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NOVA

GRAMÁTICA DO
LATIM
FREDERICO LOURENÇO
Durante décadas assistimos à diminuição gradual do interesse
pelas línguas e culturas clássicas. Com a publicação de obras
traduzidas do grego e do latim, por classicistas como Frederico
Lourenço (entre outros), houve uma alteração nessa curva
descendente e o renascimento do gosto por esse mundo onde
estão parte das nossas raízes.
Esta Nova Gramática do Latim é uma obra de consulta e tra­
balho e, ao mesmo tempo, um livro fascinante sobre a língua
latina, a sua literatura e os mistérios da língua que hoje falamos.

«Pois uns quererão aprender latim para ler Agostinho ou


Tomás de Aquino ou Pico della Mirandola ou Descartes ou o
padre António Vieira. Outras pessoas olharão para a Antigui­
dade romana, para os grandes autores pagãos, como principal
chamariz para pisar a ponte mental que é a aprendizagem da
gramática latina. É uma ponte que as levará do português, que
é uma forma de latim, para a explosão de nitidez que é o latim
propriamente dito. Abre-se-lhes, então, um universo intelec­
tual de cujo interesse não podemos separar o facto de conti­
nuar tão válido hoje como era ontem ou há 2000 anos. Na
verdade, podemos dizer que estudar latim é um pouco como
diz Vergílio na Eneida: "Entra-se numa floresta antiga."»
Frederico Lourenço

11111 11111 1111 1 1 11111 111


ISBN 978-989-722-566-6

9 789897 225666
Frederico Lourenço é docente de línguas
clássicas desde que se licenciou em 1988,
tendo começado o seu percurso profissional
como professor de Latim do ensino secundário.
Seguiram-se 20 anos de docência na Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, onde
lecionou sobretudo Grego (mas também
Latim). Desde 2009, é professor associado
com agregação da Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra e investigador
do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos
da mesma instituição.
Além da atividade pedagógica, tem-se dedicado
;1 traduçifo de obras da Antiguidade Clássica
(Homero, Eurípides e outros autores antigos)
e também à tradução e ao estudo do Novo
Testamento grego e dos Septuaginta. Publicou
artigos especializados sobre temas de filologia
cbssica em algumas das revistas internacionais
mais prestigiadas. Recebeu vários prémios
pelos seus trabalhos, mais recentemente
o Prémio Pessoa, pela tradução em curso
da Bíblia na Quetzal.
o
Q!JETZAL. Ave trepadora da América Central,
que morre quando privada de liberdade;
raiz e origem de Olietzalcoatl (serpente
emplumada com penas de quetzal), divindade
dos Toltecas, cuja alma, segundo reza a lenda, teria
subido ao céu sob a forma de Estrela da Manhã.
Nova Gramática do Latim

FREDERICO LOURENÇO

QUETZAL
NOVA GRAMÁTICA DO LATIM
Frederico Lourenço

1.ª EDIÇÃO
Fevereiro de 2019

CooROENAÇÃO
Francisco José Viegas

REVISÃO
Diogo Morais Barbosa

PAGINAÇÃO
Gráfica 99

DESIGN DA CAPA
Rui Cartaxo Rodrigues

PRODUÇÃO
Teresa Reis Gomes

© 2019 Frederico Lourenço e Qyetzal Editores


Por acordo com Bookoffice I www.bookoffice.booktailors.com
[Todos os direitos para a publicação desta obra em Língua
Portuguesa, exceto Brasil, reservados por Olietzal EditoresJ

ISBN: 978-989-722-566-6
Código Círculo de Leitores: 1097261
Depósito legal: 451 019/19

Execução gráfica: Bloco Gráfico,


Unidade Industrial da Maia

Qyetzal Editores é uma chancela de Bertrand Editora.

Qyetzal Editores
Rua Prof.Jorge da Silva Horta, 1
1500-499 Lisboa PORTUGAL
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quetzal@quetzaleditores.pt
Te!. 21 7626000
Sumário

PREAMBVLVM 11
ABREVIATURAS, SINAIS E CONVENÇÕES 13
INTRODUÇÃO À LÍNGUA LATINA 17
NOÇÕES BÁSICAS DE PRONÚNCIA 41

l. MORFOLOGIA

Introdução aos casos 63


Substantivos I: l.ª declinação (mensa, mensae) 72
Substantivos II: 2.ª declinação (amfcus, amfcf e dõnum, dõni) 81
Substantivos III: 3.a declinação (rex, regis; âuis, âuis; etc.) 89
Substantivos IV: 4.a declinação (gradus, gradüs, etc.) 122
Substantivos V: 5.ª declinação (res, rez) 127
Substantivos VI: substantivos compostos 130
Introdução ao verbo latino 133
O verbo sum 145
Verbos I: Presente 153
Verbos II: Futuro 162
Verbos III: Imperfeito 167
Verbos IV: Perfectum (perfeito, mais-que-perfeito e futuro perfeito) 172
Verbos V: Quadro completo das quatro conjugações 182
Verbos VI: Verbos irregulares e defetivas 194
Verbos VII: Principais verbos depoentes 210
Pronomes 214
Adjetivos 231
Advérbios 243

II. SINTAXE

Introdução ao estudo da sintaxe latina 253


Conjunções 275
Preposições 281
Sintaxe do acusativo 288
Sintaxe do dativo 295
Sintaxe do genitivo 301
Sintaxe do ablativo 309
Cõnsecütiõ temporum 316
Guia prático de orações subordinadas 321
Orações infinitivas 321
Orações finais 326
Orações consecutivas 328
Orações condicionais 330
Orações causais 334
Orações temporais 335
Orações concessivas 337
Orações comparativas 339
Orações relativas 340
Interrogativas diretas e indiretas 343
Ordens diretas e indiretas 347
Orações de quin e quõminus; verbos que exprimem receio;
verbos impessoais 351
Particípios; gerúndio e gerundivo; supino 358
III. VARIA

Numerais 367
Noções de fonética histórica do latim 371
Noções de métrica latina: poesia 383
Noções de métrica latina: prosa 407
Datas romanas 414
Abreviaturas romanas 430
Vocabulário essencial da língua latina 433
Antologia de textos 468

AGRADECIMENTOS 497
BIBLIOGRAFIA 499
ÍNDICE TEMÁTICO 503
Preambulum

Muitas pessoas gostariam de saber latim - até pessoas que não


estão hgadas às Letras. Outras - historiadores, arqueólogos, hnguistas,
teólogos, filósofos e lusitanistas - têm consciência de que deveriam
saber (bastante mais) latim. E outras, ainda, estão de facto a aprendê­
-lo em Portugal, na escola ou na universidade, mas sem se darem conta
de que, muito provavelmente, usam recursos para o estudo do latim
que ainda refletem, em pleno século :xx11 os programas e as metodo­
logias dos hceus portugueses no tempo da ditadura de Salazar.
Este livro pretende oferecer a todas estas pessoas uma gramá­
tica nova, cujo objetivo é sistematizar de forma desempoeirada os
tópicos essenciais para a leitura de textos latinos em prosa e em
verso. Em relação à morfologia, o enfoque está no «porquê» das
coisas, porque não me parece motivante pôr diante de discentes
uma língua cheia de complexidades gramaticais sem dar a ver a sua
razão. Em relação à sintaxe, optei por ser sintético e pragmático.
Perguntei-me sempre como dar da forma mais prática - para efei­
tos de leitura concreta, já que a finalidade básica de aprender latim
é conseguir ler em latim - as chaves necessárias para entender os
autores latinos. Ver-se-á que me preocupei mais com o funciona­
mento das frases nas obras dos autores do que com a sua tipologia
vista de um ponto de vista teórico. O que me interessou foi reunir
informação que possa, realmente, ser útil.
12 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

Um contributo trazido por esta gramática, que eu gostaria


especialmente de assinalar, é o «Vocabulário essencial da língua
latina» , que as leitoras e os leitores encontrarão no fim. Como
docente de línguas clássicas há 30 anos, tenho plena consciência
da desvantagem enorme em que se colocam as pessoas que, que­
rendo aprender grego ou latim, não se empenham na conquista do
vocabulário básico dessas línguas, vendo-se obrigadas, quase, a
consultar todas as palavras de um texto no dicionário. Ver-se-á que
a recompensa de aprender de cor o vocabulário essencial é muito
superior ao esforço necessário para o fazer.
O livro termina com uma antologia de pequenos textos latinos
de épocas diversas, desde o epitáfio de uma mulher romana que
morreu no século II a.C. ao epitáfio do papa Gregório V, que mor­
reu em 999. São textos exemplificativos da expressividade, da elo­
quência e da beleza poética da língua latina. A intenção da
«Antologia de textos» é permitir que as leitoras e os leitores
tenham acesso direto ao gosto estético e à recompensa intelectual
de ler latim, ao mesmo tempo que o breve comentário gramatical
colado a cada texto lhes aplana as dificuldades naturalmente sen­
tidas por todos os principiantes.
A escrita desta gramática em paralelo com a tradução da Bíblia
levou-me muitas vezes a pensar no facto de o primeiro tradutor
português da Vulgata, António Pereira de Figueiredo ( 1725-1797),
ter sido, também ele, autor de uma gramática do latim. Mas a
homenagem maior é devida a Luís António Verney ( 1713-1792) ,
autor de uma obra em cujo título me revejo por inteiro: Gramma­
tica latina tratada por hum methodo novo, claro e facil, para uso
daquellas pessoas, que querem aprendella brevemente e solidamente.
F.L.
Coimbra, 2019.
Abreviaturas, sinais e convenções

Abreviaturas

abl. ablativo
acus. acusativo
CIL Corpus Inscriptionum Latinarum
dat. dativo
DELL Dictionnaire étymologique de la Zangue latine, Paris, 1959,
4.ª ed. revista e melhorada
f feminino
gen. genitivo
GL H. Keil, Grammatici Latini, Leipzig, 1855-1880, 8 vols.
ILS Inscriptiones Latinae Selectae
m masculino
n neutro
OLD Oxford Latin Dictionary, Oxford, 1982
P· pessoa
pl. plural
SCdB Senatus Consultum de Bacchanalibus ( 186 a.C. 1)
sing. singular

1
Cf. Warmington, pp. 254-258.
14 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

s.u. sub uoce (abreviatura usada quando, na discussão de alguma


palavra, se remete para o verbete respetivo num dicionário,
e.g. «a propósito da palavra piscina, cf. OLD s.u. » )
TLL Thesaurus Linguae Latinae

Sinais

O asterisco (*) antes de uma palavra significa que se trata de


uma forma gramatical não documentada, mas reconstruída pela
linguística histórica. Por exemplo, *cans (teoricamente a forma
original da palavra canis, «cão » ) .
Os parênteses angulares (<. . .>) são usados para indicar letras
ou palavras subentendidas.
O sinal> é usado com o sentido de «evoluiu para » . Por exem­
plo, *cans > canis.
O sinal< é usado com o sentido de «provém de » . Por exem­
plo,fertur<*Jeritur.

Convenções

1) Na escrita do latim em publicações de índole académica,


a letra maiúscula tende a ser usada somente em nomes
próprios.
2) Na indicação da quantidade das vogais, é seguido o critério
do OLD, isto é, indicam-se apenas as vogais longas (ã, é,�
õ, ü), com a diferença, em relação ao OLD, de que são
indicadas, como no DELL, todas as vogais etimologica­
mente longas, mesmo em sílabas fechadas por duas
ABREVIATURAS, SINAIS E CONVENÇÕES 15

consoantes: o leitor que lê aqui gens, gentis pode partir do


princípio de que o -e- de gentis é breve (apesar de ser longa
a sílaba em que se encontra) . Como regra geral, portanto,
neste livro é breve qualquer vogal que não tenha o sinal
de longa. Por uma questão de ênfase nalgum aspeto foné­
tico, poderei explicitar pontualmente, para maior clareza,

que determinada vogal é breve ( ã, e, õ, ü); mas quem ler
aqui oli:ua ( «azeitona» ) , por exemplo, pode partir do
princípio de que são breves as duas vogais que não foram
indicadas como longas.
3) Na escrita do grego, é usado (como nas melhores edições
críticas modernas) o sigma lunar (c) , que era o sigma
conhecido no período a que diz respeito o latim descrito
nesta gramática. Os sigmas bizantinos (a, ç) , inventados
no século IX d.C., implicam o artificialismo, desconhecido
na Antiguidade, de um sigma final diferente do sigma
usado noutras posições (por exemplo, aoq,óç, «sábio», ou
I-wKpá'TY]Ç, «Sócrates» ). A convenção aqui seguida pro­
cura aproximar-se do que era usual na Antiguidade: coq,óc
e CwKpá-.ric.
4) Na citação de obras de autores latinos, prefiro de um
modo geral os títulos em latim (e.g. De officiis ou Ab urbe
conditã), a não ser que se trate de um título bem conhecido
na sua forma portuguesa (Eneida, etc.).
Introdução à língua latina

Numa sequência de versos famosamente intraduzíveis da


Eneida de Vergílio (6.851-853), Anquises, já morto, comunica a
Eneias, seu filho, o destino futuro dos romanos como um povo
a quem caberá, por meio de imperium, reger os povos e derrubar
os soberbos - ou seja, derrubar aqueles que mostrarem a soberba
de se opor à soberba imperialista romana. Outra ação de que os
fados incumbem os futuros romanos é a de «impor costume à
paz». A palavra traduzida por «costume» ( mõs) abarca consabi­
damente muitos sentidos. Ao considerarmos, porém, a história da
língua latina, podemos começar por ver nesse «costume»,
imposto pelos romanos aos territórios conquistados, o costume
de falar latim.
Das línguas faladas no que é hoje Portugal quando os romanos
conquistaram a Península Ibérica, nós, portugueses, não sabemos
falar nenhuma. O imperialismo romano foi também um imperia­
lismo linguístico, que se manifestou primeiramente na própria
Península Itálica, onde o latim começou por coexistir com várias
outras línguas itálicas, línguas essas que, pouco a pouco, se deixa­
ram exterminar porque, na prática, o latim as exterminou.
Consideremos o seguinte: são conhecidas, dos séculos ante­
riores a 100 a.C., cerca de 9000 inscrições etruscas - mais do dobro
das cerca de 3000 inscrições romanas conhecidas do mesmo
18 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

período. Se nos guiarmos, portanto, pela epigrafia, para os séculos


anteriores ao século II a.C. não se pode falar ainda de hegemonia
linguística latina. Aliás, se recuarmos ainda mais e considerarmos
o período anterior a 600 a.C., verificamos que nos chegaram cerca
de 150 inscrições em etrusco; em latim, todavia, só quatro ou
cinco. O panorama é semelhante, na representatividade mais
ou menos equitativa de testemunhos anteriores aos séculos
II-III a.C., se olharmos para as outras lín guas itálicas: osco, úmbrico,

falisco, venético e outras. A medida que o imperialismo romano


cresceu, impôs-se também o império da ün gua latina.
Hoje, além de um gigantesco corpus literário em latim que, pela
qualidade, só tem igual na literatura grega, temos conhecimento
de mais de 130 000 inscrições em latim, referentes a todo o
espaço de um império que, no seu auge, ia de Lisboa a Damasco
e de Alexandria à muralha de Adriano (situada no que é hoje a
fronteira da Inglaterra com a Escócia). A «pegada» linguística da
língua do Lácio foi, sem dúvida, esmagadora. Foi? Não: continua
a ser. Se pensarmos na forma como essa «pegada» linguística cres­
ceu desde a Antiguidade até ao presente através das línguas que
nasceram do latim - o espanhol e o portu guês são lín guas nascidas
do latim que são faladas, hoje, por mais de 600 milhões de pessoas
no mundo inteiro; mais de 130 milhões falam hoje, como lín gua
materna, italiano e francês -, ficamos com a sensação de que o
imperium sinefine, que Júpiter promete aos romanos noutro passo
célebre da Eneida ( 1.279), não parou de aumentar (se o entender­
mos lin guisticamente) até hoje.
Ora, a língua que os romanos não conseguiram nem quise­
ram apagar do seu império foi o grego, que era falado, desde o
século xx a.C., no que é hoje Grécia e Turquia. A partir do sécu­
lo III a.C., com as conquistas de Alexandre, passou a ser também
I NT RODUÇÃO Á LfNGUA LATINA 19

a língua maioritária no Egito e nos países a que chamamos hoje


Síria, Israel e Líbano. Os romanos integraram todos estes terri­
tórios no seu império, sem que isso alterasse a situação do domí­
nio linguístico do grego no Oriente. A verdade é que os romanos
das classes mais cultas e escolarizadas liam e falavam grego. É a
própria historiografia antiga a explicitar que a célebre frase atri­
buída a Júlio César - alea iacta est - não foi dita em latim, mas
sim em grego 1 • Não esqueçamos que uma das mais interessantes
obras literárias compostas por um romano - as Meditações do
imperador Marco Aurélio - está escrita da primeira à última pala­
vra em língua grega.
Por outro lado, o conhecimento de um grego porventura
menos fino era normal entre as classes mais baixas. Em inícios do
século II d.C., um homem sem grande escolaridade chamado
Cláudio Terenciano escreveu, no Egito romano, cartas a seu pai
Tiberiano cujos papiros se conservaram: para surpresa dos estu­
diosos da linguística grega e latina, tanto dava a Terenciano para
escrever ao pai cartas em latim como cartas em grego 2 • De escravos
cuja língua era o grego não havia falta em Roma. Fala-se muitas
vezes da «helenização» da cultura romana como fenómeno que
aconteceu depois de os romanos terem conquistado a Grécia, no
século II a.C. A bela frase de Horácio sobre a Grécia capturada que
capturou o seu feroz captor e introduziu as artes no «Lácio agres­
te» 3 não corresponde à realidade histórica se tomarmos, como
critério de aferição da presença helénica em Itália, artefactos gregos
e, mais importante ainda, a própria língua grega, que já era há
muito falada no sul de Itália e na Sicília quando Pitágoras andou

1
Cf. Plutarco, Pompeio 60.2.
2 Cf. Clackson & Horrocks, p. 249.
3 Cf. Horácio, Eplstolas 2. 1.156- 157.
20 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

por terras itálicas, no século VI a .C . Uma das inscrições gregas mais


antigas que se conhecem foi encontrada a 20 km da cidade fundada
por Rómulo 4• Se aceitarmos a datação proposta pelos estudiosos
para essa breve inscrição grega num vaso fúnebre (770 a .C.), esta­
mos a falar de grego em Roma antes mesmo da data tradicional da
sua fundação (753 a .C.) .
Quando, no século VI a .C ., Pitágoras deixou a sua ilha de
Samos (perto da atual Turquia) para se estabelecer em Crotona,
no sul de Itália, teve uma experiência análoga ao português que
embarca num avião em Lisboa e aterra no Rio de Janeiro: atraves­
sou o mar, fez uma longa viagem, mas a língua falada na cidade
de chegada é a mesma da cidade donde partiu. Não sabemos até
que ponto Pitágoras terá viajado em Itália (toda a sua biografia é
mais ficção do que realidade), mas se o tivesse feito, se tivesse
saído da zona de Itália significativamente chamada Magna Grécia,
ter-se-ia deparado com populações itálicas que falavam várias
outras línguas: etrusco, osco, úmbrico, venético, piceno, mesá­
pico, volsco, marso ... e latim. Eram línguas que, no século VI,
seriam tudo menos uniformes. Dentro de cada língua, haveria
oscilações gramaticais e lexicais. Se, na zona de Lanúvio, a palavra
latina para «testículos» era nebrundinês, na zona de Preneste as
pessoas diziam nefrõnês5 . Em ambos os casos, Pitágoras teria reco­
nhecido a semelhança com a palavra grega para «rins», vt:q>poL
Que os testículos fossem chamados por um nome que significa
outra coisa não teria feito impressão a Pitágoras, já que na

• Supplementum Epigraphicum Graecum 42.899. Cf. Clackson & Horrocks, p. 39.


5
Esta informação é-nos transmitida pela síntese feita no século vm d.C. por Paulo Diácono da
síntese feita no século II d.C. por Pompeio Festo do tratado sobre as palavras latinas composto
no século I a.C. por Vérrio Flaco, precetor dos netos de Augusto (cf. Adams 2007, p. 174 ). Como
se vê, a história da língua latina reconstrói-se muitas vezes por testemunhos surpreendentemente
indiretos.
I NTRODUÇÃO À LÍNGUA LATINA 21

Sicília, ao que parece, os próprios pitagóricos lhes chamavam


« favas» 6 •
Excetuando o etrusco 7, essas lín guas itálicas partilhavam com
o grego uma origem comum: são lín guas indo-europeias. Mas é
claro que Pitágoras não se teria dado conta desse parentesco, uma
vez que a afinidade entre as lín guas indo-europeias só foi cientifi­
camente estabelecida por Franz Bopp em 1816, embora já antes
do século XIX intelectuais europeus que tinham entrado em con­
tacto com a Índia tivessem reparado na semelhança entre palavras
do sânscrito e palavras do latim.
Na base da teoria de que muitas lín guas europeias (na verdade
todas, menos o basco, o húngaro e o finlandês) e asiáticas (sânscrito,
persa, etc.) têm uma origem comum estão os espantosos paralelismos
cm termos de vocabulário e morfologia. Vejamos estes exemplos:

atim grego sânscrito inglês alemão

p ater 1ta-r�p pitar father Vater


pis 1tOÜC pad foot Fufl
p linus 1tÀ� p11c pürná full voll
p rõ 1tpó prá for für

• Para as dúvidas que se levantam sobre o fragmento de Empédocles onde se fala em «favas»
( KÚa)'o,), ver a p. 289 do comentário de R. Wright aos fragmentos do filósofo pré-socrático (Yale,
1 98 1 ). Note-se que a semelhança entre a palavra normal para «testículos» (testês) e a palavra
,1uc significa «testemunhas» (testes) é mais um exemplo do chamar os ditos por outra coisa,
,. daria depois azo a jogos de palavras na comédia latina do século II a.C. que um comediógrafo
11rcgo teria entendido perfeitamente: também o poeta cómico Platão (não confundir com o
iõlósofo) deu aos testículos o nome de «camaradas» (1tapac,á,1JC, no dual 1tapac,á,a) .
' Falado antigamente não só no que é hoje a Toscânia (o etnónimo Tusci significa, em latim,
«etruscos»), mas também noutras zonas itálicas, o etrusco é provavelmente uma língua proto­
·curopeia, isto é, uma língua cuja origem é anterior à chegada de povos indo-europeus à
Península Itálica. Existem mais de 1 O 000 inscrições em etrusco, algumas delas encontradas em
lcrritóríos fora de Itália ( desde as ilhas próximas, como a Sardenha e a Córsega, ao mar Negro).
Entre as palavras supostamente derivadas do etrusco que entraram nas línguas europeias através
do latim está uma que usamos todos os dias: «pessoa».
22 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

latim grego sânscrito inglês alemão


est ÉC'tl asti is ist
nebula vtq,oc nabhas Nebel
Jümus 0t>ftÓ C dhüma

Restringindo o universo de análise ao território itálico, não


surpreende que o latim mostre semelhanças com as outras línguas
suas vizinhas. Fenómenos fonéticos que são caraterísticos do latim
mais antigo (síncope e rotacismo, sobre os quais ver pp. 373-379)
são também discerníveis noutras línguas itálicas; a existência de
imperfeito e mais-que-perfeito no conjuntivo (tempos impensá­
veis noutras línguas indo-europeias antigas, nomeadamente em
grego) é um traço comum ao latim e ao osco, assim como a lógica
segundo a qual esses tempos são usados, a chamada cõnsecütiõ
temporum (sobre a qual ver pp. 3 16-320) 8 • Previsivelmente, veri­
ficam-se também pontos de contacto ao nível do léxico:

* terra (latim); terúm (osco);


* manus (latim); manim (osco);
* uia {latim); víú (osco), via (úmbrico);
* dícõ {latim); deicum (osco), deitu (úmbrico);
* annus (latim); acnu (úmbrico);
* quid (latim); píd (osco);
* faciõ (Iatim);fakkiiad (osco).
Menos previsíveis, talvez, são as divergências lexicais em pala­
vras importantes do quotidiano. «Filho», em latim, diz-se fílius;
em osco, puklum. «Água», em latim, é aqua; em úmbrico, utur.

8 Cf. Clackson & Horrocks, pp. 58-59.


I N T RODUÇÃO À LfNGUA LATINA 23

«Casa», em latim, é domus; em osco, trííbúm. A explicação para


estas divergências divide os linguistas.
O processo histórico que levou ao abandono das línguas itáli­
cas antigas em prol do latim ser-nos-ia mais claro se tivéssemos um
conhecimento mais seguro acerca da história romana, desde a fim­
dação da Urbe até à consolidação do regime republicano (que
começou em 509 a.C. e acabou com a batalha de Áccio em 31 a.C.).
Devido às narrativas diferentes suscetíveis de serem extraídas, por
um lado, de dados arqueológicos concretos e, por outro, da tantas
vezes fantasiosa historiografia literária latina, os estudiosos aceitam
hoje que às narrativas sobre os primeiros séculos de Roma que
lemos em Tito Lívio, por exemplo, não podemos atribuir fidedig­
nidade histórica. O que Tito Lívio nos oferece corresponde àquilo
que uma certa elite romana do século I a.C. gostaria de imaginar
como história antiga de Roma - não é um registo fiável do que
realmente aconteceu.
Assim, não sabemos se a adoção do latim por parte de falantes
de outras línguas itálicas foi tão formal como Tito Lívio nos dá a
entender no caso de Cumas, antiga cidade grega perto de Nápoles
(também cidade grega, como o nome indica: vfo 1tóÀ1c, «Cidade
Nova»), conquistada no século v a.C. pelos samnitas, falantes de
osco. Em 1 80 a.C., Cumas pediu formalmente a Roma (segundo
Tito Lívio 40.42) para usar como língua oficial o latim. O mais
provável é que outras cidades, vilas e aldeias não tenham sido tão
formalistas: de maneira natural - e decerto devido à realidade cada
vez mais irrecusável de que isso seria vantajoso -, o latim passou a
ser a língua preferencial dos povos itálicos. Assim, os séculos II e
I a.C., altura em que os registos escritos das outras línguas come­
çam a desaparecer «debaixo do radar», podem ter sido, em várias
zonas, uma época de bilinguismo para muitas populações. Não é
24 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

de supor que as demais lín guas itálicas tenham falecido de morte


súbita no momento em que os povos da península começaram a
fazer parte de duas realidades romanas em que o latim era lín gua
exclusiva: o exército e a administração. Em Pompeios 9, no século
I d.C., al guém ainda se lembrou de escrever na parede um grafito

em osco; e, no mesmo século, o imperador Cláudio teve a ideia


excêntrica de compor, em grego, uma obra em 20 volumes sobre
«coisas etruscas» ( Suetónio, Cláudio 47) que, no entanto, não
deve ter encontrado leitores e, à falta de motivo para ser copiada e
recopiada, se perdeu.
Além do exército e da administração, temos outra área fulcral
em que, a partir do século II a.C., o latim vai impor, na Península
Itálica, o seu império: a literatura. A ideia de que «literatura»
implica, por definição, um texto escrito em grego dá lugar, nos
séculos III-II a .C ., à tomada de consciência de que, no campo da
expressividade poético-literária, as potencialidades do latim são
ilimitadas. Um fator curioso, porém, não pode deixar de ser fri­
sado: não são só os primeiros nomes que se aprendem numa aula
de literatura latina que nos evocam origens geográficas e lin guísti­
cas extrínsecas ao Lácio e à cidade de Roma (Lívio Andronico,
tradicionalmente considerado o «inaugurador» da literatura
latina, teria falado grego como língua materna); verificamos o
mesmo se olharmos também para os grandes autores do final da
república e do início do império:

9É um erro dizer «Pompeia» (tão errado como chamar « Santa» à cidade brasileira de Santos,
ou «Matosinha» a Matosinhos).
I N T RODUÇÃO À LfNGUA LATINA 25

Nome Origem Século Produção literária


Lívio Tarento Ili a.e. Epopeia, tragédia,
Andronico comédia
Névio Campânia Ili a.e. Epopeia, tragédia,
comédia
Énio Mesápia III-II a.C. Epopeia, tragédia,
comédia, sátira
Catão Túsculo III-II a.C. Prosa didática,
historiografia,
oratória
Cecílio Gália Cisalpina II. a.C. Comédia
Ácio Úmbria n a.e. Tragédia, comédia
Pacúvio Sul de Itália II a.C. Tragédia, comédia
Lucílio Campânia n a.e. Sátira
Plauto Úmbria 11. a.C. Comédia
Terêncio Norte de África II a.C. Comédia
Varrão Reate II-I a.C. Prosa didática
(território
sabino)
Salústio Amiternum I a.C. Historiografia
( território
sabino)
Cícero Arpino I a.C. Oratória, filosofia,
epistolografia
Catulo Verona I a.C. Poesia
Vergílio Mântua I a.C. Poesia bucólica,
didática e épica
Horácio Venúsia I a.C. Poesia
Tito Lívio Pádua I a.C. Historiografia
Propércio Úmbria I a.C. Elegia
Ovídio Sulmona I a.C.-I d.C. Elegia e epopeia
26 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

Para o período compreendido entre o século III a .C. e o sécu­


lo I d.C . (o período do nascimento e da consolidação do latim lite­
rário como veículo de expressão capaz de i gualar o grego), haveria
a acrescentar à lista outros nomes de autores que chegaram até nós
de forma fragmentária . O aspeto, todavia, para o qual pretendo
chamar a atenção é o facto de nenhum dos autores acima listados
ter sido originário da cidade de Roma. Não houve grandes autores
latinos deste período nascidos na Urbe? Júlio César (embora se
possa discutir que ele tenha sido um «grande autor») e, talvez,
Tibulo (poeta elegíaco do século I a.C.) . Não sabemos onde nasceu
Lucrécio, extraordinário poeta do século I a .C.
Se seguirmos, nos séculos I e I I d.C ., aquilo que de mais inte­
ressante veio enriquecer o latim literário, damo-nos conta de que
Juvenal não nasceu em Roma; Pérsio era de Volterra (perto da
moderna cidade de Pisa); Qµintiliano, ambos os Sénecas (pai e
filho) e Marcial nasceram na Hispânia; ambos os Plínios ( tio
e sobrinho) eram lombardos; Estácio era napolitano; Tácito (junta­
mente com Cícero o mais ful gurante dos prosadores latinos) era
originário da Gália; e Suetónio, da Úmbria. Se deslocarmos o enfo­
que para os grandes autores latinos do primeiro cristianismo, o elo
comum entre os «gigantes» Tertuliano (séculos II-III d.C.), Lac­
tâncio (séculos III-IV d.C.) e Agostinho (séculos IV-V d.C .) é que
nasceram os três no norte de África. No que toca à poesia cristã em
latim, a Gália assume lugar de destaque com os sofisticadíssimos
Paulino de Nola e Ausónio (século Iv), sendo o território onde se
iria estabelecer, mais tarde, a grande luminária poética do século VI,
Venâncio Fortunato (nascido no norte de Itália), a quem cabe a
honra de ser ao mesmo tempo o último poeta latino clássico e o
primeiro poeta da literatura latina medieval. No mesmo século VI,
na cidade de Braga são escritos al guns dos textos mais curiosos que
I N T KO D U ÇÃO À LÍNGUA LATINA 27

nos chegaram da transição da Antiguidade Tardia para a Idade


M édia pela pena de Martinho, nascido na Panónia (hoje uma zona
I n termédia entre a Áustria e a Hungria) . Qµando «São Martinho
dl• Dume» se estabeleceu em Braga, a antiga cidade romana já
t i nha dado o seu contributo à literatura latina, graças à figura do
hracarense Orósio (séculos 1v-v d.C.), interlocutor de Agostinho
l' autor de uma tendenciosa História contra os Pagãos em sete livros.

No início do parágrafo anterior, empregámos a expressão


. , latim literário», o que suscita a necessidade de definirmos no que
rnnsiste. Talvez a sua primeira caraterística seja o facto de paten­
tear, da parte dos seus cultores, uma vontade de fazer «mais qual­
q uer coisa» da língua, de a tirar da informalidade do dia a dia. E, a
este propósito, não precisamos de pensar só no latim literário de
talentos extraordinários como Lucrécio ou Tácito. As próprias ins­
crições romanas, sobretudo no campo dos epitáfios, são uma fonte
i mportante para o estudo do latim não informal. Um universo de
intencionalidade no manejo da língua separa o que lemos inscrito
num pedaço de chumbo, preso à coleira de ferro de um escravo -

fügi. tene me. cum reuocuueris me d<ominõ> m<ihi> Zõninõ acci­


pis solidum.
«Fugi. Agarra-me. Quando me devolveres ao meu dono, Zonino, rece­
berás uma moeda [de ouro] .» ( CIL 14.7 194)

- do poema bastante mal escrito, mas não desprovido de ambi­


ção literária, no túmulo de uma mulher chamada Urbanila. O seu
marido, Lúcio, mandou inscrever na sepultura um poema no qual
cada verso começa com uma letra do nome da falecida, formando
assim um acróstico:
28 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

Vrbãnilla mihi coniunx uerecundiã plena hic sita est


Rõmae comes negõtiõrum socia parsimõniõ fulta.
Bene gestis omnibus, cum in patriã mecum rediret,
Au miseram Carthãgõ mihi eripuit sociam.
Nülla spes uiuendi mihi sine coniuge tãli.
Ilia domum seruãre meam, ilia et consiliõ iuuãre.
Lüce priuãta misera quescit in marmore clüsa.
Lücius ego coniunx hic te marmore texi
Anc nõbis sorte deditfãtu<m>, cum lüci daremur.

« Urbanila, minha mulher, cheia de modéstia, jaz aqui,


Em Roma companheira e sócia de negócios, na parcimónia amparada.
Bem tratados todos os assuntos, quando voltava comigo para a pátria,
Ai !, Cartago arrancou-me a infeliz companheira!
Não tenho qualquer esperança de viver sem uma mulher assim.
Ela cuidou da minha casa e ela ajudou-me com conselho.
Privada da luz, a infeliz repousa no mármore fechada.
Eu, Lúcio, marido, aqui te cobri com mármore;
Esta foi-me dada em sorte pelo destino, enquanto formos dados à luz.»
( CIL 8.152)

Em ambos os textos epigráficos encontramos erros de latim


(os mais óbvios são reuocuueris por reuocãueris na coleira do
escravo; e o género gramatical errado de parsimõnia no epitáfio de
Urbanila), mas é clara a intenção literária do segundo relativa­
mente à crueza pragmática do primeiro 10 • O epitáfio de Urbanila,

'ºTrata-se de wn pequeno texto que, como tantas vezes acontece quando nos é aberta uma janela
que permite ver algo da vida dos escravos na Antiguidade, nos causa um calafrio: o que teria
acontecido ao escravo, depois de devolvido ao dono? Que maus-tratos não teria sofrido?
A mesma pergunta se levanta quando lemos a forma desapiedada e leviana como se fala de wn
escravo que fugiu em Platão, Protágoras 3 10c; ou quando lemos, séculos mais tarde, num
contexto histórico em que o cristianismo pouco ou nada trouxe para melhorar a vida dos
I H I ll l l l l lJ�:ÃO À LfNGUA LATINA 29

rNrr i to talvez no início do século 111 d.C., evoca convenções antigas


( ... rn idou da casa» ) que remontam ao Epitáfio de Cláudia, do
Nfni lo II a.C. (ver p. 468) . No entanto, a vontade de escrever um
,,nóstico em hexâmetros dactílicos mostrou-se mais forte do que
., capacidade de estar à altura do desafio (são vários os erros de
métrica) ; em particular, o verso final está muito mal escrito, além
do erro de ortografia anc por hanc, que, sendo necessário para com­
pletar o acróstico, também reflete, sem dúvida, a pronúncia da
\� poca (ver p. 50) . Em suma, na inscrição da coleira do escravo
Vl'mos um latim tosco e informal, ao passo que, no epitáfio de
Urbanila, lemos um latim tosco mas formal, que aspira à literarie­
dade por meio da emulação de modelos.
Na verdade, aquilo que pode definir o latim literário é, por um
lado, o seu formalismo e, por outro, o seu apelo modelar. Desde há
2000 anos, ninguém duvida de que a quintessência do que deve
constituir boa escrita em latim está destilada na obra de Marco
Túlio Cícero ( 106-43 a.C.); e a razão não é só o facto de Cícero ter
sido um escritor genial. Pesa igualmente a circunstância de a sua
escrita ter sido tomada como modelar por tantos escritores que,
depois dele, cultivaram a prosa latina. A escrita ciceroniana foi lida
com encantamento no tempo do imperador Carlos Magno, 800
anos depois do assassinato do seu autor; com mais encantamento
ainda no tempo do imperador Carlos V, passados outros 800 anos.
Não esqueçamos que «boa prosa» , ainda em inícios do século :xx,
se definia, mesmo em vernáculo, pelo estilo de Cícero: basta ler
Thomas Mann e Marcel Proust.

escravos, que a dona cristã de uma escrava que morreu em consequência dos espancamentos
sofridos fica só temporariamente impedida de comungar, desde que a senhora não tenha
espancado a escrava com a intenção de a matar (cf. cânon n. 0 5 do concílio de Elvira, Si domina
per zélum ancillam occiderit, do início do século 1v d.C.).
30 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

O estilo ciceroniano tem como caraterística principal a


chamada «estrutura periódica», assente na elaboração de longos,
expressivos, eufônicos e desafiantes períodos gramaticais, com
abundante subordinação e grande requinte no uso de particípios,
de infinitivos e dos quatro tempos do conjuntivo latino (presente,
imperfeito, perfeito e mais-que perfeito). Ornamentados com
todos os efeitos retóricos e muitas vezes ritmados por meio de cláu­
sulas métricas (sobre as quais ver pp. 407-413), os períodos cice­
ronianos soam aos ouvidos de quem os ouve ou lê como
verdadeiras obras de arte.
Observemos a frase com que abre o tratado tardio de Cícero
Dé officiís, em que o «Arpinate» interpela o seu filho, Marco, que
está há um ano em Atenas a estudar com o filósofo peripatético
Cratipo. Toda a frase está articulada com base em dois eixos: o
quamquam ( «embora») inicial e o tamen ( «todavia») que surge
exatamente a meio da frase:

Quamquam té, Marce fili, annum iam audientem Cratippum


idque Athénis, abundãre oportet praeceptís institütisque philo­
sophiae propter summam et doctõris auctõ ritãtem et urbis,
quõrum alter té scientiã augére potest, altera exemplís, tamen,
ut ipse ad meam ütilitãtem semper cum Graecis Latina coniunxi,
neque id in philosophiã sõlum sed etiam in dicendi exercitãtiõne
féci, idem tibi cénseõ faciendum, ut pãr sis in utriusque õrãtiõnis
facultãte.

