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METAFÍSICA DA TEOLOGIA
MARCOS HERALDO DE PAIVA
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42 METAFÍSICA DA TEOLOGIA
Sumário
03 u Introdução
35 u Conclusão
36 u Referências bibliográficas
q Introdução
Capítulo
q A maior das abstrações
1
E ntendemos que a metafísica é o estudo sistemático da natureza última da
realidade. O que, para muitos autores, distingue a metafísica da filosofia é
que a filosofia tem uma amplitude maior, por abranger a metafísica, a lógica, a
ética e a epistemologia, para não falar já da psicologia, que hoje é unanimemente
reconhecida como uma ciência independente.
O que distingue a metafísica da ciência é que a metafísica tem por propósito
conhecer a realidade última que se oculta atrás dos fenômenos, sendo, a própria
metafísica, a causa última desses fenômenos. O propósito da ciência é descrever
fenômenos sem ter de cuidar se existe alguma realidade última que seja o substrato
dos fenômenos.
Segundo Aristóteles (384-322 a.C.), filósofo grego, cada um dos ramos do sa-
ber estuda um objeto particular, uma espécie de ser. Assim, a física é a ciência da
“natureza”, deste “gênero de ser que tem em si o princípio do seu movimento”. À
modalidade do saber que estuda o “ser em si”, o “ser absoluto”, o “ser enquanto
ser”, deu Aristóteles o nome de “filosofia primeira”. Posteriormente, chamou-se on-
tologia ou metafísica.
Logo, a metafísica é o estudo do ser. O ser pode, porém, ser considerado por
três aspectos. Daí as três partes que se costuma distinguir na metafísica. Vejamos:
Definição de “ser”
A ideia de ser, tem-se dito, é a mais alta abstração a que o homem pode che-
gar depois que os seres singulares foram privados de tudo aquilo que os distingue
e faz deles seres determinados. Assim, a ideia de ser é algo de extensão máxima e
de compreensão mínima. De extensão máxima porque, sendo a ideia mais abstrata
possível, convém a tudo o que é ou pode ser. De compreensão mínima porque se
abstrai de toda e qualquer característica ou qualidade particular. Desse modo, ao
ser nada pode ser acrescentado, pois tudo o que existe ou pode existir é ser. Todos
os seres singulares são o ser, mas cada um o é de modo peculiar.
Admitindo que os seres singulares são espécies de seres, alguns autores afir-
mam que o ser em geral é um gênero supremo. Outros, porém, contestando tal pa-
recer, sustentam que o ser não é um gênero, mas uma noção que, transcendendo
ou superando todas as categorias do ser, aplica-se a tudo o que pode existir ou
existe de qualquer modo. É por isso que os metafísicos afirmam que a ideia de ser
é “imanente” a todas as categorias e, ao mesmo tempo, “transcendente” a todas.
E acrescentam: a ideia de ser transcende não só cada uma das categorias do ser
considerada em si só, mas todas as categorias em conjunto, porque não abrange
somente todos os seres finitos, que se dividem em categorias, mas o Ser infinito, que
está acima das categorias.
Quando considerado em si mesmo, e de modo absoluto, do ser nada se pode
dizer senão que é o ser. Quando considerado em si mesmo, mas agora já não de
modo absoluto, mas de modo negativo, pode-se dizer que ele é em si mesmo indi-
viso, isto é, uno.
O ser é tudo o que, em qualquer grau, se opõe ao nada. Tudo o que é ser é uno
e indiviso. O ser, dizem os metafísicos, é uno e transcendente.
Capítulo
q Cosmologia e materialidade
2
O problema metafísico da cosmologia está relacionado à explicação da
constituição íntima da realidade. Consiste em determinar as primeiras cau-
sas e os princípios necessários à explicação racional da totalidade dos objetos. Os
ontologistas distinguem três primeiros princípios: a matéria, a vida (ou princípio vital)
e a alma. E discutem a questão da sua redutibilidade ou irredutibilidade.
