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NO SALAZARISMO
1999
Este texto foi elaborado no âmbito do Projecto "Controlo da Economia e Direito nas
Ditaduras Europeias", patrocinado pelo Max Planck Institute (Frankfurt) em colaboração
com outras instituições universitárias europeias e serviu de base a uma comunicação
apresentada no Congresso "A Europa das Ditaduras - Regulação, Economia, Direito",
realizado em Berlim, e organizado pela Academia das Ciências de Berlim e Brandenburg,
21-23 de Outubro de 1999.
,
Indice
Introdução 2
Antecedentes: Um século de liberalismo em condições
de declínio económico relativo e de instabilidade política 4
Os primeiros anos do "Estado Novo" 9
Política financeira e monetária 9
A política agrícola 10
Comércio externo 13
A doutrina e as leis básicas do sistema
de regulação da economia 15
O corporativismo 16
A Constituição de 1933 17
O Estatuto do Trabalho Nacional 18
Acto Colonial 21
A fase intermédia: desenvolvimentos, impasses
e reorientações 22
Os programas de investimentos públicos 22
Condicionamento Industrial 24
Investimento estrangeiro 25
O período final: planificação, adesão europeia mínima
e formação de grupos financeiros 27
Os Planos de Fomento 27
Integração europeia 28
A emergência de grupos financeiros 29
Conclusões 30
Referências 32
INTRODUÇÃO
A regulação da economia, que foi sem dúvida uma das suas preocupações centrais
do salazarismo, levou o Estado a interferir no normal funcionamento do mercado,
qualquer que fosse o seu nível: bens, capitais, trabalho ou monetário. A economia
ficou espartilhada dentro de uma regulamentação estrita de inspiração corporativista
e, embora se respeitasse a propriedade privada dos meios de produção, não se
deixava de pregar "os imperativos da sua função social". Em particular, visou-se
condicionar a capacidade de iniciativa e a livre concorrência, favorecendo a
emergência de cartéis e monopólios. Neste sentido, foi atribuído ao Estado um papel
determinante na programação e condução da vida económica, mas não no sentido
hoje corrente de reforço das estruturas concorrenciais, da busca da eficiência
empresarial ou do desenvolvimento da competitividade internacional. Todavia,
numa perspectiva temporal mais vasta, o Estado desempenhou também algumas
funções com vista ao desenvolvimento e consolidação da base económica interna,
designadamente em termos de criação de infra-estruturas, eliminando parte do
atraso histórico neste domínio. Levando em conta este conjunto de características,
Portugal pode mesmo ser considerado, neste período, como um vasto laboratório de
experiências de regulação jurídica da economia2, no contexto de um regime ditatorial
nascido entre as Duas Guerras.
1 Sendo produto de um projecto de investigação mais vasto, conduzido à escala europeia, de estudo do controlo da economia
na sua relação com o direito nos regimes ditatoriais, esta comunicação apresenta apenas as linhas fundamentais da questão,
designadamente as principais disposições políticas e legislativas, a serem, em princípio, analisadas aprofundadamente e
sistematizadas em publicações ulteriores. Isto é particularmente verdade no que concerne às relações coloniais, onde não
iremos além do estritamente necessário para compreender o seu lugar no conjunto.
2 Devido à formação jurídica de uma parte significativa dos seus quadros dirigentes, a começar por António de Oliveira
Salazar (Professor de Finanças na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, antes da sua entrada no governo), o
património que estabeleceram neste domínio, foi considerável. Por outro lado, até aos anos 1920 e 1930, o ensino da
economia e das finanças, ainda se fazia largamente nas Faculdades de Direito, e a separação nítida entre as duas áreas
encontrava-se apenas numa fase inicial, havendo uma só escola de economia no país, onde aliás, o peso do direito estava
longe de ser negligenciável, o Instituto Superior do Comércio que em 1930, com mais três escolas (Escola Superior de
Medicina Veterinária, Instituto Superior de Agronomia e Instituto Superior Técnico) deu origem à Universidade Técnica de
Lisboa, e alterou o seu nome para Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Todas as outras faculdades de
economia são posteriores.
2
Tendo presente o nosso objectivo fundamental, no âmbito desta análise, optámos por
dividir o período em diversas fases, conscientes embora de que não se deve operar
nenhum corte radical entre elas. Contudo, começaremos por dar previamente conta
das grandes tendências da evolução económica e política que precederam o advento
do salazarismo, em particular durante o século imediatamente anterior. Só depois
iniciamos a nossa análise propriamende dita. Assim, focaremos os primeiros anos do
"Estado Novo" (1926-1932), caracterizados pelo ímpeto revolucionário usual neste
tipo de regimes, o qual aliás se irá desvanecendo à medida que o tempo passar. Em
seguida, será a vez dos anos 1933-1934, quando se assistiu à institucionalização dos
pilares essenciais do regime corporativista português, em particular através da
Constituição e do Estatuto do Trabalho Nacional. Os anos 1935-1952 serão retratados
depois, num contexto em que são reafirmadas muitas ideias e práticas iniciais do
regime, mas onde também se verificam consideráveis adaptações, designadamente
após o fim da II Guerra Mundial (entrada na NATO e na OE CE, por exemplo); de
resto a componente pragmática e de sobrevivência sempre foi uma das suas
características principais. Isto mesmo se nota no longo período final, de 1953-1974,
quando entre outros aspectos, se adoptou uma planificação económica indicativa e
se praticou uma participação mínima, mas decisiva, nos mecanismos de integração
europeia, como membro fundador da EFTA por exemplo, enquanto tomavam forma
alguns grupos financeiros nacionais. Mas, neste período, entre outros factores, os
progressos económicos e a continuação da guerra coloinial, iniciada em 1961,
entravam cada vez mais em choque com a forma ditatorial do regime, determinando
o seu fim. Concluindo, o estudo formula ainda algumas questões que nos parecem
relevantes extraídas de toda a análise precedente. Devemos acrescentar que a divisão
temporal que fizemos não é rigorosamente seguida, e que, no tratamento dos
diversos tópicos, quando isso se justificar, essas barreiras não nos limitarão.
