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REVISTA MILITAR

N.o 10 I OUTUBRO DE 1970 III Século I Ano 22.


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As doutrinas expostas são da responsabilidade do, seus autores. A Direcção agradece


a colaboração nas normas tradicionais da «Revista Militaf))

RECONQUISTA CRISTÃ DA PENíNSULA IBÉRICA

4-NAVAS DE TOLOSA
(16 DE JULHO DE 1212)

Brigadeiro
.T. A. DO AMARAL ESTEVES PEREIRA

PRELIMIN ARES

Não se deixou abater Alfonso VIII de CASTELA pela


morte do filho primogénit0', D. Fernando, em 1211, de uma
febre maligna, ao regressar a MADRID de uma expedição
a MONTANCHEZ e TRUJILLO. Fora bem mais rude o
golpe sofrido pela enorme derrota em ALARCOS, no mês
de Julho de 1196; estivera derrotado também m0'ralmente
e, nessa emergência, assumiu papel relevante sua esposa,
a boa rainha D. Leonor, animando-0' e exortando-o a conti-
nuar a luta contra os Muçulmanos, no que foi secundada
por muitos nobres e prelados.
Vimos, num artigo anterior (l), qual foram as primei-
ras manifestações desta viril reacção de Alf0'nso VIII. Im-
petrou o auxílio do Papa Inocênci0' III, que pregoJl uma
nova Cruzada, concedendo a t0'dos, que a ela concorressem,
as costumadas indulgências plenárias.

(1) Vide «ALARCOS», no número anterior desta revista.


6_5_0 ~R=E~V~I=S=T~A~M=IL~I~T=A=R ------

Assim, atraídOos por estas e pelas exortações


- . en--
do Arc
bispo de TOLEDO, D. ROodrigoJimenez, come~arar:n a JU
tar-se nesta cidade cavaleírrs, de várias procedências- I i-
Por esta forma, se congregaram, entre outros, cava e
ETA-
ros da LOMBARDIA, de LYON, de VIENA, da: BR 080'8
NHA, do ANJOU de LIMOGES, de BORDEUS, nurner 'a-o
'
Portugueses, cavaleiros e infantes dos concelhos, em bn II
da futura infantaria, enviados pelo nosso D. Afons~ e
(o Gordo), que, assoberbado com questões da governaça~as
e lutas com suas irmãs, não poude fazer parte das for _
on
enviadas. Além destes cruzados, dos Reis peninsulares(~an_
correram pessoalmente, entre eles os de NAVARRA obera-
cho-o-FOorte) e de ARAGÃO (Pedro II); os Condes s RA
nos de BARCELONA, AMPÚRIAS, ROSELLON e. L~s d~
e o clero, magnificamente representado pelos arcebisf EDO.
BORDEUS, de NARBONE, de POITIERS, de TOL ONA.
de TARRAGONA e os bispos de CUENCA, BARCEL -de
PLASENCIA, ÁVILA e cavaleiros professos das Ord:n~ de
SANTIAGO, CALATRAVA, do TEMPLO e de S. JOA
JERUSALÉM. al
Além desta brilhante cohorte de cavalaria rnedievJIl~
.
aínda em todo o seu esplendor, formaram parte do enor i-
- . numerosas «mesnadas» dos Conce lh os e Cornun
exercito GAL.
dades das cidades e vilas, entre eles as de PORTU ve-
que não tiveram menos brilhante papel na luta corno
remos. Ser-
E que dizer da carriagem, da impedimenta, dos « oIll
viços» como hoje diríamOos? As crónicas falam, talvez ~ o
exagero, de um «combOoio de 70 000 carros» (ArceblSPte
D. ROodrigo) e ainda 9000 azérnolsj, com cargas de bas .
levando, q~ase exclusivamente, pão!... EDO.
TUdo Isto se foi juntandOo nos arredores de TO~IJk
armando extensos acampamentos nos terrenos dos A
RES
e dos CIGARRALES. E a concentração pou de con-em
siderar-se completa na manhã de 21 de Junho de 1212,.
que se mlClOU a marcha de aproximação para o in . iJIllgo.
isto é, para o Sul. _

