artes Cênicas, foi modificado para Fundo Setorial de Circo, Dança e Teatro com a instalação dos Comitês
Técnicos destes Fundos Setoriais. Os representantes da sociedade civil que compuseram os Comitês
eram integrantes dos Colegiados Setoriais do CNPC e foram eleitos em votação realizada nas reuniões
dos próprios Colegiados e escolhidos por seus membros. Com dois membros efetivos e dois membros
suplentes de cada área, o fundo setorial exercitado era, em setembro de 2010, de caráter consultivo e
analisou os programas propostos pela Funarte tendo sido lançado um edital em novembro do referido
ano. Porém, logo na sequência, esses Comitês foram dissolvidos sem nenhuma justificativa por parte do
MinC.
Novamente, vê-se uma reincidência do padrão de gestão do Estado em não dar prosseguimento
aos espaços de participação instituídos por ele mesmo e a interrupção das atividades e (ou) programas
inicialmente estabelecidos. Percebe-se que este padrão inclui primeiramente a exclusão ou desmanche
do espaço de diálogo instituído e, na sequência, a não efetivação da ação ou programa a este vinculado. O
que demonstra uma falta de planejamento conforme a estrutura existente de determinada instituição e,
ao mesmo tempo, uma falta de compromisso com a área da cultura pelas instâncias superiores ao próprio
Ministério da Cultura. Outra estratégia utilizada usualmente por gestões que encontram dificuldades
orçamentárias, além das mencionadas, é a de misturar diferentes especificidades em um mesmo edital de
seleção pública para repasse de verbas que fomentam a produção nas artes e na cultura. Um exemplo disso
<< é quando se juntam no mesmo edital projetos de dança e de outras linguagens artísticas para concorrem >>
entre si.
Ainda, sob o aspecto de políticas setoriais específicas, houve uma “conquista” pontual e importante
(ainda não legitimada pela aprovação da lei) da classe artística da dança com a criação de um fundo
setorial no projeto de lei do Procultura9 (PL 6722/10), (Programa Nacional de Fomento e Incentivo à
Cultura), e de um Prêmio para a área da Dança, que até o presente momento, intitula- se “Mambembe”.
A inserção desses mecanismos de fomento setoriais no projeto de lei do Procultura deveu-se a uma
articulação nacional em torno desta questão específica, ativada por inúmeros militantes da área da dança
que ocuparam os espaços das audiências públicas do Procultura, durante 2010, em várias capitais do País.
Ainda, deveu-se a uma ação persistente junto à relatora do projeto de lei do Procultura, deputada Alice
Portugal, e junto ao Ministério da Cultura, especialmente a Secretaria-Executiva, representada naquele
período por Alfredo Manevy, e ao então ministro Juca Ferreira, quando houve a alteração da proposta da
lei pela relatora na qual passou a constar um fundo setorial específico e um prêmio nacional para a área.
Essa alteração no projeto de lei foi aprovada no dia 8 de dezembro de 2010, na Comissão de
Educação e Cultura. Porém, o Procultura ainda não está aprovado no Congresso Nacional, permitindo
questionar a validade de determinadas “conquistas” que têm tempo e espaço delimitados e que não têm
desencadeamento em tempo hábil que as garanta, de fato e de direito. A cada mudança de gestor e de
mandatos, a realidade conquistada em um dia pode ser desmanchada em outro.
O que está em questão para se conquistar prioridades para uma área é uma mudança de entendimento
sobre a importância e riqueza das especificidades de cada linguagem artística. Quando há a compreensão
dos gestores sobre os aspectos fundamentais e que embasam os conceitos e particularidades de
9 Essa proposta que substitui a Lei Rouanet (nº 8.313/91) estabelece os critérios de distribuição dos recursos originários do incentivo fiscal
à cultura, porém precisa ainda ser analisada pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania seguin-
do depois para o Senado. O Procultura segue as diretrizes estabelecidas pela Comissão Nacional de Incentivo e Fomento à Cultura (CNIC)
ficando os recursos destinados aos projetos culturais concentrados no Fundo Nacional de Cultura (FNC).

40
determinada área e quando este entendimento vem atrelado a mudanças concretas nos mecanismos que
regulam e legitimam o fomento e os processos de seleção, como os mencionados com alguns exemplos,
é possível que, mesmo com a mudança das gestões, se mantenham as conquistas via entendimento de
como as coisas, para aquele setor, devem operar.
De todo modo, um fundo setorial específico em um Programa de Fomento representa a delimitação de
um território econômico e ressoa com demandas lançadas em debates pela internet do Colegiado Setorial
de Dança (gestão 2010-2011) sob o tema da distribuição equânime de recursos financeiros entre a dança,
o circo e o teatro, 1/3 para cada área do montante destinado ao Fundo Setorial de Circo, Dança e Teatro,
que se pretende, possa ser exercitado por meio da distribuição de recursos via fundos setoriais e outros
mecanismos de repasse de verbas.
É nesse sentido que um projeto como o do Mapeamento da Dança interessa e se justifica: ao se levantar
dados da dança, em alguma medida, se desenharão parâmetros, não apenas para nortear a distribuição de
recursos em relação às demandas específicas das outras linguagens artísticas, mas também para priorizar
as demandas específicas do setor, e para que se reconheçam o potencial e o teor econômico, político e
social de abrangência desta área.

AUTONOMIA POLÍTICA E ECONÔMICA DA DANÇA

A luta tanto pela autonomia política e econômica da dança que envolve a especificidade de sua
nomenclatura, de seus espaços de representatividade à parte do termo artes cênicas, é uma demanda
recorrente:
Muito tempo depois, no Brasil, a dança passou a ser abrigada debaixo da rubrica artes cênicas. Desde
então, vem pagando caro por lá continuar (mal) acomodada sem pleitear o direito de mostrar a sua cara –
com a sua expressividade particular, com a sua dramaturgia específica.!. [...] A Dança precisa reivindicar além
<< de políticas públicas próprias, rubricas próprias, exclusiva como cada arte é (KATZ, 2005)10.
>>
Cinco anos depois da colocação de Katz e de uma reivindicação dos representantes da Câmara Setorial
de Dança ao CNPC por um documento que manifestasse a importância da autonomia da área, é publicada
em Diário Oficial, em 6 de julho de 2010, a Moção n.o 25, do Colegiado de Dança, que havia sido solicitada
novamente, em 23 de junho de 2010. Intitulada “Moção de Apoio à Câmara Setorial de Dança pelo
cumprimento da Recomendação nº 01/2005, aconselha a todas as instâncias públicas ou privadas, em todas
as esferas da Federação, que evitem o uso da nomenclatura ARTES CÊNICAS como expressão generalizadora
de áreas distintas como Teatro, Dança, Circo e Ópera” (BRASIL/MinC, 2010, grifo nosso) (Anexo).
Deve-se considerar o espaço de tempo de cinco anos entre a demanda pelo documento e o atendimento
dela. Um ritmo lento que demandou insistência e que deve ser considerado como problemático, como
mencionado anteriormente, para um andamento desejável e eficiente das ações políticas.
Porém, entende-se que há valorização de uma área de conhecimento quando se reconhece a distinção no
modo ou nos modos em que ela opera em relação a outras áreas, o que acaba exigindo que se considerem
e validem as demandas específicas dela. A instituição que acolhe esse tipo de entendimento acerca de
uma determinada área acaba por modificar parte de sua estrutura para dar conta dos recursos humanos,
financeiros e físicos que se fazem necessários para atender a suas particularidades.
Quando a dança passa a ser um setor específico de uma instituição cultural, não mais vinculada a
outras áreas, não apenas mais um assento se fará necessário, mas outros aspectos passam a ser também
refletidos pela instituição. Abrir espaços que verticalizam o tratamento dado a uma área amplia o trabalho,
as problemáticas referentes ao setor e o grau de necessidade e comprometimento que deve ser direcionado.
Do mesmo modo, há a possibilidade de se ter um gestor especializado na área ou, ao menos, um responsável
pela atuação dela. Como consequência desse tipo de direcionamento e necessidade, ações ou mesmo
programas poderão vir a ser elaborados, discutidos, defendidos, executados e avaliados.
10 Cf. Helena Katz, em artigo intitulado “Hoje é dia da Dança. Quem vai comemorar?”,
publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 28/04/2005.

41
Nesse sentido, o entendimento de valorização de uma área a partir do olhar para o seu modo particular de
operar ressoa nas palavras de Antonio Gilberto, então diretor do Centro de Artes Cênicas (Ceacen) daquela
instituição, “A dança atingiu esta conquista a partir da valorização de sua especificidade, com espaço para
cada área cultural, e da escolha de um especialista, Marcos Moraes como coordenador” (FUNARTE, 2007,
p.14, grifo nosso).
No período em recorte neste texto, inaugurou-se nessa fase de (re)institucionalização da dança o
lançamento de um prêmio específico denominado Funarte Klauss Vianna de Dança, na Funarte, destinado
a produções coreográficas e posteriormente para configuração de outros produtos como DVD, catálogos,
encontros e seminários, entre outros; o apoio a circuito de festivais e fóruns; um cadastramento nacional na
área; apoio a questões de ordem política em outras instâncias de atuação governamental.
Tomando esses dados como referência, a Funarte reforçou os prêmios como o modo de fomentar os
programas para as artes cênicas por meio dos editais, mecanismo de seleção que se tornou o único meio
para a construção de políticas públicas, e que, portanto, precisariam abranger a produção, a circulação, a
formação, o acesso à arte e à cultura. Mesmo sendo considerado como um meio dos mais democráticos para
a seleção de contemplados com recursos públicos de Estado, o mecanismo dos editais tem sido criticado
por não ter se exercitado, além de raríssimos convênios e bolsas de estudo na área da dança, nenhum outro
modo de seleção e fomento. Entende- se, após estes doze anos – de atuação e de organização para definir e
implantar políticas específicas para a dança –, que os mecanismos de seleção (como os editais e prêmios) e
de fomento já deveriam abranger as metas e diretrizes do Plano Nacional da Dança.
Ainda sobre os editais, estes são considerados neste texto como os mecanismos de seleção mais
democráticos em virtude de possibilitarem, por meio de inscrições públicas e abertas, a seleção de projetos
que são avaliados por comissões constituídas especificamente para cada edital, com publicação dos critérios,
e definindo o objeto ao qual se destina, podendo, desse modo, recortar o perfil e a demanda que pretende
abarcar. Nesse processo, diferencia-se das leis de incentivo, pois é o próprio Estado que constitui as comissões
<< de seleção – algumas vezes com indicações da sociedade civil – e os objetivos que cada edital deve atender, >>
tornando-se um dos possíveis mecanismos de seleção para o incentivo e financiamento da produção artística.
Contudo, esse tem sido o mecanismo mais utilizado pela esfera de poder federal para atender às
distintas demandas das artes no País, em conjunto com os convênios que exigem contratações apenas por
meio de pessoas jurídicas e envolvem um processo de cadastramento no Sincov, um sistema complexo e
extremamente burocrático de conveniamento.
Deve-se levar em consideração que os editais, por mais que sejam públicos, não dão conta de fomentar
e incentivar objetos que necessitam de continuidade no tempo, a exemplo da manutenção de Ainda sobre
os editais, estes são considerados neste texto como os mecanismos de seleção mais democráticos em
virtude de possibilitarem, por meio de inscrições públicas e abertas, a seleção de projetos que são avaliados
por comissões constituídas especificamente para cada edital, com publicação dos critérios, e definindo o
objeto ao qual se destina, podendo, desse modo, recortar o perfil e a demanda que pretende abarcar. Nesse
processo, diferencia-se das leis de incentivo, pois é o próprio Estado que constitui as comissões de seleção –
algumas vezes com indicações da sociedade civil – e os objetivos que cada edital deve atender, tornando-se
um dos possíveis mecanismos de seleção para o incentivo e financiamento da produção artística.
Contudo, esse tem sido o mecanismo mais utilizado pela esfera de poder federal para atender às
distintas demandas das artes no País, em conjunto com os convênios que exigem contratações apenas por
meio de pessoas jurídicas e envolvem um processo de cadastramento no Sincov, um sistema complexo e
extremamente burocrático de conveniamento.
Deve-se levar em consideração que os editais, por mais que sejam públicos, não dão conta de fomentar
e incentivar objetos que necessitam de continuidade no tempo, a exemplo da manutenção de grupos e
companhias permanentes de dança, que tenham trabalho continuado, entre outros fatores e demandas que
exigem outros mecanismos de incentivo. Sobre esta questão específica, segue outro aspecto importante
levantado por Katz (2006)11:

42
[...] editais e prêmios não configuram sozinhos nenhuma espécie de política cultural. Podem, no máximo,
funcionar como instrumentos de execução de alguma política pública mas, se ela não está formulada – como
é o caso, no momento – tornam-se somente mecanismos de repasse de recursos via comissões, [...].

A reflexão proposta pela autora acerca desses mecanismos de seleção e fomento em relação a uma efetiva
implantação de políticas públicas faz lembrar a ideia que ficou implícita em décadas anteriores quando um
mecanismo como as leis de incentivo foi tomado como o sistema de política cultural. É pertinente não tomar
os prêmios via editais públicos como uma ideia de política cultural, em si mesmos, pois não o são. Faz-se
importante entender a distinção entre os mecanismos – editais e prêmios – utilizados para fazer funcionar
as estruturas dos sistemas, e a estrutura e planejamento em si do plano de ação para as áreas – programas,
diretrizes, metas. Um permite que o outro funcione, mas não devem ser confundidos como a mesma coisa.
Isso requer que o mecanismo de fomento e o de seleção sejam pensados a partir de um planejamento que é
prévio e aprovado e que faça funcionar aquilo que é estabelecido pelas demandas levantadas e organizadas
em um plano (teor político).
O que se espera em breve é que os mecanismos sejam norteados pelos Planos, o Nacional de Cultura
e os Setoriais de cada área. Os planos deverão ou deveriam ser as guias para o estabelecimento e mesmo
para a transformação dos mecanismos de seleção e de fomento. E para isso, está claro, deve haver recursos
financeiros ampliados e estrutura funcional e administrativa para os órgãos de cultura federais, estaduais e
municipais. Ao menos, foi desse modo que se imaginou que se seguiriam as etapas de consulta, elaboração
e implementação dos planos setoriais baseando-se em princípios de construção de políticas públicas.
Ao mesmo tempo, quer-se atentar que os programas da Coordenação de Dança da Funarte e a
elaboração do PND são um exemplo de elaboração a partir da criação de um perfil de espaço específico
de representatividade. Algo que os estados e municípios necessitam, também, conquistar. Algo que está
atrelado ao movimento, à mobilização e participação ativa e política dos fóruns e organizações civis da dança,
e que será preciso ser aperfeiçoado ao longo do tempo, mesmo em esfera nacional para que uma autonomia
<< política, e especialmente econômica, seja instaurada. >>

COMO UM ÚNICO INDICADOR PODE ALAVANCAR UMA DISCUSSÃO ESPECÍFICA

Dados estatísticos divulgados pelo IBGE, em 2006 (Pesquisa MUNIC 2006, que avaliava o perfil dos
municípios brasileiros)12, constataram que 56,1% dos municípios brasileiros possuíam grupos de dança.
Do mesmo modo que se argumenta em relação a esse indicador de percentual que aponta a dança como
a segunda atividade cultural que mais ocorre nos municípios do País, deve-se considerar em relação a esse
mesmo indicador que esta área ficou muito tempo sem apoio do poder público federal13, e, mesmo assim,
alcançou um patamar de importância de atuação política, no País, nas últimas duas décadas.
Contudo, o próprio fato de a área da dança não ter ainda alcançado sua legitimação nos sistemas político,
econômico e mesmo cultural como atividade produtiva, que requer destinação de recursos próprios e
planejados ao longo do tempo; programas nacionais que abranjam a dimensão democrática expandida e
não concentrada ainda nas capitais ou eixos culturalmente acostumados a receber as ações, os eventos,
os equipamentos públicos, os recursos financeiros, não correspondem à posição que ocupa como segunda
atividade cultural nacional. Para (KATZ, 2009)14:
[...] a opção é tratar de construir autonomia. No momento da consolidação da dança como campo, tal auto-
nomia passa pela necessidade de reconhecer a dança como atividade econômica. A economia da dança vai
colaborar para que as políticas públicas para a área deixem de ser ações bem intencionadas que, na verdade,
funcionam como medidas paliativas que, por vezes, promovem conseqüências danosas.

11 Cf. Helena Katz, em artigo intitulado “Muitos editais, pouca política”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 29/12/2006.
12 Ver mais em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2006/default.shtm. Acesso em: 06 set. 2022.
13 Um espaço de representatividade para a dança foi criado apenas em 1977 com a criação da Funarte enquanto o teatro era estruturado
desde 1937 por meio da criação do Serviço Nacional de Teatro.
14 Cf. Helena Katz, em artigo intitulado “Falta à dança o reconhecimento como atividade produtiva”, publicado no jornal O Estado de S.
Paulo, edição de 01/01/2009.

43
Esse indicador pode estimular os profissionais da área a refletir sobre seus modos de atuar politicamente
caso haja a pretensão de manter-se e aumentar o potencial de produção e de consolidar esta linguagem,
como atividade econômica, no País.
Nesse sentido, é de fundamental importância que as organizações da sociedade civil provoquem
discussões a partir deste indicador e demandem o apoio e a estrutura para a permanência digna dos
grupos e iniciativas em dança que preenchem esta porcentagem e exercício de atividade em dança – que
diz respeito a distintos gêneros de dança, e que pode se constituir em um forte argumento para aumento
de recursos. Isso, tanto para a manutenção e fomento de grupos profissionais quanto para o incentivo de
grupos amadores.
O outro lado dessa questão é que se torna importante conhecer a parcela da população que exercita
a dança e opta por esta linguagem artística cotidianamente, e para além de querer que se profissionalize,
que se busque articular e fortalecer a esfera de participação política dos que fazem e produzem dança.
Se a dança é importante para estes grupos e pessoas, como ela pode ser entendida também como uma
demanda que requer estrutura equivalente e recursos de distintas formas?

PARTICIPANDO ATIVAMENTE POR UMA POLÍTICA PARA A DANÇA

A participação ativa se faz necessária e inclui atuar sobre as necessidades específicas dos setores e,
portanto, estar presente nos ambientes de diálogo e de construção da estrutura política para as demandas
específicas.
Essa participação codepende das organizações civis, contudo não cabem somente a elas a função e o
desencadeamento político da cultura no País. É imprescindível um entendimento nacional, de distintos
agentes políticos como gestores, membros da sociedade, artistas, produtores, estudantes, professores,
pesquisadores, para assegurar o caminho a ser percorrido para a autonomia econômica da área das artes
<< e da dança. >>
Quer-se ressaltar a importância dos artistas, dos produtores, dos professores e das organizações em
virtude do direcionamento de seus olhares para as suas localidades, pois esse é também fundamental
para fortalecer a área da dança na esfera de atuação política e econômica. Essas experiências locais de
vivências e produção de dança é que enriquecem os debates sobre a política para a dança na esfera
nacional. Tem-se, então, uma responsabilidade tão importante quanto qualquer outra, a da atuação de
profissionais da dança nesta seara da mobilização e da organização política. Uma política que se articula
com a política do corpo e a da criação em dança e com o âmbito da área de atuação política; da dança e da
política; da política da dança; de uma dança política, que resiste e permanece na construção das políticas
públicas para as artes.
Participar politicamente passa pela percepção e pelo movimento de aproximar-se e (ou) se afastar
de ideias, estratégias, modos de negociar demandas etc. Mais que isso, passa pela necessidade de
seleção e mudança de estratégias e de compreensão sobre o funcionamento e potencial da área, por
um redimensionamento constante e dinâmico sobre as condições e sobre o que se produz e requer para
expandir a área.
A participação política reclama ainda o estudo de estratégias e de modos de organização para efetivar a
produção na área. Reclama a constante elaboração e, atualmente, a implementação de um projeto próprio
(PND) que se desenvolva a partir do conhecimento básico das características constitutivas da respectiva
área e de suas inter-relações com outras áreas. Tanto o foco centrado em especificidades quanto uma
visão multidimensional e inter-sistêmica são importantes na medida em que se tomam uma e outra, micro
e macrorrelações, zoom in e zoom out, em consideração. E não apenas apostar na tendência de organizar-
se a partir de uma pressão externa, mas também motivada por um exercício constante de reflexão e
organização de suas próprias demandas e de seus espaços de participação.
Guardam-se, nesse final da reflexão, as devidas apreensões quanto à falta de subsídios informacionais

44
e de compreensão e conhecimento acerca dos mecanismos e funcionamentos das instituições e dos
sistemas de políticas de cultura, e quanto aos entraves burocráticos dos sistemas administrativos do Estado
que acabam se tornando em justificativa e desculpa para que artistas não debatam consistentemente os
temas da cultura. Ou para que gestores não vençam o desafio de efetivarem as decisões e planejamentos
organizados nos espaços de participação com a contribuição coletiva.
É preciso estudar e exercitar modos de participar politicamente para a continuidade dos processos de
debate e posicionamento público da sociedade civil no diálogo com o poder público. Muito se conquistou ao
mesmo tempo em que o Estado demonstrou sua fragilidade em administrar um conceito amplo de Cultura,
na prática. Em um momento de crise econômica e conceitual, é fundamental que o exercício realizado até
aqui por cada participante dos processos de conferências e (ou) de outros espaços de participação seja
validado como investimento dos cidadãos para a efetivação de uma ampliação democrática nos processos
de escolha e de definição dos rumos de desenvolvimento de setores como a Dança. Não é o momento de
abrir mão e sim, de descobrindo outros caminhos de debate e diálogo efetivar os percursos já vivenciados
e que estruturaram, por exemplo, um primeiro plano nacional da dança, no País.
Esta história que tem se replicado ao longo do tempo – a cada nova gestão política haver uma troca
de pressupostos para organizar as demandas e os desejos (usualmente em virtude da falta de recursos
financeiros destinados para a área da cultura, das artes e da dança) –, não deveria ser validada pelos que
contribuíram na estruturação de um processo amplo para a efetivação de políticas públicas para a Cultura.
Ao mesmo tempo, tem-se a clareza de que o momento atual de transição na gestão do Ministério
da Cultura e da Funarte pode efetivar-se como um período de atenção e de foco para as Artes. O que é
prioritário já que o debate sobre a Cultura ofuscou, especialmente nos últimos quatro anos, as diferenças
entre arte e cultura. Para tanto, é inevitável uma reestruturação da Funarte e, para isso, é necessário
um investimento financeiro que não parece estar à altura do que se necessita. Mobilizações da Dança
organizaram o tão almejado plano setorial sendo que não houve a implementação por falta de estrutura. Da
<< experiência desta construção cabe selecionar o modo mais coerente para pensar e redesenhar estratégias >>
de ação que não invalidem ou desmereçam o PND.
Ao contrário, é momento de firmar o passo nesta sequência nada linear, entretanto, por vezes, cíclica,
de atuações ressalvando- se a necessidade de questionar as estratégias utilizadas até aqui estudando e
escolhendo as mais competentes e que contribuam, efetivamente, para a exequibilidade do PND. Porque
o que está em jogo são os esforços ao longo de mais de 10 anos, para a “construção de políticas públicas”
na Área da Cultura, das Artes e da Dança.

45
REFERÊNCIAS

BOHM, David. Unfolding meaning. New York: Routledge, 1999.

BUNGE, Mario Augusto. Treatise on basic philosophy: ontology II: a world of systems.
Dordrecht/Holland, Boston/USA: D. Reidel Publishing Company, 1979. v.4.

BUNGE, Mario Augusto. Political Philosophy: fact, fiction and vision. New Jersey: Transaction Publishers,
2009.

DAHL, Robert. La poliarquia: participación y oposición. Madrid: Editorial Tecnos, 2009.

RANCIÉRE, Jacques. O dissenso. In: NOVAES, Adauto (Org.). A crise da razão. São Paulo: Cia das letras,
1996.

SEN, Amarthya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

TESES E DISSERTAÇÕES

VELLOSO, Marila. Dança e política: organizações civis na construção de políticas públicas. 2011. 385p.
(Tese) Doutorado em Artes Cênicas. Universidade Federal da Bahia – UFBA/BA, Salvador, 2011.

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS

BRASIL/MINC. Portaria nº 44, de 28 de abril de 2010. Publica o Regimento Interno do Colegiado Setorial
<< de Dança do Conselho Nacional de Política Cultural. Disponível em: http://www.cultura.gov.br/cnpc/co- >>
legiados/danca/regimento-interno.pdf. Acesso em: 05 jan. 2015.

BRASIL/MINC. Câmara e Colegiado Setorial de Dança: relatório de atividades 2005-2010.


Disponível em: http://pnc.culturadigital.br/wp-content/uploads/2012/10/plano-setorial-de-danca-ver-
sao-impressa.pdf. Acesso em: 20 dez. 2014.

RELATÓRIOS

FUNARTE – FUNDAÇÃO NACIONAL DE ARTES. Relatório de atividades 2003-2006.


Rio de Janeiro: Funarte, 2007a.

INFORMATIVO
BRASIL/MINC/INFORMATIVO. Nova Lei da Cultura. Brasília: MinC, 2010.

ENTREVISTAS
MORAES, Marcos. Entrevista concedida à autora em agosto de 2010.

46
KATZ ARTIGOS

KATZ, Helena. Muitos editais, pouca política. Jornal O Estado de S. Paulo, São Paulo, 30 dez. 2006.
Caderno 2, p.D10. Disponível em: http://www.helenakatz.pro.br/midia/helenakatz91167908521.jpg.
Acesso em: 11 jun. 2010.

KATZ, Helena. Hoje é dia da Dança: quem vai comemorar? Jornal O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28 abr.
2005. Caderno 2, p.D3. Disponível em: http://www.helenakatz.pro.br/midia/helenakatz41233319096.
jpg. Acesso em: 07 jun. 2010.

KATZ, Helena. Falta à dança o reconhecimento como uma atividade produtiva.


Jornal O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1º jan. 2009. Caderno 2, p.D3.
Disponível em: http://www.helenakatz.pro.br/midia/helenakatz5123239442.jpg.
Acesso em: 07 jun. 2010.

LEIS E DECRETOS

BRASIL. Ministério da Cultura. Moção nº 25, de 23 de junho de 2010. Moção da 10ª Reunião do
Conselho Nacional de Política Cultural que dá apoio à Câmara Setorial de Dança pelo cumprimento da
Recomendação nº 01/2005, que aconselha a todas as instâncias públicas ou privadas, em todas as
esferas da Federação, que evitem o uso da nomenclatura Artes Cênicas como expressão generalizadora
de áreas distintas como Teatro, Dança, Circo e Ópera. DOU, Brasília, DF, 06 jul. 2010, seção 1, p.15.
Disponível em: http://www.cultura.gov.br/cnpc. Acesso em: 16 set. 2010.

SITES CONSULTADOS
<< >>
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2006/default.shtm.

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=566312.

47
ANEXO 1
DOCUMENTO PROTOCOLADO NO MINISTÉRIO DA CULTURA
AO GABINETE DA MINISTRA DA CULTURA MARTA SUPLICY
EM 29 DE ABRIL DE 2014

Brasília, 29 de Abril de 2014.

Ao Ministério da Cultura
A Exma. Sra. Ministra Marta Suplicy

Carta de Recomendações
O Colegiado Setorial Dança, instância do Conselho Nacional de Políticas Culturais, reconhecendo a impor-
tância das mobilizações dos profissionais e afetos à Dança por todo País, em todas as suas formas de ex-
pressão, especialmente no Dia Internacional da Dança, e, no empenho para elaborar estratégias, critérios e
ações para a implantação e desenvolvimento do Plano Nacional da Dança e de outras ações anteriormente
aprovadas – estando no uso de suas atribuições, através de seus membros – encaminha para este Ministério
a CARTA DE RECOMENDAÇÃO DO COLEGIADO SETORIAL DE DANÇA.

Com base nesta deliberação, o Colegiado Setorial de Dança recomenda ao Ministério da Cultura, representa-
do pela Ministra Marta Suplicy, que tenham como alicerce para a sua atuação os seguintes princípios:

I – Implantação do Plano Nacional da Dança, entregue e concluído no ano de 2009 e publicado, em 2010;

II – Efetivação, em caráter de urgência, do convênio com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) para rea-
lização do Mapeamento da Dança, ação aprovada pelo Comitê de Circo, Dança e Teatro do Fundo Nacional
de Cultura, em 2010, em Brasília;

III – Apoio político para aprovação do Projeto de Lei 7032, que altera a Lei de Diretrizes e Bases incluindo a
<< >>
obrigatoriedade do ensino da Dança e das outras linguagens artísticas, no ensino;

IV – Apoio político e suporte jurídico para elaboração de mecanismo legal para a área da Dança (Lei da
Dança) que promova a autonomia da Área, definitivamente e para

V – Lançamento por meio de editais públicos, das ações aprovadas pelo Comitê de Circo, Dança e Teatro do
Fundo Nacional de Cultura, em 2010, em Brasília, para manutenção de grupos e companhias de Dança, Tea-
tro e Circo que tenham atuação continuada;

VI – Fortalecimento das Artes nas políticas federais e da Funarte (como instituição representativa das Artes,
no País) por meio da aprovação do novo organograma que inclui uma Diretoria de Dança na Funarte; por
meio de recursos efetivos que ampliem a estrutura de atendimento e da demanda das Artes atualmente, o
que inclui, a infraestrutura para implantação dos Planos Setoriais;

Esclarecimentos: A revisão da proposta de profissionalização da Educação Física que se encontra hoje no


Congresso atrela a Dança à Lei 1.371/97, transformando-a em Esporte e, portanto, atrela as competências
do Sistema Confef/Cref (Educação Física), novamente, ao ensino da Dança. Já tivemos uma luta muito grande
contra este sistema e mais uma vez, se for aprovado como está, este PL será um retrocesso. Precisamos rever
a nova relatoria deste PL 1.371/2007 que se encontra ora, em curso, e discuti-lo mais profundamente com o
conjunto da Dança de todo o Brasil. O Ministério da Cultura, através de suas instâncias, precisa se posicionar.
Por tanto, este Colegiado requer atenção jurídica a esta demanda já em articulação a elaboração de uma lei
própria da Dança, que inclua o ensino não formal.
Certos da vossa atenção a estas recomendações,

Votos de estima e consideração.