Eis algumas soluções que têm sido propostas para o problema:
Monismo
E nsina que os três princípios (matéria, vida e alma) são redutíveis a um. Apre-
senta-se sob duas formas principais:
Dualismo
extensa ou corpórea
pensante ou inextensa
B. Paralelismo psicofisiológico
Entre os que aceitam esta maneira geral de encarar a questão, pelo menos
como hipótese metodológica, as opiniões não são unânimes. Dividem-se justamen-
te no ponto de partida quanto àquilo a que podemos chamar de “o postulado
metafísico da teoria paralelista”. Esta teoria está assentada em um “dualismo subs-
tancialista” (substância extensa ou corpórea por um lado e, por outro, substân-
cia inextensa ou espiritual). Ou devemos, ao contrário, inspirando-nos em Spinoza
(1632-1677), interpretá-la como um “monismo substancialista”?
Se este último for o ponto de vista adotado, poderíamos dizer que existe uma
só e única realidade que se nos manifesta sob dois aspectos diferentes: fenômenos
psicológicos e fenômenos fisiológicos. Ou seja, uma só série de fenômenos traduzi-
da em duas línguas diferentes.
C. Epifenomenismo
Capítulo
q A gênese da vida e das espécies
3
S ituando-se num plano distinto dos cientistas, os metafísicos têm dito: “A vida
é uma realidade demasiadamente simples para que possa ser definida. Po-
de-se, apenas, descrevê-la como manifestação de um movimento espontâneo e
imanente. Isto é, de um movimento que tem a sua origem no próprio ser vivo, no seu
próprio âmago, e que tem o seu termo imediato no ser vivo. Neste caso, deve-se
entender por ‘movimento’ não só o movimento local, mas qualquer passagem da
potência ao ato ou, ainda, toda e qualquer operação. Assim, o ser vivo move-se,
ao passo que o ser não vivo é movido”.
O que para os metafísicos que seguem a doutrina de Aristóteles distingue o ser
vivo do ser inanimado é mover-se por si próprio.
O princípio da vida
Várias teorias têm procurado explicar as origens da vida. Eis algumas delas:
1. Animismo
É a doutrina metafísica que afirma a redutibilidade do princípio vital à alma.
Todo ser vivo é vivo por uma alma, distinta da matéria corpórea. O movimento dos
corpos provém da forma substancial, que nos seres vivos se designa por alma.
2. Vitalismo
É a doutrina metafísica que afirma a irredutibilidade da alma e do princípio
vital. Para o vitalismo, tal como este ensino foi enunciado no século 18 por Barthez,
existe em cada vivente um “princípio vital” que é simultaneamente distinto das pro-
priedades físico-químicas dos corpos e distinto da alma. A vida seria o resultado de
uma força vital independente da matéria.
3. Organicismo
4. Materialismo
Q uanto às origens das espécies, várias teorias têm sido defendidas. A seguir,
algumas delas:
1. Fixismo
2. Transformismo ou evolucionismo
A. Lamarckismo
B. Darwinismo
Tanto para Darwin (1809-1882) como para Lamark, as espécies vegetais e ani-
mais são o que foram em tempos recuados, ambos aceitam a ideia de que se deu
uma evolução, uma transformação das formas, sendo, portanto, inaceitável a hi-
pótese fixista da invariabilidade das espécies, de uma criação com todas as carac-
terísticas atuais”. Para Darwin, a evolução faz-se por seleção natural. É o resultado
da luta pela vida, da concorrência vital das espécies.
Capítulo
q A natureza do espaço e do tempo
4
T odos os objetos da nossa experiência se nos apresentam como situados em
dois quadros: espaço e tempo.
ANTES – DEPOIS
ESQUERDA – DIREITA
FRENTE – ATRÁS
ALTO – BAIXO
“Em cada uma dessas direções, há, de um lado, um sentido, ou ordem, do ou-
tro, uma grandeza. Mas no caso de uma delas, a primeira (antes/depois), a ordem
é contínua e irreversível. Se o cão passou várias vezes da direita para a esquerda,
a ordem antes/depois compreenderá as posições direita/esquerda/direita, etc.,
em série linear registrada uma vez por todas. O que aconteceu antes não pode
tornar a dar-se.’