«Embora convenha que tu, <ó meu> filho Marco - <que estás> há um
ano ouvindo Cratipo, e isto em Atenas - abundes nos preceitos e nas
disposições da filosofia, por causa da excelsa autoridade tanto do pro­
fessor como da cidade, dos quais um pode fazer-te crescer pela ciência
<e> a outra pelos exemplos, todavia, tal como eu próprio para minha
1 11 1 . l l l l l l (,: ÃO À LÍNGUA LATINA 31

vantagem sempre conjuguei com as letras gregas as latinas - e fiz isto


n.io só na filosofia, mas também no exercício da oratória -, do mesmo
modo te aconselho que procedas, para que sejas igualmente capaz no
l'Xcrcício de cada um <dos géneros> de enunciação <isto é, filosofia e
oratória>.»

Um aspeto a observar desde já a propósito desta frase inicial


ilo tratado De officiis é a sua intraduzibilidade. Passar as palavras
ill· Cícero para outra língua é um processo que implica desfazer,
1 1 ., sua maior parte, o efeito artístico da frase. Um argumento per­

t lnente a favor do ensino e da aprendizagem do latim é o facto de,


na grande literatura latina, a arte residir não só no que se diz,
mas na escolha e na colocação das palavras na frase, aproveitando
I oda a liberdade concedida por uma língua declinada que, justa­
mente através das declinações, carimba cada palavra com a sua
fu nção sintática. Assim, quem lê ( ou ouve) a frase sente o prazer
de estar num labirinto de estímulos semânticos e sonoros, mas
náo sente o medo de se perder lá dentro, porque cada objeto ver­
bal dentro do labirinto está claramente marcado, não só no res­
peitante ao que é, mas também no respeitante ao modo como se
relaciona com os outros objetos verbais ali à volta.
Como grande mestre que era da arte da prosa, Cícero sabia
muito bem conferir variedade à sua escrita e não abusar de nenhum
efeito específico: se é verdade que ele era capaz de escrever, como
ninguém, frases longas e complexas, também estava ciente do
efeito vantajoso de frases mais curtas e incisivas. Ora, neste campo
da expressão tersa e acutilante, o grande mestre foi Tácito, que
conseguia com poucas palavras exprimir um mundo de sentido.
Um caso célebre é a frase que abre os seus Anais:
32 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

Vrbem Rõmam ã principiõ régés habuére; libertãtem et cõnsulã­


tum L. Brütus instituit.
«Reis possuíram desde o início a cidade de Roma; Lúcio Bruto estabe­
leceu a liberdade e o consulado.»

Esta primeira frase, traduzida para portu guês, afi gura-se-nos


quase indigente. No entanto, em latim, ela propõe algo de tão arro­
jado quanto desarmante. Normalmente, os prosadores evitam na
sua escrita ritmos (isto é, sequências de sílabas longas e breves
organizadas de modo a criarem um padrão reconhecível) que cor­
respondam a versos conotados com os diferentes géneros poéticos.
No entanto, as seis primeiras palavras da frase de Tácito ( Vrbem
Rõmam ã principiõ régés habuére) transgridem essa regra, pois for­
mam um hexâmetro dactílico, o verso épico por excelência (usado
por Homero na Grécia e por Lucrécio, Vergílio e outros em Roma).
Que intenção terá sido a de Tácito? O que nos quer ele dizer, sem
o dizer explicitamente, por meio desta estratégia?
Trata-se talvez do se guinte: Tácito refere a antiga monarquia
como algo que aconteceu num passado remoto (antes de, em
509 a .C ., ter surgido a liberdade juntamente com as instituições
republicanas) . No entanto, o próprio Tácito está a viver num
regime monárquico (só que com imperador em vez de rei) que é,
em todos os aspetos, a negação da liberdade - liberdade essa que
a frase inicial dos Anais, apesar da sua aparente «indigência», con­
se gue elogiar subtilmente sem precisar de uma única sílaba escrita
para o fazer. Quanto aos reis do passado remoto de Roma: são-nos
apresentados como uma realidade muito antiga, que teve a sua
época própria; realidade, contudo, que o ritmo épico (formado
pelas seis palavras iniciais) imbui de um aura dir-se-ia heróica .
Como se o ritmo das palavras, para lá das próprias palavras, nos
h; 1 N l l l l l f (,: Á O À LÍNGUA LATINA 33

illNscsse que a monarquia, há tantos séculos, não era uma coisa


,u1Nlm tão má, porque era algo a acontecer com naturalidade no
mundo sonoro do hexâmetro dactílico e que terminou no momento
, ,•rio com o advento da liberdade. Ora, mediante uma frase como
r11la a abrir os Anais, o que pensar, então, do regime imperial a que
Udto dedica a sua historiografia?
As subtilezas das entrelinhas e dos sentidos sugeridos são uma
tl,,s grandes glórias do estilo de Tácito, que escreveu na passagem
tio século I d.C. para o século u. Já antes, no século I a.C., essa arte
tl.,s entrelinhas e das ideias sugeridas por meias-palavras tinha sido
1,•vada ao auge no campo da poesia, por Vergílio e por Ovídio.
O poeta da Eneida, na verdade, era o grande mestre na criação
til· um mundo de sentido por meio de uma só palavra. Entre os
muitos exemplos possíveis, escolho este: a palavra deuinctus em
1:ncida 8.394. Trata-se de um episódio em que, não pela primeira
vez no poema, o poeta nos deixa uma sensação de mal-estar em
relação à deusa Vénus, mãe de Eneias e suposta antepassada de
Júlio César e de Augusto. O que pensar da estatura moral desta
d ivindade cujo descendente, Augusto, procura impor em Roma
uma severa moralidade de costumes? Com efeito, no Canto 8 da
Eneida Vénus dirige-se ao seu marido, Vulcano, a fim de lhe pedir
armas para Eneias, o filho que ela teve de uma relação extraconju­
gal. Como se a situação já de si não suscitasse a questão antiga da
deusa sexualmente insatisfeita que encontra satisfação com um
homem mortal (Anquises), Vergílio encontra uma maneira indi­
reta de achincalhar Vénus na expressão que ele aplica ao marido
impotente nas mãos da esposa ardilosa: diz dele que está aeternõ
[ ... ] deuinctus amõre ( «acorrentado por um amor eterno»).
Ora, a expressão alude à imoralidade de Vénus de duas manei­
ras. Evoca, num subtilíssimo jogo de palavras, o verso de Lucrécio
34 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

( 1.34) em que se fala de Marte na cama com Vénus aeternõ déuictus


uulnere amõris ( «vencido pela ferida eterna do amor»). Parale­
lamente, o jogo de palavras déuinctus/déuictus ( «acorrentado»/
/«vencido») faz-nos pensar no adultério de Vénus com Marte nos
termos em que ele nos é apresentado no Canto 8 da Odisseia, onde
o marido da deusa do amor consegue acorrentar os adúlteros na
cama para os envergonhar diante de outros deuses. A diferença - e
é aqui que está o ferrão da frase vergiliana - é que a Vénus, ante­
passada de Augusto, opositor frontal do adultério, não é a ingénua
deusa homérica que se deixa acorrentar pelo marido. Esta Vénus
romana é uma adúltera que não só vence o seu amante, o próprio
deus da guerra, como mantém eternamente acorrentado o esposo
traído.
Por seu lado, Ovídio ( 43 a.C.- 17 d.C.) consegue muitas vezes
acrescentar a este tipo de subtilezas transmitidas por meias-pala­
vras uma dimensão sensorial. Faz-nos entrar a poesia pelos olhos
e pelos ouvidos. Ao referir os gémeos Rómulo e Remo, filhos de
Ília, escreve um verso (Amores 3.4.40) que mostra visualmente o
parentesco dos irmãos gémeos:

Rõmulus Iliadés Iliadésque Remus


«Rómulo, o filho de Ília; e o filho de Ília, Remo» .

Nas Metamorfoses (4.71), os amantes Píramo e Tisbe estão


separados por um muro e têm de falar através dele. Veja-se como
Ovídio consegue tornar a situação visível no verso, através da colo­
cação de hinc ( «daqui») e de illinc ( «dali»):

saepe, ubi constiterant hinc Thisbé, Pjramus illinc


«amiúde, quando estavam daqui Tisbe e Píramo dali» .
I N T RODUÇÃO À LÍNGUA LATINA 3S

Efeitos auditivos não faltam também em Ovídio. O coaxar das


ràs no som k está bem audível em Metamorfoses 6.376:

quamuis sint sub aquã, sub aquã maledicere temptant


«embora estejam debaixo de água, debaixo de água tentam praguejar».

Outro exemplo famoso é a crepitação do calçado a pisar neve


i\cabada de cair em Amores 3.5. 1 1:

candidior niuibus, tunc cum cecidere recentes


« mais branco do que neves quando caíram, recentes».

Per guntar-se-á, por um lado, até que ponto os ouvidos roma­


nos seriam sensíveis a este tipo de efeito; e, por outro, se com a
passagem dos séculos e com o evoluir da língua o apreço por este
tipo de virtuosismo não estaria condenado a esvair-se. Certo é que
Agostinho ( 354-430 d.C.) ainda fala, na sua obra De doctrinã chris-
1 iünã ( 4.56), do aplauso com que contemporâneos seus reagiam
ao sentido rítmico de quem sabia usar o latim com aquilo a que
Camões, muito mais tarde, chamaria «engenho e arte» (usando
para tal um binómio - ingenium/ars - ovidiano 1 1 ) .
Foi em vida de Agostinho que ocorreu o acontecimento tradi­
cionalmente apontado como o fim da Antiguidade: o saque de
Roma em 410 pelos visigodos. No entanto, visigodos, vândalos e
outros não são vistos, pelos historiadores de hoje, como tendo ani­
quilado a cultura antiga e muito menos a lín gua latina, já que ambas
continuaram vivas e de boa saúde (acarinhadas pelos «bárbaros»
que vieram viver para o território romano), a ponto de ser difícil

11
Cf. Ovídio, Amores 1.15. 14; Tristia S.1.27.
36 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM

apontar um término exato, um momento em relação ao qual se


possa dizer que, a partir dele, acabou Roma, acabou o latim.
Aliás, a primeira indicação concreta de que, na cidade de Roma,
se falava outra língua que não o latim é incrivelmente tardia: é do
ano 999 da era cristã. Trata-se do epitáfio do papa Gregório V,
onde a inscrição diz o seguinte acerca do papa falecido: üsus Fran­
ciscã, uulgãri et uõce Latinã. Ou seja, falava língua francisca, língua
vulgar e latim. Por «língua vulgar» entende-se o proto-italiano
falado em Roma no século x, e por «língua francisca» muitos estu­
diosos entendem «proto-francês», embora não haja consenso
sobre isso 12 • O epitáfio de Gregório V é também relevante para a
história do latim e das línguas que desse idioma nasceram porque,
se «língua francisca» designa o que seria «francês» no século x,
trata-se da primeira indicação histórica de que latim, italiano e
francês constituem três línguas distintas.
Falar do epitáfio latino de um papa põe-nos diante de uma ques­
tão histórica fundamental, que foi o contributo positivo do cristia­
nismo no Ocidente para que nunca se verificasse, na verdade, o que
ficou escrito acima: «acabou Roma, acabou o latim». Graças à
igreja romana, nem acabou Roma, nem acabou o latim. O manancial
de textos cristãos escritos em língua latina a partir do século III é
algo de esmagador: são mais de 200 os enormes volumes da Patro­
logia Latina, a qual reúne toda esta literatura cristã em latim, desde
Tertuliano (séculos 11-m) até aos escritos do papa Inocêncio III
(que morreu no século xm) . Um aspeto interessante do latim dos
autores cristãos é que, na sua norma culta na Antiguidade Tardia,
não difere de modo significativo do latim dos autores pagãos coevos;
e, por isso, grandes especialistas do latim tardio como Lofstedt

1 2 Cf. Clackson & Horrocks, p. 267.


I H l ' M O I I UÇÃO Ã LÍNGUA LATINA 37

r Coleman (ver Bibliografia) negaram, até, que exista algo de


rk·ntificamente objetivável a que possamos dar o nome de «latim
l'l'istão». Os escolarizadíssimos Tertuliano, Lactâncio e Agostinho
lli\O escrevem pior nem melhor do que Amiano Marcelino, historió­
t(l'ilÍO pagão do século IV. No caso de Agostinho, cumpre natural­
mente atribuir-lhe uma boa nota na prosa latina em virtude daquele
Imponderável na vida humana que é o talento : o bispo de Hipona
t i n ha mesmo jeito para escrever. De resto, enquanto pôde haver
paganismo (foi no século v que se multiplicaram as leis contra
.1 prática pagã), autores cristãos e pagãos escolarizados tinham a
mesma formação e os mesmos modelos. Ser devoto de Cristo não
l'Xtirpou, do cérebro de Agostinho, a capacidade de sentir prazer
mm o genial manejo do latim por parte de Cícero e de Vergílio.
A escola na Antiguidade Tardia, com a sua insistência na per­
petuação da norma culta (de preferência a incentivar os alunos a
escreverem o latim da maneira como o falavam), é a grande respon­
sável pela manutenção do nível de língua nos textos literários dos
autores cristãos mais cultos. Ao mesmo tempo, há outro ingrediente
que vai temperar, com sabor inconfundível, a prosa cristã : a tradu­
ção latina da Bíblia. Tanto as traduções mais antigas (conhecidas
coletivamente como Vetus Latina) como a mais cuidada Vulgata do
início do século v exerceram uma grande e abrangente influência,
que se vê, inclusive, em textos cujas ambições literárias eram muito
modestas. É o caso de um texto curioso do século IV, o Itinerãrium
Êgeriae (também conhecido, na bibliografia mais antiga, como Pere­
grinãtiõ Êgeriae), cuja autora se mostra bem mais influenciada pela
Bíblia em versão Vetus Latina do que pela leitura dos grandes auto­
res latinos. Na escrita de Egéria, nem sempre as preposições latinas
são usadas com o caso que seria correto na norma culta (acusativo
quando devia ser ablativo e vice-versa; mas, na verdade, esse tipo
38 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

de «erro» já se vê nos grafitos de Pompeios); por vezes parece que


o pronome ille está a ser usado como artigo definido (elemento
ausente da língua latina); o emprego de ut com indicativo ou con­
juntivo também se desvia da norma clássica. O vocabulário de
Egéria é outro fator que chama a atenção. No latim clássico, passio
significa «emoção»; mas na linguagem de Egéria designa somente
a paixão de Cristo. Além disso, abundam palavras usadas em sentido
cristão como episcopus ( «bispo»), ecclesia ( «igreja») e missa (pala­
vra sobre cuja explicação e etimologia os linguistas - e o papa
Bento XVI na exortação apostólica Sacrãmentum cãritãtis - discu­
tem ainda hoje), que Egéria usa com dois sentidos: «missa» (no
sentido do ritual católico) e no sentido de «ação de enviar».
O texto de Egéria existe apenas num manuscrito do século XI
(no mosteiro italiano de Monte Cassino) e não sabemos avaliar até
que ponto a ortografia que nele lemos corresponde, ou não, à orto­
grafia usada pela autora. Uma caraterística interessante da ortogra­
fia do Itinerãrium Egeriae é que o texto contém exemplos de verbos
da 3.ª conjugação latina em que a 3.ª pessoa do plural do presente
do indicativo não termina em -unt, mas sim em -ent. Se pensarmos
na 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo de verbos portu­
gueses que derivam de verbos da 3.ª conjugação latina, vemos cla­
ramente a evolução da desinência -ent usada por Egéria em formas
verbais portuguesas como «escrevem» ou «vivem».
Quem terá sido a última pessoa a falar latim como língua
materna? Em que ano, exatamente, aconteceu com o latim o fenó­
meno que acontecera antes com as defuntas línguas itálicas? Bem
gostaríamos de saber. É que também com o latim se passou, um
dia, aquilo que se passara com o osco, quando aquela última pes­
soa, que ainda crescera a falar osco no colo da mãe, depois falou
somente latim com os filhos, deixando, assim, que o osco morresse.
I N l ' " l l l l U ÇÃO À LÍNGUA LATINA 39

A grande diferença é que embora o latim tivesse deixado, a certa


11lt ura, de ser um idioma falado como língua materna, esse facto - fatal
r mortífero para a maior parte dos outros idiomas - não afetou mini-
111.1mente a sua sobrevivência. Em Portugal não falamos, como já
rrforimos, nenhuma das línguas que existiam neste território quando
IIN romanos o conquistaram: falamos, até hoje, uma forma de latim.
Enquanto os romanos cá estiveram, não houve, que saibamos, um
1(1'.lnde contributo lusitano para a literatura latina. Esse contributo
viria, no entanto, um milénio depois do saque de Roma: a partir do
Nckulo xv1, em pleno Humanismo, floresce em Portugal a criação
literária em latim. Quem está a ler este livro talvez não conheça a
,,hundante literatura portu guesa escrita em latim entre os reinados
ill· D. João III e de D. João V. Será, certamente, algo a descobrir para
muitas pessoas e um estímulo, por si só, para aprender latim.
Pois uns quererão aprender latim para ler Agostinho ou Tomás
ill• Aquino ou Pico della Mirandola ou Descartes ou o padre Antó­
nio Vieira. Outras pessoas olharão para a Anti guidade romana, para
11s grandes autores pagãos, como principal chamariz para pisar
,, ponte mental que é a aprendizagem da gramática latina. É uma
ponte que as levará do português, que é uma forma de latim, para
,, explosão de nitidez que é o latim propriamente dito. Abre-se-lhes,
l'ntão, um universo intelectual de cujo interesse não podemos sepa­
r.1r o facto de continuar tão válido hoje como era ontem ou há 2000
,mos. Na verdade - e para acabarmos no mesmo Canto 6 da Eneida
onde começámos esta introdução -, podemos dizer que estudar
latim é um pouco como diz Vergílio 13 :

itur in antiquam siluam


«entra-se numa floresta antiga» .

1 1 li11cida 6. 179.
Noções básicas de pronúncia

Tratando-se de uma língua com séculos de história, que foi


falada num gigantesco espaço geográfico, compreende-se sem difi­
culdade que, ao longo dos tempos, o latim teve, obrigatoriamente,
muitas pronúncias.
Por um lado, percebemos através do imenso manancial de ins­
crições romanas e também da ortografi a dos próprios textos lite­
rários que, na época de Plauto e de Terêncio (século II a.C.), certas
palavras não eram pronunciadas da maneira que seria normal na
época de Cícero e de Vergílio (século I a.C.). Por outro lado, parece
lógico pressupormos que o latim falado, no auge do império, na
cidade de Olisipo (Lisboa) não soasse exatamente igual ao falado
em Londinium (Londres), pronúncias essas que seriam t ambém
diferentes, por sua vez, das de Burdigalum (Bordéus), de Vindobona
(Viena) e da própria Rõma - onde certamente haveria, também,
oscilações dependentes dos fatores habituais que influem nestas
matérias: donde o falante é originário; que escolaridade (não) teve;
de que classe social provém.
Quando o futuro imperador Adriano, nascido na Hispânia,
interveio no senado em 101 d.C. par a ler em voz alta um discurso
em nome do imperador Traj ano, os aristocráticos senadores
desataram a rir às gargalhadas por c ausa do seu sotaque. A p artir
desse momento, Adriano empenhou-se com todas as. suas forças
42 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

em erradicar da sua pronúncia qualquer som que não fosse o da


mais alta sociedade de Roma 1 • Escrevendo no mesmo século II d.C.
em que Trajano levou o império romano à sua extensão máxima,
Aulo Gélio refere um intelectual oriundo da Hispânia, chamado
António Juliano, que impressionou os convidados num jantar pela
sua brilhante eloquência, pela sua incrível erudição e ... pelo seu
sotaque «espanhol» 2 •
Relativamente ao império romano, um aspeto que temos de
tomar em consideração é a pasmosa mobilidade de grupos sociais
cuja profissão os obrigava a grandes deslocações (fossem eles mili­
tares, comerciantes ou, mais tarde, missionários cristãos). O falante
de latim que estava a tremer de frio no nevoeiro gelado da mura­
lha de Adriano não era necessariamente um soldado nascido na
Britânia; provavelmente era al guém que tinha nascido bem longe.
Chegado a Braga no século VI para converter ao catolicismo orto­
doxo os suevos deslumbrados pelos encantos da heresia, Martinho,
nascido na Panónia (hoje Hungria), deve ter achado que o latim
falado pelos minhotos de outrora soava bastante diferente do seu.
Esse problema repetir-se-ia ao longo da história futura do
latim, sobretudo a partir do momento em que se desenvolveram
as línguas vernáculas do espaço românico. A pronúncia de cada
vernáculo começou a afetar a pronúncia de «cada» latim. No
século XVI, o imperador Maximiliano (neto do rei portu guês
D. Duarte) recebeu delegados franceses que discursaram perante
a sua corte com gálico requinte e - séculos antes de Derrida - com
gálica ininteligibilidade, atribuída pelos presentes à lín gua francesa
falada pelos embaixadores de França. Na verdade, os discursos dos

1 Este episódio é relatado na História Augusta (cf. Adriano 3. 1), obra do século IV d.C. que tem

a graça de ser um repositório descarado de fofocas.


1
Cf. Aulo Gélio, Noites Áticas 19.9.2; Holford-Strevens, pp. 86-87.
N1u,; ô 1!S BÁSICAS DE PRONÚNCIA 43

l'r11nceses eram, muito educadamente, na única língua que todos


Ih\ corte dominavam: latim. Só que o seu latim era pronunciado
..-um uma fonética tão afrancesada que soava, sem tirar nem pôr,
" francês 3 •
A pronúncia do latim maioritariamente ensinada hoje nas
rNrnlas e universidades da Europa e das Américas procura
11proximar-se o mais possível daquilo que pensamos ter sido a pro­
nímcia culta na Roma do século I a.C. - portanto, a Roma do final
da República e do início do Império.
A opção por esta pronúncia não teve um percurso fácil nem
linear. No final do século :xx, ainda era frequente ouvir-se, em Por­
t ugal, latinistas de uma geração mais idosa falarem, como se se
t ratasse de uma controvérsia recente, da oposição entre «pronún­
da tradicional» (que em Portugal equivalia a «pronúncia eclesiás­
tica», na sua forma ideal latim pronunciado como se fosse italiano,
mas que na prática, em Portugal, era latim pronunciado como se
fosse português) e «pronúncia restaurada» (a pronúncia preconi­
·,.ada pelos filólogos).
A verdade é que a controvérsia não era recente. Podemos apon­
tar como data precisa para o início da discussão o ano de 1528, em
que Erasmo publicou a sua obra (em forma de diálogo entre um
leão e um urso !) intitulada Dé rectã Latíní Graecíque sermõnis
prõnuntiãtiõne. Na Europa católica - nomeadamente em França -,
a ideia de mudar a pronúncia do latim foi rejeitada como aquilo a
que os teólogos da Sorbonne chamaram, no século xv1, «heresia
gramatical». Na Europa protestante, os séculos subsequentes trou­
xeram debates intensos nas grandes universidades (desde logo
Oxford e Cambridge) sobre a adoção - ou não - de uma pronúncia

' Ver Allen, p. 1 07.


44 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

que refletisse aquilo que os romanos teriam reconhecido como


a sua língua. Pois parece óbvio para muitos latinistas ainda hoje que
é um atentado à lógica linguística (para não falar da estética) pronun­
ciar grãtia como «graysha» (em Inglaterra), caput como «cápude»
(em Portugal) ou, no pior caso de todos, a conjunção concessiva
quamquam como homófona de «cancan» (em França, claro) .
Na segunda metade do século XIX, os professores universitários
que estudavam e ensinavam latim ao mais alto nível não fecharam
os olhos ao livro de W. Corssen über Aussprache, Vokalismus und
Betonung der lateinischen Sprache, publicado em Leipzig, em 1858-
-1859 (com uma 2.ª edição revista, que saiu dez anos depois) .
O argumento a favor da pronúncia restaurada foi sendo progressi­
vamente tomado como impossível de não aceitar (veja-se o caso
de A Grammar of the Latin Language from Plautus to Suetonius, de
HJ. Roby, publicada pela primeira vez em 1874 ), embora as resis­
tências continuassem. Alguns cidadãos franceses, sintomatica­
mente liderados por um octogenário, fundaram, em 1928, uma
sociedade de resistentes à nova pronúncia, chamada «Amis de la
prononciation française du latin» . No ano em que começou a
Segunda Guerra Mundial, o jornal britânico The Times decidiu
publicar uma série de cartas vindas da sociedade civil e do meio
universitário sobre o tema da «pronúncia tradicional» versus «pro­
núncia restaurada» do latim. Ao que parece, num ato de censura
significativo, foi suprimida a publicação da carta vinda do catedrá­
tico de latim da Universidade de Cambridge, por ser favorável à
pronúncia restaurada4.
(Já agora, a minha primeira professora de latim, uma senhora
de inabalável segurança gramatical com quem estabeleci as bases

4
Ver Wilkinson, pp. 4-5.
� l l � l) IIN II Á S I CA S DE PRONÚNCIA 45

, 1 1111 meus próprios estudos latinos, falava, em inícios da década de


NO do século :xx, da pronúncia restaurada como se fosse uma moda
t1Mka e recente; e pronunciava alegremente qualquer frase latina
, umo se estivesse a falar português: patientia = «paciência», e por
111 fora. )
l icita esta breve resenha sobre as dificuldades com que os filó­
lo�os se confrontaram para propor uma pronúncia do latim anco-
1·,1da na ciência e não nas tradições discrepantes de cada país,
frlsl•mos o mais importante: a pronúncia restaurada tem a vanta­
�t•m pedagógica de tornar audível, na leitura e na aprendizagem,
11Npctos importantes da fonética do latim clássico, aspetos esses que
Nt•rilo menos relevantes (ou mesmo irrelevantes) no latim tardio e
medieval, mas cujo entendimento é indispensável para a com­
preensão do latim de autores como Cícero, Vergílio, etc.
Para dar só um pequeno exemplo: as vogais iniciais de uolo
( • < quero») e de nolo ( «não quero») seriam porventura homófo­
nas no latim tardio e medieval (e são pronunciadas como iguais na
dita pronúncia tradicional); mas, para entendermos um efeito rít­
mico usado por Cícero (uma chamada «cláusula métrica» 5 ), ou
u m efeito poético usado por um poeta clássico, precisamos de ter
noção de que para Cícero ou Vergílio o som de uõlõ era diferente
do de nõlõ.
Assim, o mais aconselhável é tentarmos diferenciar na pronún­
cia o som das duas palavras, na plena consciência de que já em
finais do século 1v, como nos transmite Agostinho, muitas distin­
ções entre vogais longas e breves não eram corretamente oralizadas
na fala do dia a dia 6•

' Ver pp. 407-413.


' Cf. Agostinho, Dê müsicã 2. 1.l; Dê doctrinã christiãnã 4. 10.24.
46 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

O alfabeto

T al como os gregos deveram o seu alfabeto aos fenícios, os


romanos deveram o seu alfabeto aos gregos. Na Antiguidade,
tanto o grego como o latim eram escritos somente com aquilo a
que nós chamamos «letras maiúsculas» . Se nos ativermos, pois,
às letras maiúsculas gregas e latinas - as únicas conhecidas até
ao século VIII ou IX da era cristã -, vemos que a sua ligação é
claríssima :

ALFABETO GREGO ALFABETO LATINO

maiúscula minúscula pronúncia maiúscula minúscula pronúncia

A (alfa) a ã, ã A a ã, ã
B (beta) � b B b b
r (gama) r g C, G c, g k, g
t::.. (delta) s d D d d
E (épsilon) E é E e é, é
- - - F f f
Z (zeta) t zd z z z
H (eta) ri é H h aspiração
e (teta) 0 t" - - -
I (iota) 1 i, i I i i, i
K (kapa) 1C k K k k
A (lambda) À 1 L 1 1
M (mu) I' m M m m
N (nu) V n N n n
8 (ksi) ; ks - - -
O (ómicron) o õ o o õ, õ
n (pi) 1t p p p p
Q (kopa) Q k Q q k
P (ro) p r R r r
L, C (sigma) e (o; e; ) s s s s
N111,: ô 11S BÁSICAS DE PRONÚNCIA 47

ALFABETO GREGO ALFABETO LATINO


malú scula minúscula pronúncia maiúscula minúscula pronúncia
T (t au) 'T t T t t
- - V u w, ü, ü
l (1 psilon) V ü y y ü
IJ) ( p hi) q, ph - - -
X ( k hi) X kh X X ks
'I' ( psi) 'V ps - - -
U (ó mega) w õ - - -

A - A primeira letra do alfabeto latino é também a primeira


vogal, o que nos permite desde já chamar a atenção para um dos
factos mais importantes da língua latina. Embora as letras do alfa­
beto latino pareçam dar a entender que o latim tem cinco vogais
{ a, e, i, o, u), a verdade é que há dez vogais em latim, pois cada vogal
existe com duas identidades fonéticas, como vogal longa e como
vogal breve:

vogais longas vogais breves


ã ã
ê ê
í i
õ õ
ü ü

No que teria consistido a diferença sonora entre as vogais lati­


nas ã e a7? Isso não é percetível para nós, no século XXI; e a mesma

7 Como já ficou dito na página das abreviaturas, a regra geral que se se e nesta gramática, na
gu

indicação da quantidade das vogais, é o critério do OLD, isto é, indicam-se somente as vogais
longas. Por uma questão de ênfase nalgum aspeto fonético, poderei explicitar, em certas
circunstâncias, que a vogal em causa é d, é, � ó, ú. Mas, como regra geral, pode partir-se do
princípio de que é breve qualquer vogal que, neste livro, não tenha o sinal de longa.
48 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

incerteza aplica-se à diferença entre i/i, ou entre ü/u. São mais


facilmente diferenciáveis, como veremos, as vogais ê/e e õ/o.

B - O b latino pronuncia-se como consoante oclusiva com o


valor do «b» inicial da palavra portu guesa «barco».
Sabemos, porém, que já na Anti guidade havia al gumas oscila­
ções na sua pronúncia. Antes do som s, a sua pronúncia seria mais
parecida com p (daí grafias curiosas como urps por urbs, «cidade»).
Quintiliano ( 1.7.7) registou que, numa palavra como obtínuít, o
que os ouvidos ouviam era optínuit.
A tendência para b, antes de uma vogal ou no meio de duas
vogais, passar a ve vice-versa já se observa em inscrições do início
da época imperial. Estão registadas grafias como VENE (por bene,
«bem»), FAVIVS (por Fabíus), etc. Pensemos na evolução do
latim para as línguas românicas: debere em latim dá «dever» em
português. Paralelamente, o v antes de vogal ou no meio de duas
consoantes passou, por muitos falantes, a ser pronunciado b
(a partir do século II d.C. começamos a encontrar grafias como
birtus por virtus, «virtude»). É por isso que a cidade romana
Vesontíõ viria a chamar-se Besançon.

C - O lugar do C como terceira letra do alfabeto latino corres­


ponde ao lugar ocupado no alfabeto grego pela letra gama (r).
Curiosamente, havia zonas na Magna Grécia em que o gama era,
de facto, escrito C (embora, de uma forma geral, C fosse a forma
preferencial da letra sigma). Certas grafias antigas mostram-nos
como as letras C e G seriam por vezes permutáveis: por exemplo,
Carthãcinienses, por Carthãgíníenses; cocnõmen por cognõmen; ou
leciõnes por legíõnes. A abreviatura do nome Gnaeus era habitual­
mente Cn.; tal como a abreviatura de Gaíus era C.
H t t \ 0 11 � I I Á S I CAS DE PRONÚNCIA 49

No latim clássico, e era sempre uma oclusiva: tinha sempre o


v11lor do «c» da palavra portuguesa «doca», e nunca o som do
. , .. da nossa palavra «doce». Temos a certeza deste facto graças
11 llJ•intiliano ( 1.7. 10), que o regista explicitamente. Plutarco,
,111tor grego do século I d.C., também nos ajuda nesse sentido,
1111 �rafar como Kuctpwv o nome de Cícero. Portanto, Cícero teria
pronunciado o seu próprio nome «Quíquero» (e não «Çiçero» ).
A pronúncia de e como s está documentada em inscrições roma-
11,,s da Antiguidade Tardia: por exemplo, Felissiosa (por Feliciosa).

D - Esta oclusiva era pronunciada no latim clássico como o


� d » da palavra portuguesa «Damaia». Talvez a sua pronúncia não
fosse muito distante da de t, devido às duplas grafias de palavras
romo haud/haut ou quod/quot. Quintiliano ( 1.4. 16) comenta que
,,s letras têm, de facto, afinidade sonora, pelo que não deveríamos
,·stranhar (diz ele) uma grafia como Alexanter (por Alexander).

E - No caso da vogal «e», conseguimos encontrar uma equi­


valência em português para o som do e longo ( e): o «e» de, por
l'xemplo, «Lamego».
O som do e breve ( e) seria como o «e» de «Évora».
Assim, o e de suprémus é diferente do de gelidus.

F - O som de fno latim clássico não diferiria do «f» da palavra


portuguesa «Faro». Neste caso, as grafias gregas não nos ajudam
a reconstituir o som, já que ele não existia em grego. O facto de
Fabius se escrever em grego <l>á�toc mostra-nos somente que a letra
<1> era o que de mais perto se aproximava, em grego, de f. Note-se
que os romanos transliteraram <pÍÀococpia como philosophia - e não
como filosofia.
NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

G - Oclusiva gutural, como na palavra portu guesa «Gaia». Na


época clássica, o adjetivo magnus ( «grande») era pronunciado
mag-nus (e não «manhus») . Sobre a permutabilidade com C no
latim arcaico, ver acima.

H - O h no latim clássico era aspirado: o som inicial de habere


( «ter») é i gual ao do inglês have ou do alemão haben.
Conse guimos intuir que o h latino teria uma identidade sonora
forte (pelo menos numa fase antiga da üngua) ao considerarmos
o facto de o supino 8 do verbo trahõ ser trãctum (ou de o supino do
verbo uehõ ser uectum). No século I a .C., não aspirar o h era visto
como sinal de incultura, o que teve como resultado cómico a intro­
dução de aspirações a torto e a direito por parte de incultos que se
queriam mostrar cultos. Assim, o poeta Catulo ( 84.2) ridiculariza,
no século I a .C ., al guém que diz caricatamente hínsídíãs em vez
de ínsídíãs.
Por outro lado, o auriga da época imperial que mandou inscre­
ver uma maldição contra os seus rivais (ILS 8753) talvez não se
tenha importado de ver escrita a calinada ex anc ora (por ex hãc
hõrã) porque, na prática, era assim que ele falava.

I - Não nos é fácil intuir a diferença sonora entre i e i. No


entanto, essa diferença era percetível para ouvidos romanos, uma
vez que, na ortografia que encontramos em inscrições do período
republicano, i aparece amiúde sob a forma de ei, criando assim uma
clara distinção gráfica com i.
Na grafia do latim clássico, i representava também a semivogal
que encontramos no nome Iülíus (mais tarde grafado Jülíus) .
O grego ajuda-nos aqui a ter uma ideia do som deste «i»: 'IoúÀtoc.

ª Sobre o supino, ver pp. 141-142, 363-364.


N l l �' O IIS BÁSICAS DE PRONÚNCIA 51

K - Letra considerada supérflua pelos próprios romanos


(d'. Qµintiliano 1.4.9), uma vez que tinha o mesmo valor de C e
1urge praticamente só em grafias duplas como Karthãgõ/Carthãgõ
uu Kalendae/Calendae. Nalgumas inscrições da época imperial,
l�-se kap ut por caput ( «cabeça»).

L - Habitualmente articula-se esta consoante latina como o


.. L » francês de «Limoges» (e não como o «L» portu guês de
.. Lisboa»).
Não é possível saber ao certo como seria a pronúncia do L (uso
,1 maiúscula para evitar a ambi guidade com 1) na boca dos romanos
do período clássico, mas a tendência do L para desaparecer, em
n�rtas posições, na evolução do latim para as lín guas românicas é
visível em palavras como clãrus (em italiano, chiaro), jlümen (em
italiano, fiume), calidus (em francês, chaud), alter (em portu guês,
«outro»). O L duplo teria possivelmente uma pronúncia mais
marcada, o que permitiu a sua conservação: cf. uallis (em portu­
guês, «vale») ou ille (em portu guês, «ele»). Também o L inicial
teria decerto um valor pronunciado: cf. lãna (em portu guês, «lã»).

M - Na pronúncia atualmente se guida do latim, m pronuncia­


-se sempre como o «m» de «Mértola».
Prisciano (gramático latino dos séculos v-v1 d.C.) distin guiu
três pronúncias da letra «m»: o «m obscuro», o «m aberto» e o
«m medíocre». Talvez possamos transpor estes termos para, res­
petivamente, «m final» (como em templum), «m inicial» (como
em magnus) e «m medial» (como em umbra). O «m» final, a que
Prisciano chamou «obscuro» (inspirando-se talvez em Quinti­
liano 9.4.40), teria certamente o som mais ténue dos três e, com a
evolução do latim para as lín guas românicas, desapareceu (por isso
52 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM

templum se diz «templo» em portu guês). Palavras italianas como


amore ou fonte derivam das formas de acusativo latino amõrem,
fontem.
Que o som do «m» final em latim seria ténue é-nos compro­
vado pela sua frequente omissão em textos epigráficos. Num grafito
que al guém escreveu na parede em Pompeios ( CIL 4.7086), lemos:

MARCVS SPEDVSA AMAT


«Marcos ama Spendusa».

Qyem compôs estas palavras (terá sido o próprio Marcos, apai­


xonado por Spendusa?) não se deu ao trabalho de escrever correta­
mente o nome da mulher amada: nem escreveu o -n- que fazia parte
do nome dela (Spendusa), nem a desinência de acusativo ( Spendu­
sam). Exemplos como este, em inscrições latinas, são inúmeros.
Por seu lado, também os poetas que celebravam o amor e outras
coisas (mas sem andarem a escrever grafitos na parede) claramente
contavam com que, na leitura de poesia, os seus leitores romanos
não pronunciassem o -m final quando se lhe se guia uma palavra
começada por vogal ou ditongo. É o caso, por exemplo, do -m silen­
cioso de subitum no seguinte verso de Vergílio (Eneida 8.8 1) 9 :

ecce autem subitum atque oculis mirãbile mõnstrum.

N - A pronúncia do n latino é a da palavra portu guesa «Nisa».


Como já vimos no caso de outras consoantes, a perdurabili­
dade do n na história do latim dependeu da sua posição na palavra.
A sua articulação mais incisiva seria em início de palavra (cf. nõmen,

9 Para uma introdução à métrica latina, ver pp. 383-406.


N t 1C,:ÚP.S BÁSICAS DE PRONÚNCIA S3

rm portu guês «nome»); e a sua articulação mais ténue, no meio


til• duas vogais (cf. lãna, em portu guês «lã») . Sabemos por Quin­
t l liano ( 1.7.29) que o n «esquecido» na escrita era um erro orto­
�r,\fico do seu tempo, que decerto refletia a forma como as pessoas
falavam. Este facto encontra apoio nal gumas inscrições gregas que
procuravam escrever, em grego, palavras latinas como eram pro­
nu nciadas. Um exemplo expressivo é o nome Clêmêns escrito
l< À� µric (ou a palavra castrênsia escrita Kac-.p�c1a) .