Atenciosamente,
Colegiado Setorial de Dança

48
ANEXO 2
MOÇÃO DA 10 . REUNIÃO DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL
A

MINISTÉRIO DA CULTURA
Conselho Nacional de Política Cultural

MOÇÃO N.o 25, DE 23 DE JUNHO DE 2010.


Moção de Apoio à Câmara Setorial de Dança pelo cumprimento da Recomendação n.o 01/2005, que acon-
selha a todas as instâncias públicas ou privadas, em todas as esferas da Federação, que evitem o uso da
nomenclatura ARTES CÊNICAS como expressão generalizadora de áreas distintas como Teatro, Dança, Cir-
co e Ópera.
O CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL – CNPC, reunido em Sessão Ordinária, nos dias 22 e 23 de
junho de 2010, e no uso das competências que lhe são conferidas pelo Decreto n.o 5.520, de 24 de agosto
de 2005, alterado pelo Decreto n.o 6.973/2009, tendo em vista o disposto m seu Regimento Interno, apro-
vado pela Portaria n.o 28, de 19 de março de 2010, e:

Considerando que a Dança é uma linguagem artística autônoma no campo do conhecimento;


Considerando a importância da Dança como forma de expressão artística cultural no Brasil;
<< Considerando que, segundo dados do IBGE, a Dança é a segunda atividade artística mais disseminada no >>
território, sendo que cinquenta e seis por cento dos municípios brasileiros abrigam grupos de dança; Con-
siderando que o ensino da Dança tem suas próprias Diretrizes Curriculares organizadas pelo Ministério da
Educação – MEC e pertence a área de ARTES; e
Considerando a necessidade de alteração da legislação vigente para a adequação necessária de maneira a
assegurar e fortalecer os direitos e deveres dos artistas da dança a fim de que possam empenhar, efetiva-
mente, suas atividades de forma coerente com suas especificidades;
Manifesta seu total e irrestrito apoio ao cumprimento da Recomendação
n.o 01/2005, da Câmara Setorial de Dança, que aconselha a todas as instâncias públicas ou privadas, em
todas as esferas da Federação, que evitem o uso da nomenclatura ARTES CÊNICAS como expressão gene-
ralizadora de áreas distintas como Circo, Dança, Ópera e Teatro.

JOÃO LUIZ SILVA FERREIRA


Ministro de Estado da Cultura
Presidente do Conselho Nacional de Política Cultural

GUSTAVO VIDIGAL
Secretário-Geral do Conselho Nacional de Política Cultural

Publicado no DOU de 06/07/2010, SEÇÃO 1, p. 15

49
DANÇA NA POLÍTICA DO CERRADO

Rafael Guarato

<< >>

RESUMO: Com a reforma administrativa do Estado brasileiro, o funcionamento das ações governamentais
para sociedade sofreu alterações. A proposta é compreender como esse processo modificou a interlo-
cução entre o Estado de Goiás e o campo da cultura, tendo como foco a dança, analisando-a por meio de
inserção de sujeitos desta área em instâncias representativas e a criação de mecanismos de fomento à
cultura. Para tanto, foram realizadas entrevistas e se ancorou o trabalho em autores que discutem política
pelo viés de sua materialidade.

PALAVRAS-CHAVE: Dança. Política. Formação. Reforma.

50
INTRODUÇÃO

Em tempos recentes, tornou-se corriqueiro encontrarmos diferentes fazeres que se nomeiam como políticos,
ações que vão desde propostas artísticas em dança a mobilizações coletivas locais e nacionais. Essa seara de
procedimentos, cada qual com suas singularidades, lançou a palavra “político” num abismo teórico que fez de
sua conceituação algo inalcançável, aproximando a noção de político ao entendimento antropológico de cultura.
Essa condição nos insere num potencial ambíguo do que entendemos como “político”, podendo contribuir tanto
para a densidade do debate como para sua superficialização.
O diagnóstico é possível ao averiguarmos que junto ao processo que ampliou os usos e as definições da
palavra, possibilitando a artistas e pensadores inscreverem suas inquietações e hipóteses na esfera do político,
sua aplicação desenfreada tende a tornar seus atributos insignificantes ao afirmamos que “tudo é político.” Esse
formato tende a diluir os conflitos, pois não considera as diferenças como algo excludente. A ideia de respeito
à diversidade de pensamento, quando aplicada a ações políticas, muitas vezes camufla, sob o altar dos direitos
humanos, as tensões, pressupondo harmonia entre os sujeitos envolvidos e em suas relações com órgãos
representativos e instituições de controle.
Com intuito de tornar o presente texto palpável ao leitor, procedo a um recorte conceitual sobre como
entendemos o conceito de “político” para fins deste estudo.1 Tendo em vista que a proposta é tratar de políticas
públicas para dança no Estado de Goiás, partimos do pressuposto de que é frágil a afirmação segundo a qual
qualquer fato pode ser político, dependendo exclusivamente de suas intenções. Desse modo, para que um fato
ou uma ação possa ser político tem que haver algumas especificidades. O historiador político René Rémond
(2003) nos adverte que o político tem como referência o poder, a prática do poder, mas nem tudo é poder. As
relações que envolvem poder são realizadas em sociedade, com uma totalidade de indivíduos limitados em
fronteiras, leis, normas aplicadas a um determinado espaço.
De acordo com essa hipótese, com o modo de organização em Estados nacionais, o político passa a possuir
<< tênues relações com os Estados e seus modos de agir, amplificados pela sua peculiaridade de existir ao dispor >>
de uma complexa rede de instituições que dão suporte a suas ações. Por esse viés, compreendemos o artista da
dança como sujeito histórico imbuído em relações sociais, que vive em determinado lugar, com certas pessoas,
que possui desejo, anseios e necessidades, dispondo de limites e restrições, cujo corpo pode agir politicamente
ao se relacionar com questões que permeiam a materialidade de sua vida.
De pagar contas básicas à concretização de um trabalho cênico, a vida do artista passa por questões de ordem
econômica, social e política. Pautado nessa materialidade da existência, debruçar acerca dos parâmetros de
governabilidade existentes no contexto social em que o artista se encontra, torna-se tarefa necessária para
que possamos compreender como o conjunto de programas e projetos elaborados pela sociedade civil atua no
conjunto de instituições existentes na estrutura do Estado. Desse modo, toda política pública trata de projetos
de governo elaborados pela sociedade para segmentos determinados desta mesma sociedade (HÖFLING, 2001).
Uma singularidade que acompanha a realização de políticas públicas para cultura no Brasil contemporâneo,
foi seu surgimento como necessidade administrativa do Estado com vista a responder demandas de setores
até então marginalizados. Nesses termos, as políticas públicas para cultura e arte fazem parte de um projeto
hegemônico, que busca negociar com setores marginalizados. Dando prosseguimento à análise do filósofo

1 Cabe destacar que a definição ora apresentada não exclui outras, mas, antes, privilegia uma busca por aproximar a empiria encontrada
no objeto analisado com referenciais teóricos disponíveis. Tal procedimento nos possibilita, a partir da prática, selecionar a teoria a ser
utilizada ao invés de submetermos as experiências dos sujeitos pesquisados a teorias generalizantes. Desse modo, não se trata de negar
a validade das ações e os cuidados sensíveis, psíquicas ou afetivas apresentados por pensadores como Lacan, Foucault, Deleuze, Guattari
como desprovidas de político, mas de reconhecer o poder exercido pelas instituições que gerenciam a feitura das políticas públicas em
dança no Estado de Goiás e como artistas se relacionam com essas esferas em seu cotidiano.

51
italiano Antonio Gramsci2 acerca da noção de hegemonia, optamos pelas reflexões de Raymond Williams
ao demonstrar que o conceito se sustenta na ideia de domínio e subordinação e não de classe dominante
única e estável. As atividades culturais fazem parte da construção da hegemonia, tanto quanto a política e
a economia. Hegemonia passa a ser compreendida como campo de batalha onde determinadas pressões
são aceitas, outras não, e no qual vão se estabelecendo regras, coexistindo práticas contra-hegemônicas,
de transgressão.
Uma hegemonia vivida é sempre um processo. Não é, exceto analiticamente, um sistema ou uma estrutura. É
um complexo realizado de experiências, relações e atividades, com pressões e limites específicos e mutáveis.
Isto é, na prática a hegemonia não pode nunca ser singular. [...] Além do mais (e isso é crucial, lembrando-nos
o vigor necessário do conceito), não existe apenas passivamente como forma de dominação. Tem de ser re-
novada continuamente, recriada, defendida e modificada. (WILLIANS, 1979, p. 115)

Grosso modo, quando “lutamos” por políticas públicas para dança engrossamos o caldo do modelo
político em vigor, sua proposta e plasticidade em alterar seu modus operandi, mas não implica enveredar
ao extremismo e tratar artistas e fazedores culturais como propagadores deste modo, mas sim, de
compreender que, mesmo discordando do modelo atual, grande parte daqueles que sobrevivem de arte
e cultura no Brasil se encontra imersa em editais públicos de fomento. Objetivando tornar o assunto
próximo a experiências concretas, cabe-nos analisar parâmetros gerais do que denominamos políticas
culturais e suas especificidades no Estado de Goiás.
A noção de políticas públicas ganhou afinco durante a década de 1980, quando em meio à crise
internacional as políticas estatais do globo se voltaram para o mercado. Esse panorama fez com que
entrasse na ordem do dia a reforma administrativa do Estado, tendo como premissa a necessidade não
de enfraquecer o aparato estatal, e sim, modificar sua forma de atuar na sociedade. Para tanto, a via
selecionada pelos então dirigentes políticos se fixou em limitar as funções do Estado como produtor, mas
aumenta consideravelmente sua atuação como mediador. Assim,
<< As limitações da intervenção estatal são evidentes, mas o papel estratégico que as políticas públicas
>>
desempenham no capitalismo contemporâneo é tão grande que é irrealista propor que sejam substituídas
pela coordenação do mercado, nos termos sugeridos pelo pensamento neoliberal (BRESSER-PEREIRA,
1997, p. 7).
A implementação dessa proposta teve como principal representante o administrador Luiz Carlos Bresser
Pereira3, ao assumir a pasta do então criado Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado
durante a primeira gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Mesmo a cultura já dispondo de
um mecanismo nacional legal para incentivo à cultura4, a implementação de um programa de governo
que buscasse descentralizar ações e verbas públicas para cultura ganha seus primeiros contornos com a
reforma administrativa do Estado em meados da década de 1990.
No âmago da reestruturação do aparato estatal, nos termos aprovados pelo “Plano Diretor da Reforma
do Aparelho do Estado”, nos interessa compreender o que ficou conhecido como “terceiro setor”. Dentre
2 No início de século XX, Gramsci notou que os Estados capitalistas avançados se tornaram muito complexos e resistentes às catástrofes
do elemento econômico presentes nas investigações de Karl Marx. Gramsci emprega o conceito de hegemonia para referir-se a uma
nova forma de relações sociais em que a dominação não é apenas exercida pela coerção e violência; trata-se de formas de dominação
que atuam no contexto social, cultural e político. Ao comportar essas novas formas de dominação social exercidas pelo Estado, o termo
hegemonia passa a ser uma capacidade de direção política, moral, cultural e ideológica; um processo amplo que somente se torna
eficaz por meio de alianças capazes de unificar, conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado por profundas
contradições, que, porém, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploda. Sobre a concepção de hegemonia de
Antonio Gramsci, consultar: COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Campus,
1989; GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. São Paulo: Civilização Brasileira, 2005 (v. 2); GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia
em Gramsci. (trad. Carlos Nelson Coutinho). 3. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1991.
3 Antes de assumir como Ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado, Bresser-Pereira foi Ministro da Fazenda durante a
gestão de José Sarney na presidência da República no ano de 1986, quando foi aprovada a Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986, mais
conhecida como “Lei Sarney” e institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), tornando-se o primeiro mecanismo federal de
incentivo à cultura no Brasil amparado em legislação específica e apresentando critérios para distribuição dos recursos ancorados nas
premissas reformistas de Bresser-Pereira.
4 Refiro-me à Lei nº 8.313, de 23 dezembro de 1991, que instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), conhecida como Lei
Rouanet. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8313cons.htm. Acesso em: 23 dez. 2014.

52
o como e onde o Estado brasileiro passaria a agir em suas diferentes frentes de atuação, a cultura ficou
alocada na rubrica de “serviços não exclusivos”, compreendidos como aqueles que o Estado provê,
mas que, como não envolvem o exercício do poder extroverso – em que o Estado deve agir e constituir
unilateralmente –, podem ser ofertados por empresas públicas não estatais e pelo setor privado.
A ideia central consiste na constatação de que o poder político centralizado se demonstrou incapaz de
tornar as ações estatais ágeis, bem como distantes das necessidades imediatas da população brasileira
em suas diferentes localidades. Com efeito, o programa político para reorganização do funcionamento
estatal brasileiro passou a requisitar da sociedade cada vez mais atuação, num processo que consiste
em transferir a execução – e no caso da cultura e da arte acresce-se a proposta – de ações do para a
própria sociedade. Ou seja, o Estado não se retira da função de custear as ações, mas sim, da função de
propositora e executora, convocando aqueles que se encontram mais próximos às necessidades de cada
área, a apresentarem as políticas a serem implementadas.
Nesse sentido, é primordial entendermos que essas políticas não podem mais ser vistas como ‘algo’ que al-
guém ou algum iluminado, normalmente ligado aos órgãos governamentais responsáveis pela área cultural,
tenha elaborado para a promoção de bem-estar, lazer ou divertimento de outro alguém que nem sequer foi
ouvido ou consultado sobre a atividade que está sendo oferecida. (FERREIRA, 2009, p. 61)

Contudo, mesmo sendo formalmente aprovada durante a última década do século XX, a distância entre
a aprovação de um plano de governo nacional e sua efetivação prática nos Estados, capaz de alcançar o
cotidiano dos sujeitos que neles residem, deve ser levada em consideração. O Estado de Goiás desfruta
de um Conselho Estadual de Cultura desde o período da ditadura militar, quando cultura passou a ser
questão de “segurança nacional”, sendo criado por meio de lei específica em 19675. Temporalmente,
Goiás aparentemente se demonstra afinada à importância de pensar políticas culturais em programas de
governo, no entanto, essa visão se distorce ao aproximarmos o olhar.
Ao analisarmos a forma de composição do Conselho Estadual de Cultura de Goiás, é explícito o poder
<< exercido pelo governador na composição do órgão. A lei que regula as cadeiras a serem preenchidas >>
estabelece que o Conselho é constituído por doze membros, sendo seis deles nomeados diretamente pelo
governador de Estado, e os outros seis selecionados também pelo chefe estadual do Executivo, dentre
“entidades de âmbito estadual representativas dos diversos segmentos culturais” (Lei nº 13.799, 2001).
Este modo de organização concentra na figura do governador o poder de decisão acerca da composição
do Conselho, alijando do processo artistas, fazedores de cultura individuais e grupos ou associações que
não conseguiram, ou não querem, organizar-se suficientemente a ponto de constituir uma entidade, bem
como qualquer cidadão que queira escolher aqueles que irão representá-lo em assuntos culturais para o
Estado de Goiás.
Acrescido a esse problema de centralização do poder de escolha, o organograma do Conselho Estadual
de Cultura de Goiás nunca dispôs de um assento exclusivo para dança, estando esta vinculada ao teatro,
ao circo e à ópera na terminologia abrangente de “Artes Cênicas”. A problemática decorrente dessa
condensação de áreas artísticas num mesmo conceito reside na disparidade de organização política e de
demanda entre as linguagens que se encontram aglutinadas. A área da dança em suas diferentes maneiras
de ocorrer nunca dispôs, no Estado de Goiás, de uma organização civil, órgão representativo ou associação
que pudesse garantir, ou ao menos pleitear, assento no Conselho, assim como circo ou ópera, estando
o teatro em condição privilegiada de indicar pessoas para comporem a instância estadual de discussão
sobre política cultural.
Todavia, mesmo possuindo uma longevidade considerável, as ações do Conselho Estadual de Cultura
de Goiás se mantiveram restritas às propostas, aos debates e às decisões tomadas por uma dúzia de
pessoas, com o aval do Poder Executivo. Nesse perfil, o Conselho atuava como um consultor de como,

5 As legislações que tratam do Conselho Estadual de Cultura de Goiás são respectivamente a Lei nº 6.750, de 10 de novembro de 1967,
revogada pela Lei nº 13.799, de 18 de janeiro de 2001.

53
onde e quando o Estado realizaria suas ações. Tal modo de funcionar sofreu alterações com a entrada de
Marconi Perillo na função de governador do Estado (1999-2002), cuja orientação política e administrativa
comunga das mesmas premissas apresentadas por Luiz Carlos Pereira Bresser. Nesse sentido, o programa
de governo para Goiás passou a adotar, como ordem do dia, a descentralização das ações, e a cultura não
passou em branco.
Assim, a administração estatal buscou reorganizar as relações entre Estado e sociedade, buscando
trabalho especializado para efetivar políticas públicas mediante a fragmentação das decisões e dos
contemplados com verbas públicas para execução de ações artísticas e culturais. Nesse novo modo de agir:
Não cabe ao Estado um papel diretivo que, tampouco, é a única fonte de todos os direitos e a resposta a todas as
necessidades do meio e seus habitantes. Deve permitir e dar meios para a livre iniciativa e a livre associação, abrindo
vias de acesso e comunicação e incitando parcerias entre as variadas organizações da sociedade civil. Já as asso-
ciações de classe e os indivíduos cumprem relevante papel ao buscar ligar iniciativas dispersas. O enfoque seria o de
promover uma política que, em maior medida, promova a integração. (BELING, 2004/2005, p. 93)

A exemplo do ocorrido em esfera nacional, o Estado de Goiás adotou como procedimento de fomento à
cultura um mecanismo legal que possibilitasse delegar à sociedade civil o poder de propor e executar ações
em cultura, permanecendo o Estado com a função fiscalizadora dos processos. Para tanto, foi instituído o
Programa Estadual de Incentivo à Cultura, conhecido como Lei Goyazes6, tendo como vertente principal de
financiamento, assim como a Lei Rouanet, a renúncia fiscal de impostos de âmbito estadual. A prerrogativa que
sustenta essa forma de política pública consiste em retirar da responsabilidade do Estado como propositora e
executora das ações, possibilitando ao mesmo tempo um aceleramento nos trâmites burocrático – uma vez
que os recursos não entram no orçamento do Estado, passando diretamente entre membros da sociedade,
neste caso, empresas e fazedores de cultura e arte – e uma redução dos custos administrativos por parte do
Estado.
Se, de um lado, esse rearranjo administrativo ancorado no procedimento de descentralização possibilita
<< ao governo aumentar a eficácia e eficiência dos gastos, aproximando das realidades locais a partir da eleição
>>
de propostas. Por outro, possibilitou a artistas e trabalhadores da cultura, a viabilização de projetos e ideias
que antes não detinham meios de financiamento. A associação desses fatores tornou as leis de incentivo
uma nova “criação imaginária”, definida por Castoriadis como “[...] formas, criadas por cada sociedade,
fazem existir um mundo no qual esta sociedade se inscreve e ocupa um lugar” (CASTORIADIS, 2002, p. 183).
Não se trata de ficção ou ilusão, mas de modos de existir e acreditar que não são necessariamente causuais
ou racionais.
Com efeito, posta nesses termos, a reforma é interessante. Contudo, a materialização da proposta
apresentou alguns contratempos. A noção de renúncia fiscal consiste na ideia de aproximar empresas
privadas da prática de patrocínio às artes e à cultura, daí a isenção de impostos como veículo propulsor
de novas relações entre estes setores da sociedade. No entanto, na prática, as empresas passaram a se
utilizar do mecanismo, inserindo suas marcas em ações, mas não houve expansão de relações de doação ou
patrocínio que fugisse às leis de incentivo no Estado de Goiás. De acordo com Kleber Damaso,
Com as leis de incentivo surge um discurso de aproximação da produção cultural com o setor privado. Mas, ao longo
dos anos, isso não se estabeleceu de forma direta. No final das contas, se se avalia, a verba, que é de isenção fiscal,
é uma verba pública. Então, não é a empresa que está patrocinando de fato o artista. O Estado tinha de ter uma res-
ponsabilidade maior, de saber como será realizada a distribuição desses patrocínios. Ou seja, há um atravessamento,
ao estabelecer o acesso a um benefício público via setor privado e eu acho que existe uma lacuna. (DAMASO, 2012,
p.10)

6 Trata-se da Lei nº 13.613, de 11 de maio de 2000, regulamentada pelo Decreto nº 5.362, de 21 de fevereiro de 2001. Disponível em:
http://www.gabinetecivil.goias.gov.br/decretos/numerados/2001/decreto_5362.htm. Acesso em: 05 jan. 2015. Apenas no ano de 2013
passou a vigorar o Fundo Cultural, regulamentado pela Lei nº 15.633, de 30 de março de 2006, que criou o Fundo de Arte e Cultura do
Estado de Goiás. Disponível em: http://www.gabinetecivil. go.gov.br/pagina_leis.php?id=140. Acesso em: 06 jan. 2015.

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Toda elaboração de políticas públicas perpassa questões de quem define, o que define, como define,
quais as consequências e expectativas com a ação a ser realizada. Mesmo existindo comissões avaliativas
para aprovação dos projetos, a decisão de em quais deles as verbas serão alocadas fica ao crivo do setor
de marketing das empresas interessadas. Desse modo, a aprovação de projetos via renúncia fiscal não é
garantia de realização deles. Adicionado a esses fatos, o programa governamental para cultura em Goiás
tem demonstrado sua fragilidade nos últimos anos, quando a Lei Goyazes sofreu cortes de orçamento,
transparecendo a não priorização desta área para o governo do Estado.
A partir do ano de 2011 o governo estadual de Goiás vem realizando reduções orçamentárias e ameaças
de enxugar valores dos recursos destinados aos programas de incentivo à cultura7. Esses acontecimentos
endossam a análise de Renato Ortiz (2008), ao alegar que os conceitos de política e cultura não se
relacionam muito bem, por isso ela é sempre escamoteada dos grandes orçamentos. Segundo o autor,
a concepção antropológica de cultura adotada pelo Estado não condiz com a terminologia de “política
cultural”, pois as ações desta implicam outras questões, como planejamento, metas, objetivos, enquanto
a cultura, e acrescento aqui a arte, lida com noções como costume, processo, formação, manutenção.
Tal cenário nos demonstra quão delicado é tratar do assunto políticas culturais, pois as propostas
apresentadas necessitam para seu funcionamento de uma sociedade civil organizada, politizada e ciente
de suas obrigações e possibilidades de ação. Desse modo, visando aproximar o projeto de governo à
empiria cotidiana daqueles que fazem dança em Goiás, cabe-nos partir da experiência daqueles que lidam
com essa nova estrutura para que possamos compreender como se dá o encontro entre dança e política.

“DAQUI PRA FRENTE, TUDO VAI SER DIFERENTE?”

Quando apresentada, a proposta administrativa pautada na descentralização se aparenta atraente,


mas, quando posta ao parecer daqueles que fazem o dia a dia da arte e cultura, muitas brechas se
<< abrem. Essas fissuras são escancaradas pelo caráter democrático que possibilita uma interrogação
>>
infinita dos projetos apresentados. Quando a sociedade lida com política, trata-se da organização e das
decisões referentes ao futuro de um grupo de pessoas, diferente do político, que se aproxima do poder
instituído, ao possibilitar à sociedade civil participação nas decisões e execuções das ações estatais,
ampliação a participação, tornando-a mais democrática. E, numa democracia, não existe política certa,
justa ou igual preestabelecida, pois ela se altera segundo as contribuições daqueles que participam do
processo.
Nesse processo inicia a ebulição de pessoas e argumentos que passam a contribuir para avaliação
dos mecanismos de fomento. Assim, o procedimento de renúncia fiscal e os descasos do governo
estadual com a arte e cultura são compreendidos pelo professor e artista Kleber Damaso como uma
demonstração de que o “[...] Estado de Goiás precisa com urgência encarar, de fato e não de discurso,
o desafio de fomentar adequadamente seu setor cultural” (DAMASO, 2011). Contudo, as considerações
que passam a ser apresentadas pela sociedade civil interessada em cultura, especificamente a dança, é
aqui compreendida não como crítica ou resistência, mas antes, como mantenedores de uma proposta
hegemônica.
Mesmo com seus percalços, a política dos editais “se mantém porque consegue criar a adesão
das pessoas àquilo que é” (CASTORIADIS, 1981, p. 15). Tal adesão é contraditória e não equivalente
à passividade. Os mecanismos de fomento existentes se mantêm por conseguir adesão aos seus
postulados. Mesmo não conseguindo abranger todos os anseios e as propostas, o projeto político se

7 Para mais detalhes, consultar os textos: FAYAD, Marcos. Cultura morre na praia. Jornal O Popular. Goiânia, 12 de mar. 2011; FERRAZ,
Wilmar. Trabalhadores da cultura exigem respeito. Carta aberta ao Governo de Goiás e à Sociedade. 22 de mar. 2011. Disponível em:
https://fpcgo.wordpress.com/author/fpcgo/page/4/. Acesso em: 02 fev. 2015; GUEDES, Rita. Reunião em protesto contra corte em teto.
Jornal O Popular. Goiânia, 05 de jun. 2013. Disponível em: http://www.opopular.com.br/editorias/magazine/reuni%C3%A3o-em-protes-
to-contra-corte-em-teto-1.334883?parentId=ojcTrailTitlePane_7_218533_1335442979_3582172_8. Acesso em: 05 fev. 2015; MORAIS,
Fabíola. Fórum Permanente de Cultura. Política Cultural – Goiás. Disponível em: https://fpcgo.wordpress.com/author/fpcgo/page/4/.
Acesso em: 02 fev. 2015.

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mantém. A adesão ocorre por um processo de fabricação dos indivíduos, que lidam com uma autoridade
dessacralizada, sem reis e a graça de Deus. Se a autoridade de outrora se pautava na religião, as de hoje
lidam com um saber especializado e técnicas por meio dos conselhos e das comissões de seleção.
Somado a esse fator, outro elemento que possibilita a adesão é a necessidade, tendo em vista que
“não há necessidades naturais, toda sociedade cria um conjunto de necessidades para seus membros
e lhes ensina que a vida não vale a pena ser vivida e mesmo não pode ser materialmente vivida a não
ser que estas necessidades sejam bem ou mal ‘satisfeitas’” (CASTORIADIS, 1981, p. 20). Entrelaçados
numa sociedade em que a troca pelos objetos de desejo e necessidade se faz majoritariamente por via
monetária, ao possibilitar acesso a meios de financiamento de seus projetos, remuneração para realização
de vontades artísticas e culturais, as leis de incentivo via editais fincaram sua validade no imaginário social.
O compartilhamento dessa valorização dos mecanismos de fomentos via leis de incentivo e seus editais
pelos fazedores de arte e cultura no Estado de Goiás, contudo, não se fez possível apenas por estes fatores.
A opção por fazer parte de uma proposta de governo hegemônica se deu, em grande medida, pelo modo
como ela se apresenta à sociedade, fornecendo meios não apenas de acesso, mas, principalmente, de
construção dessas políticas culturais. Além de elaborar projetos e executá-los, sujeitos vinculados à prática
da dança tiveram a oportunidade de compor o Conselho Estadual de Cultura, introduzindo neste órgão
colegiado especificidades da área. Concomitante a esse processo, na primeira década do presente século,
vários outros Estados brasileiros e também a União passaram a dispor de instâncias representativas que
inseriam a dança com área específica. Neste processo, pessoas como Kleber Damaso, Lucina Caetano, Vera
Bicalho, Valéria Figueiredo, Rousejanny Ferreira, Luciana Ribeiro e Sacha Witkowski passaram a inserir o
Estado de Goiás em discussões de âmbito nacional acerca das políticas públicas para dança.8 Imersos em
debates e trocas de conhecimento, efetuando um “leva e traz” de informações entre o que acontece em
outros locais e Goiás, passando a inserir no Estado uma concepção imaginária capaz de dar sentido ao
vínculo entre Estado e arte.
<< O novo modo administrativo do Estado de Goiás, consonante à proposta federal, desmitificou a ideia >>
de que os governantes são capazes de formular políticas culturais que de fato atendessem às demandas
materiais dos envolvidos. Desse modo, cria-se um ambiente para política, em que não existe verdade ou
certeza na efetivação de políticas para dança, imbuindo os envolvidos numa esfera de reflexão e decisão
na qual o sentido para o que se faz é construído e reconstruído na prática. Embebidos numa concepção
democrática de política, sujeitos que possuem a dança com ofício passam a compartilhar da crença de
“que nós fazemos nossas próprias leis” (CASTORIADIS, 2002, p. 186), propiciando questionar as instituições
vigentes e as normas estabelecidas.
Esse entendimento de participação nas decisões analisado pelo filósofo Cornelius Castoriadis9 desloca
o olhar sobre o que compreendemos como política, tendo em vista que “o objetivo da política não
é a necessidade, e sim a liberdade” (CASTORIADIS, 2002, p. 262), centrado na busca em formar uma
coletividade autônoma, capaz de questionar as regras existentes e de formular propostas para a sociedade
em sua totalidade. Portanto, a noção de ser livre enfrenta a concepção de obedecer às regras feitas por
outros; daí a urgência em contar com pessoas dotadas de capacidade para participar da elaboração das
normas e leis que regem cultura e arte nos territórios em que se encontram.
Entretanto, com o advento de inúmeras instâncias de participação da sociedade civil, esbarrou-se no
despreparo desta para ocupar o lugar de político de exercício do poder. De um modo geral, essa condição
foi expressa pelo sociólogo Carlos Maciel ao diagnosticar a falta de experiência em muitos dos que se

8 Restringi a elencar apenas aqueles sujeitos que se fizeram presentes em instâncias que possibilitam o diálogo com outras localidades
nacionais, como a Câmara Setorial de Dança, atual Colegiado de Dança do Ministério da Cultura, do qual Valéria Figueiredo e Luciana
Caetano fizeram parte como suplentes na gestão 2010-2011; Kleber Damaso, que fez parte das discussões iniciais em 2005, e Sacha
Witkowski, que foi membro titular por duas gestões consecutivas (2010-2011 e 2012-2014); Luciana Ribeiro e Rousejanny Ferreira, pela
atuação local e realização do Festival Diagnóstico da Dança; e Vera Bicalho, pela participação no Conselho Estadual de Cultura e pela
experiência com políticas culturais com a produção da Quasar Cia. de Dança.
9 Neste momento refiro-me especificamente ao texto intitulado “Democracia como procedimento e como regime”,
que compõe a obra As encruzilhadas do labirinto (2002).

