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Rodrigo Luiz Medeiros Da Silva
Rodrigo Luiz Medeiros Da Silva
ii
iii
iv
“Estudar sem pensar é fútil. Pensar
sem estudar é perigoso.”
— Confúcio,
em Os Analectos
v
vi
AGRADECIMENTOS:
Ao Prof. Dr. Plínio de Arruda Sampaio Jr., orientador desta dissertação, pela
formidável capacidade de desestabilizar, em suas perspicazes aulas e nas estimulantes
conversas que tivemos, tantas convicções já incrustadas em meu sistema de crenças.
Ao Prof. Dr. João Brasílio Sallum Jr., pelas decididas palavras de estímulo em
um momento crucial de minha trajetória, pelo formidável exemplo e pelos ensinamentos.
Aos mestres Dr. Paul Israel Singer, Dra. Maria Arminda do Nascimento Arruda,
Dr. Paulo Davidoff Chagas Cruz e Dr. Flávio Azevedo Marques de Saes pelas
incontáveis contribuições à minha formação.
Aos meus pais e avó, pela compreensão nas tantas ausências, pela paciência nos
dias mais ansiosos, pelo apoio que sempre se alegraram em me dar, pela torcida e pelo
inesgotável carinho.
vii
viii
RESUMO:
patamar de “modelo” para os demais países periféricos, o chamado “caso coreano” deu
adequação das políticas econômicas ali implantadas, que teriam respeitado os mecanismos
analíticas, com base nos ensinamentos de Celso Furtado. Para tal, as principais tarefas
desta dissertação são: 1) apresentar um quadro geral das transformações ocorridas no país
e histórica da Coréia, demonstrando como a trajetória do país seria altamente afetada por
ix
x
ABSTRACT:
During the last four decades, South Korea has been characterized by an
Promoted to the rank of “model” to other developing countries, the so-called “Korean
inspiration, emphasizes Korea’s structural conditions and supports the policies put into
practice in the country, which are seen as respectful to the market mechanism, given the
heterodox inspiration, emphasizes the role of the State in distorting the market
mechanism in tactically elected sectors. The point of this dissertation is to discuss the
development created by Celso Furtado. Hence, the major tasks of this dissertation are: 1)
to present the transformations occurred in the country since the end of the Korean War,
economic growth and development, 3) to recapture the dominant debate about the
demonstrating how vastly the country’s trajectory has been affected by crucial
forces was tough during the period of accelerated growth and, 6) to answer the following
developed nation?
xi
xii
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO.....................................................................................01
1.1 – Introdução...................................................................................09
2.1 – Introdução...................................................................................39
xiii
CAPÍTULO 3 — Dependência e Crescimento: Elementos do Contexto
Geopolítico da Industrialização Coreana (1894-1997)..........................79
3.1 – Introdução...................................................................................81
4.1 – Introdução.................................................................................137
BIBLIOGRAFIA..................................................................................175
xiv
INTRODUÇÃO:
difundida a percepção, seja nos círculos especializados ou leigos, de que a Coréia do Sul
constituiria um caso raro, mas paradigmático, de nação periférica que teria conseguido,
a Coréia do Sul inquietava o mundo ao ostentar, apenas três décadas após o triste
entre os demais países periféricos. Mas o que estaria por trás de toda esta pujança?
vivenciado por este país começava já a motivar a realização de diversos estudos com
maioria dos autores envolvidos neste debate, a Coréia do Sul constituiria um “modelo” a
ser seguido pelos demais países “em desenvolvimento”. De modo geral, sua trajetória
Neste contexto, o “modelo coreano” era apontado como uma alternativa. Entre as
1
característica do conglomerado industrial padrão sul-coreano, 6) a arquitetura financeira
entre o setor financeiro e os atores do projeto “industrialista”. Todos os sete tópicos são
entendidos, tipicamente, como êxitos de gestão. Tais “escolhas” podem ser tributadas,
por vezes, à bem qualificada burocracia sul-coreana. Outras vezes, vêm associadas ao
caráter visionário das vocações empreendedoras nativas. Enxergado sob esta perspectiva,
o êxito sul-coreano pressupõe, então, um elevado grau de autonomia dos atores locais na
pequena gafe diplomática que descortinaria o delicado limite que separa soberania e
autonomia em seu país. Preocupado com o tema da Reunificação das Coréias, Roh Moo-
Hyun deixaria claro, mesmo diante das câmeras, de que quem decide sobre a
coreano perguntaria ao colega: “Eu acho que posso ter me enganado, não acredito ter
ouvido o presidente Bush mencionar uma declaração para terminar a Guerra da Coréia já.
Você disse isto, presidente Bush?” Bush, então, explicaria: “Cabe a Kim Jong-Il2 decidir
se assinamos um tratado para encerrar a Guerra da Coréia. Ele tem que se livrar de suas
armas de forma clara. E estamos fazendo progressos neste sentido. Cabe a ele.” Em um
1
O incidente ocorreu em Sydney no dia 7/09/2007.
2
O líder norte-coreano.
2
desabafo, ou em um ato inteligente de pressão diplomática com o uso das câmeras, o
presidente Kim Jong-Il e o povo norte-coreano querem ouvir uma história diferente.”3
Com a sutileza que lhe é característica, Bush sentenciaria: “Eu não posso ser mais claro,
Sr. Presidente.”
irrestrita do governo sul-coreano, uma explicação para uma fragilidade tão aparente do
forte o suficiente para dar por encerrada a Guerra Fria em seu território, reunificando um
território cuja unidade remonta ao ano de 668 d.C.? Quais os limites, então, para o
Neste trabalho, então, a proposta é fazer uma análise furtadiana do salto industrial
país aos seguintes resultados: (1) crescimento econômico muito vigoroso, (2) difusão
3
Note que a tradução inglesa da fala do presidente sul-coreano foi arbitrariamente alterada pelos veículos
de imprensa do Ocidente para amenizar o mal-estar diplomático. Já os principais veículos de imprensa da
Coréia do Sul sequer noticiaram o ocorrido. No entanto, a tradução literal, assim como o vídeo com os
diálogos, foram divulgados por organizações não governamentais comprometidas com a re-unificação.
3
mais modestos do que no restante da periferia —, (6) crescente concentração inter-
da República da Coréia:
industrialização.
4
c) Retomaremos a teoria furtadiana do desenvolvimento, permitindo que
Após uma reflexão sobre cada um destes temas, esperamos retornar aos
4
Note que não esperamos delimitar precisamente quais os grupos perdedores e ganhadores, nem mostrar
as diferentes formas de composição entre os ganhadores, sejam eles nacionais ou estrangeiros; nosso
intuito é mais modesto: mostrar que havia, sim, grupos que se percebiam como perdedores.
5
6
CAPÍTULO 1 — Para Um Olhar Furtadiano sobre a
Industrialização e o Cenário Político Sul-Coreano
7
8
1.1 – Introdução:
Se examinarmos com atenção uma lista que classifique os mais diversos países do
globo por ordem decrescente de PIB nominal per capita, veremos que figuram, no topo,
Para o ano de 2005, por exemplo, esta lista5 é encabeçada por países como a Noruega, a
Suíça e a Dinamarca — com um PIB nominal per capita de, respectivamente, US$
61.852, US$ 52,879 e US$ 49.182 —. É costumeiro fazer menção a países, então,
educacionais que deixam a desejar, entre outras deficiências. No ano de 2005, países
negativamente neste ranking — com um PIB nominal per capita de, respectivamente,
US$ 106, US$ 116 e US$ 123 —. Quando falamos de países “subdesenvolvidos”,
nos conduzir, não raras vezes, a questionamentos perturbadores. Pois se este é o único
5
Segundo dados do FMI.
9
desenvolvimento econômico — pois eles ostentam PIBs nominais per capita de,
respectivamente, US$ 39.607, US$ 22.424 e US$ 22.009 —. No entanto, sabemos que a
fósseis ali disponíveis. Poucos ousariam apostar que sua opulência seria a mesma após o
Nas últimas cinco décadas, a Coréia do Sul, foco deste estudo, registrou taxas
muito respeitáveis de crescimento econômico. Ao fim dos anos 1990, como veremos,
este país já atingiria níveis de PIB per capita bastante similares àqueles de vários países
para tal a indicadores estatísticos diversos, 2) retomar brevemente o quadro político sul-
coreano ao longo das décadas do “milagre” e, 3) discutir, com base nos ensinamentos de
cada uma destas três tarefas. Com base nos fatos que apontaremos para cumprir as duas
cumprir a terceira tarefa, esperamos que seja possível problematizar, ao longo dos
10
1.2 – A Extensão das Transformações Produtivas e Sociais no Pós-
Guerra Coreano: o “Milagre do Rio Han”:
econômico. Este evento ficaria conhecido como Wunder vom Rhein, ou “Milagre do
Reno”. Poucos anos depois, a República da Coréia, outro país profundamente marcado
Alemanha, alguns analistas batizaram a boa maré coreana de “Milagre do Rio Han”, em
alusão ao principal rio coreano, que corta a cidade de Seul. Neste capítulo, tentaremos
partir daí que se torna razoável falar em crescimento econômico na Coréia do Sul. Entre
1954 e 1960, quando o país foi governado por Syngman Rhee, a taxa média de
crescimento real do PIB foi, ali, de 4% ao ano. Já entre 1961 e 1970, período marcado
pela ditadura do general Park Chung Hee, esta cifra subiu para 8,4% ao ano. Entre 1971
e 1980, ainda sob o general Park, a taxa decrescimento média do país continuou
Doo Hwan (1980-1988), Roh Tae Woo (1988-1993) e Kim Young Sam (1993-1998), a
economia aceleraria ainda mais e atingiria, entre 1981 e 1996, o ritmo de 8,9% ao ano.
Após a Crise da Ásia, de 1997 — período marcado, na Coréia, pelo aprofundamento das
11
desenvolvimentista —, agora sob os governos de Kim Dae Jung (1998-2003) e Roh
registrando um crescimento mais módico de 4,1% ao ano, cifra muito semelhante àquela
registrada entre 1954 e 1960. 6 No Gráfico 1.2.1 é possível verificar, ano a ano, o
Crescimento Real do PIB Durante o Boom Coreano (1962-1997), Alguns Anos Anteriores e Posteriores
(1954-1961 e 1998-2005)
15,0
13,9
12,0 12,0
11,5 11,2
10,6 10,8 10,6 10,6
9,6 9,5 10,0 9,5
10,0
8,5 9,2 9,4 9,2
8,4 8,6 8,5
8,1 8,1
7,1 7,3
6,7 6,8 6,8 6,8 6,1 6,9 7,0
6,4 6,4 6,0 6,2
5,3 5,7 5,9
5,2 5,1 4,7
4,9 4,6 4,7
5,0
3,9 3,9
3,1
% 2,1
0,8
0,0
-1,0
-1,5
-5,0
-6,9
-10,0
1954
1956
1958
1960
1962
1964
1966
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
Salta aos olhos que, entre 1954 e 2005, a economia coreana vivenciaria, com
grande freqüência, anos em que o crescimento real do PIB excedia o ritmo de 10% ao
6
Esta cifra é a média geométrica das taxas de crescimento reais de cada período mencionado. Para
encontrar cada taxa de crescimento, segui o procedimento descrito na nota número 7.
7
O dados foram obtidos junto ao Banco da Coréia, pela Internet. Para encontrar cada taxa de crescimento,
corrigi o valor do PIB em valores correntes expressos em Wŏn pelo deflator fornecido pela instituição.
Entre 1953 e 1970, utilizei o Wŏn de 1970 como base. Entre 1970 e 2005, utilizei o Wŏn de 2005 como
base.
12
ano. Além disto, desde o início do período Park Chung Hee, apenas por dois anos —
de urbanização. Em 1910, ano em que a velha Coréia fora anexada ao Império Japonês,
13
após mais de três décadas de grandes investimentos industriais japoneses, esta parcela
ainda não excedia 13% (McNamara, 1990: 1) 8 . Mas em 1995, às vésperas da Crise
Coréias atingia, então, respeitáveis 71,959 milhões (CIA, 2006). Além disto, segundo
aproximadamente.
econômicas concebidas sob o General Park atingiram seu ápice. O Gráfico 1.2.2 expõe
as taxas de desemprego na Coréia do Sul, entre os anos de 1963 e 2006 — note que os
anos do boom, entre 1963 (2° Ano do 1° Plano Qüinqüenal e 1° ano de um ciclo de forte
8
Estes dois últimos dados incluem as duas Coréias.
9
Este último dado se refere unicamente à Coréia do Sul.
10
Estes dois últimos dados incluem as duas Coréias.
11
Dados do National Statistical Office, incluindo as cidades de Seul, Kyŏnggi e Inch’ŏn.
14
GRÁFICO 1.2.2 – Desemprego na Coréia do Sul, 1963-1997:
8,2
8 7,7
7,4
7,1 7
7
6,2 6,3
6
5,1 5,2
5 4,8
4,5 4,5 4,5 4,5
4,44,1 4,4
%
4,1 4 4,0
4 4,1 3,9 3,8 3,8 3,8 3,8 3,7
3,7
4
3,6 3,5
3,2 3,1 3,3
2,9
3 2,6
2,52,6 2,5 2,5
2,4 2,4 2,1 2
2
0
1963
1965
1967
1969
1971
1973
1975
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
Fonte: Korea National Statistical Office. Annual Report on the Economically Active Population Survey
(1964-2002), para os dados até 1999 e, Banco da Coréia, Economic Statistics System, pela Internet, para
os dados entre 2000 e 2006.
educacionais. A Tabela 1.2.2 fornece alguns números sobre a performance coreana neste
campo. Nela, é possível constatar que a educação realmente não foi negligenciada nem
mesmo antes do boom econômico, uma vez que, já nos anos 1960, a educação primária
que somente ocorreria nos anos 1990. Quanto ao ensino superior, verifica-se uma
grande aceleração no número de alunos matriculados já a partir dos anos 1980. Todos
estes indicadores se refletem na média de anos de escolarização, que tem sido sempre
crescente.
15
TABELA 1.2.2 – Indicadores Selecionados sobre Educação, 1961-1993
1961 1966 1972 1981 1987 1993
Média de Anos --- 5,0 6,1 7,8 9,0 10,1
de Estudo da
População
Taxa (%) de 97 103 107 103 102 101
Matrícula do
Ensino
FundamentalA
Taxa (%) de 30 36 49 59 65 99
Matrícula no
Ensino MédioA
Taxa de 54 57 65 192 305 355
Matrícula no
Ensino
SuperiorB
A → Indica o percentual de alunos matriculados em relação à população na faixa etária
adequada ao nível escolar. Note que o resultado pode ser maior que 100% devido ao
atraso escolar.
B → Indica o número de matrículas por 10.000 habitantes
Fonte: Banco Mundial. Korea: Four Decades of Equitable Growth. Washington, Case
Studies in Scaling Up Poverty Reduction, 2004
Um outro indicador que salta aos olhos é a capacidade revelada pelo sistema
alunos prossiga seus estudos até o nível superior. Note que, atualmente, 89,8% dos
jovens que terminam ali o nível médio e 62,3% dos que se formam nas escolas médias
A Tabela 1.2.4 traz alguns dados sobre o número de professores e instituições de ensino
16
existentes na Coréia do Sul ao longo do tempo. Evidencia-se o forte acréscimo no
neste nível de ensino, em um processo que ainda não emite sinais de arrefecimento. O
Gráfico 1.2.3 traz os números de estudantes matriculados no nível superior desde o fim
da II Guerra Mundial.
17
TABELA 1.2.4 – A Evolução da Infra-estrutura Educacional Coreana
Expansão das Escolas Elementares do 1º Ciclo (1945-2003)
1945 1960 1970 1980 1990 2003
Instituições 2.834 4.496 5.961 6.487 6.335 5.464
Professores 19.792 61.605 101.095 119.064 136.800 154.077
Expansão das Escolas Elementares do 2º Ciclo (1945-2003)
1945 1960 1970 1980 1990 2.003
Instituições 166 1.053 1.608 2.121 2.470 2.865
Professores 1.186 13.053 31.207 54.858 89.719 99.916
Expansão das Escolas Médias (1945-2003)
1945 1960 1970 1980 1990 2003
Instituições 307 640 889 1.353 1.683 2.095
Professores 1.720 9.627 19.854 50.948 92.683 116.292
Expansão da Educação Superior (1945-2003)
1945 1960 1970 1980 1990 2003
Instituições 19 85 232 357 556 1.421
Professores 1.490 3.808 10.435 20.900 41.920 63.823
Fonte: Education in Korea: 2005~2006. Ministry of Education & Human Resources
Development, Republic of Korea, p. 16.