. ai-se fer-i
enr uma das mais notáveis batalhas d a. Recon do
qmsta, mas também uma das mais salientes debaIXO
ponto de vista tá
RECONQUISTA CRISTÃ DA PENíNSULA IBÉRICA 651

.. De facto, cO'nfO'rmea opinião de crO'nistas e de críticos


nuhtares do País vizinho, na estrutura táctica desta bata-
lha e na sua preparação, vamos notar que já se seguiram
normas e métodos bastante acertados: houve reconhecimen-
tos prévios; houve escolha ajuizada de posições; efecWou-se
u.m escalonamento em profundidade e em largura dos vá-
rios troços do exército, com uma concreta divisão em van-
guarda, centro e retaguarda; houve a preocupação de cober-
tura na frente e nos flancos; colocação e emprego Ü'portuno
das reservas; colocaçãO' certa da impedimenta, carrria-
gem, etc.
E ainda, e isso assume importância capital, o apareci-
mento e emprego judicioso de uma peonagem, infantaria
representada pelas milícias dos CO'ncelhos, das Cidades, Vi-
las e aldeias, aql.lela arma que vencera em MARATONA e
O'~tras batalhas da Alta Antiguidade. E nessa infantaria,
ainda incipiente, teve papel relevante a peonagem portu-
guesa. E foram estes característicÜ's que tO'rnaram NA VAS
DE TOLOSA, não só por ter sido uma estrondosa vitória
militar e política, um exemplO' frizante do progresso na
Arte Militar.
Dizem Ü'Scronistas que, naquele momento, «se pode
afirmar existir já um conceito claro de verdadeira Arte
Militar em toda a PIDNíNSULA IBÉRICA».
Antes de continuarmos no relat'O das operações por
parte dos Cristãos, vamos ver o que se passOu nO'Sarraiais
Muçulmanos.
. Em face destes preparativos e de umas incursões pre-
Iimínares de Alfonso VIII a JAEN, BAZA, ANDÚJAR, em
terras almohadas, em que O'bteve triunfos, Nacer, sucessor
de Yusuf-ben-Yacub, proclamou a guerra-santa e embarcO'u
para a PENíNSULA, fazendO' transportar um enO'rme exér-
cito de grande número de tribO's africanas, desde egípcios
e persas até aos naturais' do MOGREB: um exército «como
jamais tinha pisado solO' das ESPANHAS», no dizer dum
cronista! Devem ter-se concentradO', a pO'uco e pouco, nos
arredores de SEVILLA, local cO'stumadO' de concentração
das tropas MahO'metanas. E é desta região que se vai dar
também a marcha de aprO'ximaçãÜ' para Norte, ao encontro
do Adversário.
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REVISTA MILITAR

Segundo as crónicas coevas pode-se estimar


. ap roxim a-
Mu-
_-
damente em 300 000 homens o efectivo total das forças es
çUlmanas, na maioria Almohadas mas tambem ' A n daluz .er'-,
. 'ue
tnbos do SARARA Bereberes e 10000 negros q sE"r
.
VIam "
de guarda ao>quartel general, ao chefe supreImo
Alfan 0 -
NACER, seu Estada-Maior e ao acampamento (o e
Ian-
que), operando acorrentados em cadeia humana e de
ças fincadas no solo!", , I s se-
Da parte das tropas Cristãs podemos computa- a 'mas
gundo as crónicas, inicialmente, em 90 000 homens, mOs,
não foi este efectivo que entrou na batalha, como vere doS
mas mUlto. men0's, o que aumenta, amda . mais,
. o valor
Cristãos".