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prontificam, demonstrando “[...] desconhecimento dos objetivos e funções do Conselho por parte dos
seus membros; e a desqualificação dos atores que atuam como Conselheiros” (MACIEL, 2007, p. 14). Tal
sintoma também é encontrado quando olhamos para as primeiras participações política de sujeitos da área
de dança em instâncias representativas. Para esboçar essa condição, são emblemáticas as declarações de
Vera Bicalho e Sacha Witkowski sobre a importância deste lugar, sendo os únicos representantes da dança
a comporem o Conselho Estadual de Cultura de Goiás, nas gestões de 2008-2010 e de 2011 até nossos
dias, respectivamente.
O teatro era muito organizado politicamente e a dança não. Porque não tinha muita gente, agora que está
surgindo mais pessoas. Mas na época não tinha, era eu sozinha. Nunca me inscrevia para ser candidata. Eu fui
para o conselho mas foi a convite do Secretário de Cultura, na época a Linda Monteiro. E todo mundo falava:
‘Vera, é importante para dança, precisamos segurar as coisas para dança.’ Eu sabia disso, mas eu acho que
não era a pessoa mais indicada, mas também não tinha outra surgindo. Aí eu fui, foi ótimo, experiência muito
produtiva, aprendi muito no conselho Estadual [...] (BICALHO, 2014)

De 2010 para cá eu tive muito mais acesso a informações de textos, leis e como destrinchá-las e hoje me
vejo como um trainee em gestão cultural. Hoje estou mais na condição de aprender e estudar, pois estou em
instâncias que me ajudam a ter alguma opinião, ter alguma deliberação sobre isso e ter algum aprendizado,
e creio que eu posso contribuir muito mais nisso. (WITKOWSKI, 2013)

Com as vivências expressas, podemos compreender que o processo de formação política da área
da dança diante da nova conjuntura administrativa do Estado de Goiás precisou de um tempo para
que surgissem e se preparassem pessoas capazes de tornar o debate mais qualificado. Desse modo, a
experiência em instâncias representativas tem se demonstrado não somente como espaço para decisões,
mas também como locais privilegiados para o aprendizado e aprofundamento dos debates acerca das
políticas culturais e legislação específica sobre o assunto.
Nesse processo de disputas, desejo e aprendizado, grande parte das ações políticas da área da dança
foi encabeçada por pessoal localizado na capital do Estado, na cidade de Goiânia. Outra vez, o contexto
<< aparece como espectro que ronda o mundo imaginários das relações e poder. Mesmo sendo um programa >>
de governo estatal nacional, aplicado no Estado de Goiás, aqueles que se encontram geograficamente
localizados próximos aos locais físicos onde acontecem os encontros e debates políticos se destacaram
dos demais. Um exemplo disso foi a criação do Fórum de Dança de Goiânia – e não de Goiás – em 2007,
um espaço destinado a “[...] promover a efetiva integração participativa do segmento da dança ao sistema
de administração pública dos recursos para a cultura, nas instâncias municipal, estadual e federal”
(FIGUEIREDO; RIBEIRO, 2015, p. 140).
A restrição à localidade de uma cidade é emblemática, demonstrando carência de mobilização e
conscientização de outras regiões no interior do Estado. E, afunilando o desconhecimento por parte dos
próprios fazedores de arte e cultura em dança, mesmo a cidade de Goiânia, quando se trata de debates
acerca das políticas públicas para dança Sacha Witkowski destaca que:
Como não tem mercado aqui e a construção dos alicerces estão se fazendo ainda, é óbvio que as pessoas que
estão dançando ou a frente de grupos vão se preocupar mais com isso. Mas sem perceber que a preocupação
com políticas públicas ajudaria nesse processo. Eu encabecei mais o processo de chamar reunião, ir atrás de
documentos. Mas foi eu, a Valéria, Luciana e Kleber. Mas é óbvio que também, a cobrança para esses artistas
era grande. Então eu me frustrei nesse começo de 2007, porque ninguém queria ir junto. Em algumas reu-
niões, em alguns momentos as pessoas vinham em conjunto para brigar, reunir. (WITKOWSKI, 2013)

A existência de pessoas que passam a ocupar espaços representativos em instâncias estadual e federal,
bem como a formação de um Fórum de Dança, pode transpassar uma imagem segundo a qual Goiás
desfruta de uma ampla malha de sujeitos preocupados com o assunto. Contudo, a rede de pessoas
envolvidas nesse processo não é muito extensa, reforçando o caráter processual e formativo do processo
de discussão sobre política e dança no Estado.
Por isso, elucidar as relações entre dança e política envolve uma complexidade de fatores, implicando
desatenção ao tratarmos em termos de verdade qualquer relação com a política. A filósofa Hannah Arendt

57
(1992) nos adverte aos perigos de tratar política como verdade, pois este estatuto não contribui para
transformação das relações existentes. Desse modo, a verdade se apresenta como adversa à política por
congregar elementos de tirania, não considerando outras versões ao lidar com elementos coercivos, sua
asserção não se faz por via persuasiva. Se a verdade não nos serve como âncora para política, tendo em
vista que as questionamos para criarmos nossas próprias leis, a autora situa a opinião como atributo
necessário e justificável ao ofício político.
Ao procedermos a essa guinada epistemológica, podemos perceber a política realizada pelos próprios
fazedores da dança e as opiniões que contribuem para o debate. Dentre vários argumentos, a principal
fraude que salta aos olhos é a reivindicação, principalmente de artistas da dança, como representantes de
tudo que se entende como dança. Contudo, ao analisar os sujeitos que marcam esse processo, percebemos
que a maioria deles é profissional vinculado a uma única estética de dança, abrangente, que denominamos
contemporânea. A prevalência de artistas vinculados à dança contemporânea pode encontrar justificativa
no fato de que seu ofício se respalda em pesquisas, possibilitando a seus fazedores maior conhecimento
e prática de estudos sobre dança em sua totalidade. Contudo, há um precedente financeiro que também
move essas pessoas a ocuparem os locais de representatividade:
[...] eu vejo que nós estamos mais imbuídos e preocupados nesse sentido, do que com a própria construção
da dança contemporânea, que demanda mais pesquisa, demanda outros tipos de construção para fazê-la.
Então quando as pessoas começam a entender que não é ficar somente numa sala de dança ensaiando para
ganhar um prêmio. Trata-se de uma desconstrução no pensamento de se fazer dança e começar a perceber
que existem outras coisas, outras ações para poder que meu fim, que estava na sala de dança ensaiando, é
necessário. A pesquisa, o professor, a sala de dança, pessoa para fazer figurino. Começa a desconstruir essa
ideia de escolas de dança. E aí eu começo a perceber que eu preciso de dinheiro e meu dinheiro não vem
de meu aluno, ele vem de mim mesmo. Eu tenho que pagar a pessoa que faz o figurino, na escola de dança,
eu falo para o aluno pagar. Eu que estou fora desta lógica, eu tenho que pagar tudo. Então eu começo a me
preocupar de onde vai vir o dinheiro. Então a gente começa a entender que é preciso batalhar por isso. (WI-
TKOWSKI, 2013)

<< A não garantia de recursos para existência digna dos trabalhos desses artistas tornou os mecanismos >>
de fomento uma válvula de escape, em que os problemas monetários podem encontrar não uma solução,
mas um respaldo mínimo para sobrevivência de artistas e grupos. Mesmo assim assumem lugares que não
são específicos, mas gerais como o Conselho, Colegiado ou o Fórum, que carregam o adjetivo “Dança” de
modo genérico e não “dança contemporânea”. Ou seja, são pessoas que possuem uma compreensão do
que e como deve ser fomentada a dança, diferente de uma companhia profissional de grande porte, das
escolas de dança ou festivais competitivos, tendendo a construírem propostas que caminham para o rumo
de sanar os problemas enfrentados pela dança contemporânea e não pelas diferentes formas de dança.
Estando nessa posição, transforma-se em um dos pilares do fazer artístico e cultural o processo de “[...]
convencer os governos e os eleitores que os fornecedores de bens culturais estão em melhor posição do
que outros para planejar e até mesmo para dirigir políticas culturais” (PEACOCK, 1991, p. 7). Revestidas
de autoridade pelos lugares ocupados e pelos discursos criados, as opiniões deflagram todo seu potencial
criativo no processo de busca pela verdade. Desde a modernidade, opinião e mentira não são opostas à
verdade, pois esta se tornou inalcançável, mas fabricável. O que constitui verdade em política para dança
é a aproximação entre opiniões que torna uma ideia possível de ser aceita como verdade. (ARENDT, 1992)
O cenário desprovido de verbas públicas para o setor da dança durante muito tempo em Goiás tornou as
primeiras iniciativas daqueles que se dispuseram a dialogar com o poder público restritas, ao se contentarem
por garantir o auxílio financeiro por meio do Estado. Em sua participação no Conselho Estadual de Cultura
de Goiás, Vera Bicalho afirmou que “[...] briguei lá por melhorias nos valores dos projetos”; assim como
nos encontros e discussões do Fórum de Dança de Goiânia “[...]a preocupação foi ter dinheiro para fazer
suas produções, não manutenção, não fomento de alguma ideia. Então o imediatismo continua ainda”
(WITKOWSKI, 2013). O que Sacha nomeia como “imediatismo” consiste na urgência cotidiana de artistas
e trabalhadores da cultura em sanarem seus dividendos econômicos, explicitando um entendimento da
dança como profissão e, como tal, passível de remuneração monetária.

58
A dinâmica dos editais de fomento mesmo precavendo arte e cultura da dependência mercantil para
sua existência, ela constitui um outro sistema mercadológico com pressupostos similares, uma vez que
lida com financiamento de compra e venda de produtos e sua distribuição. Essa dinâmica é reforçada
ao contemplar principalmente ações antes já realizadas e que se demonstraram incapazes de mover um
mercado específico para o setor, centrado em montagem, circulação e festivais. Para os estudiosos de
políticas culturais, Luciana Lima e Pablo Ortellado:
A lógica deste tipo de financiamento se pauta, portanto, pelo financiamento da produção ou do acesso à obra
e não do processo criativo que leva a ela. Quando este tipo de política se orienta para o financiamento do pro-
duto e não do processo, três consequências negativas surgem: a vulnerabilidade econômica dos proponentes
de projetos; o engessamento do processo de produção cultural; e o reforço do julgamento de valor no que diz
respeito à distribuição dos recursos. (LIMA; ORTELLADO, 2013, p. 355)

Minimizando a questão, a compreensão da complexidade do investimento público por parte da sociedade


apresenta amadurecimento com o tempo. Ancorados em suas práticas, profissionais da dança em Goiás
estão promovendo a tarefa de olhar para o futuro como atividade necessária, mesmo que ulteriormente
se demonstre algo decepcionante. O passado se apresenta como suporte para as proposições de agora,
na construção de um amanhã possível, desejável. Reconhecendo a importância de verbas públicas para
sustentabilidade e fortalecimento de um mercado em dança, as preocupações se voltam em repensar
como essas verbas devem ser investidas em arte e cultura, em quais ações se torna interessante depositar
volumes monetários com vistas a criar meios para que a própria área da dança constitua pilares capazes
de se sustentarem em médio e longo prazo.
Nesse viés, emergem a importância do auxílio na consolidação de propostas e trabalhos pautados na
“[...] manutenção e a difusão de projetos, seja aqueles que já estão em andamento ou de novos projetos,
trabalhos de grupos já estabelecidos ou de iniciantes. É preciso dar valor aos grupos locais” (BICALHO
apud BORGES, 2011). Essa visão para o futuro das políticas públicas em dança também é compartilhada
<< por Sacha Witkowski, que as compreende como uma reconfiguração de agenda nacional proposta por
>>
pessoas da área da dança em suas interlocuções com o poder público.
Então as discussões que eu vejo no Brasil e em Goiás é fomentar o fazer e o manter bens culturais da dança,
porque antigamente as pessoas queriam alguma coisa para conseguirem produzir, agora viram que produzir
não é o fim, nem meio ou começo. O que temos que fazer é bancar a manutenção de ideias. Manutenção de
pessoas que fazem, para isso ser gerado na sociedade. (WITKOWSKI, 2013)

Por muito tempo o campo da cultura e da arte compartilhou a crença de que somente diminuiremos a
desigualdade nos mecanismos de fomento com uma alteração na elite política, modificando a composição
das mesas em que são tomadas as decisões. Uma parcela desta lacuna começa a ser preenchida nos últimos
quinze anos, mas o processo de participação e formação política da sociedade civil parece precisar de mais
tempo para sua concretização. De qualquer maneira, a descentralização iniciada na administração pública
ainda não obteve repasse legítimo de poder. Em âmbito federal, muitas decisões, como repasse de verba e
proposta de editais específicos, permanecem centralizadas no Ministério da Cultura e não necessariamente
vinculadas ao Conselho Nacional de Políticas Públicas. Assim como a demora na implementação dos Planos
Setoriais demonstra a dificuldade da máquina estatal em efetivar a descentralização das decisões.
Na esfera estadual, as recorrentes ameaças de cortes no orçamento da cultura, o desaparecimento de
verbas destinadas ao Fundo Cultural e a demora na publicação de editais são demonstrações da precariedade
do serviço prestado no setor à sociedade. Mesmo o Conselho Estadual apresenta limitações estruturais em
seu funcionamento, pois, embora possua autonomia para suas decisões, permanece acoplados aos órgãos
do Poder Executivo, responsáveis pela execução de suas políticas. Pelo exposto, fazer política para dança em
Goiás em nossos dias requer preparo, estudo e humildade de reconhecê-la como uma tarefa historiadora que
se pauta no passado, na concretude da empiria para supor um futuro possível. Nessa condição, “podemos
saber o que é provável que aconteça, mas não quando” (HOBSBAWM, 1998, p. 61), pois as conjecturas são
diversas, nos impossibilitando formular um amanhã palpável, ainda que desejável.

59
REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Verdade e política. In: ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 3. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1992. p. 282-325.

BELING, Jussara Janning Xavier. Políticas culturais. Ponto de Vista, Florianópolis, n. 6, v. 7, p. 79-96,
2004/2005.

BORGES, Rogério. “Peço uma trégua de seis meses”. Jornal O Popular. Goiânia. 04 de jan. 2011.
Magazine. Disponível em: http://www.opopular.com.br/editorias/magazine/quot-pe%C3%A7o-uma-tr%-
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BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Estratégia e estrutura para um novo Estado. Revista do Serviço Público.
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<< >>

61
FÓRUM DE DANÇA DE GOIÂNIA,
POLÍTICA E ENGAJAMENTO
Luciana Ribeiro
Valéria Maria Chaves de Figueiredo

<< >>

RESUMO: Neste texto propomos discutir sobre os caminhos percorridos e as novas rotas a serem traçadas
na perspectiva da dança goiana e a partir principalmente do surgimento do Fórum de Dança de Goiânia.
Mediadas por nossas próprias experiências e vivências, reconstituímos a trajetória de atuação do Fórum
em diálogo com a realidade local e como lidamos com os desafios e criamos novas conjunturas. Por fim re-
fletimos sobre o exercício de se atuar na política cultural e seus desdobramentos para o campo da dança,
particularmente na cidade de Goiânia.

PALAVRAS-CHAVE: Dança. Políticas culturais. Ação cultural.

62
DE QUE LUGARES FALAMOS?
As artes só emprestam aos procedimentos de dominação ou de emancipação aquilo que podem emprestar,
isto é, muito simplesmente, aquilo que têm de comum com elas: posições e movimentos dos corpos, funções
da palavra, repartições do visível e do invisível. E a autonomia de que podem gozar ou a subversão de que
podem atribuir-se assentam na mesma base. (RANCIERE, 2005)

Neste texto propomos discutir sobre os caminhos percorridos e as novas rotas a serem traçadas na
perspectiva da dança goiana e, a partir, principalmente, das políticas culturais. Tenta-se, assim, responder
questões, recuperando a memória e história constituídas ao longo das últimas duas décadas. Quais os
lugares da dança nas políticas culturais hoje? Existem uma carreira e um cenário de trabalho para este
profissional: artista da dança? Como lidamos com estes desafios e criamos novas conjunturas?
Segundo Rancière (2005), arte e política fazem parte da vida e se enredam, constantemente, retratando
a sociedade e ampliando a compreensão do mundo e da própria política; bem antes de ser apenas o
exercício de um poder ou uma luta pelo poder, é um exercício de estar no mundo, de cidadania, de
democracia e de educação. Este texto propõe este exercício, de olhar para movimentos políticos no campo
da dança em Goiânia na última década.
Nossa intenção neste texto é, primeiro, tentar estabelecer um roteiro reflexivo, pontuando algumas
margens de onde se constituiu a história das políticas culturais para a dança na cidade de Goiânia, em
especial a partir da constituição do Fórum de Dança de Goiânia e as dificuldades encontradas. Doravante
tomaremos como categoria os trabalhadores da dança, incluindo assim diversos profissionais e diferentes
áreas de atuação no campo da dança como professores, coreógrafos, produtores, dançarinos etc.
Em Goiânia, verificava-se a inexistência de políticas públicas que atendessem à área da dança com suas
especificidades, em paralelo também havia necessidade de se criar condições de atuação para grupos
e artistas independentes da cidade que, inclusive, pautavam suas exigências em experiências de outros
Estados, assim, impulsionaram questionamentos e reflexões importantes sobre a necessidade de uma
<< melhor organização, inclusive política, da dança na cidade. Essas discussões e demandas foram marco >>
histórico para o surgimento do Fórum de Dança de Goiânia.
Esse movimento mobilizou a sociedade civil preocupada com a produção da dança, criando
representações e manifestações espontâneas. Demandas emergentes, tais como a conquista de trabalho,
conhecimento das regulamentações da profissão, atendimentos em editais das especificidades da área,
participação efetiva em comissões e conquista de espaços específicos para a área na esfera pública, entre
outras, pautaram esta organização.
Ao recuperar partes dessa história a partir de cruzamento de nossas pesquisas e experiências vividas,
bem como de acessos informais a acervos particulares dos fazedores da dança, incluindo nossos próprios
acervos e tomando como ponto de referência os anos oitenta, pudemos verificar que já nessa década
havia breves movimentos de tentativa de valorização dos trabalhadores da dança na capital, constatados
principalmente por meio de reportagens de jornais locais em entrevistas concedidas. Esses pequenos
movimentos rebeldes pouco surtiram efeitos concretos, mas corroboram com a ideia de que já havia
pessoas tentando profissionalizar a dança na capital. Falamos de uma época de fragilidade, em que a
dança e a ideia de ser artista traziam marcas impregnadas de preconceito e rejeição.
De fato, na década de 1980 e 1990 surgiram grupos e coletivos de artistas com diferentes pesquisas
de linguagem e inovações e que, por meio de suas produções e com um perfil mais independente, se
fizeram presentes em encontros e festivais nacionais e internacionais, incluindo a Quasar Cia. de Dança1,
que se estruturou profissionalmente com reconhecimento mundial, mas as políticas locais continuaram
inexistentes para área.
1 Um quasar é um corpo celeste com extraordinária capacidade de irradiação de energia. O nome parecia perfeito para uma companhia de
dança que começava a se estruturar, no Estado de Goiás, no final dos anos 80. Absolutamente deslocado do eixo Rio-São Paulo, o grupo
fundado por Vera Bicalho e Henrique Rodovalho trazia como proposta a ruptura com regras acadêmicas e alimentava uma necessidade
de não se fixarem modelos. Tal postura possibilitou que a Quasar Cia de Dança trilhasse uma interessante trajetória, esquivando-se das
relações puramente estéticas da dança para aprofundar-se numa linguagem própria, sincronizada com o pensamento contemporâneo”.
In: www.quasarciadedanca.com.br. Acesso em: 01 jan. 2014.

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Na literatura sobre políticas culturais brasileiras para dança, é possível contar com alguns poucos e
recentes trabalhos, mas sobre a política cultural goiana de fato não há estudos/pesquisas. Apenas nestes
últimos dez anos é que encontramos a produção de publicações que trata de questões políticas e de
organização da área a fim de garantir melhores entendimentos sobre estes contextos levando a dança a
mobilizar-se em busca de outras perspectivas.

O FÓRUM DE DANÇA DE GOIÂNIA

O Fórum de Dança de Goiânia é um movimento civil, de organização coletiva e apartidário, sem constituição
jurídica nem caráter corporativo ou finalidade representativa de categoria profissional. Surgiu em 2007 como
um espaço para dialogar, discutir os problemas da dança e levantar as questões que unissem seus pares.
Destina-se a promover a efetiva integração participativa do segmento da dança ao sistema de administração
pública dos recursos para a cultura, nas instâncias municipal, estadual e federal. Ele é fruto de uma intensa
necessidade de resolver questões urgentes e emergentes da área da dança na capital goiana. Nasce como uma
organização artístico-científica que agrega e aproxima profissionais que atuam na dança em Goiânia nas mais
diferentes áreas. É constituído de pesquisadores, professores, artistas e produtores, amadores e profissionais.
Seu caráter fundamental é de ampliar discussões sobre os rumos e as conquistas de uma dança com mais
qualidade, visibilidade e consistência em suas inúmeras frentes de atuação como cultura, educação, produção
artística e científica, e outros. Também foi criado com intuito de reunir e criar documentos oficiais, a exemplo
do Plano Regional para a Dança elaborado em 2011, em consonância com o Plano Nacional da Dança; ambos
visam assegurar o planejamento e a implementação de políticas culturais para a área.
Sabemos da necessidade de estudos específicos aprofundados sobre o cenário da dança goiana e de
investimentos direcionados, com profissionais especialistas desenvolvendo pesquisas que forneçam dados
mais precisos sobre a área. Nesse sentido, faltam dados quanto ao número de dançarinos, grupos e companhias
<< no estado e o tipo de dança que fazem; os eventos e as produções realizados; a quantidade de academias,
>>
escolas e cursos técnicos/profissionalizantes de dança; programas de graduação e pós-graduação voltados para
a área; a quantidade de público e de empregos gerados; o número de técnicos envolvidos; a disponibilidade
de pautas em teatros para apresentações de dança; o espaço na mídia, sobretudo a eletrônica, e, na escrita, a
existência ou não de resenhas e críticas em jornais locais; os recursos públicos e privados destinados à dança;
os programas de saúde voltados para os dançarinos etc.
Percebe-se que é uma realidade ampla extremamente desconhecida, mas fundamental para a atuação
e o desenvolvimento profissional da área e, acima de tudo, para a dignidade do trabalhador de dança. No
confronto com essa realidade, o Fórum de Dança de Goiânia se reuniu de forma sistemática por quatro anos, a
fim de estudar e discutir qualitativamente sobre a área da dança em Goiás e seus rumos. Esse grupo promoveu
reflexões que propiciaram amplo leque de diagnósticos, repensando, ao mesmo tempo, problemáticas e
caminhos para o desenvolvimento da dança no estado e para a consolidação de ações culturais voltadas à área.
Assim, o Fórum de Dança de Goiânia assumiu responsabilidade de participar de grupos de discussão e ação,
conquistar espaços públicos com representações para a dança e discutir de forma coletiva e equilibrada as
competências e capacidades fundamentais para constituição da área, compreendendo que a formação de
diversidade nos saberes deve ser incorporada às políticas públicas elaboradas. Um dos primeiros desdobramentos
foi a elaboração de um documento parâmetro que apontava diretrizes e ações desejadas para dança, sendo
elas:
• Realização de encontros para o debate com a sociedade civil formal e informal para a criação dos
Marcos Regulatórios e Plano Setorial da Dança.
• Criação de diretorias de dança nas secretarias municipal e estadual de cultura, ocupadas por pro-
fissionais com reconhecida atuação em dança.
• Promoção e apoio de debates específicos em relação à lei do artista e às questões trabalhistas no
campo da dança.

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• Participação e interferência nas leis de fomento e editais destinados à produção, criação, manu-
tenção, circulação e pesquisa em dança, amadora e profissional.
• Criação de um fundo estadual de cultura com dotação orçamentária de 1,5% da arrecadação geral do
Estado, prevista em lei e que destes crie um fundo setorial da dança com isonomia entre as áreas para
a distribuição deste montante por meio de leis de fomento.
• Promoção e criação de programas de capacitação técnica, técnico-artísticas e de produtores culturais
em dança que funcione de maneira itinerante no Estado.
• Elaboração de editais destinados à dança que valorizem o trabalho artístico e os saberes específicos
da área mediante a:
a) consideração dos investimentos realizados pelos artistas em seus projetos como parte inte-
grante dos custos materiais e imateriais necessários para a realização dos mesmos;
b) identificação, destaque e ampliação dos parceiros econômicos e das relações de trocas que
não têm valor de lastro e que sempre permearam os fazeres de dança;
c) identificação e reconhecimento de jeitos de fazer que ampliem e fortifiquem trocas e ações
na área.
• Criação de espaço – Centro Coreográfico, com estrutura física e humana suficientes para a realização
de aulas, ensaios, apresentações e residências que o caracterizem como um centro de referência na ca-
pital. Este deverá reconhecer e contemplar os vários saberes artísticos do mundo da dança garantindo
a presença deles.
• Realização de um Festival Estadual de Dança anual que explicite e alimente o mundo do trabalho da
dança, que se configure como um espaço de conexão, colaboração e visibilidade artístico-profissional.
Como característica de incentivo à produção local, vitrine e panorama nacional destinado à população
local. Festival com curadoria referendada pelos profissionais da área da dança.
• Criação e democratização das salas públicas de espetáculo com 50% das cotas de pauta destinadas
gratuitamente a grupos independentes, projetos de formação artística social e de escolas públicas, es-
colhidos a partir de licitações e editais com trâmites transparentes e curadoria com representatividade
que abranja a área da dança, teatro e música. Sendo essa cota dividida paritariamente entre as partes.
<< • Realização de concurso público que garanta a atuação profissional da área da dança nos espaços pú- >>
blicos da Secretaria de Cultura e dos demais espaços vinculados a ela.

Outro documento elaborado em 2009 pelo Fórum, bastante significativo para a área, foi o Plano Regional
para a Dança. O texto deste documento foi proposto por Adriano Bittar, Cristiane Santos, Luciana Caetano,
Luciana Ribeiro, Rousejanny Ferreira, Sacha Witkowski, Valéria Figueiredo e Vera Bicalho; e com texto final
elaborado por Luciana Ribeiro e Valéria Figueiredo. O documento apresenta basicamente três eixos em
consonância ao Plano Nacional da Dança. São eles:

POLÍTICAS DE FOMENTO E PROMOÇÃO DA DANÇA NO ESTADO

• Elaboração de edital e(ou) criação de prêmios específicos para dança em Goiás nos moldes de um
programa de incentivo com verba direta por meio de projeto de lei encaminhado por um deputado
estadual para ser votado na Assembleia Legislativa do Estado. O edital deverá contemplar várias áreas
da dança como pesquisa, produção, circulação e manutenção de grupos, companhias e artistas inde-
pendentes, a exemplo de editais públicos já existentes.
• Garantir e viabilizar mecanismos de circulação da produção goiana principalmente nos espaços e
teatros culturais do interior de Goiás, mediante a criação de projetos de temporada financiados pelo
Estado nos seus equipamentos culturais. Sugere-se que a fim de fomentar a formação de público esti-
pulem-se valores populares para os ingressos.
• Parceria e apoio do Jurídico de órgãos de fomento para discussão, atualização e criação de uma legis-
lação atuante na área das artes no estado.
• Encaminhar pedido à Fundação Nacional de Arte (Funarte) solicitando sala de espetáculos para a
capital, a exemplo dos espaços mantidos pela fundação no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Recife e
Belo Horizonte.

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• Criação de Centros Coreográficos de Dança a fim de promover estudos, pesquisas, residências, inter-
câmbios e mostras de espetáculos, entre outros.

INCENTIVO E PRESERVAÇÃO DA DIVERSIDADE ARTÍSTICA E CULTURAL BRASILEIRA

• Realização de mapeamento das diversas manifestações artísticas de dança no Estado de Goiás.


• Criação de acervos públicos para democratização e difusão da produção brasileira e regional.
• Criação de um plano de promoção, circulação e uso desses acervos em todo o Estado.