“Se uma percepção análoga vem depois sabemos que não é a que realizou
antes: nunca se deu tal coisa. Na série de ordem direita/esquerda temos, ao con-
trário, a experiência de ordem inversa, esquerda/direita.’
Segundo escreveu Newton, “o espaço absoluto, sem relação com as coisas ex-
ternas, permanece por sua natureza sempre idêntico e imóvel. O tempo absoluto,
considerado em si, na sua natureza própria e sem relação com as coisas externas
decorre uniformemente e chama-se também duração”.
O espaço e o tempo são grandezas absolutas. O espaço é o sistema de refe-
rência para todos os movimentos.
Na sua obra principal, Crítica da razão pura , quando trata da estética trans-
cendental, Kant esclarece o seguinte: “O espaço não representa nenhuma pro-
priedade das coisas em si, quer consideradas em si mesmas, quer consideradas
nas suas mútuas relações. Por outras palavras, não representa nenhuma determi-
nação das coisas que seja inerente aos próprios objetos e que permaneça depois
de feita a abstração de todas as condições subjetivas da intuição. Com efeito,
não há determinações, quer absolutas, quer relativas, que possam ser intuitiva-
mente percebidas anteriormente à existência das coisas a que pertencem, e, por
conseguinte, a priori .’
“O espaço não é outra coisa senão a forma de todos os fenômenos dos sen-
tidos externos, isto é, a única condição subjetiva da sensibilidade sob a qual nos
é possível uma intuição exterior. Com a receptividade, por meio da qual o sujeito
pode ser afetado por objetos, precede necessariamente todas as intuições destes
objetos. Então facilmente se compreende como a forma de todos os fenômenos
pode ser dada no espírito anteriormente a todas as percepções reais, por con-
sequência, a priori , e como, sendo uma intuição pura em que todos os objetos
devem ser determinados, pode conter, anteriormente a toda a experiência, os
princípios dos seus relacionamentos.’
“O tempo não é alguma coisa que exista em si ou que seja inerente às coisas
como uma determinação objetiva, e que, por conseguinte, subsiste quando se faz
abstração de todas as condições subjetivas da sua intuição. No primeiro caso, seria
preciso que se tratasse de algo que existisse realmente sem objeto real. No segun-
do, sendo uma determinação ou uma ordem inerente às próprias coisas, não pode-
ria ser dado antes dos objetos como sua condição, nem ser, a priori , conhecido ou
percebido intuitivamente por proposições sintéticas. Ao invés disso, nada se torna
mais fácil se o tempo for tão somente a condição subjetiva de todas as intuições
que possamos ter. Então, com efeito, esta forma da intuição interna pode ser repre-
sentada anteriormente aos objetos, e, por consequência, a priori.’
“O tempo não é mais do que a forma do sentido interno, quer dizer, da intuição
de nós mesmos e do nosso estado interior. Com efeito, não pode ser uma determi-
nação dos fenômenos exteriores: não pertence nem a uma figura nem a uma posi-
ção, mas determina a relação das representações no nosso estado interior. E, pre-
cisamente porque esta intuição interior não fornece nenhuma figura, procuramos
reparar este defeito pela analogia. Representamos a sucessão do tempo por uma
linha que se estende até o infinito, cujas diversas partes constituem uma série com
uma só dimensão, e concluímos das propriedades desta linha para as do tempo,
apenas com esta exceção de que as partes da primeira são simultâneas, ao passo
que as do segundo são sempre sucessivas. Também por aí se vê que a representa-
ção do tempo é uma intuição, pois todas as suas relações podem ser expressadas
por uma intuição exterior.’
“O tempo é a condição formal a priori de todos os fenômenos em geral. O
espaço, como forma pura de toda intuição externa, apenas serve de condição a
priori aos fenômenos externos. Pelo contrário, como todas as representações, quer
tenham ou não por objetos coisas exteriores, pertencem sempre por si mesmas,
enquanto alterações do espírito, a um estado interior, e que este estado interior,
sempre submetido à condição formal da intuição interna, entra assim no tempo,
o tempo é uma condição a priori de todos os fenômenos em geral, a condição
imediata dos fenômenos interiores (da nossa alma) e, por isso mesmo, a condição
mediata dos fenômenos exteriores.’