A APROXIMAÇÃO

C0'ncentrados os CristãO's nos arredores de S EVILL.A LÓ-


e repartidos em: Vanguarda, comandada por D, D'egO' 1. os de
pez de Raro e composta pelos troços de Cavaleír JE-
CALATRAVA, SANTIAGO, TEMPLO e S. JOÃO d~LA;
RUSALEM, acompanhados das milícias de CAST . .AI-
Centro, exclusivamente castelhano, do comando do Re~R.A
íonso VIII; Ala direita, do comando do Rei de NAVi'i,a
Sancho el-Fuerte e composta dos troços de Caste ola nas es-
Navarros, Bascos, Portugueses, Galegos e outros, a Cat -
querda, do comando do Rei de ARAGÃO Pedro II el ó
de
lico e composta dos troços de LIRIA de TERRASA, 'OS
Aragoneses, Catalães e Estrangeiros (cruzados
' vo Iu ntárt(re-
de várias proCedências) e, finalmente, a retaguarda do
serva), exclusivamente Castelhana e como o Centro ,
exclusivo comando do Rei de Castela, . ia-
Assim divididos, num dispositivo equilibrado inlC ho
ram a marcha. de aproximação, na manhã de 2~ de ~U~O_
de 1212, segulndo para o Sul por dois itinerários (1 ). ela
LEDO-LAYO-CUERVA_LA TOLEDANA-MALAGON, P

(') Aconselha-se o leitor a seguir o desenrolar da accaâo por


um boa carta de ESPANHA
RECONQUISTA CRISTÃ DA PENíNSULA IBÉRICA 653

direita e: TOLEDO-ORGAZ-FUENTE DEL FRESNO-MA-


LAGON à esquerda e depois conjuntamente: MALAGON-
_CALATRA VA, ALARGOS _CARACUEL -CALZADA DE
CALATRAVA-VISO DEL MARQUÉZ-PUERTO DE MU
~ADIEL, onde encontraram as passagens da SIERRA MO:
ENA todas tomadas por avançadas Muçulmanas, à ex-
cepção de uma, que um providencial pastor lhes índícou
~omo desguarnecida e que foi seguida, se bem que mais
entamente. Este ponto é conhecido, pelos cronistas, por
«~ruce milagroso» e é junto ao puerto de MURADIEL. Por
ali se foram infiltrando e pela ordem: vanguarda, alas, cen-
tro e reserva, seguindo um apertado vale entre as CIMA
, ~EL REY, a SERRA deI PUERTO DEL REY, à direita e
FERRAS deI PORTAGUILLO, MALABRIGO e del
RAILE, deixando à direita a Via romana e, à esquerda,
o desfiladeiro de DESPENAPERROS e o Cerro del CAS-
T.ILLO. Esta aproximação foi efectuada em cerca de 10
dIas tendo atravessado o GUADIANA na região de CALA-
TRAVA-ALARCOS tomado estas povoações e vingado ime-
dila~amente a derrota' passada! Assim foram-se estabelecer
maIS ou menos numa linha que se pode definir pela série
de colinas: CERRO de la MESA, LAS CORRE DERAS e
ap alada
. nos flancos nos cursos de água: RIO DE LA CAM-
PANA e RIO GUARRIZAL, onde foram surpreendidos os
Maometanos que não supunham possível esta travessia da
SIERRA MORENA sem dela se terem apercebido ...
Ao mesmo tem~o e em umas 5 ou 6 etapas, segi_1ndo
as crónicas, os Muçulmanos, concentrados nos arredores, de
SEVILLA e divididos em duas colunas marcharam porr:
SEVILLA_CARMONA-ECIJA-ANDU JAR-LA CARO-
LINA, à esquerda e: SEVILLA-LA PUEBLA de CA-
ZALLA -OSUN A- ESTEP A _CABRA -J A E N - BA E ZA-AR-
QDILLOS, à direita, indo-se estabelecer numa linha aproxi-
mada: frente das Colinas de CERRO DE LA CRUZ-VENTA
NDEVA-S.ta ELENA apoiada também nos mesmos cursos
de água, nos flancos: como a frente cristã, e aproximada-
mente na vertente meridional da SIERRA MORENA. Aí o
Sultão, Mohamed En Nacer (OU Innacir), pl'oc1amado Emir
AI Mamolin (emir dos fiéis) e que OS cristãos traduziram
por Miramamolin (ou Miramolim, mais simples), dispôs as
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"REVISTA MILITAR