FORMAÇÃO, CAPACITAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO

• Criação e efetivação de projetos artístico-educativos que contemplem a formação de público e


novas plateias dando prioridade aos ambientes educacionais, principalmente no interior.
• Garantia do acesso ao ensino da dança como linguagem artística desde a educação infantil até o
ensino superior, por meio de projetos pedagógicos humanizadores e transformadores.
• Integração de programas dos Ministérios da Cultura, da Educação e da Saúde para implantação de
ações que articulem a produção artística, cultural e educativa na dança.
• Ampla avaliação, discussão e ampliação dos espaços de formação em dança por meio de seus pro-
jetos pedagógicos.
• Projetos de formação continuada para profissionalização e capacitação de professores, artistas e
técnicos que atuam na área da dança.
• Promoção de debates públicos acerca da atual legislação para a dança nos diversos espaços, DRT,
questões trabalhistas, políticas de saúde, aposentadoria especial e previdência, economia da dança
e economia da cultura.
• Capacitação de gestores públicos e privados para atuarem na área de dança.

<< Esse Plano Regional para a Dança foi amplamente divulgado e se transformou em um documento oficial
>>
do Fórum e entregue as instâncias governamentais da área da cultura com repercussão significativa dando
visibilidade para o setor da dança e colocando o Fórum como uma instância importante de referência para
área.

O FÓRUM NA CIDADE E COM A CIDADE

Fica claro nas diretrizes de trabalho do Fórum que sua perspectiva de existência se pauta na discussão
e construção de documentos que possam tanto orientar a área da amplitude do seu campo de atuação
quanto de fato conquistar e assegurar este mesmo campo. Para isso, suas ações giram em torno da
tentativa de reunir as pessoas que trabalham com dança na cidade para que se possa ter um conhecimento
mais concreto da realidade da dança e para que, de fato, haja uma participação ativa e democrática na
constituição de propostas e no apontamento de saídas para esta mesma realidade.
Em nossa realidade está explícita uma ausência de espaços específicos de representação e promoção
da dança dentro das instituições públicas de cultura. Não existem diretorias e coordenações de dança nas
secretarias de cultura estadual e municipal. Isso acarreta prejuízos enormes, pois não se tem uma frente de
trabalho que venha a olhar e promover a área, e explicita que os agentes governamentais não consideram
que exista uma cena efetiva e consistente da dança que venha a justificar a constituição desses espaços de
representatividade específica.
Outra questão que corrobora para isso é a pouca presença de profissionais da dança dentro desses
órgãos que possam não somente explicitar que a dança existe, que produz, que pesquisa, que trabalha,
e que tem necessidades próprias, como também venham a lutar pela sua consistência e pelo seu
amadurecimento político e artístico. A exigência de profissionais da dança preocupados com ela ocupando
cadeiras representativas da área e da arte em geral é imprescindível para que sua presença e visibilidade
sejam estabelecidas.

66
A representatividade da dança dentro dos órgãos públicos de cultura, seja nas coordenações, seja nos
colegiados, conselhos e fóruns, é importante para que a área apresente e exija espaço. Para o Fórum
de Dança de Goiânia, esse espaço se traduz em dotação orçamentária e aumento de recursos públicos
destinados à área, ou seja, criação de leis de fomento destinadas especificamente para a produção,
criação, circulação e pesquisa em dança.
Em Goiânia há uma carência de programas de capacitação técnica, artística e de produção cultural
em dança, principalmente que transborde a formação acadêmica. A possibilidade de formações mais
direcionadas, relacionadas às demandas do mundo
do trabalho, às necessidades pontuais da cena cultural goiana e às questões de produção em dança
ante a cena nacional, fortalece a produção local e contribui para um entendimento mais generoso
e também pragmático do que compreende a área da dança. Essas qualificações atendem a artistas e
produtores da dança que não tiveram formação superior específica e também atualiza a todos, inclusive
os formados, diante dos novos desafios que surgem. São formações cujas temáticas surgem das demandas
técnicas, teóricas, políticas e artísticas dos fazedores locais. Esta escuta fina e sensível é fundamental para
a constituição de uma cena artística forte e crítica que possa, inclusive, demandar novas questões para a
formação superior. Contribui muito não só para a presença de mais representantes da dança, mas também
para que ela possa estar bem representada.
Para se apontar os tipos de cursos e capacitações que a cidade necessita dentro do seu leque de
exigências de formação, e também para se identificar, de forma ampla e transparente, os diversos elos
da cadeia produtiva da dança local, o Fórum se propôs a levantar a necessidade de um mapeamento da
área da dança. É imprescindível que se saiba quem somos e como somos para apontarmos nossas reais
necessidades. Para esta identificação consistente e coerente, com as suas particularidades e abertura
para invenções, mais uma vez a postura sensível e generosa é solicitada, pois se precisa conhecer e,
principalmente reconhecer, os diferentes e diversos jeitos de fazer e de existir da dança.
<< Para a existência e permanência, não somente persistência, de grupos artísticos de dança na cidade, >>
várias frentes são necessárias.
A formação artística deve ocorrer de várias maneiras, não somente pelo caminho acadêmico-
universitário, mas também por meio de cursos de iniciação artística, técnicos e experimentais. A presença
de espaços para aulas, ensaios, apresentações e residências. Espaços de criação, produção, exibição e
circulação de dança na cidade e a disponibilização e democratização de suas pautas, incentivando os
vários níveis de grupos, amadores, profissionais, iniciantes, experimentais e já consolidados. E a garantia
e viabilização da circulação da produção local.
A precariedade das condições de produção da dança na cidade também reflete na sua efetiva
profissionalização e constituição como campo de trabalho. Ou seja, ainda é frágil a ideia de se considerar
a dança como trabalho, o que se desdobra no estabelecimento de diretrizes que orientem a profissão
e na definição e conquista de direitos. A atual legislação para a dança é extremamente defasada e não
contempla as necessidades e particularidades da área; entretanto, para a cena da dança em Goiânia
essas questões ainda não exigiram confronto, apesar de já se identificar que é preciso. Enquanto não for
constituída uma massa de fazedores de dança que intervenham como trabalhadores, engajados e que
lutem por seus direitos, a legislação pouco avançará para fazer jus a este trabalho. Questões trabalhistas
são frutos de conquistas históricas e partilhadas por conquistas coletivas.

UMA HISTÓRIA APENAS INICIADA

Parece-nos que o Fórum de Dança criou uma consciência política e profissional importante para
os trabalhadores da dança em geral, pois a ideia de dialogar com instâncias políticas e públicas marca
importante lugar na busca por estratégias de conscientização e politização. A consciência desempenha
papel fundamental na formação dos sujeitos, das classes, dos grupos sociais, nas condutas, nas escolhas e

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nos possíveis avanços desejados e conquistados. Miguel Arroyo (2000, p. 204) aponta que na consciência
política, de classe, de categoria, acrescenta-se uma dimensão subjetiva e valorativa. A dificuldade está
em manter as diferenças e os diferentes interesses, em não transformar um fórum dialógico em lugar
de interesses políticos e partidários; estes são desafios importantes para nós e fizeram parte de nossas
escolhas.
O Fórum de Goiânia atuou como um marco importante na política goiana, pois abriu a ideia de politizar
o cotidiano. Uma tarefa mais tensa que tranquila. O Fórum surgiu e foi se formatando a partir do nosso
próprio cotidiano e das demandas expostas. Sabemos que nossas trajetórias pessoais se confundem com
as lutas e conquista do Fórum de Dança de Goiânia, neste campo de trabalho e de pesquisa se constitui,
portanto, um emaranhado de impressões, experiências e acontecimentos. Para Boaventura Santos
(2003), no paradigma emergente, o caráter autobiográfico e autorreferenciável da ciência é plenamente
assumido. A própria incerteza do conhecimento sempre vista como limitação técnica transforma-se na
chave do entendimento de um mundo. Apesar desses imbricamentos, sabemos das limitações e não
temos a intenção de salvaguardar certezas, mas sim apresentar uma discussão como exercício de reflexão
e de identidade, como apontada por Stuart Hall (2000), como uma própria identidade que se tornou
politizada, modificando-se de acordo com a maneira como o sujeito é representado. Nossas reflexões
apontam, assim, para o entendimento de uma conjuntura sem intenção de respostas fechadas, pois
[…] a ciência é uma das mais extraordinárias criações do homem, ao mesmo tempo pelos poderes que lhe
confere e pela satisfação intelectual e até estética que suas explicações lhe proporcionam. No entanto não
é lugar de certezas absolutas e... nossos conhecimentos científicos são necessariamente parciais e relativos.
(GRANGER, 1994, p.113)

O grupo de mobilização e organização desse cotidiano mais politizado de dança sentiu a necessidade
de configurar-se também porque começou a surgir demandas nacionais, estaduais e municipais de
representatividade da área nos setoriais de cultura, que passam a ser criados também como um
<< amadurecimento das esferas públicas que tratam das políticas culturais. O cenário político nacional a >>
partir do Governo Lula impulsionou os movimentos de organização da dança em todo o país ao criar
demandas específicas de participação democrática. Câmaras Setoriais representantes dos vários setores
das artes foram criadas especificamente no ano de 2004. Estas tinham como objetivo construir política
pública com a participação da sociedade civil organizada, artistas e criadores representantes de vários
estados pactuando diretrizes e linhas de ação a partir dos elos da cadeia produtiva de cada área, dentre
elas, a dança. O Estado de Goiás passa a ter cadeira representativa na Câmara Setorial de Dança em 2008.
A realização de conferências de cultura nos âmbitos nacional, estadual e municipal também provocou
debates e instigou o diálogo e a participação da sociedade civil, por meio dos movimentos de atuação e
representatividade cultural, exigindo uma organização e amadurecimento político das diversas áreas e
setores da arte. A constituição e a oportunidade de novas formações nos conselhos estadual e municipal
de cultura foram instigadoras e motivo de luta para a dança, que buscou criar uma cadeira específica de
representatividade para a área. E, em todas essas demandas, o Fórum de Dança de Goiânia se apresentou
como espaço fundamental de mobilização e organização da dança na cidade. Foi explícito o reconhecimento
deste trabalho pelos envolvidos com a cultura. Trabalho de organização, articulação e conquista de espaço.
Saímos da invisibilidade. Fomentamos discussões sobre a cena cultural local e o espaço da dança, refletindo
sobre os porquês da nossa realidade e que futuro queríamos. Nesses mo(vi)mentos reunimos diversos
trabalhadores de dança formando estofo suficiente e representativo para a produção de documentos que
foram entregues aos representantes governamentais da cultura. Interferimos na definição de diretrizes
para a área contida nos editais e lutamos pela destinação e pelo aumento de recursos públicos destinados
à área e pela implantação de ações voltadas para o desenvolvimento do setor.
O exercício político é por uma representatividade que se dá no coletivo, nas demandas vindas das
diversas atuações e necessidades que compreendem nossa dança, e isso tanto constitui quanto legitima
nossos interesses. Discutir a atuação de instituições que nos representam e lutar por uma ação mais

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qualitativa, democrática e transparente. Essa postura mobilizadora, questionadora, crítica e propositiva
cria desconforto para uma parcela que compreende e conduz a dança a partir de interesses particulares,
privados, fechados e elitizados. O Fórum acaba explicitando feridas, contradições e conflitos de interesses
mostrando que a dança não existe no mundo etéreo, ideal e homogêneo que o senso comum imagina e que
o mercado e a publicidade insistem em propagar. Isso, em nosso entender, faz a área se fortalecer, crescer
e se desenvolver. Cria consciência política e leva a a(tua)ção na realidade apresentada. Os documentos
são frutos dessa consciência e instrumento de luta de interesses. Confirma que a elaboração de políticas
específicas para a área é urgente no sentido da integralização, crescimento e fortalecimento da dança
como atividade que fomenta a região, cria empregos, promove a cultura e arte, transforma e humaniza.
Em concomitância à elaboração de políticas específicas para a área e justamente para fazer jus a
ela, o exercício político é fundamental, pois ele define condições. Quando se explicita a existência da
diferença, da oposição e da luta no interior da dança e, principalmente, quando se explicita que isso é
fruto de interesses distintos de mundo, de cultura, de educação e de arte, a dança conquista um lugar de
intervenção e transformação social.
É certo que a dança ocupa hoje importante e representativo papel na construção da cultura e da
história em Goiás. Como é certo que as ações indicadas pelo Fórum mediante os documentos produzidos
ainda são motivos de luta e alvo de interesses e disputas. Estamos na batalha para a construção tanto
de nossa atuação política quanto da nossa atuação profissional, buscando um cenário para a dança que
ainda não alcançamos. A conjuntura atual exige atenção, persistência e força para que conquistas não
sejam perdidas e para que avanços aconteçam, pois, apesar de identificarmos que oportunidades foram
construídas e que novos pensamentos de diversidade e importância foram conquistados na prática social,
a arte ainda não ultrapassou e superou seu lugar secundário perante as grandes questões sociais. E assim,
tanto na configuração mais ampla da arte quanto no desenvolvimento e fortalecimento como área, a
dança, ou melhor, os trabalhadores da dança são chamados à organização, mobilização, atuação crítica e
<< política em prol de uma intervenção social propositiva e consistente no intuito de transformar a realidade >>
das condições de sua existência e produção.

69
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Acesso em: 01 fev. 2015.

RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível. São Paulo: Editora 34, 2005.

RIBEIRO, Luciana Gomes. Breves danças à margem: a constituição de uma história artística da dança
em Goiânia. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de História,
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2010.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre a ciência. São Paulo: Cortez, 2003.

VELLOZO, Marila Annibelli. Dança e política: participação das organizações civis na construção de
políticas públicas. 382f. 2011. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) – Escola de Teatro e Escola de Dança,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.

<< >>

70
INSTABILIDADE NA VIDA ARTÍSTICA
OU A PERMANÊNCIA
DA QUASAR CIA. DE DANÇA
Vera Bicalho

<< >>

RESUMO: O presente texto se configura como um ensaio cujo objetivo é tratar de aspectos materiais que
possibilitam e, ao mesmo tempo, limitam as condições de existência e continuidade de uma companhia
profissional de dança. Para tanto, toma-se como exemplo para análise o percurso da Quasar Cia. de Dança
em seus aspectos de produção, abordando simultaneamente as dimensões estadual e nacional, com o in-
tuito de demonstrar como a companhia tem encontrado meios e adaptado seus modos de operar e existir
perante os desafios encontrados.

PALAVRAS-CHAVE: Dança. Produção. Mercado. Políticas públicas.

71
INTRODUÇÃO

Foi com satisfação que recebi o convite para tratar de produção em dança, pois é tema que me é
próximo, com o qual trabalho cotidianamente e que percebo ser um dos entraves para a continuidade do
ofício profissional em dança. Tenho notado uma crescente busca por estudos voltados a temas acerca das
políticas públicas e do processo de produção em dança, o que demonstra que estamos nos aprofundando
em detalhes que dizem respeito ao campo da dança como profissão. Nesse sentido, minha contribuição
está centrada no fazer, visto que não me encontro imersa no ambiente acadêmico de pesquisa sobre o
assunto. No entanto, acredito na viabilidade dos questionamentos que a prática suscita no trato com as
políticas públicas para dança.
Isso posto, o presente texto edifica seus pilares em assuntos que permeiam o dia a dia na produção de
uma companhia de dança profissional, neste caso, a Quasar Cia. de Dança, de Goiânia-GO. Neste 2015,
a Quasar Cia. de Dança completou 27 anos1 de trabalho ininterrupto, conseguindo manter um fluxo de
repertório, a agenda com circulação nacional e internacional. Contudo, essa magnitude e o status no meio
artístico e social adquirido ao longo deste tempo fizeram transpassar uma imagem da Companhia que não
condiz com sua condição material de existência. A proposta é percorrer as últimas décadas enfrentadas e
os percalços nela encontrados, para que possamos alçar luz para possibilidades futuras.
Se, por um lado, essa trajetória da Quasar pode ser considerada como positiva, tendo em vista a
conquista de sua permanência – pois é um dos poucos grupos com caráter independente que conseguiram
se manter com certa estrutura e qualidade nos trabalhos artísticos –, de outro, quando adentramos aos
meandros de como funcionamos, como caminham nossas despesas, o pessoal que temos disponível para
viabilizar todo o trabalho, percebe-se que sempre estivemos fazendo muito com pouco. Para o olhar
estrangeiro, aquele que vê de fora o produto acabado, a Quasar pode parecer deter dinheiro e uma
garantia de sua manutenção. Contudo, para levar a cabo minhas exigências e as do Henrique Rodovalho
<< com o produto que ofertamos, temos que nos desdobrar mês após mês, semana após semana, dia após >>
dia, para conseguir atingir o que queremos.
Com a finalidade de direcionar o texto, conduzirei as reflexões de modo cronológico, apresentando os
desafios e como estes alteraram o modo de organização da companhia. Quando iniciamos os trabalhos
de formação da Quasar, não fazíamos ideia de como tornar nossos trabalhos cênicos possíveis de circular,
mesmo em nível estadual. Desconhecíamos a possibilidade de um circuito de festivais, não dispúnhamos
em Goiânia de uma imprensa que fosse capaz de perceber e noticiar a dança em suas especificidades, bem
como não encontrávamos oferta de políticas públicas para dança no Estado de Goiás. Tudo isso, somado à
estética proposta pela companhia, em nossa região ainda incipiente em termos de dança/ dessa produção
artística, agravava ainda mais nossa condição.)
Assim, durante os cinco primeiros anos de existência da Quasar Companhia de Dança, nossa rotina
se assimilava à de pequenos grupos independentes. Como não tínhamos verba para manter um elenco
permanente, a construção dos primeiros trabalhos foi realizada com sacrifício dos envolvidos, que
trabalhavam em outros ramos no horário comercial e se disponibilizavam nos horários de intervalo
para almoço e no período noturno para os ensaios. As verbas para produção dos espetáculos vinham
da participação de cada um ou por meio de festas que organizávamos. Os figurinos se compunham com
roupas do cotidiano do elenco, e a composição dos cenários muitas vezes contou com objetos de casa que
levávamos para o palco. Somente numa ou outra ocasião contamos com apoio de empresas locais, muitas
delas gerenciadas por amigos que apostavam no trabalho que vínhamos propondo.
A guinada no modo de trabalhar da Quasar Cia. de Dança veio no final de 1993, durante o processo de
montagem do espetáculo Versus, quando houve uma saída em massa de componentes, permanecendo
somente Henrique Rodovalho, Luciana Caetano e eu. Foi diante dessa crise que o Henrique expôs, no início
de 1994, a necessidade de especificarmos os fazeres no interior da Companhia. Até então, todos dançavam
1 A Quasar Cia. de Dança deu início a suas atividades artísticas no ano de 1988.

72
e dividíamos as tarefas extracena. Então percebemos que o trabalho profissional em dança exige tempo
integral, que não era possível continuar levando a dança nos horários que sobravam, precisávamos investir
todo nosso tempo e energia na companhia ou desistíamos de continuar.
Essa maturidade de entender a dança como trabalho nos possibilitou notar a necessidade de dividirmos
tarefas. Desde então, assumi exclusivamente a produção da Companhia e o Henrique ficou a cargo da
parte artística. Ao dispor de tempo e foco numa atividade específica, busquei me informar acerca de
como seria possível tornar o trabalho da Quasar mais profissional, no sentido de viabilizar a circulação de
nossos espetáculos, pois o produto que temos em mãos para trabalhar não são aulas de dança, palestras
ou oficinas. Nosso trabalho sempre se concentrou na experimentação cênica de possibilidades de criação
em dança. Então, é com isso que eu tive de trabalhar, com um produto que poucos conhecem, com um
modo de dança que ainda estava se firmando no cenário artístico.
Nesse processo de busca por mapear possibilidades, tomei conhecimento da Latinoamerican Dance
Platform, que se destinava a contratar trabalhos desta localização, para se apresentarem em território
europeu, especificamente na Alemanha e Áustria, por meio do Festival Movimientos 96. Tínhamos acabado
de montar «Versus» em 1994 e encaminhamos o material audiovisual para a produção da plataforma
na Alemanha. A partir dessa experiência que compreendemos a necessidade de produzir um material
gráfico e audiovisual com qualidade, pois é por meio deles que apresentamos nosso produto a possíveis
contratantes. Quando nos apresentamos na Europa, o espetáculo foi bem recebido, a ponto de conseguir
nos inserir no maior festival de dança que acontecia no Brasil naquele momento, o Carlton Dance em
1996.2
Desse momento em diante, Versus se tornou o espetáculo pelo qual a Quasar ficou conhecida em
grande parte do território nacional. No entanto, o processo pelo qual isso ocorreu nos demonstra que
não há uma via única ou um segredo de como tornar um grupo ou uma companhia de dança conhecida,
capaz de circular nacionalmente. No nosso caso, partiu de um start em relação à nossa necessidade de nos
<< especializarmos em ofícios distintos dentro do que entendemos como mercado de dança. Ter dedicado >>
uma pessoa específica para produção foi crucial para ida da companhia à Europa e ao Carlton Dance,
mesmo sem sermos conhecidos no eixo Rio-São Paulo.
Contudo, se a produção e o trabalho artísticos foram suficientes para introdução da Quasar em um
grande festival internacional, a popularização e disseminação do nome e das propostas da companhia se
deram por meio da crítica especializada e de notícias em jornais de grande circulação como O Estado de
S. Paulo, O Globo e Folha de S. Paulo. Foi depois da aparição e divulgação de nossa existência e críticas
favoráveis na mídia impressa de circulação nacional. Ou seja, foi necessário o somatório de vários fatores
para que a Quasar iniciasse um circuito de apresentações em nível nacional: produção, qualidade estética
do trabalho, existência de um grande evento de dança, retorno positivo da crítica especializada, juntos,
potencializaram a visibilidade da companhia.

APARECER É UMA COISA, MANTER-SE É OUTRA

Uma vez conquistadas a visibilidade e a inserção na mídia nacional, o trabalho aumentou ainda mais,
pois ser conhecido não garante ao artista ou à Companhia convites para apresentação de seus trabalhos
suficientes para garantirem a manutenção financeira. A circulação acontece não apenas via divulgação
de uma marca, mas antes, pelo trabalho cotidiano de se fazer conhecer e de continuar produzindo
espetáculos que sejam interessantes aos eventos de dança. Tendo em vista que a Quasar aparece no
cenário nacional vinculado a um evento que possuía “[...] a intenção de mostrar o trabalho de coreógrafos
que estão desenvolvendo linguagens próprias, procurando novas formas de expressão.”3
2 Nessa edição o evento foi realizado em São Paulo e Rio de Janeiro, compondo a programação juntamente com a Quasar Cia. de Dança os
seguintes artistas e companhias: Win Wandekeybus, Les Ballets C de la B, Guettoriginal Productions, Scapino Rotterdan, Dança Olodum e
Cia Vicente Saez.
3 Apresentação do Programa do Carlton Dance de 1996. p. 4.

73
Esse vínculo da Quasar Cia. de Dança a modos de fazer que costumou denominar como contemporâneo,
forçou a produção a buscar eventos que se interessassem em receber trabalhos com esse perfil. Desse
modo, o trabalho de produção também consiste em escavar informações e mapear os eventos que
suportam o perfil de trabalho produzido, nos levando a perceber as segmentações que existem dentro
daquilo que entendíamos como mercado de dança. Ao mesmo tempo, nos fez notar a importância de
contar com uma assessoria de imprensa, capaz de dialogar em linguagem jornalística com os periódicos
dos lugares onde a Companhia se apresenta, tornando-se ferramenta importante na divulgação local do
trabalho realizado em Goiânia.
Outro fator crucial para manutenção da Quasar foi o investimento constante no material humano e
na produção de novos espetáculos. Assim, desde o cachê que recebemos com a turnê na Europa via a
Plataforma Latino-americana, buscamos sempre criar formas de manter o elenco disponível à Companhia,
o que consiste em remunerá-los financeiramente. Tal ajuste nos forçou a realizar uma alteração no
modo que até então se encontrava a Companhia junto aos mecanismos tributários brasileiros. Vimo-nos
induzidos a sair da categoria de Associação para a de Empresa Limitada, tornando mais baixos os encargos
com impostos de contratação de pessoal via CLT (Consolidação das Leis de Trabalho)4.
Ou seja, junto com o reconhecimento artístico, emergiu uma demanda gigantesca de atributos fiscais
e legais que desconhecíamos, específicos do ramo administrativo e que se distanciam do cotidiano da
prática artística. Como não dispúnhamos de mão de obra característica para produção cultural em dança
na cidade de Goiânia, o deslocamento do ofício de artista para o de produtora foi brusco, envolvendo
desgaste físico e psicológico. Para além do fazer de produtor, existe uma responsabilidade que até então
não tínhamos experimentado, a de ter um grupo de pessoas que passaram a depender financeiramente
da companhia, bem como a própria permanência da Quasar e da qualidade de seus trabalhos passou a
depender de uma garantia mínima de receita.

<< A PROMESSA NÃO CUMPRIDA: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA DANÇA >>

Tendo em vista que a noção de mercado de dança no Brasil era algo incipiente na década de 1990,
quando tratamos de uma localidade específica como o Estado de Goiás, essa condição de torna ainda
mais tensa. Nenhuma companhia ou grupo de dança brasileiro conseguiu a garantia de estabilidade e
continuidade de seu trabalho artístico exclusivamente mediante a venda de seus espetáculos. Essa
carência de eventos para escoamento da produção cênica em dança torna as políticas públicas voltadas à
arte e cultura algo essencial para consolidação de um campo profissional de trabalho.
Em se tratando do local onde a Quasar Cia. de Dança se encontra, não dispúnhamos de mecanismos
de financiamento municipais ou estaduais via fundos públicos ou renúncia fiscal até o início do presente
século. Mesmo a Companhia tendo em período que já existia legislação que previsse apoio à cultura, a
compreensão do processo burocrático que envolve contratos com o poder público levou um tempo. A
única possibilidade durante toda a década de 1990 era pleitear aprovação de projeto por meio da Lei
Rouanet5. Nesse período, conseguimos apenas uma vez captar junto à iniciativa privada, em parceria com
a já extinta Brasil Telecom, que durou de 1998 a 2004.
No entanto, mesmo o Ministério da Cultura tendo distribuído a cartilha apregoando que é a parceria
entre iniciativa privada e produção cultural que “faz do investimento em cultura um bom negócio”6, o
ditame sobre o que deve ou não receber o repasse dos tributos ficou a cargo das empresas e de seus

4 A CLT consiste no principal mecanismo legal para contratação de trabalho no Brasil. Para melhores detalhes conferir em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 06 set. 2022.
5 Trata-se da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que reestabeleceu a Lei n.° 7.505, de 2 de julho de 1986, mais conhecida como “Lei
Sarney” e institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). No entanto, tanto o Fundo Nacional da Cultura como o sistema de
financiamento por meio do Ficart nunca saíram do papel, sendo exercida na prática pelo MinC somente a renúncia fiscal. A legislação se
encontra disponível em: em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8313cons.htm. Acesso em: 02 fev. 2015.
6 MOISÉS, José Álvaro. Cultura é um bom negócio. Brasília: MinC/ Imprensa Nacional, 1996. p. 7.

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interesses. O reconhecimento da lacuna gerada por essa dinâmica de funcionamento no principal
mecanismo de incentivo à cultura no Brasil do período, é denunciado há certo tempo pelo consultor de
patrocínio empresarial Yacoff Sarkovas. Para ele:
O financiamento por dedução fiscal transfere e pulveriza, aleatoriamente, o dinheiro e a responsabilidade
pública para as empresas [...] O problema não está no investimento do dinheiro público na cultura, mas no
modo como isso é feito. A cultura é uma questão de interesse público e, portanto, requer políticas e investi-
mentos de Estado, como a saúde, a educação, o transporte e a segurança. (SARKOVAS, 2005, p. 26)

A Quasar também enfrentou essa experiência; uma vez encerrado o projeto da empresa, seu interesse
é deslocado para outras ações, com vista a atingir outro público de consumidores, alterando os projetos
culturais que até então vinha sendo desenvolvidos. De um momento a outro, vimo-nos alijados de uma
verba que auxiliava na manutenção da companhia. Não bastasse a perda da parceria, conquistar outra
empresa que se interessasse pelo produto oferecido pela Quasar não foi tarefa fácil. Para se ter uma ideia,
somente conseguimos novamente recursos pela da Lei Rouanet no ano de 2003, e de lá para cá tivemos
quatro anos, não consecutivos, sem conseguir viabilizar projetos por meio deste mecanismo.
Nesse meio tempo, surgiram mecanismos locais e regionais de fomento à cultura, mas todos via
renúncia fiscal e com tetos baixíssimos. Trata-se da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Goiânia7 e da
Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Goiás, conhecida como Lei Goyazes.8 A primeira apresentou como
teto orçamentário para o ano de 2014 o valor de R$ 60.000,00; já na segunda, o máximo aprovado foi
de R$ 250.000,00. Os valores apresentados demonstram quanto o investimento em cultura no Estado
de Goiás se apresenta incipiente. Somadas as duas quantias, presumindo que conseguíssemos aprovar
ambos os projetos e captar na íntegra os valores, não seriam suficientes para os custos que envolvem a
existência da Quasar Cia. de Dança.
Diante dessa condição, em diferentes ocasiões, quando não suprimos nossas despesas com os ganhos
obtidos da venda de nossos espetáculos, recorremos a empréstimos bancários para que o trabalho não
<< se esvaia de um ano para outro. Essa instabilidade e a ausência de uma política pública para arte e cultura
>>
no Brasil promovem insegurança na carreira artística, tendo em vista que se cria uma falsa esperança
de que existem recursos sendo aplicados na área de forma coesa. Tenho esperança e acredito que esses
recursos existem, embora ainda sejam insuficientes. O que não se viabilizou foi o uso coerente de como
esse dinheiro é aplicado, devido à falta de uma política pública de continuidade e uma oscilação com a
alteração de gestores públicos que assumem as pastas. Assim,
a partir dos anos de 1980, com a criação e o uso das leis de incentivo à cultura, verificamos uma mudança
significativa do mercado cultural no Brasil. Na medida em que as verbas de incentivos começaram a ser dis-
tribuídas, iniciou-se um plano de concorrência, e com este, uma procura pela especialização e qualificação.
(BELING, 2004/2005, p. 86)

Essa realidade material criou algo que em médio prazo já se demonstrou danoso à arte, sendo pautada
numa “cultura dos editais”. Esse modo de distribuição de recursos públicos força a camada artística a
adequar-se a um calendário nem sempre honesto ou regular, comprometendo a qualidade dos trabalhos,
ao mesmo tempo em que, na disputa pelas parcelas de verbas, vemos cada vez artistas fazendo mais com
menos, propondo duas ou três ações para garantir a existência de uma.