Obviamente, outras divisões do período serão possíveis, nós tivemos sobretudo em
conta a problemática da regulação da economia.
3 Para uma biografia resumida de Oliveira Salazar, veja-se por exemplo, Valério, 1993.
3
ANTECEDENTES: UM SÉCULO DE LIBERALISMO EM
CONDIÇÕES DE DECLÍNIO ECONÓMICO RELATIVO E DE
INSTABILIDADE POLÍTICA
o estudo do regime ditatorial português, de 1926 a 1974, quer no que respeita à sua
implantação quer no que respeita à sua longevidade, reclama um certo recuo
histórico. Com efeito, a evolução económica, social e política, ao longo do século XIX
e do primeiro quartel do XX, são uma das principais chaves, senão mesmo a
principal, para a sua compreensão. Mais, embora o regime de Salazar fizesse
claramente parte da vaga totalitária que se instalou na Europa entre as duas guerras,
as suas fortes raízes locais são indiscutíveis e o contexto histórico concreto que lhe
deu origem foi diferente em aspectos importantes, por exemplo do nazismo ou do
fascismo italiano. 4 É óbvio que este tema só por si exigiria um estudo aprofundado,
designadamente comparativo, que não iremos fazer aqui. Assim, limitar-nos-emos a
definir os traços fundamentais da evolução de longo prazo que precedeu o
salazarismo, em particular desde o segundo quartel do século XIX.
Com efeito, durante todo este período, verificou-se um contraste marcado entre a
evolução económica portuguesa, colocada sob o signo da decadência, e a da maior
parte dos restantes países da Europa ocidental, onde apesar de alguma instabilidade
política se verificaram progressos sensíveis das suas economias, designadamente
através da sua modernização acelerada. O declínio económico relativo português ao
longo do século XIX, no contexto europeu, está amplamente documentado (Bairoch,
1976; Maddison, 1995) e foi debatido em vários contextos. Para Bairoch, por exemplo,
ele ficou a dever-se à má opção tomada relativamente à inserção na economia
europeia: complementaridade em vez de concorrência, sob uma forma passiva em
vez de activa (ao contrário do que fez com sucesso a Dinamarca), tendo como
consequência que a economia portuguesa fosse relegada para as últimas fileiras
europeias. O quadro 1 mostra-nos a acentuada quebra da performance exportadora
portuguesa entre 1830 e 1910, evidente quando comparada com a de países que se
encontravam em condições relativamente semelhantes. Por outro lado, e a título de
exemplo, veja-se o contraste com a Alemanha, que se lançou em novas indústrias,
tendo como base grandes empresas, organizadas em cartéis ou integradas
verticalmente, venceu o seu atraso de algumas décadas (por exemplo em relação à
Inglaterra; Kindleberger, 1996: 159), e alcandorou-se mesmo a um lugar de elevado
prestígio cultural e científico (a que de resto, não voltaria depois da destruição nazi).
Numa perspectiva de longo prazo, estes dois exemplos mostram bem as diferentes
situações históricas concretas de onde emergiu a vaga totalitária europeia.
4 Assim, enquanto que, no contexto europeu, Portugal era desde meados do século XIII, uma nação com fronteiras bem
demarcadas (excepção feita à reunificação dos dois reinos ibéricos de 1580 a 1640 e à perda do território de Olivença em
1807), a Alemanha e a Itália só se integraram nacionalmente e se constituiram como nações modernas com territórios bem
definidos, já na segunda metade do século XIX.
4
Quadro 1
No que respeita à evolução política, as primeiras décadas deste período, podem ser
sucintamente caracterizadas da seguinte maneira:
Desde os começos da década de 1850 e até meados dos anos 1880, no contexto da
Regeneração (designação que significa "restabelecimento do que está destruído", e
que tem sido aplicada a este período em que o Partido Regenerador foi
predominante), o processo de decadência económica e política, inverteu-se
sobretudo graças à acção de Fontes Pereira de Melo (Mónica, 1999). Todavia, foi
impossível consolidar estes avanços institucionalmente e a derrapagem vai continuar
nas décadas seguintes. Mais tarde, as sequelas deixadas pela Conferência de Berlim
em 1885 e posteriormente pelo Ultimato inglês de 1890, que se traduziram em
5
amputações do império colonial português, atearam o sentimento de frustração
nacionalista, que explorado pelos republicanos em ascensão, conduziram ao
regicídio de 1908 e à abolição da monarquia em 1910. Por seu turno, esta instituição,
pecando ora por omissão, ora por excesso de intervenção, revelou-se completamente
incapaz de inverter, ou sequer de travar, a marcha destes acontecimentos (Valente,
1999).
N estas condições, não surpreende que Portugal tenha claramente divergido do resto
da Europa durante este longo período, em particular no final (desde meados dos
1890, o país não participou no importante ciclo de crescimento da "Belle Époque"
que então despoletou na Europa). Este resultado está patente no quadro 2, onde,
num vasto conjunto de países europeus, Portugal não só foi o que apresentou pior
performance entre 1870 a 1913, como ainda foi o único a ver cair o seu PIB per capita
em termos absolutos entre 1900 e 1913.