suas hostes em arco de círculo côncavo para o nolado


adversário tendo no centro a cavalaria Almohada,
esquerdo as ,
tribos do SARARÁ, no flanco dlrel . íto a'
---
flancodo
s trO~
'arraial
pas Sírias, Persas e Árabes, tendo à retaguarda dO do seU
fortificado, onde instalou o seu P. C., Q. G. e se ~ ° lig -
a
E. M. e em que a guarda de 10000 negros do SUD; f~nsiVO
dos' por correntes de ferro faziam um quadrado e este
humano de lanças fmcadas .' no solo! Ch am ava-se vas a de
arraial, que englobava o trérn, a carriagem, as reser .nda a
.
alImentÜ's e o gadO', o ALF ANEQUE. A r et a guardaC ai val .
reserva mas não na mão do Chefe, composta de a arla
e dos Peões Andaluzes, com seu comando próprio. e:x: -
Assim, estavam frente a frente os dois grandes e ér
o
.
citos; o Muçulmano, que se estima . em 30 O 000 homens d pela
Cristão, que já a essa altura estava bastante desfalca ~ doS
deserção de alguns troços estrangeiros. De facto, p~rfr:nte,
«cruzados» estrangeiros, com o Bispo de NANTES aAND.A.-
ou por não poderem suportar o calor do clima de tão altaS
LUZ, por não estarem habituados a temperaturas (l.am
no verão, ou descontentes pela escassez de vrver , res rna -
forrageando e alcançando recursos locais ao longo da. dar
cha), ou, por doenças que começaram a grassar, 0\;1, alnma-'
segundo alg).lns cronistas, por terem sido reíreados na s o
t
ança m . dllscnmlllada
. . de prisioneiros Mouros e Judeu ,da
que pretendiam levar a cabo depois da conquist . ta de caon-
d
uma eas povoações', por onde passava'm e o qu era c ue,
trário à política dos Reis Cristãos da PENíNSULA e q rte
por isso, não o consentiam por estas razões todas, ou padO'
delas, empreenderam o regresso ' aos seus países, qu an rn'
na altura de BENAVENTE e de ALMAGRO, esta:~e~
apenas, a dois dias de marcha de distância das pOS1Ç
muçulmana!sl
.... tes
Esta defecção foi uma grande perda para as hos do
Cristãs, não só em efectivos mas até pelo abaixamentoliar
moral, que em parte se deu. Assim, já não se pode ava 00
nos 90000 homens iniciais, mas, talvez, nuns 60 a 70 O
apenas. Isto ainda lhes acresce o valor!... be-
Refeitos dasurpresa, as tropas de EN NACER est~e_
lecem-se na esplanada que constitui a série de encostas. as
·d· . d flS
rr lonalS a SIERRA MORENA, a que as crónicas c ta
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RECONQUISTA CRISTÃ DA PENíNSULA IBÉRICA

NAVAS DE TOLOSA
~ n;spos;\~·YO In;c;"I-
.~y

--_ ......

-~.
Led,",h. U"I"MA~'-
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A-'i.",,,~Í'4a.LLc~;;dr !-la".)
e,,-Ce.J1o U~<ÍAlf· ...3aVIll)
C-AI6<l1·"~(~'''.t.N~~.\1"~)
, I>-A\~ u,ftfU~4- Af~1Jo)
E _ 1~~.I~t"••<I~(.R. ,.""~)
F_ Ti~YI\ C.A.,y~j)l)

:~amam: «NAVAS de TOLOSA» e os crouistas mouros:


acab La Colina, ou Rins el Ugabl del Castilho de Aguila,
nomes q ue f.icaram a apelidar este gran de pre'1·
10.
O dispositivo comum inicial único que podemos apre-
t
senta r com certos visos de verdade
' (guardados certos de-
.alhes. ' um pouco supostos) é o que se f··Igura no croquIS
JUnto.
656 REVISTA MILITAR _
--------~~---------
A BATALHA