“O tempo não é, portanto, senão uma condição subjetiva da nossa (humana)
intuição (a qual é sempre sensível, isto é, [não] se produz [senão] à medida que
somos afetados por objetos); em si mesmo, fora do sujeito, nada é. Não é neces-
sariamente menos objetivo em relação a todos os fenômenos, por consequência,
também em relação a tudo o que a experiência nos possa oferecer. Não se pode
dizer que todas as coisas estão no tempo, pois no conceito das coisas em geral
faz-se abstração de toda espécie de intuição destas coisas, e que a intuição é a
condição particular que faz entrar o tempo na representação dos objetos; mas,
se acrescentar a condição ao conceito e se disser: todas as coisas, enquanto fe-
nômenos (objetos da intuição sensível), estão no tempo, este princípio tem [neste
sentido] o seu verdadeiro valor objetivo, e é universal a priori”.
Assim sendo, os objetos não são espaciais nem temporais. O espaço e o tempo
são formas a priori da intuição, fazem parte da constituição subjetiva do nosso es-
pírito. Formas puras da sensibilidade, condições necessárias da experiência, afirma
Kant contra Leibniz, não são conceitos abstraídos da extensão e da duração con-
cretas: são, logicamente, anteriores a toda experiência. Toda experiência se situa
no tempo, toda experiência externa se situa no espaço.
Capítulo
q A imortalidade da alma
5
T ecnicamente as palavras “alma” e “psique” são sinônimas. Alma vem do
latim anima e psique , do grego, ambas apontando para o mesmo sentido.
Este sentido refere-se ao “ser” propriamente dito, que até o século IX, mais precisa-
mente no Concílio de Constantinopla IV (869-879 d.C), era reconhecido pela Igreja
Católica como um ser trino, compondo-se de corpo, alma e espírito.
Por “alma” entendia-se aquilo que existia entre o corpo, estrutura física como
a conhecemos, e o espírito, isto é, a consciência individualizada, o “eu sou”, ou
ainda, nossa individualidade. Ensinava-se também que era imortal o espírito que
habitava um corpo mortal. Desse encontro entre o imortal e o mortal surgia entre os
dois a alma, onde se reconheciam todos os sentimentos, sensações e emoções, os
medos e os desejos, as simpatias e antipatias, a sede das emoções humanas.
Depois disso, a Igreja deixou de ver o ser humano dentro de conceito tricoto-
mista, passando a considerá-lo apenas como alma e corpo, ou espírito e corpo,
tendo por sinônimas as palavras “alma” e “espírito”.
Para a chamada psicologia ontológica ou racional ou metafísica, distinta,
como se disse da psicologia científica por afirmar existir e ser possível conhecer uma
substância ou substrato dos fenômenos psíquicos, “deve admitir-se que o homem
é composto de um duplo princípio: um, material, que é o corpo, e outro, espiritual,
que é a alma”.
Para a psicologia ontológica, a unidade de vida mental seria inexplicável se
não existisse um suporte dos fenômenos psíquicos, invariavelmente idêntico a si pró-
prio, uno na sua essência, isto é, “simples e indivisível, ao contrário das coisas corpó-
reas, que são compostas e divisíveis”, e uno no tempo.
Evidência metafísica
Evidência moral
Evidência psicológica
A imortalidade seria uma palavra vã se a alma, em uma outra vida, não con-
servasse a consciência de si mesma, da sua identidade.
Capítulo
q Deus: a alma do mundo
6
D uas concepções principais têm sido defendidas quanto à natureza de Deus
e às relações de Deus e do mundo:
S egundo escreveu Spinoza (1632-1677), “tudo o que existe, existe em Deus. Deus
é a única substância que contém em si tudo o que existe: fora de Deus não se
pode conceber nenhuma substância. Deus é a causa imanente de todas as coisas”.
Essa concepção da natureza de Deus é chamada comumente de panteísmo.