Note-se, por outro lado, que o fraco desenvolvimento económico não estimulava a
procura de trabalho tecnicamente mais qualificado, o que em particular, naquelas
condições históricas, contribuía para a estagnação do sistema de ensino, aliás já
muito atrofiado por todo um conjunto de razões, que não faz sentido aprofundar
aqui. De facto, no que diz respeito às taxas de escolarização, após uma melhoria
significativa dos indicadores entre 1850 e 1878, notou-se nas décadas seguintes, uma
estagnação a níveis muito mais baixos do que nos outros países europeus. 5 É
importante referir que mais do que os efeitos positivos esperados ao nível da
produtividade, o desenvolvimento do sistema de ensino neste período, por exemplo
em Inglaterra, como sublinha Reis (1994: 242), teve sobretudo o condão de reforçar a
cidadania política.
5 Para uma comparação entre Portugal, Espanha, Itália, França e Grécia neste domínio, entre 1850 e 1910, veja-se J. Reis,
1993: 232.
6
Quadro 2
7
"Não há país nenhum no mundo, monarquia ou república, que tenha
disposições reguladoras do direito de reunião e do direito de petição mais
amplas e mais liberais do que as que estão escritas nas páginas da nossa
legislação nacional".6
Contudo, apesar dos esforços de modernização política, não foi possível inverter de
uma forma consistente a decadência económica relativa: o Estado com as finanças
em profundo desequilíbrio achou -se demasiadas vezes à beira da falência,
designadamente face a entidades estrangeiras, a industrialização continuava lenta e
tardia 7, a agricultura onde trabalhava a grande maioria da população não se
reconverteu, permanecendo atrasada e em geral pouco competitiva, a inserção na
economia europeia e mundial realizou-se da pior maneira possível, a alfabetização
era escassa, a emigração atingiu valores máximos entre 1892 e 1929 (Tela, 1994: 781),
etc.
Mas para além de nos permitir compreender melhor as circunstâncias que levaram à
emergência e implantação do regime saído do golpe de Estado de 1926, a evolução
dos cem anos que o precederam, permite-nos também em larga medida, explicar a
sua longevidade, pelo menos em comparação com os regimes congéneres europeus,
uma das suas mais flagrantes especificidades. Com efeito, após um longo período de
estagnação e mesmo de relativo declínio económico, o jogo das expectativas, tendia a
beneficiar o novo regime, isto é, por pouco que fizesse era sempre comparado
favoravelmente com o que precedia (e, de facto, vai-se objectivamente iniciar um
processo de desenvolvimento, incluindo a construção em larga escala de algumas
infra-estruturas básicas - estradas e outras vias de comunicação, barragens,
urbanização, etc. 8 -, já implementadas há várias décadas, na maior parte dos países
da Europa Central e do Norte, promovidas senão mesmo financiadas pelo Estado,
aliás dentro da linha que Friedrich List tinha preconizado na primeira metade do
Séc. XIX)9. Paralelamente, operando no mesmo sentido, o próprio regime tratou de
não alimentar grandes expectativas na sociedade, antes pelo contrário.1 0
8
OS PRIMEIROS ANOS DO "ESTADO NOVO"
A "obra financeira" de Salazar foi desde logo lançada pelo Decreto nO 15 465 de 14
Maio de 1928, ou seja cerca de duas semanas depois da sua tomada de posse como
Ministro das Finanças, que reformou o orçamento e instituiu o princípio da unidade
e da cobertura das despesas ordinárias pelas receitas ordináriasl l . Na sequência, o
orçamento para 1928-29, que seria o primeiro a evidenciar um saldo positivo,
assentava já numa nova ordem de prioridades: equilíbrio financeiro, estabilização
cambial, consolidação da dívida, e só em último lugar, o fomento (Telo, 1994: 788).
11 Não se pense no entanto, que a vinculação aberta de Salazar com o regime se iniciou com esta data. Com efeito, logo a 24
de Julho de 1926, tinha sido nomeado presidente da comissão para a reorganização das contribuições e impostos.
12 Faz parte de um "pacote fiscal" aprovado na mesma altura, entre os quais se conta ainda o Decreto nO 16733 que tinha
como objectivo a luta contra a evasão fiscal (passa-se a tributar não o rendimento declarado, mas sim o considerado
"normal").
9
andavam muito diversas" (Rodrigues, 1979: 15), estabeleceu as novas bases do
sistema fiscal português, produzindo um aumento considerável das receitas13 .
Por outro lado, é rejeitado o recurso a empréstimos externos (ainda que se continuem
as negociações com vista a obtê-los), e procurando atrair os volumosos capitais em
fuga, um dos objectivos principais da política deste período, o próprio Salazar
declarou: "Estabilizemos a nossa moeda e demos, logo que pudermos, a esses
capitais, com a segurança do seu valor, a liberdade de movimentos, e far-se-ão coisas
de maior vulto para a economia nacional"14. Com vista a satisfazer os sectores
atingidos pela estabilização da moeda (em particular, o escudo tinha-se
desvalorizado fortemente desde 1919, ainda que com surtos de recuperação, gerando
como é habitual em situações deste tipo, benefícios para os "lobbies" exportadores, e
simultaneamente, uma protecção adicional da concorrência estrangeira para os que
produziam para o mercado interno), determina-se em certos casos, a elevação dos
níveis da pauta aduaneira, como veremos melhor em seguida, noutros uma ajuda
imediata do Estado, sob a forma de créditos de emergência (como para os sectores
agrícolas de exportação, através do Decreto nO 18 740 de 31 de Julho de 1930).