NECESSIDADE DO DIÁLOGO NA CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PARA DANÇA

Apresentado esse panorama em que inexistem critérios claros para estabelecimento de valores
dos serviços que envolvem criação artística, e a deficiência dos órgãos gestores em compreender as
peculiaridades da prática artística, torna-se crucial a participação da sociedade civil entendida no assunto,
7 Lei nº 7.957 de 06 de janeiro de 2000.

8 Lei nº 13.613 de 6 de maio de 2000, que instituiu o Programa Estadual de Incentivo à Cultura – Goyazes. Cabe ressaltar que entrou em
vigor no ano de 2013 a Lei nº 15.633, de 30 de março de 2006, tornando concreta a criação do Fundo de Arte e Cultura do Estado de
Goiás-FUNDO CULTURAL.

75
nos processos de debates e construção das políticas públicas para dança. Após fazer parte do Conselho
Estadual de Cultura de Goiás (2008-2010), pude perceber o déficit nessas instâncias acerca do objeto
dança e as necessidades básicas do setor, não apenas da Quasar Cia. de Dança, mas da dança em sua
totalidade.
O modelo de estruturação na maquinaria pública que vem sendo esboçado desde a década de 1990
necessita para seu funcionamento gestores e sociedade civil organizada e ciente de suas obrigações. Trata-
se da tentativa, claro que lenta e gradual, de reduzir decisões centralizadas, em que o gestor sozinho
define o que e como deve ser realizado o investimento em cultura nas diferentes esferas. Por isso a criação
dos conselhos e órgãos colegiados para auxiliar o gestor público nesse processo, pois quem melhor que os
próprios artistas e fazedores da cultura para saber onde e como a verba pública deve ser aplicada?
Esse cenário exige uma sociedade civil que detenha conhecimentos de sua área, mas necessita
também de vontade política nessa comunidade. Ou seja, vivemos um momento em que é necessário aos
profissionais da dança não apenas concorrerem aos editais, mas comporem as bancas de elaboração,
revisão e avaliação desses editais. Somente assim poderemos num futuro próximo diminuir as incoerências
presentes nesse mecanismo e apresentar propostas para a gestão pública. Não podemos esperar de um
gestor que entenda de cultura e arte, quiçá de dança, esse papel cabe a nós, diretamente envolvidos e
interessados na mudança no formato do emprego da verba pública.
Fazer-se presente em conselhos e órgãos colegiados de dança nos possibilita apresentar ao poder
público nossas preocupações, depoimentos pautados na prática do dia a dia que fazem qualquer teoria
ou proposta se tornar sempre inatual. “É necessário compreender esse processo histórico e o caráter
da participação do Estado nessa fase globalizada do capital e seu papel e interferência na conquista da
participação da sociedade no campo da cultura” (CARVALHO, 2009, p. 20). Como fazemos parte de uma
área de trabalho que ainda levanta seus pilares, temos a condição de explicar sempre aos não iniciados
quais são nossas demandas de artistas que sobrevivem de forma independente e para que possamos,
<< também, compreender até onde o poder público pode nos auxiliar. >>
Antes dos mecanismos de fomento via leis de renúncia fiscal, o apoio que conseguíamos via poder
público era ínfimo, limitando- se à impressão de cartazes, programas, banners ou isenção da taxa de
ocupação do teatro. E numa dinâmica de balcão, tendo que bater na porta das secretarias municipais e
estaduais em busca de algum auxílio financeiro. Temos que apresentar propostas de subvenção, isenções
de impostos, assim como acontece em outras áreas de trabalho como educação, agricultura, pecuária ou
indústria automobilística. Ora, se entendemos a cultura e arte como vetor da economia, por que não criar
mecanismos que incentivem sua produção, circulação e consumo?

A QUASAR CIA. DE DANÇA E ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA HOJE

Como salientado, a existência de mecanismos de fomento via renúncia fiscal não garante o acesso às
verbas públicas. Nesse sentido, a Lei Rouanet é a que apresenta maiores empecilhos para captação. Mesmo
atuando há mais de vinte anos como produtora, e a Quasar tendo quase três décadas de trabalho consolidado
no campo da dança, não existe uma garantia de que obteremos interesse das grandes empresas. Existem
canais, percursos para conseguir as parcerias que não passam somente pelo crivo específico da qualidade
e do mérito das propostas. Apesar de grande parte das empresas trabalhar com o conceito de marketing
cultural de forma lícita, há casos de apadrinhamento, de proximidade familiar com diretores e o alto escalão
dessas empresas, que encurtam o caminho até a conquista da parceria.
Há empresas por nós contatadas, às quais enviamos portfólio, vídeos e delas sequer recebemos retorno
sobre o interesse ou não pelo nosso trabalho. Essa não garantia de parcerias com a iniciativa privada nos
moveu a buscar outras formas de assegurar a existência da Quasar, sendo a principal a venda de espetáculos.
Para tanto, além de termos de garantir um produto de qualidade artística, temos que fazer um trabalho de
garimpo para descobrir eventos e festivais que acontecerão em nível nacional e internacional naquele ano

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e em que localidades. Depois, enviar o máximo de material possível para que o programador ou curador do
evento entenda o que estamos oferecendo, pois, muitas vezes, não assistiram ainda ao espetáculo ao vivo.
Assim, concomitante à elaboração de projetos para mecanismos municipais, estaduais e federais, temos
uma agenda de circulação que é garantida via contratação direta. Isso envolve uma logística gigantesca e
uma dinâmica previsão de possibilidades.
Dificilmente conseguimos nos manter com um único edital, e essa condição nos faz estilhaçar os custos
em projetos diversos, pois as verbas destinadas por cada edital são baixas. Desse modo, cada vez mais os
editais reivindicam que façamos mais coisas com menos verba, o que nos obriga a formular outras ações
para garantir a existência de uma, que nos interessa.
Por vezes, planejamos uma ação que necessita de uma verba “x”, mas um edital contempla metade
desse valor. Daí, entramos numa situação de aposta, acreditando que o projeto terá aprovação em outro
edital para complementar a renda necessária, e muitas vezes isso não acontece, tendo a Companhia que
se endividar para cobrir os gastos do projeto. Loteria, acredito que esta palavra define bem a condição
de existência de uma companhia profissional hoje na localidade onde nos encontramos. Desse modo,
quando não conseguimos cobrir nossas despesas com leis de incentivo mediante a renúncia fiscal ou da
venda de espetáculos, concorremos em editais menores que disponibilizam verba pública diretamente
pelo mecanismo de fundo, como o Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás recém-implementado e o
Prêmio Klauss Vianna de Dança, gerenciado pela Coordenação de Dança da Fundação Nacional das Artes
(FUNARTE).
Outro fator que agrava e encarece a manutenção de uma companhia profissional do porte da Quasar é
a expectativa permanente pelo novo, pela estreia. Isto é, não são apenas os editais que fazem exigências
que muitas vezes atropelam o processo e o tempo necessários para o amadurecimento de um trabalho
artístico, vários festivais específicos de dança trabalham nessa dinâmica.
Essa expectativa pela exclusividade, de apresentar sempre um trabalho novo, impossibilita à Companhia
<< dar continuidade e maturidade aos trabalhos, tendo em vista que, um trabalho cênico que se apresenta >>
em determinado num festival, no ano seguinte a curadoria dificilmente se interessará em contratar
o mesmo trabalho novamente, mesmo que o número de pessoas que tenham assistido seja irrisório,
quando comparado ao número de habitantes daquela cidade. Em alguns casos, exige-se que o trabalho
não apenas nunca tenha sido apresentado no festival, como na cidade em que se realizará o evento. Essa
lógica reproduz uma realidade em que os espetáculos de dança não se destinam ao grande público, mas
sim a um pequeno grupo de pessoas, que não querem mais ver o que já viram.
Se pensarmos na quantidade de pessoas que não assistiu aos espetáculos da Quasar, mesmo em
Goiânia, temos sempre um público potencial. É por isso que realizamos uma média de dez a quinze
apresentações por ano em Goiânia, sempre mesclando trabalhos novos com anteriores, dispondo de casa
cheia. O processo de montagem de um novo espetáculo envolve um desgaste gigantesco, tanto de recursos
e tempo quanto do trabalho artístico de ter de adequar-se a esse calendário anual, pois nem sempre
uma obra consegue ficar pronta nesse intervalo, provocando um esgotamento de verbas e possibilidades
estéticas. Isso posto, não basta reivindicar do poder público que compreenda as especificidades do campo
da dança, quando pessoas, artistas, curadores, programadores replicam modos similares de produção e
contratação dos serviços e produtos.
De todo modo, acredito que não há como culpar ou condenar o cenário atual da dança e as possibilidades
de sustentabilidade de carreira artística, sem ressaltar que é necessário mudar o pensamento dos gestores
públicos e responsáveis pelas pastas de equipamentos culturais. É preciso ampliar as políticas públicas para
que possamos implementar políticas de temporadas prolongadas, subsidiando ou minimizando custos de
locação, equipando adequadamente os teatros e divulgando projetos de temporada. Sem continuidade e
longevidade dos trabalhos, fica cada vez mais difícil a manutenção do trabalho profissional.

77
REFERÊNCIAS

BELING, Jussara Janning Xavier. Políticas culturais. Ponto de Vista, Florianópolis,


n. 6, v. 7, p. 79-96, 2004/2005.

CARVALHO, Cristina Amélia Pereira de. O Estado e a participação conquistada no campo das políticas
públicas para a cultura no Brasil. In: CALABRE, Lia (Org.). Políticas culturais: reflexões e ações.
‘São Paulo: Itaú Cultural; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 2009. p. 19-33.

SARKOVAS, Yacoff. O incentivo fiscal à cultura no Brasil. Revista D’Art. São Paulo, p. 22-28, 2005.

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78
“SOBRE COMO SÃO AS COISAS”:
UMA ABORDAGEM POÉTICA SOBRE O
ARTISTA E GESTOR CULTURAL, CLAYTON LEME
José Geraldo Fernandes
Marila Vellozo

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RESUMO: Este artigo apresenta ideias e modos de atuação do artista e gestor cultural Clayton Leme. Visa
desenhar algumas das ações e iniciativas realizadas por este profissional da área da Dança que mediou
espaços de participação e de construção política nos estados de São Paulo e do Paraná e por outros lu-
gares onde passou. Baseia-se na autora Viviane Mosé (2013) para rascunhar um pouco das reflexões que
Clayton vinha exercitando em conversas com os colegas e amigos, nos últimos dois anos, e que abarcam
a importância da Educação na vida cotidiana das pessoas. Não chega a conclusões porque a vida em si
mesma se encerrou para ele. Mas aponta caminhos para a continuidade das ideias por ele vivenciadas e
por meio de alguns de seus projetos, para que, ao invés de envelhecer, como dizia ele, as pessoas possam
se transformar.

PALAVRAS-CHAVE: Gestão cultural. Artista. Política cultural. Educação. Arte.

79
INTRODUÇÃO

Missão desafiadora, a de escrever sobre um amigo e parceiro profissional após sua morte. Ainda mais
quando este profissional era aquele que costumava colocar o debate em nível elevado, no campo dos
bons argumentos e da problematização das ideias, com a voz calma e lúcida, em tom de paciência, como
alguém que não se intimida nem constrange o outro... tampouco se desespera.
Clayton Leme veio a Curitiba e assumiu a função como estagiário na Coordenação de Dança da Fundação
Cultural de Curitiba, sediada na Casa Hoffmann – Centro de Estudos do Movimento e cursou a graduação
e licenciatura em Dança da UNESPAR – antiga Faculdade de Artes do Paraná.
Sua atuação como estagiário esteve longe de ser apenas a de executar uma tarefa, pois seu envolvimento
era o de compartilhar seus conhecimentos sobre a experiência que teve no Projeto Quadras Pessoas e
Ideias1, na cidade de Votorantim, no interior de São Paulo e a de propor reflexão e provocar o debate, em
qualquer contexto que fizesse parte. Durante reuniões realizadas pela Coordenação de Dança, nas nove
Regionais da cidade com profissionais e interessados em dança, Clayton demonstrava sua habilidade em
articular as motivações de cada participante para questões mais prementes da dança e as que norteavam
a política de integração desta coordenação.
No período, entre 2005 e 2009, Clayton Leme atuou na cocriação (2005) e na manutenção do Fórum
de Dança de Curitiba, uma organização da sociedade civil, de porte pequeno, porém que expandiu
nacionalmente sua atuação incluindo representações nesta esfera federal, por meio de suas contribuições.
Durante a realização do 1º evento do Fórum de Dança de Curitiba, em 2006, Clayton Leme mediou debates
e foi cocurador elaborando, também, as dinâmicas das atividades.
Sua atuação sempre englobou a estruturação das ideias, a elaboração dos modos de participação e
a escolha dos conceitos que embasavam suas ações e produções, porque tomava em consideração os
componentes e as relações entre estes de codependência quando organizava fosse um evento, um curso
<< ou uma coreografia. Um exemplo desse pensamento simultâneo, ou melhor, integrado, foi o lançamento >>
do termo “Ideia-Ação”, como slogan do Dia Internacional da Dança, em 2009, quando o Fórum promoveu
24 horas de ações na cidade de Curitiba. Na camiseta confeccionada para essa data, o desenho de uma
cabeça humana com os cachos de cabelo “desvairados” era criação do próprio Clayton, que em outras
vezes produziria o registro final da atividade, como o vídeo feito em coprodução com Zeca Fernandes,
após o I Fórum de Dança de Curitiba ou a curadoria, no segundo encontro, entre outros exemplos.
Desse modo, quando Clayton propunha o círculo como o formato para os debates e as mediações, era uma
consequência do modo como esse artista e gestor estabelecia relações com as pessoas horizontalizando o
espaço para o convívio e para o estabelecimento dessas relações, sem se deixar impressionar por qualquer
outra informação que não fosse a selecionada para o debate, naquele momento. Isso não ocorria apenas
porque seria um formato bacana, e sim, porque era de sua natureza e compreensão o tratamento do
outro, sem subjugar ou desconsiderar cada indivíduo, contexto, realidade e (ou) tipo de conhecimento.
Na dinâmica de conversas em círculo, entre Bboys e artistas das Danças Urbanas e do Break Dance
propostas no Teatro Cleon Jacques, em Curitiba, em 2006, Clayton desenhava um formato acolhedor
para o debate sobre temáticas, por vezes, espinhosas que procuravam, por exemplo, colocar em xeque as
certezas e definições construídas por estes estilos de dança. Esse foi um exemplo de mediação de sucesso,
no sentido que promoveu o debate, permitiu o acaloramento das discussões, porém, sem perder de vista
um ambiente propício para desdobrar ações e discussões. A metodologia do artista subsidiava este tipo
de desenvolvimento de debates, muitas vezes, difíceis. Clayton mediou esta atividade entre inúmeras
outras que requeriam a habilidade de direcionar e ponderar os conflitos sem reduzir a problemática das
discussões.

1 Segundo Martins (2006), o Projeto de dança da cidade de Votorantim (SP) foi criado em 1996, com realização e idealização de Marcelo
Proença. A manutenção do projeto acontecia com verbas diretas do município de Votorantim, via Secretaria de Cultura e Turismo em
parceria com a empresa Votorantim Cimentos via incentivo fiscal (Lei Rouanet) e o trabalho voluntário de pais, pedagogos, pesquisado-
res etc. O projeto, além da companhia de dança, realizava atividades, intervenções em espaços urbanos e fóruns públicos de dança.

80
Outras de suas habilidades eram a de leitura política sobre cada contexto e momento político; a
capacidade de lidar de modo lúcido com os desafios (sempre constantes na administração pública) e com
a diversidade que era encontrada nas regionais da cidade e em outros espaços onde atuou, a exemplo da
Secretaria de Cultura de Votorantim. Do próprio Clayton Leme sobre o Planejamento e as estratégias de
ação para a Secretaria de Cultura, em 2010:
A proposta de planejamento para o ano de 2010 da Secretaria de Cultura de Votorantim tem como objetivo a
construção de relações com as múltiplas falas espalhadas pela cidade. O contexto onde as ideias de formação
artística e cultural surgem vem da troca e do diálogo desenhada pela comunidade, artista e poder público
criam estratégias, onde, a cultura possa articular o plano de governo elaborado durante o processo de cam-
panha com produção de conhecimento diverso, de ação, participação, reflexão e “empoderamento”, espaço:
Votorantim.

Da atuação do estagiário e estudante do curso de dança da Faculdade de Artes do Paraná, para a


proposição clara de atender à diversidade em um Plano e uma Lei de Cultura municipal, não foram mais
que quatro anos. As estratégias e o domínio que Clayton apresentava em sala de aula e nas reuniões para
conviver com a diversidade e as diferenças, entre outras atividades do curso de Dança e da Coordenação
de Dança da FCC, podem ser facilmente percebidos no texto de planejamento da Secretaria de Cultura
quando ele assumiu a pasta, ao finalizar seus estudos, em Curitiba, e ao regressar a Votorantim.
Sabe-se que universos desafiantes envolvem a administração pública da Cultura, no País, independente
do estado ou município da Federação. Compreender os meandros para a aprovação de uma lei de cultura,
além da competência para criá-la e para persuadir os mais céticos a efetivá-la como prática e legislação,
foi um dos maiores desafios para Clayton Leme, nos três anos em que assumiu o cargo de secretário
de cultura. Naturalmente esse não foi o único embate. Muitos se sucederam na tentativa de ampliar os
espaços de participação social, para arrancar privilégios ou para implementar projetos educacionais.

<< PRINCÍPIOS NORTEADORES DE SEU DISCURSO E PRÁTICA >>

Nos últimos dois anos, entre 2013 e 2014, Clayton esteve muito próximo da bibliografia da autora Viviane
Mosé, que servia de referência para suas conversas e planejamento de projetos educacionais. Entre estes,
incluiu-se a elaboração do curso “Samba Le Lê – Corpo, Dança e Cultura da Infância”, uma proposta da Diversa
– Escola do Movimento, programa de formação livre, itinerante, criado mediante a parceria do Coletivo
Brincante – Núcleo de Pesquisa em Dança e Infância (PR) com a Associação Casa de Cultura (SP).
A reflexão de Mosé (2013, p.26-27) implica algumas das preocupações de Clayton Leme ao elaborar e
debater sobre o tema da Educação e da Dança:
A sociedade, em que todos estão ligados por inúmeros canais, em uma comunicação que acontece de modo
espontâneo, provisório e pontual, em meio a uma multiplicidade de acessos e informações, termina por va-
lorizar todo núcleo capaz de atrair pessoas. Na nova sociedade, tem poder quem agrega pessoas e faz isso
quem tem alguma coisa a dizer, quem tem algum tipo de conteúdo e quem compartilha. É em torno do saber
que as pessoas se colocam, especialmente em torno das pessoas que produzem saber. E um saber é um olhar,
um conceito, uma interpretação. Diante do turbilhão de informações, diante da crise de valores que vivemos,
as pessoas estão em busca de um modo de ver, de uma perspectiva.

Por esse viés, o projeto propunha a parceria com perfis de profissionais que tivessem sua atuação baseados
em conceitos e modos de atuação que compactuassem com as diretrizes do projeto e que tivessem a função de
mediadores e estivessem interessados na relação Corpo, Dança e Cultura da Infância para a formação de agentes
culturais. Clayton acreditava muito e era apaixonado por pesquisas que envolvessem o estudo sobre a infância.
O recorte que Clayton propunha na elaboração desse curso voltado à Infância condizia com sua iniciativa
de criação, anos antes, do Coletivo Brincante. Em Parceria com Silvia Nogueira, também artista da Dança, criou
esse Coletivo que pesquisava e produzia trabalhos voltados à criança. Os trabalhos mais conhecidos foram “Sem
Cabeça Nem Pé, Que brincadeira você é?”; “Embolação”; “Quando Tudo Cresceu“ e seu trabalho de conclusão
de curso “Tramas e Tramóias”.

81
O Coletivo Brincante tinha a participação de artistas que vinham e iam, formando uma ZAT/TAZ, uma zona
autônoma temporária, pensamento respeitado por Clayton, que acreditava que os artistas tinham a liberdade
de estar onde quisessem. ZAT para Hakim Bey (2001) prescindia de definição já que, para o autor, este é um
termo quase autoexplicativo e deve ser compreendido em ação. Conforme o autor (BEY, 2001, p. 17):
Em resumo, não queremos dizer que a TAZ é um fim em si mesmo, substituindo todas as outras formas de
organização, táticas, objetivos. Nós a recomendamos porque ela pode fornecer a qualidade do enlevamento
associado ao levante sem necessariamente levar à violência e ao martírio. A TAZ é uma espécie de rebelião
que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tem-
po, de imaginação) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa
esmagá-la.

Em um momento como o atual, no Estado do Paraná, início do ano de 2015, em que uma greve
demonstrou a potência da articulação da base de sindicatos de docentes da rede de ensino estadual e
universitário, com a ocupação da Assembleia Legislativa do Paraná, por duas vezes, impedindo a votação
e provocando a suspensão, por mais de um mês, da votação de um pacote de medidas para desmanchar a
Autonomia do Ensino Superior Estadual e para sacar 8 bilhões de reais do Fundo Previdenciário, alternativas
como esta, de estruturação de uma ZAT, emergem como única possibilidade de se manter resistência aos
mandos e desmandos deste governo. O que demonstra que este formato de levante e de mobilização
continua sendo uma opção viável para a atuação da sociedade civil.
A atenção de Clayton Leme para temáticas envolvendo a Infância pode também ser encontrada para o
tema da adolescência e para a compreensão da necessidade de se inteirar das transformações que a vida
apresenta (se apresentam) em nossas vidas e que podem alterar, (ou) não, o processo de envelhecimento.
Adolescência, Infância e Envelhecimento, interconectadas por uma questão temporal, estavam, para
Clayton Leme, entrecruzadas por uma possibilidade cristalina de se compreender a vida como processo
de transformação e de produção de sentido a partir das mudanças na compreensão das pessoas. Segue,
uma reflexão crítica de Clayton Leme sobre um momento em que se deparou com esta possibilidade de
<< >>
transformação para si mesmo:
Pude enxergar no trabalho questões relevantes a serem debatidas por adolescentes e para adolescentes, o
fato de sentir um incômodo tinha relações com questões que me ligavam, de alguma maneira, à eles. A ficha
então caiu, percebi “as coisas como são”, elas seguem seu curso sutilmente, nos alertando para as transfor-
mações do caminho, nos dando a possibilidade sempre da escolha que é participar do processo de modificação
ou se ausentar e se perceber envelhecido diante da vida. Quando me dei conta do estado corporal que o espe-
táculo havia me proporcionado, pude descobrir que havia envelhecido, mas que sempre teria a possibilidade
da escolha da reorganização de tudo o que eu era até então. Pensando na adolescência enquanto sistema, me
vem a ideia de uma fase cognitiva e motora, onde percebemos não existir outros sistemas interessados nas
suas possibilidades de troca. Passam, às vezes, despercebidos na tentativa de alcançar outras possibilidades de
estar no mundo. A dança, desafiadora por natureza, coloca estes sistemas “adolescentes” na posição estraté-
gica de questionadores e proponentes da vida, da modificação, da descoberta de diferentes modos de agir e
de recolocação da informação e de suas ideias no mundo. O espetáculo era uma dessas maneiras de recolocar
as informações. Incomodava porque nos colocava em xeque diante de escolhas e isso é algo que as sociedades
são ensinadas a não realizar, pois os adestramentos estão mais presentes em nós do que imaginamos.

O incômodo que Clayton aponta vinha sendo sistematizado por um estudo sobre Escola e Educação
tendo em vista que acreditava que a Cultura e a Educação eram os meios de transformação do mundo.
Assim como a Cultura não era vista por ele pelo viés do entretenimento ou evento e sim, como um modo
de vida, como costumes, e como forma potencializadora de mudança, a Escola deveria se constituir no
espaço de apreendência conectado com a sociedade e corresponsável pelo desenvolvimento cognitivo
dos alunos. Esse desenvolvimento cognitivo deveria empoderar as relações humanas e a sensação de
pertencimento das pessoas.
Portanto, questionar o modelo de escola que, segundo Mosé (2013), ainda se organiza por séries,
fragmentando os saberes em conteúdos isolados e onde as aulas são anunciadas por sinal como os de apito
de fábrica, era uma das ações que Clayton vinha tomando incluindo a oferta de modelos distintos, por meio
de cursos orientados de outra forma. A possibilidade de selecionar, escolher, como mencionava Clayton,

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e o formato das escolas, conforme Mosé, estavam imbricados de modo a reproduzir modelos similares a
presídios ao invés de espaços democráticos preocupados com a estruturação da cidadania, com a produção
de conhecimentos, com a ampliação do debate, com imaginário para desenvolver a criação.
Clayton Leme criou, então, a Diversa – Escola do Movimento, como um conceito em ação para que pudesse
desenvolver ideias e foi assim que elaborou o Programa e curso “Samba Le Lê – Corpo, Dança e Cultura da
Infância”, que se organiza do seguinte modo:

Temas e abordagens do Curso Unidade Áreas de atuação


1) Arte 01 módulo Processos de Criação para Infância: O Corpo e a Infância
Dança e Infância
Jogos e Brincadeiras Infantis

2) Cultura 01 módulo:
Leitura de Mundo
Espaço Urbano e Infância
Comportamento Motor
História da Infância no Brasil
Cultura e Educação
Legislação e Políticas para a Infância
Infância e Movimentos Sociais
Padrões Neurológicos Básicos

Proposição em Rede 01 módulo:


Produção Cultural e Artística para Infância
Cama de Gato – Diálogos da Infância
Produção de Felicidade
Para acabar em Beleza
<< >>
UM PROGRAMA DE POLÍTICA CULTURAL MUNICIPAL BASEADO EM PRODUÇÃO DE FELICIDADE

Do mesmo modo como a “produção de felicidade” fazia parte de seu projeto do curso, integrava também
os objetivos do projeto de lei municipal de cultura. Clayton Leme travou embate ao redigir no Programa para
a Lei Municipal de Cultura de Votorantim que um dos objetivos deveria ser a produção de felicidade. Não é
difícil imaginar a resistência que encontrou e encontraria em espaços de gestão pública como a Câmara dos
Vereadores ou mesmo no âmbito da prefeitura. A ideia partiu de sua pesquisa feita no site de Tião Rocha,
educador respeitado por todo País e internacionalmente. Tião Rocha propõe a produção de felicidade como
uma das metas a serem alcançadas na educação e a inclui em processos de avaliação que envolvem pais,
estudantes e professores.
Partindo dessa premissa de Tião Rocha em âmbito educacional, Clayton Leme assumiu tal objetivo para
a elaboração de um programa para a Cultura de Votorantim, quando se deparou com outro ponto nodal,
usualmente relacionado a um dos maiores desafios pelo poder público, mas que para este gestor significava
um ponto importante da gestão: a participação social. E ao entender como um desafio importante e que
deveria ser encarado pelo gestor, ao invés de escamoteado por qualquer gestão, organizou este tema por
dimensões:

a) Dimensão política (como ampliar a percepção da importância da Cultura pelo conjunto da socie-
dade?);
b) Dimensão educacional (como contribuir para a quebra de preconceitos e para a formação crítica
do cidadão?);
c) Dimensão produtiva (como intervir para fortalecer as cadeias produtivas da Cultura?).

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Compreendendo a Cultura como área-chave para pensar a cidade em sentido mais amplo, Clayton se
dedicou com a equipe da secretaria de Cultura de Votorantim a diagnosticar os pontos problemáticos da
cidade, criando um diagnóstico a partir da seguinte pergunta: “Qual o maior problema da Cultura na cidade
de Votorantim?” Desse modo, foram levantados os seguintes problemas, que ele considerava como desafios:

1 - Baixa institucionalidade da Cultura;

2 - Prédio da Cultura está ruim;

3 - Limpeza na Praça de Eventos;

4 - União entre os Produtores Culturais;

5 - Não termos identificado qual será o foco para direcionarmos o produto;

6 - Os artistas só procuram ver as questões deles sem se organizar;

7 - Verba, local adequado para ensaio, organização e centralizaçãode núcleos;

8 - Valorização e falta de verba;

9 - Entender cultura como eventos e não no seu cotidiano, nas manifestações, nos processos;

10 - Diversidade (direito cultural X produto cultural);

11 - Unir o direito de cidadão e a construção artística cultural;


<< >>
12 - Conscientização e valorização do que é produzido;

13 - A relação do munícipe com o entendimento “cultura”;

14 - Pouco envolvimento da cidade com as ações culturais locais;

15 - Inovar e ousar, não ter medo da inovação, buscando novos caminhos para velhos conceitos;

16 - Melhor entrosamento com outras secretarias;

17 - A biblioteca precisa de maior apoio com a secretaria de cultura; houve uma melhora em relação
aos anos anteriores.

Partindo de um diagnóstico, Clayton Leme e sua equipe sintetizaram-no do seguinte modo:

1- Existe baixa institucionalidade da Cultura no município;

2- Precariedade nos equipamentos da Cultura;

3- Isolamento da Cultura com outros setores da sociedade;

4- Conceito da cidade sobre cultura é restrito e antiquado.

A equipe, sob sua orientação, elaborou diretrizes para o desenvolvimento do trabalho da Secretaria de
Cultura de Votorantim visando:

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1- Aumentar a institucionalidade da Cultura na cidade;

2- Criar e qualificar os equipamentos culturais da cidade;

3- Romper o isolamento dentro do governo e entre os produtores culturais;

4- Mudar o conceito de cultura da cidade.