4.000.000
3.588.039
3.500.000
3.000.000
2.500.000
2.000.000
1.490.809
1.500.000
1.000.000
601.494
500.000
101.041 201.436
7.819
0
1945 1960 1970 1980 1990 2003
Alunos Matriculados
Fonte: Education in Korea: 2005~2006. Ministry of Education & Human Resources Development,
Republic of Korea, p. 16
18
Mas nem todos os dados a respeito do sistema educacional coreano são tão
favoráveis. Outra importante dimensão do sistema que deve ser avaliada é se este teria
historicamente excluídas das atividades de cunho intelectual, sendo estas reservadas aos
homens, enquanto às mulheres cabia um papel, ainda que de enorme relevância social,
muito mais restrito aos bastidores. Neste contexto, a incorporação das mulheres ao
ensino superior do país ainda deixa muito a desejar. Mesmo assim, não se pode deixar
de notar que sua participação nas matrículas deste nível de ensino tem sido crescente. E
deve-se ressalvar que, no que tange à educação de primeiro e segundo graus, o ritmo de
inclusão das mulheres parece ter se equiparado ao dos homens — como evidenciam dos
19
Outra dimensão do processo de modernização asiático, em geral, e coreano, em
particular, que nos acostumamos a ver alardeada aos quatro ventos é a elevada taxa de
é que, como demonstram dos dados, a taxa de poupança na Coréia somente atinge o
45,0
40,4
40,0
37,5 36,8 37,5
38,4 37,6 37,6 36,7 36,3 35,5
36,3 35,3 34,9
34,9 35,5 33,7
35,0
31,2 31,7 32,8 33,0
31,0 31,0 31,3
28,7 30,2 29,0
30,0
24,7 25,7
25,3 24,6
25,0
22,8
21,9
%
19,5
20,0
17,8 17,0
15,7
15,0
10,0
5,0
0,0
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Já naquilo que diz respeito ao investimento, as taxas coreanas tem sido sempre
na Coréia entre 1970 e 2005, conforme informadas pelo Banco da Coréia. Já o Gráfico
20
GRÁFICO 1.2.5 – Taxa de Investimento na Coréia, 1970-2005:
45,0
39,7 39,0
40,0
37,4 37,2 36,9 37,8
36,0 36,1
35,7
33,8
35,0
32,7 31,9 31,1 30,4
31,8 29,9 30,6 31,2 30,1
29,4
28,8 28,9 29,2 30,4 29,4 30,3 29,3 29,1 30,2
30,0
28,6
26,6 25,2
24,8 25,2 25,4
25,0
21,4
%
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Fonte: Banco da Coréia.
45,0
40,0
35,0
30,0
25,0
%
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Poupança Investimento
21
Outro aspecto do “Milagre” coreano bastante enfatizado por seus entusiastas é a
deve ressaltar que os dados apontam para uma inflação, sem lugar à dúvida, muito
menos incômoda do que entre nós latino-americanos. Não obstante, foi só desde os anos
baixo.
1966 e 2005, conforme divulgado pelo Banco da Coréia. Note que em todos os anos
entre 1966 e 1972 e entre 1974 e 1981 o IPC coreano superou a barreira dos 10% ao ano.
aos dois Choques do Petróleo — o IPC coreano superou o patamar dos 20% ao ano.
35,0
30,0
28,7
25,0
24,3 25,2
21,4
20,0
18,3
16,0
%
1968
1970
1972
1974
1976
1978
1980
1982
1984
1986
1988
1990
1992
1994
1996
1998
2000
2002
2004
22
TABELA 1.2.6 – Indicadores Selecionados de P&D, 1970-1995
1970 1975 1980 1985 1990 1995
Pesquisadores 1,8 2,9 4,8 10,1 16,4 28,6
por 10.000
habitantes
Número de 0 12 54 183 966 2.270
Laboratórios
de P&D nas
Corporações
Gasto Total 0,39 0,44 0,58 1,56 1,88 2,71
em P&D
em % do PIB
Gasto Público 0,3 0,29 0,37 0,39 0,36 0,51
em P&D
em % do PIB
Gasto 0,09 0,15 0,21 1,17 1,52 2,2
Privado em
P&D em %
do PIB
Gasto em 1.874 4.152 15.325 27.853 49.514 73.574
P&D por
Pesquisador
(Milhões de
Wŏn)
Patentes 1.846 2.914 5.070 10.587 25.820 78.499
Requeridas
Fonte: Lee, Won-Young. The Role of science and Technology Policy in Korea’s
Industrial Policy. In: Kim, Linsu; Nelson, R. R. Technology, Learning, & Innovation.
Cambridge: Cambridge University Press, 2004
industrialização tem sido o seu destacado zelo pelas questões tecnológicas. Analisemos,
então, alguns dados. A Tabela 1.2.6 expõe alguns indicadores relacionados ao tema.
Nela, fica evidente o progresso coreano neste campo. O número de pesquisadores por
10.000 habitantes se expandiu formidavelmente entre 1970 e 1995, assim como cresceu
longo do tempo, e foi no setor privado que se concentrou a maior parte desta expansão.
O gasto em P&D por pesquisador também evoluiu muito. Todos estes indicadores
23
estiveram associados, outrossim, a um enorme aumento no número de patentes
inexpressiva cifra de US$ 55 milhões, em 1962 (Banco Mundial: 2004: 22), para atingir
o valor de US$ 325.464.848.000 em 2006. Apesar deste insólito ritmo expansivo, não se
deve esquecer que o comércio exterior sul-coreano também foi marcado, historicamente,
por persistentes desequilíbrios. O Gráfico 1.2.8 traz alguma luz a este tema, revelando a
350.000.000
300.000.000
250.000.000
200.000.000
150.000.000
100.000.000
50.000.000
0
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
-50.000.000
Exportações (US$ milhões) Importações (US$ milhões) Balança Comercial (US$ milhões)
Fonte: National Statistical Office, Korean Statistical Information System, pela Internet.
24
Mas não é apenas no âmbito do comércio exterior que a Coréia se revelaria —
50.000,0
40.000,0
30.000,0
20.000,0
10.000,0
0,0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
-10.000,0
-20.000,0
-30.000,0
Fonte: National Statistical Office, Korean Statistical Information System, pela Internet.
25
1.3 – Alguns Fatos sobre o Quadro Político Sul-coreano (1945-
1997):
compreendido entre os anos de 1960 e 1997, seria acompanhada, igualmente, por uma
A história política da moderna Coréia do Sul começa apenas em 1945. É neste ano
que, com o fim da invasão nipônica que perdurara desde 1910, o aristocrata coreano
Syngman Rhee retorna de um exílio de quatro décadas para dar início à criação, sob a
Teoricamente, a Coréia do Sul sob Rhee era um país cujo governo fora eleito
observador das eleições de 1948, “A eleição foi virtualmente monopolizada por grupos
Coreana na Coréia no Sul, e a facção direitista liderada por Kim Koo, último presidente
razão de que ela impediria a unificação coreana [...].” Neste contexto, Weems conclui
26
que “os resultados [do pleito] não são um reflexo acurado da vontade popular, pois o
eleitorado teve que escolher dentre uma lista inexpressiva de candidatos, e vinte deles,
pela Guerra da Coréia e pela perseguição, com apoio do exército norte-americano, das
lideranças pró-comunistas no sul, assim como das demais oposições ao governo. No ano
de 1960, no entanto, Rhee acaba sendo derrubado por um movimento popular que
questionando desde a corrupção do regime até o sistema eleitoral viciado. A agenda dos
questões sobre a liberação nacional e sobre a opressão social. É neste contexto que tem
liderado por Park Chung Hee se posiciona em pontos estratégicos de Seul, tomando a
liderança de Park perduraria duas décadas, até seu assassinato por Kim Chae-Gyu,
e, em 27 de maio 1980, eclode uma rebelião que logra tomar a cidade Kwangju, sexta
12
Transcrito de Weems, Benjamin. Behind the Korean Election. Far Eastern Survey, Volume 17, Número
12, pp. 142-147, 23 de Junho de 1948, minha tradução.
27
maior cidade sul-coreana, e que acaba sendo brutalmente asfixiada pelo regime do
General Chun, com um saldo de mais de 2000 mortos. Assim, a Coréia dos anos 1980
ademais, onde o principal líder da oposição, Kim Dae Jung, estava no exílio. A ditadura
Em 1987, têm início as primeiras eleições diretas na Coréia após as quase três
décadas de ditadura. Neste pleito, a oposição civil se divide em dois nomes — Kim
Esta divisão acaba propiciando a derrota de ambos, com a conseqüente vitória de mais
pleito de 1987 13. Esta aliança permitiria, em 1992, a vitória eleitoral de Kim Young-
Sam — agora apoiado também por um amplo espectro de forças conservadoras —, que
viria a ser o primeiro civil no poder desde o já longínquo governo de Syngman Rhee
(1948-1960).
governaram a Coréia entre 1980 e 1993 — ou seja: Chun Doo-Hwan e Roh Tae-Woo —
13
De um dos candidatos a liderar a oposição civil, Kim Young-Sam metamorfoseou-se em candidato do
partido da situação. Fundiram-se, nesta ocasião, o Partido Democrático da Justiça (de Roh Tae-Woo e do
General Chun), o Novo Partido Democrático Republicano (de Kim Jong-Pil; fundador da Agência Central
de Inteligência Coreana, KCIA, e ex-presidente do partido do General Park, o antigo Partido Democrático
Republicano, durante a ditadura), além do Partido Democrático da Reunificação (do ex-oposicionista Kim
Young-Sam), criando o Partido Democrático Liberal. Há mais informações sobre o intricado jogo político
que levou a esta fusão de forças conservadoras em Bedeski, Robert E. The Transformation of South
Korea: Reform and reconstruction in the Sixth Republic under Roh Tae Woo, 1987-1992. Londres:
Routledge, 1994.
28
corrupção, participação no golpe de Estado de 1979 e co-responsabilidade pelo
massacre de Kwangju. Roh seria condenado a 22 anos e meio de prisão, enquanto Chun
Kim Dae-Jung (1998-2003) e Roh Moo-Hyun (desde 2003) — terem sido eleitos
muito mais recente na história coreana. Por exemplo, a eleição de Kim Dae-Jung, em
da próspera região de Kyongsang — região de origem dos presidentes Park, Chun, Roh
sudoeste coreano.
integralmente conduzido sob uma conjuntura política opressiva. Note que, mesmo que
em fins do século XIX, veremos que também o período entre 1876 e 1945 fora um
processo que culminaria, em 1910, com a anexação do país pelo Império Japonês.
14
Alternância do Partido Democrático Liberal, de Kim Young-Sam, para o Partido Democrático do
Milênio.
15
Democrata perseguido por décadas por décadas de ditaduras, Kim Dae-Jung ganhou o Prêmio Nobel da
Paz em 2000.
29
1.4 – Retomando a Concepção Furtadiana de Desenvolvimento:
assim como caracterizar o ambiente político que acompanharia tal processo. Já nesta
saber: aquele que nos foi legado por Celso Furtado —, permitindo que o leitor tenha em
mente, com exatidão, o que se deve subentender quando doravante lançarmos mão deste
termo. Esperamos que a leitura prévia deste capítulo evite qualquer confusão quando, na
processo global: transformação da sociedade ao nível dos meios, mas também dos fins;
Em toda sua obra é recorrente a idéia de que, para explorar completamente seu
objetivos coletivos com um certo grau de autonomia intelectual. Sendo mais específico:
30
econômicos capazes de tornar exeqüível a implementação de um determinado projeto
forjado com a necessária lucidez estratégica, sem ilusões sobre o grau de autonomia
social subjacente. [...] Quando o projeto social dá prioridade efetiva à melhoria das
1978: 48)
da História pelos homens, em contraste com o quadro mimético e repetitivo de que são
31
introjetam valores criados fora delas mesmas, que se transformam de preferência sob a
correspondência com sua base material.” (Furtado, 1984: 63-64) Furtado enxerga o
coletiva, isto é, o percebe como uma barreira capaz de obstruir a postulação de fins
verdadeiro desenvolvimento.
dependente perde a capacidade de conceber os próprios fins. Esta a razão pela qual o
autoritarismo político a ele se adapta como uma luva. Dependência econômica, tutela
32
qua non à configuração do verdadeiro desenvolvimento. O autor censura, portanto, o
raciocínio segundo o qual “Os conflitos sociais, longe de serem uma fonte alimentadora
sociedade.” (Furtado, 1978: 79) E, assim, assegura que “A ativação política é condição
1978: 88)
dos fins substantivos que desejamos alcançar, e não da lógica dos meios que nos é
imposta do exterior.” (Furtado, 1984: 30) Pois, com base na evidência histórica, “[...] o
1978: 69) Sem este elemento crucial que é a criatividade cultural, as nações fora do
centro da economia capitalista estão fadadas ao mero intento de reprodução dos padrões
Partindo deste ângulo de análise, Furtado conclui, em fins dos anos 1970, que
“Se pomos de lado a China, nenhum outro país de acumulação retardada reúne [ou
33
reunia] as condições mínimas para escapar ao campo gravitacional da civilização
relações que de bom ou mau grado mantém com o centro do sistema capitalista [...]”
(Furtado, 1978: 111) Assim, os demais países atrasados pareciam fadados à malfadada
busca de mimetizar — em maior ou menor grau e para uma maior ou menor parcela da
Cumpre notar que Furtado afirmaria, quatorze anos mais tarde, ainda que de
forma bastante apressada e em um texto cujo escopo era outro, que “Porque alcançaram
relativa autonomia tecnológica, cabe reconhecer que a Coréia do Sul e Taiwan lograram
superar a barreira do subdesenvolvimento, ainda que a renda per capita desses países
seja menos de uma quinta parte da do Japão e não supere a de certos países latino-
com o restante do arcabouço teórico utilizado pelo autor para tratar a problemática do
coletiva na Periferia [...]” (Furtado, 1978: 124), como deixar de considerar a situação
teria se iniciado em princípios dos anos 1960 — com o advento da ditadura sob Park
Chung Hee —, e durado até a Crise da Ásia de 1997, fica claro que todo o “salto”
34
16
democráticas. Fica, então, uma pergunta: como enxergar, no âmbito deste quadro
rupturas e desníveis nos padrões de consumo.” (Furtado, 1980: 90), o que parece ter
suscitado o comentário de Furtado parece ser o fato de que, a despeito dos óbvios
bloqueios à atividade política dos trabalhadores coreanos, estes parecem ter partilhado,
em inusitado grau no âmbito do conjunto dos países periféricos, dos frutos materiais
pela Tabela 2.3.1.3 —, houve uma substancial elevação da renda do trabalhador coreano.
aquela que vigorou nos demais países periféricos parece ter sido interpretada por
Furtado como uma evidência da existência, neste país, de alguma dinâmica democrática
de fato — uma vez que falar em regime democrático de direito 17 soaria, como aqui
exposto, absurdo —. Enxergando as coisas deste prisma, esta dinâmica hipotética teria
16
A análise mais acurada dos dados sobre a economia coreana nos permite embasar bem esta
periodização. Entre 1954 e 1960, a taxa média de crescimento real do PIB foi, na Coréia do Sul, de
minguados 4% ao ano. Já entre 1961 e 1970, esta cifra subiu para 8,4% ao ano. Entre 1971 e 1980, os
dados apontam para 7,1% ao ano. No período subseqüente, entre 1981 e 1996, este ritmo atingiria 8,9% ao
ano. Já entre 1997 e 2005, porém, o ritmo do crescimento coreano foi de apenas 4,1%. Ou seja, de fato, o
período de alto crescimento coincide exatamente com um período de liberdade altamente restringida.
17
Pois no “milagre coreano”, a ditadura claramente é o regime político típico.