A política agrícola
13 Outras medidas que tem sido incluídas dentro da política financeira desta fase do Estado Novo são "a reorganização da
Caixa Geral de Depósitos (Decreto n° 16665, de 27 de Março de 1929), na qual foram incorporados os serviços de crédito e
previdência, a criação da Inspecção-Geral das Finanças (Decreto n° 18 177, de 8 de Abril de 1930), a reforma da
contabilidade pública (Decreto n° 18 381, de 24 de Maio de 1930) e a remodelação do Conselho Superior de Finanças, que
deu origem ao Tribunal de Contas (Decreto n° 18 962, de 25 de Outubro de 1930)"; Nunes e Brito, 1992: 311.
14 Citado por Telo, 1994: 789.
15 Telo, 1994: 796; 1891 foi o ano em que Portugal abandonou o padrão-ouro que havia adoptado em 1854, para detalhes,
ver Mata, 1991.
10
abandonada, mais no domínio dos factos do que formalmente, quer retirando
conclusões dos seus próprios insucessos, quer cedendo posições ao forte lobby
industrial que então se formava, como aliás veremos melhor nos pontos seguintes.
A primeira fase da política agrícola do regime foi marcada pela Campanha do Trigo,
lançada em 1929 (Decreto nO 17 252 de 16 de Agost0)16, ou seja logo nos seus
primeiros tempos, bem como da chegada de Salazar ao governo. 17 Na sequência
foram criados toda uma série de juntas, direcções e serviços, a fim de dirigir esta
campanha "nacional". Menos de um ano depois, a 31 de Julho de 1930, a Campanha
do Trigo é transformada na "Campanha de Produção Agrícola". A analogia desta
política com a "Battaglia deI Grano" então em curso na Itália de Mussolini é
flagrante. No quadro do salazarismo, independentemente das vicissitudes que
conheceu, ela foi sem dúvida representativa da política agrícola, por isso a
analisamos com maior detalhe.
16 Note-se que, desde os primeiros meses, tinham sido evidentes as preocupações do "Estado Novo" com esta política (ou
com aspectos relacionados), nomeadamente através do Decreto n° 12 023 (2 de Agosto de 1926), que estabeleceu um novo
regime sobre o tipo e preço de venda da farinha e do pão.
17Para detalhes sobre esta política bem como sobre a protecção frumentária conduzida nas décadas anteriores ao regime e as
posições do próprio Salazar, cuja identificação com a Campanha do Trigo se considera "abusiva", ver Casaca, 1983; uma
crítica sistematizada sobre alguns mitos relacionados esta Campanha é feita pelo mesmo autor em Casaca, 1987.
11
São desta forma expropriadas 108 fábricas. Mas a falta de vantagens
comparativas do país nesta cultura, e o conflito de interesses entre os
empresários de moagem e os agricultores por um lado, e os consumidores
urbanos por outro, e perante a quebra da produção que, entretanto, se
verifica (a média em 1936-40 já é apenas 30% superior à de 1926-30), o
Governo decreta, em finais de 1936, o fim da Campanha do Trigo, embora
permaneçam importantes traços desta política" (Mateus, 1998: 59).
No que respeita ainda ao sector agrícola, muita água passará ainda pelas pontes até
ao final do regime, mas numa retrospectiva realizada a partir dos primeiros anos
1970, o seu balanço surgia particularmente pobre, mais ainda em comparação com
países como a Espanha ou a Grécia: estagnação da produção, a mais baixa
produtividade da Europa ocidental, emigração para o estrangeiro de centenas de
milhares de agricultores, maior incidência relativa de um já de si elevado e
persistente analfabetismo, etc. Em particular, durante a sua longa vigência o regime
foi incapaz de estabelecer uma orientação clara, prática e sustentável para a
especialização agrícola portuguesa, tendo em conta as vantagens comparativas reais
do país, designadamente a sua situação no Sul da Europa, que não recomenda certo
tipo de produções (como o trigo). Deve-se todavia referir que, após o falhanço da
Campanha do Trigo, o regime se orientou no sentido do povoamento florestal
planeado, em particular através da Lei nO 1971, de 15 de Junho de 1938 (Branco,
1998).
18 Para uma análise extremamente bem documentada dos organismos de coordenação económica da lavoura, veja-se M.
Lucena, 1978 e 1979a.
19 Referimo-nos em particular à tendência para monopolizar a questão em tomo da chamada "crise das subsistências", isto
é colocá-la em termos de mera auto-suficiência alimentar, mais do que em termos de produção agrícola em geral, incluindo
florestal (onde o país dispõe em princípio, de maiores vantagens). A este propósito, entre outros exemplos que se poderiam
evocar, um autor escrevia no princípio do séc. XX: "Das subsistências sabe-se já que o território português poderia
alimentar um número de habitantes duas ou três vezes maior do que o actual, mas provam os factos, com uma exactidão
desconsoladora, que não pode sequer alimentar os que tem. Parece que nos últimos 50 anos, ao passo que a população da
Europa aumentou 25 por cento, terão aumentado as subsistências na proporção de 30. Em Portugal, as duas progressões
também não correm paralelamente, mas não é a das subsistências que caminha mais depressa", in J. Gentil da Silva, 1982:
984-5.