Recentemente, um autor observou o seguinte: se quisermos dar um sentido exa-
to aos termos, a afirmação da existência de Deus coincide com a tese que conside-
ra o ser divino distinto do Universo, transcendente. E mais: que a questão da existên-
cia de Deus só comporta duas soluções antitéticas, isto é, que se opõem totalmente:
teísmo e ateísmo. Assim, o panteísmo é apenas uma variedade do ateísmo.
O ser perfeito
A existência da beleza em diversos seres, segundo graus diversos, implica a
ideia de que os seres diversos em que se descobrem estes graus participam de uma
beleza existente fora e acima desta hierarquia de belezas: a beleza absoluta e in-
finita. Aplicando-se este argumento a todas as perfeições, de perfeição em perfei-
ção chega-se necessariamente ao ser sumamente perfeito: Deus.
O ser necessário
O mundo físico é constituído por seres contingentes, isto é, por seres que exis-
tem, mas que poderiam não existir, seres que não têm em si mesmos a razão da sua
existência. Assim, é necessário chegar a um ser que tenha em si próprio a razão da
sua existência, isto é, um ser necessário, existindo por si: Deus.
“Não me era difícil saber de onde me teriam vindo os pensamentos que tinha
de muitas outras coisas exteriores a mim, como do céu, da terra, da luz, do calor e
de muitas outras, porque, não notando neles nada de superior a mim, podia admi-
tir que, caso fossem verdadeiros, dependiam da minha natureza, do que ela tem
de perfeito; e no caso de serem falsos, ainda era de mim que dependeriam, vin-
dos do nada, isto é, do que de imperfeito existe na minha natureza. Mas o mesmo
não acontecia já com a ideia de um ser mais perfeito do que o meu, porque, tê-la
formado do nada, era manifestamente impossível, e porque não repugna menos
admitir que o mais perfeito seja uma consequência e uma dependência do menos
perfeito do que admitir que do nada alguma coisa proceda, não podia também
aceitar que tivesse sido criado por mim mesmo. De maneira que restava apenas
admitir que tivesse sido posto em mim por um ser cuja natureza fosse verdadeira-
mente mais perfeita que a minha, e que o mesmo tivesse em si todas as perfeições
que eu poderia idealizar, isto é, que fosse Deus, para tudo dizer numa só palavra.’
“A isso acrescentei que, visto conhecer algumas perfeições que não possuía,
não era o único ser que existia, mas que necessariamente devia existir algum outro
mais perfeito, do qual dependesse e de quem tivesse recebido tudo o que possuía.
Porque, se eu fosse o único ser, independente de qualquer outro, e de mim próprio
tivesse recebido todo esse pouco pelo qual participava do ser perfeito, teria podi-
do dar a mim próprio, pela mesma razão, todo o muito que reconhecia faltar-me,
e ser dessa maneira eu próprio infinito, eterno, imutável, onisciente, onipotente, em
suma, ter todas as perfeições que atribuía a Deus.’
“Com efeito, segundo os raciocínios que acabo de formular, para conhecer a
natureza de Deus tanto quanto isso me é possível, bastava-me considerar, acerca
de todas as coisas de que em mim existia a ideia, se era ou não perfeição possuí-
las, e estava certo que todas existem nele, excetuando-se aquelas que denotam
qualquer imperfeição. Assim eu via que a dúvida, a inconstância, a tristeza, e outras
coisas análogas não podiam existir nele, visto que a mim próprio seria muito agra-
dável ser isento delas.’
“Além disso, acrescia o ter ideias de muitas coisas sensíveis e corporais; porque,
embora supusesse que estava sonhando e que tudo o que via ou imaginava era
falso, não podia negar, contudo, que as ideias dessas coisas existiam de fato no
meu pensamento, mas como tinha reconhecido em mim próprio muito claramente
que a natureza intelectual é distinta da corpórea, considerando que toda a com-
posição indica dependência, e que esta é manifestamente um defeito, julguei por
isso que, quanto a Deus, não podia ser uma perfeição o ser composto dessas duas
naturezas, e que, por consequência, o não era.’