O - O som do o longo ( õ) seria equivalente ao «o» da palavra


portuguesa «Alvor»: glória, nõmen, nõn, etc.
O som do o breve seria equivalente ao «o» inicial de «Óbidos»:
.� /obus, populus, uocõ, uolõ, etc.

P - Como o «p» de «Porto».

Q - Descendente da letra grega koppa (9), aliás raramente


usada na Grécia, o q do latim não se distin guia auditivamente de e
ou de k (daí que existam grafias antigas como PEQVNIA por pecu-
11 ia, ou QVM por cum) . A pretensa inutilidade da letra q levou à
proposta fracassada, por parte do orador e poeta do século I a .C.
( :aio Licínio Calvo (amigo de Catulo), de que ela fosse banida do
al fabeto latino 10 •
Q!ianto à sequência -qu- se segue uma vogal, o som é qw.
Assim, quis pronuncia-se qwis; e quod pronuncia-se qwod.

R - Chamada por Pérsio (poeta do século I d.C .) a littera


canina (Sátiras 1 . 109) porque o seu som seria algo como o rosnar

'" Isto segundo conta Mário Victorino, GL 6.9. 1 .


52 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

templum se diz «templo» em portu guês). Palavras italianas como


amore ou fonte derivam das formas de acusativo latino amõrem,
fontem.
Que o som do «m» final em latim seria ténue é-nos compro­
vado pela sua frequente omissão em textos epigráficos. Num grafito
que alguém escreveu na parede em Pompeios ( CIL 4.7086), lemos:

MARCVS SPEDVSA AMAT


«Marcos ama Spendusa».

Quem compôs estas palavras (terá sido o próprio Marcos, apai­


xonado por Spendusa?) não se deu ao trabalho de escrever correta­
mente o nome da mulher amada: nem escreveu o -n- que fazia parte
do nome dela ( Spendusa), nem a desinência de acusativo (Spendu­
sam) . Exemplos como este, em inscrições latinas, são inúmeros.
Por seu lado, também os poetas que celebravam o amor e outras
coisas (mas sem andarem a escrever grafitos na parede) claramente
contavam com que, na leitura de poesia, os seus leitores romanos
não pronunciassem o -m final quando se lhe se guia uma palavra
começada por vogal ou ditongo. É o caso, por exemplo, do -m silen­
cioso de subitum no seguinte verso de Vergílio (Eneida 8.8 1) 9 :

ecce autem subitum atque oculis mirãbile mõnstrum.

N - A pronúncia do n latino é a da palavra portu guesa «Nisa».


Como já vimos no caso de outras consoantes, a perdurabili­
dade do n na história do latim dependeu da sua posição na palavra.
A sua articulação mais incisiva seria em início de palavra (cf. nõmen,

9 Para uma introdução à métrica latina, ver pp. 383-406.


N H C,: Ú H S BÁSICAS DE PRONÚNCIA 53

rm portu guês «nome»); e a sua articulação mais ténue, no meio


dl· duas vogais (cf. lãna, em portu guês «lã»). Sabemos por Qµin­
t i l iano ( 1 .7.29) que o n «esquecido» na escrita era um erro orto­
w,\fico do seu tempo, que decerto refletia a forma como as pessoas
folavam. Este facto encontra apoio nal gumas inscrições gregas que
procuravam escrever, em grego, palavras latinas como eram pro­
n u nciadas. Um exemplo expressivo é o nome Cléméns escrito
K À� µ11c (ou a palavra castrénsia escrita Kacrp�cta).

O - O som do o longo ( õ) seria equivalente ao «o» da palavra


portuguesa «Alvor»: glória, nõmen, nõn, etc.
O som do o breve seria equivalente ao «o» inicial de «Óbidos»:
.� /obus, populus, uocõ, uolõ, etc.

P - Como o «p» de «Porto».

Q - Descendente da letra grega koppa (9), aliás raramente


usada na Grécia, o q do latim não se distin guia auditivamente de e
ou de k (daí que existam grafias antigas como PEQVNIA por pecu-
11 ia, ou QVM por cum). A pretensa inutilidade da letra q levou à

proposta fracassada, por parte do orador e poeta do século I a.C.


Gaio Licínio Calvo (amigo de Catulo), de que ela fosse banida do
alfabeto latino 10 •
Qµanto à sequência -qu- se segue uma vogal, o som é qw.
Assim, quis pronuncia-se qwis; e quod pronuncia-se qwod.

R - Chamada por Pérsio (poeta do século I d.C.) a líttera


canina ( Sátiras 1. 109) porque o seu som seria algo como o rosnar

"' Isto segundo conta Mário Víctorino, GL 6.9. 1.


54 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

de um cão, o r latino seria rolado e apical, como o «r» espanhol e


italiano (e o «r» de muitos portu gueses), ou seria como o «r»
francês? A primeira hipótese tem mais defensores.

S - A pronúncia convencionada do s latino é sempre equiva­


lente ao «s» de «salsa» (e nunca ao «s» de «coser»).
No entanto, a letra teria certamente mais que se lhe dissesse,
já que Quintiliano ( 1. 7.23) nos informa de que um certo Messala
escreveu um livro intitulado Dé S litterã.
Numa fase antiga da história do latim (sensivelmente antes de
350 a.C.), o s intervocálico tinha a tendência para ser pronunciado,
nal gumas palavras, como r (chama-se a esse fenómeno «rotacis­
mo» 1 1 ) . Assim se explica o facto de o acusativo de flõs ( «flor»)
ser flõrem (e não *flõsem) .

T - Sempre articulado, na pronúncia convencionada, como o


«t» de «Tibães», que se mantém nos dois «t» de inuítãtiõ.
As inscrições mostram-nos que, na Antiguidade Tardia, o t
intervocálico estava a perder o seu valor de oclusiva. Grafias como
ocium (por õtium) ou oracio (por õrãtiõ) deixam isso bem claro.
Mas não foi só na posição intervocálica que se deu esta tendência:
na transição da Anti guidade Tardia para a Idade Média já se encon­
tra a grafia nuncius (por nuntius) .

V - Esta letra representava dois sons diferentes em latim: a


vogal u (nas suas variantes ü e u) e uma semivogal pronunciada
como o w inglês. Cf., em latim, uinum (em inglês, wine) .
11
Sobre o rotacismo, ver p. 379. O português tem exemplos curiosos de rotacismo relativamente
a palavras latinas. Pensemos na palavra portuguesa «praia» (em latim, plaga; em espanhol,
playa). Trata-se, de resto, de um fenómeno bem documentado nas línguas indo-europeias.
Compare-sefreeze, em inglês, com frieren, em alemão.
Jillll\" n l!H II ÁSICAS DE PRONÚNCIA 55

Não havia diferenciação gráfica, no latim escrito na Anti­


lllli dade, entre «v» e «u». A letra conhecida das inscrições é V:
11 pnl.wra que significa «ferida» era escrita VVLNVS; ou a palavra
,1m• significa «escravo», SERWS. Embora o primeiro registo de
l / m:orra, ao que parece, num papiro de Herculano 12, cidade des­
t ru lda pelo Vesúvio juntamente com Pompeios, a letra que conti­
nuou a ser regularmente usada até ao desenvolvimento da escrita
unl"ial foi V.
Na ortografia hoje usada nas edições críticas das grandes cole­
\ l)l'S de textos clássicos ( Oxford, Les Belles Lettres, etc.), usa-se

Nrnnente o V maiúsculo e o u minúsculo: assim, as palavras acima


d tadas, em letras minúsculas, são hoje escritas uulnus e seruus.
Não nos é possível reconstituir a diferenciação sonora entre ü
l' u. Mas no caso da pronúncia w da semivogal inicial de uinum,

lemos a ajuda das grafias gregas de palavras latinas. A forma grega


de Vespasiãnus, por exemplo, é Oúec1tacíavoc.
A mudança do som inicial de uinum do w de wine para o v de
« vinho» também nos é documentada por curiosas grafias gregas:
Valerius escrito como BaÀtp1oc ou o nome do imperador Nerua
rnmo Ntp�a (isto numa fase em que a letra grega beta já era
pronunciada v, como em grego moderno).

X - Esta letra é um dígrafo em latim, representando o som ks


(como em réx, «rei») . Embora se trate da forma latina da letra
grega X ( khi), corresponde, no som, à letra grega 3 (ksi) .

Y - Letra introduzida no alfabeto latino no final da época repu­


blicana, para transcrever de forma mais exata palavras gregas. A sua

" Cf. Lindsay, p. 442; Roby, Vol. I, p. 69.


56 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM

pronúncia seria equivalente ao «u» da ilha açoriana de São Miguel,


ao «u» francês ou ao «ü» alemão.

Z - Letra usada numa época antiga da escrita do latim, mas que


caiu em desuso; à semelhança da anterior, foi reintroduzida, como
última letra do alfabeto latino, no final da época republicana para
transcrever de forma mais exata palavras gregas (e.g. Zephyrus,
zõdiacus, etc.). Quintiliano ( 12. 10.28) descreveu o seu som como
«jucundíssimo».

Ditongos

Existem, em latim, os seguintes ditongos:

ae - pronunciado, pelo menos até ao século I a.C., ai (como


em «airoso»). O plural de rosa, por exemplo, é rosae (que se pro­
nunciava rosai). A grafia ai por ae está bem documentada no latim
escrito da época republicana 1 3 .
Na época imperial, deu-se a alteração fonética conducente a
que os ditongos ae e oe passassem a ser pronunciados e. Num docu­
mento encontrado perto de Pompeios (uma tábua cuja data de
escrita podemos precisar com exatidão: 15 de setembro do ano
39 d.C.), encontramos a palavra poenae com a grafia peone, «erro»
que podemos tomar como sintomático da forma como estes diton­
gos já estavam a ser pronunciados no reinado de Calígula.

13 Em edições mais antigas de textos latinos, vemos muitas vezes o ditongo ae grafado como z.

Essa convenção deixou de ser seguida no século xx. O seu abandono, justificável do ponto de
vista filológico, deixou, contudo, homógrafas duas formas que antes eram facilmente
distinguíveis: os genitivos das palavras aes («bronze» ) e ãir («ar» ), que têm ambos a forma
aeris. Com a grafia antiga, a distinção entre as duas formas era mais clara: o genitivo de «bronze»
escrevia-se reris (dissílabo) e o genitivo de «ar», aeris (trissílabo: ãéris).
1\1 1 1 1, ,w.s BÁSICAS DE PRONÚNCIA 57

Que se passava o mesmo longe de Itália, algures no Egito


rnmano, é-nos mostrado pelo facto de, por volta de 100 d.C.,
u m romano não muito culto chamado Cláudio Terenciano ter
,•snito uma carta ao pai (cujo papiro [P.Mich. 469] chegou aos
nossos dias), dizendo-lhe, entre outras coisas, «escreve-me de
volta», o que, com a ortografia correta, seria mihi rescríbe. Ora,
o autor da carta grafa erradamente (por hipercorreção, talvez)
o -e final de rescríbe como -ae, o que nos confirma a equivalência
na pronúncia, no latim que ele falava, entre -ae e -e14•

au - como em português, «aumentar». No entanto, este


ditongo já estava a passar a monotongo no final da época republi­
c111a, como se vê na grafia oricula como diminutivo de auris ( «ore­
l ha») numa carta de Cícero ao seu irmão Quinto ( 2.5. 15).
A partir da biografia que Suetónio escreveu do imperador Vespa­
siano, ficamos com a informação de que, para os romanos das clas­
ses mais altas, não era nada chique pronunciar au como o, o que
levou um senador chamado Flõrus a corrigir o próprio imperador
quando este disse plostrum em vez de plaustrum. No dia seguinte,
o imperador retaliou ao tratar o senador Flõrus por Flaurus - uma
bicada maliciosa a jogar com o sentido de q>Àaúpoc em grego:
«reles» 15 •

oe - como em português, «herói». A grafia oi (por oe) está


bem documentada no latim escrito que nos chegou da época repu­
blicana. Na época imperial, oe passou a ser pronunciado e, tal
como ae (ver acima).

" Cf. Clackson & Horrocks, pp. 238-252.


" Suetónio, Vespasiano 22.
58 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

Há, depois, a considerar as seguintes sequências, que podem,


por vezes, funcionar como ditongos:

ei - como em português, «leite».

eu - como em português, «chapéu».

ui - como em português, «Rui».

Acentuação

O latim não se escreve com acentos. A sua acentuação, porém,


é extremamente lógica, embora levante o problema de exigir, do
aprendiz de latinista, um conhecimento sólido dos sons exatos que
compõem todas as palavras com três ou mais sílabas.
As regras da acentuação latina são somente duas 16 :

1. Em palavras com duas sílabas ( rosa, nõmen, Venus), o acento


recai na penúltima sílaba. Com raras exceções (ver p. 248), todas
as palavras dissilábicas em latim são paroxítonas.
2. Em palavras com três ou mais sílabas, o acento depende da
quantidade da penúltima sílaba.
2. 1. Se a penúltima sílaba for longa (porque contém uma vogal
longa, um ditongo ou uma vogal seguida de duas consoantes),
o acento tónico recai na penúltima sílaba e a palavra é paroxítona:

suprêmus, exsanguis, prõgressus, alauda, amãre, audíre.

16 Para uma explicação antiga da acentuação latina, ver Quintiliano 1 .5.22-3 1 .


N l l \ l'l l< S I I Á S I CAS DE PRONÚNCIA 59

2.2. Se a penúltima sílaba for breve (porque é constituída por


11111a vogal breve), o acento recai na antepenúltima sílaba e a palavra
• pro paroxítona (esdrúxula) :

credibrlisJacere, tempõra, alãcer, titübõ.

Como facilmente se entende, uma das razões pelas quais é


fu ndamental aprender as palavras latinas com a pronúncia certa
( t' mm as quantidades certas) é que, sem esse conhecimento, não
h;\ maneira de saber como acentuar as palavras latinas de três ou
mais sílabas.
Uma informação prática qu e pode ajudar nesta questão é a
Hl'guinte: como regra geral, quando em latim uma vogal se segue
., outra vogal, a primeira das duas vogais é (ou torna-se pela posi-
1;ào) breve:

habeõ, tibía, melliflüus, audíõ.

(Há, no entanto, exceções esporádicas a ter em conta, que são


palavras de origem grega :

Aeneãs, elegia, Iphigenia, Menelãus, Õriõn. 17 )

Para mais informações sobre esta temática, consulte-se a sec­


ção «Prosódia» no capítulo «Noções de métrica latina : poesia»
(pp. 392-395); e o capítulo «Noções de fonética histórica do
latim» (pp. 371-382).

17
Embora o «O» inicial de Ôriõn seja longo (cf. grego '!lp{wv), alguns poetas (Vergílio, Horácio,
Estácio) preferem, por vezes, considerá-lo breve. Ovídio faz o mesmo com o segundo «o» deste
mitónimo.
I.
Morfologia
l I lrodução aos casos

Independentemente das circunstâncias especiais em que, na


, Idade de São Paulo, se fala em «um chopps e dois pastel», estamos
h,,hituados, como falantes que somos da lín gua portu guesa, ao fenó­
llll'no de substantivos, adjetivos, pronomes e formas verbais altera­
l't' lll a sua forma consoante o número (singular/plural) em causa 1 .

O efeito do género (masculino/feminino) sobre a forma


dl·stas palavras também nos é familiar.
Em latim, há um terceiro elemento a exercer efeito de trans­
formação sobre a forma das palavras, elemento de que a lín gua
portuguesa (sobretudo no portu guês europeu) conserva vestígios
fantasmagóricos nalguns pronomes pessoais: esse elemento é o caso.
A guisa de entrada nesta matéria, pensemos um pouco nos
pronomes pessoais, tal como são usados no português europeu. O pro­
nome «tu» é um bom exemplo. Quando «tu» é o sujeito da frase,
a sua forma só pode mesmo ser «tu». Leiam-se as seguintes frases:

(i) Tu viste-me ontem.


(ü) Eu vi-te ontem.
(i li) Estas rosas são para ti.

' No indo-europeu, havia, além de singular e plural, um terceiro número: o dual (existente em
!(rego). No latim, o dual terá desaparecido numa fase muito antiga da llngua. Restaram
praticamente só dois vestígios: duo («dois») e ambõ («ambos» ),
64 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Em (i), tu desempenha a função de sujeito, mantendo a forma


do caso chamado «nominativo» em latim ( tü) . Em (ii), -te desem­
penha a função de complemento direto, mantendo a forma do caso
chamado «acusativo» em latim (te). Em (iii), vemos em ti o
vestígio de tibi em latim, o «dativo» de tu.
No que toca ao pronome «eu», repare-se como a sua forma
muda de «caso» consoante a função sintática:

(iv) Eu vi-te ontem.


(v) Ela deu-me um livro.
(vi) As rosas são para mim.

Em (iv), vemos o pronome eu no nominativo (em latim, seria


ego); em (v), está no «acusativo» (em latim, me); em (vi), vemos
o que resta em português do pronome latino ego no «dativo»: mihi.
Observemos apenas mais estes exemplos:

(vii) Ele chegou a horas.


(viii) Eu encontrei-o depois.
(ix) Eu dei-lhe as rosas.

Embora no caso dos exemplos (vii), (viii) e (ix) não seja tão
útil traçar paralelismos com pronomes latinos, continua válido o
fenómeno (observado nos três exemplos) da transformação da
palavra conforme a função sintática desempenhada.

* * *
O latim é uma língua declinada . Isto significa que a forma das
palavras - mormente no que toca às terminações - é determinada
pela sua função sintática na frase.
I N T ll O D U ÇÃO AOS CAS OS 65

Em português, na frase «o poeta saúda a musa», reconhece­


mos as funções sintáticas pela posição das palavras na frase:
-� poeta» é o sujeito; «musa» é o complemento direto.
Se trocarmos a posição de «poeta» e de «musa», o sentido
da frase é diferente: «a musa saúda o poeta».
Em latim, não é a ordem das palavras que conta para perceber­
mos a relação sintática entre os seus elementos, mas sim as termi­
nações das palavras. Olhemos para os seguintes exemplos:

( La) poeta salütat müsam.


( l .b) müsam salütat poeta.
( l .c) salütat poéta müsam.
( 1 .d) müsam poéta salütat.
( l .e) salütat müsam poéta.

Todas estas frases em latim significam o mesmo: «o poeta


saúda a musa» . A ordem das palavras não transmite informa­
\ão sintática, mas sim intenção retórica . A palavra que se quer
enfatizar é colocada em primeiro lugar. Não é, portanto, alte­
rando a ordem das palavras que se consegue mudar o sentido
de uma frase em latim, mas sim alterando as terminações das
palavras:

(2) poétam salütat müsa ( «a musa saúda o poeta») .

Tanto no exemplo ( 2) como nos exemplos ( 1), o elemento


determinante para entendermos o sentido da frase está no -m,
terminação de acusativo, que nos diz qual dos dois substantivos da
frase é o complemento direto; e no -a, terminação de nominativo,
que nos indica o sujeito.
66 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Mesmo numa frase latina escrita às três pancadas numa parede


de Pompeios não temos dificuldade em entender as relações
sintáticas: o/a grafitista pode ter omitido - por pressa, por incul­
tura - al guma desinência que nunca seria omitida num texto for­
mal (nem por Cícero, escrevendo no século I a.C., nem por Patrício,
«Apóstolo dos Irlandeses», no século v d.C.), mas o sentido da
frase é claro:

SERENA ISIDORV FASTIDIT.

«Serena abomina Isidoro» ( CIL 4.31 17). Ou, em latim cor­


reto, Serena Isidõrumfastídit. Quem lê a frase escrita assim percebe
de imediato que não é em «Serena» que falta o -m, mas sim em
«Isidoro»; pois não seria na palavra «Isidoro» como nominativo
que cairia a desinência -s (Isidõrus). A tendência para a omissão
nestes casos de escrita descuidada atinge sobretudo o -m final (ver
o que dissemos sobre a letra M na p. 52).

***
A palavra «caso» vem do verbo latino cadõ ( «cair» ) 2, mais
concretamente de um substantivo latino derivado desse verbo:
cãsus ( «queda»). Por sua vez, o termo «declinação» vem do
verbo latino declínõ ( «inclinar», mas também «desviar»). Assim,
as declinações podem ser vistas como formas que se «desviam»
da consubstanciação modelar da palavra, que será (pelo menos
para efeitos de aprendizagem pragmática do latim) a forma de
nominativo.

2 Contrariamente ao português, a maneira de designar wn verbo latino é por meio da l .• pessoa

do singular do presente do indicativo ativo; a convenção em português é usarmos para tal o


infinitivo. O verbo «amar» português é o verbo amõ latino.
1 1, u 1 1 1 1 1 1 ç A o AOS CASOS 67

O latim tem seis casos: nominativo, vocativo, acusativo, geni­


t i vo, dativo, ablativo. Destes, o mais inexpressivo morfologica­
mrnte é o vocativo, visto que é sempre i gual ao nominativo, à
Hn�ção de al gumas palavras masculinas do grupo a que pertencem
IIN substantivos amícus e fílius (e os adjetivos que lhes são congé­
nrrcs, como clãrus, bonus, etc.). Por essa razão, para não sobrecar­
rr�ar os paradigmas desta gramática com informação redundante,
11 vocativo não fi gura nas grelhas apresentadas (mas será chamada
,, ,1l cnção para formas especiais de vocativo em relação às palavras
1•111 que essas formas existam).
Nas pp. 288-315, apresentaremos de maneira mais completa a
fu nção dos casos em latim, mormente no que toca à sua instrumen-
1 .1lização sintática. Por ora, faremos apenas uma brevíssima apre­
Nl'ntação, em que focaremos, a propósito de cada caso, a sua função
mais básica.

1 . Nominativo
O termo nominativo vem da palavra latina nõmen ( «nome»).
(! o caso do sujeito na frase latina (e do nome predicativo do sujeito
ll uando a construção é com o verbo sum, «ser»):

luppiter est genitor


«Júpiter é <meu> progenitor» ( Ovídio, Metamorfoses 1.517) .

Aemilius Celer híc habitat


«Emílio Célere mora aqui» ( grafito de Pompeios, CIL 4.3 794).

2. Vocativo
O termo vocativo deriva do verbo uocãre ( «chamar», «invo­
car»). É o caso usado para a pessoa ou coisa invocada. Como já
t'IK NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

referimos, na grande maioria dos substantivos e nomes latinos,


o vocativo é igual ao nominativo, à exceção das palavras masculinas
da i.a declinação:

(i) infandum, régina, iubes renouãre dolõrem


«ordenas<me>, ó rainha, renovar uma dor indizível» (Eneida 2.3).

(ii) quisquis Flãminiam teris, uiãtor


«sejas tu quem fores, viandante, que pisas a Via Flamínia» (Marcial
1 1.13.1).

( iii) miser Catulle, desinãs ineptire


«desgraçado Catulo, para de desatinar» (Catulo 8.1).

Nos exemplos (i) e (ii), as formas de vocativo são iguais às


for�as correspondentes de nominativo. Não é o caso em (iii), pelo
menos no que toca ao nome próprio «Catulo».

3. Genitivo
O termo genitivo ( em latim, genitiuus ou genetiuus) sugere a
ideia de origem, embora a expressão gramatical grega na qual se
inspirou (1t-rwc1c yevtK�) signifique «caso geral» ou «caso gene­
ralista», isto é, um caso que serve para exprimir variadíssimas fun­
ções sintáticas. Na prática, o sentido mais óbvio do genitivo em
latim é o de posse:

Iouis sum filius


«sou filho de Júpiter» (Plauto, Anfitrião 30)

pãcis Amor deus est


«o Amor é o deus da paz» (Propércio 3.5. 1 ) .
h1t 1 1 1 1 >1J<;AO AOS CASOS 69

4. Acusativo
() termo acusativo relaciona-se com o verbo latino accüsõ
( • ,,nisar») e serve para identificar aquilo que está «em causa»
1111 respeitante à ação do verbo: a pessoa ou a coisa sobre a qual a
11��0 incide 3 • Por outras palavras, o seu objeto, ou complemento
,lh'l'lo. No chamado «Epitáfio de Cláudia» do século II a .C., diz-se
,1,, defunta:

,lomum seruãuit, lãnam fecit


<<guardou a casa, fiou lã» ( CIL 6. 1 5346).

Na abertura da segunda Bucólica de Vergílio, repare-se na colo­


r,,çào inicial do adjetivo que concorda com Alexin (complemento
d i reto) no final do verso:

fõrmõsum pãstor Corydõn ardébat Alexin


«o pastor Córidon amava ardentemente o formoso Aléxis» (Vergílio,
Bucólicas 2. 1 ) .

5. Dativo
O termo dativo provém do verbo que significa «dar » em latim
( dare) . É o caso do complemento indireto:

memoriae Valeri Amandini


«à memória de Valério Amandino» ( CIL 7.33)

' Note-se que o termo gramatical latino cãsus accüsãtiuus constitui uma tradução errada do termo
�rego mwc1c aiT1a-r1,c� ( «caso causal» ) . Os gramáticos latinos pensaram que o adjetivo alTta-rt�
proviria do verbo ah1ãc8a1 («acusar» ), quando, na verdade, provém de ahia ( «causa» ) .
Cf. Bayer & Lindauer, p. 123.
70 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

generum mihi, filia, débés


«deves-me um genro, ó filha» (Metamorfoses 1 .48 1 )

cuiflãuam religãs comam?


«para quem arranjas o loiro cabelo?» (Horácio, Odes 1 .5.4)

6. Ablativo
O termo ablativo relaciona-se com ablãtum (supino do verbo
auferõ) e sugere a ideia de levar de um sítio para o outro, o que nos
alerta para um dos sentidos do ablativo em latim (a ideia de sepa­
ração, de «algo» que provém de «al gures», da resposta à pergunta
«donde?»). No entanto, visto que o ablativo assumiu também as
funções de casos indo-europeus desaparecidos do latim e do grego
(o instrumental e o locativo), as ideias de «meio», de «agente»,
de «lugar» são também fulcrais:

ab origine mundi
«desde a origem do mundo» (Metamorfoses 1 .3)

nulla potest mulier tantum sé dicere amãtam


uéré quantum ã mé Lesbia amãta mea est
«nenhuma mulher pode dizer-se tão amada
na verdade quanto por mim a minha Lésbia foi amada» (Catulo 87. 1-2)

in omni Galliã
«em toda a Gália» (César, Dé bellõ Gallicõ 6.13.1-2).

7. Locativo
Dissemos, no parágrafo anterior, que o antigo caso indo­
-europeu chamado locativo desapareceu do latim, ficando as
1 11 1 I I I I I I I C,: ÁO AOS CASOS 71

1110 funções a cargo do ablativo. Existem, porém, alguns fósseis


ll11M u lsticos em latim, que são antigos locativos 4 :

+. domi, «em casa»;


,., humi, «no chão»;
,lo, rüri, «no campo»;
* Rõmae, «em Roma»;
* Carthãgini, «em Cartago» 5;
* Athénis, «em Atenas»;
* Corinthi, «em Corinto»;
➔IE Pergami, «em Pérgamo»;
,t� Smyrnae, «em Esmirna»;
➔lf Mitylénis, «em Mitilene»;
* Rhodi, «em Rodes»;
,)E Cypri, «em Chipre».

' Ver Roby, Vol. II, p. 68.


'O -i final do locativo Carthãgini é breve (e não longo, como nos outros exemplos apresentados).
A quantidade original da desinência de locativo era -i (só seria -i nos substantivos de tema em
-i- da 3.• declinação; as quantidades longas nos substantivos «errados» surgiram por analogia
prosódica). Ver Kühner & Holzweissig, pp. 292-294.
Substantivos I
1 . ª declinação ( ménsa, ménsae)

Como o latim não tem artigo definido - rosa tanto significa


«a rosa» como «uma rosa» -, o estudo da sua morfologia começa
tradicionalmente com os substantivos. A essa tradição não será
estranha a ideia da «primordialidade» do substantivo, do nome,
que está implícita no Capítulo 2 do livro de Génesis, quando Deus
traz todos os seres vivos diante de Adão ut uidêret quid uocãret ea
( «para ver o que <Adão > lhes chamaria»). Assim, aquilo com que
Adão inaugura a fala humana são nomes: substantivos.
Consideremos, em português, os seguintes substantivos:

* rosa;
* ano;
* rei;
* nave;
* fruto;
* dia .
Se lhes quisermos dar uma categorização dentro da língua por­
tuguesa, ocorre-nos dizer que eles se podem dividir em substanti­
vos femininos e masculinos. Também é clara para nós a única
mudança a que podem ser sujeitos na nossa língua: o acrescento
da desinência que os porá no plural.
1 ' l l lt t ' l , I N A Ç Ã O 73

As seis palavras listadas são todas latinas; cada uma delas cor­
r,11ponde a uma categoria dentro da classificação dos substantivos
l11t lnos. Cada uma segue um tipo de declinação. É com base nessa
,!,dinação que as palavras mudam de singular para plural; e é com
h11He nela, também, que cada palavra obtém a desinência que
, .u-imba a sua função sintática na frase.
Se dermos, portanto, a sua forma latina aos substantivos lista­
dos acima, veremos que pertencem a seis categorias diferentes.
Porquê?
A resposta tem que ver com o seu «tema», isto é, com a forma
,,hstrata da palavra isenta de desinência. No caso, por exemplo, de
msa, a forma abstrata da palavra, o seu tema, é igual ao nominativo.
No caso das outras palavras, porém, se olharmos para o tema de
rada uma delas, verificaremos o seguinte :

1111 bstantivo forma latina tema declinação

I"1rtuguês (enunciando a que


nominativo e genitivo pertence
do singular)
f'(l sa rosa, rosae rosa- (tema em -a-) I .•
an o annus, anni anno- (tema em -o-) 2.•
rég- (tema em
rc i réx, régis 3.•
consoante)
nave nãuis, nãuis nãui- (tema em -i-) 3.•
fruto fructus, fructüs fructu- (tema em -u-) 4.•
di a diés, diéi dié- (tema em -é-) s .•

Deste quadro, extraímos a ilação de que, em latim, existem


substantivos cujo tema pode terminar :

* em qualquer uma das vogais ( a, e, i, o, u);


* em consoante.
74 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Também percebemos que a maneira correta de referir um subs­


tantivo latino é enunciar, no singular, a sua forma de nominativo
e de genitivo.
Notámos ainda que, embora tenhamos listado seis substanti­
vos, o número de declinações é só cinco: os temas em consoante
e os temas em -i- pertencem ambos à 3.ª declinação:

* l.ª declinação: temas em -a-;


* 2.ª declinação: temas em -o-;
* 3.ª declinação: temas em consoante e temas em -i-;
* 4.ª declinação: temas em -u-;
* S.ª declinação: temas em -é-.
Se consultarmos aquela que, até hoje, continua a ser a melhor
gramática de latim al guma vez produzida (Kühner), verificamos
que o capítulo sobre os substantivos está organizado de uma
forma que desconstrói a categorização tradicional das cinco decli­
nações, já que, nessa grande obra de consulta, a abordagem à maté­
ria dos substantivos latinos parte da 3.ª declinação.
Para nós, falantes de lín gua portu guesa, é mais natural começar
com a categoria de palavras que transitou (pelo menos no que toca
à forma de nominativo) com pouca alteração (ou, como diria
Camões, «com pouca corrupção») do latim para o portu guês: as
palavras de tema em -a-, como rosa, terra, hõra, glõria, língua, ménsa,
pecünia, Rõma, uilla, que formam todas o genitivo em -ae.
Os substantivos da l.ª declinação são maioritariamente femi­
ninos, embora pertençam a esta categoria al guns nomes de pro­
fissão masculinos ( nauta, «marinheiro»; agrícola, «agricultor»;
poeta, «poeta»; scriba, «escriba») e o nome do mar Adriático,
Hadria. Não existem substantivos neutros da l.ª declinação.
1 , 1 I I M l : l , I N AÇÃO 75

mensa, mensae, «mesa» (f)

Sing. PI.
Nom. ménsa ménsae
Gen. ménsae ménsãrum
Acus. ménsam ménsãs
Dat. ménsae ménsis
Abl. ménsã ménsis

Observando o paradigma acima apresentado, chama a nossa


1lll·nção o facto de a terminação -ae se repetir no genitivo do sin­
t4ular, no dativo do singular e no nominativo do plural. No entanto,
rssa repetição é ilusória, uma vez que o -ae representa o resultado
ill• evoluções morfológicas diferentes. Comecemos por ver al gu­
mas questões atinentes à desinência -ae; de se guida, daremos conta
dl· outros aspetos curiosos a propósito desta categoria de palavras.

(i) Genitivo do sin gular


A desinência original de genitivo do singular era -ãs, tal como
l'm grego (cf. o genitivo de [,lOúca [ «musa»] : [,lOÍlcac). Esta desi­
nência antiga - bem documentada em autores arcaicos como
Névio (século II a.C.), que escreve terrãs como genitivo de terra;
ou Énio (séculos 11-1 a.C.), que escreve uiãs como genitivo de uia -
manteve-se na expressão pater Jamiliãs. Sérvio, distinto comenta­
dor de Vergílio no século IV d.C., defendeu a opinião de que esse
genitivo antigo ocorria num verso da Eneida ( 1 1.801), onde em
vez de aurae (como se lê nos manuscritos que chegaram até nós e
nas edições modernas) se deveria ler o genitivo do sin gular aurãs.
Como evolução intermédia entre as desinências -ãs e -ae, há a
considerar a desinência dissilábica -ãi, atestada em inscrições anti­
quíssimas e também no SCdB. Encontramos a desinência -ãi em
76 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLO GIA.

poetas e prosadores do período republicano e até num verso da


Eneida (3.354, aulãi, onde é claramente um dissílabo) .

(ii) Dativo do singular


A desinência antiga de dativo do singular (-ãi) deixa ver clara­
mente aquela que é a típica desinência de dativo do singular em todas
as declinações do latim e do grego: a vogal -i. Dativos do singular
em -ai estão bem documentados em inscrições da época republicana
e imperial, embora não se conheçam exemplos literários.

(iii) Nominativo do plural


A desinência do nominativo do plural aparece como -ai nas
inscrições mais antigas (e no SCdB). Cf. o nominativo do plural da
1.ª declinação grega: µoücai.

(iv) Acusativo do sin gular


A presença de -m como desinência de acusativo do singular é
transversal às cinco declinações latinas: ménsam, amicum, régem,
fructum, diem. A analogia com a consoante nasal -n que encontra­
mos na l .ª e na 2.ª declinações gregas é evidente ( µoücav, Àóyov) .

(v) Ablativo do sin gular


A desinência antiga do ablativo do singular era -d, como se
verifica em inscrições antigas e no SCdB, onde lemos formas de
ablativo como sententiãd e eãd. No poeta arcaico Névio encontra­
mos a forma Troiãd.

(vi) Genitivo do plural


O genitivo do plural da 1 .ª declinação latina mostra analogias
expressivas com outras lín guas indo-europeias. A desinência -ãsãm
,lo s:\nscrito está de al guma forma presente no genitivo do plural
ll""�º (µoucáwv, em ático µoucwv), no genitivo do plural de outras
l l n�uas itálicas antigas (osco e úmbrico) e no genitivo do plural
l.it l no mensãrum, rosãrum, etc. O -r- de mensãrum explica-se pelo
lrnómeno fonético chamado «rotacismo» (ver p. 379) .
Qµem se dedique a ler latim deparará, por vezes, com um geni­
t ivo do plural da l.ª declinação com terminação em -um. Isso acon­
h 'rc em quatro situações possíveis:

a) Em substantivos masculinos compostos, usados em poesia,


que terminam em -cola e -gena. Por exemplo: agricolum
como genitivo do plural de agrícola (Lucrécio 4.586); ou
indigenum como genitivo do plural de indígena (Prudêncio,
Aduersus Symmachum 2.501).
b) Em nomes de povos provenientes do grego ou de outras
lín guas. Por exemplo: Isrãelitum como genitivo do plural de
Isrãelítae (Tertuliano, Adversus Iüdaeõs 1); ou Lapithum
como genitivo do plural de Lapithae (Eneida 7.305).
c) Em textos poéticos e em patronímicos de origem grega.
O exemplo mais famoso é Aeneadum (genitivo do plural de
Aeneadae), logo no verso inicial do poema de Lucrécio.
d) Raramente (e só em prosa) nas palavras gregas amphora
( amphorum em vez de amphorãrum) e drachma ( drachmum
em vez de drachmãrum).

(vii) Acusativo do plural


A desinência original de acusativo do plural da l.ª declinação
(tanto em latim como nas outras línguas itálicas) seria -ans. A ten­
dência de -n- para cair antes de -s é um fenómeno bem conhecido
do grego antigo, üngua em que a desinência de acusativo do plural
78 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

dos temas em -a era, em fase muito antiga, -ave. A queda do -n­


levou a fenómenos diferentes nas diversas línguas mediterrâneas :
note-se a grafia uiass (por uiãs) em osco; ou a terminação de acu­
sativo do plural -ate no dialeto antigo da ilha de Lesbos.

(viii) Dativo e ablativo do plural


As desinências de dativo e ablativo do plural da l .ª declinação
provêm de -ais (cf. dativo do plural grego 11oúea1e), desinência
documentada em osco 6• Em inscrições latinas antigas encontramos
vários exemplos da terminação -eis como desinência de dativo e de
ablativo do plural; mas é preciso dizer que, na mesma época repu­
blicana, encontramos também, de forma coeva, inscrições com a
desinência -is.
De notar ainda a situação especial do dativo e ablativo do plu­
ral de duas palavras femininas da 1 .3 declinação : dea e filia. Para
evitar a homofonia/homografia das formas de masculino ( deus,
filius) e de feminino ( dea,filia) destes substantivos no dativo e abla­
tivo do plural, os escritores da época clássica usaram, no caso dos
substantivos femininos, como dativo e ablativo do plural deãbus e
filiãbus (desinências analógicas relativamente à 3.ª declinação).

Substantivos gregos da 1 .ª declinação

Consideremos, agora, alguns substantivos gregos sobretudo


usados na poesia latina, que correspondem a três tipos de nome
próprio. No plural, eles declinam-se exatamente como o plural

6 Para a possibilidade de a expressão deuas Corniscas sacrum (em que as palavras deua<i>s
Cornisca<i>s estão no dativo do plural = dís Corniscís) numa inscrição latina arcaica constituir
um exemplo em latim do dativo do plural em -ais, ver Montei!, p. 172.
l . ' l l H C L I N AÇÃO 79

llt• mensa. No singular, porém, há que ter atenção a estas formas


{ note-se que Aeneãs e Atrides são masculinos; Cybele é feminino):

Nom Aenéãs Atridés Cybelé


(;cn . Aenéae Atridae Cybelés
Acu s. Aenéãn Atridén Cybelén
Dat Aenéae Atridae Cybelae
Abl Aenéã Atridé Cybelé

Eis algumas particularidades a ter em conta em relação aos


,mbstantivos gregos da l.ª declinação:

(ix) Vocativo do singular


Contrariamente ao latim, onde só na 2.ª declinação encontra­
mos uma desinência própria de vocativo, em todas as declinações
de substantivos em grego existem desinências específicas de voca­
tivo. Essas especificidades vieram, digamos assim, coladas aos subs­
tantivos na sua trasladação de grego para latim. Embora no caso
dos substantivos femininos como Cybele isso não seja relevante,
convém notar as formas de vocativo de Aeneãs (vocativo: Aeneã)
e Atrides (vocativo: Atride).
Como estes nomes são sobretudo usados em poesia, é com­
preensível que se tenha explorado a sua versatilidade métrica.
Assim sendo, no caso de nomes como Atrides, além do vocativo
Atride ocorre também Atrida (e, sem vantagem métrica em relação
à terminação em -e, Atridã).