12
e os primeiros anos da adesão foram insensatamente desperdiçados numa tentativa
de manter um espectro alargado de produções agrícolas de frágil competitividade
(Castro, 1991), ao contrário por exemplo, da Irlanda, que se especializava no gado
bovino e nos seus derivados. Esta excepção é tanto mais saliente quanto se verificou,
a partir do período entre as Duas Guerras, em termos gerais, uma manifesta
convergência da economia portuguesa em relação às economias mais avançadas
(Reis, 1993; Mateus, 1998), o que parece no entanto, não ser o caso do sector agrícola.
Comércio externo
20 Com efeito, neste ano, o valor das exportações portuguesas foi apenas de 48 milhões de USD e o das exportações
búlgaras de 46 milhões de USD, encontrando-se muito aquém da Grécia (91 milhões), da Finlândia (162 milhões), da
Roménia (173 milhões) da Hungria (182 milhões), da Irlanda (225 milhões), da Espanha (407 milhões), etc.; (Maddison,
1995: 252).
21 Média das importações e das exportações anuais em percentagem do PIB, calculada a partir de Nunes e Brito, 1992: 351).
Por outro lado, embora não dispondo de dados estritamente comparáveis, note-se que a percentagem das exportações de
mercadorias no PIB era em 1929, de 6% em Portugal (o número bastante mais elevado que apresentamos no texto, deve-se
ao facto, aliás tradicional em Portugal, do valor das importações de mercadorias ser muito superior ao das exportações),
enquanto a relação similar era de 8,6% para França, 13,3% para o Reino Unido, 17,2% para os Países Baixos, 12,8% para a
13
exportador e era pouco aberta, encontrando-se por conseguinte relativamente
isolada do exterior22, mesmo antes da crise despoletar.
Quadro 3
(Índice de 1929=100)
Ale-
EUA RU França Brasil Portugal
Anos manha
P.Ind. PIB P.Ind. P.Ind. P.Ind. P.Ind. PIB PIB P.Ind.
1925 82 92 90 86 87 86 82 85 87
1926 86 89 85 78 89 102 83 85 94
1927 86 96 98 98 88 89 89 100 96
1928 91 97 97 101 94 102 100 90 97
1929 100 100 100 100 100 100 100 100 100
1930 81 99 97 89 97 101 98 99 99
1931 66 94 93 69 91 85 96 104 100
1932 52 95 91 63 85 73 99 106 104
1933 62 98 94 67 91 81 108 113 110
1934 67 104 104 82 91 76 116 118 114
1935 78 108 112 99 88 72 119 112 113
1936 93 113 121 111 92 74 130 104 113
1937 97 117 128 126 97 78 134 121 122
1938 78 118 122 139 96 74 140 122 125
Alemanha e 13,3% para a Europa ocidental (Maddison, 1995: 37; as duas séries, exportações e PIB, são neste caso a preços
constantes de 1990, Portugal não consta da amostra).
22 Uma análise particularmente ilustrativa a este respeito, foi feita pelo secretário para os assuntos comerciais da Embaixada
britânica de Lisboa, em 1932; veja-se a sua reprodução parcial em P. C. Schmitter, 1999: 50.
14
No entanto, a Grande Depressão não deixou de favorecer o clima geral existente no
país no sentido do fecho e da autarcia, designadamente na perspectiva do império
colonial (Miranda, 1987), susceptíveis de discussão quanto à sua profundidade, mas
em todo o caso bem presentes até final dos anos 1950, quando se atingiu um máximo
do comércio colonial (africano e asiático) dos últimos duzentos anos (Clarence-
Smith, 1985: 230). De certa forma a Depressão Mundial contribuiu mais para criar o
décor para o tipo de crescimento que se vai seguir, muito baseado nos modelos de
economia fechada e na substituição de importações, do que pelos seus consequências
propriamente ditas ao nível da produção, emprego, preços, etc. (talvez com a
possível excepção relativa das remessas de emigrantes, designadamente quando
provenientes do Brasil, cuja importância no período não pode ser subestimada).
Talvez isso se deva ao fraco grau de abertura, ou à pouca atenção dada ao sector
externo, de todo o modo é um facto que importa sublinhar.
23 Sobre o séc. XIX, P. Bairoch escreveu: "Mas, se no conjunto, a política aduaneira portuguesa não pode ser considerada
como um livre-cambismo integral, convém todavia não cair no erro inverso considerando-a como proteccionista"; 1976:
269.
24 Todavia, mesmo nos anos 1950, quando se atingiu um máximo histórico no comércio colonial, este não ultrapassou
sequer os 30% do total à exportação, menos ainda à importação; J. R. Silva, 1990: 132.
15
Nacional (ETN), cujos articulados aliás, intercomunicam largamente. Embora, no
meio de muitas outras disposições de carácter geral, o que não deixa de ser típico
deste regime e de outros congéneres, na medida em que tentam enquadrar o
conjunto da vida dos cidadãos, estes são sem dúvida os dois textos legislativos com
maior projecção sobre a regulação da economia. No âmbito desta análise textual,
incluiremos também o Acto Colonial que, embora aprovado em 1930, talvez por
razões tácticas, acabou, cerca de duas décadas mais tarde, por ser integrado na
Constituição. Com efeito, para além de disposições reguladoras próprias neste
domínio, desde logo, e mais ainda à medida que o tempo decorria, a relação colonial
torna-se-ia essencial na vida institucional do regime.
o corporativismo
25 "O pensamento social democrata-cristão, no interior do qual se forjou em Portugal o corporativismo salazarista,
constituiu-se como é sabido, como tentativa de resposta doutrinária interclassista ao liberalismo burguês e ao socialismo, nas
suas várias expressões teóricas"; Cruz, 1978: 267).