Ainda não refeito da surpresa de o exércít das~ocoter. -


, . o Crista
conseguido chegar às suas posições, nas vertent~s iteW do l1
nas como acabámos de indicar, o «Rei Verde» ep m uma
Emir En Nacer por audar normalmente ves tido 1 cotaca aS
«djilaba» verde de seda), intentou imediata~ente :atig r
posições cristãs a 14 de Julho, mas estes, ainda t.verarn adOS
da penosa travessla. da SIERRA MOR ENA , entre d . 1arn urn
hàbilmente a luta com escaramuças, que se esten e~idararn
pouco de parte a parte e em toda a frente. ~ons~imenta,
as suas posições e deram maior ordem à sua írnpe man -
ao trém, com0' h0'je diríamos e ao arraial do gad~ ~ndo .Al- ti
mentos. E nisso c0'nsumiram os dias 14 e 15, decidi , meia
fonso VIU Só iniciar a luta formal a 16. Para iSSO'laorada,
noite de 15 para 16, segund0' as crónicas, fez-se a a v . foi
preparou-se tudo para a batalha e, ao romp . er do dia,arc
a -
rezada missa, confissão e comunhão gerais, tendo 0'Sturne .
bílSpOSe b· .
.lSp~s . ~ s. do cos
lançad0' as bênçãos e ~bs:?Iviçoe da van- e
O pnmelro ataque coubo aos Cristãos: o troçam todo o
guarda, do comand0' de Lopez de Raro, ataca co tiag ,
vigor; os cavaleiros das ordens de Cala trava , San lario
Templo e S. João de Jerusalém, a fina flor da ~ava ba a-
me diieval, com suas armaduras brilhantes, b an delfaS,idáv l
sões, plumas e divisas coloridas, ataca, em for~ el
que
CUnha, o centro muçulmano da Cavalaria Alrnoha ~'bra-
resiste bravamente e ensaia um contra-ataque, que ~ecun-
vamente também sustado pelas milícias de Castela, '" m -
dando a valente cavalaria da vanguarda. Mas as alas eaoos
metanas
C ensaiam um primeiro movimento envolven.te de-
nstaos
· - cedem e parte deles só honra lh es se ja feIta,VIII
banda, um pOUco em desordem.' Vendo isto, Alfons~e ,eu
atento à manobra, avança com o centro Castelhano, d ' até,
próprio c0'mando e carrega sobre os Almohadas, ten O.ndo
nesse ataque, estado em grande perigo; nao - co nsegUlnça
vencer a resistência tenaz dos adversários; manda ~vanoVO r
parte da reserva (retaguarda castelhana), que d ida e
alento à luta, levando o centro maometano de vencI s-
chegando a acometer a reserva destes _ os Andaluze
RECONQUISTA CRISTÃ DA PEN1NSULA IBÉRICA 657

~ue se furtam à luta, retirando, como vingança, por En


acer ter mandado degolar, sem julgamento e só por capri-
~ho cruel, o seu chefe Ben Kadir. Daqui, Alfonso VIII es-
fava sem adversários pela frente e voltÜ'u-se contra O'«Al-
~neque» colaborando um troço de reserva na sua penetra-
çaÜ'.e conquista. Mas, ao mesmO' tempo que assim se pro-
~edla ao centro, as duas alas - Reis de NAVARRA, à
íreíta, e de ARAGÃO, à esquerda - repeliram as tentati-
~as de envolvimento das alas maO'metanas - das tribos do
ARARA (à direita moura) e Sírios, Persas e Árabes (à es-
~uerda moura) e rechassaram-nas para Sul, nas direcções
e LAS NAVAS (à direita cristã) e de VILCHES (à es-
querda cristã), o que resultou, pois, a resistência muçul-
mana, roto o centro, tinha já diminuído cO'nsideràvelmente.
Seguiu-se, então, o investimentO' ao «Alfaneque», no
que colaboraram pela direita O'troço do Rei de NAVARRA,
~ela esquerda, o de ARAGÃO, pelo Norte, um troço de
ASTELA, ao comando de Alvar Núnez de Lara, pO'r
:ando d~ Rei, Rouperam as defesas exterior~s fortemente
b' tnnchelradas, rouperam as cadeias de NublOS que for~m
arbaramente trucidados e tomaram a tenda real, o arraIal
e a ímpedimenta,
. já Nacer tinha prudentemente mÜ'ntado
U~a égua, que um dos se]lS fiéis servidores lhe apresentO'u,
dIzendo: que «ela não sabe deixar mal a quem a cavalga
e ~lá te livrará com vida, da qual depende a segurança de
nos todos»! ...
Com a retirada do Miramolim, a debandada das reser-
vas e a derrota das alas, estava ganha esta grande batalha,
uma das mais estrÜ'ndÜ'sas vitórias cristãs em terras da PE-
NíNSULA ...
É preciso notar-se que na ala esquerda cristã, no troço
do Rei de ARAGÃO onde pertenciam Ü'SEstrangeirÜ's, estes
est avam já num reduzido
' númerO', dada a de f ecçaO'opera
- da,
uns dias antes, como referimos. Esta ala estava portanto
mais desfalcada o que não acontecia à ala direita, onde
nós Portugueses tomámos parte, em grande númerO', es ao
lado de GalegÜ's CastelhanÜ'S, NavarrÜ's, VascÜ'se LeÜ'nes ,
SÜ'b'retudo com a nossa peonagem, que, naÜ'- so/ no a t aque a'
ala esquerda moura cÜ'mo na penetraçãO' do «Alfaneque»
se po r t aram à altura ' já das suas traidilÇoes.
-
658 REVISTA MILITAR
_--'

