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15/12/2022 18:59 Eliane Moraes: «O erotismo é uma dimensão fundante da nossa humanidade» | by Maria João Cantinho | Revista Caliban is…
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15/12/2022 18:59 Eliane Moraes: «O erotismo é uma dimensão fundante da nossa humanidade» | by Maria João Cantinho | Revista Caliban is…
Ribeiro de Mello em 1975. O contato com esses livros me precipitou uma pergunta:
“Oras bolas, por que é que nunca fizemos algo semelhante no Brasil?”
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Creio que o olhar feminista nos faz um imenso trabalho quando denuncia as
práticas e os discursos violentos, mas é preciso tomar muito cuidado para que tais
denúncias não se transformem em uma patrulha que se julga no direito de
pontificar o que é correto e errado em termos eróticos.
Porquê este momento? Achas que há um diálogo entre o Brasil e Portugal neste
momento em particular?
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Sim, acho que se trata de um momento muito especial no que diz respeito às
relações culturais entre os dois países. Estamos começando a nos descobrir…
Sim, esse intercâmbio, além de ser visível no trabalho editorial, em que editoras
brasileiras tenham entrado no mercado editorial português, como a excelente
OCA, de Sérgio Cohn e Raquel Menezes, também está presente nas pontes
editoriais de editoras brasileiras que publicam no Brasil autores portugueses e isso
é tudo muito recente. O Prémio Oceanos, recentemente introduzido em Portugal,
veio reforçar esses laços entre autores, de um lado e de outro, não acha?
Sem dúvida. Fiz parte do júri inicial e do júri final do prémio Oceanos no ano
passado, quando ele efetivamente passou a contar com mais edições de fora do
Brasil. Foi uma experiência e tanto, repercutindo não só nas nossas leituras mas
igualmente nas discussões entre os jurados. O fato de estarmos avaliando literaturas
em língua portuguesa de diversas procedências cria uma situação nova que nos
obriga a deslocamentos inesperados e a descobertas instigantes. E, obviamente, isso
vale para as possibilidades mais gerais de leitura que esse movimento editorial
entre os diversos países permite, como você mesma sugere. Tornamo-nos, assim,
viajantes na nossa própria língua. Em tempos de tão baixa tolerância entre os povos
como o que vivemos, é uma experiência para a gente reter, multiplicar e transmitir.
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Vale o mesmo para o José Gil, que não conheço pessoalmente, mas de quem sou
leitora entusiasta e — como direi? — interlocutora de bases subterrâneas… Seus
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ensaios em torno de questões sucitadas pelo corpo, pelo desejo ou pelos monstros
são realmente inspiradores. Sem falar que ele é referência fundamental de alguns
dos intelectuais brasileiros que mais admiro, como Peter Pal Pelbart e Ana Kiffer.
O que quer dizer com este conceito de Corpo Impossível? Falamos de fragmentação,
mas o que está em causa nesta ideia? Um conceito alegórico do corpo, a ruptura de
uma visão sobre o corpo?
Acho que a noção de “corpo impossível” fica a meio caminho entre um conceito e
uma imagem, se é que posso assim dizer… Dentro do meu trabalho ela opera uma
função importante, que é a de designar um corpo que resiste à sua reificação e à
possibilidade de se fixar a uma só imagem.
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Era, pois, uma figura paradoxal, já que anunciava o informe sem jamais dobrar-se
ao absoluto que repousa no seu horizonte, ou seja, à morte. Assim concebido, o
decapitado batailliano provocava um confronto do ser humano com tudo aquilo que
não se conformava à sua imagem idealizada, incitando-o a ser justamente o que ele
não é. Por isso mesmo, o acéfalo não se oferecia como um retrato do ser humano:
antes, ele era e permanece sendo a impossibilidade desse retrato.
