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15/12/2022 18:59 Eliane Moraes: «O erotismo é uma dimensão fundante da nossa humanidade» | by Maria João Cantinho | Revista Caliban

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Mar 19, 2018 · 12 min read

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Eliane Moraes: «O erotismo é uma dimensão


fundante da nossa humanidade»

A ensaísta e professora Eliane Robert Moraes

Eliane Robert Moraes é professora de Literatura Brasileira na Universidade de São


Paulo (USP) e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). É Doutora em Filosofia pela USP, com pós doutorado na
122
Université de Nanterre — Paris 10, atuou como professora visitante nas
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universidades da California em Los Angeles (UCLA — USA), de Perpignan Via


Domitia (UPVD — FR), de Nanterre (Paris 10 — FR) e Nova de Lisboa (UNL — PT).

Realizou pesquisas sobre as relações entre estética e erótica; sobre o Marquês de


Sade e a literatura libertina do século XVIII europeu; sobre Georges Bataille e o
surrealismo francês; sobre o erotismo modernista na França e no Brasil; sobre a
poesia erótica brasileira; sobre Mário de Andrade, Dalton Trevisan, Roberto Piva,
Hilda Hilst e Reinaldo Moraes, entre outros. Atualmente se dedica a investigar
figuras do excesso na prosa de ficção brasileira dos séculos XX e XXI.

Entre suas publicações destacam-se diversos ensaios literários e a tradução da


História do Olho de Georges Bataille (Cosac & Naify, 2003). É autora, dentre outros,
dos livros: Sade — A felicidade libertina (Imago, 1994 / Iluminuras, 2015), O Corpo
impossível (Iluminuras/Fapesp, 2002 e 2016), Lições de Sade — Ensaios sobre a
imaginação libertina (Iluminuras, 2006) e Perversos, Amantes e Outros Trágicos
(Iluminuras, 2013). Também assina a organização e a apresentação da Antologia da
poesia erótica brasileira (Ateliê, 2015 e Tinta da China, 2017).

R ecentemente publicou Antologia de Poesia Erótica Brasileira na editora Tinta


da China. Creio que é a primeira vez que se publica uma obra deste género
em Portugal, não é?

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A bem da verdade, a publicação dessa antologia, centrada na lírica erótica


brasileira, foi uma iniciativa pioneira não só em Portugal, mas também no Brasil…
Houve no passado uma ou duas seleções do género, focando períodos específicos,
mas nada que atravessasse toda a nossa história literária.

A rigor, minha primeira fonte de inspiração foi uma publicação portuguesa, a


notável Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica organizada pela Natália
Correia, e lançada em 1966, em plena ditadura do Salazar. Logo depois, conheci a
Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (séculos XVIII e XIX) compilada por Fernando

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Ribeiro de Mello em 1975. O contato com esses livros me precipitou uma pergunta:
“Oras bolas, por que é que nunca fizemos algo semelhante no Brasil?”

Estava pensando nisso quando me caiu em mãos um esboço de prefácio a


Macunaíma, escrito em 1926, no qual Mário de Andrade observava que, no Brasil, as
literaturas populares eram frequentemente pornográficas, apesar da ausência de
um erotismo literário sistematizado no país. Para justificar seu argumento, o autor
evocava as produções eróticas de outros povos, como os gregos, os franceses ou os
indianos, que souberam organizar suas expressões escritas em torno do sexo.

Mas essa tradição realmente não existia entre nós e


o que me surpreendeu mais ainda é que, já no início
do século XXI, a erótica literária brasileira continuava
desconhecida, aguardando uma compilação.
Como você pode imaginar, as ponderações de Mário de Andrade estão na origem de
meu trabalho, que veio a lume quase um século depois de suas palavras para dar
testemunho não só da existência de uma lírica erótica do país, mas também de sua
extraordinária riqueza. A quantidade e a qualidade da produção poética nela
apresentada — sendo apenas parte de uma extensa pesquisa que levantou por volta
de trezentos poetas e mais de mil poemas — não deixa dúvidas sobre a convicção de
que, para se formar tal corpus, talvez só estivesse faltando um empenho de
organização. Foi nessa brecha que eu entrei…

Curiosamente, há um movimento feminista forte no Brasil, provavelmente bem


mais activista do que em Portugal, o que parece ser uma contradição pensar na
«não-existência» de uma antologia erótica. Pensarmos que Natália Correia levou
por diante a sua antologia, em pleno salazarismo, e que as autoras brasileiras não
o tenham feito no Brasil parece estranho. O que acha sobre isso?