(x) Acusativo do singular de etnónimos em -ãtes, -ites e -õtes


Estes substantivos - por exemplo, Eleãtes, cidadão de Eleia
(como os filósofos Parménides e Zenão) - formam o acusativo do
singular em -em ou em -am.
80 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORFOLOGIA.

(xi) Genitivo do plural de patronímicos em -ãdes e -ídes


No caso destes nomes - como Aeneades e Dardanides -, o geni­
tivo do plural é Aeneadum e Dardanidum.
Substantivos II
2.ª declinação ( amtcus) amtâ e dõnum) dõnt)

Os substantivos (e adjetivos) da 2.ª declinação eram original­


mente de tema em -o-, como se vê por grafias muito antigas:
Manios por Manius na Fíbula de Preneste7; ou na grafia do adjetivo
malos por malus no Vaso de Duenos (século VI a.C.) 8 .
Os substantivos desta declinação são, na sua maior parte, mas­
culinos e neutros. Entre os poucos substantivos femininos desta
categoria, há a destacar humus ( «terra»); alguns nomes de árvores
(por exemplo laurus, «loureiro»;fícus, «figueira»); e substantivos
importados para latim da 2.ª declinação grega, palavras essas que,
cm grego, são femininas (como Aegyptus, methodus, periodus, dia­
lectus). Estes substantivos femininos declinam-se como amícus.

amícus, amící, «amigo» (m)

SinJt, PI.
Nom. amicus amici
Gen. amici amicõrum
Acus. amicum amicõs
Dat. amicõ amicis
Abl. amicõ amicis

7 A convicção de que a Flbula de Preneste seria uma falsificação do século XIX tornou-se quase
um dogma académico no final do século passado. No entanto, a tendência atual vai no sentido
de ver a inscrição na ftbula como autêntica. Além dos estudos de Annalisa De Bellis (2007;
20 1 1-2014), ver as pp. 69-105 do livro de M. Hartmann.
" Warnúngton, p. 196 (Fíbula de Preneste) e p. 54 (Vaso de Duenos).
82 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORFOLOGIA,

O primeiro aspeto a pôr em relevo no que toca a palavras


masculinas da 2.ª declinação terminadas em -us é o facto de serem
a única categoria de palavra latina (juntamente com os adjetivos
afins como clãrus, etc.) em que o vocativo é diferente do nomina­
tivo (e suplinhe-se que esta diferença se verifica somente no sin­
gular). Com efeito, o vocativo do singular de amicus é amice (cf. o
vocativo da palavra grega Kúp1oc [ «senhor» ], que é KÚptE, visível
na expressão Kyrie eleison).
Bem mais curioso é o vocativo de palavras terminadas em
-ius, como por exemplo filius, cujo vocativo é fili. Do mesmo
modo, nomes como Caecilius, Publius, Valerius, etc. formam o
vocativo do singular em Caecili, Publi, Valeri. Os especialistas
de linguística latina não têm uma explicação absolutamente
convincente para este vocativo do singular em - i. Tratar-se-á,
porventura, de um «fóssil» 9 • O poeta arcaico Lívio Andronico
baralha-nos um pouco mais o quadro pelo facto de usar, como
vocativo de filius, a forma surpreendente (mas não ilógica)
filie.
Uma desinência específica de vocativo não se verifica nos
outros tipos de substantivos masculinos da 2.ª declinação, como
puer, ager e uir. A razão para a diferença é que substantivos
como amicus e dominus são palavras de cujo sufixo original em
-õ- estava ausente o som -r-, ao passo que palavras como puer, ager
e uir eram originalmente palavras de tema em -ro-.
A evolução histórica das palavras puer, ager e uir pode
esquematizar-se assim (o fenómeno fonético em causa é a síncope
do -o-):

9 Cf. Montei!, p. 160.


1 , 1 l l l!C L I NAÇÃO 83

,1, *pueros > *puers > puer;


,1, *agros (cf. grego áypoc, inglês acre) > * agrs > *agr > ager10;
,1< *uiros > *uirs > uir.

De maneira menos filológica e mais pragmática, se não quiser­


mos dificultar desnecessariamente a aprendizagem da 2.ª declina­
\' 1\ 01 podemos pensar apenas que os substantivos masculinos

k rminados em -r funcionam como se a terminação -us tivesse


dl•saparecido, o que serve para explicar uir, uiri e puer, pueri. Rela­
t i vamente a palavras como ager, podemos pensar que o -e- desapa­
l'l'Ccu em todos os casos menos o nominativo ( ageTj agri; magisteTj
11111gistri; libeTj libri) pela simples razão de que era assim que os
romanos, na realidade, pronunciavam essas palavras.

pueTj pueri, «menino» (m)


ageTj agri, «campo» (m)
uiTj uiri, «homem» 1 1 (m)

Sing.
N om. puer ager uir
G'en. pueri agri uiri
Acus. puerum agrum uirum
Dat. puerõ agrõ uirõ
Abl. puerõ agrõ uirõ

1
" Com o caso de ager, compare-se o •e- que aparece na latinização do nome grego Alexandros

( l\Àt;avSpoc, em latim Alexander). O processo neste caso seria Alexandros > *Alexandrs >
'Alexandr > Alexander. O genitivo latino de Alexander é Alexandri.
11
Cf. , em português, «viril». Em latim, uir significa «homem» por oposição a «mulher», ao
passo que homõ, hominis significa «homem» no sentido de «ser humano» (como 4v8pwn:oc
cm grego).
84 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

PI.
Nom. pueri agri uiri
Gen. puerõrum agrõrum uirõrum
Acus. puerõs agrõs uirõs
Dat. pueris agris uiris
Abl. pueris agris uiris

Substantivos neutros da 2.ª declinação

Tal como sucede na 2.ª declinação grega, a 2.ª declinação


latina abrange também palavras de género neutro, como dõnum
( «dádiva»), bellum ( «guerra» [cf., em português, «bélico»]),
caelum ( «céu»), uerbum ( «palavra»), uinum ( «vinho»), etc.
Um aspeto a reter desde logo em relação a todos os substanti­
vos neutros do latim (e do grego) é que as formas de nominativo,
vocativo e acusativo são sempre iguais.

dõnum, dõni, «dádiva» (n)

Sing. PI.
Nom. dõnum dõna
Gen. dõni dõnõrum
Acus. dõnum dõna
Dat. dõnõ dõnis
Abl. dõnõ dõnis

Aspetos a ter em conta sobre a 2.ª declinação

Foquemos alguns elementos relevantes a propósito da 2.ª


declinação. O primeiro a destacar é o paralelismo morfológico
I • I I II C I . I NAÇÃO 85

l'rlativamente à i .a declinação. Com efeito, os substantivos de tema


rm -a- e de tema em -o- parecem duas faces da mesma medalha.
ltcssalvemos, não obstante, que, embora a divisão tradicional
dos substantivos latinos em cinco declinações tenha atribuído aos
11ubstantivos em -a- o primeiro lugar, na verdade muitos linguistas
11.\0 veem os pontos em comum entre a l .ª e a 2.ª declinações como
I n fluência da l .ª sobre a 2.ª, mas vice-versa 1 2•
Que pontos em comum são esses?

a) Em ambos os grupos de substantivos, a desinência do acu­


sativo do singular é -m.
b) Em ambos os grupos, a desinência primitiva de dativo do
singular era -i, documentado em osco e, no caso do latim,
na fórmula antiga de dativo populõi rõmãnõi (que é registada
por Mário Victorino, gramático latino do século IV d.C.) e
no dativo do singular Numasiõi na Fíbula de Preneste.
c) Além disso, têm também em comum a desinência antiga de
ablativo do singular -d (documentada, para a 2.ª declinação,
no SCdB).
d) O que foi dito, em relação ao plural, a propósito da l .ª decli­
nação sobre o genitivo, sobre o acusativo e sobre o dativo/
/ablativo aplica-se, mütãtís mütandís, à 2.ª declinação também.

Vejamos agora três situações específicas:

(i) Genitivo do singular


A desinência de genitivo do singular dos temas em -o- (catego­
ria a que corresponde, em latim, como vimos, a 2.ª declinação)

12
Cf. Clackson & Horrocks, p. 15.
86 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

mostra uma fenomenologia muito diversa nas línguas indo­


-europeias. Os lin guistas partem do princípio de que a desinência
de genitivo do sin gular no indo-europeu seria *-osyo, terminação
da qual provém, no grego homérico, o genitivo do sin gular em -oio
(por exemplo, TrjÀt:t:1áxo10, genitivo do nome «Telémaco» ). No
caso da Península Itálica, vejam-se as desinências variadas de geni­
tivo do sin gular em lín guas tão próximas:

* osco: -eis;
* úmbrico: -és;
* falisco: -oi;
* latim: -i.
Embora a desinência -ei de genitivo do singular esteja bem docu­
mentada em inscrições latinas da época republicana, não se pode
falar, em rigor, de uma evolução fonética -ei > -i, dado que a desinên­
cia -i é tão antiga quanto -ei (aliás, é -i que lemos no SCdB, documento
onde os ditongos são escrupulosamente grafados). A desinência -ei
deve ser vista, neste caso, como mera grafia alternativa para -i.

(ii) Genitivo do plural


Al guns substantivos masculinos da 2.ª declinação apresentam
duas formas de genitivo do plural: em -õrum e em -um. É o caso de
uir ( «homem»), deus ( «deus»), socius ( «aliado» ),faber ( «artí­
fice»), liberi ( «filhos»), superi ( «deuses supernos» ), nummus
( «moeda») e talentum ( «talento»).

(ili)
Nominativo/acusativo do plural neutro
A presença de uma vogal de timbre -a no nominativo/acusa­
tivo do plural neutro é transversal a várias lín guas indo-europeias.
I . • I I IICl,J NAÇÃO 87

Hmbora nal gumas dessas lín guas se trate de um -ã (seria o caso,


llil Península Itálica, do osco e do úmbrico), em grego e em latim
11 desinência é -ã (cf., em grego, Swpa). O -ã está presente, contudo,
rm latim nos numerais que indicam dezenas : trigíntã ( «trinta»),
111wdrãgíntã ( «quarenta»), etc.

A declinação de deus, dei

No caso deste substantivo, podem ocorrer, no plural, al gumas


formas alternativas. N ote-se que o vocativo de deus é deus: cf. Agos­
tinho, Confissões 1.2: nõn ergõ essem, Deus meus, nõn omninõ essem,
11isi essés ín me ( «eu não existiria, ó meu Deus, não existiria de todo,
se não existisses em mim»).

deus, dei (m)

Sing. PI.
Nom. deus di ou dei
Gen. dei deõrum ou deum
Acus. deum deõs
Dat. deõ dis ou deis
Abl. deõ dis ou deis

Substantivos gregos da 2.ª declinação

Tal como na l.ª declinação, também existem na 2.ª al guns subs­


tantivos de origem grega. Com o se trata essencialmente de topó­
nimos, o plural é raro.
88 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

Délos, Délí (f) (ilha no mar Egeu)


Pélion, Pélií (n) (montanha na Tessália)

Nom. Delos Pelion


Gen. Deli Pelii
Acus. Delon ou Delum Pelion
Dat. Delõ Peliõ
Abl. Delõ Peliõ

Embora, como foi referido, o plural deste tipo de substantivos


seja raro, há mesmo assim a notar o nominativo do plural Cané­
phoroe ( «canéforas») e o genitivo do plural grego em -õn que
podemos ver, por exemplo, no título latino do livro das Bucólicas
de Vergílio: Liber Bücolicõn.
Substantivos III
. ª declinação ( rex1 regis; ciuis1 âuis; etc. )

A terceira declinação é a única das cinco declinações latinas


ll ue abrange substantivos de tema em consoante - isto é, em que
a desinência indicando o caso se junta a uma consoante, e não a
vogais, como no caso das outras quatro declinações. Também
fazem parte dela os substantivos de tema em -i-.
Esta declinação abarca uma grande variedade de substantivos,
mas, se nos abstrairmos do caleidoscópio morfológico que é o
nominativo do sin gular na 3.ª declinação, as demais desinências
são facilmente reconhecíveis. Por isso, não obstante a muita infor­
mação necessária para a descrever, é importante ressalvar que a 3.ª
declinação não é tão difícil como parece. Exige o domínio de al guns
pormenores importantes, é certo, mas «no terreno», quando esta­
mos a ler um texto latino em prosa ou em verso, é raríssima a situa­
ção em que um substantivo da 3.ª declinação nos crie uma
dificuldade intransponível.
Num relance panorâmico sobre a 3.ª declinação, observemos
desde já que se divide em duas grandes categorias:

1. Temas em consoante:
1. 1. Em oclusiva;
1. 1. 1. Em oclusiva palatal ( -e-, -g-): pãx, pãcis ( «paz»); rex,
regis ( «rei»);
90 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

1. 1.2. Em oclusiva dental ( -d-, -t-): pes, pedis ( «pé»); caput,


capitis ( «cabeça»);
1. 1.3. Em oclusiva labial ( -p-, -b-): prínceps, príncipis ( «pri­
meiro»); trabs, trabis ( «trave»).
1.2. Em fricativa ( -s- >-r- por rotacismo 1 3 ) : Jlõs, Jlõris
( «flor»), tempus, temporis ( «tempo»).
1.3. Em nasal ( -n-, -m-): leõ, leõnis ( «leão»); hiems, hiemis
( «inverno»).
1.4. Em líquida (-l-, -r-): sõl, sõlis ( «sol»); amor, amõris
( «amor»).
2. Temas em -i-: cíuis, cíuis ( «cidadão»), etc.

Na 3.ª declinação, percebemos bem a importância de enunciar­


mos os substantivos corretamente (indicando o nominativo e o
genitivo do singular), pois é o genitivo do singular que, numa pri­
meira abordagem, nos permite perceber a que subdivisão o nome
pertence. Perante o substantivofrõns, por exemplo, precisamos de
saber o genitivo do singular para perceber se estamos perante Jrõns,
frontis ( «testa»), oufrõns,frondis ( «folha»).
No entanto, é só o genitivo do plural que nos oferece uma
informação mais se gura sobre a classificação de um substantivo da
3.ª declinação. Isto porque, na 3.ª declinação latina, as palavras,
muitas vezes, não são o que parecem: é uma declinação que lembra
um jogo de espelhos, por causa do modo como, nal gumas das suas
desinências morfológicas, os temas em consoante se foram tor­
nando reflexo dos temas em -i- e vice-versa.
Palavras que pareceriam ser de tema em consoante são, afinal,
de tema em -i- (por exemplo, urbs, urbis, «cidade»); e palavras que

13 Ver p. 379.
I , • ll l\CLINAÇÃO 91

pareceriam ser de tema em -i- são, afmal, de tema em consoante


( por exemplo, canis, canis, «cão» ) 1 4• Só o genitivo do plural da
palavra nos permite ter a certeza: se o genitivo do plural terminar
l' lll -um, a palavra é de tema em consoante ( canum, «dos cães»);

Nl' terminar em -i-um ( urbium, «das cidades»), a palavra é de tema

l' lll -Í-.

Ora, esta regra geral, que nos parece tão simpática pela sua
lógica, tem, contudo, de ser enquadrada na realidade concreta do
l l Ue é falar uma língua. Tal como nós, falantes do português, fomos
ao longo dos séculos alterando a fonética e a morfologia das nossas
palavras, a ponto de ser difícil, em certos casos, dizer o que está
«certo» e o que está «errado», também os falantes do latim na
Antiguidade fizeram o mesmo com a sua língua . Os próprios
gramáticos latinos se contradizem nal guns pontos em que gosta­
ríamos de ter uma certeza maior sobre «certo» e «errado» 15 •
Por exemplo: o genitivo do plural de pars, partis ( «parte»)
será partum, como escrevem Énio e César, ou partium, como escre­
vem outros autores latinos igualmente ilustres? Teoricamente,
a forma «certa» seria partium - mas quem quererá desmerecer a
competência na língua latina de Énio e de Júlio César? E o que
dizer da incoerência linguística de Horácio, que usa não só paren­
tum mas também parentium como genitivo do plural de paréns,
parentis ( «parente»)? Qyal é a forma «certa»? Note-se que se
trata, aqui, de uma palavra em relação à qual uma inscrição regista,
para cúmulo da confusão, a forma de genitivo do plural parentõrum
( CIL 6.29 195; cf. OLD s.u .) . Qyando estudamos o latim da Anti­
guidade, estamos a estudar, como se vê, uma língua bem viva .

,.. Cf. Kühner & Holzweissig, p. 299.


" Cf. Kühner & Holzweissig, p. 339.
92 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Seja como for, numa fase muito antiga do latim é de supor que,
na 3.ª declinação, os temas em -i- se distinguiam dos temas em
consoante nos seguintes elementos:

* ostentavam -im (e não -em) no acusativo do singular;


* -í (e não -e) no ablativo do singular;
* - ís (e não -es) no acusativo do plural;
* -i-um (e não -um) no genitivo do plural.
No latim da época clássica, estes elementos tornaram-se menos
nítidos, menos sujeitos ao recorte claro da existência de duas cate­
gorias de palavras distintas (e é preciso pensar que, para a esmaga­
dora maioria dos falantes do latim, a noção de que existiam essas
categorias foi algo que nunca lhes passou pela cabeça).
Isto tem como resultado para nós, estudantes de latim no
século XXI, a situação de, relativamente a algumas palavras, ser
duvidoso que classificação devemos escolher como etiqueta: tema
em consoante ou tema em -i-? Veja-se o caso de trabs, trabis,
comentado na n. 29 da p. 107. Estamos muito dependentes de ana­
logias (plausíveis ou imaginárias) dentro do latim; e também de
possíveis pontos de contacto com outras línguas.
Acima vimos que canis, canis ( «cão») é um «falso» tema em
-i-. Isso é-nos confirmado pela forma grega da palavra, cujo geni­
tivo do plural é Kt>vwv. Com efeito, o tema é claramente Kt>V- em
grego, em todos os casos menos o nominativo ( Kúwv) e o vocativo
(Kúov) do singular (o dativo do plural Kt>CÍ provém de *Kuvcí). O -i­
de canis é, do ponto de vista da morfologia histórica, de natureza
sufixal 16, embora muitos falantes do latim, que usavam a língua

16 Cf. Roby, Vol. I, p. 138.


I • 1 1 111 ' 1 . I NAÇÃO 93

,rn tl's de haver linguistas a dedicarem-se ao estudo histórico da sua


morfologia, devessem pensar vagamente que o -i- fazia parte do
ll'lll,\ - daí a criação de palavras como caninus e canícula.
No entanto, também é preciso ter noção de que estas questões
nao permitem certezas absolutas : não faz mal assumirmos que, em
l'l'lação a casos especialmente bicudos na morfologia latina, muitas
Vl''/.l'S estamos só a adivinhar.

***
É da praxe dizer-se que basta saber declinar rex, regis para se
rntcnder o funcionamento morfológico da 3.ª declinação - decerto
uma boa notícia para quem olhou para o panorama acima exposto
,. rnmeçou a fazer contas às muitas horas necessárias para aprender
t mio o que foi referido. Não sendo exatamente verdade que basta
�aber rex, regis (pois há mais informação a interiorizar para se
dominar bem a 3.ª declinação), é certo, contudo, que é um bom
ponto de partida.
Assim, começaremos com a apresentação desse substantivo e
,1proveitaremos o comentário linguístico às suas desinências para
dar informações cuja utilidade é transversal à 3.ª declinação. Depois
de apresentado o substantivo rex, regis, veremos, de forma esque­
mática, a declinação de outros temas em consoante.
Abordaremos, em seguida, os temas em -i-. Finalmente, apre­
sentaremos os substantivos irregulares e as palavras gregas da
3." declinação.
94 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Temas em consoante: apresentação

réx, régis, «rei» (m)

Sing. PI.
Nom. réx reges
Gen. regis regum
Acus. regem reges
Dat. regi regibus
Abl. rege regibus

(i) Nominativo do singular


O nominativo do singular da 3.ª declinação apresenta duas
desinências:

* -s (a esmagadora maioria das palavras desta declinação);


* «desinência zero», na sequência do desaparecimento do -s
em palavras de tema em -r- ( color, colõris, «cor»), de tema
em -l- (sõl, sõlis, «sol») e de tema em -n- ( leõ, leõnis, «leão»;
cf., em grego, ÀÉwv).

A forma primitiva destas palavras seria *colors, *sõls e *leons.


Certos substantivos retêm ainda um rastro fantasmagórico do
-s perdido, visível no facto de alongarem, só no nominativo, a sua
vogal para compensar a perda do -s. É o caso da palavra latina que
significa «sal»: sãl, salis, cujo nominativo seria originalmente *sais
(cf., em grego, á:Àc, originalmente *caÀc). O «a» é breve segundo
a etimologia (e retém a sua quantidade breve nos outros casos que
não o nominativo). O desaparecimento do -s levou ao alongamento
do «a». O mesmo sucedeu na palavra latina que significa «lar»:
lãr ( <*lars), laris.
1 ' l t l! C L I NAÇÁO 95

Quanto ao -x que encontramos em rex, lembremos o que


dissemos acima sobre os jogos de espelhos da 3.ª declinação.
Nas palavras rex ( «rei») e pãx ( «paz»), a terminação em -x sugere
uma afinidade ilusória, pois rex, com o seu genitivo regis, é um
•ubstantivo de tema em -g-, ao passo que pãx, cujo genitivo é pãcis,
� um substantivo de tema em -e-. A letra -x está a ser usada como
dlgrafo que tanto representa -cs como -gs. Como letra final no
nominativo, -x ocorre também nestas palavras femininas de tema
t'lll -i-:

* nox, noctis ( «noite»);


,� nix, niuis ( «neve»).

(ii) Genitivo do singular


No latim clássico, a desinência de genitivo do singular é ine­
quivocamente -is. No entanto, estão documentadas, no latim
arcaico, as seguintes desinências :

* -us (no SCdB e em inscrições várias);


* -es (em inscrições antigas e em Énio, autor que usa como
genitivo do singular de uirgõ [ «virgem»] a forma uirgines);
* -os (raro, mas compreensível atendendo a que a desinência
de genitivo do singular na 3.ª declinação grega é -oc: o geni­
tivo de Àtwv [ «leão»] é ÀfovTOc. Existem pelo menos duas
inscrições latinas em que o genitivo do singular de «Júpi­
ter», que em latim clássico seria Iouis, surge com a desinên­
cia -os17 ) .

17 Cf. Ernout, p. 40.


96 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

(iii) Acusativo do singular


A desinência universal do acusativo do singular em latim (no
masculino e no feminino) é -m. Já vimos os exemplos da 1.ª e da
2.ª declinações: ménsam e amicum. Veremos depois que o mesmo
se aplica à 4.ª e à 5.ª declinações.
Na 3.ª declinação, vemos a desinência -m no seu estado
«puro»:

(a) Na única palavra conhecida de tema em -i- (sublinhe-se que


os temas em -i- da 3.ª declinação são em -i'-). Trata-se da palavra uis
( «violência»), cujo acusativo do singular é ui'm (o -i- abrevia por
influência do -m; ver p. 38 1);
(b) Nalgumas palavras (mas não todas) de tema em -i-. Eis
alguns exemplos:

* tussis ( «tosse»), acus. tussim;


* sitis ( «sede»), acus. sitim;
* Tiberis ( «Tibre»), acus. Tiberim;
* Neãpolis ( «Nápoles»), acus. Neãpolim;
* Hispalis ( «Sevilha»), acus. Hispalim;
* peluis ( «taça», «tigela»), acus. peluim (também peluem);
* messis ( «ceifa»), acus. messim (também messem);
* febris ( «febre»), acus.febrim (tambémfebrem);
* puppis ( «popa»), acus. puppim (também puppem);
* turris ( «torre»), acus. turrim (também turrem);
* clãuis ( «chave»), acus. clãuim (também clãuem);
* nãuis ( «nau»), acus. nãuim (também nãuem);
* restis ( «corda»), acus. restim (também restem);
* secüris ( «machado»), acus. secürim (também secürem).
I , • l l llCLI NAÇÃO 97

A explicação para a desinência «ilógica» -em nos temas em


1 • (em vez de -im) é que -em se estabeleceu por analogia com os
kmas em consoante 18 •
Com efeito, nos temas em consoante, a desinência de acusativo
do singular é sempre -em. O «e» de -em é a vocalização da desi­
nência original *-m em contacto com a consoante do tema, o que
ll•rá acontecido naturalmente para facilitar a pronúncia. Formas
romo *régm ou *pãcm seriam mais dificilmente pronunciáveis do
l l llC régem e pãcem.
(A tendência, em muitas inscrições romanas, de não escrever
o -m final da desinência de acusativo leva a que, epigraficamente,
l ,unbém na 3.ª declinação nos possa aparecer uma desinência de
,1rnsativo do singular com a forma -e<m>.)

(iv) Dativo do singular


No latim da época clássica, a desinência de dativo do singular
da 3.ª declinação é -i.
Em inscrições da época arcaica, encontramos as desinências:

* -ei;
* -é.
Existe até uma inscrição em que as três desinências de dativo
da 3.ª declinação aparecem no mesmo sintagma 19 :

Iunõné Seispitei mãtri réginae


«A Juno sóspita [título cultuai de Juno] mãe rainha» .

' " Cf. Buck, p . 1 95.


,,, Cf. CIL 1.1430; ver OLD s.u. sospes.
98 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

(v) Ablativo do singular


A desinência -e de ablativo do singular da 3.ª declinação não é
uniformemente explicada pelos linguistas. As duas teorias são:

( 1) Provém de uma antiga desinência em -d, tal como no caso


da l.ª e da 2.ª declinações, que obrigou a uma vocalização
por causa da dificuldade de pronunciar uma forma como
*régd (depois *réged > rége) 20•
( 2) Provém da desinência de instrumental do indo-europeu,
* -e. Para os defensores desta teoria, a desinência de ablativo
do singular -d que encontramos no SCdB é um exemplo de
«analogia inversa» em relação à l .ª e à 2.ª declinações 21 •

No universo das inscrições romanas, encontramos três desi­


nências de ablativo do singular da 3.ª declinação:

* -ei;
* -i;
* -e.
As duas primeiras formas parecem apoiar a suposição de que
a desinência -e seria originalmente -é.
A terminação -i era, como já vimos, a desinência original dos
temas em -i-; verifica-se habitualmente nas palavras acima listadas
que fazem o acusativo do singular em -im. Observa-se, em relação
a essas palavras, uma oscilação -i/-e no ablativo do singular com­
parável à oscilação -im/-em no acusativo do singular.
Existem, no entanto, substantivos que formam regularmente
o ablativo do singular em -i. São os neutros de tema em -i-, cuja
declinação veremos mais adiante. Apenas dois exemplos para já:

20 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 325; Buck, p. 196.


21
Cf. Ernout, p. 41; Monteil, p. 185.
\ . • 1 1 1\ C L J NAÇÃO 99

,1. animal, «animal» (abl. animãli);


➔I• tribünal, «estrado» (abl. tribünãli).

(vi) Nominativo do plural


A desinência regular de nominativo do plural nos temas em con­
•oante da 3.ª declinação (substantivos masculinos e femininos) é -és.
A quantidade longa do -é- surpreende, atendendo a que a ori­
t,tlnal desinência indo-europeia era -es, visível em grego no nomi­
nativo do plural dos temas em consoante da 3.ª declinação, -Ec
(d: yÉpov-rec, «anciãos»).
A razão da quantidade longa do nominativo do plural -és é o
li.·nómeno que já vimos a propósito desta declinação: a contami­
nação recíproca, na 3.ª declinação, dos temas em consoante e dos
ll•mas em -i-.
Em rigor, -és é a desinência própria de nominativo do plural
dos temas em -i-, porque provém da desinência indo -europeia
• -eyes, visível em sânscrito (-ayas) e no grego *eyec > -Eíc (em pala­
vras como -rpeíc, «três», etc.) .
Varrão 22 informa-nos, no entanto, de que, tal como algumas
pessoas dizem (no ablativo) oui ( «ovelha») e aui ( «ave»),
enquanto outras dizem oue e aue, também há quem diga (no nomi­
nativo do plural) puppis ( «popas») e restis ( «cordas»), enquanto
outras pessoas dizem puppés e restés.
Existem, nas inscrições, grafias bem estrambólicas para a desi­
nência de nominativo do plural da 3.ª declinação 23 • Mas, da pers­
petiva pragmática de quem está a aprender latim, o importante a
reter é que, em latim clássico, a desinência é sempre -és:

" Dê linguã latinã 8.66.


" Ver Kühner & Holzweissig, pp. 332-333.
1 00 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

* tema em consoante: reges;


* tema em -i-: ciues.

(vii) Acusativo do plural


Embora a desinência de acusativo do plural -es ostente homo­
grafia relativamente à de nominativo do plural, na verdade ela
provém da desinência indo-europeia *-ns, que em grego deu -ac e,
em latim, -es.
No caso do acusativo do plural -is, que ocorre nos temas em
-i- de maneira tão assistemática como já vimos em relação ao acu­
sativo e ao ablativo do singular, a origem seria * -ins > -is. Note-se
que, em inscrições arcaicas, este -is é amiúde grafado -eis.

(viii) Genitivo do plural


O genitivo do plural da 3.ª declinação coloca-nos diante de
uma das situações mais interessantes em toda a morfologia do
latim. A antiquíssima desinência indo-europeia seria -om (conser­
vada em osco) e também -õm (cf. a desinência de genitivo do plu­
ral grega, -wv). Em pelo menos duas inscrições latinas antigas ( CIL
1.569; 2282), lemos um genitivo do plural em -om. Porém, no latim
clássico a desinência do genitivo do plural é sempre -um (com ü).
Como vimos no paradigma acima apresentado, o genitivo do
plural de rex é regum.
Nos temas em -i-, a aparência do genitivo do plural é -ium.
Contudo, se olharmos bem para uma palavra de tema em -i- como,
por exemplo, ciuis ( «cidadão»), facilmente percebemos que o
genitivo do plural, se o dividirmos nas suas partes constitutivas,
não é âu-ium, mas sim âui-um. Portanto: de um ponto de vista
estritamente linguístico, a desinência de genitivo do plural dos
temas em -i- é -um, tal como no caso dos temas em consoante.
101

Todavia, os próprios falantes do latim, na sua maioria, não esta­


Ylllll a analisar a sua lín gua do estrito ponto de vista lin guístico:
,mditivamente, a sensação era a de que havia palavras cujo genitivo
1 111 plural era -um e outras cujo genitivo do plural era -ium; e, por
Yr:r.cs, os próprios falantes não sabiam qual era a desinência certa
pnra a palavra em concreto que estavam a utilizar. Vimos acima
( p. 9 1) a situação saborosa de nada menos que Énio e Júlio César
l' m pregarem o genitivo do plural «errado» de pars, partis. Mas
• certo» e «errado» serão termos operativos na descrição de uma
llngua viva? Veja-se o se guinte quadro:

NU bstantivo gen. pi. «correto» gen. pi. «errado»


11itãs, ciuitãtis ciuitãtium ciuitãtum
IIC·cessitãs,necessitãtis necessitãtium necessitãtum
(li lamitãs, calamitãtis calamitãtium calamitãtum
/rc'réditãs, héréditãtis héréditãtium héréditãtum

As formas listadas na coluna dos genitivos «errados» estão


todas documentadas em latim: não só estão documentadas como
s.i.o as maioritariamente do�umentadas. É intrigante pensarmos
que estas palavras em -tãs, -tãtis eram sentidas, por tantos falantes
do latim, como sendo de tema em consoante, quando, na verdade,
para lin guistas modernos (e para Tito Lívio e Plínio-o-Antigo 24 ),
elas são substantivos de tema em -i-.
Ora, para a maior parte das pessoas que estudam latim no
século xx1, esta instabilidade de -um/i-um na 3.ª declinação do
latim não cria a mínima dificuldade, porque, hoje, a aprendizagem
do latim é maioritariamente empreendida para ler latim. Sendo
essa a nossa finalidade no estudo do latim, ao lermos um texto ou

24 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 341.


1 02 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

uma inscrição não temos problema em identificar qualquer uma


das duas terminações como desinência de genitivo do plural. Do
ponto de vista de quem quer compreender uma frase escrita em
latim, é isso que interessa.
Em séculos anteriores, porém, o ensino do latim estava muito
baseado na metodologia de o ensinar por meio da sua utilização
ativa, falada, em sala de aula; e também por meio da sua escrita,
através da feitura de retroversões. Como domesticar a complexi­
dade do genitivo do plural da 3.ª declinação (que não causa qual­
quer problema a quem apenas lê latim) para orientar quem
pretende falar ou escrever em latim?
Com esse intuito, desenvolveram-se duas «regras»:

( 1) Os substantivos da 3.ª declinação, cuja forma de genitivo


do singular tem mais uma sílaba do que a forma de nomi­
nativo, formam o genitivo do plural em -um.
(2) Os substantivos da 3.ª declinação, cuja forma de genitivo
do singular tem o mesmo número de sílabas que a forma
de nominativo, formam o genitivo do plural em -ium.

Ficaria tudo muito arrumado, de facto, se assim fosse. No


entanto, estas «regras » não podem ser aceites como descrevendo
a realidade da língua latina, devido ao elevado número de exceções.

As exceções a ( 1) são:
* müs, müris, «rato» (gen. pi. mürium);
* nox, noctis, «noite» (gen. pi. noctium);
* substantivos monossilábicos no nominativo terminados
em: -ns, -rs, -bs, -ps, -rx, -lx; neutros em -al, -ar;
* substantivos dissilábicos cujo nominativo termina em: -ns, -rs;
I . • l > U C LINAÇÃO 103

* substantivos em -tãs, -tãtis (mas, para o comportamento


«irracional» destes substantivos, veja-se o que dissemos
mais acima).

As exceções a (2) são:


* canis, «cão» (gen. pi. canum);
* iuuenis, «rapaz» (gen. pi. iuuenum);
* senex, «ancião» (gen. pi. senum);
* pater, «pai» (gen. pi. patrum);
* mãter, «mãe» (gen. pi. mãtrum);
* frãter, «irmão» (gen. pl.frãtrum);
* accipiter, «ave de rapina» (gen. pi. accipitrum);
* sédés, «assento» (gen. pi. sédum, também sédium25 ) ;
* apis, «abelha» (gen. pi. apum, também apium);
* ménsis, «mês» (gen. pi. ménsum, também ménsium);
* uãtés, «adivinho» (gen. pi. uãtum, também uãtium);
* uolucris, «ave» (gen. pi. uolucrum, também uolucrium).

Como se vê, as exceções às duas regras são tantas que se torna


problemático reconhecer-lhes validade na descrição dos fenóme­
nos morfológicos em causa.
Percebemos o motivo das «exceções» à regra ( 1): essas pala­
vras formam o genitivo do plural em -i-um porque são temas em
-i-. E as «exceções» à regra (2) formam o genitivo do plural em
-um porque são temas em consoante. (Note-se que iuuenis é, como
canis, um «falso» tema em -i-, já que provém de *iuuens; cf., em
sânscrito, iuuan26 . )

" Ver Kühner & Holzweissig, p. 340.


26 Ver Kühner & Holzweissig, pp. 229 e 339.
1 04 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOGIA,

Em síntese, ressalvadas al gumas incongruências a que já aludi­


mos, a esquematização preferível para o entendimento do genitivo
do plural da 3.ª declinação é a se guinte:

3.ª declinação tema em consoante tema em -i-


gerútivo do plural -um -i-um

Em termos práticos, vimos que esta esquematização pode por


vezes não corresponder de forma matemática à realidade do latim
que alguns romanos falavam e escreviam, porque a distinção gra­
matical entre temas em consoante e temas em -i- não era sempre
óbvia para quem, na Anti guidade, usava o latim de forma intuitiva
e espontânea. E é natural que assim seja. Qµalquer lín gua viva é
- passe o pleonasmo - um organismo vivo.

(ix) Dativo e ablativo do plural


A desinência de dativo e de ablativo do plural da 3.ª declinação
em latim provém da desinência de dativo+ablativo+instrumental
indo-europeia * -bho (que se manteve assim em celta 27 ) e que, em
latim, sofreu a evolução * -bho > -bos > -bus.
A desinência -bos está documentada na epigrafia arcaica.
Na poesia latina até ao fim da época republicana, o -s final da
desinência -bus pode sofrer elisão (por exemplo, Lucrécio 1. 1 86
ex infantibu' paruis) . Embora seja tentador pensarmos que isso se
deve a uma reminiscência atávica de que o «s» não fazia parte da
desinência, a razão terá mais que ver com conveniência métrica.
Vemos a desinência -bus no seu estado «puro» nos substantivos
da 3.ª declinação de tema em -i-: ciui-bus.

27 Cf. Monteil, p. 187.


1 1 llfl I I N A C,: Ã O 1 05

Nos temas em consoante (por exemplo, reg-i-bus), podemos


,11l&'1Hll• r o -i- quer como reflexo analógico dos substantivos de
1,11111 l'lll -i-, quer como necessidade de uma interposição vocálica
,111 l'l' o tema em consoante e a desinência -bus. Pronunciar *regbus
a,rl.i decerto mais incómodo do que dizer regibus. (Podemos adu­
,1, ,H1 u i palavras portuguesas como «optar» ou «fragmento»,
1•1 1111unciadas no Brasil «op-i-tar» e «frag-i-mento».) Ver p. 372.

'H.• mas em consoante: paradigmas

Apresentadas as questões morfológicas mais relevantes que se


, olncam no estudo da 3.ª declinação, vejamos agora exemplos de
•uhstantivos declinados das seis subcategorias dos temas em con­
•nante. Quem já tenha aprendido a declinação de rex, regis não terá
,,�ora surpresas no que toca a substantivos masculinos e femininos.
Os substantivos neutros da 3.ª declinação ostentam a mesma
1binência -a no plural que já conhecemos da 2.ª declinação. De
f'l'sto, o seu comportamento morfológico é previsível.