35
pelas freqüentes menções na bibliografia aos êxitos sul-coreanos em suas tentativas de
inserção comercial coreana. Ou pelos enormes avanços registrados pelo país no campo
educacional, etc.
parte das elites dominantes sul-coreanas, conduzindo a uma maior justiça distributiva.
próprio Furtado ensina, o Uruguai seria o “caso limite” 18 —, sem que isto alterasse em
poderiam, por que não, ser relativamente melhor distribuídos, mesmo sem o surgimento
18
Nas palavras de Furtado: “Em casos extremos a modernização [dos padrões de consumo] pode abarcar o
conjunto da população conforme ocorreu no Uruguai” (Furtado, 1980: 86).
36
CAPÍTULO 2 – A Coréia do Sul como “Modelo”: Retomando o
Debate Dominante Sobre o “Caso Coreano”
37
38
2.1 — Introdução:
Durante os anos 1960, 1970 e 1980, a Coréia teve uma performance digna de nota
de muitos especialistas no Ocidente. Muitos deles tomaram para si, então, a tarefa de
Como veremos nas seções a seguir, o objetivo mais típico destas empreitadas
inicia depois de Revolução Abril de 1960, cujo ápice foi o governo ditatorial do general
apresentado pelo país em cada ocasião, numa tentativa de explicar, a partir do arcabouço
Rhee, quando o crescimento econômico do país foi brando. De modo análogo, exaltava-
19
Oficialmente, o período de governo do General Park se estendeu de 1963 até seu assassinato, em 1979.
Não obstante, ele deteve o poder de fato também entre 1961 e 1963, quando presidiu o Supremo Conselho
para Reconstrução Nacional.
39
significativo crescimento econômico. Das características deste último período
Seria possível dividir tais estudos, grosso modo, em duas grandes linhas
estes autores podem atribuir alguma importância ao Estado, mas seu elemento distintivo
A livre ação das forças do mercado não é compreendida, assim, como capaz de fornecer
40
2.2 – O “Milagre do Rio Han” numa Acepção Ortodoxa:
Paul W. Kuznets é autor de um dos mais antigos trabalhos que procuram explicar
para a cidade, de setores pré-modernos para setores modernos, de alta fecundidade para
baixa fecundidade. Estes movimentos teriam ocorrido paralelamente ao fim de uma era
econômico mais liberal. Para Kuznets, como procuraremos demonstrar, o respeito às leis
coreano teria sido o crescente peso assumido pelo comércio exterior na economia.
Como evidência, Kuznets cita que a razão entre a soma das exportações com as
importações e o Produto Nacional Bruto teria crescido de 12%, no triênio 1953-55, para
13%, no triênio em 1960-62, antes de atingir 44% no período 1970-72 (Kuznets, 1977:
Segundo o autor, tal performance exportadora teria estado assentada nos custos
41
obra, da fraqueza dos sindicatos e da urbanização. Assim sendo, a elevação do nível
novas vantagens competitivas, o que não seria improvável dado o cenário de intensa
por trabalhador era baixo em busca de atividades mais produtivas. Isto é, a população
atividades urbanas. Assim, o produto médio por trabalhador teria aumentado de 136.000
Wŏn, no triênio 1953-55, para 151.000 Wŏn, no triênio 1960-62, e alcançado 249.000
Wŏn no período 1970-72 (Kuznets, 1977: 53-56, 88). O autor conclui, portanto, que o
Além disto, o sucesso da estratégia coreana desde o governo Park Chung Hee,
cuja persistência, por sua vez, seria o mero corolário das políticas de substituição de
liberalizantes, Kuznets enxerga, sem penetrar muito nos detalhes, um suposto fim das
sob o regime autoritário de um general que se celebrizaria por uma certa máxima
42
proferida no ano 1972: “aço = poder nacional” (Cumings, 1984: 32). Mesmo assim, o
qual medidas de política liberal foram adotadas para encorajar as forças de mercado que
doméstico na Coréia que, de outro modo, teriam estado indisponíveis” (Kuznets, 1977:
de Washington e, talvez por isto, tenham sido tão replicados pela grande mídia, não
foram capazes de saciar os espíritos neoclássicos mais cuidadosos. Por isto, outros
análises mais bem fundamentadas, ainda que com conclusões semelhantes. Adiante
43
2.2.2 – Anne Krueger e o “Desenvolvimento pelas Exportações”:
Krueger, que ocupou o cargo de economista-chefe do Banco Mundial entre 1982 e 1986
coreano seria seu crescente envolvimento no comércio mundial. Mas ela admite que o
Estado coreano tenha tido seu papel, apoiando e incitando a inserção exportadora do
país. Não obstante, à luz das vantagens comparativas detidas pelo país, o respeito às leis
tamanho sucesso. Mas o Estado teria tido, sim, uma certa relevância.
minha tradução). Fiel a esta hipótese de trabalho, a autora inicia sua argumentação
fazendo um balanço do legado colonial japonês naquilo que tangia ao comércio exterior.
Segundo ela, a balança de pagamentos coreana havia sido fortemente negativa durante o
período entre 1936 e 1939. Isto era um corolário do forte investimento japonês em sua
mais importante colônia. Mais de 85% das importações coreanas se originaram do Japão
44
laços que uniam a colônia à sua antiga metrópole, o comércio exterior coreano foi
reduzido a uma minúscula fração daquilo que fora antes da II Guerra, permanecendo
assim durante a Guerra da Coréia. É neste contexto que surge a ajuda externa norte-
deste apoio americano à Coréia do Sul, mostrando o quanto sua economia havia se
especialmente aqueles relativos aos anos 1950, são realmente impressionantes. A ajuda
externa teria chegado a atingir o pico de 86,6% das importações totais coreanas no ano
De acordo com Krueger, o auxílio americano fora concebido para servir a três
1982: 12-13). Neste contexto, o governo americano abriu seu cofre à Coréia com
Ajuda total 201,2 179,9 236,7 293,7 382,9 321,3 222,2 245,4
recebida em
milhões de
dólares
Importações 345,4 243,3 341,4 386,1 442,1 378,2 303,8 343,5
totais em
milhões de
dólares
Ajuda como % 58,3 73,9 69,3 76,1 86,6 84,9 73,1 71,4
das
importações
Fonte: Krueger (1982: 67) apud BANK OF KOREA, Economic Statistics
Yearkook, 1960 e 1974 e FMI, International Financial Statistics, Maio de 1976.
45
A autora confere, também, alguma importância analítica a certos fatores extra-
economia coreana. Dentre eles, talvez um dos mais significativos tenha sido o de fazer
com que a taxa de alfabetização pulasse de 20%, imediatamente após a Liberação, para
71% apenas dois anos e meio mais tarde (Krueger, 1982: 23).
Ainda segundo Krueger, o legado americano vai além. Outra medida apontada
dos japoneses, cerca de 487.621 acres 20 foram vendidos a 502.072 agricultores. Isto
representou 96% daquilo que havia sido propriedade dos japoneses. Além disto, a
Constituição elaborada pelos americanos previa a realização de uma reforma agrária nas
demais terras do país, o que fez com que, entre 1949 e o princípio da Guerra da Coréia,
a maioria dos aristocratas rurais fracionasse e colocasse à venda suas terras, temendo o
baixo valor das indenizações a serem pagas pelo governo (Krueger, 1982: 19-21).
argumenta que, como resultado da separação da economia coreana de seu antigo centro
pelas guerras, a economia se manteve estagnada até 1953. Somente a partir daí seria
setor interno. Evidencia-se, aí, o quão dependente do fluxo de ajuda americana era a
20
Cada acre equivale a 4.046,8564224m².
46
Coréia: o país precisava de ajuda tanto para o funcionamento cotidiano — por exemplo,
seu parque produtivo. Mas, segundo a autora, esta dependência não parecia afligir o
então presidente Syngman Rhee, que parecia dar a continuidade da ajuda como algo
a deixar claro que o volume de ajuda teria que diminuir e, assim sendo, o arcabouço
político-econômico coreano teria que mudar. É neste contexto que o período entre 1960
Os dados da Tabela 2.2.2.2 demonstram que a ajuda externa realmente não cresceu neste
externa do país e, assim, a única saída disponível para o país teria sido a inserção
exportadora, o que teria acontecido sob o General Park. Passados mais alguns anos, esta
47
nova estratégia de crescimento seria apregoada como um “modelo” para os demais
saltaram de US$ 250 milhões, em 1966, para US$ 835 milhões, em 1970, US$ 1.624
para a promoção de exportações foi realmente fenomenal” (Krueger, 1982: 99, 117,
tradução minha).
É importante notar que o papel do Estado nesta estratégia, reconhecido aqui como
importante, teria passado ao largo da distorção de preços, pelo menos pelo lado das
exportações 21. O Estado teria adotado uma política de preços realista que, valendo-se
medidas de estímulo discricionário enxergadas pela autora teriam sido, então, de outra
natureza. Um exemplo bem sucedido deste tipo de intervenção teria sido a criação de
de um mecanismo de metas de exportação, punindo quem não cumpria tais metas com a
Medalha de Honra Nacional aos mais florescentes exportadores (Krueger, 1982: 97-99).
partir da reforma nas taxas de juro internas em 1965. Tal fluxo de divisas teria servido
21
Do lado das importações, segundo a autora, as restrições teriam continuado.
48
TABELA 2.2.2.3 – Dívida Externa Líquida, 1959-1975
que forma estes 15 anos de vultuosos donativos americanos afetariam as contas públicas
da Coréia? De que forma a faceta fiscal da ajuda teria facilitado a construção do Estado
nacional coreano? Estas questões não são trazidas à tona pela autora.
Segundo, como a própria autora nos informa, ao passo que os Estados Unidos
resolveram reduzir a ajuda, passaram a acolher uma crescente parcela das exportações
49
para 47,3% em 1970. Só em 1975 esta participação voltaria ao patamar de 1965
(Krueger, 1982: 137-138), quando, agora sob a égide americana, o Japão reassume
decisivamente sua antiga liderança regional. Será que a autora acredita que este
movimento foi mera obra do acaso ou da ação livre das forças de mercado? Esta
oficial do Banco Mundial, que atribui ao Estado coreano um papel mais proeminente do
nações asiáticas. Estes países eram então enxergados como o abrigo ideal para a
indústria exportadora japonesa que, a partir daquele momento, teria certamente muita
assegurar o apoio necessário para investimento japonês na Ásia. No mesmo ano, foi
periferia, era natural que desejasse transmitir aos países receptores de seus capitais o seu
próprio conceito de “boa gestão econômica”. O problema era que este conceito, de
50
extrema relevância político-internacional, assumia significados diametralmente opostos
Assim, o Japão oferecia US$ 3,5 milhões de dólares, a fundo perdido, para a realização
de vários estudos sobre o tema. Os japoneses pareciam seguros, então, que não haveria
malabarismo teórico capaz de provar que o crescimento japonês não fora alicerçado nas
políticas ativas do MITI (Terry, 1995). Dani Rodrik, muito perspicazmente, batizou esta
arraigadas visões japonesa e americana sobre um tema tão delicado (Rodrik, 1996).
paradoxalmente financiados pelo governo japonês, que surge o estudo chamado “The
pensamento neoclássico, acerca das bases do crescimento acelerado na Ásia. No fim das
que com uma ressalva: os riscos pareciam desencorajar a tentativa de replicação destas
Mundial (1993: iii, iv, 5-6), o extraordinário crescimento vivenciado pela Coréia seria
51
explicado pela acelerada acumulação de capital físico e humano que, na Ásia de modo
resultado em um crescimento mais alto e mais igualitário do que, de outro modo, teria
(Banco Mundial, 1993: 7-10, tradução minha). Para a instituição, ativismo estatal teria
sido justificado pela existência, na Coréia, assim como em outros países asiáticos, de
52
falhas de mercado significativas — tais como falta de mecanismos capazes de incitar a
Mesmo assim, a instituição mantém uma ressalva. Só teria sido possível ao Estado
com mais subsídios e punindo, severamente, aqueles que não as alcançassem. Teria sido
requisitos demasiado exigentes. Por exemplo, a cultura é tida como importante para
reforçaria, então, a visão da instituição de que a replicação de tais políticas por outros
países deveria ser firmemente desaconselhada. Nas palavras da instituição: “[...] o fato
Leste Asiático não deve se tornar uma razão para que se resista às reformas orientadas
53
discricionárias tiveram ali alguma importância decisiva, esta atingiu seu auge no
explicaria mesmo o êxito coreano seria o crescente respeito aos mecanismos de preços
conclusões de um outro relatório mais antigo da instituição, segundo o qual, tão logo as
Coréia teria se tornado cada vez mais neutro (Banco Mundial: 1984: 78).
que, no caso japonês, tomando suas próprias palavras, estava convencido de que o
segredo do então sucesso japonês foi que seu “governo interveio ativamente para
Terry, 1995, minha tradução). Sua opinião, sem lugar à dúvida, poderia ser generalizada
para o resto da Ásia; em particular, para a Coréia do Sul. A polêmica continuou e este
detalhadas sobre o processo de edificação industrial de cada país, foi possível ao Banco
54
especialmente os asiáticos, apresentar uma justificativa teórica, corporificada neste
Este grupo de especialistas receberá nossa atenção na próxima parte deste capítulo.
teriam sido fiéis, na Coréia, aos níveis vigentes internacionalmente. E a autora foi além:
argumentou que a decisão deliberada do governo de distorcer estes preços é que teria
22
Note que o relatório em questão não tem mais que 40 páginas, destinadas ao tratamento de políticas
aplicadas em algumas dezenas de países por algumas dezenas de anos.