Você toca numa questão muito importante, e um


tanto delicada. Antes de tudo porque ela nos coloca
diante de outra pergunta, que é capital nos dias de

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hoje: que ordem de relações efetivamente existem


entre feminismo e erotismo?

A resposta é menos óbvia do que parece… Ainda que coloque a sexualidade em


questão, no mais das vezes problematizando questões do género, o pensamento
feminista tende a se concentrar nas relações de poder que envolvem o erotismo.
Isso é importantíssimo, sem sombra de dúvida, mas não é tudo. Reduzir o erotismo
às relações de poder significa limitar seus domínios, o que é, igualmente, perigoso!

O erotismo é uma dimensão fundante da nossa humanidade e nos implica a todos,


sem exceção. Queiramos ou não, ele nos coloca diante do mistério da origem, da
própria existência. É algo grande, incomensurável, maior que nós e por isso mesmo
precipita sentimentos paradoxais dentro de nós. Atrai e gera repulsa. Provoca medo
e júbilo. Daí que venha a mobilizar todo tipo de discurso, do mais sublime ao mais
chulo, do mais poético ao mais estereotipado.

Creio que o olhar feminista nos faz um imenso trabalho quando denuncia as
práticas e os discursos violentos, mas é preciso tomar muito cuidado para que tais
denúncias não se transformem em uma patrulha que se julga no direito de
pontificar o que é correto e errado em termos eróticos.

Pois erotismo é fantasia e, como tal, supõe liberdade


de expressão. Creio que um dos maiores desafios da
nossa contemporaneidade é conseguir combater os
preconceitos e as violências, mas mantendo viva
essa liberdade.
Voltando à pergunta inicial, que só consigo responder formulando outra: será que
as “antologias eróticas feministas” (e há muitas, nos Estados Unidos, por exemplo)
não estão sempre correndo o risco de impor um veto à imaginação? E, nesse caso,
não estariam reeditando a censura que elas mesmo combatem?

Porquê este momento? Achas que há um diálogo entre o Brasil e Portugal neste
momento em particular?

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Sim, acho que se trata de um momento muito especial no que diz respeito às
relações culturais entre os dois países. Estamos começando a nos descobrir…

Depois de muitas décadas de distância, Brasil e Portugal se aproximam e olham um


ao outro com novas lentes. É um fenómeno bem atual e talvez ele decorra de um
paralelo não evidente, mas marcante, entre os dois países, que diz respeito às
nossas posições marginais diante dos grandes centros decisórios do Ocidente. A
construção do nosso estar na contemporaneidade passa necessariamente por essa
sensibilidade das margens, ainda que de formas muito distintas. Acho que hoje
estamos descobrindo, aqui e aí, o extraordinário potencial criativo e transformador
que decorre dessa posição. Daí que o intercâmbio intelectual e artístico entre os
dois países esteja sendo incentivado lado a lado e comece agora a dar frutos. Bons
frutos, ao que tudo indica.

Sim, esse intercâmbio, além de ser visível no trabalho editorial, em que editoras
brasileiras tenham entrado no mercado editorial português, como a excelente
OCA, de Sérgio Cohn e Raquel Menezes, também está presente nas pontes
editoriais de editoras brasileiras que publicam no Brasil autores portugueses e isso
é tudo muito recente. O Prémio Oceanos, recentemente introduzido em Portugal,
veio reforçar esses laços entre autores, de um lado e de outro, não acha?

Oca Editorial - Pensamento e cultura brasileira


Conheça o Brasil através da OCA. Veja nossas coleções: Nos últimos
40 anos, uma potente resistência indígena surgiu no…
ocaeditorial.pt

Sem dúvida. Fiz parte do júri inicial e do júri final do prémio Oceanos no ano
passado, quando ele efetivamente passou a contar com mais edições de fora do
Brasil. Foi uma experiência e tanto, repercutindo não só nas nossas leituras mas
igualmente nas discussões entre os jurados. O fato de estarmos avaliando literaturas
em língua portuguesa de diversas procedências cria uma situação nova que nos
obriga a deslocamentos inesperados e a descobertas instigantes. E, obviamente, isso
vale para as possibilidades mais gerais de leitura que esse movimento editorial
entre os diversos países permite, como você mesma sugere. Tornamo-nos, assim,
viajantes na nossa própria língua. Em tempos de tão baixa tolerância entre os povos
como o que vivemos, é uma experiência para a gente reter, multiplicar e transmitir.
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Talvez os leitores portugueses desconheçam a sua obra ensaística, nomeadamente


os seus livros Sade — A felicidade libertina, Liçoes de Sade, e O Corpo Impossível. Eu
tive a ventura de ouvir falar deles (e agora de os ler) através de um amigo comum,
António Cabrita. O seu trabalho ensaístico anda muito em torno das questões do
corpo e da sexualidade. Encontra afinidades com o trabalho ensaístico de José Gil?