A metodologia para a elaboração do Programa de Cultura para Votorantim foi proposta por Clayton
Leme e se constituiu inicialmente pela vivência da equipe em uma imersão de três dias, direcionada por
Neide Aparecida da Silva. E a pergunta gerenciadora das dinâmicas foi “Como eu quero que a Cultura seja
lembrada daqui a 10 anos na cidade?”. As respostas levantadas pela equipe foram:

1 - Reconhecida na sua cultura diversificada;

2 - Uma população plena e satisfeita, a cultura caminhando a passos de gigante com inúmeras ações
culturais;

3 - Uma cidade limpa e evoluída;

4 - Ganhou vários prêmios: Viola, Hip Hop, Rock, Ballet;

5 - Com sua diversidade cultural respeitada e potencializada;

6 - Que todo esse nosso trabalho deu muito certo e ainda existe;

<< 7 - Um município que se orgulha de suas raízes culturais, que conhece e divulga sua história; >>

8 - Uma cidade valorizada pela criatividade e renovação cultural;

9 - Uma cultura dinâmica em nossa cidade;

10 - Uma cidade onde as pessoas saibam o significado da palavra cultura;

11 - A cultura é uma maravilha, valeu a pena trabalhar em cima dos conceitos, transformando as pra-
ças, os shows, artistas ficaram conhecidos e outras modificações que abrilhantam a nossa cultura;

12 - Com projetos culturais de grande relevância para o orgulho da cidade e região;

13 - Ações culturais voltadas para a população com envolvimento total da sociedade;

14 - A área da cultura com ampla e diversificada rede de atuação em todo o município, efervescente
para a região e potencializadora da produção local rumo a outros territórios;

15 - Que cada bairro tivesse um auditório;

16 - Cultura sendo vista pelos munícipes como parte das prioridades da cidade;

17 - Cidade que investe nas pessoas;

18 - A cultura desta cidade trouxe para a população pertencimento e qualidade de vida.

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E, partindo da ideia dos dois últimos itens, chegou-se à marca da Cultura de Votorantim que dialogava
com a Marca do Governo: A Cultura Pertence às Pessoas!
Ideias como pertencimento, empoderamento fizeram parte do cotidiano de vida de Clayton Leme e de
suas ações e atuação como artista e como gestor público de cultura. Suas preocupações foram inúmeras,
mas para todas estas, Clayton contribuiu assumindo sua parcela de responsabilidade pelo que via, criticava
e analisava como cidadão e observador ativo deste nosso mundo.
É verdade que ele tinha um mundo todo particular que muitos de nós não chegamos a conhecer
em profundidade, contudo, muito do que este colega e artista e gestor vivenciou, ele compartilhou e
generosamente nos convidou a participar. É em função da importância de suas ações e ideias e de seu
comportamento humano, social e político que difundimos, nesta oportunidade, um pouco do tanto que
este trabalhador ofereceu à Dança, à Cultura e à Educação no país.

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REFERÊNCIAS

GOVERNADOR VALADARES. Disponível em:


http://pt.wikipedia.org/wiki/Governador_Valadares. Acesso em: 25 de outubro de 2014.

HEY, Hakim. TAZ Zona autônoma temporária. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004.

MARTINS, Giancarlo. Uma nova geografia de ideias: diversidade de ações comunicativas para a dança.
2006. 100p. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2006. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/4823.
Acesso em: 06 set. 2014.

<< >>

87
DESLOCAMENTOS DE UM ARTISTA PRODUTOR
Kleber Damaso

<< >>

Por mais previsível e por vezes dissimulado, o desenrolar do tempo evoca certas nuances da experiência.
Não é o caso de submeter este relato a uma coerência cronológica, mas de sublinhar as nuances que
desvelam a simultaneidade do fazer e do conhecer. De antemão, as dificuldades em localizar os momentos
que friccionaram a compreensão do artista e do produtor de arte paralisaram a escrita. Esbarro, reviro e
debruço sobre essas dificuldades, porque já não é satisfatório principiar pelo rompimento com a estrutura
hierárquica e claustrofóbica das companhias de “dança contemporânea”. Num âmbito maior das relações
da dança com os fazeres, melhor escarafunchar o impulso compulsório de remover as mobílias da casa para
amalgamar o rebuliço da Gretchen com os curtos eletrizantes das pernas da Tina Turner. Num dos tantos
projetos coreográficos elaborados na infância para apresentar nas festas de fim de ano. Sim, o tempo
permitiu mensurar com outros olhos o valor de tantos esforços. E, sem dúvidas, a espera pelas aparições
fumegantes e farsescas à “la conga” no cassino do velho guerreiro foram decisivas na escolha de trabalhar
com o movimento (oh! i like you dancing every day). Aqui, a necessidade de esvaziar/abrir/transformar/
conquistar o espaço já indiciavam força produtiva. E o quão próxima a produção é da demolição.
Esse mesmo impulso de mover autorizava cabular as aulas de desenho técnico para espiar ensaios pela
fechadura. A atmosfera dos ensaios, especialmente minutos antes de uma apresentação, era muito mais
sedutora e excitante. Ser aplaudido ou admirado nem se compara à integridade que a informalidade dos
ensaios pode transpirar. A integridade de quem não admite dissociar o trabalho do prazer. Beuys (2007)
teria dito algo sobre como a integridade de uma ação ou atuação é muito mais importante para a arte,
para a educação e para a sociedade do que o status social ou as imagens pessoais sustentadas em socie-
dade. O trabalho pode ser uma realização libertadora, fonte de prazer e cheia de vontades. A dança tem
essa coisa simples e cara de ser pura vontade. Do desprendimento e autonomia de eleger o corpo, em sua
pequenez e vastidão, com suas fragilidades e imperfeições, como única – ou, ao menos, primeira – con-
dição de realização do trabalho.

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<< >>

89
Nessa, aos dezesseis, abandonava o curso técnico de edificações para ensinar um grupo de cegos a
dançar. Com a garantia de receber o suficiente para financiar outras trilhas sonoras. Junto às tomadas de
decisão, abraçava a imprecisão e a necessidade de inventar os modos. Mesmo antes de ler sobre a premissa
benjaminiana de não alimentar os aparelhos produtivos sem antes modificá-los, perseguia a forte intuição
que levava ao confronto com os modos de fazer. A figura do produtor, quando muito, era uma exclusividade
do cenário musical. Até hoje são escassos os espaços de formação profissional voltados para produção cultural
e artística, no sentido mais amplo. Havia duas opções, já que o atrevimento e a curiosidade me lançavam no
campo das experiências (mesmo as contraindicadas): esperar que um raio (patrocinador) escolhesse cair na
minha cabeça ou criar as condições e os meios de produzir e existir no campo das artes. O olhar do bailarino
precisou então negociar com o de coreógrafo, professor, diretor, assistente, dramaturgo, pesquisador e
crítico. O que implicou transitar por diferentes áreas do saber e conhecer, ainda que superficialmente, sobre
o trabalho do iluminador, do sonoplasta, do cenógrafo, do figurinista, maquiador, fotógrafo, videomaker,
faxineiro, bilheteiro, fisioterapeuta, massagista, e, por consequência, com o aumento das lesões físico-
financeiras, das figuras do gestor, administrador, captador, marqueteiro, contador e o raio que continuam a
exigir do profissional das artes.
Isso também pela empáfia de reivindicar meus direitos à atividade criativa. De não me satisfazer em ser
um mero executor / reprodutor das coreografias alheias, ou de criticar, aprendê-las muitas vezes de forma
solitária, mecânica e asséptica, copiando repertórios registrados em vídeo. De também querer assinar pelos
movimentos que investigava, já que investigar era muito mais divertido do que repetir. E antes, de poder me
posicionar e comunicar pela via da arte, ainda que de maneira cambiante, indecisa e até constrangedora (por
que não?) como o próprio ser humano.
Depois de reencontrar dois fantasmas alemães na academia, Benjamin e Beuys, às vezes discordantes, mas
com quem procuro manter o diálogo, foi possível articular em pensamentos a importância em deslocar/ transitar
pelas diversas etapas de uma cadeia produtiva, sobre o risco da impessoalidade, alienação e homogeneização
<< dos resultados de qualquer processo de produção. Descobri nas leituras de Benjamin (2009a, 2009b, 2004, >>
2002, 1994a, 1994b, 1984) que a especialização técnica exacerbada e o desmembramento generalizado das
etapas de produção inviabilizam a percepção do conjunto de um resultado e dificultam mensurar a importância
do empenho e investimento de cada trabalhador numa realização. A invisibilidade das realizações diluídas
pela fragmentação e falta de compreensão da totalidade dos mecanismos de produção reforça a condição de
consumidor e de não produtor. Desconectar as etapas de produção intensifica a indiferença, a automatização
e o que Benjamin denomina como processo de coisificação da ação humana: “A peça entra no raio de ação
do operário, independente de sua vontade. E escapa dele da mesma forma arbitrária.” (BENJAMIN, 1994b, p.
125). Ao contrário do que acontece na atividade criativa, nesse caso supracitado são os meios de produção
que se apropriam da força humana de trabalho e da motricidade condicionada, repetitiva e uniforme do
trabalhador. Nessa altura não me satisfazia mais ser a “peça coisa” dos coreógrafos.
Cada um à sua maneira, Benjamin e Beuys contribuíram para baixar a bola da tal estabilidade econômica,
para deslocar o homem e o poder econômico do centro das atenções e elevar a importância da produção
cultural e da atividade criativa no campo social. Isso ajudou a reavaliar o lugar e o valor da arte, ou mesmo
entender que o conceito de trabalho é maior que essa corrida desenfreada contra o tempo pelo aumento da
capacidade individual de consumo. De certa forma, contribuíram também para não me sentir tão alienígena
ao dizer que troquei a engenharia pela arte do movimento. Trabalhar não é produzir exclusivamente capital.
Rever o papel e o lugar da arte talvez seja a questão-chave deste texto, como alcançar alguns dos descompassos
das atuais políticas culturais que logo mais serão tratados.
Rever e reavaliar inclusive o conceito de técnica, que não está mais dado, descolado ou anteriormente
estabelecido diante das pulsões do criar/fazer. Que tem mais a ver com a destituição dos modelos, bem ou
malsucedidos, a favor da experimentação e da implosão dos limiares da arte. Implodir as convenções para
atingir as estruturas de poder da própria arte. O indivíduo e as artes eram, aos olhos de Beuys (2007), capazes
de ser e fazer algo que não seja o instituído, mas que implica irromper não só as fronteiras discursivas, mas

90
também as fronteiras formais e atravessar os territórios convencionados do seu poder e exercício. Que chato e
enfadonho seria não flertar com as artes visuais, o teatro, o cinema só por um dia ter escolhido a dança como
profissão. Por outro lado, tal ângulo de observação impeliu o abandono radical do próprio conceito de modelo
a favor de uma compreensão menos engavetada dos contornos da arte.
Nas Passagens, Benjamin empresta um conceito curioso de Focillon sobre a técnica como poética da ação
e meio das metamorfoses. Produzir arte não é apenas seguir a cartilha e percorrer o caminho das pedras,
como escutava frequentemente em palestras e oficinas de elaboração de projetos culturais para captação
de recursos. Envolve esforços outros e constante atualização. A falta de esclarecimento do produtor acerca
de sua própria circunstância abastece um sistema que se torna a cada dia mais vulnerável. No lugar de um
enfrentamento competitivo com as descobertas tecnológicas nos parâmetros vigentes da sociedade de
consumo, Benjamin sugere a aplicação, o estudo e, principalmente, o confronto a partir do conhecimento. O
confronto pelo conhecimento é o caminho mais direto para que não se alimente um aparelho produtivo sem
antes modificá-lo.
Daí a proposta de horizontalizar as esferas da produção em estratégias de ações e resistência como o
Programa de Residências Transestéticas – Conexão Samambaia. Na expectativa de que cada artista sinta-se
à vontade e em condições para exercitar seu trabalho da melhor forma, sem outros objetivos que possam
deturpar a qualidade da sua experiência. No caso do Conexão, tornou-se uma postura ética e estética duvidar e
evitar o desmembramento fordista das cadeias produtivas a favor da alternância, da errância e da rotatividade.
Ampliar perspectivas, estimular o olhar crítico e reflexivo por meio da experiência nas diversas etapas e
funções de qualquer circuito de produção, para ascender a motivação e não estigmatizar a potência criativa
numa divisão estática e automática do trabalho, de tarefas e funções. A autoconsciência crítica da posição do
artista na cadeia produtiva é a única forma de liberar os modos de produção contra a tendenciosidade passiva.
De modo muito parecido, ao confrontar todos os indícios do conservadorismo tecnocrático, o estado de ação
beuysiano ganha força num ativismo social, político e artístico incomparáveis. Beuys defendeu inclusive a
<< substituição das macropolíticas pela autogestão e pela autodeterminação, num processo que conduz à >>
liberação do trabalho pela valorização das capacidades humanas: “O homem hoje tem […] a possibilidade
de modificar toda sua natureza – tornando-a revolucionária – e até sua própria essência. Estou de acordo
com a transformação do conceito de herói no de homem ativo” (BEUYS, 2007, p. 179, tradução do autor). Ao
redimensionar o papel da criatividade na ação humana, Beuys buscava ao mesmo tempo ampliar o conceito
de arte, ciência e de uma antropologia que ultrapassasse seus agenciamentos para além do pequeno umbigo
humano. Razoável e prática, essa antropologia estaria comprometida em esclarecer ao mundo que seu capital
não é o dinheiro, mas a aptidão humana para a criatividade e assim garantir a liberdade e a autodeterminação
em todos os ambientes de trabalho e da atividade produtiva. A criatividade, cada vez mais, se afirmava para
Beuys como a única alternativa de estabelecer novas condições de convivência social. Ela é a composteira que
produz o húmus de conceitos sobre o qual se pode realmente criar novas formas de vida, a principal função
das artes plásticas e também das não plásticas. Em entrevista concedida em agosto de 1969 ao ativista nova-
iorquino, historiador de arte, editor e curador alternativo – Willoughby Sharp (1936/2008), Beuys expõe a
radicalidade do seu pensamento:
O homem só está realmente vivo quando se dá conta de que é um ser criativo e artístico. […] Por isso, eu ad-
vogo por uma implicação estética da ciência, da economia, da política, da religião, de toda esfera da atividade
humana. Inclusive a ação de descascar uma batata pode ser uma obra de arte se é um ato consciente. (BEUYS,
2007, p. 40, tradução do autor).

A dimensão estética nesse caso só interessa como campo inerente ao trabalho humano. A criatividade,
a força criativa e a autodeterminação por meio da criação são intrínsecas à atividade produtiva e devem ser
estimuladas e desenvolvidas para um processo de totalização da arte, já não mais restrita a um campo cultural
ou a um grupo de artistas especializados. A transformação social está atrelada à revaloração da criatividade
como capacidade de ação e não pode ser tratada como uma propriedade exclusiva do campo artístico ou de
um pequeno grupo de escolhidos.

91
Pelo processo de totalização, a arte incorpora em seu fazer dimensões políticas e morais que atravessam
nossas geografias imaginárias. Sua presença se manifesta em todo o mundo, em qualquer lugar, pelo
impulso criativo e provocador que encontramos nos mais simples e despercebidos gestos. Beuys via na
arte uma possibilidade terapêutica de desfazer nossos preconceitos e de remediar os males e os desafetos
de uma estrutura social doente, marcada pelas experiências da Guerra e da aniquilação dos sentidos no
projeto moderno.
O ativismo como estado de ação no processo de politização da arte talvez seja um dos componentes
primordiais para pensar a implosão da fruição contemplativa do formalismo estético para a performatividade
experiencial da arte contemporânea, e que reforça a atualidade das discussões benjaminianas sobre o
papel da arte, como sinaliza Seligmann:
[…] nos aproximamos de uma primeira e paradoxal definição – benjaminiana e ainda atual – da obra de
arte como artefato a um só tempo “politizado” e também uma espécie de “hieróglifo” contendo inscrito
em si desejos libertários não realizados. Se com “politizado” não entendemos mais a “grande política” mas
sim a micropolítica das relações cotidianas – que vai do nosso corpo, passa pelas relações interpessoais e
apenas eventualmente se estende a um diálogo com a ampla sociedade -, então de fato já podemos recon-
hecer as obras de muitos artistas atuais ao mesmo tempo como “políticas” e como “arquivos de desejos”.
(SELIGMANN-SILVA, 2009, p. 20)

Essa aproximação se intensifica à medida que a compreensão do artefato se expande do objeto


museológico para o resultado de uma experiência em que a presença e atividade humana estão implícitas.
O conceito benjaminiano de autor operativo é um conceito proativo, que assegura no âmbito social
a liberdade e o direito de existência do poeta, correlata à dimensão criativa e autodeterminadora que
aparece em Beuys (2007). A vivacidade e a operacionalidade nos contextos sociais convocam e recobram
do artista/produtor a responsabilidade de tomar decisões, de fazer escolhas a favor de causas que, ao
mesmo tempo em que são estéticas, são também políticas. Não no sentido de estetizar a política, mas de
não se restringir às experiências individuais sem visar à reestruturação de certos institutos e instituições.
<< Já o conceito de escultura social necessariamente incompleto e inacabável, presente na retórica >>
beuysiana, implica lógica e radicalmente a observação dos atravessamentos da obra individual ou da
própria individuação. Beuys (2007) defendeu a possibilidade de fazer algo infiltrando (infiltrado? Ou
infiltrando algo/infiltrando-se?) nas instituições, dentro ou fora delas, para produzir e fomentar práticas
e ações antiautoritárias. As transformações profundas, que escapam da imediatez das interpretações,
encontram seu lugar numa revisão dos processos, na duração que caminha na contramão da frivolidade
das produções mercadológicas. Na busca de encontrar o conceito que antecede o surgimento da forma
escultural, Beuys (2007) demonstra que a consciência da ação criativa está na feitura. É a própria feitura
que se constitui como espaço de manifestação e transformação da arte.
Benjamin (2009a) se rebela contra a tendência dos decretos, da rigidez e do isolamento. Beuys (2007)
acusa as normatizações, as correntes, tudo aquilo que se institui como estética dentro de uma volumetria
fechada. Benjamin (2009a) alerta aos perigos de permanecer solidário a uma causa somente ao nível de
suas convicções e não na qualidade ativa de produtor. Alerta também para a necessidade de observar o
que conduz à concepção do intelectual como um tipo definido por suas opiniões, disposições, e não por
sua posição no processo produtivo. Ou da observação imediata de conceitos que são cunhados sem levar
em conta a urgência de tomar uma posição inteligente no e sobre o processo produtivo.
[...] a melhor tendência é falsa quando não prescreve a atitude que o escritor deve adotar para concretizar
essa tendência. E o escritor só pode prescrever essa atitude em seu próprio trabalho: escrevendo. A ten-
dência é uma condição necessária, mas não suficiente, para o desempenho da função organizatória da obra.
Esta exige, além disso, um comportamento prescritivo, pedagógico, por parte do escritor. Essa exigência é
hoje mais imperiosa que nunca. Um escritor que não ensina outros escritores não ensina ninguém. O caráter
modelar da produção é, portanto, decisivo: em primeiro lugar, ela deve orientar outros produtores em sua
produção e, em segundo lugar, precisa colocar à disposição deles um aparelho mais perfeito. Esse aparelho é
tanto melhor quanto mais conduz consumidores à esfera da produção, ou seja, quanto mais for sua capacida-
de de transformar em colaboradores os leitores ou espectadores. (BENJAMIN, 2009a, p. 132)

92
Agora a cama está preparada. São dessas releituras nas madrugadas de insônia, na inquietude das
noites mal dormidas com Benjamin e Beuys, que o circo foi armado. Da localização, mesmo que provisória,
do lugar de fala do artista produtor que vislumbro um balanço do atual cenário das políticas culturais.
Especialmente após saltar para o outro lado do rio e atuar momentaneamente em processos curatorais,
em comissões de análise e avaliação de projetos. Mas, sobretudo, como agente na realização e organização
de encontros que apostam no diálogo relacional como potencializador da experiência e transformação
estética. E também na articulação e intervenção em fóruns para discussão e levantamento das diretrizes
políticas da área. A exemplo da participação permanente no Fórum de Dança de Goiânia e da passagem
fulminante pela Comissão de Projetos Culturais da Secretaria Municipal de Cultura.
Com a sorte e o azar dos que trilharam sua trajetória artística concomitante ao desenvolvimento da
política cultural de concursos e editais, desde muito cedo passei a argumentar sobre os motivos que
incitavam a dança, assim como a descrever os procedimentos de composição coreográfica. Nem tanto
por uma pretensão autoritária. Essa era uma exigência para existir e ocupar minimamente os circuitos de
criação, produção e difusão. Inclusive buscava nas relações uma forma de quebrar a solidão e monotonia
dessa função. Daí considerar primordial que o artista ao menos interfira e acompanhe de dentro a
concepção e elaboração dos projetos que se dispõe a executar. De antemão desacredito e rejeito as
fórmulas que distanciam o artista das prospecções que mais tarde irão definir as condições ou sua própria
maneira de trabalhar. Falo da enxurrada de projetos lançados à sorte de especialistas em replicar modelos
anteriormente aprovados e que anulam a autonomia e a singularização dos processos criativos.
A figura do elaborador de projetos culturais decorre da tentativa de regulamentação, mas também
de burocratização das políticas e mecanismos de financiamento, passíveis de desastres ainda mais
comprometedores aos artistas desavisados, uma vez que a aprovação implica procedimentos muito mais
engessados de execução e operacionalização dos recursos. Como o elaborador de projetos assegura seu
benefício no ato de criação deles, seu distanciamento das atividades de realização acaba por se tornar
<< uma verdadeira armadilha em que um grande número de proponentes cai. Na expectativa de melhorarem >>
suas condições de trabalho, ingenuamente passam a ser tratados como infratores, inadimplentes, com
dívidas acumuladas e, por consequência, excluídos de outros processos seletivos.
O engessamento e a burocratização dos marcos que regularizam a distribuição e utilização de recursos
na produção cultural são frutos de uma gama de equívocos que vão da marginalidade histórica da atividade
artística à falta de compreensão das funções e obrigações do gestor cultural. A começar pela ideia perversa
de que o artista só pode receber o equivalente ao investimento material em produtos e resultados que
ignoram o recurso humano, ou mesmo a devida retribuição pelo trabalho realizado. O profissional da arte
é o único que presta contas e esclarecimentos sobre a aplicação de seus recursos antes e sem garantia de
recebê-los; durante a utilização de tais recursos em detrimento das oscilações e do dinamismo inerente
às relações de troca e de mercado; e após a realização de seu trabalho, restando a impressão de que o
que menos importa é qualidade dos resultados. Pouco se discute sobre as atribuições técnicas, estéticas,
históricas e conceituais da arte.
O gestor cultural transforma-se, então, numa espécie de policial com a missão de vigiar os erros e
acertos do artista – essa criança incapaz de gerenciar os frutos colhidos pelo seu próprio trabalho. Quando
não acontece de o gestor cultural se ver como autoridade na incumbência de definir e decidir sobre o que
é bom ou ruim no campo geral das artes. Ele agora é o curador nato, eleito e escolhido. Independente de
seus conhecimentos e estudos específicos na área, ou dos caminhos que o levaram a ocupar essa posição,
que em sua maioria são cargos de confiança, que atendem, sobretudo, a interesses e negociações políticas.
A incomunicabilidade e supremacia da figura do gestor diante daqueles que se dedicam à produção
cultural desembocam nesse equívoco ainda maior – o de inverter sua função de gerir e promover pela
de eleger, legitimar tendências e trocar favores. Como se o papel de um curador fosse restrito a atribuir
um selo que autoriza a viabilidade e o consumo de determinada produção, esquecendo que a atividade
curatorial carece de estudos especializados, de uma constituição coletiva, de isonomia para assegurar uma

93
representatividade no mínimo diversa. Nossa tradição de indicar e instituir os cargos comissionados, de
confiança, pelo prestígio e favorecimento de relações endógenas (intrainstitucionais), acaba por atravessar
os interesses coletivos e enfraquecer a força representativa desses cargos.
Nos mecanismos de financiamento por isenção fiscal, surge a figura do captador, que intermedeia as
relações com as empresas privadas e que geram situações explícitas de propina e corrupção, destituindo
o poder público no repasse dos recursos e a validação dos processos de seleção, inviabilizando projetos já
aprovados. As esferas públicas municipais, estaduais e federais deveriam criar delegacias setorizadas para
promover o diálogo contínuo, direto e mais eficiente entre o gestor e a classe interessada. Não adianta ter
o gestor sem o produtor, capaz de trazer uma compreensão mais profunda do fazer. Do pesquisador que
possa atualizar os dados, os índices, as pendências e os avanços. Ou do educador, único capaz de modificar
substancialmente nossos modos de perceber e relacionar culturalmente.
Olhando de dentro, a máquina estatal é uma máquina pesada, lenta, obsoleta e enferrujada. Muitas
vezes pautada em políticas que autopromovem e retroalimentam seus gestores. É perceptível um excesso
de valorização da funcionalidade e dos fatores econômicos atrelados à produção cultural e pouco avanço
no sentido de reconhecer e promover os valores da cultura em si mesma. Por sua capacidade de, por um
lado, transformar e, por outro, atualizar a memória, as tradições e, sobretudo, o bem-estar social.
As políticas culturais não podem ser reduzidas nem ter como principal parâmetro o alcance publicitário.
A partir do momento em que as esferas políticas descobriram o poder de formação pública da ação
cultural, seu prestígio e visibilidade, desencadeou- se uma crescente deturpação e corrupção dos valores
e práticas culturais. Desde então, a contabilização e publicização estão sempre à frente da qualidade das
ações públicas culturais, numa busca constante de realizar eventos megalomaníacos que desviam os
investimentos de políticas estruturantes, duráveis, e que não contemplam os reais interesses da sociedade
civil. E, do outro lado, falta interesse, acuidade, acompanhamento e fiscalização por parte da mesma
sociedade. Esse processo de alienação começa no ensino fundamental, na subserviência ao poder das
<< classes políticas e é estendido pela ausência de debate e engajamento nos cursos de arte. >>
São poucos agentes e produtores com conhecimento de área que têm estômago, disposição e
consciência coletiva para ocupar cargos de gestão. Poucos artistas conseguem desprender- se de seus
interesses individuais para cuidar e levantar causas coletivas. Quando não são corrompidos pelo desejo
de acumular e se manter no poder. Nesse sentido sou adepto das ponderações de Pál Pelbart, quando
defende o direito à deserção como premissa para a salubridade mental nos exercícios de ativismo da e
pela arte. Entrar e sair das instituições políticas são dinâmicas de grandezas correspondentes, relevantes
na mesma proporção, ao menos em se tratando de manter ou alcançar um discernimento mínimo sobre
as implicações e distorções entre as instâncias públicas e privadas. Falta comprometimento na ocupação
dos espaços de gestão e entendimento da importância da rotatividade na mobilização e diversificação dos
agenciamentos políticos.
O favorecimento de determinada área ou linguagem por afinidade ou interesse particular de artistas
gestores desvela uma imaturidade e falta de compreensão que ferem o princípio democrático da
gestão pública, e seu objetivo anterior, que é o de garantir a diversidade e pluralidade das expressões
e manifestações culturais. Novamente estamos submetidos à lei ignorante e perversa da oferta e da
procura. Se um “verdurão” só tem tomate, quem perde não é o produtor de abóbora, mas principalmente
a população que em pouco tempo ficará subnutrida, pobre em nutrientes e experiências gastronômicas.
Um bom administrador público vai olhar com mais cautela as pendências e carências do produtor de
abóboras e não dificultar ou acusá-lo de incapacidade produtiva. Isso, claro, sem comprometer o bom
andamento da produção do tomate. A política pública para a cultura não pode ser o coro dos contentes ou
dos descontentes, e deve manter a idoneidade para além de interesses e organizações partidárias.
Outro exemplo é a inexistência de uma pasta para a manutenção dos espaços e equipamentos culturais,
que implica a descontinuidade de seus programas, o amadorismo e principalmente a irregularidade da
produção e da participação pública, o que é ainda pior. Por que sempre reformar e não aprimorar? Essa

94
inconstância nas programações favorece que tipo de prática? As licitações são mais lucrativas para quem?
A cerimônia de lançamento de um espaço novo ou reformado é mais importante do que o programa de
ações culturais junto à comunidade? Essa distorção de valores reflete o quanto continuamos socialmente
medíocres, com hábitos medíocres e inconstantes. Por isso preferimos investir na esvaziada e compulsiva
cultura de shopping centers, na cultura insalubre e depredadora de sentar e embebedar-se nos botecos,
ou mesmo na decrepitude do ostracismo urbano a viver uma experiência estética ou a avançar nossa
subjetividade nos desafios de cultivar e apreciar arte contemporânea.
Ainda sobre o cenário local, infelizmente nossa sociedade continua iludida com o enriquecimento
ambicioso e efêmero da produtividade do setor primário e secundário, por vezes “semiextrativista”
e insustentável em longo prazo, sem avaliar os índices históricos de uma crise sobre o conceito de
produtividade humana, que apontam a cultura e a ciência (como produção de conhecimento), como as
principais alternativas socioeconômicas.

<< >>

95
REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. Ensaios Reunidos: escritos sobre Goethe. São Paulo: Editora 34, 2009a.

BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte / São Paulo: Editora UFMG / Imprensa Oficial, 2009b.

BENJAMIN, Walter. Imagens de Pensamento. Trad. João Barrento. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004.

BENJAMIN, Walter. O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão.


Tradução de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Iluminuras, EDUSP, 2002.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994a.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo.


São Paulo: Brasiliense, 1994b.

BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984.