16
particular da Carta deI Lavoro (supressão dos sindicatos livres - que passam a
"sindicatos nacionais II -, do direito à greve e do "lock-out", etc.). Vejamos pois com
maior detalhe, alguns aspectos fundamentais desta legislação.
A Constituição de 1933
17
da sociedade e deles próprios, mas a colaborar mutuamente como membros
da mesma colectividade" .
Tal como vimos, no caso da política financeira, isto é, da vida económica do Estado,
que desempenhou (e continuou a desempenhar) um papel primordial no regime,
constatamos agora de novo que, através da Constituição, o seu poder de intervenção
na economia, quase não tinha limites. Segundo F. Rosas: O corporativismo /I
português nascia, mesmo no seu enunciado legal básico, ... como fortemente
direccionado para a intervenção económica sob a tutela do Estado, tanto na iniciativa
de criação dos respectivos organismos, como na sua efectiva orientação e
articulação" (1996: 202).
Mas, a este propósito, tem particular interesse referir aqui alguns artigos que
contemplam a propriedade, o capital e o trabalho (Título II):
27 São de referir os Decretos-Lei n° 23 049 (que estabeleceu as bases da organização corporativa patronal- Grémios), n° 23
050 (que instituiu os Sindicatos Nacionais), n° 23 051 (que autorizou a criação de Casas do Povo), nO nO 23 052 (Casas
Económicas), n° 23 053 (que criou o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência). De uma forma geral, estes organismos
eram enquadrados pelo Título III do ETN, referido mais adiante. Note-se que um dos importantes domínios que ficou sob a
alçada da organização corporativa foram as instituições de previdência social (Art. 48° do ETN). Aliás, também a
Constituição era clara neste aspecto, estabelecendo que: "O Estado promove e favorece as instituições de solidariedade,
previdência, cooperação e mutualidade" (Art. 40°).
18
Art. 14°: Sobre o capital aplicado em exploração agrícola, industrial ou
comercial impende a obrigação de conciliar os seus interesses legítimos com
os do trabalho e os da economia pública.
Art. 15°: A direcção das empresas, com todas as suas responsabilidades,
pertence de direito aos donos do capital social ou aos seus representantes. Só
por livre concessão deles o trabalhador pode participar na gerência,
fiscalização ou lucros das empresas.
Art. 21°: O trabalho, em qualquer das suas formas legítimas, é para todos os
portugueses um dever de solidariedade social ...
Art. 22°: O trabalhador intelectual ou manual é colaborador nato da empresa
onde exerça a sua actividade e é associado aos destinos dela pelo vínculo
corporativo."
O Título III do ETN aborda a organização corporativa, vale a pena considerar aqui
alguns artigos:
19
Estes são alguns dos aspectos mais relevantes do ETN28, cujas disposições
procuravam enquadrar o mais possível a vida económica e social do país e de todos
os que nela participavam activamente.
28 Dispunha ainda de um Título IV (" Magistratura do Trabalho"), que fundamentalmente regulamentava, através de
trâmites específicos, os conflitos de trabalho.
29 1994, p. 801. Esta obra apresenta abundante e relevante informação sobre o enquadramento jurídico da regulamentação
do trabalho, sobretudo entre o início dos anos 1930 e o fim da Guerra.
30 O art. 9° do ETN tem uma redacção mais prolixa sobre o mesmo tema, mas o conteúdo é semelhante. Em particular,
estabelece, desde logo, de modo claro, que" é acto punível a suspensão ou perturbação das actividades económicas" .
20
minuciosamente as formas de coligação de trabalhadores e patrões e proceder
à hierarquização das penas que lhe eram aplicáveis" (1994: 801).
Acto Colonial
31 Termos de uma nota oficiosa de 29 Abril de 1930 do Ministério das Colónias de Salazar; Rosas e Brandão de Brito, 1996,
VoI. I, p. 21.
21
companhias estrangeiras. Mas, mais significativa ainda era a declaração geral,
segundo a qual: "é da essência orgânica da Nação Portuguesa a função histórica de
colonizar as terras dos descobrimentos sob a sua soberania" (Art. 1330 da
Constituição). Neste sentido, não surpreende que o salazarismo tenha
substancialmente reforçado a administração pública nas colónias, passando as suas
despesas de 22 % do total em 1938 para 38 % em 1954, e sextuplicando em termos de
valor (Matos, 1996: 493).
22
correspondendo basicamente a esta fase), abrangendo sectores muito diversos. Ao
abrigo desta lei foram projectados e executados um conjunto de planos parciais32 :
Ainda em relação com esta política, um aspecto particular que vale a pena referir, foi
o aparecimento de algumas figuras públicas de grande dinamismo e visão que,
embora integrados nos quadros do regime autoritário, projectaram uma imagem de
competentes realizadores não necessariamente eivados de preconceitos políticos.
Dois casos diferentes, mas talvez os mais representativos foram os de Duarte
Pacheco (1899-1943) e Ferreira Dias Jr. (1900-1966), ambos Professores do Instituto
Superior Técnico,35 que desempenharam vários cargos governamentais. O primeiro
ficou célebre sobretudo como responsável da urbanização moderna de Lisboa, a
primeira operação a sério neste domínio, depois da realizada pelo marquês de
Pombal logo após o terramoto de 1755, isto é, em quase duzentos anos, bem como
promoveu inúmeras obras públicas (nos últimos anos da sua vida, 1938-40, chegou a
ser simultaneamente a ser ministro das Obras Públicas e Presidente da Câmara de
Lisboa, situação que mantinha quando faleceu em desastre de viação), a que de uma
forma geral, soube associar qualidade estética, modernidade e ousadia. O Eng.