Você menciona dois intelectuais portugueses contemporâneos por quem tenho


grande admiração. Gosto muito da literatura do António Cabrita e, de forma geral,
os textos dele são iluminadores. Ele é um criador de surpresas e sempre se vale de
um ângulo de abordagem completamente inesperado.

Vale o mesmo para o José Gil, que não conheço pessoalmente, mas de quem sou
leitora entusiasta e — como direi? — interlocutora de bases subterrâneas… Seus
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ensaios em torno de questões sucitadas pelo corpo, pelo desejo ou pelos monstros
são realmente inspiradores. Sem falar que ele é referência fundamental de alguns
dos intelectuais brasileiros que mais admiro, como Peter Pal Pelbart e Ana Kiffer.

O que quer dizer com este conceito de Corpo Impossível? Falamos de fragmentação,
mas o que está em causa nesta ideia? Um conceito alegórico do corpo, a ruptura de
uma visão sobre o corpo?

Acho que a noção de “corpo impossível” fica a meio caminho entre um conceito e
uma imagem, se é que posso assim dizer… Dentro do meu trabalho ela opera uma
função importante, que é a de designar um corpo que resiste à sua reificação e à
possibilidade de se fixar a uma só imagem.

Comecei a pensar nisso ao estudar o imaginário modernista francês, em particular


o surrealista. O ponto de partida dessa noção foi, para mim, a figura de um acéfalo
criada por Georges Bataille e André Masson em 1936 para a revista Acéphale. A
figura representava uma consciência aguda das ilusões de um humanismo que
havia perdido por completo seu sentido, esboçando uma das críticas mais

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veementes da modernidade. Segundo Bataille, o estranho acéfalo vivo vinha


confirmar, no seu corpo mutilado e vivo, a “possibilidade eterna e indefinida da
coisa humana”, ainda que ela se anunciasse num tempo de maré alta do assassinato,
em meio às mais concretas ameaças da morte.

Era, pois, uma figura paradoxal, já que anunciava o informe sem jamais dobrar-se
ao absoluto que repousa no seu horizonte, ou seja, à morte. Assim concebido, o
decapitado batailliano provocava um confronto do ser humano com tudo aquilo que
não se conformava à sua imagem idealizada, incitando-o a ser justamente o que ele
não é. Por isso mesmo, o acéfalo não se oferecia como um retrato do ser humano:
antes, ele era e permanece sendo a impossibilidade desse retrato.

Tomo a liberdade de citar uma passagem do meu livro, que resume essa disposição:
“Negar o possível para imaginar o impossível: o projeto de Georges Bataille, ao
mesmo tempo em que remete aos fundamentos da liberdade da imaginação,
resume o sentido último de seu antropomorfismo dilacerado, insistindo em
repensar o homem a partir do nada. Assim, lançando a figura humana aos seus
pontos de fuga, onde se esboça um horizonte indefinível, o acéfalo mantém a
indefinição que constitui a sua própria figura. Ao ostentar precisamente aquilo que
lhe falta, tal qual um teatro vazio, o corpo sem cabeça resta como um corpo
impossível.”

Esse modo de operar com conceitos que têm a sua raiz no surrealismo, sobretudo
os movimentos franceses, tem algum equivalente no surrealismo português? É que
a Eliane também esteve recentemente em Portugal a falar sobre os surrealismos.
Penso no surrealismo de Cesariny, por exemplo, e na sua visão tão transgressora
do corpo e da sexualidade. Como olha para o surrealismo português, desse ponto
de vista?

Não fico muito à vontade para te responder, pois não sou uma estudiosa do
surrealismo português, embora admire muito tudo o que conheço dele. Mas ainda
tenho muito a aprender! Aliás, estou a ler no momento o ótimo ensaio de Rui Sousa
intitulado A presença do abjeto no surrealismo português, que saiu recentemente pela
Editora do Caos.

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Ocorre com o surrealismo algo de que gosto muito. Embora tenha se iniciado com
extremo vigor na França, ele logo se tornou um movimento internacional,
espalhando-se por boa parte da Europa e pelas Américas. E nessa ampliação, o
surrealismo teve uma capacidade notável de se “afrouxar” e de se abrir às cores
locais. Há, portanto, muitos surrealismos, e não um só. Digo isso porque, para um
brasileiro, o contato com o surrealismo português sempre surpreende.