55
Assim como os autores que examinamos na seção anterior, Alice Amsden estava
palavras da própria autora: “Um país como a Coréia pode servir como um modelo útil,
do qual outros países que aspiram se industrializar podem aprender” (Amsden, 1989: vi,
minha tradução). Neste contexto, a “lição” coreana parecia ser a intervenção inteligente
em setores discricionariamente eleitos. Isto é: “[...] não apenas a Coréia não teve preços
minha tradução, grifo meu). Mas isto não seria tudo: “Em troca dos subsídios, o Estado
Assim sendo, para a autora, a Coréia somente cresceu aceleradamente por ter
contradições estruturais existentes nas economias atrasadas que somente o Estado seria
56
capaz de mediar. O crescimento, para atingir o ritmo necessitado por estes países,
requereria baixas taxas de juros para estimular os investimentos, porém altas taxas de
para as indústrias nascentes, porém inevitável abertura comercial para poder atender
Para a autora, a suposta vantagem comparativa detida pelos países de baixo nível
de renda nos setores intensivos em trabalho não passava de uma ilusão: “[...] baixos
salários eram uma benção ambígua” (Amsden, 1989: 63). Se, por um lado, seja na
Coréia ou em outras paragens, o baixo nível salarial teria sido funcional aos intentos de
inserção exportadora no âmbito dos bens intensivos no fator trabalho, esta característica
estrutural também esteve, por outro lado, associada ao baixo poder aquisitivo vigente no
mercado doméstico dos países atrasados e, a reboque, à sua baixa taxa de poupança e às
Além disto, segundo Alice Amsden (1989: 68), até nos setores onde a sabedoria
se fez possível mediante uma política industrial que deliberadamente tornasse viável o
investimento industrial. Porquanto a Coréia, ainda que com custo relativamente baixo de
mão-de-obra, não era capaz de competir com o Japão nem mesmo no setor têxtil,
Coréia, durante o governo Park Chung Hee, com a “Invencível Armada” espanhola:
57
para a autora, durante algum tempo se acreditou que o episódio da Armada teria sido um
divisor de águas na história européia, mas hoje, argumenta a autora, se percebe que seu
efeito foi menor. Não foi ele quem dividiu a cristandade — isto já havia ocorrido —, ele
não impediu o fluxo de metais preciosos para a Espanha — o pico ocorreu depois da
tempo demonstraria que seu efeito de longo prazo foi, na prática, pífio. Na Tabela
2.3.1.1, é possível verificar que o investimento direto externo na Coréia, por exemplo,
Alice Amsden argumenta ainda que os estudos que se valem da taxa de câmbio
vigente na Coréia, dela inferindo uma suposta conformidade com a manutenção dos
58
das empresas teria sido fortemente influenciado pela coerção do Estado em seus
múltiplos canais de pressão. Já pelo lado das importações, mesmo após a “liberalização”
dos anos 80, as tarifas de importações eram em média de 30%. Neste contexto, a taxa de
câmbio perde seu significado analítico. Além do mais, o preço mais relevante de todos
— o crédito de longo prazo — teria sido tão evidentemente distorcido que seu custo era
Alice Amsden (1989: 84-88) ainda afirma que, se no capitalismo a quinta essência
governo na Coréia do Sul torna necessário que se re-defina o escopo deste papel. Pois o
formulado a partir de cima. Segundo a autora, entre 1972 e 1984, as indústrias leves
vez que a complexidade destes projetos requeria um pacote de incentivos mais possante,
própria seleção discricionária dos principais agentes da burguesia nacional, o que teria
Nesta ocasião, algumas firmas teriam sido deliberadamente apadrinhadas pelo governo,
recebendo divisas para importar materiais escassos — grãos e fertilizantes — que, por
sua vez, eram revendidos no mercado interno a preços de monopólio. Estas firmas
59
obtinham contratos especiais em projetos governamentais de grande porte. Assim sendo,
cada vez mais, de um grande joint-venture entre o Estado e algumas poucas famílias
concentração industrial — a Tabela 2.3.1.2 expõe o enorme valor das vendas combinas
dos dez maiores chaebǒl frente ao PNB —. O poder do Estado, assim, continuou muito
mera fantasia. Entre 1967 e 1979, por exemplo, o setor público respondeu por ⅓ dos
conseguiu a proeza de ser ainda maior do que aquele vigente no Japão. Apesar disto,
60
merece menção o fato de que houve um ambiente de intensa competição entre os
chaebǒl, tanto pelo mercado doméstico como pelo mercado exterior. Como o governo
fatores alheios à peleja por melhores preços. Primeiro, eles competiam por favores e
técnico com agentes estrangeiros. Terceiro, eles concorreriam no mercado com base em
qualidade e prazo de entrega (Amsden, 1989: 123, 129-130). Neste contexto, estratégia
menor grau na Coréia do que nos demais países então engajados em processos de
industrialização. Isto teria ocorrido devido ao engenho da fixação, por parte do Estado,
preços (Amsden, 1989: 145-146). A autora conclui, então, que “Os grandes grupos
tornando mais cara, o investimento teria sido redirecionado para setores mais intensivos
61
em capital — tais como navios, aço, maquinário, automóveis e computadores —
menos do que os homens, ainda constituiriam uma inesgotável fonte de trabalho ultra-
barato — (Amsden, 1989: 189-190). Assim, o “comportamento dos salários reais deve
então ser examinado não apenas em termos de oferta e demanda, mas também em
62
Expostos os argumentos da autora, um questionamento permanece: que fatores
teriam conferido ao Estado sul-coreano tamanha autonomia para fazer aquilo que bem
início dos planos qüinqüenais? Se o que autora buscava era um “modelo”, qual a
possibilidade concreta de aplicação deste rol de políticas sob outro contexto histórico,
geográfico, político, social e cultural? A própria autora reconhece, na página 147, que a
voz da classe trabalhadora era inexpressiva nos anos 1960, o poder dos aristocratas
rurais havia sido minado pela reforma agrária e, além disto, não havia financistas
estremecido no fim dos anos 1990, com o retorno das eleições livres e da
passaria, assim, a ser cada vez mais freqüente, pois nossos colegas orientais começavam
perspectiva plausível de saída. É neste contexto que surge, em 1994, o livro de Otaviano
Canuto, cujo intuito central é fornecer uma explicação para as diferentes performances
63
Economista então ligado à UNICAMP, Otaviano Canuto deu prosseguimento, na
última instância, por fatores externos (Mello, 1998: 186-187) —. Isto é: assim como
Belluzzo, propunha-se “repensar a história latino-americana [e, por que não, de toda a
Fiel à sua filiação, Canuto fez uso de duas estratégias distintas para elucidar o
permitido à Coréia reagir mais eficazmente que nós às turbulências que sacudiriam o
Terceiro Mundo entre 1973 e 1982. A segunda foi valer-se de elementos de ordem geo-
estratégica que tivessem contribuído para que o tratamento conferido à Coréia do Sul,
No que tange à sua análise das políticas industriais implantadas na Coréia desde o
64
Adverte, assim, que os cinco maiores bancos comerciais coreanos permaneceram sobre
o controle público deste o início do governo Park Chung Hee até sua privatização, em
1981-83. No ano de 1972, para se reter um exemplo, o autor cita que 87% do valor
país para investimento. Todo este poder governamental teria sido, então,
deliberadamente utilizado pelo Estado para guiar o investimento rumo aos objetivos
mercado financeiro coreano, bipartido entre um setor oficial e outro semi-legal, onde
vigiam taxas de juro muitíssimo mais elevadas do que no sistema oficial. Este sistema
dual era, em si mesmo, um forte instrumento de coerção na mão do Estado: quem não
cumprisse as metas estabelecidas podia ser punido com a exclusão do sistema financeiro
Coréia do Sul teria havido, nas palavras do autor, “um dirigismo caracterizado pela
preparativos, já em meio ao boom exportador de manufaturas leves, nos anos 60, para
65
coerência, com os quais o poder fiscal, financeiro e regulador das transações com o
exterior [...] foi discricionariamente acionado” (Canuto, 1994: 43, grifos meus)
Para citar alguns dos demais mecanismos de intervenção apontados pelo autor, o
governo teria instituído incentivos fiscais e utilizado a política de compras públicas para
estrutura e criado uma enormidade de empresas públicas. Além disto, como já apontado,
que “O êxito asiático decorreria da coesão interna em seus Estados e de seu grau de
‘autonomia relativa’, quer por fatores culturais e sócio-políticos anteriores, quer por
suas políticas governamentais” (Canuto, 1994: 57). Mas Otaviano Canuto, a despeito
66
desta conclusão, não penetrará mais densamente nos determinantes de toda esta
autonomia interna poderia ser exercida. Mesmo assim, no âmbito das vantagens
usufruídas pela Coréia do Sul como decorrência de sua proximidade do Japão, a análise
contribuições anteriores.
Segundo o autor, entre 1980 e 1982, a dívida externa total coreana cresceu de US$
20 bilhões para US$ 37 bilhões. Já a dívida externa como proporção do PIB teria subido
de 35,8% para 53,9%, entre 1979 e 1985 (Canuto, 1994: 111). Como, então, a Coréia
Japão detinha na Coréia. Com respeito a este tema, o autor esclarece que os
empréstimos líquidos feitos pelos bancos americanos aos coreanos caíram de US$ 2,3
bilhões em 1981 para US$ 0,7 bilhões em 1983. Isto significou, segundo o autor, uma
reversão dos fluxos de pagamento líquido de US$ 2,5 bilhões entre 1984 e 1985. Porém,
sido capazes de preencher este vazio — bônus e títulos similares teriam aumentado, na
composição do ingresso de crédito na Coréia, de 1,6% entre 1977 e 1981, para 10% em
1982 e 25,3% em 1984 — (Canuto, 1994: 9, 112). Além disto, o patrocínio dos bancos
67
vizinhança benigna [...] explica em boa medida o sucesso sul-coreano” (Canuto, 1994:
10).
Mesmo neste contexto, Canuto ressalta a importância da boa gestão: “[...] houve
competência por parte do Estado e da grande empresa privada para aproveitar, com
países avançados” (Canuto, 1994: 10). Ainda quanto a isto, o autor afirma que, desde
estoque da dívida externa. Quando estes bancos foram privatizados, tendo sido
forte presença nos quatro cantos do globo. Assim, o autor conclui que “nenhum vínculo
estratégico com firmas ou com o Estado japoneses teria sido condição suficiente para
seu ajuste estrutural, caso [a Coréia] tivesse atravessado a crise com uma estrutura da
Estado coreano adquiriu tal poder de coordenação da atividade econômica? Canuto não
68
que vigorou na Coréia, por que não penetrou mais densamente neste contexto? Em seu
a reestruturação que se seguiu à Crise da Dívida. Por que, então, não explorar o papel do
Estado e dos grupos empresariais coreanos, sem falar na reforma agrária e no deslanche
do processo de educação em massa? Por que não explorar o papel da Guerra Fria e da
absolutamente crucial para explicar por que uma sociedade com as características da
69
estagnação ou semi-estagnação em praticamente todo o continente —, surgira uma
econômica. Mas esta não seria a única via de questionamento teórico das políticas
Desde meados dos anos 1970, Fernando Fajnzylber, economista chileno ligado à
competitividade sistêmica da economia nacional. Neste sentido, ele destacaria que “[...]
empresa constitui um elemento importante, mas integrado por uma rede de conexões ao
70
aparato institucional público e privado, ao sistema financeiro, etc.” (Fajnzylber, 1988:
além daquilo que tangia estritamente à esfera empresarial. Na verdade, os dados sobre
competitividade examinados por ele “[...] incorporavam reflexões sobre temas muito
setores estratégicos;
71
v. A capacidade de manter um nível elevado de gastos em P&D;
não essenciais —.
mas jamais sob o ponto de vista nacional, quais sejam: recorrentes desvalorizações
compatível com a busca por maior eqüidade social. Neste contexto, o legado de
‘transformação produtiva com equidade’, que viria a ser a nova mensagem oficial da
72
Como dissemos, a análise de Fernando Fajnzylber partiria de uma comparação
um lado, o autor devotou atenção aos países industriais mais avançados — Estados
específico, ao qual deveria, sim, ser atribuído parte de seu sucesso industrial.
interesses geo-estratégicos dos Estados Unidos são reconhecidos como importantes para
73
Outro elemento conjuntural destacado pelo autor como importante para a
Japão [...] encontra na expansão dos países asiáticos um expediente que lhe permite
a canalização para aqueles países dos bens de capital requeridos por seu crescimento
industrial interno e exportações” (Fajnzylber, 1981: 134, minha tradução). Assim sendo,
japonesas, são também destacados por Fajnzylber como fatores importantes para
região. Convém reter que, para o autor, a ação estatal está presente, com diferenças de
figuram:
74
ii. A definição de prioridades setoriais e de políticas econômicas integrais de
“industrializadora”;
Como já destacado, aos fatores internos acima descritos devemos somar os fatores
política econômica interna ali implantada. O autor alega não estar em busca de um
“modelo”, como era a intenção explícita dos outros autores já abordados. Não obstante,
“O elo condutor de toda sua obra foi a busca incessante de níveis de competitividade
internacional sustentáveis” para os países da América Latina (Suzigan et al, 2003: 4). E,
então, orientar a agenda política econômica dos países latinos, na medida em que fosse
Entre os seis autores abordados neste capítulo, Fajnzylber é aquele que aponta o
75
não é exaustiva23 e, além disto, o autor não examina em que medida até mesmo alguns
dos “fatores internos” por ele apontados somente fazem sentido em um contexto
ao longo todo o processo de industrialização. Este contexto repressivo, por sua vez,
parece ter guardado profunda relação com a presença japonesa e americana na península,
como veremos nos próximos capítulos. Mas esta relação não é examinada pelo autor.
Por outro lado, como o autor identifica uma “vocação industrial” no Estado e na
Estado e do empresariado do país, fica a impressão de que estes atores possuem tais
político já esgotado, sem importância analítica atual. Mas o Estado coreano foi criado
sob ocupação militar americana e, ademais, se financiou durante mais de uma década
Fajnzylber. De forma análoga, a burguesia nacional coreana foi criada sob o jugo
colonial estrangeiro (japonês). Qual o impacto desta peculiaridade sobre suas formas de
tese de que o contexto internacional em que se inscrevia a Coréia é tão específico e tão
23
Cada um dos fatores merece apenas algumas linhas de seu artigo clássico “La Industrialización
Exportadora del Sudeste Asiático”. No total, a apressada análise do autor acerca do “contexto
internacional” por trás da industrialização do Sudeste Asiático ocupa apenas cerca de 4 páginas do referido
artigo.
76
rico em desdobramentos no dia-a-dia político sul-coreano que, na realidade, a
ser inversa àquela dos seis autores aqui analisados: primeiro deveríamos empreender
uma análise mais ampla do ambiente internacional, somente depois deveríamos analisar
tal contexto.
77
78
CAPÍTULO 3 — Dependência e Crescimento: Elementos do
Contexto Geopolítico da Industrialização Coreana (1894-1997)
79
80
3.1 – Introdução:
âmbito da postulação dos fins coletivos aos quais se prestaria a acumulação material.
a modelos formais.
Partindo desta premissa, nossa tarefa neste capítulo será a de examinar algumas
Convém frisar que não esperamos esgotar o assunto. Nosso intuito é apenas
demonstrar, com evidências bastante palpáveis, que várias das políticas econômicas
81
cruciais ao deslanche do salto sul-coreano estiveram, na verdade, inscritas em um
Coréia durante os anos 1950, além dos significados de curto e longo prazos dessa
política; 4) a contribuição das reparações de guerra pagas pelo Japão à Coréia nos anos
Note que nenhum dos autores analisados no capítulo anterior sequer enumera todos
estes elementos. É verdade alguns destes tópicos se fazem presentes, eventualmente, nas
análises de alguns dos autores analisados. Por exemplo, Anne Krueger faz um
outros cinco pontos. Otaviano Canuto, por sua vez, faz um tratamento detalhado do
papel japonês na crise da dívida e, de modo mais indireto, da importância dos “Euro-
mercados”. Mas deixa ausente a discussão sobre os demais cinco pontos. Já Fernando
24
Apesar de cometer uma omissão importante: não examinar os impactos fiscais deste fluxo de ajuda.
82
Fajnzylber, ao seu turno, enumera várias das implicações da benevolência norte-
tratamento que ele confere ao tema é bastante superficial e, ademais, ele negligencia os
dos sete fatores listados. Procuraremos argumentar que cada qual é relevante em um
processo analisado, caberia unicamente fazer menção a tal elemento facilitador. Porém,
coreano parece ter sido caracterizado mais por vendavais que conduziriam o povo sul-
coreano, para seu azar ou sorte, a novos horizontes — e por periódicos acertos geo-
83
estratégicos, por vezes bastante escusos, entre facções da alta tecno-burocracia
peninsulares e seus aliados estrangeiros —, do que pela “boa gestão” identificada pelas
dependência de um pequeno país ante nações muito mais avançadas. Dependência esta
que esteve, sim, associada a um enorme progresso material no país. Mas este progresso
terceiro milênio antes de Cristo. O povo coreano se destaca, neste contexto, pela sua
Entre 1392 e 1910, o país foi governado por uma única dinastia, os Yi, em um
estilo chinês, chamados na Coréia de yang-ban25. Para reafirmar sua posição social, um
filho da yang-ban precisava receber uma educação longa e dispendiosa, que permitiria
25
Literalmente, o termo significa “duas ordens” (civil e militar), mas uma melhor tradução seria
“nobreza”.
84
que obtivesse sucesso nos exames para o serviço civil do reino. Uma vez aprovado neste
exame, de natureza humanística e literária, o indivíduo estava apto a ser indicado pelo
locais de poder, a monarquia promovia um rodízio sistemático dos mandarins pelo país.
Cada cargo tinha um mandato curto e fixo e, expirado este, o mandarim era indicado
para o serviço em outro lugar. Ele era o grande chefe local: zelava pela ordem, punia e
qual era o grande instrumento de poder. O país era dominado, portanto, pelo que se
poderia chamar de burocracia agrária, pois havia todo um intricado sistema burocrático-
estatal, mas este repousava sobre uma base unicamente agrícola (Cumings, 1997: 72-73).
por último, os comerciantes (Song, 1990, cap. 3). No fim do século XIX, a Coréia não
possuía grandes cidades comerciais e nenhuma classe comercial merecedora de tal nome
26
Sábio é a categoria que engloba elementos da classe letrada e titulada que, por opção deliberada ou por
força das circunstâncias, não estava diretamente engajada no serviço público. Eram principalmente
professores, mas a categoria comportava, também, aqueles que direcionassem a vida unicamente ao
cultivo das virtudes intelectuais. Eram os sonbi, em coreano: letrados que recusavam todos os títulos e
signos de poder para uma vida de estudo e ensino, preferencialmente adotando uma rotina frugal nas
montanhas, encarnando o mais virtuoso comportamento na escala tradicional de valores da antiga Coréia
(Keum, 2000: 53-62).