Ferreira Dias Jr, foi o grande teórico da industrialização portuguesa nos anos 1940 e
50 e deixou obra assinalávep6, certamente marcada pelos conceitos dominantes na
32 o primeiro plano a ser aprovado dentro deste espírito, mas antes da Lei geral foi o portuário (decreto n° 17421 de
Outubro de 1929).
33 Sobre detalhes sobre este aspecto, ver Ribeiro, Fernandes & Ramos, 1987, pp. 950-7.
34 Os elementos aqui apresentados foram extraídos de A. B. Nunes e N. Valério, 1996; para uma análise mais detalhada da
execução desta Lei, vejam-se os mesmos autores, 1983.
35 O papel que os engenheiros, como grupo profissional, desempenharam no contexto do regime, tem sido um tema
importante, objecto de vários estudos, veja-se por exemplo, M. L. Rodrigues, 1999: 100-152.
36 Ver Ferreira Dias Jr.,1998, Linha de Rumo I e II e Outros Escritos Económicos, 1926-1962.
23
sua época (substituição de importações), mas um passo em frente em termos
históricos e de coerência. Foi subsecretário de Estado do Comércio e Indústria (1940-
1944) e ministro da Economia (1958-1962), procurou passar as suas ideias à prática
designadamente utilizando relevante legislação (como a já referida Lei da
Electrificação). Ambos se notabilizaram pelo carácter profundo e de futuro da acção
desenvolvida, em contraste nítido com o resto do regime melhor representado pelo
amorfismo, pela rotina e "cinzentismo".
Condicionamento industrial
Do ponto de vista da regulação da economia, uma das vertentes que assumiu maior
relevo foi sem dúvida a do chamado "condicionamento industrial", ou seja um
regime de autorização prévia para a criação de novas indústrias. O condicionamento
industrial, deu origem a uma longa série de diplomas legais, desde os primórdios até
quase ao período final do regime: na primeira fase, assumiu uma forma restrita e
transitória (Decreto nO 19 354 de 1931) para gradualmente se alargar e tornar
permanente (Leis nO 1956 e nO 2052, respectivamente de 1937 e de 1952). Num
levantamento exaustivo desta legislação, fosse ela de carácter geral, processual, ou
sectorial foram detectados 104 decretos, portarias e alvarás, entre 1926 e 1965 (Brito,
1989: 331-5). Por outro lado, a generalidade dos estabelecimentos industriais ficaram
sob a alçada desta legislação; apenas estavam livres os estabelecimentos que
empregassem até cinco operários ou utilizassem uma força motriz inferior a 5 CV, e
as indústrias caseiras (decreto nO 19 409); embora estas, mais tarde se tornassem
também semi-condicionadas (decreto nO 23 630). Assim, apesar de se tratar do
período em que a produção industrial passou a dominar no país, a industrialização
processou-se de uma maneira fortemente vigiada.
24
Havia pois um largo espectro de razões para colocar barreiras à livre entrada de
empresas concorrentes. Neste sentido, ela é particularmente representativa da
regulação da economia no salazarismo, ainda que alguns investigadores discutam o
seu peso real no curso do desenvolvimento económico do período.
Seja como for, o condicionamento industrial contribuiu para uma forte concentração
sobretudo em alguns sectores: adubos, oleaginosas, cimentos, pasta para papel,
cervejas e moagens, entre outros. Embora tenha sido objecto de algumas críticas,
mesmo dentro do regime37, o seu espírito só foi mais claramente posto em causa já
na parte final do regime (1968-1974)38 e a abolição definitiva da lei só ocorreria já
depois do 25 de Abril de 1974 (Decreto-Lei nO 533 de 10 de Outubro de 1974).
Investimento estrangeiro
No entanto o mesmo autor sublinha que a lei era bem menos ambiciosa do que o
II
sugerido pelo seu nome" (1996: 492). Mas para além de não se poder desprezar o seu
valor simbólico (liA censura autorizava ataques aos monopólios ingleses da Carris e
37 Da parte do Eng. Ferreira Dias, Jr., no final dos anos 1950, segundo o qual se verificava uma" inoperância do
condicionamento para, por si só, promover o indispensável desenvolvimento industrial", ainda que tenham sido
posteriormente amenizadas, Rosas & Brito, 1996: 267.
38 Veja-se Ribeiro, Fernandes & Ramos, 1987: 1002-5.
39 Antes não se observa qualquer legislação específica relevante, mas principalmente sobre a dívida externa e, no princípio
do regime, sobre a necessidade de atrair os capitais nacionais no exterior; para detalhes, ver L. S. Matos, 1996.
25
dos telefones lisboetas, dado assim vazão ao patriotismo económico dos portugueses
e dos oposicionistas"; Matos, 1996: 492-3), esta lei pouco mais fez do que
"portugalizar" , na medida em que a preferência na aquisição era dada aos
compradores nacionais, o capital de algumas empresas, sobretudo nas colónias.