1 . Temas em oclusiva palatal (-e-, -g-)

Como já vimos a declinação de um tema em -g- ( rex, regis),


veremos agora somente:

iüdex, iüdicis, «juiz» (m)


rãdíx, rãdícis, «raiz» (f) 28

1
-• Note-se como rãdix, rãdicis (com o seu tema em -ic-) mantém o i no nominativo (contra­
riamente a iüdex, com o seu tema em -íc-) .
106 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

Sing.
Nom. iüdex rãdix
Gen. iüdicis rãdicis
Acus. iüdicem rãdicem
Dat. iüdici rãdici
Abl. iüdice rãdice

PI.
Nom. iüdicés rãdicés
Gen. iüdicum rãdicum
Acus. iüdicés rãdicés
Dat. iüdicibus rãdicibus
Abl. iüdicibus rãdicibus

Outros substantivos importantes desta subcategoria :

* uõx, uõcis, «voz» (f);


* dux, ducis, «líder» (m);
* grex, gregis, «rebanho» (f).
2. Temas em oclusiva dental (-t-, -d-)

pes, pedis, «pé» (m)


caput, capitis, «cabeça» (n)

Sing.
Nom. pes caput
Gen. pedis capitis
Acus. pedem caput
Dat. pedi capiti
Abl. pede capite
l • IINCI. I N AÇÃO 1 07

PI.
Nom. pedes capita
Gen. pedum capitum
Acus. pedes capita
Dat. pedibus capitibus
Abl. pedibus capitibus

Outros substantivos importantes desta subcategoria :

➔I< uirtüs, uirtütis, «virtude» ( f);


➔I< lapis, lapidis, «pedra» (m);
➔!< sacerdõs, sacerdõtis, «sacerdote» (m) .

. \. Temas em oclusiva labial (-p-, -b-)

prínceps, príncipis, «primeiro» (m)


trabs, trabis, «trave» 29 (f)

Sing.
Nom. princeps trabs
Gen. principis trabis
Acus. principem trabem
Dat. príncipí trabi
Abl. príncipe trabe

,. O substantivo trabs, trabis é um exemplo expressivo das dúvidas sentidas pelos linguistas no
que toca à classificação «tema em consoante» / «tema em -i-» na 3.• declinação. A palavra é
classificada como sendo de tema em consoante por Kennedy ( p. 23 ) ; como sendo de tema
em -i- por Roby (Vol. I, p. 1 39 ) ; e como exemplo de um caso incerto por Kühner & Holzweissig
( p. 299 ) . Énio, já agora, emprega a forma de nominativo do singular trabês (ver DELL s.u.
trabs).
1 08 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

PI.
Nom. principes trabes
Gen. principum trabum
Acus. principes trabes
Dat. principibus trabibus
Abl. principibus trabibus

4. Temas em fricativa (-s- > -r- por rotacismo 30 )

jlõs,flõris, «flor» (m)


tempus, temporis, «tempo» (n)
Sing.
Nom. jlõs tempus
Gen. jlõris temporis
Acus. jlõrem tempus
Dat. jlõri tempori
Abl. jlõre tempore

PI.
Nom. jlõres tempora
Gen. jlõrum temporum
Acus. jlõres tempora
Dat. jlõribus temporibus
Abl. jlõribus temporibus

Outros substantivos importantes desta subcategoria:

* honõs, honõris, «honra» (m), mais tarde honor, honõris;


* colõs, colõris, «cor» (m), mais tarde color, colõris;
* arbõs, arboris, «árvore» (f), mais tarde arbor, arboris;
30 Ver p. 379.
1 1 1 1 11 1 : I.INAÇÃO 109

* opus, operis, «obra» (n);


➔lf crüs, crüris, «perna» (n);

,tf genus, generis, «raça» (m);


➔I< iüs, iüris, «lei», «nome» (n).

Nas palavras do tipo honõs, colõs, arbõs - mais tarde grafadas


l11111or, color e arbor - há uma pequena ressalva a fazer relativamente
,\ l'xpressão «mais tarde», uma vez que a grafia antiga foi mantida
l i terariamente como uma espécie de arcaísmo artificial 3 1 (cf. arbõs
rm Vergílio, Geórgicas 2.66, para dar só um exemplo, num universo
,11nplo de muitos exemplos possíveis).
Além de flõs, as palavras que mantiveram sempre o -s no nomi­
nativo são:

* mõs, mõris, «costume» (m);


* rõs, rõris, «orvalho» (m) .
Um caso excecional nesta subcategoria é a palavra latina donde
vem o substantivo português «vaso»: uãs, uãsis, «vaso» (n), no
plural «equipamento militar» e, em sentido metafórico, os órgãos
sexuais do homem. Esta palavra é sobremaneira interessante por
duas razões:

* manteve, imune ao rotacismo, o -s- intervocálico;


* apesar de ser uma palavra da 3.ª declinação, declina-se,
no plural, como uma palavra neutra da 2.ª declinação.

11
Cf. Kühner & Holzweissig, p. 311.
1 10 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

5. Temas em nasal (-n-, -m-)

leõ, Ieõnis, «leão» (m)


uirgõ, uirginis, «virgem» (f)
nõmen, nõminis, (n)

Sing.
Nom. leõ uirgõ nõmen
Gen. leõnis uirginis nõminis
Acus. leõnem uirginem nõmen
Dat. leõni uirgini nõmini
Abl. leõne uirgine nõmine

PI.
Nom. leõnés uirginés nõmina
Gen. leõnum uirginum nõminum
Acus. leõnés uirginés nõmina
Dat. leõnibus uirginibus nõminibus
Abl. leõnibus uirginibus nõminibus

Outros substantivos importantes desta subcategoria:

* Iatrõ, Iatrõnis, «ladrão» (m);


* õrdõ, õrdinis, «ordem» (m);
* homõ, hominis, «ser humano» (m);
* ratiõ, ratiõnis, «razão» (f);
* carmen, carminis, «canto», «poema» (n).
A única palavra de tema é -m- é hiems, hiemis, «inverno» (f).
O nominativo é, por vezes, grafado hiemps.
I . • l l llt: U N AÇÃO lll

ti, Temas em líquida (-l-, -r-)

sõl, sõlis, «sol» (m)


amor, amõris, «amor» (m)
pater, patris, «pai» (m)
aequor, aequoris, «mar» (n)

Sing.
Nom. sõl amor pater aequor
G en. sõlis amõris patris aequoris
Acus. sõlem amõrem patrem aequor
Dat. sõli amõri patri aequori
Abl. sõle amõre patre aequore

PI.
Nom. sõlés amõrés patrés aequora
Gen. sõlum amõrum patrum aequorum
Acus. sõlés amõrés patres aequora
Dat. sõlibus amõribus patribus aequoribus
Abl. sõlibus amõribus patribus aequoribus

Outros substantivos importantes desta subcategoria :

* cõnsul, cõnsulis, «cônsul» (m);


* õrãtor, õrãtõris, «orador» (m);
* carcer, carceris, «prisão» (m);
* frãter,frãtris, «irmão» (m);
* mãter, mãtris, «mãe» (f);
* ebur, eboris, «marfim» (n).
1 12 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Temas em -i-

Na sua essência, a informação sobre os temas em -i- já foi dada


na apresentação dos temas em consoante. E já vimos, também,
que aquilo que fundamentalmente os distingue dos temas em
consoante é o genitivo do plural em -i-um. São assistemáticas as
ocorrências do acusativo do singular em -im, do ablativo do sin­
gular em -í (à exceção dos substantivos neutros, onde o ablativo
do singular dos temas em -i- é sempre em -í) e do acusativo do
plural em -is.
Consideremos agora os seguintes paradigmas:

1. Temas em -i- com nominativo do singular em -is e em -er


( cíuis; imber);
2. Temas em -i- com nominativo do singular em -és (nübés);
3. Temas em -i- com nominativo do singular terminado em
consoante + s (mõns; urbs);
4. Temas em -i- neutros (cubíle; animal; calcar) .

Como se verá, a declinação destes substantivos não oferece


especial dificuldade, pois o seu comportamento morfológico é
consentâneo com tudo o que dissemos até aqui.

1. Temas em -i- com nominativo do singular em -is e em -er

cíuis, cíuis, «cidadão» (m)


imber, imbris, «aguaceiro» (m)
\ , • DECLINAÇÃO 1 13

Sing.
Nom. ciuis imber
Gen. ciuis imbris
Acus. ciuem imbrem
Dat. ciui imbri
Abl. ciue/ciui imbre/imbri

PI.
Nom. ciués imbrês
Gen. ciuium imbrium
Acus. ciués/ciuis imbrés/imbris
Dat. ciuibus imbribus
Abl. ciuibus imbribus

Outros substantivos importantes da mesma subcategoria:

* amnis, amnis, «rio» (m);


* ignis, ignis, «fogo» (m); note-se que o ablativo do singular
de ignis é quase sempre igní;
* auis, auis, «ave» (f).

Para as palavras desta subcategoria que formam normalmente


o acusativo do singular em -im, ver p. 96.
Como referimos na p. 96, o substantivo feminino uís ( «violên­
cia», «força») é um exemplo raríssimo de tema em -í-. O acusa­
tivo do singular é sempre uim. Noutros casos:

* (ablativo e dativo do singular; o dativo é raro, mas é usado


ui
no Dé bellõ Africõ,
do século I a.C.; ver OLD
s.u.);
* ainda que a forma de genitivo do singular (ou talvez
uis uis?)
também seja rara, é registada por Varrão (séculos 11-1 a.C.);
1 14 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

* Lucrécio usa, no seu poema, o nominativo e o acusativo do


plural uis, mas também está documentada a forma uirés;
* no genitivo do plural, naturalmente uirium (no dativo e no
ablativo do plural, uiribus) .

2. Temas em -i- com nominativo do singular em -és

nübés, nübis, «nuvem» (f)

Sing.
Nom. nübés
Gen. nübis
Acus. nübem
Dat. nübí
Abl. nübe

PI.
Nom. nübes
Gen. nübium
Acus. nübes/nübis
Dat. nübibus
Abl. nübibus

Sobre esta subcategoria de substantivos, há dois aspetos que


devemos pôr em relevo:

* uallés ( «vale») e uulpés ( «raposa») podem ocorrer sob a


forma uallis e uulpis;
* o ablativo do singular da palavrafamés ( «fome») apresenta
a particularidade de o -e da desinência ser longo: famé.
1 • 1 1 N1 : t, I N AÇÃO 115

O mesmo acontece com tãbes ( «definhamento», «decom­


posição» ) 32 •

,\. Temas em -i- com nominativo do singular terminado


cm consoante + s

mõns, montis, «monte» (m)


urbs, urbis, «cidade» (f)

Sing.
Nom. mõns urbs
Gen. montis urbis
Acos. montem urbem
Dat. monti urbi
Abl. monte urbe

PI.
Nom. montes urbes
Gen. montium urbium
Acus. montes/montis urbes/urbis
Dat. montibus urbibus
Abl. montibus urbibus

Embora isso possa não ser evidente a partir do nominativo, os


temas destas palavras são monti- e urbi. (Em gramáticas mais anti­
gas, estas palavras são por vezes denominadas «de tema misto»,
pelo facto de, no singular, se declinarem como os temas em con­
soante e, no plural, como os temas em -i-.)

" Ver Kühner & Holzweissig, p. 486.


1 16 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Outras palavras importantes desta subcategoria :

* arx, areis, «cidadela» (f);


* ars, artis, «arte» (f);
* dens, dentis, «dente» (m).

4. Temas em -i- neutros

cubíle, cubílis, «leito» (n)


animal, animãlis, «animal» (n)
calcar, calcãris, «espora» (n)

Sing.
Nom. cubíle animal calcar
Gen. cubílis animãlis calcãris
Acus. cubile animal calcar
Dat. cubíli animãli calcãri
Abl. cubili animãli calcãri

PI.
Nom. cubilia animãlia calcãria
Gen. cubilium animãlium calcãrium
Acus. cubilia animãlia calcãria
Dat. cubilibus animãlibus calcãribus
Abl. cubilibus animãlibus calcãribus

Note-se o ablativo do singular, regularmente em -í. No entanto,


a palavra que significa «mar» ( mare, maris [n]), embora forme o
ablativo do singular em marí, ocorre em Lucrécio e Ovídio com
o ablativo do singular mare.
.{ .• DECLINAÇÃO 1 17

Mais surpreendente ainda é a forma de genitivo do plural que


encontramos no poeta arcaico Névio: marum. Parecer-nos-ia que uma
palavra cujo nominativo do plural é maria (atenção ao -í- na pronún­
cia: a palavra é proparoxítona; não rima com o nome da mãe de Jesus)
só deveria, logicamente, admitir como genitivo do plural marium.
Outras palavras importantes desta subcategoria:

* tribünal, tribünãlis, «estrado», «tribuna» (n);


* exemplar, exemplãris, «padrão» (n).

Palavras atípicas da 3.ª declinação

Comecemos por ver a declinação do teónimo «Júpiter»


(nome que provém de *dyaus-p ita; cf., em grego, o vocativo Zt:ií
1tá-rt:p, «Zeus pai»), em cujo nominativo detetamos a junção de
dois elementos:

( 1) O nome do deus indo-europeu ligado ao céu, ao dia e aos


fenómenos atmosféricos.
(2) A palavra indo-europeia para «pai».

Nos outros casos, o nome perde o sufixo a significar «pai».

Sing.
Nom. Iuppiter
Gen. Iouis
Acus. Iouem
Dat. loui
Abl. Ioue
I IK NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Esta é a declinação de «Júpiter» que se nos depara na maior


parte dos textos. Os gramáticos antigos registam, contudo, a exis­
tência de formas ainda mais estranhas:

* nominativo: Iouis, Diouis;


* genitivo: Iuppiteris, Iupitris, Diouis, Ioui;
* acusativo: Diouem;
* dativo: Iuppitri, Iouei, Ioue, Dioue, Diouei;
* ablativo: Iupitre.
Vejamos, agora, as palavras bõs, bouis, «boi» (m); e süs, suis,
«porco» (m):

Sing.
Nom. bõs süs
Gen. bouis suis
Acus. bouem suem
Dat. boui sui
Abl. boue sue

PI.
Nom. boues sues
Gen. boum suum
Acus. boues sues
Dat. bõbus/bübus suibus/sübus
Abl. bõbus/bübus suibus/sübus

Onde esperaríamos, no genitivo do plural, bouum (forma,


porém, registada por Varrão), temos regularmente boum; no dativo
e no ablativo do plural, a forma previsível seria *bouibus.
Tanto bõs como süs são palavras reconhecíveis noutras línguas
indo-europeias: a palavra grega para «boi» é �oúc e a palavra para
. \ . • DECLINAÇÃO 1 19

«porco» é óc, que provém de *cúc. Cf., em inglês, a palavra sow


( «porca») e, em alemão, Sau (com o mesmo sentido).
Süs, süis e grüs, grüis ( «gru») são substantivos atípicos na
3.a declinação por serem os únicos de tema em -ü-. ( Para subs­
tantivos de tema em -ü-, ver o capítulo seguinte, referente à
4.ª declinação.)

* * *
Al gumas palavras da 3.ª declinação mostram um aspeto bem
diferente no nominativo relativamente à forma que têm no genitivo
e restantes casos. Os exemplos mais expressivos são:

* carõ, carnis, «carne» (f);


* iter, itineris, «caminho» (n);
* iecur, iecoris (também iecinoris), «fígado» (n).
Finalmente, as gramáticas indicam-nos como palavra «irre gu­
lar» da 3.ª declinação o nome Iésüs ( <<Jesus»; cf., em grego, 'Iricoúc):

Nom. Iesüs
Voe. Iesu
Gen. Iesu
Acus. Iesum
Dat. Iesu
Abl. Iesu

Palavras gregas da 3.ª declinação

A utilização de palavras gregas da 3.ª declinação no latim


literário acarretou, nalguns casos, a manutenção das desinências
1 20 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

da 3.ª declinação grega. Assim, podemos encontrar, ainda que


de forma assistemática, os seguintes helenismos morfológicos :

* genitivo do singular em -os;


* acusativo do singular em -a nos temas em consoante; em -n
nos temas em -i-;
* dativo do singular em -i (em vez de -í) ;
* nominativo do plural em -es (em vez de -és);
* acusativo do plural em -as.
Fiquemos com os seguintes exemplos :

hérõs, hérõis, «herói» (m)


lynx, lyncis, «lince» (m)
crãtér, crãtéros, «taça» (m)

. Sing.
Nom. hérõs lynx crãtér
Gen. hérõis lyncis crãtéros/crãtéris
Acus. hérõa/hérõem lynca/lyncem crãtéra/crãtérem
Dat. hérõi lynci crãtéri
Abl. hérõe lynce crãtére

PI.
Nom. hérões lynces crãtéres
Gen. hérõum lyncum crãtérum
Acus. hérõas lyncas crãtéras
Dat. hérõibus lyncibus crãtéribus
Abl. herõibus lyncibus crãtéribus
I.• llltCLINAÇÃO 121

A utilização em latim de nomes próprios gregos da 3.ª declinação


urasionou uma verdadeira festa de formas morfológicas alternati­
v;1s 1 como é o caso de «Páris» (Paris):

,Is vocativo: Paris, Pari;


,Is genitivo: Paridis, Paridos;
,Is acusativo: Parin, Parim, Parida, Paridem;
,Is dativo: Paridi, Paridí;
,IE ablativo: Paride.

Vejamos agora «Orfeu» ( Orpheus):

* vocativo: Orpheu;
* genitivo: Orphe� Orpheos;
* acusativo: Orphea, Orpheum;
* dativo: Orpheí, Orpheõ;
* ablativo: Orpheõ.
Terminemos com a declinação dos nomes de dois filósofos
gregos: Tales ( Thales) e Sócrates ( Sócrates):

Nom. Thalés Sócrates


Voc.33 Sõcrates/Sõcraté
Gen. Thalis/Thalétis Sõcratis/Sõcrati
Acus. 1halem/1halén/1haléta Sõcraté/Sõcratén
Dat. Thali/Thaléti Sõcrati
Abl. Thale/Thaléte Sõcrate

33 Não está documentado o vocativo de Thales em latim. Ver Kühner & Holzwetssig, p. 492.
Substantivos IV
4. ª declinaç ão (gradus, gradüs, etc.)

A grande maioria dos substantivos latinos distribui-se pela 1.ª,


2.ª e 3.ª declinações. A 4.ª declinação abrange os substantivos de
tema em -u-. Aqui é preciso lembrar que os substantivos da 2.ª
declinação, apesar de serem grafados com -u- ( amícus, dominus,
etc.), não são de tema em -u-, mas originalmente de tema em -o-,
como vimos na p. 8 1.
Os substantivos da 4.ª declinação são quase todos masculinos.
Os exemplos mais significativos de palavras femininas desta decli­
nação são manus, manüs ( «mão»), tribus, tribüs ( «tribo»), porti­
cus, porticüs ( «pórtico») e domus, domüs ( «casa», ainda que
domus seja um substantivo curioso pelo facto de admitir termina­
ções da 2.ª declinação no genitivo e dativo do singular, e no geni­
tivo e acusativo do plural).
No que toca a substantivos neutros desta declinação, são tam­
bém em número reduzido. Os exemplos mais expressivos são genü,
genüs ( «joelho») e cornü, cornüs ( «chifre»).
Em grego, os temas em -u- (como lx0úc, «peixe») estão inte­
grados na 3.ª declinação. Na 3.ª declinação latina, temos apenas
dois substantivos em -u-, que ostentam a diferença, relativamente
aos nomes em -u- da 4.ª declinação, de terem como raiz -ü-. É o
caso de süs ( «porco»; ver p. 1 18) e grüs ( «gru» ).
4.• Dl!CLINAÇÃO 123

gradus, gradüs, «degrau» (m)


genü, genüs, «joelho» (n)

Sing.
Nom. gradus genü
Gen. gradüs genüs
Acus. gradum genü
Dat. gradui genü
Abl. gradü genü

PI.
Nom. gradüs genua
Gen. graduum genuum
Acus. gradüs genua
Dat. gradibus genibus
Abl. gradibus genibus

(i) Nominativo/acusativo do singular neutro


O surpreendente -ü no nominativo/acusativo do singular
neutro foi interpretado de forma divergente pelos próprios gramá­
ticos antigos, alguns dos quais o tomaram como -u. No entanto,
a quantidade longa está bem documentada na poesia de Vergílio e
de Ovídio. Uma explicação possível para a quantidade longa nas
poucas palavras neutras da 4.ª declinação é que, nas palavras mais
usadas, os objetos em causa não são «puramente» singulares:
as palavras neutras mais frequentes são as que significam «joelho»
(genü) e «chifre» ( cornü). Em ambos os casos, como se sabe, são
coisas que ocorrem aos pares.
Também pecü ( «gado») pode ter sido intuído pelos antigos
falantes do latim como uma espécie de plural implícito (equiva­
lente a pecora). Assim, é possível que o -ü do nominativo do
1 24 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

singular neutro implique a ideia de dual ( «dois joelhos», «dois


chifres») e que por pecü se tenha entendido «pelo menos duas
cabeças de gado».

(ii) Genitivo do singular


O genitivo do singular neutro era originalmente em -os, como
se lê no SCdB ( senãtuos; em latim clássico, senãtüs). Em Plauto e
Terêncio, encontramos um genitivo do singular da 4.ª declinação
em -u-is (que reaparece, como arcaísmo artificial, no poeta do
século IV d.C. Ausónio). Ambas as desinências arcaicas parecem
sugerir que a desinência -üs do latim clássico seria a contração do
tema com a desinência (donde a quantidade longa do -ü-);
faltam-nos, contudo, outros exemplos de -ui- ou -uo- a contraírem
para -ü- 34•
Em inscrições da época imperial, encontramos vários exem­
plos de um genitivo do singular da 4.ª declinação em -u-us. Não
sabemos se se trata de mera particularidade ortográfica, ou se a
duplicação do -u- refletiria algo de concreto na pronúncia.
Quanto à desinência correta do genitivo do singular neutro,
para os gramáticos antigos seria -ü e não -üs. É facto, porém, que
os poetas (de Ácio a Lucano) usam a desinência -üs, que também
é usada por historiógrafos do século I a.C. e por Plínio-o-Antigo.
Em virtude da facilidade com que as palavras em -us da
4.ª declinação se tomariam por palavras em -us da 2.ª declinação,
não nos admirará que também ocorra em inscrições o genitivo do
singular -í (e.g. senãtí, por senãtüs).

34
A teoria da contração no caso do genitivo do singular da 4.• declinação é rejeitada por Kühner
& Holzweissig, p. 394.
◄ , • II HCLINAÇÃO 125

(iii) Acusativo, dativo e ablativo do singular


Estas desinências seguem, no masculino e no feminino, a lógica
Indo-europeia já comentada a propósito da i.a, 2.ª e 3.ª declinações.
l ) antigo ablativo do singular em -d está documentado, para a
4:' declinação, na forma magistrãtüd no SCdB.
No caso da desinência de dativo do singular neutro (-ü),
poderá provir de um antigo locativo 35 •

(iv) Nominativo e acusativo do plural (m, f)


Está documentada, em inscrições da época imperial, a mesma
ortografia -u-us que referimos a propósito do genitivo do singular.

(v) Genitivo do plural


No genitivo do plural, a desinência antiga era u-om, que se
manteve graficamente até ao século I a.C., coexistindo com u-um 36 •

(vi) Dativo e ablativo do plural


A forma antiga seria -u-bus, conservada nalgumas palavras
para evitar a homografia com palavras de sentido diferente. É o
caso de artus, artüs ( «membro», donde vem a palavra portu­
guesa «artrite»), cuja forma de dativo/ablativo do plural é artu­
bus, evitando assim a homografia com artibus (dativo/ablativo do
plural de ars, artis, «arte»). Mesmo assim, artibus como ablativo
do plural de artus o corre, por exemplo, em Apuleio (Burro de
Ouro 2. 17).

35 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 396.


36 Ver Buck, pp. 83, 200.
1 26 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MOllPOLOGIA,

Note-se ainda:

Substantivo Dativo/ablativo do plural


arcus, arcüs, «arco» arcubus
arx, areis, «cidadela» arcibus
partus, partüs, «parto» partubus
pars, partis, «parte» partibus

Outros substantivos que formam regularmente o dativo/abla­


tivo do plural em -ubus são tribus ( «tribo») e lacus ( «lago») .
111 stantivos V
. ' declinação (res, rei)

Os substantivos da S.ª declinação são todos femininos, com as


nrcções de diés, diéi ( «dia») e de meridiés, meridiéi ( «meio­
d i a » ), que são masculinos. No entanto, diés ocorre por vezes
rnmo substantivo feminino, quando indica um dia específico.
A maior parte dos substantivos desta declinação nunca ocorre
no plural. Aliás, os únicos substantivos de que conhecemos geni­
l lvo, dativo e ablativo do plural são diés e rés.

diés, diéi, «dia» (m)


rés, rei, «coisa» (f)

Sing.
Nom. dies rês
Gen. diêi rei
Acus. diem rem
Dat. diêi rei
Abl. diê rê

PI.
Nom. dies rês
Gen. diêrum rêrum
Acus. diês res
Dat. diêbus rêbus
Abl. diêbus rêbus
1 111 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

Comparando a declinação destes dois substantivos, chama a


nossa atenção o facto de, em dies, o -e- manter a sua quantidade
longa no genitivo e dativo do singular, ao passo que em res abrevia.
A razão é que, nos substantivos da 5.ª declinação, o -e- só se man­
tém longo nos referidos casos se for precedido da vogal -i-.
Outro aspeto que verificamos é a a.finidade desta declinação quer
com a 1.ª (na desinência de genitivo do singular; ver mais abaixo),
quer com a 3.ª (na desinência -bus de dativo e ablativo do plural).
A afinidade com a 1.ª declinação levou, digamos assim, à emi­
gração de muitos substantivos da 5.ª para a 1.ª declinação, sobre­
tudo a partir da época imperial. Vejamos estes três exemplos:

* mãteries, mãterieí ➔ mãteria, mãteriae;


* auãrities, auãritieí ➔ auãritia, auãritiae;
* amícities, amícitieí ➔ amícitia, amícitiae.

Face a tudo o que já foi exposto a respeito das desinências dos


substantivos nos capítulos anteriores, entende-se facilmente a evo­
lução histórica por trás das desinências da 5.ª declinação. Dois
aspetos devem, todavia, ser comentados.

(i) Genitivo do singular


Estão documentadas as seguintes formas da desinência de
genitivo do singular da 5.ª declinação:

* -es;
* -eí;
* -eí;
* -e;
* -í.
� . • DECLINAÇÃO 129

Destas, a mais antiga será certamente -és, à semelhança de -ás,


que encontramos como desinência antiga do genitivo do singular
na l .ª declinação (ver p. 75). Tal como na l.ª declinação, em que
-âs evoluiu para -ãi, também na S.ª declinação -és evoluiu para -éí.
Note-se que, na poesia, a desinência de genitivo do singular da
�-" declinação pode contar como uma sílaba apenas.
A desinência -é ocorre no latim mais antigo e pontualmente,
talvez como arcaísmo «ornamental», nos poetas augustanos
Horácio e Ovídio (cf. fidé em Horácio, Odes 3.7.4; Metamorfoses
.\.341).
Quanto à desinência -i (normalmente a seguir a -i-, como no
genitivo acii, por aciei), trata-se de uma forma do latim arcaico, para
a qual Aulo Gélio ( Noites Áticas 9. 14), escrevendo no século II d.C.,
aduz vários exemplos expressivos colhidos nos escritores latinos
mais antigos.

(ii) Ablativo do singular


A quantidade longa da desinência -é no ablativo do singular é
surpreendente, pois pressupõe a existência de uma antiga desinên­
cia -éd, a qual, contudo, não está atestada em latim. Numa língua
antiga itálica, o falisco, encontramos a forma foied com o sentido
equivalente ao latim hodié ( «hoje» ) 37, que talvez confirme a
possibilidade de um antigo ablativo em -éd.

11
Ver Montei!, p. 208.
Substantivos VI
Substantivos comp ostos

Existem, em latim, al guns substantivos compostos cuja decli­


nação importa conhecer.

1 . Substantivos compostos em que ambas as partes


constituintes declinam

iüsiürandum, iürisiürand� «juramento» (n)

Sing.
Nom. iüsiürandum
Gen. iürisiürandí
Acus. iüsiürandum
Dat. iüriiürandõ
Abl. iüreiürandõ

Trata-se de um substantivo sem plural. As suas partes consti­


tuintes são iüs (que se gue a 3.ª declinação) e iürandum (que se gue
a 2.ª).
.1111'1'1\ N'l' I VOS COMPOSTOS 131

rtspüblica, reipüblicae, «interesse público», «república» (f)

Sing. PI.
N,)ffl. réspüblica réspüblicae
Gc• n. reipüblicae rérumpüblicãrum
Ac·us. rempüblicam réspüblicãs
Dat. reipüblicae rébuspüblicis
AbI. répüblicã rébuspüblicis

No caso deste substantivo, as partes constituintes são res (que


•r�uc a S.ª declinação) e püblica (que segue a 1 .ª) .

2.. Substantivos compostos em que só uma das partes


nmstituintes declina

paterfamiliãs, patrisfamiliãs,
«dono da casa», «chefe de família» (m)

Sing.
Nom. pate,familiãs patrésfamiliãrum
Gen. patrisfamiliãs patrumfamiliãrum
Acus. patremfamiliãs patrésfamiliãrum
Dat. patrífamiliãs patribusfamiliãrum
Abl. patrefamiliãs patribusfamiliãrum

No caso de paterfamiliãs, o segundo elemento constituinte está


numa forma de genitivo arcaico (ver p. 75) e mantém-se inalterado.
No plural, são também usadas (nomeadamente por Cícero) as for­
mas que mantêm o elemento «família» no singular : por exemplo,
,,atresfamiliãs.
132 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORFOLOG I A ,

No caso de paterfamiliãs, o elemento constituinte em genitivo


é o segundo da palavra. Existem, no entanto, palavras com a orga­
nização contrária:

* aquaeductus, aquaeductüs (pi. aquãrumductüs), «aque­


duto » (m);
* legislãtor, legislãtõris, «legislador» (m) (em que o primeiro
elemento é o genitivo de léx, «lei»).
l 1 1 ro d ução ao verb o latin o

Neste capítulo, faremos uma síntese descritiva do verbo latino


r dos elementos que o compõem. Num relance muito esquemático,
1 1 wrbo latino tem:

a) duas vozes (voz ativa, voz passiva 38 ) ;


b) três modos (indicativo, conju ntivo, imperativo);
e) seis tempos (p resente, futuro, imperfeito, perfeito, mais-
-que-pe rfeito, futuro perfeito );
d) substantivos verbais (infinitivos, gerúndio, supino);
e) adjetivos verbais (particípios, gerundivo);
f) três pessoas (p rimeira, segunda, terceira);
g) dois números (singular, plural).

Os elementos (f) e (g) são faci lmente compreensíveis para


quem fala português e, por isso, não perderemos tempo a explicá­
"los. Os outros serão apresentados um a um, de modo a perceber­
mos a sua especificidade no âmbito do verbo latino. Antes disso,
c o ntudo, consideremos estas quatro informações :

" No te-se, porém, que só os verbos transitivos (os que admitem complemento direto) é que
têm o sistema completo das duas vozes.
1 32 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOO I A

No caso de paterfamiliãs, o elemento constituinte em genitivo


é o segundo da palavra. Existem, no entanto, palavras com a orga•
nização contrária:

* aquaeductus, aquaeductüs (pl . aquãrumductüs), «aque•


duto» (m);
* législãtor, législãtõris, «legislador» (m) (em que o primeiro
elemento é o genitivo de léx, «lei»).
I n t rodução ao verbo latino

Neste capítulo, faremos uma síntese descritiva do verbo latino


• , 11 is elementos que o compõem. Num relance muito esquemático,
11 v1•rbo latino tem:

a) duas vozes (voz ativa, voz passiva 38 ) ;


b) três modos (indicativo, conjuntivo, imperativo);
e) seis tempos (presente, futuro, imperfeito, perfeito, mais-
-que-perfeito, futuro perfeito);
d) substantivos verbais (infinitivos, gerúndio, supino);
e) adjetivos verbais (particípios, gerundivo);
f) três pessoas (primeira, segunda, terceira);
g) dois números (singular, plural).

Os elementos (f) e (g) são facilmente compreensíveis para


ll llem fala português e, por isso, não perderemos tempo a explicá­
los. Os outros serão apresentados um a um, de modo a perceber­
mos a sua especificidade no âmbito do verbo latino. Antes disso,
rnntudo, consideremos estas quatro informações:

" Note-se, porém, que só os verbos transitivos (os que admitem complemento direto) é que
t�m o sistema completo das duas vozes.
1 34 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

1) A maneira aceite de designar um verbo latino é dizer a 1.ª


pessoa do presente do indicativo ativo. Em portu guês, fala­
mos do verbo «amar»; em latim, do verbo amõ.
2) Os verbos latinos organizam-se tradicionalmente em quatro
conjugações (acrescidas da chamada «conjugação mista»,
porque mistura elementos da 3.ª e da 4.ª conjugações).
3) Como em todas as línguas, existem em latim verbos regulares
e verbos irregulares (sendo os irregulares, para ficarmos com
esta boa notícia, bem mais lógicos e compreensíveis na sua
conjugação do que será o caso, porventura, noutras línguas).
4) Um verbo latino enuncia-se por meio da explicitação dos
se guintes elementos 39 :

* 1.ª pessoa do singular do presente do indicativo ativo


( amõ);
* infinitivo presente ativo ( amãre);
* l.ª pessoa do singular do perfeito do indicativo ativo
( amãui);
* supino ( amãtum).
Aproveitando para ver na prática a informação ( 4), eis o
conspecto das quatro conjugações com a enunciação dos verbos
normalmente tidos como paradigmáticos :

* l.ª conjugação : amõ, amãre, amãui, amãtum ( «amar»);


* 2.ª conjugação : moneõ, monere, monu� monitum ( «acon­
selhar»);
* 3.ª conjugação : regõ, regere, rex� rectum ( «reger»);
39Esta é a norma anglo-saxónica. Não vejo utilidade na tradição, seguida noutros países,
de acrescentar a estes quatro elementos a 2.• pessoa do singular do presente do indicativo ativo.
I N TRODUÇÃO AO VERBO LATINO 135

* 4.ª conjugação: audiõ, audire, audiu� auditum ( «ouvir»);


* Conjugação mista: capiõ, capere, cép� captum ( «tomar»,
«agarrar»).

Acrescentemos mais este elemento informativo: na realidade,


a ideia de que existem quatro conjugações em latim induz parcial­
mente em erro, porque elas só são diferentes no presente, no
i mperfeito e no futuro.
No perfeito, no mais-que-perfeito e no futuro perfeito, todos
os verbos latinos conjugam-se da mesma maneira.

1 . Voz ativa e voz passiva

§ 1. No verbo português, não existe uma conjugação sintética


para a voz passiva como existe para a voz ativa:

* «louva» (voz ativa);


* «é louvado» {voz passiva).
§2. O latim, pelo contrário, tem uma conjugação sintética para
a voz passiva no presente, no imperfeito e no futuro:

* presente ativo: laudat ( «louva»);


* presente passivo: laudãtur ( «é louvado»);
* imperfeito passivo: laudãbãtur ( «era louvado»);
* futuro: laudãbitur ( «será louvado»).
§3. No entanto, no perfeito, mais-que-perfeito e futuro per­
feito, a voz passiva em latim é formada por meio do verbo auxiliar
sum ( «ser»):
136 N O VA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

* perfeito passivo: laudãtus est ( «foi louvado»);


* mais-que-perfeito passivo: laudãtus erat ( «fora louvado»);
* futuro perfeito: laudãtus erit ( «terá sido louvado»).
§4. Isto dá azo a al guma confusão inicial para falantes do por­
tuguês que aprendem latim, visto que têm a tendência para ler
intuitivamente as formas verbais latinas em §3 a partir do prisma
do portu guês.
Assim, é preciso sempre chamar a atenção para o facto de que
laudãtus est (perfeito) não significa «é louvado», mas sim «foi
louvado»; nem laudãtus erat (mais-que-perfeito) significa «era
louvado», mas sim «fora louvado».

2. Modos: indicativo, conjuntivo e imperativo


§ 1. O indicativo latino é o modo da realidade factual. Exprime
o que é factual agora; o que foi factual no passado; e o que se pensa
vir a ser factual no futuro.

§2. O conjuntivo, por outro lado, é o modo da possibilidade.


Exprime o que seria concebível; o que seria desejado e desejável;
o que talvez seja ou possa vir a ser possível; e também tudo aquilo
que não é real.
Ver-se-á que o conjuntivo latino, em vários dos seus empregos,
é usado de uma maneira diferente do conjuntivo portu guês. Por
isso, na secção dedicada à sintaxe, faremos uma descrição mais
pormenorizada da sua utilização em latim. Para uma síntese dos
usos do conjuntivo latino, ver pp. 265-271.
l • U l l l > U Ç ÃO AO VERBO LATINO 137

§3. O imperativo latino tem uma função equivalente à do


Imperativo português. Apresenta, no entanto, as seguintes carate­
rlNtkas que o imperativo português não tem:

,1< é conjugado no presente e no futuro 40, tanto na voz ativa


como na voz passiva;
;i� no futuro, o imperativo existe também na 3.ªpessoa do singular
e do plural (e não somente na 2.ª pessoa, como no presente);
,I� a 2.ª pessoa do plural no imperativo futuro passivo é rarís­
sima; tem poucas atestações na época arcaica (Lei das Doze
Tábuas; inscrições; alguns passos de Plauto e de Catão;
etc.) 41 e desaparece no fim da época republicana.

Para termos uma ideia do que isto significa na prática, vejamos,


a título meramente informativo, o seguinte esquema do imperativo
do verbo amõ:

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


-
presente futuro presente futuro
2.ª p. sing. amã amãtõ amãre amãtor
3.ª p. sing. - amãtõ - amãtor
2.ª p. pi. amãte amãtõte amãmini amãminõ
3.ª p. pi. - amantõ - amantor

Para sossegar quem acabou de se surpreender com este pano­


rama, importa dizer que as únicas formas de imperativo que têm,
de facto, uma utilização frequente em latim são as do presente
ativo: amã ( «ama !»), amãte ( «amai !»).

40 0 conceito de «futuro» relativamente ao imperativo levanta algumas questões insolúveis (ver


Montei!, pp. 334-336). Já na gramática de Kühner & Holzweissig se fala, com uma nota de
ceticismo, do «assim chamado» imperativo futuro.
41 Ver Montei!, p. 335, n. 1.
1 38 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOGIA,

3. Tempos

§ 1. O verbo latino tem seis tempos, que devemos desde já


dividir em dois grupos. Perceber a importância destes dois grupos
(ou «sistemas») é condição básica para se compreender o funcio­
namento do verbo latino.

§2. Ao primeiro grupo chama-se tradicionalmente Infectum,


entendendo-se por isso a noção de algo que não está acabado, mas
que ainda está em curso, «imperfeito».
A este grupo pertencem o presente, o imperfeito e o futuro,
que partilham o mesmo tema verbal (ainda que cada tempo se
conjugue à sua maneira). É nestes três tempos que as quatro
conjugações latinas ostentam diferenças umas em relação às
outras.