BEUYS, Joseph. Ensayos y Entrevistas. Organizado por Bernd Klüser. Madrid: Síntesis, 2007.

SELIGMAN-SILVA, Márcio. Atualidade de Walter Benjamin e Theodor Adorno.


São Paulo: Civilização Brasileira, 2009.

<< >>

96
A PORQUARIA
DE SER ARTISTA DE DANÇA
Luciana Ribeiro

<< >>
“Tem momentos da vida da gente que a
gente tem que ensinar o que não sabe.
Só assim a gente aprende mais…”.
Klauss Vianna1

Este é o relato de uma construção artística e da constituição de artistas. Uma experiência coletiva em
dança que foi permeada por questionamentos, deleites e angústias sobre as várias formas em que se dão
a apropriação e efetivação da dança. É sobre processos de criação e sobre transformação de realidades de
dança, de vida. Vidas-dança. Danças-vida. Diz respeito a como fui me constituindo artista da dança, e isso
se deu em um lugar particular muito público inventado por mim em 2000 que se chama ¿por quá? grupo
de dança.

A LUCIANA QUE CRIOU O GRUPO

A dança existia pra mim como um desejo frustrado. Minha experiência com a dança foi fundada no
lugar do fora, de quem não tinha condições de ser do meio devido a alguns tabus que, infelizmente,
ainda rondam o universo da dança: pensar que está numa idade “avançada” – 20 anos –, pensar que não
tem biotipo “para dançar” – quadril largo, bunda grande. Existe um biotipo único? Pensava-se que sim,
principalmente para experimentar a dança artisticamente.
Minha formação foi a Licenciatura em Educação Física. Mais um lugar do fora. Entrei para a Educação
Física na alucinação de estar em um lugar que nunca havia experimentado. Entrei por pura sedução ao

1 Uma fala de Klauss Vianna coletada no vídeo da entrevista dada a Lucia Bucar, nov. 1986. http://www.klaussvianna.art.br.

97
corpo, por este lugar dilatado de corpo, pelo corpo apresentado em primeiro plano. Habilidade ausente,
presença inteira. Ainda bem que a perspectiva de investigação e intervenção do campo da Educação Física
estava em crise. Mergulhei na crise, mastiguei a crise, me achei na crise. Teoria, confronto, embates e
buscas. Corpo combatente e lúdico, teórico. Militante e criativo, teórico. Mas eu queria me encontrar no
corpo em movimento, me encontrar no mover-se. Encontrei-me na dança. Entrei pela porta dos fundos.
Como já mencionado, não me encaixava nos padrões da porta da frente da dança, particularmente em
Goiânia. E por isso me identifiquei e me associo à dança estranha, à dança ao avesso, dança torta. A
uma Quasar Cia. de Dança da década de 1990. Mas esta era referência estética e já muito acima do meu
caminho. Foi a teoria que me lançou e me encorajou a adentrar a dança. E a Educação Física também,
em especial a sua crise. Quando ela questionou a sua própria importância, particularmente na educação,
levantou reflexões consistentes e críticas em relação ao corpo e ao movimento – padrões, imperativos,
hierarquias, hegemonias – que possibilitaram e ainda possibilitam uma dança solta, passível de resultados
ora frágeis, ora ousados, ora os dois. Esse universo de perguntas, de crueza, o embate feito com a realidade,
tudo isso não me deixou ficar na dança ideal, me fez encontrar a dança. Real. Dancei. Dança estreita, dança
crua, dança debilitada, dança burra. Queria mais.
A formação acadêmica me deu respaldo quanto à titulação superior e principalmente me forneceu uma
formação humanista e crítica, apresentando-me e me provocando quanto às concepções de corpo, de
movimento e do mover para o ser humano. E isso me fez ir atrás de contextos de dança mais questionadores,
abertos, livres. E assim eu mergulhei em cursos, oficinas, palestras e atividades realizadas em festivais e
encontros de dança em várias cidades do Brasil. Assim eu (me) encontrei Adilson Nascimento, Dudude
Herrmann, Sônia Mota, Gisela Rocha, Tica Lemos, Giovane Aguiar, Isabel Marques, Ciane Fernandes. Mas
eu queria mais e queria aqui, queria para cá. Então eu criei o ¿por quá? grupo experimental de dança. Sim,
em 2000, ele se apresentava como experimental. Então a dança me tomou. De lá pra cá não parei mais, de
dançar, de teorizar, de dançar. Dance, pense, dance, pense, dance!2
<< >>
O GRUPO QUE CRIOU A LUCIANA

O grupo foi criado na Universidade Estadual de Goiás, ESEFFEGO (Escola Superior de Educação Física e
Fisioterapia de Goiás), onde lecionei por doze anos. Tinha a coordenação minha e do professor Adriano
Bittar. O propósito era experimentar, vivenciar a dança artisticamente por meio de um grupo de dança que
fosse além daquilo que eu identificava ainda existir no imaginário da dança em Goiânia:

• Biotipo específico – padrão de corpo para dançar artisticamente;

• Dança compreendida e reduzida a estéticas e técnicas únicas;

• Pouca preocupação em compreender o que se está dançando, reduzindo-a ou buscando somente


uma ação espetacularizada, mera execução de movimentos ágeis e(ou) acrobáticos;

• E assim, a dança sendo tratada meramente como atividade física, deixando de ter o sentido de
experimentação e investigação;

• O processo de criação hierarquizado e centrado em uma só pessoa. Os dançarinos somente como


executores de movimentos que lhe são alheios, ou que não cabem nos seus corpos;

• As obras de dança como reprodução de propostas já existentes, algumas vezes ultrapassadas, ou-
tras vezes vanguarda demais, não estabelecendo relação com o momento histórico vivido, do dança-
rino, do espectador. Na ausência da experimentação contextualizada, da investigação e da criação,
os espetáculos resultam monótonos e alheios – para todos os envolvidos.

2 Apropriação livre do trecho da música Pense e Dance, de Barão Vermelho (Álbum Carnaval, 1988), composição de Dé, Frejat e Guto Goffi.

98
Todos esses questionamentos, carências e desejos formaram os pilares da existência e produção do
¿por quá?, tratando a dança como fenômeno cultural inserido na realidade concreta, uma forma de
conhecimento no/do mundo em que vivemos.
Uniu-se à minha vontade de criar dentro de outros parâmetros, a vontade de um grupo de alunos em
querer dançar, uns para passar pela experiência, outros querendo mesmo um mergulho artístico. A única
exigência para entrar era a vontade de dançar e ter disponibilidade para participar do grupo. A ideia de que
qualquer pessoa poderia dançar, bastando o desejo, o querer, foi constituindo o perfil do grupo. Claro que
o tipo de desejo, de querer foi se apurando à medida que o grupo foi se profissionalizando, mas durante
muitos anos foi o querer dançar, o desejo de passar pela experiência, independente da maturidade para
se mergulhar em um trabalho artístico, que imperou nas entradas do grupo. Isso porque havia prioridades
que acabavam ultrapassando o produto artístico.
Como o grupo foi criado no terreno universitário, este tinha um caráter prioritariamente extensionista
que visava ampliar e aprofundar a relação dos estudantes de Educação Física e Fisioterapia com a dança e
sua postura/produção artística. Com isso, os objetivos se voltavam mais para dentro do que para fora: inserir
trabalhos artísticos na Faculdade de Educação Física, oportunizar estudantes a vivenciar uma experiência
sensível e a ter acesso a este universo e o enfrentamento das contradições reais do contexto local. Assim,
o grupo sempre foi heterogêneo, de corpos, de experiências corporais diversas, de experiências em dança
e de experiências sensíveis. Este sempre foi o seu maior desafio que, com o tempo, foi se transformando
em sua maior potência.
Para lidar com essas questões desafiadoras a que o próprio grupo se propôs e na tentativa de ser
coerente e consistente, o ¿por quá? caminhou em direção a concepções muito claras, específicas e
propositivas de corpo, mundo, arte e dança. Corpo como sujeito constituído de/no mundo, incompleto
e singular. Compreensão da arte e da dança como dimensão estético-sensível que se configura como
transbordamento da dimensão prático-utilitária da vida. Apropriação e produção da existência humana –
<< corpo/sujeito/ mundo/arte/dança, a partir de sua relação/compreensão concreta, material e histórica com >>
a realidade/vida. Nessa perspectiva crítico- social, a dança/arte ganha sentidos complexos e contraditórios
que precisam ser compreendidos tanto na particularidade dos contextos sociais quanto na universalidade
desta dimensão estética. A produção em dança do ¿por quá? parte do conhecimento e enfrentamento das
possibilidades de existência, apropriação, significação, reflexão, criação, transformação e perpetuação da
dança no decorrer da história da humanidade em embate com seus próprios desejos de existir. A busca
histórico-crítica por respostas sobre como a dança foi sendo construída – o quê dela ou qual parcela de
sua produção foi legitimada e o porquê disso – rompe com as hierarquias geralmente existentes no seu
universo.
Assim, o trabalho do grupo parte do reconhecimento da dança existente no cotidiano das pessoas
problematizando sua vivência – valoração social, seu formato e reconhecimento cultural – e os possíveis
desdobramentos disso. O ¿por quá? busca uma antropologia revolucionária da dança se referenciando
em filósofos marxistas e na psicanálise para tentar romper com o desejo bruto e a razão descorporificada.
Perseguir os nossos objetivos de produzir e existir como dança na fonte chamada corpo, nas suas
necessidade e capacidades de produção e de existência, rompendo com o eu idêntico e se abrindo ao
mundo socialmente compartilhado. Nessa perspectiva, os desejos e as necessidades de cada UM são
pesados ao lado dos do OUTRO e é dessa maneira que somos levados por um corpo criativo diretamente
às questões aparentemente abstratas da razão, e esta não emudece o chamado inconveniente do CORPO
e sim, responde aos seus interesses concretos.
Tanto o acreditar em corpos sujeitos, e considerar que dança é um fenômeno artístico-cultural
pertencente a todas as pessoas, quanto a transitoriedade e a particularidade corporal dos dançarinos
provocaram o grupo a construir maneiras de existência e processos de criação que definiram seu perfil e
sua dança: a não necessidade de experiência formal em dança, ou melhor, o reconhecimento de outras
experiências em dança acompanhada de seus processos de aprendizado e de vivência; o acolhimento

99
a experiências sensíveis diversas para além dança como porta de entrada e também como saberes
outros de corpo; lidar de forma afirmativa e propositiva com a heterogeneidade corporal, tanto físico-
anatômica quanto de vivências; considerar as múltiplas possibilidades de técnicas e processos de criação
e a importância das escolhas para a produção artística e de cena; a atenção ao desejo de querer participar
e ser dança e a compreensão de que isso é uma construção; responsabilidade com o público que temos,
com o público que queremos, para quem dançamos e para que dançamos; e, por último, o que envolve
a possibilidade democrática de experimentar ser artista da dança e o que compreende (querer – poder –
saber) ser de fato artista da dança – para si, em Goiânia, no Brasil, e para o outro.
Em relação à gestão, o grupo também foi trilhando um caminho particular entendendo que a
conquista de uma autonomia celebrativa de dança perpassa por, além do olhar questionador contínuo,
responsabilizar-se por um contexto que torne esta dança viável. Dessa forma, os integrantes sempre foram
chamados a construir a existência do grupo, identificando todas as demandas necessárias para isso, desde
a criação das obras de dança até tudo o que envolve a produção delas. Isso fez com que os integrantes
se sentissem donos do seu trabalho, da dança e do grupo, tornando-se porquarianos e dando vida longa
a ele. Mesmo quando a direção se ausentou em determinados momentos, os integrantes porquarianos
decidiram continuar com o grupo, de alguma forma. No ano em que o ¿por quá? completou 10 anos
de existência lançou um miniedital interno que objetivou oportunizar a seus dançarinos-pesquisadores
conceber, dirigir e executar uma obra de dança. O projeto contemplado, de autoria de Lu Celestino, foi
produzido e conduzido de maneira colaborativa com outros artistas que integraram seu processo com
suas presenças sensíveis e propositivas.
Em 2011 o grupo se desvincula inteiramente da Universidade e se lança como grupo independente,
sob direção geral de Luciana Ribeiro e composto por artistas de dança vinculados diretamente ao contexto
educacional e de produção em artes, apontando para uma direção cada vez mais profissional e autônoma.
Para o ¿por quá? o ser artista da dança perpassa o saber, o ensinar, o criar, o produzir, o falar, o pesquisar.
<< E assim optou por seguir um caminho próprio, com uma dança de linguagem simples que transita entre o >>
popular e o contemporâneo. Seu próprio nome é um questionamento lúdico e transgressor feito à arte,
gerando uma dança insurgente, curiosa, investigativa e leve. Pesquisa atualmente ações artísticas mais
abertas e intervenções urbanas com forte teor na cultura pop. Mantém uma estrutura e rotina consolidadas,
inclusive integrando a casAcorpO como um de seus grupos artísticos residentes. A casAcorpO é um espaço
que promove o encontro entre artistas e a interação cultural com a cidade e lá também o ¿por quá?
realiza aulas, ensaios, laboratórios, pesquisas e outras ações artísticas compondo, com outros artistas
e produtores, a cena de dança e arte local. Toda esta conquista de espaços, tanto o subjetivo de arte
quanto o objetivo de paredes, tablado e cozinha-estar, além do reconhecimento como grupo consolidado
da cena da dança de Goiânia fortalecem desejos de continuidade, robustecimento e conquista de novas
possibilidades, cada vez com mais maturidade e consistência. Aprofundar e sofisticar ideias interessantes
e intensas fazendo-as surgir em estéticas, formatos e espaços outros. Ampliar públicos, provocar e
transformar realidades.
Nestes quinze anos de existência, mais de cinquenta pessoas já participaram do ¿por quá?, umas só
esbarrando na dança, outras tendo a experiência no grupo como geradora de novos pensamentos de
mundo, e outras existindo persistentemente e consistentemente na dança, em outras, ou aqui. Ver o
trabalho sustentado e refletido no trabalho do outro demonstra que a dança participa e interfere na
construção do conhecimento a partir de conexões filosóficas de pensamento e intervenção social. Foi isso
que o ¿por quá? construiu. Não foi uma vivência isolada de dança. Dança que provoca, gera conexões
consigo, com o outro, com a própria dança e com a realidade social. O ¿por quá? se colocou na cidade
como um espaço de vivência e reflexão da dança de forma consistente, persistente, íntegra, respeitosa e
generosa. Aceita e enfrenta suas contradições, apresentando conflitos e admitindo fragilidades, sempre
na perspectiva de conclamar que a vivência artística da dança não é para poucos e que o desejo por ela é
também algo que precisa ser alimentado, transformado e ampliado.

100
Hoje quem integra o grupo tem mais de dez anos de vivência nele; não estão no grupo, são o grupo. No
¿por quá? experimentam- se as vidas/artes para relacioná-las, (re)cortá-las com o mundo e transformar:
vidas e mundo... começando tudo de novo, tudo com o novo, voltando ao igual, mas sempre diferente.
Temos que os trabalhos em dança que partem da sua realidade e a relacionam com o todo, com o mundo,
conseguem se sobrepor ao pequeno e se destacar nas danças da humanidade. Pelo menos é este o
exercício dialético, material e contraditório de ser deste grupo: a porquaria de ser artista de dança.

“entrar por caminhos ignorados,


sair por caminhos ignorados”.

Manoel de Barros

<< >>

101
VIDA VERSUS
SOBREVIVÊNCIA NA CULTURA
Leonardo Taques

<< >>
Ao ser convidado a integrar este livro, comecei a buscar conexões e acontecimentos pertinentes à
proposta, mais que isso, procurei refletir sobre como construí minha trajetória, que completa 21 anos
neste 2015. De que maneira venho concretizando a minha manifestação artística? Esta é seguramente a
pergunta fundamental e respondê-la será o norte deste pequeno texto.
Atuar na área artística cultural no Brasil, mais especificamente em Curitiba, capital do Estado do Paraná,
é mais que uma escolha, é para mim um ato de resistência. Permanecer, estar, atuar, manifestar e muitos
outros verbos traduzem o enorme esforço do artista para manter-se na arte. O artista, como qualquer
outro cidadão, constitui a sociedade em que vive e, de alguma maneira, participa de sua formação, assim
como na escolha de seus representantes no governo, nas estâncias municipal, estadual e federal.
Para compreender e possibilitar escolhas coerentes com o meu desenvolvimento artístico, aproximei-
me das políticas públicas culturais. Com esse gesto a minha produção artística se transformou – não que
isso tenha possibilitado mais tranquilidade financeira ou melhores condições na produção e existência da
minha arte – e ao mesmo tempo passei a colaborar com o fortalecimento da classe artística, com vistas ao
aprimoramento da relação com o poder público vigente.
Para o artista cidadão, exercer seus direitos torna-se, também mais um ato de resistência manifestada
pela continuidade de sua atuação, principalmente na relação com o poder público. O gestor da administração
pública tem inúmeras possibilidades e maneiras de estabelecer políticas culturais para sociedade, que
podem ser entendidas, segundo Coelho (2004, p. 293):
[...] habitualmente como programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidade priva-
das ou grupos comunitários tem o objetivo de satisfazer necessidades culturais da população e promover o
desenvolvimento de suas representações simbólicas.

Viver no universo artístico envolve inúmeras questões, seja de quem faz a obra, seja do apreciador que
se depara com ela, o qual muitas vezes não imagina o que está envolvido em todo o processo. Muitas vezes

102
os artistas sobrevivem na área mais do que vivem – assunto que será tratado adiante. O fato de não sabermos
muito bem o que envolve a produção da arte possivelmente está ligado à escolha da atuação desse artista,
assim como à falta de conhecimento e habilidade em viabilizar-se financeiramente para que ela aconteça. Aqui é
oportuno lembrar o que diz Katz (2013, caderno 2, c3), “A produção artística está sempre atada às condições que
regulam a sua possibilidade de existência.”
Entre essas possibilidades encontram-se os ambientes de produção, que guardadas algumas características
locais, organizam- se de maneira geral com certas similaridades. Particularmente minha escolha foi a de não
recuar com minha arte em função do ambiente, seja ele mais ou menos favorável, pois é certo que o ambiente
de Curitiba influencia, assim como venho influenciando e agindo para sua transformação.

ESCOLHA E INICIAÇÃO

Seguramente o que agora chamo de escolha artística foi se tornando mais consciente ao longo do tempo,
algumas das escolhas ficaram claras, principalmente pela continua formação do pensamento artístico.
A instituição na qual comecei a dançar cobrava uma mensalidade por ensaios semanais, então tive de
recorrer à minha mãe: “quero dançar, mas tem que pagar, pode me ajudar?”. O sim de minha mãe, sem nenhum
questionamento, foi decisivo para minha opção.
E assim comecei minha dança, com encantamento, magia e tudo que era por ela proporcionado: amigos,
saúde, paqueras, viagens, pertencimento e aceitação em um grupo social, e, claro, apresentações, momentos
tão esperados, em que o esforço e a dedicação eram retribuídos com a apreciação de uma plateia nem sempre
tão calorosa.
Integrei, assim, o “Conjunto de Canto e Dança JUNAK”1, durante cinco anos. E ali vivenciei algum tipo de
organização de movimento e contatos com o poder público, prefeitura e governo do Estado, que colaborava em
diversas atividades culturais, como o Festival Folclórico de Etnias do Paraná, evento que rememora a presença e
<< >>
importância de inúmeras etnias na formação cultural desta cidade. Nesse processo de formação, destaco Urszula
Sajda, à época coordenadora, coreógrafa e professora. Grande estimuladora, ela sinalizou com uma pergunta
para uma possível escolha acadêmica: “Você sabe que aqui em Curitiba tem curso superior em dança na FAP2?
À época outra professora, Sandra Ruthes, me convidou para fazer aulas de dança de salão na escola “8 tempos”,
que ela acabara de inaugurar. Pensei: “dançar a dois pode ser interessante”. Até então eu dançava no folclore,
nas festas de garagem e nas ditas “boatinhas”, nome dado aos bailes direcionados ao público menor de idade,
promovidos e realizados pela ala jovem de grandes clubes da cidade, comuns no início dos anos noventa.
Em síntese, a dança de salão e a dança folclórica constituíam a minha realidade e experiência corpórea. Ao
não ser aprovado no primeiro vestibular, assumi a responsabilidade de superar as dificuldades financeiras e
de gênero para abraçar a dança como profissão. Naquele momento, já estagiava dando aulas remuneradas de
dança de salão, algumas apresentações pagas, mas essas atividades eram insuficientes para obter autonomia e
custear a aquisição e o acesso ao conhecimento.
Duas figuras seriam muito importantes nesse contexto. Jean Varde – bailarino argentino radicado no Brasil,
professor de muitas gerações de bailarinas e bailarinos de Curitiba – abriu sua escola para que nesse ano eu
fizesse aulas de balé clássico, flamenco, danças populares, dança moderna. O empenho rendeu uma experiência
no exterior em parceria como o poder público de Buenos Aires, Argentina, que ofereceu hospedagem, transporte
local, além do Teatro do Centro Cultural General San Martin para três noites de apresentações da Cia. de Dança
Jean Varde. Paguei apenas a passagem aérea. Walmir Secchi, professor e proprietário de uma das mais antigas
escolas de dança de salão da cidade, me proporcionou o primeiro trabalho remunerado na área, com o qual
pude pagar minha viagem a Buenos Aires, além de aulas preparatórias para o vestibular, no qual fui aprovado. A
partir daí as escolhas mudaram.

1 Grupo de cultura polonesa da Sociedade União Juventus, tradicional clube da cidade de Curitiba.

2 Universidade Estadual do Paraná – Campus II Curitiba – Faculdade de Artes do Paraná.

103
Meu viver da dança inclui o tango desde 1998. E aqui devo lembrar especialmente do meu professor
e amigo Marco Toniasso. Além de compartilhar seu conhecimento, ele me possibilitou inúmeras
oportunidades de trabalho com a dança. Juntos produzimos bailes (milongas), apresentações, periódico
mensal sobre atividades culturais, recitais e eventos relacionados ao tango. Aliás, o tango me fez retomar
a experiência como ator e colaborou para aguçar minha percepção quanto à possibilidade de atuar na
área da licenciatura, produção, técnica e como bailarino.
A convite do diretor Edson Bueno, encarreguei-me da preparação corporal do elenco e também fiz parte
dele na peça teatral Tangos Portas do Céu3; participei do grupo de teatro Ambulatório, no trabalho de texto
de Luci Colin e direção de Gerson, Avesso4. Esses trabalhos colaboraram para que eu integrasse o elenco
da Cia. Ojála, de Buenos Aires, na obra Hombre Vertente5. Como bailarino participei da audição na Tesserá
Cia. de Dança6, que proporcionava uma bolsa. Aprovado, deixei outros trabalhos para estar inteiramente
dedicado e empenhado a viver da dança. Profissionalizei-me como Artista/Bailarino participando da banca
do SATED-PR (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão do Estado do Paraná), movido
pelas oportunidades, principalmente em editais públicos, que exigem o DRT7 na área de atuação.
Meu trabalho com a dança de salão continuou como bailarino no Estúdio de Artes & Cia do diretor Neno
Meirelles, responsável pelos primeiros espetáculos de dança de salão em Curitiba, que sem nenhum tipo de
verba conseguiu a parceria do município para algumas apresentações em um teatro público, nos espetáculos
Cabaré e Casa dos Sonhos, ambos com a Dança de salão como linguagem.
Participei do 4º Encontro Internacional de Dança Contemporânea – ‘CONESUL’ em Porto Alegre-RS, como
criador- intérprete, tendo contato com inúmeros artistas de vários países. Em uma iniciativa do município de
Joinville-SC, como bailarino do espetáculo Compassos de Tango8, com dança contemporânea, integrei como
criador-intérprete Violência Violada9 acrescentando muito em meu desenvolvimento. Como artista bolsista
residente no Curso de Dança Contemporânea Investigativa10, experiência marcante pela convivência e pelos
conteúdos compartilhados com vários artistas e estudiosos, enriqueci minha performance, dança e vida.
<< Dos convites fora de Curitiba, destaco um projeto público-privado chamado “Público Dança” (2007/2008) >>
“Ideias transitórias para espaços solúveis”, em Votorantim-SP, com inúmeros artistas brasileiros e
estrangeiros, que durante duas semanas permaneceram juntos desenvolvendo o pensar a dança e os
processos criativos, bem como o trabalho como coreógrafo- bailarino de Estações de Piazzolla11 e a
participação no Baila Floripa12, Festival de Dança de Joinville13, Prêmio Desterro14, ambos em Santa Catarina.
Igualmente, participar em um dos maiores e mais importantes festivais folclóricos, Miedzynarodowy
Festywal Zespów Polonijnych15, na Polônia, como coreógrafo e bailarino do Grupo Folclórico Polonês do
Paraná Wisla me possibilitou uma experiência transformadora como pessoa e como profissional.

3 Espetáculo patrocinado pela Lei de incentivo à cultura da Prefeitura de Curitiba 2006, texto Julio Cortazar adaptação Edson Bueno.

4 Peça teatral apresentada no Festival de Tetro de Curitiba mostra Fringe 2012.

5 Obra com criação e direção de Pichón Baldinu, espetáculo apresentado na abertura do Festival de Teatro de Curitiba 2013.

6 Companhia de Dança da Universidade Federal do Paraná, com conceitos da dança moderna de origem germânica.

7 Delegacia Regional do Trabalho órgãos que concede mediante sindicado o registro profissional.
8 Espetáculo de Tango realizado em 2011 pelo Studio dois pra lá dois pra cá, patrocinado pela Fundação Cultual de Joinville, Simdec e
Prefeitura de Joinville.
9 Projeto contemplado com o Prêmio Funarte-Petrobras de fomento à dança em 2006.
10 Curso de Dança Contemporânea Investigativa.

11 Espetáculo de dança independente produzido por Leonardo Taques.

12 Há 14 anos um dos eventos mais tradicionais de dança de salão do Brasil.

13 Maior festival de dança do mundo que acontece anualmente em Joinville-SC.

14 Festival competitivo de dança de Florianópolis-SC.

15 Festival internacional de Grupos Poloneses 2008 organizado pelo Ministério da Cultura polonês.

104
Com algumas dessas experiências, percebi a possibilidade de também organizar e produzir eventos
culturais. Voltei ao SATED- PR para me profissionalizar como Técnico em Espetáculos de Diversões/Diretor
de Produção. Viabilizando atuação nesta área, fui assistente de produção na competição classificatória Brasil
do Campeonato Mundial de Baile de Tango16 com o governo de Buenos Aires e a Intertango Producciones.
Para a companhia particular Trira Cia. de dança, a convite, produzi dois espetáculos, Sépia e Humus. Quando
Tudo Cresceu, espetáculo do Coletivo Brincante; ‘1º Fazendo Folclore’, iniciativa privado-pública de formação
e com apoio da secretaria de Turismo de Curitiba; Curso de Qualificação Profissional em Tango Dança17;
projetos esses que me proporcionaram novos conhecimentos e experiências como produtor cultural.
Na licenciatura, minha relação com o poder público se estreitou quando fui estagiário da Fundação
Cultural de Curitiba, na então criada Coordenação de Dança do município, da qual junto com a colega
estagiária Silvia Nogueira Benetor, sob a coordenação de Marila Vellozo e a colaboração de Gladis Tripadalli,
participei de maneira intensa e com muita alegria. Na ocasião tivemos a oportunidade de elaborar um
mapeamento da dança nas nove regionais de Curitiba, realizando encontros com profissionais, amadores,
grupos de dança, alunos, apoiadores e a comunidade em geral de cada localidade. Diante de uma
demanda espontânea, surge o “Dança Cidade”18, que teve inúmeras ações em prol da dança no município,
culminando no I Fórum de Dança de Curitiba19.
Como professor, além de ter sido professor da secretaria de Educação do Estado do Paraná, colaborei
com o evento promovido pela prefeitura de São Francisco do Sul- SC lecionando dança na III Semana de
Santa Catarina. Outro trabalho se deu junto ao extinto coletivo de produções em dança “Quadra Pessoas
e Ideias”, em parceria com o município, atuando como professor com grupos de crianças e adultos.
Simultaneamente, fui convidado pelo Grupo Folclórico de Danças Giuseppe Garibaldi20, do município de
Carazinho-RS, a coordenar o grupo ao lado de Carla Toniasso, assim atuei como preparador corporal e
coreógrafo na produção de eventos e espetáculos, que resultaram depois de um ano no 1º Intercâmbio
Ítalo-Brasileiro RS-PR, projeto privado-público que não teve continuidade, principalmente pela falta de
<< interesse da gestão seguinte. Na licenciatura, novas oportunidades surgiram, como a participação na >>
I Mostra de Dança de Pato-Branco-PR, realizada pelo departamento de cultura do município. A cidade
realizou a mostra com apresentações e oficinas relacionadas à dança, nas quais tive a satisfação de
ministrar a oficina Reflexões Sobre Composição Coreográfica junto com o meu saudoso amigo, parceiro de
luta e arte, Clayton Leme21. Em Pato Branco-PR, ministrei aulas de composição coreográfica na 25ª edição
do Festival de Dança de Cascavel, criado e realizado pela municipalidade.
Das diferentes áreas do conhecimento em que atuei menciono as peculiaridades do FERA (Festival de
Arte da Rede Estudantil), projeto já extinto do governo do Estado do Paraná. De grande importância na
formação de uma geração de artistas, com duração de uma semana, o projeto estava repleto de oficinas,
apresentações, mesas de discussões e muita interação como a comunidade, por não separar a educação
da cultura e por também agregar arte à ciência.
Hoje posso dizer que todas as áreas e experiências proporcionaram e continuam a proporcionar grandes
transformações. Para artistas autônomos como eu, o processo de constante busca pelo aperfeiçoamento e a
disponibilidade para as novas experiências são partes fundamentais e constantes para o desenvolvimento.