26
o PERÍODO FINAL: PLANIFICAÇÃO, ADESÃO EUROPEIA
MÍNIMA E FORMAÇÃO DE GRUPOS FINANCEIROS
liA realização de planos económicos foi também uma obrigação para os países
recebedores do auxílio americano (Plano Marshall) e esteve na base das
negociações levadas a cabo pela primeira organização com projecção na área
da coordenação económica internacional, a Organização Europeia para a
Cooperação Económica (OE CE) e a União Europeia de Pagamentos,
organismos a que Portugal aderiu quase desde o início" (1994: 926).
Os Planos de Fomento
40 Segundo C. F. Rodrigues: "A avaliação positiva, então realizada, da sua execução (Lei de Reconstituição Económica)
constituiu um elemento importante para a decisão de aprofundar as práticas de planeamento até aí ensaiadas e traduzi-las em
planos formais"; 1996: 740. Por outro lado, importa sublinhar que houve uma articulação entre as leis de "planeamento"
anteriores e os Planos de Fomento; veja-se para o caso da electricidade, Ribeiro, Gomes & Ramos, 1987: p. 950 e sgs.
27
estímulo da aceleração do crescimento económico, embora aplicada num
quadro de autonomia relativa em termos internacionais" (1998: 85-6).
É evidente que não faz sentido analisar aqui em detalhe esta política; os próprios
Planos de Fomento foram evoluindo à medida ao longo do tempo. De todo o modo,
eles traduziram-se num passo em frente, no que diz respeito à coerência da política
económica, designadamente no domínio dos investimentos públicos (que ganhavam
uma perspectiva plurianual), bem como melhoraram as técnicas e a metodologia que
a suportava, aliás dentro de uma linha então muito comum na Europa ocidental.
Todavia, os Planos de Fomento, só por si, não garantiam de modo algum a resolução
dos grandes problemas da economia portuguesa, nem mesmo, bem entendido, o da
aceleração do seu crescimento.
Integração europeia
41 Para mais detalhes sobre Araújo Correia e o seu papel no processo de "programação e planeamento económicos" em
Portugal, veja-se por exemplo Bastien, 1985.
28
Com efeito, no período 1960-1973, a economia portuguesa articula-se cada vez mais
em função da Europa (Silva, 1990: 79-80). Como já vimos, o IDE, embora partindo de
níveis bastante baixos, cresceu fortemente, o comércio concentrou-se na Europa e a
economia tornou-se mais aberta (o que levou o país a beneficiar das correntes
internacionais muito favoráveis então em curso; em particular aumentando as
exportações industriais; Balassa, 1976). A emigração de centenas de milhares de
pessoas (sobretudo para França, e em menor escala, para a Alemanha e outros países
europeus), reflectindo embora os impasses e a falta de oportunidades da economia
nacional, integrou-se neste processo geral. Em 1968, quando Salazar foi afastado do
poder (tendo falecido cerca de um ano mais tarde), a economia portuguesa estava
significativamente mudada, processo que se acelerou nos anos seguintes sob os
governos de Marcelo Caetano (1968-1974). Em particular, a carapaça jurídica da
economia que tinha sido talhada no essencial, cerca de quarenta anos antes, estava
definitivamente desajustada da vida real portuguesa.
De acordo com uma importante pesquisa realizada nos anos 1970 (Ribeiro,
Fernandes & Ramos, 1987), as políticas públicas levadas a cabo neste período foram
também essenciais para a formação de grandes grupos económicos nacionais, sob a
forma moderna de grupos financeiros. Com efeito, ocupando simultaneamente
posições na banca comercial e na grande indústria, encontramos no início dos anos
1970, quatro grupos financeiros, quais "estruturas-chave do tecido empresarial"
português (p. 947): dois tinham origem na grande indústria, o grupo Mello (ou CUF)
e o grupo Champalimaud; os outros dois tinham origem nos principais bancos
privados: o Banco Português do Atlântico e o Banco Espírito Santo e Comercial de
Lisboa. Um recuo até 1953 permitia constatar como este processo de polarização da
estrutura empresarial, foi lento mas efectivo. Todavia, referem os autores do estudo:
29
grupos, enquanto tais, e novos elementos serão introduzidos no processo conducente
à formação de grupos financeiros modernos em Portugal. Em todo o caso, este é um
importante resultado da política de regulação adoptada pelo regime que não se pode
subestimar. Analisando retrospectivamente, é claro que ela influiu de uma maneira
paradoxal, por um lado favoreceu a sua gestação e desenvolvimento, por outro lado,
determinou as suas vulnerabilidades42 .
CONCLUSÕES
42 Como salientou recentemente o jornal Financial Times (13.01.2000), os grupos económicos portugueses que se
desenvolveram no salazarismo como Champalimaud, Mello, Banco Português do Atlântico e Espírito Santo, embora tenham
de uma forma geral, sobrevivido ao próprio processo de nacionalizações de 1975, estão a experimentar sérias dificuldades
para subsistir no contexto da União Económica e Monetária, e já foram ou estão em vias de serem adquiridos por outros
grupos mais viáveis (Espírito Santo é o único que por agora, mantém relativa autonomia), de certa forma demonstrando que
o que nasce torto nunca se endireita.
30
suas diferenças com o fascismo mussolinian043 : peso do catolicismo social (versus
relativo laicismo no caso italiano), quase ausência de partidos e movimentos de
massas, velha nação de independência consolidada contra integração nacional
recente; etc. Uma boa hipótese para a análise desta questão, na perspectiva que mais
nos interessa aqui, foi levantada por A. J. Telo:
43 Para uma discussão aprofundada desta comparação, em termos políticos, veja-se M. Lucena, 1979b.
31
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