A Propósito Balesteros na sua crónica «Los Anales


Toledanos» dá-nos " com simplicidade e com perfeIta , I'sen-I
'
ção, qualquer coisa de honroso para a nossa incipi, "ente n-
aO
Iantaría. Depois de referir que Alfonso VIII, em carta '_
Papa relatando a batalha fixou aproximadamente 0', nU
, O
mero de estrangeiros, que intervieram, ou 1~0 cav deve aleIro S,

10000 ginetes (cavalaria ligeira) e 50 000 ~eoe~ (~,~deantes


haver exagero a não ser que seja o efectivo inicial
da deserção), '.Nesta conta, inclui o monarca Caste ,lhanoS" rtu-
certamente - diz Balesteros _ as numerosas tropas po NY1

guesas, enviadas' por li, Afonso II e em que «avultava/l


"da;de U

copiosa multidão de peões e que com admirável ag2l2 ,


executaram as façanhas dJe combate mais pesadas do exer:
, e que atacavam sempre com admirável e audaz un.
cito , peta»,
ed
S-
ao est as as' propnas
" palavras de D, Ro dri
rigo de Tolo, , 1
t ranscntas,
' por Balesteros e que foi testemunha pr esencIa. o'
da batalha, tendo sido ferido no. próprio dia 16 de JVlh, '
âa: a esta,
U(.!.
." diIZ amda
, D, Rodrigo, que marca b em o iníC'to
do rápidJo declínio dJo poder Almohada nas ESPANHAS»,
A respeito do belo comportament0' da nossa peonage.rn,
nas NAVAS, não podemos resistir à tentação de trans, cre- '
ver 01 belo trecho de Alexandre Herculano na sua Histofla
.
de PORTUGAL, 'bata-grande
fazendo comentários a esta
lh
a e a mtervenção Portuguesa nela, em que escrev e estaS
"
justas palavras:

- «Bate mais rápido o coração verdadeiramente


português, quando vê, no meio da narrativa de ~m
acon t eC2mento
'. em que os guerreiros Cris, t aos
- prat2ca-
t d
ram o o o genero de üerüdezas nao se esq cerram
' ,-' ue
escri 't ores contemporâneos "
e est11anhos a nos, UN men-
,]ln
]3,-
cionar, não as façanhas dos ilustres cavaleiros de ro
TUGAL, dessa nobreza altiva, cuja ocupação única ,~~~
a guerra, mas dos vilãos condenados pelo seu hum2lti_
dJestino à obscuridade, Lá entre a inumerável mu.
dão de homens de armas, , cobertos de ferro e mo nta- de
dos e:_nPOssantes cavalos, entre o confuso esvoaçar as
pendoes e estandartes, ao lado de maciços de lan_ç
l'-'/'--, , c'tmo
po kru.o, que bnlhavam como um pinhal, cUJo ,
orvalhadJo Se agitasse com o vento aos primei.ros ra'tos
RECONQUISTA CRISTÃ DA PENíNSULA IBÉRICA 659

de sol, a numerosa mas pobre e grosseira infantaria


portuguesa soube distinguir-se por extremos de sofri-
mento e de actividade no mais duro e pesado serviço
do exército e no valor impetuoso com que se arrojava
ao combate, como se o dar e receber a morte fosse
deleite de um banquete» .
.. .. .. .. . .. ... .. «O modo como a peonagem porrtuguesa
se houve na batalha das NA VAS não é, porém, a única
prova da importância e desenvolvimento que ia adqui-
rindo a classe populwr já no século XIII; outras virão
confirmar isto mais adiante » (1).