85
Ocidente significaria inevitáveis transformações. O “País Hermitão”, como era então
apelidado pelos viajantes de outrora, começava a ser infiltrado por levas de missionários
redistribuição de terras. Com grande rapidez, o Tonghak tomaria boa parte do sudoeste
do país, deixando o último monarca coreano, o Rei Kojong, absolutamente sem ação.
É neste contexto que a Coréia pede ajuda à China para conter a rebelião — isto
pode parecer estranho, mas uma convenção do século XVII estabelecia que a Coréia era
um estado “vassalo” da China, razão pela qual o seu Rei, apesar de na prática gozar de
ao Imperador Chinês que, portanto, lhe devia socorro —. A China fornece ajuda, mas os
Em 1894, o Rei Kojong é retirado de cena pelos japoneses e retorna ao poder, sob
bênçãos nipônicas, seu pai e antigo Regente do reino, Ha-Ung Yi, mais conhecido como
japonesa. Este processo culminaria com a colonização formal do país pelo Japão em
Aqueles que visitavam a Coréia neste dramático período eram unânimes em seu
ponto: entre 1880 e 1950, ninguém previa prosperidade para a Coréia. Em 1888, por
exemplo, o norte-americano Percival Lowell publicou o livro The Soul of the Far East.
86
Nesta obra, Lowell revela uma desesperança taxativa, um sentimento dominante entre
“Se estes povos continuarem em seu velho curso, sua carreira terrestre
está terminada. Tal como a manhã se torna tarde, tão seguramente estão
as raças do Distante Oriente, se nada mudar, destinadas a desaparecer
ante as nações do Ocidente que avançam.” (Lowell, 1888, último
parágrafo, minha tradução).
Por muitos séculos, a Coréia estivera materialmente muito à frente das nações
ocidentais. Por exemplo — apesar disto ser muito pouco divulgado entre nós —, a
primeira impressão com tipos móveis de metal data, na Coréia, do distante ano de 1234,
exemplos como este. O primeiro pluviômetro — uma ferramenta muito útil em um país
onde o arroz era a base da alimentação — foi inventado na Coréia em 1442, enquanto
no Ocidente, sua “re-invenção” por Gastell data de 1639. A Coréia tem, de tal modo, os
a Coréia, muito mais apegada aos valores do velho mundo chinês do que, por exemplo,
o Japão, se revelaria fadada a ser atropelada por esta mudança de maré. É neste contexto
27
Quanto a este tema, veja: Covell, Jon Etta Hastings Carter. Korea’s Colorful Heritage. Seul: Si Sa
Yong O Sa Publishing, 1986.
87
meu principal objeto de estudos, não estou de modo algum despida de
esperanças quanto a seu futuro [...]. Duas coisas, entretanto, são
essenciais:
I. Que, como a Coréia é incapaz de reformar a si mesma a partir de
dentro, ela precisa ser reformada a partir de fora.
II. Que o poder do soberano seja posto sob freios constitucionais
estritos e permanentes.” (Bishop, 1905, capítulo XXXVII, minha
tradução, grifos meus)
da Coréia ao Japão. Mas não sem traumas. Outro viajante, o britânico Arnold Henry
“Pobre Coréia! Um triste dia chegou para ti! Tu, que eras tão atraente,
por ser tão singular e reservada, jamais verás novamente aquela calma
que sempre fora o anseio de teus patrióticos filhos! Muitos males estão
agora atrás de ti, porém, de todas as grandes calamidades que poderiam
te suceder, não concebo nenhuma maior do que a tentativa de te
converter em uma nação civilizada!” (Savage-Landor, 1895, minha
tradução)
A sina dos coreanos daqueles dias não seria mesmo nada afável. Em primeiro
lugar o pesadelo de, subitamente, ter que re-forjar sua perspectiva de mundo que, até
tempos recentes com bastante lucidez, posicionava seu país — um estado tributário
civilização humana (Cumings, 1997:10). Como aceitar, de repente, que sua pátria era
agora nada mais do que uma pequena e pobre nação num rincão distante?
Mas o desafio coreano não era só este. Sua imemorial autonomia nacional havia
sucumbido, sendo o país anexado por uma nação historicamente entendida como
88
receptora de sua cultura; nunca o contrário28. O domínio japonês se prolongaria até 1945
Fria, a bipartição do território e, como sabemos, a Guerra da Coréia, entre 1950 e 1953.
Depois deste meio século de dificuldades, seria mesmo muito difícil apostar no futuro
deste antigo país. Assim, uma outra simbólica previsão, desta vez publicada de 1956,
sentimento dos observadores de então sobre o futuro de um país que havia sido
atropelado por décadas de conflitos entre países mais poderosos e que, agora, teria que
quanto este cenário é singular: não possui paralelo em nenhum outro lugar da periferia
do sistema capitalista.
28
Sobre o tema, veja: Huh, Donghyun. The Korean Courtiers’ Observation Mission’s Views on Meiji
Japan and Projects of Modern State Building. Korean Studies, Volume 29, pp. 30-54, 2006.
89
3.3 – A Relevância do Cenário Externo na Industrialização
Coreana:
Em meados do século XIX, cada um dos regimes confucianos da Ásia foi intimado
a uma espécie de encontro com seu passado. Chegara a hora de se despedir de uma
Ópio de 1839-42, inaugurando um período de debilidade que só teria fim com a vitória
dos comunistas em 1949. Logo adiante viria o Japão, com o humilhante episódio da
ocidental —, em 1876. Este processo culminaria com a completa anexação deste país
pelo Japão em 1910, e a poeira só decantaria ali com o fim da Guerra da Coréia em
dos quatro países confucianos efetivamente colonizado por uma potência ocidental, o
começa a ser sentida na política interna vietnamita. Mas só se conclui de fato com o fim
norte-americanos.
90
Como sabemos, entre 1910 e 1945 a Coréia integrou oficialmente o Império
Japonês. Mas qual seria, para este país, o impacto de longo prazo da intervenção
colonial nipônica? Muito se especula sobre qual rumo teria trilhado este país se lograsse
preservar sua independência. Não obstante, para os propósitos deste trabalho este
efetivamente desempenhado ali pelo Japão, mesmo que isto pareça equivaler à absurda
impunemente reeditado.
Com a abertura dos portos em 1876, tem início um período de transição que, como
queda da Casa dos Yi, os russos já haviam criado no país uma fábrica de fósforos, além
uma mina de ouro e uma usina de força, além de estarem engajados na expansão
britânicos, por sua parte, estavam envolvidos com mineração e construção ferroviária.
1980: 17-19).
91
Após a colonização, a presença japonesa continuou crescente (Cumings, 1984: 12-
13). Lá pelos anos 1930, os preparativos para a II Guerra Mundial levariam o Japão a
encorajar a expansão dos zaibatsu em direção à sua principal colônia. O resultado seria
total — de 23% do total em 1930 para 50% em 1940 —. A maioria deste crescimento
hidroelétrica no Norte do país. A maior parte desta produção era encaminhada para a
metrópole colonial. Se, em 1930, ⅓ da produção era exportada, este contingente saltaria
para ⅔ em 1940 (Jones, 1980: 24). Na Figura 3.3.1.1 é possível enxergar com clareza o
quão acelerado foi o ritmo de diversificação da economia coreana nos anos 30.
100%
Participação 80%
percentual de 60%
cada setor na
produção 40%
industrial total 20%
0%
1931 1936 1939
Químicas Alimentícias Têxteis Metalúrgica
Imprensa Outras
Fonte: Viscaíno Jr. (1999), apud Lee, Ki-Baik. Nueva Historia de Corea. Buenos
Aires: Editora Universidad de Buenos Aires, 1988, p. 368.
92
Como corolário das décadas de domínio colonial privilegiando os interesses
Coréia, representando nada menos do que 91% do capital total incorporado no país (Jones,
1980: 25). Neste meio tempo, a aceleração da industrialização sob o jugo colonial também
havia outros 1.300 engenheiros no setor mineiro e 2.600 no setor de serviços não-
15% das terras do país. A contagem oficial apontava para a existência de 166.301 itens
desenhada para ser complementar à de sua metrópole, mas que agora precisaria caminhar
com as próprias pernas, o antigo território coreano foi divido em dois — a República da
resultantes eram bastante distintas e, supostamente, complementares entre si. Por exemplo,
90% da capacidade de geração elétrica do país estava concentrada no Norte, que também
agrícola, florestal e de pesca (Jones, 1980: 27). A Tabela 3.3.1.1 fornece alguns dados
sobre a magnitude desta heterogeneidade que, após 1945, assolaria o governo de ocupação
93
americano na Coréia do Sul. Urgia agora reativar um parque industrial relativamente
estrangeiro com o qual a Coréia, entre 1945 e 1965, sequer manteria relações formais.
entre os dois Estados coreanos, agora em franca competição pelo controle da península. A
guerra provocaria “substanciais danos” a 45% das unidades industriais ainda operantes na
Coréia do Sul. Em Seul, mais de 80% da indústria, ¾ da dos escritórios e mais de metade
das residências acabaria em ruínas. Assim, o patrimônio re-conquistado dos japoneses foi
quase totalmente arruinado (Jones, 1980: 35). Segundo McCune (1983: 115), desde o fim
suprimento acabou sendo deliberadamente cortado com o aumento da tensão entre os dois
países.
Parece razoável, portanto, concluir que o período colonial teria deixado uma
herança capaz de ser subdivida em duas dimensões: uma física e outra humana. O legado
94
japoneses. No entanto, como acabamos de ver, posteriormente à Capitulação Japonesa,
teria havido uma forte desorganização estrutural no parque produtivo coreano, associada à
metades concebidas para operar juntas. Por fim, boa parte daquilo que houvesse resistido a
estes enormes percalços, teria sido majoritariamente dilapidado durante o período entre
1950 e 1953, por conta da Guerra da Coréia. Já no que tange à dimensão humana, a
Todavia, a maioria destes indivíduos teria sido re-empregada, após o fim da ocupação, em
atividades alheias à sua antiga esfera de ação, exatamente por conta da brutal
Mas é preciso estar alerta para o fato de que o impacto da colonização pelo Japão
não se esgota na simples formação de capital. O próprio Leroy Jones (1980: 37), após uma
análise mais cuidadosa, destacou uma faceta objetivamente menos mensurável deste
uma sociedade tradicionalmente organizada. Sob este prisma, o convívio forçado com os
japoneses da Era Meiji deve ter funcionado como uma grande fonte geradora de
questionamento acerca dos modos de ser, pensar e agir tradicionais. Isto teria feito da
na qual a oferta reagia de modo muito incerto à demanda, os preços internos do arroz —
95
exercida pela crescente demanda japonesa pelo produto era enorme. Para completar este
quadro, houve severas secas na Coréia em 1876-77 e 1888-89, atingindo em cheio a então
próspera região agrícola de Chŏlla. Estava criado o cenário para o explosivo crescimento
do movimento camponês Tonghak 29. Vila após vila, a região de Chŏlla cairia nas mãos de
próprio território, solicitou ajuda chinesa. O Japão acabou intervindo e eclode a Guerra
Sino-Japonesa, que termina com a derrota chinesa. Em 23 de julho deste mesmo ano, os
japoneses entram no palácio real coreano, forçando Kojong a devolver o poder a seu pai, o
Grão Príncipe30, que fora Regente durante infância do de seu filho. Paradoxalmente, o
poder, o status “hermitão” do reino — cultivado desde que o país repelira, com muito
afastamento do Rei Kojong — seria, segundo Viscaíno Jr. (1999), o momento exato em
Reforma Kabo31, conduzida sob agressiva tutela nipônica. Entre as medidas da reforma,
figuravam:
29
Tonghak significa “Aprendizado Oriental”.
30
Em coreano, Taewŏn’gun. O nome do Grão-Príncipe era Ha-Ung Yi.
31
Note que este pacote de reformas também aparece na bibliografia como Reformas Kap-o ou Reformas
Gabo (ou coisa parecida), o que pode gerar muita confusão. Todos estes termos são, na verdade, formas
distintas de romanizar a pronúncia coreana dos ideogramas utilizados para representar, no tradicional
calendário sexagesimal, o ano de 1894.
96
Foi feita uma reforma fiscal gerida por um ministério das finanças. O exército
iii) Uma reforma política: foi dada autonomia ao poder judiciário e a tortura
foi proibida.
trabalho escravo foi proibido. Foi instituída uma limitação etária para casamentos.
foram obrigados usar cabelos curtos, eliminado sua função distintiva estamental.
— um antigo prazer ocidental que, séculos antes, havia se tornado chic entre a
troca na Coréia.
no país, promovendo a dissolução das bases da sociedade que por vários séculos
Mas Kojong, o último elo de uma corrente de 26 Senhores da Casa dos Yi, ainda teria
97
Em 11 de fevereiro de 1896, marinheiros russos, ajudados por oficiais coreanos,
conseguem raptar o último rei coreano, que os acompanha voluntariamente. Nada podia
ser feito no Estado de Chosŏn sem o sinete real. A Rússia dominara o Estado coreano
com apenas uma jogada (Cumings, 1997: 122). Eclodiria, assim, a Guerra Russo-
Japonesa, que também acabaria sendo vencida pelo Império do Sol Nascente, permitindo
estrangeiro, desde que preservassem algum poder paroquial (Cumings, 1997: 150-152).
filial do japonês First Bank, primeira instituição bancária moderna na Coréia. Pouco
depois, em janeiro de 1891, seria aberta no país uma filial da japonesa Imperial Life
protetorado, os japoneses criariam o Bank of Korea, que mais tarde viraria o Banco de
Chōsen32 (em 1911). Esta instituição seria o primeiro Banco Central Coreano, retirando
do First Bank o direito de emitir moeda. Em junho de 1918 seria criado o Banco
32
Chosŏn em japonês.
33
Informações obtidas junto ao sítio da Korea Financial Supervisory Commission.
98
Para Dennis MacNamara (1990: 50-51), foi instituído na Coréia um capitalismo ao
central. Este autor argumenta que o padrão coreano de articulação entre o capital privado
e o Estado seria uma herança do modelo de administração colonial ali implantado. Neste
capitalismo coreano, era uma mera questão de sobrevivência para o capital nacional,
colonial japonesa gozava de uma enorme autonomia ante a grande maioria dos setores
sociais da península, constituindo assim um protótipo daquilo que viria a ser o forte
Aliás, o próprio termo chaebŏl nada mais é do que a pronúncia coreana para os dois
ideogramas que, em japonês, são lidos como zaibatsu (um denotando “propriedade” ou
famílias coreanas que haviam adquirido destaque nos negócios sob o jugo colonial — os
destas famílias, o autor desvenda o processo pelo qual surgiriam características que
99
elevado de concentração de capital, ou uma forte disposição a participar da
sobreviveria à descolonização e à Guerra da Coréia. Mas isto não deve, de modo algum,
disto, durante este período teria se configurado um ambiente de negócios que marcaria
Mundial, a Coréia do Sul foi governada por autoridades militares americanas. Durante este
breve período seriam enfrentadas ali, de supetão, duas questões cruciais: a necessidade de
Assim como na ocasião das amplas e súbitas Reformas Kabo do século XIX,
34
Note que o ambiente em que as autoridades americanas decidem empreender a Reforma Agrária na
Coréia é de profunda efervescência (isto será destacado no próximo capítulo). É muito razoável pensar
que, não fosse por toda esta agitação, não teria sido tão amplo o programa de redistribuição de terras
concebido pelos militares americanos. Não obstante, tal reforma independeu completamente de
deliberações políticas internas — afinal, o país estava ocupado e governado por uma força estrangeira —.
100
Segundo Shannon McCune (1948: 132), a Lei Número 173, expedida pelo governo
A extensão das terras e das pessoas envolvidas era enorme. Os lotes compreendiam
eram então arados por 587.974 famílias, representando nada menos que 43,5% de todas as
simples e flexível. O preço de compra era fixado em três vezes o rendimento anual médio
do principal produto cultivado no lote. O pagamento devia ser feito em espécie, mas podia
ser efetuado em um período de 15 anos; ou num período ainda maior no caso de quebras
de safra. Os rendimentos com a cultura secundária não eram computados no preço do lote,
estimulando então a diversificação. Para evitar a concentração, cada família podia adquirir
apenas 4,9 acres. Se a família já possuísse terra, de qualquer forma não poderia acumular,
após a nova compra, mais que os 4,9 acres (McCune, 1948: 132).