§3. Ao segundo grupo chama-se tradicionalmente Perfectum,


entendendo-se por isso a noção de algo que está terminado,
«perfeito».
A este grupo pertencem o perfeito, o mais-que-perfeito e o
futuro perfeito. Nestes três tempos do sistema do Perfectum, todos
os verbos latinos se conjugam da mesma maneira.

§4. Os seis tempos existem somente no modo indicativo.


No conjuntivo, existem quatro: presente, imperfeito, perfeito
e mais-que-perfeito.
No imperativo, existem dois: presente e futuro (sendo o futuro
de utilização rara e de nomenclatura não incontroversa).
l•tlllllllC.:ÃO AO VERBO LATINO 139

4, Substantivos verbais: infinitivo, gerúndio,


•upino

� 1 . Existem, em latim, três tipos de substantivo verbal, isto é,


íorm.ts que exprimem a ideia do verbo sob a identidade gramatical
,1, u m substantivo: o infinitivo, o gerúndio e o supino. Qyalquer
11111 deles se pode traduzir para portu guês usando o nosso infinitivo.

l n l1nitivo

§2. O infinitivo latino existe nas duas vozes e em três tempos.


Vl•jamos o infinitivo do verbo amõ:

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


presente amãre amãrí
perfeito amãuisse amãtus esse
futuro amãtürus esse amãtum írí

Veremos depois, na secção sobre sintaxe, o uso dos infmitivos


cm latim numa subcategoria importantíssima do discurso indireto:
a oração infinitiva (pp. 32 1-326).
Fiquemos, para já, com este grafüo irónico de Pompeios ( CIL
4. 1 904), onde lemos o infinitivo perfeito do verbo cado, cadere,
cecidi, cãsum ( «cair»), cuja forma é cecidisse.
O grafitista dirige-se à própria parede e escreve nela um remo­
que contra outros «escritores», grafitistas como ele, que a cobri­
ram de taedia ( «chatices»), sem se dar conta de que não está a
fazer boa fi gura no que toca à ortografia do latim: engana-se na
escrita da própria palavra que significa «parede» (cuja forma
correta [paries] não tem a consoante -n-).
1 40 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM, MORFOLOGIA,

Admirotj pariens, té nõn cecidisse ruinis qui tot scriptõrum taedia


sustineãs.
«Admiro-me, ó parede, que tu não tenhas caído em ruínas, tu que
aguentas tantas chatices dos escritores.»

Gerúndio

§3. O gerúndio latino implica uma noção diferente daquela


que nos é sugerida em português pelo termo «gerúndio» na nossa
gramática.

§4. Os termos «gerúndio» e «gerundivo» têm por base o


verbo gerõ ( «fazer») e, no gerundivo, como veremos, está expressa
a ideia de algo que é para fazer ou que tem de ser feito.

§5. Em latim, o gerúndio é um substantivo verbal que permite


declinar o infinitivo. Dado que não existe no nominativo, é como
se (por exemplo) amãre constituísse o nominativo de um substan­
tivo que, nos outros casos, se transforma no gerúndio para ser
declinado assim (só existe no singular) :

Gen. amandi ( « de amar»)


Acus. ad amandum ( «para amar»)
Dat. amandõ ( «a amar»)
Abl. amandõ ( «por meio de amar»)

Os usos do gerúndio em latim são eminentemente idiomáticos


e requerem toda uma gama de explicações e de exemplos para
serem entendidos. Abordaremos o assunto nas pp. 359-363.
I N U I I I I U C,:ÁO AO VERBO LATINO 141

Para já, fiquemos com a ideia de que, na expressão latina


( frrlJUente, ainda hoje) modus uiuendi, a palavra uiuendi é o gerún-
1 1 1 1 1 l'lll genitivo do verbo uiuõ (cujo infinitivo presente ativo é

Mllll're ) . Assim, a sua tradução é «modo de viver».


l ,eiamos, a propósito, a seguinte frase de Cícero (Definibus 1.42),
1111dc encontramos um gerúndio ( uiuendi) e um gerundivo (putanda) :

.� apientia ars uiuendi putanda est


« a sabedoria deve ser considerada a arte de viver».

· fambém é expressiva a seguinte frase de Plauto (Poenulus 741):

tacendi tempus est


«é tempo de estar calado».

Supino

§6. Outro substantivo verbal do latim é o supino. A ideia evocada


l
pc o nome «supino» (do verbo supinõ, supinãre, «deitar de costas»)
lla de algo ou al guém deitado. Em termos gramaticais, o termo sugere
pelo menos na explicação dos teóricos 42 - que a ação do verbo está
., deitada» ou «fora de ação». (Em boa verdade, essa explicação
tcórica não ajuda especialmente na compreensão do supino.)
Trata-se de um substantivo que se gue a 4.ª declinação. Existe
somente no acusativo ( amãtum) e no ablativo ( amãtü) do singular.
A sua utilização mais corrente hoje ocorre na expressão mirãbile
dictü ( «<coisa> incrível de se dizer»).

., Cf. Kühner & Holzweissig, p. 655: «O nome supino corresponde ao grego int-r,ov, "deitado
de costas", "a descansar"; o substantivo verbal manteve este nome porque nele a ação do verbo
<' colocada como extrínseca à relação com alguém, como que levada a descansar, deitada de
rnstas, assente, fora de ação.»
1 40 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGI A ,

Admiror, pariens, té nõn cecidisse ruinis qui tot scriptõrum taedia


sustineãs.
«Admiro-me, ó parede, que tu não tenhas caído em ruínas, tu que
aguentas tantas chatices dos escritores.»

Gerúndio

§3. O gerúndio latino implica uma noção diferente daquela


que nos é sugerida em português pelo termo «gerúndio» na nossa
gramática.

§4. Os termos «gerúndio» e «gerundivo» têm por base o


verbo gerõ ( «fazer») e, no gerundivo, como veremos, está expressa
a ideia de algo que é para fazer ou que tem de ser feito.

§5. Em latim, o gerúndio é um substantivo verbal que permite


declinar o infinitivo. Dado que não existe no nominativo, é como
se (por exemplo) amãre constituísse o nominativo de um substan­
tivo que, nos outros casos, se transforma no gerúndio para ser
declinado assim (só existe no singular):

Gen. amandi ( «de amar»)


Acus. ad amandum ( «para amar»)
Dat. amandõ ( «a amar»)
Abl. amandõ ( «por meio de amar»)

Os usos do gerúndio em latim são eminentemente idiomáticos


e requerem toda uma gama de explicações e de exemplos para
serem entendidos. Abordaremos o assunto nas pp. 359-363.
l • t • 1 1 1 1 1 1 c,: A o AO VERBO LATINO 141

Para já, fiquemos com a ideia de que, na expressão latina


( ln•,1ucnte, ainda hoje) modus uíuendí, a palavra uíuendí é o gerún-
1 1 111 l' lll genitivo do verbo uíuõ (cujo infinitivo presente ativo é
u111m· ) . Assim, a sua tradução é «modo de viver ».
l ,eiamos, a propósito, a seguinte frase de Cícero (Defínibus 1.42),
1111dc encontramos um gerúndio ( uíuendí) e um gerundivo (putanda):

sapientia ars uíuendí putanda est


«a sabedoria deve ser considerada a arte de viver».

Também é expressiva a seguinte frase de Plauto (Poenulus 741):

tacendí tempus est


« é tempo de estar calado » .

Supino

§6. Outro substantivo verbal do latim é o supino. A ideia evocada


pelo nome «supino» (do verbo supínõ, supínãre, «deitar de costas »)
é a de algo ou al guém deitado. Em termos gramaticais, o termo sugere
- pelo menos na explicação dos teóricos 42 - que a ação do verbo está
«deitada » ou «fora de ação ». (Em boa verdade, essa explicação
teórica não ajuda especialmente na compreensão do supino.)
Trata-se de um substantivo que se gue a 4.ª declinação. Existe
somente no acusativo ( amãtum) e no ablativo ( amãtü) do singular.
A sua utilização mais corrente hoje ocorre na expressão mírãbile
dictü ( «<coisa > incrível de se dizer »).

42Cf. Kühner & Holzweissig, p. 655: «O nome supino corresponde ao grego 61mov, "deitado
de costas� "a descansar"; o substantivo verbal manteve este nome porque nele a ação do verbo
é colocada como extrínseca à relação com algu ém, como que levada a descansar, deitada de
costas, assente, fora de ação.»
1 42 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

Veremos melhor o funcionamento do supino na frase latina


nas pp. 363-364.

§7. Importa, para já, reter a ideia de que é a partir do supino


que é formado o particípio perfeito ( amãtus, amãta, amãtum) e o
particípio futuro ( amãtürus, -a, -um).

§8. Para nós, falantes do português, saber o supino de um verbo


tem a vantagem de nos levar, muitas vezes, a perceber de imediato o
seu sentido, que pode não ser óbvio a partir do presente ou do per­
feito. Vejamos a enunciação dos seguintes verbos, em que é o supino
a dar-nos logo um acesso intuitivo àquilo que o verbo significa :

* colõ, colere, colu� cultum ( «cultivar»);


* canõ, canere, cecin� cantum ( «cantar») ;
* frangõ,Jrangere,freg�frãctum ( «quebrar»);
* tegõ, tegere, tex� téctum ( «cobrir»).
5. Adjetivos verbais: particípios e gerundivo

Particípios

§ 1. 1. Existem, no verbo latino, três particípios:

* Particípio presente ativo ( amãns, amantis);


* Particípio futuro ativo ( amãtürus, -a, -um);
* Particípio perfeito passivo ( amãtus, -a, -um).
O seguinte quadro é importante para termos também a noção
dos particípios que não existem em latim:
l • t l l l l l ll Ç ÃO AO VERBO LATINO 143

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA

presente amãns, amantis -


futuro amãtürus, -a, -um -
perfeito - amãtus, -a, -um

O termo «particípio» já vem dos gramáticos antigos e refere


11 essência destes curiosos objetos morfológicos, que participam de
t n�s naturezas:

* participam da natureza de substantivos, adjetivos, etc.,


porquanto estão sujeitos à lógica do género (masculino,
feminino, neutro), ainda que, no particípio presente, só
haja uma forma «unissexo»;
* participam da natureza dos verbos, porquanto estão sujeitos
à lógica do tempo (presente, futuro, perfeito);
* declinam-se e usam-se como adjetivos.

§ 1.2. O particípio futuro + sum, com o sentido de «estar para»


fazer algo, forma a chamada «conjugação perifrástica ativa». E.g.:

* amãtürus sum, «estou para amar», «estou prestes a amar»,


«irei amar»;
* amãtürus eram, «estavapara amar», «estava prestes a amar»;
* amãtürae sunt, «elas estão prestes a amar», etc.

Gerundivo

§2. O gerundivo é a forma adjetival do gerúndio - ou, se pre­


ferirmos inverter os termos, o gerúndio é a forma subst�tivada do
1 44 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

gerundivo (ou seja, é o gerundivo transformado num substantivo


neutro 43 ) :

* Gerúndio: amandí, amandum, amandõ;


* Gerundivo: amandus, -a, -um.
A principal noção expressa pelo gerundivo é a de algo que deve
ser feito. Vejamos esta frase de Cícero ( Topica 84):

praepõnenda est díuitiís glõria.


«a glória deve ser preferida à riqueza» .

Também na frase famosa (que, por estranho que pareça, não


ocorre desta forma em nenhum autor latino) sobre a obrigatorie­
dade de destruir Cartago encontramos o gerundivo:

délenda est Carthãgõ.


« Cartago tem de ser destruída».

Nestas duas frases, estamos a ver o gerundivo integrado na


chamada «conjugação perifrástica passiva» (gerundivo + sum),
que exprime obrigação:

* amanda est, «ela deve ser amada»;


* amandí sumus, «nós devemos ser amados», etc.
§3. Existem outras utilizações do gerundivo em latim -mormen­
te em substituição do gerúndio. Vê-las-emos nas pp. 359-363.

43
Ver Kühner & Holzweissig, p. 655.
O verbo sum

O verbo «ser» é, nas lín guas indo-europeias, um verbo irre gu­


lar, cuja importância, porém, leva a que normalmente seja estudado
antes dos verbos regulares. No caso do latim, faz especial sentido
começar a aprendizagem dos verbos pelo verbo sum, uma vez que,
embora irregular, ele é necessário para a compreensão dos verbos
re gulares.
Na verdade, sum está bem visível na voz ativa dos verbos re gu­
lares na conjugação do Perfectum (perfeito, mais-que-perfeito e
futuro perfeito); e está presente como que in propriã persõnã na
conjugação do Perfectum na voz passiva. Por exemplo: amãueram
( «eu amara»); amãtus sum ( «fui amado»).
Ora, uma das razões pelas quais o verbo sum conta como irre­
gular é que tem dois radicais: o radical es- (no Infectum) e o radical
fu- (no Pe,jectum) . Como falantes do portu guês, tal realidade não
nos causa estranheza, pois estamos habituados a que «és» e «fui»
sejam formas do mesmo verbo «ser». O que passa despercebido
a muitas pessoas é o parenteso entre o fu- de «fui» e o fi- de
«física». Pois o radical fu- em latim é cognato de <pu- em grego, que
encontramos no verbo <púw ( «nascer») e no substantivo <púc1c
( «natureza», «física»).
Quatro outros aspetos são importantes para perceber a identi­
dade irre gular de sum:
1 46 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

* não tem voz passiva;


* não tem particípio presente nem particípio perfeito;
* não tem gerúndio nem gerundivo;
* não tem supino.
No entanto, tem particípio futuro : futürus, -a, -um. Trata-se,
aliás, da palavra donde vem o substantivo «futuro». Também a
nossa palavra «presente», já agora, vem do particípio presente de
um composto de sum - o verbo praesum - cujo particípio presente
é praesêns, praesentis44 (cf. absêns, absentis de outro composto de sum:
absum, «estar ausente»).
Não sendo possível enunciar sum da mesma maneira como
enunciamos os outros verbos (ver p. 134), visto que não tem
supino, poderíamos talvez enunciá-lo assim (substituindo o parti­
cípio futuro pelo supino) : sum, esse,fuí,futürus.

O presente de sum

O estudo histórico das línguas que evoluíram a partir do indo­


-europeu pôs em relevo a extraordinária semelhança verificável no
presente do verbo «ser» em várias delas 45 :

indo-europeu sinscrito grego latim


*ésmi ásmi ti111 sum
*éssi, *ési ási tcc1, d es
*ésti ásti ÊC'tl est
*smés, *smós smás tc11tv sumus
*sté sthá ÊC'tt: estis
*sénti sánti ÊV'tl (dórico), t:ÍCI sunt

44
O verbo praesum tem vários sentidos ( «tomar controlo de» e «liderar» serão os que encon­
tramos com mais frequência).
45
Cf. Buck, p. 243.
0 V ERBO SVM 147

Este quadro permite-nos perceber que o verbo sum latino é, na


verdade, um antigo verbo em -mi, análogo aos verbos dessa cate­
goria em grego. Na forma latina de 1.ª pessoa do singular, tanto a
vogal e- da raiz indo-europeia como a terminação -i desapareceram;
e o -u- corresponde à vocalização da nasal -m-: *[e]sm[i] > sum. Em
grego, por outro lado, a perda do -s-levou ao alongamento da vogal
breve inicial (e-), que nos é mostrado pela grafia d-.
Vemos a mesma vocalização de *sm no primeiro -u- da forma
latina de 1.ª pessoa do plural, sumus,46 embora graficamente nos
falte, por assim dizer, um -m-, já que -mus é a desinência de 1.ª
pessoa do plural ( análoga a -µEv em grego ático, ou a -µec em grego
dórico): su<m>mus. Por um acaso fortuito, a ortografia da forma
correspondente francesa ( sommes) acabou por «restituir» o -m­
que «falta» à forma latina sumus.
Uma forma alternativa de 1.ª pessoa do plural ( simus - o -i- é
presumivelmente breve, para não ser igual à forma simus do con­
juntivo presente) está registada epigraficamente. A darmos crédito
a Suetónio, o imperador Augusto nunca dizia sumus, mas simus.
Note-se que, em italiano, a forma correspondente à latina sumus é
siamo (portanto com -i- ) 47 •
Vejamos agora o quadro completo do presente de sum:

Infinitivo presente: esse

indicativo conjuntivo imperativo


sum sim -
es sis es
est sit -

46 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 802.


47
Cf. Suetónio, Augusto 87; Ernout, p. 176.
148 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORFOLOGIA,

indicativo conjuntivo imperativo


sumus simus -
estis sítis este
sunt sint -

No conjuntivo, encontramos +, a caraterística indo-europeia


do modo optativo (visível no optativo do verbo grego). O latim
não tem este modo, mas conserva uma indicação de que teria exis­
tido, em época antiquíssima, no -í-que encontramos no conjuntivo
sim, sís, etc.; também em certos conjuntivos de verbos irregulares
(como uelim, conjuntivo de uolõ, «querer»); e no conjuntivo per­
feito ativo de todos os verbos latinos.
Note-se que a forma mais antiga do conjuntivo de sum era siem,
sies, siet, etc. (como se lê em autores do século II a.C. e no SCdB).
Em escritores dos séculos III-II a.C., encontramos várias vezes
formas alternativas do conjuntivo presente de sum, plasmadas a
partir da raiz fu-. A forma fuam ocorre em Plauto; fuãs, em Lívio
Andronico; fuat, em Pacóvio e Énio. Até Lucrécio ( 4.637) e Ver­
gílio (Eneida 10. 108) nos dão a lerfuat.

O futuro de sum
Infinitivo futuro:futürus esse (tambémfore)

indicativo conjuntivo imperativo


erõ - -
eris - estõ
erit - estõ
erimus - -
eritis - estõte
erunt - suntõ
0 VERBO SVM 149

A razão pela qual o conjuntivo em latim (e em grego) não tem


futuro é que, em fase antiquíssima da lín gua, o conjuntivo era ele
próprio uma forma de futuro 48 • Veremos, mais à frente, como esta
consan guinidade entre conjuntivo e futuro levou, inclusive, à exis­
tência de al gumas formas homógrafas de 1.ª pessoa do sin gular,
tanto em grego como em latim (ver pp. 162- 163).
Compreende-se, assim, a teoria defendida pela linguística
histórica de que o futuro do verbo sum é, na realidade, um antigo
conjuntivo 49 • A l .ª pessoa do singular erõ provém de *esõ, tal
como a l .ª pessoa do presente do conjuntivo do verbo «ser»
grego:

* grego: *esõ > *eõ > õ (w);


* latim: *esõ > erõ.

O -s- intervocálico tende a desaparecer em grego, do mesmo


modo como, em latim, tende a transformar-se em -r- (é o fenó­
meno fonético chamado «rotacismo»; ver p. 379) .

O imperfeito de sum

No caso do imperfeito, torna-se novamente útil a comparação


com as formas indo-europeias reconstituídas pelos lin guistas e
também com o sânscrito 50 :

48 Cf. Ernout, p. 159.


49 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 805.
'º Cf. Buck, p. 243.
l .� O NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOGIA,

indo-europeu sânscrito latim


*esm ásam eram
*ess ásis erãs
*est ásit erat
*esme ásma erãmus
*este ásta erãtis
*esent ásan erant

Mais uma vez, a tendência «rotacista» da língua latina para


transformar -s- em -r- está bem visível.
Vejamos agora a conjugação completa do imperfeito de sum:

indicativo conjuntivo imperativo


eram essem -
erãs esses .
erat esset -
erãmus essemus .
erãtis essetis -
erant essent -

Sobre o abreviamento das vogais longas antes das letras finais


-m, -t e -nt, ver p. 38 1.
Talvez o aspeto mais curioso a salientar a propósito do imper­
feito do indicativo de sum é que se trata do único em toda a língua
latina onde não encontramos o sufü:o -bã- (ainda hoje discernível,
em português, no -va- do nosso imperfeito : «amavas», em latim
amãbãs).
No imperfeito do conjuntivo de sum, vemos inalterada a antiga
desinência -se- em essem, etc., que encontraremos noutras formas
de conjuntivo sob a forma -re- (por exemplo, amãrem, imperfeito
do conjuntivo ativo de amõ).
Ü VERBO SVM 151

Em textos de autores de várias épocas, depara-se-nos também


uma forma alternativa do conjuntivo imperfeito de sum, plasmada
a partir da raiz fu-: *fusem > forem.
São frequentes as formas forés,foret e forent (as formas teorica­
mente possíveisforémus e forétis não estão atestadas) .

Perfeito, mais-que-p erfeito e futuro p erfeito de sum

Na gramática de Kühner & Holzweissig, se lermos as páginas


cerradas de informação sobre o verbo sum, encontramos apenas uma
única frase sobre os tempos do Perfectum: «As formas do Perfectum
não apresentam quaisquer especificidades próprias» (p. 805).
Não seremos aqui tão lacónicos; e damos de seguida o quadro
completo da conjugação do Perfectum do verbo sum. Já que todos
os verbos latinos, mesmo os mais irregulares, são «perfeitamente»
regulares nos tempos do Perfectum, o comentário às desinências,
extensível a todos os verbos, será feito mais à frente, no capítulo
dedicado ao Perfectum (pp. 172- 1 8 1).

Infinitivo perfeito: fuisse

PERFEITO MAIS- QUE-PERFEITO FUTURO PERFEITO


indicativo conjuntivo indicativo conjuntivo indicativo conjuntivo
fui fuerim fueram fuissem fuerõ -
fuisti fueris fuerãs fuisses fueris -
fuit fuerit fuerat fuisset fuerit -
fuimus fuerimus fuerãmus fuissémus fuerimus -
fuistis fueritis fuerãtis fuissétis fueritis -
Juérunt fuerint fuerant fuissent fuerint -
152 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORFOLOGIA.

Note-se que as homografias visíveis na 3.ª pessoa (singular e


plural) no perfeito do conjuntivo e no futuro perfeito (fuerit
e fuerint) são ilusórias, já que no conjuntivo temos + (sujeito a
abreviamento antes de -te de -nt) e, no futuro perfeito, temos -i-.
No entanto, basta olharmos para a coluna do conjuntivo per­
feito e para a coluna do futuro perfeito para percebermos a faci­
lidade com que as formas se prestariam a todas as confusões.
E é facto que os próprios romanos as confundiram. A partir do
século I a.C., começamos a encontrar esporadicamente quantida­
des «erradas» no futuro perfeito até nos maiores escritores (por
exemplo nalgumas cláusulas métricas de Cícero; em Catulo 5. 10;
em Ovídio, Metamorfoses 6.357), que nos dão a entender que,
para os ouvidos da altura, o -i- do futuro perfeito começava a ser
sentido (ainda que de maneira incoerente e assistemática) como
longo.
No século v d.C., um bispo cristão chamado Agrécio compôs
um tratado intitulado Dé orthographiã. Não deixa de ser sintomá­
tico que, no tocante a esta questão, ele tenha dado a explicação
errada ao afirmar que é no conjuntivo perfeito que o -i- é breve 5 1 •

51 Cf. GL 7. 1 16.1-2; e o excelente tratamento deste assunto em Adams (2016), pp. 205-206.
Verbos I
Presente

Como vimos na p. 138, é só nos tempos do Infectum (presente,


imperfeito, futuro) que o verbo latino se presta, em rigor, a ser
dividido em quatro conjugações.
Estudar o verbo latino da maneira tradicional, conjugação a
conjugação, não só sobrecarrega quem aprende latim com dema­
siada informação repetida como obscurece três factos fundamen­
tais da conjugação verbal latina:

* no presente e no futuro, as quatro conjugações apresentam,


de facto, diferenças que é preciso saber e compreender;
* no imperfeito, as quatro conjugações são bastante parecidas;
* nos tempos do Perfectum (perfeito, mais -que-perfeito e
futuro perfeito), as quatro conjugações são exatamente
iguais. Até o irregular verbo sum se torna regular nestes
tempos.

Por conseguinte, na aprendizagem da morfologia do verbo


latino, a parte desafiante corresponde aos três tempos do Infectum:
presente, futuro e imperfeito. É nestes três tempos que as quatro
conjugações (mais a conjugação mista) têm de ser cuidadosamente
diferenciadas. No entanto, além das diferenças, há também pontos
de contacto que interessa pôr em relevo.
1 54 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Assim sendo, para termos uma ideia clara das diferenças e das
semelhanças por meio de uma abordagem comparativa, apresen­
taremos e comentaremos os tempos um a um. Começamos, neste
capítulo, com o presente nas quatro conjugações; no capítulo
seguinte, abordaremos o futuro; e assim sucessivamente.

Presente da l .ª conjugação
amõ, amãre, amãui, amãtum, «amar»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
amõ amem - amor amer -
amãs amés amã amãris amêris amãre
amat amet - amãtur amêtur -
amãmus amêmus - amãmur amêmur -
amãtis amêtis amãte amãmini amêmini amãmini
amant ament - amantur amentur -

Presente da 2.ª conjugação


moneõ, monêre, monui, monitum, «aconselhar»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
moneõ moneam - moneor monear -
monés moneãs monê monêris moneãris monêre
monet moneat - monêtur moneãtur -
monêmus moneãmus - monêmur moneãmur -
monêtis moneãtis monête monêmini moneãmini monêmini
monent moneant - monentur moneantur -
l' k K S l!NTE 155

Presente da 3.ª conjugação


rcgõ, regere, réxi, réctum, «reger»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


lnd icativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
rcg,; regam - regor regãr -
rcgis regãs rege regeris regãris regere
rcgit regat - regitur regãtur -
rcgimus regãmus - regimur regãmur -
rcgitis regãtis regite regimini regãmini regimini
rcgunt regant - reguntur regantur -

Presente da 4.ª conjugação


audiõ, audire, audiu� auditum, «ouvir»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
audiõ audiam - audior audiar -
audis audiãs audi audiris audiãris audire
audit audiat - auditur audiãtur -
audimus audiãmus - audimur audiãmur -
auditis audiãtis audite audimini audiãmini audimini
audiunt audiant - audiuntur audiantur -

Presente da conjugação mista


capiõ, capere, cép� captum, «tomar»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
capiõ capiam - capior capiar -
capis capiãs cape caperis capiãris capere
capit capiat - capitur capiãtur -
capimus capiãmus - capimur capiãmur -
capitis capiãtis ,apite capimini capiãmini capimini
capiunt capiant - capiuntur capiantur -
1 56 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Duas notas preliminares

Fonética: repare-se como as vogais longas ã, e e í abreviam


antes das seguintes terminações (ver p. 38 1):

* -m;
* -r;
* -t;
* -nt.
Compare-se amãs com amat; amem com ames; audís com audit.
Existem, no entanto, inscrições do século n a .C. em que se nos
deparam formas verbais onde -í- antes de -t final - que estaria
sujeito ao fenómeno fonético -ít# > -ít# no latim clássico (enten­
dendo por # o fim da palavra) - é grafado -ei-. Isto sugere que seria
pronunciado como longo 52 •

Morfologia: a 2.ª pessoa do singular no Infectum da voz passiva


tem uma forma alternativa em -re. Por exemplo:

ameris amere
moneãris moneãre
regãris regãre
audiãris audiãre
capiãris capiãre

O comediógrafo Terêncio usa somente a forma com a termi­


nação em -re. Plauto, por outro lado, usa ambas as formas. Cícero

52 Ver Montei!, p. 276.


157

11�0 usa a forma em -re no presente, mas usa-a no futuro (o exemplo


m11ls famoso é a frase que abre a Catilinária 1: Quõ usque tandem,
( ·,,tilina, abútére [em vez de abütêris] patientiã nostrã ?). A prefe­
�nda de Tito Lívio e de Tácito é pela forma em -ris; o mesmo vale
,,11ra os poetas Horácio e Vergílio, embora usem pontualmente
11 forma em -re53 •

As desinências do presente

A principal caraterística que as quatro conjugações partilham


no Infectum é o elenco transversal de desinências, elenco esse que
mostra bem a proficuidade de estudarmos em paralelo o indicativo
l' o conjuntivo, uma vez que as desinências são comuns a ambos os

modos. Com efeito, «se pusermos de lado o imperativo e as formas


nominais [infinitivo, gerúndio, gerundivo, particípio, supino],
constatamos que, afinal, o verbo latino está organizado em sistema
quadrangular, em torno de duas oposições binárias: indicativo/
/conjuntivo e infectum/perfectum» 54•

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


-m ou -õ -r
-s -ris ou -re
-t -tur
-mus -mur
-tis -mini
-nt -ntur

53 Ver Kühner & Holzweissig, pp. 675-676.


54 Montei!, p. 272.
158 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOGIA,

As desinências da voz ativa fazem intuitivamente sentido a


falantes do português (porque nelas reconhecemos o arquétipo
que deu origem às formas verbais que usamos todos os dias).
A exceção é a desinência -m na 1.ª pessoa do singular, uma desi­
nência antiga indo-europeia (visível nos verbos gregos em -1.u),
como mencionámos a propósito do verbo sum (ver p. 147).
Naturalmente, não sentimos a mesma impressão de familiari­
dade em relação às desinências da voz passiva no Infectum porque,
contrariamente ao português, no Infectum a voz passiva tem uma
conjugação sintética (relembre-se o que dissemos na p. 135).
Analisando as desinências da voz passiva, há uma caraterística
que, de imediato, chama a nossa atenção: a presença de -r em posi­
ção final em quatro das seis desinências; e em posição «quase
final» ( -ris, -re) na 2.ª pessoa do singular.
A exceção que salta à vista é a desinência da 2.ª pessoa do plu­
ral (-mini), que, na voz passiva, encontramos no indicativo, no
conjuntivo e no imperativo. E diremos que não sobressai apenas
pelo facto de destoar das outras; destaca-se por ser intrinsecamente
bizarra, dir-se-ia mesmo misteriosa. Os linguistas não chegaram
até hoje a qualquer consenso sobre a sua explicação ou origem. Os
pretensos paralelismos com al gumas desinências do verbo grego
são inverosímeis 55 • Nas palavras de Ernout, «a desinência -mini é
a mais obscura de todas; está completamente isolada no sistema
verbal» 56 • Sugestiva, ainda que não certa, é a aproximação proposta
com a palavra latina que significa «gémeos»: gemini 57 • Estaria
implícita, em tempos antiquíssimos, a ideia de dual no sufixo
-mini? Não temos maneira de saber.

" Cf. Monteil, p. 277.


56 Ernout, p. 123.
57 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 678.
l'• ••1tNTI! 159

As quatro conjugações comparadas no presente

Além de ostentarem aspetos coincidentes no presente, as quatro


ninjugações apresentam também três diferenças relevantes.

§ 1 . A primeira diferença a sublinhar é a diversidade no tema 58


Vl'rbal:

,t, -ã-: l .ª conjugação;


* -é-: 2.ª conjugação;
* -g- (ou outras consoantes; também -u-, como tribuõ) :
3.ª conjugação;
* +: 4.ª conjugação;
* -iõ: conjugação mista (porque mistura elementos da 3.ª e da
4.ª conjugações). Note-se, já agora, a propósito da conjugação
mista, que são poucos os verbos verdadeiramente importantes
que nela estão incluídos. Os mais pertinentes são: cupiõ ( «dese­
jar»), faciõ ( «fazer»), fugiõ ( «fugir») e iaciõ ( «lançar»).

§2. A segunda diferença é que, nos temas em consoante, para


evitar formas impossíveis de pronunciar, encontramos uma vogal
breve 59 entre a consoante do tema e a desinência:

* regõ;
* *regs > regis;

" Em relação aos verbos, utilizo «tema» de forma simplificada, como equivalente ao termo
inglês stem. Poder-se-ia decompor uma forma como amãs em radical am + vogal temática ã +
desinência -m; ou, de acordo com outras teorias, radical amá + desinência -m. Não querendo
entrar nessa discussão, opto por manter a terminologia tão simples quanto possível.
59 Chamo-lhe simplesmente «vogal breve» para evitar a controvérsia quanto à sua nomenclatura
( «vogal de ligação», etc.), que já é polémica para Kühner & Holzweissig, p. 68 1.
1 60 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLO O I A .

* *regt > regit;


* *regmus > regimus;
* *regtis > regitis;
* *regnt > regunt.
Essa vogal é quase sempre -i-, mas pode mudar de timbre em
conformidade com o tipo de som que se lhe se gue:

* regunt (3.ª pessoa do plural do indicativo presente ativo);


* regeris (2.ª pessoa do singular do indicativo presente
passivo);
* regere (2.ª pessoa do singular do imperativo presente
passivo) .

Para al guns lin guistas 60, a vogal breve primitiva era, de facto,
o -e-, que terá depois mudado de timbre para -i-, mantendo-se
somente na 2.ª pessoa do sin gular do indicativo e imperativo pre­
sente passivo (3.ª conjugação e conjugação mista): regeris, caperis
(indicativo); rege re, capere (imperativo) .

§3. A terceira grande diferença é a se guinte: os verbos de tema


em -a- ( 1.ª conjugação) diferem dos das outras conjugações pelo
facto de terem -e- no presente do conjuntivo, em vez da caraterís­
tica do conjuntivo presente latino, que é -a-.
Para nós, falantes do portu guês, a situação é familiar, pois é
exatamente o que se passa na nossa lín gua:

'°Ver Ernout, p. 154.


161

«AMAll» «ESCREVER»
l11Jlca tivo conjuntivo indicativo conjuntivo
ame escrevo escreva
�mas ames escreves escrevas
�ma ame escreve escreva
� l l l i\ 11lOS amemos escrevemos escrevamos
�mais ameis escreveis escrevais
,1 111anl amem escrevem escrevam

Em latim (e mais tarde em português), foi necessário diferen­


d,tr, na l.ª conjugação, o indicativo presente, por um lado, do con­
juntivo presente, por outro, já que, se assim não fosse, o conjuntivo
presente seria igual ao indicativo nos verbos em -a-.
Note-se que tal situação não constituiria uma impossibilidade
l inguística, pois é precisamente o que acontece em grego, nos
verbos em -a-: o presente do indicativo e o presente do conjuntivo
são iguais.
Em latim, porém, não foi assim que a língua evoluiu. Nos ver­
bos em -ã- como amãre, o conjuntivo presente evitou a vogal -ã­
(apesar de ela ser, justamente, a própria caraterística do conjuntivo
presente latino) e recorreu, em vez disso, à vogal -é-.
Tal situação tem a sua lógica, uma vez que -é- constitui uma das
três caraterísticas do conjuntivo no verbo latino. São elas :

* -ã- (no presente do conjuntivo nas 2.ª,3.ª e 4.ª conjugações);


* -é- (no presente do conjuntivo da i.a conjugação; no imper­
feito e no mais-que-perfeito do conjuntivo de todas as
conjugações);
* + (no perfeito do conjuntivo de todas as conjugações; e em
vestígios do antigo optativo indo-europeu em formas como
sim, conjuntivo de sum; ou uelim, conjuntivo de uolõ).
Verbos II
Futuro

§ 1. Na p. 149, vimos que a razão pela qual o conjuntivo


em latim (e em grego) não tem futuro é que, em fase antiquíssima
da língua, o conjuntivo era ele próprio uma forma de futuro,
Referimos também que o futuro do verbo sum, por um lado, e o
conjuntivo presente do verbo «ser» em grego, por outro, provêm,
na realidade, da mesma forma indo-europeia de conjuntivo. Aliás,
o futuro do verbo «ser» em grego é tão-só outra maneira de rea­
lizar morfologicamente a mesma forma remota de conjuntivo:

Presente do Futuro do indicativo Futuro do verbo


conjuntivo do verbo do verbo «ser» em «ser» em latim
«ser» em grego grego
*esõ > *eõ > õ = w * esõ > lco�at *esõ > erõ

O parentesco atávico, digamos assim, entre indicativo futuro e


conjuntivo leva a que, tanto em grego como em latim, se nos deparem
al gumas formas homógrafas relativamente às quais só o contexto nos
pode dizer se se trata de futuro ou de conjuntivo. Em grego temos, por
exemplo, no paradi gma dos verbos regulares, formas verbais como
Àúcw e Àúc111: qual quer uma delas pode ser futuro ou conjuntivo.
Em latim, a situação está mais alastrada, pois abrange a 3.ª e a
4.ª conjugações (e a conjugação mista). Apontemos, para já, só o
exemplo da 3.ª conjugação:
,. .. ... ... 163

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


m1llul lvo conjuntivo indicativo conjuntivo
hlt 11r11 presente futuro presente

,,,,.
,.,,,,,,, regam regar regar
regãs regeris regãris
1 ,,,ir/
1
regat regttur regãtur
1 1 t,it11111s regãmus regtmur regãmur
l tjlf//.1 regãtis regtmini regãmini
rr11r11t regant regentur regantur

Pela lógica, a desinência da 1.ª pessoa do singular no futuro


,lrvia ser -em na voz ativa e -er na voz passiva. Aliás, Quintiliano
( 1 .7.23) transmite-nos a informação curiosa de que Catão dizia,
ilr facto, dicem e faciem, em vez de dicam e faciam. Portanto, para o
I lustre Cénsor havia uma irracionalidade na gramática que, para
1(1',lllde pena dos espíritos lógicos, ele não logrou corrigir.
Mas a situação será assim tão ilógica? A maior autoridade sobre
wamática latina diz-nos que esta homografia regam (futuro) /
/regam (conjuntivo) corresponde a «um fenómeno que não nos
deve causar estranheza», por um motivo que já não é novidade na
nossa discussão: «Pois entre o conjuntivo presente e o indicativo
futuro existe um parentesco próximo, como se vê na sintaxe e na
rnmparação com o grego» 61 •

§2. Esse parentesco adquire realidade visível na morfologia


verbal, sobretudo no facto de uma das caraterísticas de conjuntivo
latino -é- ser também uma das caraterísticas de futuro.
Pois o futuro latino tem duas caraterísticas, que ocorrem em
separado:

61
Kühner & Holzweissig, p. 725.
1 64 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLO<HA

* -bõ-/-bi- ( 1.ª e 2.ª conjugações);


* -é- (3.ª e 4.ª conjugações + conjugação mista).
Sobre -é-, já sabemos que se trata de uma caraterística parti•
lhada com o conjuntivo.

§3. Quanto a -bõ-/-bi-, provém, segundo a linguística histórica,


da mesma raiz indo-europeia que deu em sânscrito -bhü- e em grego
<pv-. Trata-se de uma raiz cuja semântica está relacionada com a ideia
de «devir», presente no verbo grego q,úw ( «nascer») e no subs­
tantivo q,úctc ( «natureza», «física»; ou seja, aquilo que nasce). Em
latim, essa raiz juntou-se, nas formas de futuro em -bi- 62, a outra
caraterística de conjuntivo (-i-) que elencámos na p. 161.
Vejamos, agora, os quadros com as conjugações e recordemos
o que dissemos na p. 137: uma vez que o imperativo é raro no futuro
(raríssimo no futuro passivo) e o conjuntivo é inexistente, na prá•
tica o que é preciso mesmo aprender são as formas de indicativo.