Esta massa era 0' povo daquela m0'narquia ainda re-


cente, que despertava numa organizaçã0' municipal e a que
osr= davam garantias c0'ntra as prep0'tências das classes
Pl1.vilegiadas - o clero e a nobreza.

CONSEQU~NCIAS

A vitória das NA VAS teve c0'm0' c0'nsequência, talvez


e
f rIZ, pelo efeito moral que produziu, o cerco e a tornada
de UBEDA onde os Cristãos aprisiO'naram ainda 60 000
m uçulmanos ' (segundo «Los Anales' TO'ledanos») e, além
desta povoação, VILCHES, BAfj"OS, TOLOSA e FERRAT,
que mantiveram apesar dos fortes c0'ntra-ataques dos Che-
fes Andaluzes de JAEN GRANADA e CORDOBA e, ainda
depois, se apoderaram 'de BAEZA, que enc0'ntraram de-
serta, abandonada ...
No fim de .Iulho desse anO' de 1212, o exército Caste~
lhano sem aliados voltou a TOLEDO, onde se dissolveu.
A . .' E'
s tropas p0'rtuguesas regressaram ao noSSO PaIS. ra
te . d dacõ
mpo! Era tempo para se evitarem maIS epre açoes e
V'exames dos Leoneses!
660
______________ R_E_V_I_ST
A_M_IL__IT_A_R_______________ _

Mas Alfonso IX de LEÃO não esperou que o reforçoo


do troço Português vencedor se fizesse sentir' d ur amente orte
n
castigo merecido e na vasta área por ele ocupada no N 'II'
, Retirou
do País. , a tempo! Parece, mesmo, que a s hostl rn-
dades entre os Reis de CASTELA e de L E-O A Cessara
, írno
pouco depois, pois Alfonso VIII, regressado com o maXl c-
prestígio, podia fazer-lhe pagar bem caro, ja " na,-oadee fara
ção e não comparticipação na Cruzada empreendld~ P a
NAVAS, . que isso era ainda o menos, mas a au dáaci a e te
aleivosia de ter ocupado praças castelhana~ ~s~mplesr;~R_
10 fortalezas!",) e ainda ter invadido terrítóríos de le
TUGAL, seu aliado, cujo Rei era seu genro e quand? : s'
Alfonso VIII, já ia à frente de exércitos Cristãos aba o ,
,
na direcção das encostas da SIERRA MORENA, ao en-
contro do inimigo!",
No entanto, diz-nos a História que mesmo nesta emer-' d
' ,
gencía, Alf 'z
onso VIII foi magnânimo, ofereceu a pa ao 12e
LEÃO, cujos preliminares se trataram ainda dentro de 12
e que se firmou na primavera seguinte (1213), A
Uma das imposições, eontudo, do Rei de CASTEL _
ao Leonês, segundo ainda as crónicas de Rodrigo de TO V-
LEDO, foi a restituição a seu genro Afonso II de PORT
GAL, de todas as praças e castel~s tomados por ele na
~ue:ra, em defesa ~as Infantas Portuguesas contr~ seu ue
lrmao e de que ele tinha tomado partido, Para estas e q
NAVAS teve consequências bem funestas! Mas isto foge
do assunto deste artigo", AS'
Pouco sobreviveu Alfonso VIII à vitória de NA V '
faleceu a 5 de Outubro de 1214, Jaz com essa boa mulher,
D, Leonor de INGLATE-RRA em dois , túmulos gemm , 8.! dos,
no Mosteiro de las Huelgas, em BURGOS, onde se en con-o
, ,
tra também o célebre «pendão das NAVAS», tomada a
Chefe Supremo Muçulmano, OR-
Nã'O consta, e parece certo, que D, Afonso II de P o
TUGAL não tomou parte na batalha, ou por estar pre:
' , po l'ítícos,
a ne~oclOS , ou por causa da guerra com a,'s IrrnaS, 1'0
ou amda, e é o mais 'plausível por ter 'Oreino invadidv pe_
Leonês, que tomara partido por , sua mulher, uma das Ir rnaS
do Rei. D, Afonso II não era contudo propriamente um.
guerreiro; por índ'Ole escapava 'à regra e ~endência dos, cava-
RECONQUISTA CRISTÃ DA PENíNSULA IB~RICA 661