35
Retirado e traduzido de McCune (1948:132), apud “The Farmers’ Weekly [Nong Min Jo Bo]”,
Exemplar Número 95, de 1/04/1948, publicado pelo Departamento de Informação Pública, Governo
Militar Americano na Coréia.
36
Cada acre compreende 4.046,8564224m².
101
Conforme mencionamos quando, no capítulo anterior, discutimos a contribuição
de Anne Krueger, os resultados finais da Lei Número 173 foram excelentes. A reforma
agrária logrou distribuir cerca de 487.621 acres, vendendo-os a 502.072 famílias. Este
96% daquilo que havia sido propriedade japonesa. Mas o impacto desta política acabaria
sendo ainda maior. Como a Constituição elaborada pelos americanos previa a realização
de uma reforma agrária nas terras ainda possuídas pela aristocracia, entre 1949 e 1953 a
maioria dos aristocratas colocaria à venda enormes parcelas de suas terras, temendo o
baixo valor das indenizações a serem pagas pelo governo. Isto teria produzido uma
Outro legado crucial dos generais americanos à Coréia foi o forte esforço de
quando apresentamos a obra de Anne Krueger —. Na verdade, entre 1945 e 1958, o que
o comando militar fez foi extrair o máximo rendimento de uma antiga inovação coreana.
aclamado entre os lingüistas pela simplicidade de seu aprendizado (King et al, 2000: 24-
palavras estrangeiras, pois a escrita ideográfica nada dizia sobre o som de uma palavra,
educação de seus burocratas. Contudo, à época de sua concepção, este sistema de escrita
37
O título do manual em que o alfabeto foi publicado é Hunmin Chǒng’ŭm, que significa “Os Sons
Corretos para a Instrução do Povo”
102
foi fortemente repudiado pela elite letrada coreana, apegada ao sistema de escrita
tradicional chinês, cujo monopólio era exatamente a grande fonte de seu poder. O
valiosa à edificação da moderna Coréia, cinco séculos mais tarde. Anne Krueger não
empreendido pelo governo de ocupação, foi possível fazer com que a taxa de
em um conflito armado. Nele também tomariam parte os Estados Unidos e seus aliados
(1997: 234). E, além deles, a República Popular da China — com seu exército popular
milhões, ante uma população de cerca de 30 milhões para as duas Coréias! Apesar de
38
Este sistema de escrita possui 14 consoantes e 10 vogais, todas de traçados geométricos mais simples e
com muito menos variações de traçado do que as nossas letras latinas. O sistema Han’gŭl representou uma
janela à democratização da escrita na Coréia, ante um sistema ideográfico clássico chinês que exigia a
memorização de milhares de símbolos.
103
ser esta uma guerra ainda muito pouco debatida, cerca de 1,8 milhão de americanos
participaram do esforço militar, sendo que 36.576 viriam a falecer (Halliday et al, 1988:
200-201).
volume muito maior do que no Vietnã, mas gerando muito menos repercussão por conta
civis—; cogitou-se seriamente e ameaçou-se com vigor promover uma chuva de bombas
nucleares e armas químicas, objetivando criar um deserto radioativo que, por 60 anos,
Após 158 reuniões que se estenderiam por dois anos e dezessete dias, seria
finalmente assinado um armistício. Este acordo, apesar de ter posto fim aos
enfrentamentos, não pode ser considerado como um tratado de paz entre as duas Coréias,
uma vez que a divisão do território era o resultado de uma disputa internacional muito
39
Mais detalhes sobre este plano do General Mac Arthur, e sobre os demais horrores desta guerra podem
ser encontrados num artigo recente de Bruce Cumings: “Mémoires de feu en Corée du Nord : Quand les
Etats-Unis détruisaient un pays pour le sauver”, publicado no Le Monde Diplomatique, pp. 22-23,
dezembro de 2004.
104
intricada. Esta envolvia diretamente, além destes dois países, a China, a Rússia e os
Estados Unidos (Ahn, 1980: 1098-100). É neste contexto tenso que os Estados Unidos
Coréia.
Antes de prosseguirmos à análise dos efeitos práticos desta ajuda para a economia
tantos solavancos, coreanos de todas as classes haviam sido deslocados de seu nicho
(Cumings, 1997: 301). Assim, o outro lado da moeda desta circunstância tão drástica
ordem estamental, iniciado com a Reforma Kabo. Feito este comentário, podemos
Segundo Yoon-Je Cho (2001: 118-119) a Coréia teria recebido, entre 1946 e 1978,
ajuda militar e econômica da ordem de US$ 12,6 bilhões. Isto faria dela o país a receber
o maior contingente de auxílio externo no mundo, especialmente nos anos 50. Somente
em 1956, a Coréia teria recebido US$ 330 milhões em assistência econômica e US$ 400
milhões em ajuda militar. Se somarmos a este contingente o valor gasto ali por soldados
equivalente à metade do PIB coreano deste ano. Na Tabela 3.3.3.1 é possível verificar
alguns dados acerca da rubrica econômica da ajuda — ou seja: nela não está computada
105
a ajuda militar, nem os gastos dos soldados americanos no país —, entre 1955 e 1961.
Verificamos que o valor das doações anuais teria oscilado ao redor de 10% do PIB.
O recebimento de recursos a fundo perdido desta ordem, por vários anos, sem
Outrossim, é preciso penetrar ainda mais profundamente nos fatos relativos a estas
A ajuda econômica era concedida sob a forma de produtos doados pelos EUA ao
governo coreano. Parte destes produtos era então revendida internamente a preços de
mercado, gerando assim uma importantíssima receita fiscal para o Estado coreano. Esta
estrutura física e estatal do país. Por exemplo, a construção de edifícios para as escolas
com esta preciosa arrecadação adicional (Cho, 2001:119). Na Tabela 3.3.3.2 é possível
coreano. Note que a revenda das doações americanas responderia, em média, por 45,5%
106
TABELA 3.3.3.2– Receita Fiscal e Ajuda Econômica Externa, 1957-1961
1957 1958 1959 1960 1961 Média
(1957-61)
Receita Fiscal 100 100 100 100 100 100
Receita Fiscal 28,1 31,0 48,5 51,5 30,4 37,9
Gerada
Internamente
Receita Fiscal 52,1 51,1 41,5 34,6 48,5 45,5
Associada à Venda
de Doações
Externas
Outras (Fabricação 19,8 17,9 10,0 13,9 21,1 16,6
e Vendas de
Cigarros e
Ginseng +
Empréstimos)
Fonte: Cho (2001: 122) apud Lee, Sung-Yoo, The Korean Economy and U.S. Aid
[Hanguk Gyungje-wa Miguk Wonjo]. Donga Publishing Co., p. 145, 1962.
chegou a níveis consideráveis durante o período entre 1953 e 1961. Isto dificilmente
donativos. Além delas, o Estado coreano recebia doações que utilizava diretamente em
suas atividades —como remédios —. Neste caso, a magnitude da ajuda não é captada
pelo lado da receita com revenda. Na Tabela 3.3.3.4 é possível verificar o peso da
chamada “Conta Especial para Reconstrução Econômica”, que compreendia este tipo de
107
TABELA 3.3.3.3 – Arrecadação Fiscal e PNB, 1953-1961
Para se ter uma real dimensão do impacto da ajuda externa na economia coreana
dos anos 1950, é preciso reter que esta equivaleria a um volume anual de doações de
cerca de US$ 45 bilhões para uma economia com o tamanho daquela que a Coréia
possuía em 2002 (Cho, 2001: 120). Assim, torna-se mais clara a razão que teria
108
poupança durante os anos 1950. Na Tabela 3.3.3.5 é possível examinar atentamente
estes dados.
também foi o alvo de nossas atenções. Vimos que esta autora reconhece a existência
“modelo coreano” — note que a importância que viria a ter este Estado é reconhecida
40
Os dados do crescimento coreano foram apresentados no Capítulo I.
109
É somente a partir do momento histórico sobre o qual acabamos de nos debruçar
que volta a fazer sentido falar em escolhas políticas efetuadas pelos próprios coreanos,
enfim capazes de ensaiar alguma influência direta nos rumos da modernização do país.
Pois, até aqui, todos os passos críticos que preparariam terreno para o boom que logo
convenha retomar: 1) a abertura dos portos foi imposta pelo Japão, 2) as reformas
antiga sociedade estamental foi produto da guerra. Aparentemente, entre 1876 e 1953,
os coreanos foram sistematicamente atropelados por uma história que, para seu azar ou
cultural.
recursos externos que, por um lado, tornariam possível a rápida reconstrução de seu
ancestral Estado nacional, mas, por outro, implicariam a renúncia de qualquer milímetro
retomar a brilhante metáfora de Furtado, a face do deus Jano, que tanto olha para frente
110
quanto para trás.41 Configurara-se o subdesenvolvimento enquanto um impasse histórico
estruturalmente perenizado. Impasse este que, se é verdade que conviveu até aqui com
Mais grave ainda é este dilema quanto estamos falando de um povo que, sugestivamente,
aeroportos, nas minas, nas fábricas, forneciam dinheiro, eletricidade, know-how, e até
cultural americana era ‘excessivamente forte’, cobrindo desde bolsas de estudo nos
Estados Unidos, até a forte presença missionária, até os‘cinemas ambulantes’ e salas de
(Cumings, 1997, p. 255, minha tradução) É neste contexto, tão árido à germinação
daquilo que Furtado definira como uma “vontade coletiva” consistente, que a Coréia se
41
Furtado, 1992, p. 57.
42
No calendário oficial da Coréia do Norte, esta data não é um feriado.
43
Rádio e Televisão oficial mantida e controlada pelo governo federal norte-americano, oficialmente
comprometida com a “diplomacia pública”. A programação é difundida em dezenas de línguas, inclusive o
coreano.
111
3.3.4 – A Participação Coreana na Guerra do Vietnã e a
Transubstanciação da Ajuda Americana:
1945, o Vietnã, outra antiga sociedade confuciana, esteve sob domínio formal
Vietnã.
popularmente conhecida como Guerra do Vietnã, que seria travada entre 1959 e 1975. O
também com o apoio da Frente Nacional pela Liberação do Vietnã do Sul — os famosos
Việt Cộng —. O objetivo de ambos era a reunificação do país sob um governo socialista
encabeçado por Ho Chi Minh — que era muito popular também no sul —.
112
ou Vietnã do Sul —. Com a eclosão do conflito, os EUA tomariam partido, claro, do sul
baixas americanas em decorrência desta guerra, mas cerca de 58.00045 seria talvez uma
boa estimativa.
Além dos Estados Unidos, alguns outros aliados americanos coadjuvantes também
seriam contabilizadas algo como 470 mortes. Já na República da Coréia, foco de nosso
Note que República da Coréia teria sido, dentre todos os países diretamente
127).
Coréia do Sul, Winthrop G. Brown. Mediante o acordo ali celebrado, os Estados Unidos
113
origem sul-coreana em contratos de fornecimento e serviços relacionados à guerra e, 5)
preencheria, assim, a lacuna aberta. Entre 1962 e 1969, os dados deixam claro que as
A importância da guerra enquanto fonte de recursos externos fica ainda mais evidente se
47
Já mencionamos isto quando apresentamos o trabalho de Anne Krueger. A autora afirma que, entre
1960 e 1965, teria início uma fase de transição, culminando com o fim completo da ajuda econômica em
1972 (Krueger, 1982: 80-82, 152)
114
retivermos que, a todas as rubricas apresentadas na tabela, ainda devemos somar a ajuda
contribuição de vários teóricos — como, por exemplo, Anne Krueger —, que trabalham
com a hipótese de que a “ajuda” teria estancado nos anos 1960. Ora, para estes autores o
fim da ajuda econômica teria levado o governo Park Chung Hee (1963-1979) a adotar
No entanto, estas contribuições falham em não perceber que o Vietnã teria aberto aos
115
Claramente, é somente em vista deste novo e singular contexto internacional, muito
Vietnã. Os dados demonstram, por exemplo, que as exportações de ferro e aço, cuja
parca competitividade era atestada por representarem apenas 1,7% das exportações
totais coreanas, bateriam recordes de exportações ao Vietnã, que absorveria 94,3% das
exportações do setor. Como mostra a tabela, este curioso fenômeno se repetiria em sete
outros setores. Em direção contrária estava o setor agrícola que, responsável por 13,6%
116
Mas o rol de negócios coreanos deliberadamente privilegiados pelo “Memorando
Brown” transcenderia em muito o domínio dos oito setores acima listados. Um outro
caso paradigmático seria o setor de construção civil, no qual a Coréia detém atualmente
uma enorme capacidade competitiva. Nem sempre foi assim. No projeto de construção
encarregada da obra (Cho, 2001: 128). Em pouco tempo, a Hyundai venceria outros
cujos containeres podem ser avistados hoje em qualquer grande porto do mundo,
Fica claro que muitas empresas coreanas tiveram nos contratos decorrentes do
ao mundo, mesmo sem ter maturidade para alçar tamanho vôo por si mesmas. O
“Memorando Brown” lhes havia garantindo uma preciosa fatia de mercado por 15
longos anos, adicionando ao seu portfólio ninguém menos que o maior cliente do mundo,
compara a “performance” exportadora coreana com aquela ostentada pelos países latino-
contexto internacional muito particular, tendo encontrado abertas muitas portas que para
117
3.3.5 – A Normalização das Relações Nipo-coreanas: Contribuição ao
Equilíbrio Externo e Apoio ao Desenvolvimento da Siderurgia Coreana:
pela negociação das reparações de guerra devidas pelos japoneses aos coreanos. Com o
relacionamento mais próximo com os antigos invasores nipônicos. É neste contexto que
pontos, quais sejam: 1) concluía a reabertura das relações diplomáticas entre os dois
países 2) tornava nulos os tratados entre o Japão e Chosŏn, firmados antes de 1910,
das Nações Unidas, o mútuo desejo de perseguir o bem-estar dos dois países, assim
tráfego aéreo entre os dois países, 7) esclarecia que o tratado entraria em vigor tão logo
48
Este tratado é facilmente encontrado na Internet.
118
E é precisamente nos “instrumentos de ratificação” que estaria a questão
por 40 anos, até serem finalmente liberados em janeiro de 2005 — geraria recentemente
industrialização.
nipo-coreanas.
49
Sobre a polêmica gerada, veja o artigo "Declassified Documents Could Trigger Avalanche of Lawsuits",
Chosun Ilbo, 17/01/2005.
119
Da perspectiva atual, um pacote envolvendo uma captação de divisas da ordem de
US$ 800 milhões não parece tanto assim. Contudo, para uma economia com as
dimensões possuídas pela coreana em 1965, o pacote era vultuoso. Na Tabela 3.3.5.2 é
reparações oficiais iriam perdendo ano a ano e, logo, não dariam mais nenhuma
120
investimento direto japonês, veremos que o impacto do acordo de reparação equivaleria
a 23% das exportações coreanas deste qüinqüênio. A Tabela 3.3.5.3 fornece estes dados.
Além deste claro aporte, há ainda outro fato relevante quanto aos termos do acerto.
Desde o início de seu governo, Park tinha recebido sucessivas negativas americanas a
um recorrente pedido seu: financiamento para a usina siderúrgica que almejava construir.
231). Começando a operar em abril de 1968, bem no auge dos combates travados no
50
Note que, como já dissemos mais de uma vez neste trabalho, esta era o momento exato em que os
Estados Unidos reduziriam sua “ajuda econômica” que, segundo Anne Krueger (1982: 80-82, 152), seria
completamente extinta em 1972.
121
Vietnã51, a POSCO — Pohang Iron and Steel Company — estaria praticamente fadada
automaticamente, seus eventuais déficits com parceiros comerciais. Neste contexto, nos
seria, nos anos 1970, a ampliação de um circuito financeiro denominado em dólar, fora
dos Estados Unidos. Com isto se permitiria que os detentores de reservas em dólar
crédito internacional fundado em fontes privadas e nos bancos multinacionais. Esta nova
51
Note que o “Memorando Brown”, analisado detalhadamente na seção anterior, havia aberto um fabuloso
mercado para o aço coreano no Vietnã.