“Pensei também que se existem no mundo alguns corpos, inteligências ou quais-
quer outras naturezas que não sejam completamente perfeitas, o seu ser deve depen-
der tanto do poder desse Deus que não poderiam subsistir um só momento sem Ele.’
“Depois disso, quis ainda pensar outras verdades, e tomando por tema a ma-
téria dos geômetras, a qual concebia como um corpo contínuo, ou um espaço in-
definidamente extenso em comprimento, largura e altura ou profundidade, divisível
em muitas partes, que podem ter diversas formas e grandezas, pois os geômetras
supõem tudo isto na sua matéria, revi algumas das suas demonstrações mais sim-
ples. E tendo notado que essa grande certeza, que todos lhes atribuem, se funda
apenas em serem compreendidas com evidência, notei também que nada existia
nelas que me garantisse a existência dos objetos a que se referem.’
“Porque, por exemplo, eu compreendia bem que, sendo dado um triângulo, é
necessário que os seus três ângulos sejam iguais a dois retângulos; mas, apesar dis-
so, nada via que me garantisse que no mundo existe qualquer triângulo. Ao passo
que, voltando a examinar a ideia de um ser perfeito, notava que a existência está
contida nessa ideia, do mesmo modo, ou mais evidentemente ainda que na de um
triângulo esteja compreendido serem os seus três ângulos iguais a dois retos, ou na
esfera, serem todos os seus pontos equidistantes do centro; e que, por conseguinte,
é pelo menos tão certo, como qualquer demonstração de geometria, que Deus,
que é esse ser perfeito, é, ou existe”.
Para o fideísmo, a existência de Deus não pode ser conhecida pela razão na-
tural, mas apenas pela fé. Para o agnosticismo, a existência de Deus não pode ser
demonstrada, nem pela razão, nem pela fé. Para o ateísmo, nenhum argumento
apresentado é concludente. Para o ontologismo, é inútil demonstrar a existência de
Deus, porque ela é imediatamente evidente. Para outros ainda, a melhor refutação
dos argumentos fideístas, agnósticos e ontologistas consiste em expor as provas da
existência de Deus de tal maneira que o seu valor se imponha.
No próximo capítulo, nos deteremos no desenvolvimento dos argumentos le-
vantados.
Capítulo 7
q As evidências em favor da existência de Deus
Argumento ontológico
O salmista referiu-se ao tolo que “diz no seu coração que não há Deus”. Mas
semelhante tolo, quando ouve falar de um ser por contraste com quem nada de
maior possa ser concebido, realmente concebe semelhante ser. Não há outra saí-
da. No entanto, Anselmo reconhece que isso não basta: “Porque uma coisa é um
objeto estar no entendimento, e outra é entender que o objeto existe”. É verdade,
como diz Anselmo, que “realmente tenho na minha mente a noção do x, além do
qual nada de maior possa ser concebido. Mas este x existe fora da minha mente?
Existe ‘na realidade’?”. E ressalta que o pintor pode muito bem ter na mente a ideia
de uma pintura, mas a pintura não existe senão depois de ele ter transmitido à tela
a sua ideia.
Argumento cosmológico
Todo efeito tem uma causa, e aquela causa é o efeito de outra coisa que, por
sua vez, é causa daquela causa, e assim por diante. Entretanto, deve forçosamente
existir alguma causa “ulterior” para levar à existência a concatenação das causas
e dos efeitos. Deve haver um Ser que existe necessariamente e é a causa de tudo
o mais, o sólido fundamento da própria causalidade.
Se, pois, fosse perguntado se podemos dizer que x é vivente, a resposta teria
de ser: “não somente é forçosamente vivente, mas deve ser mais do que vivente
no sentido que comumente entendemos a vida, pois é a fonte da vida que co-
nhecemos”.
Argumento teleológico
Suponhamos que você nunca viu um relógio e acabou achando um, na praia.
O que você enxergaria no relógio seria uma estrutura mecânica exibindo uma
adaptação intricada entre numerosas partes diferentes. A partir disso, você inferiria
naturalmente que foi construído por um ser inteligente que tivesse projetado essa
mútua adaptação para cumprir determinado propósito. Mas isso, segundo o argu-
mento, é exatamente o que encontramos no Universo: “Os céus declaram a glória
de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos” (Sl 19.1).