. 1 a gos do seu tempo, que faziam da guerra quase


leiros fid I
f. azao
a sua r - de ser; era contudO' um monarca sensatO' e justo;
fim
0'1 um bo R·ei e, se nao
- fossem as contendas com as In-
antas, suas Irmãs, teria tido um r,einado feliz, naqueles
~~rtur.badOs tempos de conquista e lutas constantes da La
:~astl'a e até porque criou prestígio internacional pelo au-
Xl~lO prestado a seu sogro e que, afinal, indirectamente ter-
rmnou com as incursões do Rei de LEÃO, que tinham come-
çado em 1210.

*
G NAVAS foi bem a desforra de ALARCOS, como CAN-
T AS DE ONIS o foi de CHRISSUS (ou GUADALETE,j.
tanto em NA VAS, como em COV ADONGA, a principal de-
derminante da vitória foi a surpresa táctica, quer do ataque
o alto das margens abruptas do RIO DEVA, quer da pas-
sagem pelo milagroso «puerto» desguarnecida, indicado
pelo pastor. Ainda em NAVAS, a opO'rtuna entrada da re-
a, O'gÜ'após o recuo do centro, sob o comando de Al-
serv 1
fonso VIII foi também um dos fadores salientes do êxito.
E foram estes, em primeirO' lugar, as determinantes de
uma vitó1 orla
. em grande inferioridade numenca,
,. d e cerca d e
70000 contra 300000 e sem uma superioridade saliente de
terreno! ...
Quando tratarmos em trabalho futuro, do SALADO,
veremos também certas analogias, que as houve, mais ou
rneno s sempre, nas lutas entre os povos penInsu
. 1ares e a tée
de semelhanças no auxílio de parentes, em que nós POR-
TyGUESES, sempre generÜ'samente auxiliámos, em situa-
Çoes e momentos críticos os parentes CASTELHANOS,
c omo nos casos de NAVAS' e do SALADO, entre Sogros e
Genros ...
Mas a principal consequência de NAVAS foi O'abati-
mento do poderio e prestígio político AI~ohada. PoucÜ's
eno muçulmanO',
anos haviam de decÜ'rrer que outro pO'd
o dos «Menírnerínes» se havia de manifestar na PENíN-
SULA, com deSemba;ques em TARIF A em 1275. Ia come-
çar novo ciclo de lutas, em continJlação da Reconquista ...
662 REVISTA MILITAR
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NOTA FINAL

A propósito de .Sancho VII-el-Fuerte, Rei de NA-


VARRA e que comandou a ala direita, em que estavan;
incluídos os troços de cavaleiros, e peões portugueses, ~
interessante referir que este último rei da dinastia dos San
chos de NAVARRA, antes de começar a dinastia Franc~a
e que viveu de 1194 a 1234, foi o que ajuntou ao seu escu o
heráldico as célebres. «Cadenas», por ter rompido as q~~
fecharam a tenda dOIEmir Miramolim na batalha das N
VAS e que ficaram corno símbolo de NAVARRA, nos seus
escu dos heraldwÜls,
' . s-
corno se podem ver nos Ayun t a mientoS
de PAMPLONA, TUDELA, RONCESVALLES e E
TELLA.

FONTES CONSULTADAS

- do
- «História de Portugal», Ed, de BARCELOS, sob a direcçao
Prof. Damião Peres, Vol. II.
- Idem, de Alexandre Herculano, Tomo IV.
T . - das Crónicas de Balesteros do D. Rodrtgo
. de TO,
- ranscnçao .
L
EDO, e do Arabe Abdelhalin, «Anales 'CToledanos» e « r óúlca
Compostelana», em várias obras.
- «Europa, su Forja En Cien Batalhas» do General Kindelan,
Madrid, 1952. '
- Apontamentos pessoais de Estratégia.

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