Futuro da l .ª conjugação
amõ, amãre, amãu� amãtum, «amar»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
amãbõ - - amãbor - -
amãbis - amãtõ amãberis - amãtor
amãbit - amãtõ amãbitur - amãtor
amãbimus - - amãbimur - -
amãbitis - amãtõte amãbimini - amãminõ
amãbunt - amantõ amãbuntur - amantor

62 Ver Kühner & Holzweissig, p. 727.


1'11·r 1 1 11 0 165

Futuro da 2.ª conjugação


m1111cõ, monére, monui, monítum, «aconselhar»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA

l11dlc ativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo


IIIIJIIC bõ - - monêbor - -
IIIIJIICbis - monétõ monéberis - monétor
IIIIJIICbit - monétõ monébitur - monétor
lll flllêbimus - - monébimur -
,111111êbitis - monétõte monébimini - [inexistente]
m1111êbunt - monentõ monébuntur - monentor

Futuro da 3.ª conjugação


n·gõ, regere, réx� réctum, «reger»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


ln dicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
rc·gam - - regar - -
rc·gés - regitõ regéris - regitor
rc·get - regitõ regétur - regitor
regémus - - regémur - -
regétis - regitõte regémini - regiminõ
regent - reguntõ regentur - reguntor

Futuro da 4.ª conjugação


audiõ, audire, audiui, auditum, «ouvir»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo

audiam - - audiar - -
audiés - auditõ audiéris - auditor
audiet - auditõ audiétur - auditor
audiémus - - audiémur - -
audiétis - auditõte audiémini - audiminõ
audient - audiuntõ audientur - audiuntor
166 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOO I A .

Futuro da conjugação mista


capiõ, capere, cep� captum, «tomar»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperatiw
capiam - - capiar - -
capiês - capitõ capiêris - capitor
capiet - capitõ capiêtur - capitor
capiêmus - - capiêmur - -
capiêtis - capitõte capiêmini - capiminõ
capient - capiuntõ capientur - capiuntor

Para a terminação alternativa -re em vez de -ris na voz passiva


(2.ª pessoa do singular), ver p. 156.
rbos III
l 1 nperfeito

§ l . Ao contrário do grego e de outras lín guas indo-europeias


( nomeadamente o sânscrito), o latim é uma lín gua onde o imper­
lt•ito é formado sem o chamado «aumento temporal», isto é, sem
uma vogal anteposta ao tema do verbo, como acontece em grego
no imperfeito, no aoristo e no mais-que-perfeito do indicativo.
Por outro lado, o latim não tem aoristo; o tempo verbal latino que
se refere a uma ação específica, acabada, no passado é o perfeito.
Para termos uma noção aproximada de como entender a relação
t•ntre os tempos do passado, reclassifiquemos, dando-lhes os nomes
do verbo indo-europeu, as se guintes formas verbais portu guesas:

* «eu fazia»: imperfeito;


* «eu fiz»: aoristo;
* «eu tenho feito»: perfeito;
* «eu fizera»: mais-que-perfeito.
Ora, no imperfeito latino fi gura, curiosamente, uma antiga
caraterística indo-europeia de aoristo no -ã- de -bã-, ainda que a
mesma não confira ao imperfeito latino a semântica própria do
aoristo: trata-se somente de um fóssil linguístico 63 •

'-' Cf. Kühner & Holzweissig, p. 724. Monteil (p. 327), no entanto, defende a teoria de que o
-ã- do sufixo -bã- do imperfeito é uma marca de optativo.
168 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

§2. Na p. 164, dissemos, em relação à caraterística de futuro


-bi-, que se trata da antiga raiz indo-europeia *bhu-, a que se juntou
a caraterística de conjuntivo/optativo -i-. A mesma lógica aplica-se
à caraterística de imperfeito -bã-, se substituirmos o -i- (caraterís­
tica antiga de conjuntivo, como vimos), por -a- (caraterística antiga
de aoristo). Pois também o -bã- do imperfeito provém da mesma
raiz indo-europeia *bhu, que ocorre nal gumas palavras gregas sob
a forma de <pt>- ( <p úw, «nascer», e <púc1c, «natureza», como vimos
na p. 164 ) 64•

§3. Quanto à caraterística do imperfeito do conjuntivo -re-,


provém de -se-, tal como vemos no imperfeito do conjuntivo do
verbo sum: essem.
Este sufixo -se- está assimilado no imperfeito do conjuntivo do
verbo irregular uolõ ( uellem; ver p. 201 ), mas, nos verbos regulares,
encontramos a sua forma rotacizada (ver p. 379): amãrem, audirem,
etc.
No caso dos verbos em consoante, para evitar formas ingratas
de pronunciar como *regrem e *caprem, o latim desenvolveu a
nossa já conhecida vogal breve: regerem, caperem.

§4. Mais difícil de explicar é o -é- no imperfeito do indicativo


(ativo e passivo) dos verbos da 3.ª e 4.ª conjugações (e da conjuga­
ção mista):

* regibam/regebar;
* audiibam/audiibar;
* capiibam/capiibar.
64
Cf. Kühner & Holzweissig, p. 723.
I M P l!RFEITO l õCJ

Há várias teorias relativamente à explicação desse -é-: que pro­


v i ria de uma antiga marca de infinitivo; ou de particípio; ou de
locativo 65 • Nenhuma, no entanto, é concludente. Parece mais plau­
slvel a proposta segundo a qual os antigos falantes do latim diziam
rcgébam (e não *regebam) simplesmente por analogia prosódica
com amãbam e monébam66•

§5. No latim do século II a.C. (e também em autores posterio­


res), encontramos formas de imperfeito da 4.ª conjugação sem
o referido -é-: por exemplo scíbam, em vez de sciébam (Plauto,
Anfitrião 385). Existem bastantes exemplos em Plauto, Terêncio e
Énio (e também, embora em menor número, em Catulo, Lucrécio,
Vergílio e Ovídio).

Imperfeito da 1 .ª conjugação
amõ, amãre, amãui, amãtum, «amar»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
amãbam amãrem . amãbar amãrer .
amãbãs amãrés . amãbãris amãréris .
amãbat amãret - amãbãtur amãrétur .
amãbãmus amãrémus - amãbãmur amãrémur .
amãbãtis amãrétis . amãbãmini amãrémini .
amãbant amãrent . amãbantur amãrentur .

6S Cf. Kühner & Holzweissig, pp. 723-724; Ernout, pp. 156-158; Buck, p. 278.
66
Cf. Montei!, p. 328.
1 70 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

Imperfeito da 2.ª conjugação


moneõ, monêre, monu� monitum, «aconselhar»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
monébam monérem - monébar monérer -
monébãs monérés - monébãris monéréris -
monébat monéret - monébãtur monérétur -
monébãmus monérémus - monébãmur monérémur -
monébãtis monérétis - monébãminí monéréminí -
monébant monérent - monébantur monérentur -

Imperfeito da 3.ª conjugação


regõ, regere, rêxí, rêctum, «reger»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
regébam regerem - regébar regerer -
regébãs regerés - regébãris regeréris -
regébat regeret - regébãtur regerétur -
regébãmus regerémus - regébãmur regerémur -
regébãtis regerétis - regébãminí regeréminí -
regébant regerent - regébantur regerentur -

Imperfeito da 4.ª conjugação


audiõ, audíre, audíu� audítum, «ouvir»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
audiébam audírem - audiébar audírer -
audiébãs audírés - audiébãris audíréris -
audiébat audíret - audiébãtur audírétur -
audiébãmus audírémus - audiébãmur audírémur -
audiébãtis audírétis - audiébãminí audíréminí -
audiébant audírent - audiébantur audírentur -
I M l' l! ll P l!ITO 171

Imperfeito da conjugação mista


capiõ, capere, cépi, captum, «tomar»

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


Indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
cupiebam caperem - capiebar caperer -
capiébãs caperes - capiebãris caperéris -
cupiébat caperet - capiebãtur caperétur -
capiebãmus caperémus - capiebãmur caperémur -
capiebãtis caperétis - capiébãmini caperémini -
capiebant caperent - capiébantur caperentur -

Para a terminação alternativa -re em vez de -ris na voz passiva


( i.a pessoa do singular), ver p. 156.
Verbos IV
Perfectum
(perfeito, mais-que-perfeito e futuro perfeito)

§ 1. Os três tempos do Perfectum são:

* perfeito;
* mais-que-perfeito;
* futuro perfeito.
§2. Na voz ativa, a conjugação dos tempos do Perfectum é
sintética. Por exemplo:

* amãui ( «eu amei»): perfeito;


* amãueram ( «eu amara»): mais-que-perfeito;
* amãuerõ ( «eu terei amado»): futuro perfeito.
§3. Na voz passiva, a conjugação dos tempos do Perfectum é
composta:

* amãtus sum ( «eu fui amado»): perfeito;


* amãtus eram ( «eu fora amado»): mais-que-perfeito;
* amãtus erõ ( «eu terei sido amado»): futuro perfeito.
Como se vê, na conjugação do Perfectum na voz passiva o
verbo sum é usado como auxiliar: no perfeito (amãtus sum) ,
173

� usado o presente de sum com o particípio perfeito do verbo;


no mais-que-perfeito ( amãtus eram), é usado o imperfeito de sum
nim o particípio perfeito do verbo; no futuro perfeito ( amãtus
aá ), é usado o futuro do verbo sum com o particípio perfeito
do verbo.
A mesma lógica preside, na voz passiva, à formação do conjun-
1 i vo (que, como já vimos, não tem futuro).
Antes de avançarmos no comentário aos diversos aspetos
suscitados pelo estudo do Perfectum latino, vejamos primeiro a
rnnjugação completa do Perfectum de amõ e, logo de seguida,
um exemplo da 3.ª conjugação, para vermos na prática aquilo
que já frisámos mais de uma vez: todos os verbos latinos se con­
j ugam da mesma maneira no Perfectum, onde não há distinção
entre conjugações ( l.ª, 2.ª, etc.) nem distinção entre verbos
regulares e irregulares. Em relação a qualquer verbo latino, basta
sabermos a l.ª pessoa do singular do perfeito ativo e o supino
para de imediato sabermos conjugar todos os tempos do Perfec­
tum. Por isso, é fundamental aprender a enunciação correta dos
verbos.
No caso de amõ, quem souber que este verbo se enuncia amõ,
amãre, amãui, amãtum já sabe conjugar todo o sistema do Perfec­
tum, porque:

* a partir de amãui ficou a saber o tema deste verbo no


Perfectum ativo ( amãu-) e já sabe conjugar a voz ativa;
* a partir do supino amãtum ficou a saber o particípio
perfeito, que é como que a transformação do supino num
adjetivo triforme ( amãtus, amãta, amãtum), e já sabe
conjugar a voz passiva.
1 74 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

Os tempos do Perfectum na voz ativa


amõ, amãre, amãui, amãtum

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
amãui amãueram amãuerõ amãuerim amãuissem -
amãuisti amãuerãs amãueris amãueris amãuissês -
amãuit amãuerat amãuerit amãuerit amãuisset -
amãuimus amãuerãmus amãuerimus amãuerimus amãuissemus
amãuistis amãuerãtis amãueritis amãueritis amãuissetis -
amãuerunt amãuerant amãuerint amãuerint amãuissent -

Os tempos do Perfectum na voz passiva


amõ, amãre, amãu� amãtum

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
amãtus sum amãtus eram amãtus erõ amãtus sim amãtus essem -
amãtus es amãtus erãs amãtus eris amãtus sis amãtus esses -
amãtus est amãtus erat amãtus erit amãtus sit amãtus esset -
amãtisumus amãti erãmus amãti erimus amãti simus amãti essemus -
amãti estis amãti erãtis amãti eritis amãti sitis amãtí essetis -
amãtisunt amãti erant amãtierunt amãti sint amãti essent -

Vejamos agora o Perfectum do verbo tangõ ( «tocar»). Na voz


ativa, trata-se somente de substituir o tema amãu- pelo tema tetig-;
as desinências ficam iguais. Quanto à voz passiva, trata-se apenas
de substituir amãtus por tãctus.
i-u1•nc·l'vM 1 75

Os tempos do Perfectum na voz ativa


lúllJ.:Õ, tangere, tetigí, tãctum

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfieito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
/t'ligi tetigeram tetigerõ tetigerim tetigissem -
/l'ligisti tetigerãs tetigeris tetigeris tetigissês -
/C'/igit tetigerat tetigerit tetigerit tetigisset -
/C'/igimus tetigerãmus tetigerimus tetigerimus tetigissémus -
lctigistis tetigerãtis tetigeritis tetigeritis tetigissétis -
ldigérunt tetigerant tetigerint tetigerint tetigissent -

Os tempos do Perfectum na voz passiva


langõ, tangere, tetigí, tãctum

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
tãctus sum tãctus eram tãctus erõ tãctus sim tãctus essem -
tãctus es tãctus erãs tãctus eris tãctus sis tãctus essês -
tãctus est tãctus erat tãctus erit tãctus sit tãctus esset -
tãcti sumus tãcti erãmus tãcti erimus tãcti simus tãcti essémus -
tãcti estis tãcti erãtis tãcti eritis tãcti sitis tãcti essétis -
tãcti sunt tãcti erant tãcti erunt tãcti sint tãcti essent -

§4. Aspetos importantes a ter em conta em relação à conjuga­


ção do Perfectum:

(i) Na conjugação da voz passiva, o particípio perfeito con­


corda com o sujeito em género e número:

* amãta est ( «ela foi amada»);


* amãtae erunt ( «elas terão sido amadas»).
1 76 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOOIA,

(ii) Na 3.ª pessoa do plural do perfeito ativo, é frequente


encontrarmos, em vez da desinência -erunt, a desinência
-ere. Trata-se de uma desinência bem documentada no
latim da época republicana (em inscrições e no SCdB),
embora na prosa culta de Cícero e de César não ocorra
com frequência. Os poetas servem-se desta forma por
conveniência métrica. Veja-se a frase do poeta Marcial
(5.9.3): centum me tetigere manüs ( «cem mãos me toca­
ram»), em que tetigere é a 3.ª pessoa do plural do perfeito
(que vimos acima) de tangõ. Um exemplo famoso é o iní­
cio do Canto II da Eneida, que começa com a forma
conticuere (por conticuerunt), a 3.ª pessoa do plural do per­
feito do verbo conticescõ, conticescere, conticui (sem supino):
conticuere omnes ( «todos se calaram»).
(iii) Também por conveniência métrica, os poetas (sobretudo
Plauto e Terêncio) abreviaram, pontualmente, o -e- da
desinência -erunt para -erunt. Os poetas augustanos são
mais parcimoniosos no uso deste expediente, mas há um
caso gritante na Bucólica 4.61 de Vergílio: tulerunt. No
Canto 6 das Metamorfoses de Ovídio há também dois
casos: defuerunt (585) e abstulerunt ( 8 16). É interessante
verificarmos que o vetusto Énio (nos fragmentos que dele
conhecemos) nunca se socorre desta «licença» 67 •
(iv) Na 3.ª pessoa do plural do perfeito ativo da i.a conjugação,
encontramos por vezes uma terminação em -ãrunt, onde
esperaríamos -ãuerunt. Há um exemplo assinalável na ins­
crição do chamado «Epitáfio de Cláudia» (século II a.C.),

67
Será licença? É que os linguistas defendem teorias diferentes sobre qual das três desinências
(-êrunt, -êre, -êrunt) seria a «original». Para a noção de que a original seria (curiosamente)
-êrunt, ver Kühner & Holzweissig, p. 670.
l'Ul'l<lTVM 1 77

onde se diz que os pais da defunta lhe chamaram Cláudia.


Em vez de nominauerunt ( «chamaram»), lemos nominãrunt.
Ver p. 468.
(v) Exemplos de outras formas de perfeito abreviado no
Perfectum ativo que podemos encontrar em textos latinos:

* amãstí (por amãuistí);


* amãrim (por amãuerim);
* delestí (por deleuistí);
* nõstí (por nõuistí);
* nõram (por nõueram);
* audií (por audíuí);
* audistí (por audiuistí);
* audierunt (por audiuerunt) .
(vi) Sobre a problemática da quantidade do -i- em (por exemplo)
amãuerimus ( futuro perfeito) / amãuerímus (conjuntivo
perfeito), ver p. 152.

§5. Acima vimos a conjugação do Perfectum de tangõ, verbo


cuja 1.ª pessoa do perfeito do indicativo ativo é tetigí.
Atente-se agora no perfeito deste pequeno elenco de verbos:

* dõ, dare dedí, datum ( «dar»);


68
,

* stõ, stãre, stetí, statum ( «estar de pé»);


* mordeõ, mordere, momordí, morsum ( «morder»);
* canõ, canere, ceciní, cantum ( «cantar»);
* currõ, currere, cucurrí, cursum ( «correr»).
68 O infinitivo de dó é excecional entre os verbos da 1 .• conjugação porque o -a- não é longo.

Aliás, neste verbo só encontramos -ã- na 2.• pessoa do singular do presente do indicativo ativo
dãs, e na 2.• pessoa do singular no presente do imperativo ativo dã.
1 78 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Estas formas de perfeito exemplificam-nos o chamado


«perfeito redobrado», um elemento morfológico antiquíssimo
do indo-europeu, que passou para o sânscrito, o persa, o grego,
o gótico, o irlandês antigo - e o latim, embora no latim os perfeitos
redobrados não tenham uma presença tão abrangente e sistemática
como nas outras línguas referidas 69 •
Em latim, estes perfeitos ocorrem sobretudo na 3.ª conjuga­
ção. Não existe qualquer exemplo na 4.ª conjugação; e só existem
dois na l.ª conjugação ( dedi e steti). Na 2.ª conjugação são raros:
além de momordi (do verbo «morder»), os únicos relevantes
são pependi, de pendeõ ( «suspender»), e spopondi, de spondeõ
( «comprometer-se», «afiançar»).
No entanto, no composto de spondeõ que nós, falantes de por­
tuguês, ainda hoje usamos todos os dias, o perfeito redobrado
«desredobrou-se», passando a simples: respondeõ, respondere,
respondi, respõnsum ( «responder»).
Ora, o verbo irregular ferõ dá-nos o reverso da medalha desta
situação. O perfeito do irregularíssimo ferõ (ver p. 197) é tuli, mas
no perfeito de referõ, composto de ferõ, encontramos uma indica­
ção de que, originalmente, tuli teria sido *tetuli, já que o perfeito
de referõ é rettuli (*retetuli > rettuli) .
Na famosa Fíbula de Preneste - cuja autenticidade, como já
referimos, ora é contestada, ora é defendida (ver p. 8 1, n. 7), mas
que, a ser autêntica, nos dá a ler aquela que é talvez a frase mais
antiga da língua latina (Manios med fhefhaked Numasioi [ «Mânio
fez-me para Numásio»]) -, temos outro exemplo de um antigo

69 0 redobro como elemento morfológico está presente nalguns substantivos latinos: carcer (n),
«cárcere»; murmur(n), «murmúrio»; mannor (n), «mármore»; turtur (f), «rola»; cicãtrix(f),
«cicatriz»; cicer (n) , «grão-de-bico» (cf. «chícharo» ) ; cocus ( <*quoquus) (m) , «cozinheiro»;
cicõnia (f), «cegonha»; iéiünus (m) , «jejum». Ver Roby, Vol. I, p. 267.
l 1 M H l'l!CTVM 179

perfeito redobrado que, mais tarde, se «desredobrou». Trata-se


do verbo faciõ ( «fazer»), cujo perfeito fêci pertence a outra cate­
�oria de perfeitos (que veremos em seguida). No entanto, na Fíbula
de Preneste aparecefhefhaked como perfeito redobrado defaciõ70 •

§6. O verbo faciõ dá-nos a ver, no seu perfeito fêci, outro tipo
de formação do tema do Perfectum: o alongamento de vogal. É o
caso de al guns verbos importantes de qualquer uma das quatro
conjugações:

* lauõ, lauãre, lãu� lautum (também lõtum) ( «lavar»);


* sedeõ, sedêre, sêdí, sessum ( «sentar»);
* uideõ, uidêre, uid� uísum ( «ver»);
* agõ, agere, êgí, ãctum ( «conduzir»);
* frangõ,frangere,frêgi,frãctum ( «quebrar»);
* legõ, legere, lê� lêctum ( «colher», «ler»);
* uincõ, uincere, uici, uictum ( «vencer»);
* ueniõ, ueníre, uêní, uentum ( «vir»).
§7. Noutros perfeitos latinos encontramos um -s- (sob a forma
de -si na l.ª pessoa do sin gular) que se relaciona com o aoristo
«sigmático» (sigma é, como vimos na p. 46, a letra grega corres­
pondente a -s-) do indo-europeu. Este aoristo existe em grego: por
exemplo, o aoristo do verbo grego v1Káw ( «vencer») é ÉVÍKflCa.
Vejamos os se guintes exemplos em latim (e atenção à letra -x­
na sua função de dígrafo [-cs-]):

* rídeõ, ridere, rísí, risum ( «rir»);


* suãdeõ, suãdêre, suãs� suãsum ( «persuadir»);
70 Ver Warmington, p. 196.
1 80 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOQ I A .

* dicõ, dicere, dixi, dictum ( «dizer»);


* scribõ, scribere, scripsi, scriptum ( «escrever»);
* uiuõ, uiuere, uixi, uictum ( «viver»);
* sentiõ, sentire, sénsi, sénsum ( «sentir»).
§8. Outro fenómeno interessante no perfeito ocorre em verbos
que, no presente, são de sentido «incoativo», ou seja, sugerem o
início e o desenvolvimento paulatino de uma ação. Esse sufixo -sc­
(presente em grego, por exemplo, no verbo que significa «enve­
lhecer», que constitui um processo paulatino; r11pácKw) já não
faria sentido, logicamente, no perfeito, que nos transmite a ideia
de uma ação acabada. Vejam-se os seguintes verbos:

* adoléscõ, adoléscere, adoléui, adultum ( «crescer», «atingir


a maioridade»; cf., em portu ês, «adulto»);
* créscõ, créscere, créui, crétum ( «crescer»);
gu

* nõscõ, nõscere, nõui, nõtum ( «conhecer gradualmente»;


cf., também, o se guinte composto de nõscõ, de sentido equi­
valente: cognõscõ, cognõscere, cognõui, cognitum);
* quiéscõ, quiéscere, quiéui, quiétum ( «repousar»).

§9. Nos perfeitos que vimos até aqui, há uma diferença mar­
cada nos temas do Infectum e do Perfectum. No entanto, também
existem verbos latinos em que no perfeito vamos encontrar o
mesmo tema do presente. Alguns exemplos expressivos são:

* ascendõ, ascendere, ascendi, ascénsum ( «subir»);


* défendõ, défendere, défendi, défénsum ( «defender»);
* bibõ, bibere, bibi, bibitum ( «beber»).
71

71 O supino de bibõ não ocorre no latim anterior ao século m d.C.


181

No caso de bibõ, esperar-se-ia que o perfeito se diferenciasse


1 111 presente pelo alongamento da vogal (*bibi), como em lãui,
Jttrfoito de lauõ ( «lavar»); mas ela mantém-se breve no perfeito.

§ l O. Finalmente, no meio desta variedade fascinante na forma­


�i\o morfológica do tema do perfeito, temos de fazer menção ao
Plcmento mais «normal» que se nos pode deparar num perfeito
I.Uino, o sufixo -u-:

➔I< amãui;
*< monui;
➔I< deléui;
*'' audiui.
Verbos V
. -
Quadros comp letos das quatro
conJ ugaçoes

PRESENTE DA t .a CONJUGAÇÃO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
amõ amem - amor amer -
amãs ames amã amãris (-re) améris (-re) amãre
amat amet - amãtur amétur -
amãmus amémus - amãmur amémur -
amãtis amétis amãte amãminí amémini amãmini
amant ament - amantur amentur -

FUTURO DA l .ª CONJUGAÇÃO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
amãbõ - - amãbor - -
amãbis - amãtõ amãberis (-re) amãtor
amãbit - amãtõ amãbitur - amãtor
amãbimus - - amãbimur - -
amãbitis - amãtõte amãbimini - amãminõ
amãbunt - amantõ amãbuntur - amantor
l llf6 1 1 1 1 1 1 l '. I I M l' Ll!TOS DAS QUATRO CONJUGAÇÕES 183

IMPERFEITO DA } .a CONJUGAÇÃO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA

"'"ª'' "'
llltllntlvo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
- -
"'""''"·'
amãrem amãbar amãrer
amãrés - amãbãris (-re) amãréris (-re) -
,.,,,,,,,,,,, amãret - amãbãtur amãrétur -
lflNdhiimus amãrémus - amãbãmur amãrémur -
lftt1dl1111is amãrétis - amãbãmini amãrémini -
1111111/mnt amãrent - amãbantur amãrentur -

PBRFBCTVM NA VOZ ATIVA DA } .a CONJUGAÇÃO

INDICATIVO CONJUNTIVO
hui lcativo mais-que- futuro conjuntivo mais-que- futuro

"'"
l'• r feito -perfeito perfeito perfeito -perfeito perfeito
tiui amãueram amãuerõ amãuerim amãuissem -
''"'tiuisti amãuerãs amãueris amãueris amãuissés -
11111 tiuit amãuerat amãuerit
amãuerit amãuisset -
11111 tiuimus amãuerãmus amãuerimus amãuerimus amãuissémus -
11111 ãuistis amãuerãtis amãueritis amãueritis amãuissétis -
""'ãuérunt amãuerant amãuerint amãuerint amãuissent -

PBRFBCTVM NA VOZ PASSIVA DA l .ª CONJUGAÇÃO

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
amãtus sum amãtus eram amãtus erõ amãtus sim amãtus essem -
amãtus es amãtus erãs amãtus eris amãtus sis amãtus esses -
amãtus est amãtus erat amãtus erit amãtus sit amãtus esset -
amãtisumus amãti erãmus amãti erimus amãti simus amãti essémus
amãti estis amãti erãtis amãti eritis amãti sitis amãti essétis -
amãtísunt amãti erant amãti erunt amãti sint amãti essent -
184 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOCI I A

INFINITIVOS D A l.ª CONJUGAÇÃO

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


presente amãre amãri
futuro amãtürus esse amãtum iri
perfeito amãuisse amãtus esse

PAllTICÍPIOS DA }.a CONJUGAÇÃO

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


presente amãns, amantis -
futuro amãtürus, -a, -um -
perfeito - amãtus, -a, -um

OUTRAS FORMAS NOMINAIS DA l .ª CONJUGAÇÃO

GERÚNDIO GERUNDIVO SUPINO


Acus. (ad) amandum
Gen. amandi
amandus, -a, -um amãtum, amãtü
Dat. amandõ
Abl. amandõ

***

PRESENTE DA 2.ª CONJUGAÇÃO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo impentivo indicativo conjuntivo impentivo
moneõ moneam - moneor monear -
monés moneãs moné monéris (-re) moneãris (-re) monére
monet moneat - monêtur moneãtur -
monêmus moneãmus - monêmur moneãmur -
monêtis moneãtis monéte monêmini moneãmini monémini
monent moneant - monentur moneantur -
... . . . . . N t:OMPLETOS DAS QUATRO CONJUGAÇÕES 185

PUTUllO DA 2,ª CONJUGAÇÃO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA

ladlcat Ivo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo


1t11mtb,1 - - monêbor - -
lfllllltl1is - monêtõ moniberis (-re) monitor
tt11111,1/1i 1 - monitõ monêbitur - monêtor
m1111t'/1i mus - - monêbimur - -
lll(ltlt'l1i tis - monêtõte monêbimini - [inexistente]
"'"''cbu nt - monentõ monêbuntur - monentor

IMPERFEITO DA 2,ª CONJUGAÇÃO


VOZ ATIVA VOZ PASSIVA
lnJ !cativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
""mêbam monêrem - monêbar monêrer -
1110 nêbãs monêrês - monebãris (-re) monêrêris (-re) -
1110 nêbat monêret - monêbãtur monêrêtur -
1110nêbãmus monêrêmus - monêbãmur monêrêmur -
1110 nêbãtis monêrêtis - monêbãmini monêrêmini -
mo nêbant monêrent - monêbantur monêrentut -

PBRFBCTVM NA VOZ ATIVA DA 2,a CONJUGAÇÃO


INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
monui monueram monuerõ monuerim monuissem -
monuisti monuerãs monueris monueris monuissês -
monuit monuerat monuerit monuerit monuisset -
monuimus monuerãmus monuerimus monuerimus monuissêmus -
monuistis monuerãtis monueritis monueritis monuissêtis -
monuêrunt monuerant monuerint monuerint monuissent -
186 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOIIIA

PBRPBCTV.M NA VOZ PASSIVA DA 2,a CONJUGAÇÃO

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfello
monitus sum monitus eram monitus erõ monitus sim monitus essem -
monitus es monitus erãs monitus eris monitus sis monitus essês -
monitus est monitus erat monitus erit monitus sit monitus esset -
monití sumus monití erãmus monití erimus monití simus monití essêmus
monití estis monití erãtis monití eritis monitísitis monití essetis -
monití sunt monití erant monití erunt monití sint moniti essent -

INFINITIVOS DA 2,a CONJUGAÇÃO

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


presente monere moneri
futuro monitürus esse monitum iri
perfeito monuisse monitus esse

PAllTICÍPIOS DA 2,ª CONJUGAÇÃO

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


presente monéns, monentis -
futuro monitürus, -a, -um -
perfeito - monitus, -a, -um

OUTRAS FORMAS NOMINAIS DA 2.ª CONJUGAÇÃO

GERÚNDIO GERUNDIVO SUPINO


Acus. (ad) monendum
Gen. monendi
monendus, -a, -um monitum, monitü
Dat. monendõ
Abl. monendõ

***
� A l l ll O S COMPLETOS DAS QUATRO CONJUGAÇÕES 187

PRESENTE DA 3.ª CONJUGAÇÃO


VOZ ATIVA VOZ PASSIVA
h1dl cativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
l'l'Jlll regam - regor regãr -
l'(JIÍS regãs rege regeris regãris regere
l'tJ:il regat - regitur regãtur -
l'r,:im us regãmus - regimur regãmur -
n·,:il is regãtis regite regimini regãmini regimini
1·,•,:11 nt regant - reguntur regantur -

FUTURO DA 3.ª CONJUGAÇÃO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


ndicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
·cgam - - regar - -
·cgés - regitõ regêris - regitor
cget - regitõ regêtur - regitor
egêmus - - regêmur - -
regêtis - regitõte regêmini - regiminõ
regent - reguntõ regentur - reguntor

IMPERFEITO DA 3.ª CONJUGAÇÃO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
regêbam regerem - regêbar regerer -
regêbãs regeris - regêbãris regerêris -
regêbat regeret - regêbãtur regerêtur -
regêbãmus regerêmus - regêbãmur regerêmur -
regêbãtis regerêtis - regêbãmini regerêmini -
regêbant regerent - regêbantur regerentur -
188 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLO O I A -

PERFBCTVM NA VOZ ATIVA DA 3,a CONJUGAÇÃO


INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
réxi réxeram réxerõ réxerim réxissem -
réxisti réxerãs réxeris réxeris réxissês -
réxit réxerat réxerit réxerit réxisset -
réximus réxerãmus réxerimus réxerimus réxissemus -
réxistis réxerãtis réxeritis réxeritis réxissetis -
réxerunt réxerant réxerint réxerint réxissent -

PERFECTVM NA VOZ PASSIVA DA 3,a CONJUGAÇÃO

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
rectus sum rêctus eram rectus erõ rêctus sim rectus essem -
rectus es rectus erãs rectus eris rectus sis rectus essês -
rêctus est rectus erat rectus erit rectus sit rectus esset -
recti sumus rêcti erãmus recti erimus rêcti simus recti essemus -
recti estis recti erãtis recti eritis recti sitis recti essetis -
recti sunt recti erant recti erunt recti sint recti essent -

INFINITIVOS DA 3,a CONJUGAÇÃO

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


presente regere regi
futuro rêctürus esse rêctum iri
perfeito réxisse rectus esse

PARTICÍPIOS DA 3.ª CONJUGAÇÃO


TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA
presente regens, regentis -
futuro rectürus, -a, -um -
perfeito - rectus, -a, -um
ijl l A O I\OS COMPLETOS DAS Q.UATR.O CONJUGAÇÕES 1 89

OUTRAS FORMAS NOMINAIS DA 3.ª CONJUGAÇÃO

GERÚNDIO GERUNDIVO SUPINO


Acus . (ad) regendum
( ;cn . regendi
regendus, -a, -um rêctum, rêctü
l >at. regendõ
Ahl. regendõ

***

PRESENTE DA 4.ª CONJUGAÇÃO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


ln dicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
" udiõ audiam - audior audiar -
liudís audiãs audi audiris audiãris audire
" udit audiat - auditur audiãtur -
a udímus audiãmus - audimur audiãmur -
a uditis audiãtis audite audimini audiãmini audimini
a udiunt audiant - audiuntur audiantur -

FUTURO DA 4.ª CONJUGAÇÃO


VOZ ATIVA VOZ PASSIVA
indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
audiam - - audiar - -
audiês - auditõ audieris - auditor
audiet - auditõ audiêtur - auditor
audiêmus - - audiêmur - -
audiêtis - auditõte audiêmini - audiminõ
audient - audiuntõ audientur - audiuntor
1 90 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM, MORPOI.UII I A

IMPERFEITO DA 4.ª CONJUGAÇÃO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo impentl
audiêbam audírem - audiêbar audírer -
audiêbãs audírês - audiêbãris audírêris -
audiêbat audíret - audiêbãtur audírêtur -
audiêbãmus audírêmus - audiêbãmur audírêmur -
audiêbãtis audírêtis - audiêbãminí audírêminí -
audiêbant audírent - audiêbantur audírentur -

PBRFBCTVM NA VOZ ATIVA DA 4.ª CONJUGAÇÃO

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito

audíuí audíueram audíuerõ audíuerim audíuissem -


audíuistí audíuerãs audíueris audíuerís audíuissês -
audíuit audíuerat audíuerit audíuerit audíuisset -
audíuimus audíuerãmus audíuerimus audíuerímus audíuissêmus -
audíuistis audíuerãtis audíueritis audíuerítis audíuissêtis -
audíuêrunt audíuerant audíuerint audíuerint audíuissent -

PBRFBCTVM NA VOZ PASSIVA DA 4.ª CONJUGAÇÃO

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito

auditus sum auditus eram auditus erõ auditus sim auditus essem -
auditus es auditus erãs auditus eris auditus sís auditus essês -
auditus est auditus erat auditus erit auditus sit auditus esset -
audití sumus auditi erãmus audítí erimus audití simus audití essêmus
audití estis audití erãtis audití eritis audití sitis audití essêtis -
audití sunt audití erant audití erunt audití sint audití essent -
lteitlllllN C O M P LETOS DAS QUATRO CONJUGAÇÕES 191

INPINITIVOS DA 4.• CONJUGAÇÃO

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA

,...ente audire audiri


futun, auditiirus esse auditum iri
ptrfelto audiuisse auditus esse

PAllTICÍPIOS DA 4.• CONJUGAÇÃO

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


pres ente audiéns, audientis -
foturo auditiirus, -a, -um -
perÍ<eito - auditus, -a, -um

OUTRAS FOR.MAS NOMINAIS DA 4.• CONJUGAÇÃO


GERÚNDIO GERUNDIVO SUPINO
Acus. (ad) audiendum
Gen. audiendi
audiendus, -a, -um auditum, auditii
Dat. audiendõ
Abl. audiendõ

***

PRESENTE DA CONJUGAÇÃO MISTA

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
capiõ capiam - capior capiar -
capis capiãs cape caperis capiãris capere
capit capiat - capitur capiãtur -
capimus capiãmus - capimur capiãmur -
capitis capiãtis capite capimini capiãmini capimini
capiunt capiant - capiuntur capiantur -
192 N O VA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOOIA,

FUTUllO DA CONJUGAÇÃO MISTA


VOZ ATIVA VOZ PASSIVA
indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
capiam - - capiar - -
capiés - capitõ capiêris - capitor
capiet - capitõ capiêtur - capitor
capiêmus - - capiêmur - -
capiêtis - capitõte capiêmini - capiminõ
capient - capiuntõ capientur - capiuntor

IMPERFEITO DA CONJUGAÇÃO MISTA

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA

indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo


capiêbam caperem - capiêbar caperer -
capiêbãs caperés - capiêbãris caperêris -
capiêbat caperet - capiêbãtur caperêtur -
capiêbãmus caperêmus - capiêbãmur caperêmur -
capiêbãtis caperêtis - capiêbãmini caperêmini -
capiêbant caperent - capiêbantur caperentur -

PERFECTVM NA VOZ ATIVA DA CONJUGAÇÃO MISTA

INDICATIVO CONJUNTIVO
perfeito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
cêpi cêperam cêperõ cêperim cêpissem -
cêpisti cêperãs cêperis cêperis cêpissés -
cêpit cêperat cêperit cêperit cêpisset -
cêpimus cêperãmus cêperimus cêperimus cêpissêmus -
cêpistis cêperãtis cêperitis cêperitis cêpissêtis -
cêpêrunt cêperant cêperint cêperint cêpissent -
Q\IA D ROS COMPLETOS DAS QUATRO CONJUGAÇÕES 193

PBRFBCTVM NA VOZ PASSIVA DA CONJUGAÇÃO MISTA

INDICATIVO CONJUNTIVO
11er feito mais-que- futuro perfeito mais-que- futuro
-perfeito perfeito -perfeito perfeito
us sum captus eram captus erõ captus sim captus essem -
us es captus erãs captus eris captus sis captus essés -
us est captus erat captus erit captus sit captus esset -
i sumus capti erãmus capti erimus capti simus capti essémus -
i estis capti erãtis capti eritis capti sitis capti essétis -
i sunt capti erant capti erunt capti sint capti essent -

INFINITIVOS DA CONJUGAÇÃO MISTA

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA

presente capere capi


íu turo captürus esse captum iri
períeito cépisse captus esse

PAllTICÍPIOS DA CONJUGAÇÃO MISTA

TEMPO VOZ ATIVA VOZ PASSIVA

presente capiéns, capientis -


futuro captürus, -a, -um -
perfeito - captus, -a, -um

OUTRAS FORMAS NOMINAIS DA CONJUGAÇÃO MISTA

GERÚNDIO GERUNDIVO SUPINO

Acus. (ad) capiendum


Gen. capiendi
capiendus, -a, -um captum, captü
Dat. capiendõ
Abl. capiendõ
Verbos VI
Verbos irregulares e defetivos

O conceito de verbo irregular aplica-se, em latim, a verbos que:

* são, em sentido próprio, «radicalmente» diferentes quanto


ao tema no Infectum e no Perfectum;
* apresentam no Infectum peculiaridades de conjugação;
* nos dão a ver ambas as situações.
O conceito de «irregular» não se aplica à conjugação propria­
mente dita do Perfectum, como já sublinhámos várias vezes.
Assim sendo, ao começarmos com um composto de sum - o
verbo possum, «poder» -, não precisamos de apresentar os tempos
do Perfectum, já que a enunciação possum, posse, potui (sem supino,
tal como sum) nos indica que o infinitivo perfeito será potuisse, que
o mais-que-perfeito do indicativo será potueram, etc.