122
Em 1973, o governo coreano designaria as indústrias química, siderúrgica, de
colossal apoio financeiro externo. Se, como vimos, era inútil esperar apoio dos
da Coréia captar uma enorme quantidade de recursos a juros bastante compatíveis. Nas
volume deste tipo de financiamento durante os anos 1970. Entre 1976 e 1979, por
exemplo, o país teria ficado atrás somente — entre os países do chamado Terceiro
52
Veja, por exemplo, o relatório 332-KO, emitido pelo Banco Mundial no ano de 1976 e intitulado
“Current Economic Position and Prospects of the Republic of Korea”, página 64. Nele, a instituição deixa
claro considerar irreais os planos do governo coreano, acusando-o também de subestimar o potencial
exportador das indústrias leves.
123
TABELA 3.3.6.1 – Empréstimos no Euro-mercado, Países Selecionados, em
Milhões de US$, Janeiro de 1976 a Dezembro de 1979
Volume Participação
124
Segundo Yoon-Je Cho (2001: 133), apenas uma ínfima parcela de 2,7% deste
absorvida pelo sistema financeiro coreano. Contudo, este sistema financeiro teria
menos naquilo que tange à segunda metade dos anos 1970, a grande maioria teria sido
Ainda segundo Cho (2001: 134), o grosso dos bancos que então concediam
este autor, nada menos que 80% de todos os empréstimos à Coréia do Sul era então
não permitiria um colapso financeiro na Coréia teria encorajado a rolagem desta dívida.
Quando a situação externa se acalmou, após 1976, a participação dos bancos americanos
declinaria ante àquela dos japoneses e europeus. Não obstante, com a nova piora
sua presença.
controle, uma autonomia relativa em relação ao governo americano naquilo que tangia
125
primeira vez, a estabilidade das contas externas coreanas não dependeria diretamente,
no curto prazo, de nenhum intricado acerto geo-estratégico. Além disto, a vida política
“de gestão”.
É o contexto acima descrito, então, que começa suscitar análises como a de Alice
Amsden, que apresentamos no capítulo anterior. Na argumentação feita pela autora, que
ação. É preciso estar atento, porém, para o quão específico fora o contexto histórico por
trás deste aumento relativo no grau autonomia do país — específico mesmo no âmbito
rol de políticas. Todavia, é preciso reter que, mesmo neste momento tão peculiar, a
autonomia coreana só podia ser exercida dentro de determinados limites — por exemplo,
a presença de tropas americanas era condição clara para a supressão das oposições ao
regime e, então, as autoridades americanas tomavam parte, dia após dia, de importantes
126
3.3.7 – O Japão e a Crise da Dívida dos Anos 80: a Aterrissagem Adiada e
Suavizada da Economia Coreana:
capitalista. Trata-se da brusca elevação dos preços do petróleo, especialmente nos anos de
1973 e 1979. Nesta ocasião, os preços deste produto crucial se descolariam de seu patamar
1974. Deste último ano até 1978, os preços do petróleo oscilariam entre US$ 12 e US$ 15.
Aí voltariam a aumentar, em 1979, até que o barril atingisse o pico de US$ 37 em 1981.
perversa. A Libor evolui, então, do patamar de 5% ao ano antes do choque para uma faixa
entre 8 a 10% entre 1974 e 1978. A partir daí, a trajetória desta taxa torna-se insólita,
Como resultado desta conjuntura adversa, a Coréia — que, como vimos na seção
anterior, havia se endividado bastante nos anos 1970 — enfrentaria severos solavancos.
Em 1978, a dívida externa sul-coreana era equivalente a US$ 18 bilhões. Poucos anos
53
Sobre o impacto dos solavancos deste período para a periferia veja: Sunkel, O.; Griffith-Jones, S. O Fim
de uma Ilusão: as crises da dívida e do desenvolvimento na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1990.
54
Sobre este movimento das finanças internacionais veja: Parboni, R. The Dollar and its Rivals. Londres:
Verso, 1980.
127
depois, em 1983, a Coréia já acumularia uma dívida externa de US$ 44 bilhões. (Cumings,
1997: 273).
com o Japão se revelaria extremamente “benigna”, para usar um terno de Otaviano Canuto.
Assim, como elucida Bruce Cumings (1997: 335), o governo Japonês ofereceria à Coréia
1983.
Além deste precioso pacote de salvação feito neste momento crucial, a proximidade
com o Japão também renderia à Coréia outras vantagens. Neste contexto, a Coréia
PIB em 1979 para enormes 53,9% do PIB em 1985. Porém, dali adiante, com a conclusão
dos grandiosos projetos da indústria química e pesada iniciados nos anos 1970, a Coréia
Assim, a dívida externa cairia para 29,5% do PIB já em 1987 (Canuto, 1994: 111). A
japonês. Como o governo japonês concordara com a apreciação do Iene ante ao Dólar, a
128
estrategicamente, como o refúgio perfeito para a indústria exportadora japonesa. Indústria
Neste contexto, o Estado coreano estaria apto a atravessar com saúde financeira a
permitiria retardar por mais algum tempo o abandono do rol de políticas ativas de
Isto não significa, porém, que o governo coreano não tenha sancionado o
desmonte total ou parcial, pouco a pouco já desde 1980, dos mecanismos político-
consagrara como “Korea, Inc.”, já haviam sido paulatinamente debilitados durante uma
129
em 1987, o governo teria crescente dificuldade em exercer seu poder discricionário
2004: 201-202).
decisões relevantes para o desenvolvimento do país. Mas com o advento das eleições, a
1997, a aliança entre os empresários e o governo teria que ceder lugar a uma
de Kyongsang (região de origem dos presidentes Park, Chun, Roh Tae-Woo e Kim
este período, então, a Coréia se abriria politicamente para um conjunto de forças que se
Desde o início dos anos 80, a economia coreana daria início um gradual desmonte
de seu sistema econômico voltado, como diria Alice Amsden, para o catching-up,
130
coreano de produtos seria aberto em grau similar ao de países europeus ocidentais até
meados dos anos 1990. Os subsídios aos projetos industriais também cairiam
Segundo Chang (2004: 122) e Shin (2004: 140), seria exatamente este quadro de
sem a paralela criação de algo à altura de substituí-lo, que estaria na raiz da grave crise
enfrentada pelo país em 1997. A onda de globalização não havia significado, assim, a
rumo a etapas superiores. Só o que se teria logrado, então, teria sido a desestruturação
descrito nos parágrafos acima, dois processos distintos parecem se interpenetrado para
sejam:
131
Sua dependência da “incubadeira” representada historicamente pelo
ii. Por outro lado, com o retorno das eleições livres, também nos anos 1990,
132
ou extralegais — de transferência de renda para os conglomerados
O vetor resultante destas duas forças parece ter sido a conjugação de crescimento
acelerado, pelo menos por enquanto, não mais é compatível com dependência.
133
134
CAPÍTULO 4 — Repressão Política e Crescimento: Retomando a
História da Dissidência Coreana (1894-1993)
135
136
4.1 – Introdução:
coreano entre as décadas de 1960 e 1990 suscitou grande interesse acadêmico acerca da
economia deste país. Porém, não obstante o grau de sofisticação e detalhamento atingido
por algumas destas análises, o debate dominante esteve confinado a um grupo de autores
Capítulo 3, que este contexto é peça-chave para que possamos compreender as razões do
Mas há ainda um outro tipo de equívoco em que recaíram todos os autores que
tomaram parte do debate acima: todos partem do pressuposto inicial de que algo de muito
positivo teria ocorrido na Coréia — afinal, é isto que suscita a análise —. Como a
empreendida uma análise mais cuidadosa daquilo que, de fato, estava mudando nas vidas
dos coreanos. Como esta discussão não é trazida à tona, a melhoria linear das condições
de vida daquele povo é ingenuamente admitida como resultado automático das altas taxas
Paul Kuznets (1977). Quando este autor aborda o êxodo rural sul-coreano, ao invés de
tributá-lo, por exemplo, à piora das condições da agricultura familiar coreana durante a
137
Era Park, o autor prefere encarar a situação do campo, implicitamente, como uma
constante. A partir daí, o autor idealiza um Homo œconomicus padrão que, se parte para a
cidade em busca de algo melhor, deve ser por que lá há, de fato, algo melhor. Logo, o
Tal veredicto é proferido, em poucas linhas, sem que o autor sequer se sinta na obrigação
“modelo” ou “milagre”. Pois mesmo nos noticiários vinculados pela grande imprensa
ocidental, não é novidade para ninguém o longo histórico de greves, protestos e respostas
indústria sul-coreana. Contudo, estes episódios não são alvo dos comentários de nenhum
dos autores envolvidos neste debate. O que, então, estaria por trás destes embates?
Por debaixo dos números dignos de nota, como argumentaremos neste capítulo,
onde eleições livres e competitivas inexistiram até muito recentemente. Um país no qual
mercado de trabalho segmentado por gênero, no qual as mulheres — cuja presença como
relativamente pífios. É um país no qual a renda se concentrou, década após década, desde
sentenciados à morte. É um país no qual, por décadas, a liberdade de expressão foi muito
restrita. É um país que, ademais de todo crescimento industrial, convive com a presença
138
permanente de um exército estrangeiro dentro de suas fronteiras nacionais. É um país
cuja dependência econômica, comercial, cultural e geopolítica ante nações muito mais
de uma via pacífica de reunificação do território nacional. Enfim, é um país onde há, sim,
que caracterizaria a resistência às agressões estrangeiras (desde a abertura dos portos sob
pressão japonesa, no último quarto do século XIX, até o governo Syngman Rhee, nos
anos 1940 e 1950, o qual seria marcado pela ocupação americana e pela Guerra contra a
Coréia do Norte). Como argumentaremos, ainda que as demandas sociais tenham, sim,
emergido com força neste período, o alarido por autonomia nacional parece ter sido ainda
mais alto, pois a recuperação da independência parecia ser o item mais urgente da agenda.
Já a segunda, seria tipificada pela resistência ao regime militar, entre 1960 e 1993. Como
veremos, a dissidência à ditadura foi, também, marcada pelo clamor por autonomia
houve uma constante atividade dissidente na Coréia do século XX, 2) havia grupos que se
139
Três outras discussões importantes, quais sejam: 1) a delimitação específica de quais
Compreendemos serem estas últimas questões bastante relevantes para a reflexão sobre a
realizada esta pesquisa impede a abordagem de mais estes assuntos. Fica, então, o
Para os limites deste trabalho, porém, nosso objetivo é apenas assinalar, resgatando
inevitável. Este tratado, como já vimos, conferiria aos japoneses acesso privilegiado aos
agressivo vizinho, o governo coreano negociaria tratados semelhantes com outros países.
Assim, um tratado com os Estados Unidos foi firmado em 1882, outro foi firmado com
Grã-Bretanha em 1883 e, por fim, mais um foi acertado com os russos em 1884. Mas
140
A assinatura deste conjunto de acordos produziria conseqüências extremamente
portuária. Estes gastos somente poderiam ser custeados mediante um aumento nos
produzido no país rumo ao insaciável mercado japonês. O resultado não podia ser outro:
como naquela agricultura, ainda organizada ao molde tradicional, a oferta era muito
rígida, isto ocasionou uma elevação permanente no custo de vida vigente no campo. De
forma análoga, os pescadores artesanais seriam afetados pela presença das companhias
interpenetrada por valores cristãos, que ali chegavam pela ação de missionários católicos
que, por sua enfática defesa da igualdade entre as classes sociais, seria entendido pelas
oriental”, uma religião nacionalista e sincrética criada por Ch’oe Che-U (1824–64). Sua
141
até mesmo, Católicas Romanas. O princípio básico poderia ser traduzido como “homem
e Deus são um só”. E, assim sendo, servir ao povo significava servir a Deus: era
coreano ordenou sua prisão em 1863, e ele foi executado no ano seguinte. Sua morte
debilitou severamente o movimento Tonghak, mas suas idéias não desapareceriam. Nas
décadas seguintes, um lento esforço de propagação da doutrina seria liderado por Ch’oe
quando começa uma onda de protestos que agitaria o mundo rural coreano. Em face da
a rebelião tomaria conta do país e, aldeia após aldeia, as províncias do sudoeste cairiam
distribuição das terras àqueles que as aravam, pelo cancelamento de dívidas, pela
a maior parte de suas milícias. Como já mencionado neste trabalho, a China Imperial
55
Sobre o Tonghak, veja: Hong (1968) e Shin (1979).
142
enviaria suas tropas e, oportunamente, os japoneses enviariam contingentes ainda
coreanos.56
56
Este acontecimento tem um significado ainda mais amplo. Dali em diante, a dominação de classes na
Coréia só se tornaria operacional com a presença constante de forças militares estrangeiras no país.
143
“auto-determinação dos povos” feita pelo presidente norte-americano Woodrow Wilson,
155 e Kim, 1996: 1185-1191). A derrota do movimento seria um divisor de águas na luta
A partir daí a elite se divide em duas facções. Uma delas decide deixar a Coréia,
que eventualmente almejassem, em um futuro ainda não tateável, ver pelas costas os
Mas a luta pela independência também era integrada por ativistas oriundos das
origem, ali, várias formações comunistas encabeçadas por coreanos. Em 1921, várias
144
gratuita e obrigatória, trabalho compulsório para homens e mulheres, emancipação da
Este novo partido reuniria ao seu redor 150 sindicatos e organizações trabalhistas,
do salário mínimo. A Coréia vivenciaria uma nada desprezível atividade grevista durante
os anos 1920, atingindo o seu ápice no biênio 1929-1930. Esta agitação seria reprimida,
porém, com o início dos preparativos para a II Guerra Mundial. No entanto, é possível
concluir que o imperialismo japonês, sem querer, criaria o que mais temia: um
mais do que natural que a ampla maioria dos coreanos enxergasse nas lideranças
República Popular gozaria de fortíssimo respaldo popular. Mesmo para quem enxergasse
145
com desconfiança sua agenda política, era muito desconfortável referendar a
“colaboradores”.
armadilha produzida pela ocupação colonial japonesa: ela havia conseguido tornar
contexto que os americanos se aproximariam da figura ímpar que foi Syngman Rhee:
Syngman Rhee era um membro da mais fina flor coreana, cuja linhagem
libertado em 1904 e segue para os EUA. Lá, como bom yang-ban, prosseguiria seus
estudos até obter o Ph.D. pela Universidade de Princeton. No longuíssimo exílio, Rhee
se aclimataria de forma tão acentuada que desposaria uma austríaca e passaria a assinar
seu nome à moda ocidental, com o nome pessoal precedendo o nome familiar. Entre
exilado em Xangai.
57
Note que o nome “Rhee” é, na verdade, uma diferente forma de escrever em letras latinas o sobrenome
“Yi”, que, como já vimos, é o sobrenome da casa real coreana.
146
de que seu futuro político dependia da derrota do projeto da “República Popular”,
A posse de Syngman Rhee no sul, claro, não seria capaz de acalmar os acirrados
ao novo governo que assumia sob bênçãos estrangeiras, frustrando mais uma vez o
“República Popular”. Todas acabariam, por fim, sendo contidas pelo exército americano.
1948. Ali, rebeldes de inspiração socialista conseguiriam tomar o controle de toda a ilha.
A resposta de Seul seria rápida e violenta: de acordo com Hart-Landsberg (1991: 129),
12% dos habitantes da ilha seria executado, e um terço da população seria conduzida à
movimentos populares de base recuperassem o espaço perdido com estas derrotas. Mas,
sem dúvida, é preciso reter que é neste ambiente socialmente tão agitado —
58
Aí não incluídas, claro, ocupações estrangeiras temporárias.
59
Em Kyŏngsang (do Norte e do Sul), Chŏlla do Sul, Ch’ungch’ŏng do Sul, Kyŏnggi e Kangwŏn.
147
especialmente no campo — que os americanos patrocinariam a reforma agrária coreana,
opositores —, o governo Rhee acabaria perdendo popularidade. Apesar de Rhee ter tido
sucesso em se re-eleger em 1956, a oposição lograria eleger seu candidato, Chang Myon,
para a vice-presidência. Nas eleições de 1960, então, Chang seria um forte candidato.
movimento formado essencialmente por estudantes tomaria conta das ruas, questionando
somente acirraria ainda mais os ânimos. O governo Rhee perderia visivelmente qualquer
momento, então, de uma nova ruptura rumo a formas ainda mais autoritárias de governo.
“purificar a Coréia”.