Francis Bacon (1561-1626) diz: “Eu preferiria acreditar em todas as fábulas das len-
das e no Talmude e no Alcorão que acreditar que todo esse Universo organizado
estivesse destituído de uma Mente Suprema”.
Alguém, talvez, indique que semelhantes pensadores estivessem predispostos a
acreditar realmente nessas questões. Mas semelhante predisposição em favor do
teísmo dificilmente poderia ser atribuída a David Hume (1711-76), que, depois de
atacar longamente o argumento teleológico, passa a reconhecer: “Um propósito,
uma intenção, um desígnio impressiona a cada momento o pensador mais descui-
dado, o mais tolo. Todas as ciências nos levam insensivelmente a reconhecer um
primeiro Autor”. É um argumento natural e impressionante.
O argumento moral
P assamos, agora, a considerar o argumento moral que, por mais antigas que
sejam algumas de suas formas, geralmente é associado ao nome de Kant
(1724-1804). Acabamos de ver que Kant (apesar de algumas palavras em favor do
argumento teleológico) repudiava todos os três argumentos que estávamos conside-
rando. Numa passagem célebre, declarou: “Duas coisas enchem a mente de admi-
ração e de reverente temor, sempre novas e cada vez maiores, quanto mais frequen-
te e firmemente refletimos sobre elas: os céus estrelados acima e a lei moral dentro”.
A razão prática
Kant estava convicto de que não era possível comprovar, mediante a razão
pura, nem a existência de Deus, nem a imortalidade da alma. Mas sustentava que
aquilo que chamava de “razão prática”, a vontade, pudesse validar de outra ma-
neira aquilo que não poderia ser demonstrado pelo raciocínio lógico normal. Tais
são as exigências morais, os requisitos do âmbito moral que temos diante de nós,
que confirmam a existência de Deus, a liberdade e a imortalidade da alma. Se
reconhecermos a existência da lei moral e do objeto da nossa vontade: o “bem
supremo”, que é a perfeita felicidade, torna-se necessário chegar à conclusão da
existência de Deus, para que possamos manter o relacionamento necessário entre
a lei moral e o “bem supremo”. Semelhantemente, torna-se necessário postular a
imortalidade da alma, para fornecer ao homem tempo ilimitado para realizar esse
propósito, pois a vida humana é breve demais para isso.
Considerando a questão da imortalidade, Kant diz em Crítica da razão prática: “A
realização do ‘bem supremo’ no mundo é o objeto necessário de uma vontade deter-
minável pela lei moral. Mas nesta vontade a concordância perfeita entre a mente e a
lei moral é a condição do ‘bem supremo’. Isso, portanto, deve ser possível, assim como
também o seu objeto, posto que está contido na ordem de promover este último. Ora,
no seu caráter moral. Logo, o ‘supremo bem’ é possível no mundo, mas somente
na suposição de um Ser supremo que tem uma causalidade correspondente ao
caráter moral. Ora, um ser capaz de agir à altura do seu conceito das leis é uma
inteligência (um ser racional), e a causalidade de semelhante ser, segundo essa
concepção das leis, é a vontade desse ser. Logo, o curso supremo da natureza,
que deve ser pressuposto como uma condição do ‘supremo bem’, é um ser que é
a causa da natureza por meio da inteligência e da vontade e, consequentemente,
seu Autor: Deus.’
“Segue-se que o postulado da possibilidade do mais sublime bem (o melhor
dos mundos) é, semelhantemente, o postulado da realidade de um bem original
mais sublime, ou seja, da existência de Deus. Ora, já vimos que para nós era de-
ver promover o ‘supremo bem’; consequentemente, não é apenas aceitável, mas
também uma necessidade vinculada com o dever como exigência que pressupo-
nhamos a possibilidade desse ‘supremo bem’. E posto que isso é possível somente
na condição prévia de haver a existência de Deus, vincula necessariamente a su-
posição desta com o dever, ou seja, é moralmente necessário tomar por certa a
existência de Deus”.
q Conclusão
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