Tomo a liberdade de citar uma passagem do meu livro, que resume essa disposição:
“Negar o possível para imaginar o impossível: o projeto de Georges Bataille, ao
mesmo tempo em que remete aos fundamentos da liberdade da imaginação,
resume o sentido último de seu antropomorfismo dilacerado, insistindo em
repensar o homem a partir do nada. Assim, lançando a figura humana aos seus
pontos de fuga, onde se esboça um horizonte indefinível, o acéfalo mantém a
indefinição que constitui a sua própria figura. Ao ostentar precisamente aquilo que
lhe falta, tal qual um teatro vazio, o corpo sem cabeça resta como um corpo
impossível.”
Esse modo de operar com conceitos que têm a sua raiz no surrealismo, sobretudo
os movimentos franceses, tem algum equivalente no surrealismo português? É que
a Eliane também esteve recentemente em Portugal a falar sobre os surrealismos.
Penso no surrealismo de Cesariny, por exemplo, e na sua visão tão transgressora
do corpo e da sexualidade. Como olha para o surrealismo português, desse ponto
de vista?
Não fico muito à vontade para te responder, pois não sou uma estudiosa do
surrealismo português, embora admire muito tudo o que conheço dele. Mas ainda
tenho muito a aprender! Aliás, estou a ler no momento o ótimo ensaio de Rui Sousa
intitulado A presença do abjeto no surrealismo português, que saiu recentemente pela
Editora do Caos.
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Ocorre com o surrealismo algo de que gosto muito. Embora tenha se iniciado com
extremo vigor na França, ele logo se tornou um movimento internacional,
espalhando-se por boa parte da Europa e pelas Américas. E nessa ampliação, o
surrealismo teve uma capacidade notável de se “afrouxar” e de se abrir às cores
locais. Há, portanto, muitos surrealismos, e não um só. Digo isso porque, para um
brasileiro, o contato com o surrealismo português sempre surpreende.
A começar pelo fato de que a adesão ao movimento foi bem mais intensa em
Portugal do que no Brasil. Não por acaso, vocês tiveram uma vertente mais radical
do ponto de vista político, como foi o abjeccionismo, que é riquíssima. Não tivemos
nada parecido entre nós. Tampouco tivemos uma figura catalizadora desse espírito
como foi aí o Cesariny, um transgressivo em período integral. O surrealismo
brasileiro, eu diria, foi bem mais comportado, mais bon enfant… Não por acaso,
poetas como Murilo Mendes ou pintores como Ismael Nery, que eram entusiastas
simpatizantes do movimento, também foram católicos declarados e fervorosos!
O seu estudo magnífico sobre Sade também mereceria a atenção dos portugueses.
Creio que há poucos livros (que não sejam sobretudo trabalhos académicos e
pouco conhecidos) sobre o autor em Portugal e sobre a sua herança, na literatura
erótica contemporânea…
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Ribeiro de Mello, Aníbal Fernandes e tantos mais. O que dizer das extraordinárias
edições da Afrodite? E aquelas da Etc.?
Mas talvez essas já sejam águas do passado. Vejo muitos indícios de mudanças no
que se refere à erótica literária em Portugal, e a própria publicação da Antologia da
poesia erótica brasileira dá sinal disso, não é? Sem falar de outros autores brasileiros
do gênero, como é o caso do Reinaldo Moraes, que já publicou aí, recentemente, o
notável Pornopopéia e o delicioso Cheirinho de Amor. Ou o livro Obscénicas, com
textos pornográficos da Hilda Hilst e desenhos incríveis do André da Loba, que saiu
pela Orfeu Negro em 2014. Também adoro a coleção de textos obscenos da Tinta-da-
China, coordenada por António Ventura, que tem títulos incríveis. Temos que ficar
de olhos abertos: tem muita coisa interessante “pipocando” por aí, como se diz no
Brasil.
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com quatro dossiês de peso, que passam pelo abjecionismo, pelo surrealismo, por
Bocage, Sade e muito mais? Isso tudo vai mudando a paisagem sensível e — por que
não? — abrindo caminho para que autores como Sade reapareçam com nova força
na cena cultural lusitana.
Eliane, como vês o futuro do Brasil, do ponto de vista político e social, nesta hora
difícil que vocês estão a passar? Com optimismo?
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