A conclusão que se pode tirar desta seção é clara: o solapamento das bases de
148
violenta expansão do movimento rural Tonghak. Neste contexto, a aristocracia coreana
não teria muitas opções. Qualquer tentativa de reforma tardia do Estado e da economia
do país significaria maiores gastos públicos. Como as elites locais não estavam dispostas
a perder, o peso recairia fatalmente sobre o homem do campo, que já havia mostrado que
não poderia conceder mais. A única saída para o impasse seria a vitória de um
aristocracia, que perde o controle do território, mas logo seria incorporada aos lucrativos
das relações diplomáticas contra o Japão e, de modo mais genérico, contra a situação
opressiva vivenciada pelas classes dominadas. O governo cai, mas, novamente, os norte-
149
4.3 – O Regime Militar e sua Contestação Popular: 1960-1993
Com a queda de Syngman Rhee em 1960, tem início na Coréia do Sul uma longa
sucessão de presidentes militares, que somente terminaria com a eleição do civil Kim
Young-Sam em 1993. O mais simbólico governo deste período seria o de Park Chung
Hee. É durante esta era que, no bojo do acelerado crescimento econômico, surgiriam as
como vimos, a Coréia vinha de décadas de agitações políticas permanentes, o que teria
acontecido com a esquerda nacionalista depois do golpe militar? Teria ela recebido o
Um exame mais atento dos dados nos permite diagnosticar que, paralelamente à
o regime militar, outros indicadores menos capazes de atiçar a inveja dos demais países
Convém ressaltar que a Coréia dos anos 1960 era uma sociedade que se
Índice de Gini da renda domiciliar equivalia, neste país, a 0,332, na Suécia este
indicador era de 0,387 e, nos Estados Unidos, 0,417 60. Esta situação pode ser explicada
tanto pelas políticas de reforma agrária empreendidas pelo governo de ocupação, quanto
maioria da população coreana. A afluência estava, então, restrita a uma ínfima parcela
60
Segundo Koo, Hagen. The Political Economy of Income Distribution in South Korea: the impact of the
state’s industrialization policies. World Development, Volume 12, Número 10, p. 1031, 1984.
150
não possuíam peso demográfico para influir decisivamente na magnitude deste
indicador.
era relativamente baixa, os dados deixam claro que suas políticas econômicas
seria permanente durante as décadas da ditadura. Cabe ressaltar que, como indicado pela
Tabela 4.3.2, os 40% mais pobres dentre a população coreana seriam, precisamente,
151
remuneração estariam sempre muito aquém daquelas vivenciadas pelos homens.
Conforme indicam os dados de uma comparação realizada por Seguino (2004), a Coréia
masculina. Em nenhum dos países observados pela autora foi diagnosticado tamanho
Esta acentuada desigualdade salarial entre homens e mulheres não deve ser
152
relativamente baixa das mulheres, expunha o quanto a vitalidade da inserção
especial, na exploração do trabalho barato feminino. Os dados da Tabela 4.3.4 nos dão
uma clara dimensão do quão intensamente a presença das mulheres se fazia sentir nos
principais setores exportadores, cuja performance durante o “Milagre do Rio Han” fora
possuía dos mercados de grãos e crédito para promover uma baixa sistemática no valor
direto desta política, a renda média dos domicílios agrícolas cairia acentuadamente.
Se, em 1965, a renda média dos domicílios no campo equivalia à média urbana,
não atingiria nem mesmo 65% desta em 1969. Assim, o consumo médio de arroz por
domicílio agrícola declinaria de 1,02 m3 para 0,81 m3. Na verdade , a produção agrícola
153
de 1970 teria sido praticamente idêntica àquela de 1964, e a queda dos preços teria
forçado os produtores a vender mais para poder sobreviver. Em resposta a estas severas
período entre 1967 e 1976, a população agrícola decresceria de 54,4% para 35,7%.
Como corolário, a população de Seul pularia de 2,5 milhões em princípios dos anos 60,
para 4,7 milhões em 1969 e, finalmente, 7,5 milhões em 1977 (Hart-Landsberg, 1991:
170-172, 177).
coreana estavam indo de mal a pior. E com um agravante: isto era o resultado
das condições de vida do grosso da população uma janela para o aumento da taxa de
Seul61.
acelerado êxodo rural. De acordo com Kim (1986: 40), elas constituíam a maioria
daqueles que rumavam às cidades — 53% entre 1961 e 1965, 51% entre 1965 e 1970 e
54% entre 1970 e 1975 —. A maioria delas era bastante jovem: 60% tinha de 10 a 29
anos de idade. Em 1973, quase metade da força de trabalho empregada em todo o setor
61
Este dado é de Soo, Han-Seung. South Korea’s Model Development. Asian Wall Street Journal Weekly,
Número 23, Outubro, 1989.
154
No início dos anos 1970, enquanto o Banco da Coréia estimava em US$ 90 o custo
de vida mensal de uma família de quatro membros, e o salário fabril médio pago no país
era de US$ 40, as mulheres geralmente ganhavam algo entre US$ 12 e US$ 25.62 Como
o achatamento dos salários era percebido tanto pelo governo militar sul-coreano, quanto
pela elite industrial nativa e pelo governo americano como peça fundamental do
visivelmente, em efervescência.
bibliografia especializada como movimento minjung, um termo que pode ser traduzido
termo minjung, que significa literalmente “povo”, tem sido tipicamente utilizado para
classes da sociedade coreana. Se, por um lado, o movimento minjung que tipificaria a
por outro, durante a ditadura militar o termo minjung seria tipicamente aplicado a
Porém, naquilo que concerne à luta política pela melhoria das condições de vida
62
Estes dados são de Wideman, Bernie. Korean Chauvinism. Far Eastern Economic Review, Número 5,
Março, p. 5, 1973.
155
condições do trabalhador — como no caso dos movimentos rurais radicais do início do
Cabe ressaltar, então, que a dissidência ao “modelo coreano”, seja em sua vertente
colonizador(es) e aqueles entendidos como suas marionetes. Mas, feito isto, qual a
hesitante dos governantes coreanos desde 1998, herdeiros deste movimento. Mas por
hora, basta reter que houve, sim, grande atividade dissidente mesmo durante os anos
deste movimento dissidente é um fenômeno amplo, presente não apenas nas Igrejas
Até o Budismo coreano acabaria sofrendo notável influência da luta empreendida pelo
movimento minjung (Clark, 1995). Note que a Coréia constitui um caso ímpar de nação
156
Tabela 4.3.5. Note também que os últimos dois presidentes coreanos — Kim Dae-Jung e
Roh Moo-Hyun —, líderes da luta pelo fim do regime militar, são católicos.
preocupação dos protestantes coreanos com a situação dos despossuídos no país. Houve
história, capazes então de dar forma à sua trajetória, ao invés de aceitá-la passivamente
157
contrária à opressão política e à exploração econômica. Rapidamente, a Igreja
trabalhadores industriais e dos migrantes vagando pelas cidades. A Igreja Católica seria
então líder oposicionista e futuro presidente Kim Dae-Jung. Todos os líderes deste
presos (Clark, 1995). Mas a oposição ao regime militar não estava confinada somente às
Igrejas.
decididos a preservar o poder, frustrando os anseios por eleições livres. É declarada “lei
sudoeste do país. Milícias civis, com amplo respaldo popular, tomariam conta da cidade
Organizações civis indicam que as mortes naquela ocasião girariam ao redor de 2.000.
158
No final, os militares teriam êxito em seus propósitos, silenciando a oposição e
permanecendo no poder por mais uma década. No entanto, poucos anos depois, a
pressão por mudanças atingiria um novo pico. Conforme demonstra a Tabela 4.3.6, a
159
160
CONCLUSÃO — Dependência, Crescimento Suavizado
e Ritual Democrático: a Coréia do Sul
numa Encruzilhada (1993-2007)
161
162
Com a posse do civil Kim Young-Sam, tem início um período inédito na longa
eleições livres abriria caminho, finalmente, para o debate público acerca dos persistentes
coreana, assim como a relação destes delitos com o fomento da ditadura, 10) o ataque às
condicionada pela agenda aqui listada. Mas, como também vimos, o movimento de
Liberação colonial e neo-colonial coreano também fora marcado por uma inconsistência
163
atual da história sul-coreana parece ser, então, bastante decisivo: o movimento
nacionalista, cujas raízes se espicham longamente pela moderna história coreana, e que
fora coroado pela ascensão ao poder de um de seus maiores líderes, Kim Dae-Jung, em
para os coreanos?
Cabe retornar aos ensinamentos de Furtado para tentarmos responder a esta questão.
perfeitamente com aquilo que Furtado entende como uma dinâmica de autoritarismo e
muitas melhorias em vários indicadores objetivos acerca das condições de vida no país.
Note que, em 2004, o PIB per capta (PPP) sul-coreano já atingia a cifra de US$ 20.499,
despontava então como o 26˚ país com o mais elevado Índice de Desenvolvimento
alcançava 77,3 anos, taxa equivalente àquela registrada então pela Dinamarca. A taxa de
164
alfabetização de indivíduos com mais de 15 anos atingia 98% (ONU, 2006: 217, 270-
275) 63 . Para completar este cenário, o nível de desigualdade social vigente no país
especialmente em face dos demais países periféricos —. Mas a questão que desejamos
temas públicos que estavam formalmente banidos da pauta oficial, apesar de sua
reflexão sobre sua história recente. O país já vivia, desde algum tempo, um regime civil
pleito eclodiria uma violenta crise em toda a Ásia, expondo claramente as fraquezas dos
63
Este dado é ainda mais expressivo quando se observa que, em 1945, aproximadamente ¾ da população
coreana era ainda analfabeta (Kuznets, 1977: 47).
64
Desde 1997, este indicador piorou bastante, mas ainda hoje é relativamente baixo.
165
Em um perspicaz estudo de caso realizado durante a crise coreana, Seung-Kyung
no âmbito dos padrões culturais coreanos. Por exemplo, a crise provocaria abalos
um bem sucedido engenheiro, orgulhoso de ter sua esposa em casa cuidando unicamente
familiar recaindo em suas costas. Ao mesmo tempo, um eventual casal vizinho com uma
feminina para a despesa doméstica. Os autores afirmam que este contraste seria
mais árduos defensores de todo o molde político, econômico, familiar e cultural que
alicerçara o “milagre”.
curiosa evolução nos anos que se seguiram à crise. Como indica a Tabela C.1, os
65
Kim, Seung-Kyung; Finch, John. Living with Rhetoric, Living against Rhetoric: Korean families and
the IMF economic crisis. Korean Studies, Volume 26, Número 1, 2002.
166
Uma análise precipitada poderia concluir que, passado o pior da crise, este tipo de
redução em 1999. Não obstante, uma análise mais cuidadosa dos dados nos permite tirar
etárias, veremos que sua trajetória guarda, sim, dimensões muito preocupantes, como
Fonte: Lee, Sang-Lim; Cho, Youngtae; Xiong, Nao. Accumulated Suicides in Korea
since Economic Crisis in 1997: an ecological study. Abstract for the Population
Association of America Annual Meeting, 2006.
167
Na verdade, nas faixas etárias mais avançadas (mais de 60 anos de idade),
de poder na Coréia. Como nos mostra a Tabela C.2, a região de Chŏlla, historicamente
inter-regional.
168
Não obstante, como sugerimos, o “movimento de massas” que caracterizara a luta
contra ditadura militar seria integrado por lideranças heterogêneas, cuja crítica a respeito
uma estreita aliança entre setores da burguesia coreana e o governo dos Estados Unidos,
aliança esta cujo sentido mais profundo foi a supressão do poder político de grupos
grandes, com ramificações por todo o globo e acostumadas a ter no Estado coreano um
estreitos da sociedade civil começam a reivindicar algum poder sobre este Estado, o
passo natural dos chaebǒl é voltar-se contra o Estado, valendo-se de sua posição já
permanente de uma aliança política com os Estados Unidos. E esta aliança torna difícil
169
trazer à tona temas importantes da agenda progressista, como a Reunificação e a
Para completar o quadro, resta mencionar ainda um outro obstáculo menos concreto,
com a tradicional cultura do país? Como construir uma síntese nova, voltada para o
influência permanente, até nossos dias, nos negócios cotidianos da Coréia obstaculizam o
florescimento daquilo que Furtado entende como o mais central aspecto de um processo
de desenvolvimento.
Se este for o objetivo político66, um acordo de reaproximação terá que ser conquistado
com base no diálogo e, claro, o governo de Seul precisará concentrar esforços para
conquistar a simpatia do regime nortista. Esta percepção fez Kim Dae-Jung, lucidamente,
fábula de Esopo, na qual o vento e o sol competem para retirar a casaca de um homem.
Ao sentir o vento mais forte, o que o homem fazia era segurar firme a casaca, evitando
que ela voasse. Mas ao sentir o calor do sol, o homem rapidamente retira a casaca para
66
A Reunificação era um importante item da agenda do Partido Democrático do Milênio, de Kim Dae-
Jung, e também é uma preocupação freqüente do atual presidente sul-coreano, Roh Moo-Hyun.
170
Para levar a cabo esta doutrina, o governo de Seul terá que se posicionar
o presidente George W. Bush inclui a Coréia do Norte. Ao fazer isto, poderá mobilizar
estrutura de integração, etc. Note que a reunificação significaria criar um mercado interno
exceção da Alemanha. Além disto, ainda que a unificação de dois territórios com níveis
cuja construção foi iniciada em 2003, tendo como participantes 15 empresas sul-coreanas.
Espera-se que este complexo industrial empregue diretamente, a partir de 2012, cerca de
líderes sul-coreanos não hesitaram em evocar a doutrina social do “irmão mais velho”,
enunciada por Confúcio, traço cultural profundo do povo coreano. De acordo com ela,
para atrair o mais caçula, o irmão mais velho — líder natural, neste caso a Coréia do Sul
—, distribui favores, mas sem esperar recompensas imediatas, nem exigi-las. O respeito,
assim como qualquer eventual recompensa, viria como uma espécie de reconhecimento
171
prática a um problema corrente, qual seja, o desafio de não repetir os tropeços da
Mas por que esta iniciativa parece tão isolada? O próprio exemplo de Kaesŏng nos
exemplo: certas tecnologias e produtos, como computadores, não podem ser exportados
questão que surge para o governo progressista sul-coreano: o que vale mais, o mercado
desoladora.
pensar que será possível rediscutir os assuntos trabalhistas sem que isto interfira na
discussão sobre o modelo de inserção exportadora do país. Não será possível rediscutir
este modelo de inserção sem que se rediscuta a aliança com os Estados Unidos e com o
Japão. E sem rediscutir esta aliança não se avança na questão da Reunificação. E sem
avançar na unificação também não se rediscute a presença das tropas americanas, nem a
aliança com os Estados Unidos, nem a inserção, e então nem as questões trabalhistas. E,
menos ainda, a questão da posição da mulher na sociedade, que por sua vez se liga à
67
Para uma opinião conservadora sobre o tema das sanções, veja: Frank, Ruediger. The Political Economy
of Sanctions Against North Korea. Asian Perspective, Volume 30, Número 3, pp. 5-36, 2006.
172
rediscute a influência norte-americana, nem a aliança com os Estados Unidos, nem a
quilômetros da zona desmilitarizada que marca a tensa fronteira com a Coréia do Norte, a
americanos, o que claramente se choca com os interesses de uma parcela importante dos
coreanos que ainda vive no campo. Além do mais, o acordo simboliza o reforço da
aliança incondicional entre a Coréia e um país que tem como um dos nortes de sua
Coréia do Sul, pois reitera sua enorme dependência frente aos Estados Unidos — se dá
68
Veja: “Trains Cross Border Dividing Koreas for First Time Since 1950”, Fox News, Quinta-Feira, 17 de
Maio de 2007.
69
Informações obtidas junto ao sítio do Representante Comercial dos Estados Unidos, http://www.ustr.gov
173
pelo governo sul-coreano como o início de uma era de restrição do poder dos clãs dos
negócios.70
surgirá alguma força política capaz de desatar este verdadeiro nó górdio. Mas, por hora, o
70
Veja: “Korea's Chaebol Syndrome Persists - Hyundai's troubles have tempered the arrogance of the
country's dynastic family businesses, but many of their bad habits die hard”. Business Week, 3 de Maio de
2006.
174
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