A começar pelo fato de que a adesão ao movimento foi bem mais intensa em
Portugal do que no Brasil. Não por acaso, vocês tiveram uma vertente mais radical
do ponto de vista político, como foi o abjeccionismo, que é riquíssima. Não tivemos
nada parecido entre nós. Tampouco tivemos uma figura catalizadora desse espírito
como foi aí o Cesariny, um transgressivo em período integral. O surrealismo
brasileiro, eu diria, foi bem mais comportado, mais bon enfant… Não por acaso,
poetas como Murilo Mendes ou pintores como Ismael Nery, que eram entusiastas
simpatizantes do movimento, também foram católicos declarados e fervorosos!

O seu estudo magnífico sobre Sade também mereceria a atenção dos portugueses.
Creio que há poucos livros (que não sejam sobretudo trabalhos académicos e
pouco conhecidos) sobre o autor em Portugal e sobre a sua herança, na literatura
erótica contemporânea…

É verdade. Não deixa de me surpreender essa ausência de estudos sobre Sade no


Portugal contemporâneo. Até porque esse interesse existiu no passado, como se
sabe, passando por gente do quilate de Herberto Helder, Luís Pacheco, Fernando

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Ribeiro de Mello, Aníbal Fernandes e tantos mais. O que dizer das extraordinárias
edições da Afrodite? E aquelas da Etc.?

Penso que a sociedade portuguesa passou por um processo de retradicionalização


depois da revolução dos Cravos. Aquela velha história de “não confundir liberdade
com libertinagem”, que também ocorreu no Brasil em momentos delicados, que nos
obrigaram a enfrentar o conservadorismo moral das esquerdas que apoiávamos…

Mas talvez essas já sejam águas do passado. Vejo muitos indícios de mudanças no
que se refere à erótica literária em Portugal, e a própria publicação da Antologia da
poesia erótica brasileira dá sinal disso, não é? Sem falar de outros autores brasileiros
do gênero, como é o caso do Reinaldo Moraes, que já publicou aí, recentemente, o
notável Pornopopéia e o delicioso Cheirinho de Amor. Ou o livro Obscénicas, com
textos pornográficos da Hilda Hilst e desenhos incríveis do André da Loba, que saiu
pela Orfeu Negro em 2014. Também adoro a coleção de textos obscenos da Tinta-da-
China, coordenada por António Ventura, que tem títulos incríveis. Temos que ficar
de olhos abertos: tem muita coisa interessante “pipocando” por aí, como se diz no
Brasil.

Acompanho esse novo movimento editorial com grande interesse. Há ainda


reedições importantíssimas como o livro Portugal em Sade, Sade em Portugal seguido
de “O affaire Sade” de Lisboa, organizado por Aníbal Fernandes e Pedro Piedade
Marques. Saiu pela Montag no ano passado, numa edição muito caprichada. E o que
dizer do último número de A Ideia — Revista de cultura libertária, lançado em 2016,

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com quatro dossiês de peso, que passam pelo abjecionismo, pelo surrealismo, por
Bocage, Sade e muito mais? Isso tudo vai mudando a paisagem sensível e — por que
não? — abrindo caminho para que autores como Sade reapareçam com nova força
na cena cultural lusitana.

Eliane, como vês o futuro do Brasil, do ponto de vista político e social, nesta hora
difícil que vocês estão a passar? Com optimismo?

É difícil transformar a indignação em otimismo. E, nos últimos anos, a indignação


só fez crescer na maior parte da população de um país em que a justiça está se
tornando cada vez mais uma palavra sem lastro. Com o golpe desastroso que
resultou no impeachmente da Dilma e na consequente posse do Temer, o Brasil vem
andando para trás a largos passos: para dar um só exemplo, ao menos 36 vereadores
foram assassinados no país depois disso, ou seja, de 2016 a hoje. O último foi a
vereadora carioca Marielle Franco, defensora dos negros, das mulheres e dos
pobres, executada no último 14 de março por denunciar a violência policial nas
favelas. Como não se indignar nesse Brasil onde, a cada 21 minutos, um jovem
afrodescendente é morto? Como ser otimista diante disso?

Não sei. No dia do assassinato da Marielle, segui


para a faculdade e, ao chegar em classe, a única
frase que consegui dizer aos meus alunos foi:
“Temos que ir para a rua e exigir justiça. Só assim é
que poderemos retornar à sala de aula e retomar
nossos textos, sem ter vergonha de estudar
literatura”. À noite, na manifestação, nos
reencontramos, e a soma difusa e potente das
indignações parecia desenhar um gesto de
esperança.
Leia o texto de António Cabrita sobre a Antologia

Leia alguns poemas da Antologia aqui.

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Entrevista Eliane Moraes Ensaio Erotismo Poesia Brasileira

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