16 Pré-classificatória em Tango salão e Tango cenário Brasil para o Mundial de Tango, que acontece anualmente em agosto na cidade de
Buenos Aires Argentina.

17 Curso de Qualificação Profissional em Tango Dança.

18 Projeto surgido de uma demanda espontânea de ações em prol da dança após o mapeamento das 9 regionais de Curitiba feito em 2005.

19 Projeto desenvolvido para a discussão e reflexão da dança no município de Curitiba como eixos de discussão elegidos pela maioria, com
a realização da Coordenação de Dança e participação de inúmeros profissionais da área de dança e cultura.
20 Grupo de dança italiana, integrante da Associação Italiana Giuseppe Garibaldi, iniciado como atividades de dança em escolas públicas
como parceria da Municipalidade.
21 Artista da Dança formado pela UNESPAR – FAP, diretor e criador do “Coletivo Brincante”, pesquisador e estudioso do universo infantil,
estimulador da Arte e da cultura. Grande amigo e parceiro, falecido em 2014.

105
AMBIENTE/SOBREVIVÊNCIA

Curitiba, onde tenho residência fixa, não é um lugar fácil para qualquer artista, mas este ambiente
favorece e fortalece os que aqui escolheram ficar. Como diria um amigo, “Curitiba não é para os fracos”.
A minha atuação foi e é constituída por várias frentes na área cultural, dança/arte, resultado das escolhas
ao longo da minha trajetória.
Já formado e atuante de maneira autônoma na área artística, assim como na cultural, entendendo que
estas estão unidas, surgem inquietudes compartilhadas entre amigos do Fórum de Dança de Curitiba,
ainda atuante na busca de maior apoio à dança no âmbito municipal, estadual e federal, lutando por mais
recursos, além dos já disponíveis pelos editais, fundos, projetos e parcerias públicas.
É assim que venho vivendo e sobrevivendo das artes, operando com os mecanismos públicos nas
diversas vertentes em que me desenvolvi, buscando que cada vez mais pessoas se aproximem das artes;
ela é transformadora e seguramente colabora para a mudança e o desenvolvimento de todos. Talvez
algumas das dificuldades impostas pelo poder público se devam a isso, medo que as pessoas mudem.
Precisar ou não do incentivo, previsto na Constituição (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL, 1988) – “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às
fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”–,
de maneira nenhuma impedirá sua continuidade, porque sua força está na resistência.
Fiscalizar, reivindicar e colaborar para o aperfeiçoamento e aumento dos investimentos na área é uma
luta constante. Nesse processo, no qual cada indivíduo tem seu exclusivo ponto de vista, foram e são
inúmeros os embates com o poder público, muitas vezes sobre o entendimento, a importância e até sobre
o convencimento da necessidade de mais verba e maior apoio para área da cultura.
Sobreviver da dança? Viver da dança? Não. Estar vivo, ela me faz!

<< >>

106
REFERÊNCIAS

COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2004.

Site
Helena Katz. Disponível em: http://www.helenakatz.pro.br/. Acesso em: 06 set. 2022.

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107
QUANDO UMA BAILARINA SE DESCOBRE
ARTISTA, QUANDO UMA ARTISTA SE
DESCOBRE CORPO E POR CONSEQUÊNCIA
CORPO POLÍTICO E DANÇANTE
Loana Campos

Para Clayton Leme, que virou uma estrela,


antes de corpo presente, agora dentro da gente.

<< >>
MINHA COMPOSIÇÃO – PERMANENTE CONSTRUÇÃO PELO ENTORNO

No ano de 2005, aos 18 anos, fui aprovada como discente no curso de bacharelado em dança da então
Faculdade de Artes do Paraná (FAP) na cidade de Curitiba. Foi nesse ambiente acadêmico que tive acesso a
pessoas e informações que me possibilitaram um start no meu envolvimento como artista e militante.
Tive a oportunidade de me aproximar de professores/artistas que participavam de movimentos e
manifestações em diversas instâncias e com eles pude entender o contexto histórico, debater em aulas
práticas e teóricas o corpo que dança e que é político, me entender como parte de um macro e me ver como
ser social dentro de um ambiente.
Em 2006, comecei a acompanhar a programação da Casa Hoffmann – centro de estudos do movimento
(espaço da área de Dança da Fundação Cultural de Curitiba). Ano em que muda a gestão da Coordenação do
espaço e Marila Vellozo a assume. Ela, juntamente com artistas locais, alunos de dança e agentes culturais,
passa a propor reuniões e, então, se forma uma espécie de grupo de estudos, gerando um ambiente de
reflexão permanente sobre participação, formulação e representatividade em políticas culturais. Em poucos
meses esses encontros transformam-se em Fórum de Dança de Curitiba, e nele pude estar perto de grandes
parceiros como Clayton Leme, Bruna Spoladore, Peter Abudi, Rosemeri Rocha, Gladis Tridapali, Leonardo
Taques, Emerson Camargo, Yiuki Doi entre outros. Esse Fórum, para mim, é o grande marco para a dança
dentro de um ambiente político na cidade de Curitiba nos últimos 10 anos, e o ambiente que me constituiu
como corpo dançante político e que me instiga a um exercício permanente de autonomia, representatividade
e corresponsabilidade.

ENTENDIMENTO DE CORPO/CIDADÃO

Ao se deparar com o outro, a pessoa percebe que está negociando a todo momento e passa a perceber

108
que seu posicionamento é uma condição para estar em um ambiente e iniciar qualquer diálogo. É desse lugar
que surge a necessidade de assumir uma autonomia. Entendendo aqui autonomia como a capacidade de o
ser humano gerir e expor um posicionamento próprio.
Perceber que qualquer decisão que tem a ver com verba pública está muito mais próxima de nós do que
se imagina. Quando começamos a participar de encontros em que pautas são votadas e nos damos conta
de que temos o direito e dever de participar diretamente dessas decisões. Descobrir a possibilidade da
voz e do voto é descobrir a sociedade civil, a força e o poder de uma organização social, seja ela artística,
estudantil, ou de qualquer cunho social.
Sobre representatividade: entender a importância de nos organizamos democraticamente por meio
de votações e elegermos representantes desde o “macro” – como eleger um presidente da República –
até o “micro” – como eleger um representante de dança para mediar os passos da área dentro de sua
cidade. Olhar para isso é dar-se conta que a palavra representatividade tem a ver com (para não repetir a
expressão: condiz com) um coletivo, um grupo de pessoas.
Sobre Corresponsabilidade: ao tomar para si uma decisão em conjunto, uma votação ou mesmo um
posicionamento (por meio da fala ou não), é impossível desvincular-se de uma responsabilidade sobre
tal ação. A responsabilidade está em nós a partir do momento em que vivemos em uma sociedade. Ao
contrário do que muitos pensam, o fato de decidir não se envolver já é um ato político (ARENDT, 1999). A
importância da importância de representar, a importância de estar junto, a importância de posicionar-se,
nos inclui em decisões sociais a todo o momento. A ideia de corresponsabilidade nos proporciona a sensação
de compartilhamento e empoderamento dos caminhos tomados individualmente e coletivamente.
Depois de dar o primeiro passo não há como voltar atrás: ao entrar em contato com tais informações
e sensações, tomar para si a relação de corresponsabilidade que travamos com o outro, não vejo a
possibilidade de negar e não me envolver nos ambientes/ caminhos das políticas públicas na dança, em
alguns momentos mais ativa na militância, em outros, um pouco mais distante, mas acredito que uma vez
<< militante sempre militante. >>
Seguir uma(s) referência(s) até desenvolver um posicionamento próprio – uma construção constante:
Um dos grandes desafios é o de encontrar (o quê?) no próprio posicionamento e no posicionamento
do outro. Fiquei muito tempo participando de reuniões sem me posicionar diretamente, pois entender
minimamente a lógica de um ambiente político, como de qualquer ambiente em que se chega, requer um
tempo. Um tempo para se aproximar do vocabulário, das pautas, dos grupos. Reconheço aí um processo
em que estive seguindo o posicionamento dos pares que me eram próximos e no exercício da prática
poderia sim continuar próxima deles; entretanto, a diferenciação de um posicionamento que é meu e do
que é do grupo vai se esclarecendo e me empoderando cada vez mais. Acredito que se reconhecer no
outro e(ou) com o outro é um dos maiores desafios da vida em sociedade.

ENTENDIMENTO SOBRE PARCERIAS DENTRO DE UM AMBIENTE “POLÍTICO” – COLETIVIDADE

Com a prática, as conexões começam a se dar organicamente, dentro do ambiente universitário por
meio do centro acadêmico, a representatividade como discente, nas representatividades de área dentro
de organizações de classe (SATED) e Fórum das Entidades de Cultura do Paraná (FEC), também pelo
diálogo direto com o poder público. Essas conexões se dão igualmente com organizações que têm como
intuito refletir sobre cultura, como grupos de militância universitários e de movimentos sociais ligados
ou não a partidos políticos. Uma rede de entendimento sobre parcerias começa a se construir. E quando
nos deparamos com a necessidade de união e organização, percebermos que grupos se aproximam
naturalmente em prol de uma causa, mas que esse fator não necessariamente garante que estejam e
militem juntos em todas as instâncias. Reconhecer essas (o quê?) é um aprendizado e mais, um dos
desafios como militante.

109
CONTINUIDADE MAIS DO QUE INTENSIDADE

Uma das grandes crises dentro da militância está ligada ao pronto desejo de mudança, quando se
mergulha em uma causa e percebe que a transformação pode ser lenta, e em se tratando de política, leis
e burocracias, a possibilidade de um largo tempo até reconhecer que algo mudou é bastante recorrente.
Aprendi com o músico e companheiro de luta Ulisses Galetto que mais do que intensidade é preciso
continuidade na militância; ao escutá-lo, percebo que a palavra desistência não pode existir em um
vocabulário de luta. O exercício é: manutenção do envolvimento e da energia que se dispõe para tal,
reconhecer e lidar com angústias e expectativas que são inegáveis e acreditar do pensamento em conjunto.
Atualmente meu objetivo/desafio como militante da dança e das políticas culturais está em exercitar a
quantidade de energia de que disponho em cada ação, em cada ambiente a fim de buscar aprofundamen-
to e qualidade em cada posicionamento que resolvo tomar, possibilitando uma continuidade e persistên-
cia, duas palavras-chave para qualquer luta social.

SOBRE OS AMBIENTES EM QUE ESTIVE E ESTOU

O Fórum de Dança de Curitiba iniciou um processo de representatividade dentro das organizações artísti-
cas sociais e de classe na cidade, como Sindicato dos Artistas e Fórum das Entidades Culturais, participa-
mos de debates, votações e indicações. Na sequência, entramos em diálogo direto com o Poder Público,
como Fundação Cultural de Curitiba e Secretaria de Cultura do Estado. Participei como representante da
uma das regionais da cidade no Conselho Municipal de Cultura de Curitiba, logo depois colegas entraram
no Conselho Estadual de Cultura do Paraná. Passamos também por Conferências de Cultura.
Neste momento sou membro do Colegiado Setorial de Dança (CNPC/MinC) que se reúne duas vezes ao
ano em Brasília, com representantes de todas as regiões do país, a fim de acompanhar e colaborar com as
ações do Ministério da Cultura e formulações de políticas culturais para a área no Colegiado Nacional de
Políticas Culturais.
<< >>
SOBRE O AGORA

Há pouco tempo participei de uma ação bastante intensa em um movimento de artistas e agentes
culturais em questionamento à Fundação Cultural de Curitiba. Nesse momento surge a Frente Acorda
Cultura Curitiba, da qual sou membro da coordenação, e que desde novembro de 2014 tem atuado no
fomento do debate para as políticas públicas do município e do Estado do Paraná, com o objetivo também
de manter um grupo de estudos a fim de aprofundar e democratizar informações sobre verba pública,
participação social, leis e gestão pública, enfim todo o universo do tema aqui proposto. Esse movimento
tem me proporcionado o reconhecimento de muito do que trouxe neste relato, questões que surgem há
10 anos, desde o Fórum de Dança, que surge (nasce?) na prática e troca constantes.
Hoje atuo na área de produção cultural, ambiente em que exercito as questões políticas e artísticas,
não só na dança como também em outras áreas do universo da cultura. Ter a possibilidade de habitar a
arte de diferentes ângulos é o que mais me provoca à mobilização e me alimenta como artista, produtora
e ser social.
Olhar para esses lugares e caminhos percorridos é importante para refletir que o exercício de
acompanhamento, debate e persistência foi o que levou a descobrirmos esses espaços onde a sociedade
civil tem voz. Lugares que não são divulgados em grande escala e que precisam ser abertos para
artistas, produtores, público e a toda a sociedade civil. Existe um trabalho maior em cima desse tema
nos últimos anos. Entretanto, ainda não podemos considerar que o debate político e o entendimento de
corresponsabilidade estejam presentes na rotina dos artistas, estudantes, produtores, públicos e todos
que consomem ou produzem arte em nosso país.

110
REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. O que é Política? Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1999.

<< >>

111
ÍNDICE REMISSIVO
#
#contrafusão, 31

A
abertura política, 14
Acordo de Cooperação Federativa, 28, 29
Acordo de Cooperação Federativa do Sistema, 29
ativismo, 91, 92, 94

B
bolsas de estudo, 28, 42

C
Câmara Setorial de Dança, 32, 34, 41, 47, 49, 56, 68
Câmaras de Circo, de Dança e de Teatro, 37
Câmaras Setoriais, 37, 38, 40, 68
Carlton Dance, 73
Carta Magna Brasileira, 20
Casa Hoffmann – Centro de Estudos do Movimento, 78, 80
CEC-GO, 26, 27, 28, 32
Centro de Artes Cênicas, 42
Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura da Universidade Federal da Bahia, 26
Cerrado, 16
<< CERRADO, 12, 50 >>
Clayton Leme, 10, 11, 17, 79, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 105, 108
Colegiado Nacional de Políticas Culturais, 110
Colegiado Setorial, 9, 36, 39
Colegiado Setorial de Dança, 36, 39, 41, 48, 56, 110
Colegiados Nacionais, 26
Colegiados Setoriais, 26, 37, 40
Comissão Nacional de Incentivo e Fomento à Cultura, 40
Comissões Temáticas e Grupos de Trabalho, 26
Comitê de Circo, Dança e Teatro, 39, 48
Comitê de Integração de Políticas Culturais, 26
Conferência Estadual de Cultura, 30, 31
Conferência Nacional de Cultura, 26, 32, 38
Conferências de Cultura, 24, 68, 110
conselheiros governamentais, 23
conselheiros societais, 23
Conselho de Cultura de Goiás, 26
Conselho de Cultura do Estado de Goiás (CEC-GO), 26, 27
Conselho de Política Pública, 22
Conselho Estadual, 57, 59
Conselho Estadual de Cultura, 27, 29, 35, 53, 56
Conselho Estadual de Cultura de Goiás, 26, 53, 57, 58, 76
Conselho Estadual de Cultura do Paraná (CONSEC), 26, 29, 34, 35, 110
Conselho Federal de Cultura, 25
Conselho Nacional de Cultura, 20, 24, 25
Conselho Nacional de Política Cultural, 9, 25, 32, 34, 37, 38, 46, 47, 49
Conselho Nacional de Políticas Culturais, 14, 24, 29, 48

112
Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC), 24, 25, 26, 29, 34, 38, 39, 40, 41, 46, 47, 49
Conselhos de Cultura, 19, 21, 24, 26, 30, 32, 33, 34, 35, 39
CONSELHOS DE CULTURA, 12, 19, 24
Conselhos de Cultura do Estado de Goiás e do Paraná, 12, 15, 16, 19, 39
Conselhos de Cultura no Brasil, 15, 26, 34
Conselhos de Políticas Públicas, 20, 21, 24, 33, 34
Conselhos populares, 20
Consolidação das Leis de Trabalho, 74
Constituição Brasileira, 24
Constituição Federal, 14, 20, 25, 33, 34
controle, 15, 19, 20, 21, 22, 33, 39, 51, 60
CONTROLE SOCIAL, 12, 19
convênios, 42

D
Dança e política, 12, 13, 14, 35, 46, 55, 57, 60, 70
dança goiana, 62, 63, 64
democracia participativa, 19, 23, 24
Dia Internacional da Dança, 39, 48, 80
diagnóstico, 19, 38, 51, 56, 64, 84
Diplomas de Destaque Cultural do Ano, 28
ditadura militar, 25, 53
Diversa – Escola do Movimento, 81, 83

E
editais, 14, 15, 17, 30, 42, 43, 47, 48, 52, 55, 56, 59, 63, 65, 68, 75, 76, 77, 93, 104, 106
edital, 28, 30, 31, 40, 42, 65, 77, 99
<< Estado de Goiás, 14, 16, 26, 27, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 63, 66, 68, 72, 74, 75, 77 >>

F
Faculdade de Artes do Paraná, 80, 81, 103, 108
Fernando Collor, 25
Fernando Henrique Cardoso, 52
FOMENTO, 12, 19, 24
Fórum de Dança, 33, 57, 67,110
Fórum de Dança de Curitiba, 9, 17, 80, 93, 105, 106, 108, 110
Fórum de Dança de Goiânia, 57, 58, 63, 64, 67, 68
Fórum de Dança de Goiânia, Política e Engajamento, 12, 16, 62
Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura, 26
Funarte, 14, 36, 37, 38, 39, 40, 42, 43, 45, 48, 65, 104
FUNARTE, 46, 47
Fundação Cultural de Curitiba, 80, 105, 108, 110
Fundação Nacional das Artes, 36, 77
Fundo Cultural, 54, 59, 75
Fundo de Arte e Cultura do Estado de Goiás, 54, 75, 77
Fundo de Cultura do Estado de Goiás, 14
Fundo Estadual, 11, 28, 31, 32, 65
Fundo Estadual de Cultura, 11, 28, 31, 32, 65
Fundo Nacional de Cultura, 14, 26, 37, 39, 40, 48
Fundo Setorial, 40, 41, 65
Fundo Setorial de Circo, Dança e Teatro, 40

113
G
gestão, 9, 15, 18, 20, 22, 23, 24, 25, 27, 29, 31, 34, 35, 38, 40, 41, 45, 52, 56, 57, 76, 79, 83, 91, 94, 100,
105, 108, 110
gestão cultural, 24, 25, 57, 79
Gilberto Gil, 24, 29, 37
Goiânia, 12, 16, 17, 26, 27, 33, 38, 55, 57, 58, 60, 61, 62, 63, 64, 67, 68, 70, 72, 74, 75, 77, 93, 98, 100
governo Lula, 37, 68

H
Hegemonia, 52, 98

I
I Fórum de Dança de Curitiba, 80, 105
I Pré-Conferência Setorial, 39
IBGE, 21, 35, 43, 47, 49
institucionalização, 23, 25, 34, 42
Itamar Franco, 25

J
Jânio Quadros, 25
Juca Ferreira, 24, 37, 40

L
Lei da Dança, 48
Lei de Incentivo Estadual, 28
Lei do CEC-GO, 27, 28
Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Goiás, 75
<< Lei Goyazes, 28, 33, 54, 55, 75 >>
Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Goiânia, 75
Lei Rouanet, 24, 37, 40, 52, 54, 74, 75, 76
leis de incentivo, 42, 43, 54, 56, 75, 77
linguagem artística, 40, 44, 49, 66
Luis Inácio Lula da Silva, 24
Luiz Carlos Pereira Bresser, 54

M
Mambembe, 40
Mapeamento da Dança, 41, 48, 105
Marconi Perillo, 54
Marta Suplicy, 37, 39, 48
Medalhas de Mérito Cultural, 28
militância, 38, 109, 110
MinC, 25, 26, 38, 39, 40, 41, 46, 74, 110
Ministério da Cultura, 24, 25, 26, 29, 34, 37, 38, 39, 40, 45, 47, 48, 49, 56, 59, 74, 104, 110
Ministério da Educação e Saúde Pública, 20
mobilizações, 45, 48, 51
modelo paritário, 22
movimentos sociais, 15, 19, 22, 23, 83, 109

114
N
novas formas de gestão, 15

P
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, 52
Plano Estadual de Cultura, 27, 30, 31
Plano Nacional da Dança, 14, 36, 38, 39, 42, 45, 48, 64, 65
Plano Nacional das Artes, 9
Plano Nacional de Cultura, 24, 25, 26, 34, 37, 39
Plano Regional para Dança, 64, 65, 66, 70
política da dança, 44, 63
políticas de cultura, 14, 45
políticas públicas, 13, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 30, 33, 34, 35, 37, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 51, 52,
54, 55, 56, 57, 59, 60, 63, 64, 70, 71, 72, 74, 76, 77, 78, 102, 109, 110
políticas setoriais, 14, 16, 20
Procultura, 37, 40
profissionais da dança, 44, 59, 66, 76
Programa Cultura Viva, 24
Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura do Paraná, 30
Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, 40
Projeto de Mapeamento Nacional da Dança, 39
Proposta de Emenda Parlamentar 37

Q
Quasar Cia. de Dança, 12, 16, 56, 63, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 98

R
<< recursos públicos, 23, 42, 64, 67, 68, 75 >>
redemocratização, 14, 16, 20
reestruturação, 45, 52, 92
Regimento Interno do Colegiado Setorial de Dança, 35, 46
representação, 14, 15, 18, 22, 36, 38, 39, 40, 66
representatividade, 13, 14, 15, 16, 22, 23, 31, 33, 37, 39, 40, 41, 43, 58, 65, 66, 67, 68, 94, 108, 109, 110

S
Secretaria de Cultura, 27, 29, 30, 31, 32, 65, 80, 81, 84, 110
Secretaria de Cultura de Estado do Paraná, 29
Secretaria de Cultura e do Esporte, 29
Secretaria de Estado da Cultura, 29, 30, 32
Secretaria Estadual de Cultura, 39
Sistema Estadual de Cultura, 28
Sistema Nacional de Cultura, 14, 23, 24, 25, 28, 29, 33, 37, 39
sociedade civil, 15, 20, 21, 23, 28, 30, 37, 39, 41, 43, 45, 47, 53, 55, 57, 61, 62, 64, 69, 80, 81, 85, 88, 94,
95, 109, 113, 119, 121, 130, 135, 138, 159, 169, 171, 175, 176, 180, 192, 200, 206, 219, 237, 238, 251,
256, 281, 308, 314
sociedade civil organizada, 25, 39, 55, 68, 76
Superintendência Executiva de Cultura, 27
Superintendência de Cultura, 28

115
T
Teatro Cleon Jacques, 80
Troféu Jaburu, 28, 33

V
Vale Cultura, 24
Vera Bicalho, 12, 16, 56, 57, 58, 63, 65, 71

<< >>

116
SOBRE AS
PESSOAS AUTORAS
Diego Pizarro
Artista da Dança e do Teatro, Doutor em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), com
período sanduíche na University of North Carolina at Greensboro (UNCG). Atua como professor efetivo do
curso de Licenciatura em Dança do Instituto Federal de Brasília – IFB desde 2010, onde coordena o grupo
de pesquisa CEDA-SI - Coletivo de Estudos em Dança, Somática e Improvisação. É professor de Body-Mind
Centering℠.
Lattes – http://lattes.cnpq.br/9234283915775043
Contato: diego.pizarro@ifb.edu.br
Orcid – https://orcid.org/0000-0002-8655-0489

Kleber Damaso
Artista, pesquisador e jardineiro, com experiências em gestão e produção. Aluno do programa de douto-
rado em Artes Cênicas da UNB. Professor da Escola de Música e Artes Cênicas da UFG, onde coordena o
programa de residências transestéticas – Conexão Samambaia e a mostra expandida de artes – Manga de
Vento, frutos do seu compromisso com a dinamização dos circuitos de difusão do campo ampliado das
artes em seu contexto.
Contato: kleberdamaso@ufg.br
Orcid – https://orcid.org/0000-0001-6602-8397

Luciana Ribeiro
Professora e pesquisadora do Instituto Federal de Goiás/campus Aparecida de Goiânia, atuando no ensino
médio, licenciatura em dança e no mestrado em ensino de Artes – ProfArtes. Doutora em História pela
<< UFG, realizando pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Artes e Cultura Visual da UFG. Autora >>
do livro Breves Danças à Margem, 2019.
Contato: luciana.ribeiro2@ifg.edu.br
Orcid – https://orcid.org/0000-0003-4034-9293

Leonardo Taques
Produtor, professor, artista, pesquisador. Mestre em Artes pela Universidade Estadual do Paraná (Unes-
par- Fap Campus II Curitiba). Especialista em Teoria do movimento com ênfase em danças de salão pela
Universidade Tuiuti do Paraná. Qualificação profissional pelo Bolshoi Brasil em Tango Dança e Dança Expe-
rimental. Graduado em Dança pela Unespar-Fap. Integrante do Coletivo Par, grupo de pesquisadoras das
danças de salão de perspectiva feminista.
Contato: contato@leonardotaques.com
insta: @leonardot
Orcid – https://orcid.org/0000-0003-1009-3776

Loa Campos
Especialista em Antropologia Cultural- PUC/PR, com Curso de Extensão em Administração Pública da Cul-
tura/EAD/UFRGS. Bacharel em Dança/UNESPAR. Está Produtora da Casa Hoffmann pela Coordenação de
Dança da Fundação Cultural de Curitiba. Pesquisadora na área de políticas culturais e processos participa-
tivos, atuou no Conselho Municipal de Cultura; CPROFICE – Comissão do Programa de Fomento e Incen-
tivo à Cultura do Paraná; Colegiado Setorial de Dança – CNPC/ MinC; Coordenação Setorial de Dança de
Curitiba – FCC; Conselho do Fórum de Dança de Curitiba; participou da elaboração do Plano Setorial de
Dança de Curitiba.
Contato: loacamposs@gmail.com
Orcid – https://orcid.org/ 0000000311046875

117
Marcella Souza
Bailarina e professora de danças árabes. Mestre em Humanidades, Direitos e outras Legitimidades – FFLCH/
USP. Pós-graduada em Gestão de Projetos Culturais – CELACC/USP. Produtora cultural, doula e advogada
atuante na área de Cultura e Terceiro Setor. Representante da área da Dança nas instâncias municipal,
estadual e nacional de Cultura entre 2012 e 2018.
Contato: marsouzadv@hotmail.com
Orcid – https://orcid.org/0000-0002-9831-626X

Marcio Pizarro Noronha


Docente curso de Dança (UFRGS). Economista, Historiador, Antropólogo. Dr. Em História (PUCRS). Dr. Em
Antropologia (USP). Membro do Comitê Nacional da Rede Latino-Americana de Antropologia da Dança e
da ABHR – Associação Brasileira de História de Religião. Sócio da ANPUH, AB e CORECON. Integrante do
GRACE – Grupo de pesquisa CNPQ – UFRGS.
Contato: pizarronoronha@gmail.com
Orcid – https://orcid.org/0000-0001-8691-1654

Marila Vellozo
Artista da Dança. Professora no Mestrado Profissional em Artes e nos cursos de Bacharelado e de Licencia-
tura em Dança da UNESPAR, em Curitiba. Doutora em Artes Cênicas pela UFBA. Coordenadora Pedagógica
da Residência Técnica e Especialização em Gestão Cultural/UNESPAR/SETI/SECC. Consultora da Unesco
para a área da dança no Plano Nacional das Artes (2015). Foi membro do Colegiado Setorial de Dança/
Região Sul e do Conselho Nacional de Política Cultural. Cocriadora do Fórum de Dança de Curitiba.
Contato: marila.velloso@unespar.edu.br
Orcid – https://orcid.org/0000-0002-4491-5806

Rafael Guarato
<< Rafael Guarato é historiador da dança e professor do curso de graduação em Dança e dos Programas >>
de Pós-Graduação em Artes da Cena e Performances Culturais da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Doutor em História e Líder do Grupo de Pesquisa em Memória e História da Dança (CNPq) e integrante
del grupo Descen-tradxs - Descentrar la Investigación en Danza. Além de artigos publicados em diferentes
periódicos nacionais e internacionais, é autor dos livros Dança de rua: cor-pos para além do movimento
(2008) e Ballet Stagium e a fabricação de um mito (2019).
Contato: rafaelguaratos@gmail.com
Orcid – https://orcid.org/0000-0001-9710-4364

Valéria M. Chaves de Figueiredo


Professora Associada da Universidade Federal de Goiás. Doutora em Educação pela Faculdade de Edu-
cação da Unicamp. Mestre em Artes pelo Instituto de Artes da Unicamp. Atua nos cursos de Dança e Tea-
tro e no mestrado em artes da cena da UFG e no ProfiArtes/IFG. Coordenadora dos estágios do curso de
dança e do programa de residência pedagógica. É editora de seção da Revista Pensar a Prática. Membro
do laboratório interdisciplinar em artes da cena - Lapiac. Pesquisas e atuações artísticas nas áreas de arte
e educação, arte e saúde e processos interdisciplinares em história e memória.
Contato: fig.valeria@gmail.com
Orcid – https://orcid.org/0000-0003-4963-4875

Vera Bicalho
Vera Bicalho é Graduada em Psicologia pela PUC-GO. Fundadora e Diretora Geral da Quasar Cia de Dança,
atuou como bailarina da companhia, Professora de dança contemporânea. Idealizadora, Curadora e Dire-
tora Artística do PARALELO 16- Mostra Internacional de dança, empresária e produtora cultural.
Contato: e-mail: producaoquasar@gmail.com; bicalhovera@gmail.com; Bio: @VeraBicalho, @QuasarCia
deDança e @Paralelo 16 - Mostra de dança.
Orcid – https://orcid.org/0000-0002-3969-0120

118
Zeca Fernandes (José Geraldo Fernandes)
Secretário-Executivo e Presidente da Casa de Cultura, em Votorantim. Ativista da tradição germânica atra-
vés do folclore, em Curitiba.
Contato: zeca.fernandes@ibest.com.br
Orcid – https://orcid.org/0000-0002-3741-1407

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119

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