***
�-I IIIN I IUtBGULARES E DEPETIVOS 195

#'C"'"m, «poder»
( lnllnitivo presente: posse)

INDICATIVO CONJUNTIVO

,,. ■ -n te futuro imperfeito presente futuro imperfeito


,,,,•.011n poterõ poteram possim - passem
,,,,tr.� poteris poterãs possís - posses
,,.,/1'.�1 poterit poterat possit - posset
111 1.m,m us poterimus poterãmus possímus - possemus
/•11k1I is poteritis poterãtis possítis - possetis
1111.1 .w n t poterunt poterant possint - possent

/1'l'ii, ferre, tulí, lãtum, «levar»

O presente do verbo ferõ apresenta curiosas analogias com


verbos cognatos nas línguas indo-europeias 72:

hido-europeu sânscrito gótico grego latim antigo latim


'bhérõ bhárãmi baíra fÉp w ferõ ferõ
'bhéresi bhárasi ba{ris fÉpElC '"feris fers
'bhéreti bhárati baírip fÉpEl '"jerit fert
'b héromes bhárãmas baíram fÉPOflEC (dórico) ferimus ferimus
'bhérete bháratha baírip fÉpITE '"jeritis fertis
"bhéronti bháranti baírand fÉpovt1 (dórico) ferunt ferunt

Na forma sob a qual o conhecemos no latim histórico, o pre­


sente de ferõ é «sincopado» (sobre síncope, ver p. 373). O mesmo
podemos dizer do seu infinitivo presente ativo: *ferere > ferre
(o infinitivo presente passivo ferri é formado por analogia com o
infinitivo ativo).

" Cf. Buck, p. 242.


196 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOIII A

Vejamos agora, na sua conjugação completa, o Infectum dejcr'd1


-
PRESENTE

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperatl90

ferõ feram - feror ferar -


fers (<'feris) ferãs fer (<•fere) ferris (<'jereris) ferãris ferre
fert (<'jerit) ferat - fertur (< 'feritur) ferãtur -
ferimus ferãmus - ferimur ferãmur -
fertis (< 'feritis) ferãtis ferte (<"ferite) ferimini ferãmini ferimini
ferunt ferant - feruntur ferantur -

FUTURO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
feram - - ferar - -
ferés - fertõ (< 'jeritõ) feréris - fertor
feret - fertõ ferétur - fertor
ferémus - - ferémur - -
ferétis - fertõte (< •Jeritõte) ferémini - -
ferent - feruntõ ferentur - feruntor

IMPERFEITO

VOZ ATIVA VOZ PASSIVA


indicativo conjuntivo imperativo indicativo conjuntivo imperativo
ferébam ferrem (<'feremn) ferébar ferrer (<'jererer)
ferébãs ferrés - ferébãris ferréris -
ferébat ferret - ferébãtur ferrétur -
ferébãmus ferrémus - ferébãmur ferrémur -
ferébãtis ferrétis - ferébãmini ferrémini -
ferébant ferrent - ferébantur ferrentur -
\11••0• I R R BG ULARJ!S E DEPETIVOS 197

No Perfectum, toda a flexão na voz passiva está ancorada na raiz


/,li • , originalmente *tlãt, cognata da palavra grega 1toÀÚ'rÀac ( «muito
111frcdor») amiúde aplicada por Homero a Odisseu: por exemplo
l,ll11s cst ( «ele foi levado »), lãtus erat ( «ele fora levado »), etc.
Na voz ativa, encontramos a raiz tul-, que, todavia, não está tão
,IIHlante como se poderia pensar de lãt-. Na realidade, a partir da
11wsma raiz indo-europeia *tl- encontramos:

➔ tulajãmi (sânscrito), «eu levanto»;



➔lé 1toÀÍ>'fÀac, 'fÀfjvai, «muito sofredor», «aguentar»;
➔lé tulí (perfeito de ferõ; originalmente *tetulí; ver p. 178 ) ;

➔lé *tlãtum > lãtum (supino de ferõ);

➔IE tollõ, tollere, sustuli, sublãtum, «levantar» .

Esta afinidade dentro do latim é confirmada pela existência de


inscrições da época republicana em que, em vez de tulit ou tulerint,
o perfeito de ferõ aparece grafado tolit e tolerint73.
Q!.ianto às formas nominais de ferõ, destaque-se o gerundivo
ferendus ( gerúndio ferendum) e o particípio presente feréns,ferentis.

eõ, ire, ií, itum, «ir »

O verbo eõ, ire é naturalmente fascinante para quem fala por­


tuguês, em virtude de ter evoluído para o nosso verbo «ir » . Trata­
-se de um verbo que chega ao dia de hoje com uma história milenar
em várias línguas indo-europeias. Vejamos o seguinte quadro 74 :

73 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 8 1 1 .


74 Cf. Buck, p. 244; Kühner & Blass, Vol. II, p . 216.
1 98 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLO O I A

sânscrito grego grego latim


(presente (futuro (presente (presente
do indicativo do indicativo do conjuntivo do indicativo
do verbo «ir») do verbo «ir») do verbo «ir») do verbo «ir»)
émi dfll íw eõ
ési d Íl'JIC is
éti dei Íl'J l it
imás ÍflEV iWflEV imus
ithá Í'tE il'J'TE itis
yánti íac1 ÍWCI eunt

O verbo latino eõ é de classificação difícil. O seu infinitivo


presente ire daria a entender que se trata de um verbo da 4.ª con­
jugação; no entanto, o futuro patenteia o sufixo -bõ-/-bi- que é
próprio da 1 .ª e da 2.ª conjugações. O i- do supino itum é í-,
contrariamente aos supinos da 4.ª conjugação (e.g. auditum).
O curioso perfeito ií deu lugar, mais tarde, a um perfeito nos
moldes de audiui com a forma iui (ignorado por Cícero, César,
Salústio e Tito Lívio), a partir do qual se plasmaram as formas
(aliás raras) iuerõ, iueram, etc.
Embora o verbo seja intransitivo e, por conseguinte, careça de
voz passiva, mesmo assim as formas ítur ( «vai-se», «entra-se») e
itum est ( «foi-se») são usadas impessoalmente. No entanto, há
compostos de eõ, como adeõ ( «abordar»), que têm conjugação
completa na voz passiva (e.g. adeor, «sou abordado») .

INDICATIVO CONJUNTIVO IMPERATIVO


presente futuro imperfeito presente futuro imperfeito presente futuro
eõ ibõ ibam eam . irem - -
is ibis ibãs eãs - ires i itõ
it ibit ibat eat - iret - itõ
imus ibimus ibãmus eãmus - irémus - -
itis ibitis ibãtis eãtis - irétis ite itõte
eunt ibunt ibant eant - irent - euntõ
VU �IIH I R REG ULARJ!S E DEPETIVOS 199

PERFEITO a partir do tema -i- INFINITIVOS


h11lkatívo perfeito conjuntivo perfeito presente perfeito futuro
li ierim
hll ieris
Ili ierit
ire isse itürus esse
/lmus ierimus
1,1/i.1 ieritis
l,•nmt ierint

,lé Gerúndio: eundum;


* Supino: itum, itü;
* Particípio presente: iens, ientis (acus. euntem);
* Particípio futuro: itürus, -a, -um.

Dois compostos de eõ
queõ, quire, quiut quitum, «poder», «ser capaz»
nequeõ, nequire, nequiui, nequitum, «não poder», «não ser capaz»

No caso destes dois compostos de eõ, o perfeito toma como


base iui (e não ii). São verbos que, no Infectum, apresentam um
futuro ( quibõ, nequibo) e um imperfeito ( quibam, nequibam) cuja
conjugação não traz surpresas. De qualquer maneira, no caso de
queõ, tanto o futuro como o imperfeito são de ocorrência rara.
Na verdade, as formas mais utilizadas são as do presente - e
mesmo no caso dessas, por curioso que pareça, é o conjuntivo que
sobreleva ao indicativo em termos de frequência. No quadro
seguinte, vemos: a negrito, as formas mais usadas; em fonte normal,
as formas mais raras; e, entre parêntesis retos, as formas evitadas
na «boa prosa» latina ( César, por exemplo, nunca utiliza queõ) 75 :

75 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 816.


200 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

PRESENTE

INDICATIVO CONJUNTIVO
queõ nequeõ queam nequeam
[quis] nequis queãs nequeãs
quit nequit queat nequeat
quimus nequimus queãmus nequeãmus
[quitis] nequitis queãtis nequeãtis
queunt nequeunt queant nequeant

Outra curiosidade em relação a estes verbos é que, embora


nequeõ seja a forma negativa de queõ, normalmente os prosadores
clássicos, ao usarem queõ, optam por usá-lo em sentido negativo :
nõn queõ. Quando Cícero diz que os «bárbaros» (entre os quais
ele nomeia os celtiberos, antepassados dos portugueses) são exce­
lentes guerreiros, mas péssimos doentes, afrrma que aegrõtãre uirili­
ter nõn queunt, isto é, «não são capazes de estar doentes com
virilidade» ( Tusculanas 2.27.65).

uolõ, uelle, uolui, «querer»


nõlõ, nõlle, nõlu� «não querer»
mãlõ, mãlle, mãlu� «preferir»

O verbo uolõ e seus compostos nõlõ (cuja evolução foi *neuolõ


> *neolõ > nõlõ) e mãlõ ( magis uolõ > *mageuolõ > *maguolõ >
mãuolõ [atestado em Plauto e Terêncio] > mãlõ) apresentam, na
· conjugação do presente, várias curiosidades :
V • 1t 11 0 s I R REGULARES E DEPETIVOS 201

PRESENTE

INDICATIVO CONJUNTIVO
1111lõ nõlõ mãlõ uelim nõlim mãlim
11is nõn uís mãuis uelís nõlís mãlis
1111 lt nõn uult mãuult uelit nõlit mãlit
"º lumus nõlumus mãlumus uelimus nõlimus mãlímus
uu /tis nõn uultis mãuultis uelitis nõlitis mãlitis
"º lunt nõlunt mãlunt uelint nõlint mãlint

Na época republicana, as formas uult e uultis eram muitas vezes


escritas uolt e uoltis (ainda as encontramos mais tarde, talvez por
arcaísmo consciente). Encontramos também, em Plauto, formas
como neuís, neuolt; e, num fragmento de Cecílio, nõltis. Prisciano
(gramático dos séculos v-v1 d.C.) refere a existência de uma forma
antiga de conjuntivo uolim, por uelim, mas não se conhece, na prá­
tica, nenhum exemplo antigo 76 • O presente do conjuntivo de uolõ
e os seus compostos são, de resto, o exemplo mais claro que temos
de um antigo optativo em latim, com a marca caraterística de opta­
tivo : -i-.
Quanto à conjugação do imperfeito, segue um esquema previsível:

IMPERFEITO

INDICATIVO CONJUNTIVO
uolebam nõlebam mãlebam uellem nõllem mãllem
uolebãs nõlebãs mãlebãs uelles nõlles mãllés
uolebat nõlebat mãlebat uellet nõllet mãllet
uolébãmus nõlébãmus mãlébãmus uellémus nõllémus mãllémus
uolébãtis nõlébãtis mãlébãtis uellétis nõllétis mãllétis
uolébant nõlébant mãlébant uellent nõllent mãllent

76
Cf. Kühner & Holzweissig, p. 812.
202 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLO U I A

No futuro, as formas de nõlõ e de mãlõ praticamente nuncl\


ocorrem. O futuro de uolõ não levanta dificuldade: uolam, uoll11
uolet, uolêmus, uolêtis, uolent.
Volõ e mãlõ não têm imperativo, mas o imperativo de nõlõ cons•
titui matéria de estudo fundamental para qualquer latinista, já que
é a partir dele ( + infinitivo) que se forma o imperativo negativo
(e.g. nõlí mê tangere, «não me toques» [João 20: 17]):

* i.a pessoa do singular: nõli;


* 2.ª pessoa do plural: nõlite.
Note-se ainda as formas (raras) de imperativo futuro:

* 2.ª e 3.ª pessoas do singular: nõlitõ;


* 2.ª pessoa do plural: nõlitõte;
* 3.ª pessoa do plural: nõluntõ.
Nenhum dos três verbos tem supino; mãlõ não tem gerúndio
nem particípio presente.
O particípio presente de uolõ é uolêns. Apesar da existência de
uma expressão idiomática nal gumas lín guas europeias com a forma
«nolens-volens», que parece dar a impressão de «bom latim», é
preciso ver que o particípio nõlêns nunca foi usado por Cícero,
César, Salústio, Tito Lívio, Vergílio ou Ovídio (nem por autores
do século II a.C.).
Quanto ao infinitivo de uolõ, a evolução parece ter sido esta:
*uel-se > uelle. O infinitivo de nõlõ é nõlle; e o de mãlõ é mãlle.
Ambos têm formas analógicas relativamente a uelle.
YIIIIH l ll llHG ULARl!S E DEFETIVOS 203

,,111, tssc, édí, ésum, «comer»

Trata-se de um verbo que nos mostra bem a importância de


1mmunciarmos corretamente as vogais latinas:

* és: «come !»;


,f es: «sê !»;
;(. ést: «ele come»;

,1, est: «ele é»;


,(E ésse: «comer»;

,(E esse: «ser».

É do composto deste verbo ( comedõ: cf. «tomai e comei», acci­


pite et comedite [Mateus 26:26]) que vem o nosso verbo «comer».
Do supino de comedõ ( coméstum, embora ocorra também
comésum) vem a palavra portuguesa «comestível».
O verbo edõ conjuga-se de maneira regular, a não ser nos
seguintes casos, onde notamos formas alternativas:

indicativo conjuntivo conjuntivo indicativo


presente ativo presente ativo imperfeito ativo presente passivo
edõ edam, edim ederem, essem edor
edis, es edãs, edis ederes, esses ederis
edit, est edat, edit edere� esset editur, estur
edimus edãmus ederemus, essemus edimur
editis, estis edãtis ederetis, essetis edimini
edunt edant, edint ederent, essent eduntur

No imperfeito do conjuntivo passivo, há ainda a assinalar a


forma alternativa de 3.ª pessoa do singular, éssétur (a par de
ederétur) .
204 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOG I A.

Note-se, ainda, a conjugação do imperativo:

presente futuro
2.• p. sing. ede, ês êstõ
3.• p. sing. - êstõ
2.• p. pl. edite, êste êstõte
3.• p. pi. - eduntõ

fiõ, fieri, factus sum


1. acontecer; tornar-se
2. ser feito (como conjugação passiva de faciõ)

Do mesmo modo como ftõ pede emprestado o seu Perfectum a


faciõ, também faciõ pede emprestado o seu Infectum passivo a fiõ77 :

fiat lüx. etfacta est lüx.


«Faça-se luz. E a luz foi feita.» ( Génesis 1 :3)

O verbo fiõ está etimologicamente relacionado com a raiz


fu- do perfeito de sum. Tal como, no respeitante afui, podemos falar
em analogia com o verbo grego cpúw,fiõ relaciona-se morfologica­
mente com a forma de cpúw pertencente ao dialeto eólico (usado
por Safo), cpu(w.
A sua evolução em latim deve ter sido *fuio > fiõ. Note-se que,
de modo excecional, o + se mantém longo antes de vogal neste
verbo, a não ser quando é seguido de -er. Daí que o infinitivo seja
fieri (e não *fteri). Atenção, também, à quantidade breve do -i- no
imperfeito do conjuntivo. As formas entre parêntesis retos não
ocorrem no latim clássico.

77 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 819.


YHIIO H I RREGULAR.l!S E DEPETIVOS 205

,.,, ..
INDICATIVO CONJUNTIVO

ente futuro imperfeito presente futuro imperfeito

n fíam fíebam fíam -


-
fierem
Jii fíes fíebãs fiãs fieres
fil fiet fíebat fiat - fieret
/f)m us] fíemus fíebãmus fíãmus - fieremus
/f,ti.�1 fletis fíebãtis fiãtis - fieretis
.fi,mt fient fíebant fíant - fierent

Encontramos, no latim arcaico, al gumas formas desgarradas de


uma antiga conjugação passiva de fiõ, que depois desaparecem por
completo: é o caso do curioso fitum est em Lívio Andronico; e fitur
( tambémfiebantur) em Catão. Outra forma arcaica é fiere, que Énio
usa como infinitivo, embora encontremos também nos seus frag­
mentos fieri.
Os imperativos fi e fite estão atestados na comédia plautina.
Epigraficamente, ocorrem tambémfitõ e fitõte (cf. OLD s.u.fiõ) .

Verbos defetivos

Chamam-se «defetivos» os verbos latinos aos quais faltam


partes da sua conjugação.
Três exemplos claros de verbos defetivos são estes, a que falta
a conjugação do Infectum:

* coepi (supino coeptum), «comecei»;


* memini (sem supino), «lembrar-se»;
* õdi (supino õsum), «odiar».
No caso de coepi, indicámos acima o seu sentido como
«comecei» (no passado), porque o verbo funciona como um
206 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOO I A ,

autêntico perfeito, que pede emprestado o Infectum a incipi6


( «começar»).
No caso de memini e õdi, trata-se de verbos que são formal­
mente perfeitos, mas semanticamente presentes. Assim, õdi não
significa «eu odiei», mas sim «eu odeio»:

õdi et amõ.
«odeio e amo.» (Catulo 85)

Nem coepi nem õdi têm formas de imperativo (o que é lógico,


uma vez que o imperativo só existe nos tempos do Infectum). No
entanto, memini tem os imperativos mementõ ( 2.ª pessoa do singu­
lar) e mementõte (2.3 pessoa do plural). O imperativo mementõ é
bem conhecido graças à expressão mementõ mori ( à letra, «lembra­
-te do morrer»), a qual, contudo, não ocorre em nenhum autor
latino clássico. Bem mais bonita é a ocorrência de mementõ na boca
de um dos criminosos crucificados com Jesus:

Domine, mementõ mei cum uéneris in regnum tuum.


« Senhor, lembra-te de mim quando terás chegado em teu reino.»
(Lucas 23:42)

ãiõ, «dizer», «afirmar»

Este verbo tem pouquíssimas formas. A melhor maneira de


indicarmos a sua prosódia é recorrer (como faremos abaixo entre
parêntesis retos) à ortografia do latim tradicional até ao século :xx,
pois é um caso onde a letra «j» (pronunciada como o som inicial
de yellow em inglês) ajuda a clarificar o que estamos a ver em
termos fonéticos.
Y .. NON I R RBGULARES B DEPETIVOS 207

Indica tivo presente indicativo imperfeito conjuntivo presente


,11,1 1 "jõ] ãiêbam [ãjêbam] -
11ls 1,11 rs] ãiêbãs [ ãjêbãs] ãiãs [ãjãs]
,,11 1. 11 it] ãiêbat [ãjêbat] ãiat [ãjat]
ãiêbãmus [ ãjêbãmus] -
ãiêbãtis [ ãjêbãtis] -
,1l1mt [ãjunt] ãiêbant [ãjêbant] ãiant [ãjant]

A única outra forma a referir do período clássico é o particípio


,liéns [ãjéns]. Mais tardiamente, ocorre uma forma de infinitivo
,liere [ãjere], usada por Agostinho.
Note-se que, na comédia latina, aparecem formas encurtadas
do imperfeito, despojadas da vogal -é- (por exemplo aibas e aibat,
cm Plauto e Terêncio) .

inquam, «dizer»

Outro verbo defetivo com o sentido de «dizer» é inquam.


Note-se as formas homógrafas de 3.ª pessoa do singular do pre­
sente e do perfeito: inquit.

indicativo presente futuro imperfeito imperativo perfeito


inquam - - - -
inquis inquiês - inque inquistí
inquit inquiêt inquiêbat - inquit
inquimus - - - -
inquitis - - inquitõ -
inquiunt - inquiêbant - -
208 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORPOLO O I A

fãri, «falar»

Um terceiro e último verbo de sentido enunciativo é ftlrl


(infinitivo), a cujo campo etimológico pertence o verbo portuguê1
«falar» (que descende de fãbulãri) e os substantivos «infância:.
e «fado» .
A raiz latina fã- relaciona-se com a raiz do sânscrito bhã-, com
o sentido de «falar», e com o verbo «falar» em grego, <pávat.
Vemos uma forma de particípio de fãri na palavra latina infãns,
infantis, «criança» (à letra, «que não fala») . Do gerundivo vem
infandus, «aquilo que não deve ser dito».
A ligação defãri comfãtum ( «fado», «destino»), referida por
Varrão (De linguã latinã 6.52), está brilhantemente sugerida
por Vergílio no jogo etimológico colocado na boca de Júpiter em
Eneida 1 .26 1-262:

fãbor. .. /. .. etfãtõrum arcãna mouebõ


«falarei... / ... e moverei os segredos dos fados ».

As formas existentes de fãri são :

* fãtur (3.ª pessoa do singular do presente do indicativo);


* fãbor ( 1 .ª pessoa do singular do futuro do indicativo);
* fãbitur (3.ª pessoa do singular do futuro do indicativo);
* fãre (2.ª pessoa do singular do imperativo).
Imperativos des garrados

Refiramos, por fim, estas formas de imperativo de verbos que,


quanto ao resto, são quase inexistentes :
V U HOS I R REGULARES E DEFETIVOS 209

* saluê, saluete ( «salve», «olá»; deste verbo existe uma


forma de infinitivo, saluêre);
➔ lé auê, auete ( «avé», cumprimento mais formal do que saluê;
Marcial regista a forma de infinitivo auêre) . Talvez a orto­
grafia mais correta fosse hauê, hauete, tendo em conta a pos­
sível origem cartaginesa do verbo (cf. OLD s.u. auê) : hauê
Maria grãtiã plêna.
Verbos VII
Princip ais verbos dep oentes

§ 1. Em latim, há um conjunto de verbos a que se dá o nome de


«depoentes», com as seguintes caraterísticas:

* são verbos que têm forma passiva no indicativo, conjuntivo


e imperativo, mas sentido ativo;
* têm particípio presente e futuro, infinitivo futuro e gerún­
dio - tendo todas estas formas sentido ativo;
* têm gerundivo com sentido passivo;
* têm particípios perfeitos que, de um modo geral, apresen­
tam sentido ativo.

§2. Na enunciação, estes verbos são imediatamente identificá­


veis pelo facto de terem três formas passivas, mas sem que uma
forma de supino faça parte da enunciação.
Vejamos o exemplo do verbo «morrer»: morior, morí, mortuus
sum (traduzindo cada uma das formas: «morro, morrer, morri»).
Ou do verbo «nascer»: nãscor, nãscí, nãtus sum ( «nasço, nascer,
nasci»). Ou do verbo «usar»: ütor, ütí, üsus sum. (A tradução de
ütor, seguindo o raciocínio anterior, é «eu uso», e não «eu sou
usado».)
Uma das frases mais célebres da literatura latina contendo um
verbo depoente é a abertura da Catilinária 1 de Cícero, onde se
l'III N C.: I PAIS VERBOS DEPOENTES 21 1

nos depara o composto de ütor que significa «abusar» (e donde


wm o verbo português) - abütor, abütí, abüsus sum:

Quõ usque tandem, Catilina, abütere patientiã nostrã ?


«Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?»

Já agora, a palavra latina patientia pertence ao campo etimoló­


gico de outro importante verbo depoente: o verbo patior, patí, passus
s11 m ( «sofrer»). Amesma família semântica pertence o substantivo
11assiõ, passiõnis, «emoção», «paixão». O radical pat- está patente
no aoristo do verbo grego que significa «sofrer», «aguentar»:
rca0dv. Não deixa de ser curioso que o latim tenha importado deste
verbo grego o termo pathieus para o homem que «aguenta» ser o
parceiro passivo na relação homossexual (cf. Catulo 16.2; cf. p. 402).

§3. Dois outros verbos depoentes de uso frequentíssimo em


latim são loquor, loqui, loeütus sum ( «falar», «dizer») e sequor,
sequi, seeütus sum ( «seguir»). Por coincidência, aparecem ambos
no seguinte verso de Vergílio (Bue6lieas 6.74):

quid loquar aut Seyllam Nisi, quam fãma secüta est


«O que direi em relação a Cila, filha de Niso, a quem uma fama seguiu».

Vejamos também este exemplo do verbo laetor, laetãr� laetãtus


sum ( «alegrar-se»), que abre o Salmo 121:

laetãtus sum in his quae dieta sunt mihi


«Alegrei-me nestas coisas que me foram ditas» .

Nesta frase, temos aparentemente duas formas passivas ( laetã­


tus sum e dieta sunt), mas só a segunda pode ser traduzida como
212 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORFOLOGIA.

tendo sentido passivo, já que laetor é um verbo depoente, ao passo


que dicõ não é : laetor tem, pois, forma passiva, mas sentido ativo.

§4. Vejamos, de seguida, uma lista por ordem alfabética dos


principais verbos depoentes, indicando a conjugação a que perten­
cem e al guma particularidade na sua construção, se for caso disso :

* amplecto1j amplecti, amplexus sum (3.ª), «abraçar»;


* cõnfiteo1j cõnfitéri, cõnfessus sum (2.ª), «confessar»;
* cõno1j cõnãr� conãtus sum ( i.a), «tentar»;
* experio1j experír� expertus sum (4.ª), «tentar»;
* fruo1jfrui,fructus sum (3.ª), «fruir» ( + ablativo);
* fungo1jfung�fünctus sum (3.ª), «desempenhar» ( + ablativo);
* gradio1j grad� gressus sum (3.ª), «andar»;
* horto1j hortãri, hortãtus sum ( i.a), «exortar»;
* írãsco1j írãsci, irãtus sum ( l.ª), «zangar-se» ( + dativo);
* lãbo1j lãbi, l sus sum (3.ª), «escorregar»;
* laeto1j laetãri, laetãtus sum ( 1.ª), «alegrar-se»;
ap

* loquo1j loqui, locütus sum (3.ª), «falar»;


* morio1j mori, mortuus sum (mista), «morrer» (particípio
futuro : moritürus, -a, -um);
* nancisco1j nancisc� nactus (ou nãntus) sum (3.ª), «obter»;
* nito1j niti, nixus (ou nisus) sum (3.ª), «apoiar-se», «esforçar-se»;
* obliuisco1j obliuisci, oblitus sum (3.ª), «esquecer-se» ( + geni-
tivo);
* ordio1j ordír� orsus sum (4.ª), «começar»;
* orio1j oríri, ortus sum (4.ª), «levantar-se»;
* patio1j pati, passus sum (mista), «sofrer»;
* potio1j potír� potitus sum (4.ª), «adquirir»;
* proficisco1j proficisc� profectus sum (3.ª), «partir»;
l 1 N I N C I PA I S VERBOS DEPOENTES 213

,1, prõgredior, prõgred� prõgressus sum (mista), «avançar»;


,1, queror, quer� questus sum (3.ª), «queixar-se»;
,1, reor, rer� ratus sum ( 2.ª), «pensar»;
,1, reuertor, reuert� reuersus sum (3.ª), «regressar»;
,lié sequor, sequí, secütus sum (3.ª), «seguir»;
,t, uereor, uerer� ueritus sum (2.ª), «recear»;
,1, ütor, ütí, üsus sum (3.ª), «usar» ( + ablativo).

Verbos semi-depoentes

Chama-se «semi-depoentes» a um número reduzido de ver­


bos latinos que são depoentes somente no sistema do Perfectum.
Os cinco mais importantes são :

* audeõ, audere, ausus sum, «ousar»;


* cõnjídõ, cõnjídere, cõnfísus sum, «confiar» ( + dativo);
* fiõ, fierí, factus sum, «tornar-se» (ver p. 204);
* gaudeõ, gaudere, gãuísus sum, «alegrar-se»;
* soleõ, solere, solitus sum, «ter por hábito».
Pronomes

Existem, em latim, cinco tipos de pronomes :

* pronomes pessoais ( + pronome reflexo);


* pronomes demonstrativos;
* pronome relativo;
* pronomes interrogativos;
* pronomes indefinidos.
Pronomes pessoais

No caso dos pronomes pessoais, a reconstituição teórica da sua


antiga morfologia indo-europeia esbarra contra a multiplicidade
de formas que se nos deparam nas línguas que evoluíram a partir
do indo-europeu. Mesmo assim, há pontos de contacto visíveis :

sânscrito grego latim alemão inglês


V p. sing. aham tywv, tyw egõ > egõ ich (gótico: I
ik)
2.ª p. sing. tvam 'tÚ (dórico), tü du thou
cú (ático)
l.ª p. pi. *ns > nas *ns > �1:tãc *ns > nõs *ns > uns *ns > us
(acus.) (nom. e (acus.) (acus.)
acus.)
PaoN o M l!s 215

sânscrito grego latim alemão inglês


1. vas Ó!'ác (acus.) uõs [não [não
relevante] relevante]

Em relação ao pronome de I ,a pessoa do singular, os linguistas


11dmitem a plausibilidade de uma forma indo-europeia *eghom 78 •
A consoante nasal desta terminação está visível em sânscrito e na
forma do pronome em grego que ocorre com bastante frequência
rm Homero: fywv. Existe, em latim, uma forma reforçada de «eu»,
tgomet, que os próprios falantes de latim entenderam erradamente
rnmo ego-met, como se -met fosse o sufixo de reforço (e não, cor­
retamente do ponto vista da linguística histórica, -et). É por isso
�1ue o dativo de egomet é mihi-met, por falsa analogia.
Vejamos agora o quadro completo da declinação dos prono­
mes pessoais:

SINGULAR PLURAL
l,ª P• 2,ª P• l,ª P• 2,ª P•
Nom. ej!O tü nõs uõs
Gen. mei tui nostr� ues�
nostrum uestrum
Acus. mé té nõs uõs
Dat. mihi tibi nõbis uõbis
Abl. mé té nõbis uõbis

Um aspeto que salta logo à vista é que o latim ( à semelhança


do grego) não tem pronome pessoal da 3.ª pessoa. O pronome que
corresponde em latim a «ele/ela» e «eles/elas» é o demonstra­
tivo is, ea, id (que veremos mais adiante). Por seu lado, os nossos
pronomes portugueses «ele», «ela», etc. vêm de outro pronome
demonstrativo latino: ille, illa illud.

'ª Cf. Buck, p. 217; Palmer, p. 258.


216 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORPOLO O I A ,

A tendência para palavras latinas dissilábicas com a forma de


um iambo (U -) evoluírem no sentido de ficarem com a forma
de um pirríquio ( U U) é visível nas seguintes formas :

* egõ > egõ;


* mihi > mihr;
* tibi > tibr.
Escrevendo no século II a.C., o comediógrafo Plauto ainda se
serve, por vezes, das formas com as quantidades antigas (o mesmo
vale para Lucílio), algumas das quais afloram, decerto como
arcaísmo consciente e excecional, em Vergílio :

extrêmum hunc, Arethüsa, mihi concêde labõrem


«concede-me, Aretusa, este esforço derradeiro» (Bucólicas 10. 1 ; cf. 1 .7:
erit ille mihi semper deus).

No que toca, porém, ao nominativo, Catulo, Vergilio e Horácio


usam somente egõ. Alguns séculos mais tarde, um professor cristão
na gálica Burdígala (Bordéus) orgulhou-se de mostrar que conhecia
as quantidades antigas, ao compor um poema (em pleno século IV dC.)
em que ego pressupõe a escansão egõ (Ausónio, Epigramas 54.6).
Note-se, ainda, a existência da forma comprimida de dativo do sin­
gular mi, bastante frequente em Plauto e Terêncio, e que terá talvez
uma conotação coloquial, já que Cícero utiliza mi nas suas cartas
-mas não na sua prosa mais formal; e Horácio, nas suas sátiras - mas
não nas odes. A exceção a esta ideia de que mi é evitado no estilo
elevado é constituída por duas ocorrências na Eneida ( 6. 104, 123).
No genitivo, as formas mei (cf. Êlleio no grego homérico) e tui
pertencem, em ri gor, à declinação do possessivo meus, mea, meum
l'II I N I I M l!S 217

• /1111s, tua, tuum, cujas formas de masculino e neutro se guem a 2.ª


lltdinação (ao passo que a forma feminina se gue naturalmente a
I .• declinação). As formas de possessivo no plural são noster, nostra,
1111.� lrum e uester, uestra, uestrum.
No singular, tanto o acusativo como o ablativo provêm de anti­
K•'s formas terminadas em -d, documentadas no SCdB e noutros
trxtos latinos arcaicos: mêd > mê; e têd > tê. Cf. Plauto, Míles Glõriõ­
füS 58: amant têd omnês mulierês ( «todas as mulheres te amam»).
A noção proposta por Quintiliano ( 1.5.2 1), de que a forma
,mtiga de acusativo seria mehe não deixa de ser curiosa, apesar da
falta de atestação da mesma. Encontramos, isso sim, as se guintes
formas geminadas (na comédia, em Cícero, em Catulo) 79 : mêmê,
tae (e também, no caso do pronome reflexo que veremos em
seguida, sêsê). Um exemplo sobremaneira expressivo da forma
geminada do pronome ocorre no lindíssimo poema que Catulo
dedicou ao irmão falecido, em que têtê, reforçado por ipsum
( l O 1.5), tem o efeito de rematerializar pela lin guagem al guém que
já só existe como «cinza muda» (v. 4) :

quandoquidem fortüna mihi teté abstulit ipsum


«visto que a sorte te tirou a mim» ( Catulo 1 0 1 .5 ) 80•

No quadro acima apresentado com a declinação do pronome


pessoal, verificou-se que, no genitivo do plural, nõs e uõs têm for­
mas alternativas: nostri/nostrum e uestri/uestrum. Os primeiros
( nostri e uestri) são genitivos objetivos, ao passo que os se gundos

,. Cf. Kühner & Holzweissig, p. 581.


'º O verso é eminentemente intraduzível, pela impossibilidade de transpor para português a
ênfase no pronome conseguida, em latim, por tetê [ ... ] ipsum. Note-se a escansão de mihi (face
ao que dissemos acima). Quandoquidem ( «visto que» ) seria em rigor quandõquidem, mas Catulo
não se importou de sacrificar, neste verso, a verdade fonética no altar da necessidade métrica.
218 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORFOLO U I A .

( nostrum e uestrum) são genitivos partitivos. Trata-se de uma dife•


rença subtil e dificilmente percetível quando explicada a seco,
mas entende-se bem na prática:

genitivo partitivo: qui sine peccãtõ est uestrum primus in iliam


lapidem mittat
«quem de vós está sem pecado atire primeiro contra ela uma pedra»
(João 8:7)

genitivo objetivo: aliquid nostri


«algo de nós» (isto é, algo que nos pertence, que faz parte de nós ;
Lucrécio 4.39).

Na comédia latina do século II a.C., encontramos ainda os


genitivos nostrõrum e uostrõrum, com as suas formas correspon­
dentes de feminino, nostrãrum e uostrãrum.
É de notar ainda, em relação ao dativo/ablativo do plural, que
a forma mais antiga termina em -heis ( > -bis). Cf. uõbeis no SCdB.

Pronome reflexo

As formas de pronome pessoal de l.ª e 2.ª pessoas servem


também de pronome reflexo, truncadas do nominativo. Existem,
no caso deste pronome, formas próprias de 3.ª pessoa, que são
usadas como singular e como plural:

Gen. sui
Acus. se
Dat. sibi
Abl. se
219

Analogamente ao que já dissemos sobre os pronomes pessoais,


h4 ,1uc referir a esporádica escansão sibi na poesia e a forma gemi-
11ad11 ,ç ése.
( l possessivo correpondente é suus, sua, suum.

Pronomes demonstrativos
,�, ""' id, «este», «esta», «isto»

SINGULAR. PLUllAL
masculino I I
feminino neutro mas culino feminino neutro

No m. is l ea l id ii (e� i) eae ea
n. eius eõrum eãrum eõrum
Acus. eum l eam l id eõs eãs ea
l>a t. ei eis, iis
Ab 1. eõ l eã l eõ eis, iis

O pronome is, ea, id é, na sua origem, o pronome pessoal de


:ta pessoa que foi assumindo as funções de um pronome demons­
trativo, sem deixar, todavia, de ser usado como pronome pessoal:

Sarnia mihi mãterfuit; ea habitãbat Rhodi.


«A minha mãe era de Samos; ela morava em Rodes.» (Terêncio,
Eunüchus 107)

tüne Balliõ ? - ego enim uerõ is sum.


«Então tu é que és o Balião? - Sim, eu de facto sou ele. » (Plauto,
Pseudolus 979-980 )
220 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOO I A

Trata-se de um pronome formado a partir de dois radicais:

* i-;
* ei-.
O i- de is é cognato do i- que vemos nas formas de acusativo e
de dativo do pronome alemão er ( «ele») : ihn, ihm. A forma neutra
id é cognata de it em inglês.
As formas latinas derivadas de ei- são bastante díspares quanto
à sua fonética. Sabemos por inscrições antigas da época republicana e
também pelas comédias de Plauto e de Terêncio que a forma de geni­
tivo podia assumir a grafia eiius ( <* ey-syo-s, o que explicaria a manu­
tenção da quantidade longa do e- inicial, já que não se aplicaria
a tendência natural do latim para abreviar uma vogal longa antes
de outra vogal81 : eius). No entanto, a par de grafias antigas como eiius
(por exemplo Plauto, Meneemos 222: ego et Menaechmus et parasitus
eiius, «eu e Meneemo e o parasita dele»), encontramos formas
desconcertantes em que a métrica do verso exige que tomemos eius
como monossílabo. É o caso de Terêncio, Heauton Timoroumenos 453:

... satrapes si siet


amãtor, numquam sufferre eius sümptüs queat
se um sátrapa fosse <seu> amante,
« ...

nunca conseguiria aguentar os gastos dela».

Em relação ao dativo (*ei-ei > ei) temos uma situação seme­


lhante : na poesia da época republicana (sobretudo na comédia),
ele aparece-nos sob as formas ei e escandido como monossílabo.
Na época imperial depara-se-nos ei (e.g. Ovídio, Halieutica 34).

81 Ver p. 380.

l' I I N I I M ES 22 1

Não constituirá surpresa a informação de que, em inscrições


rrpublicanas antigas, se encontram as formas de ablativo do singu­
lu eM e eãd - nem que, no SCdB, se leia a forma de nominativo
,Ir plural eeis ( <*eyes). Mais surpreendente será a forma de dativo
do plural que ocorre pontualmente em Plauto: ibus. Em Lucílio
r l ,ucrécio, encontramos ibus.

l1ic, haec, hoc «este», «esta», «isto»

SINGULAR PLURAL
masculino I feminino I neutro masculino feminino neutro
No m. hic 1 haec 1 hoc hi hae haec
Ge n. huius hõrum hãrum hõrum
Ac us. hunc 1 hanc 1 hoc hõs hãs haec
Dat. huic hís
Ab1. hõc 1 hãc 1 hõc his

Este pronome implica semanticamente a proximidade física


da pessoa ou da coisa da qual se está a dizer «este» ou «isto»,
distinguindo-se assim de ille, ilia, illud, cujo sentido é «aquele»,
«aquela», «aquilo».
Atendendo a que a raiz deste pronome é ho- no masculino e
no neutro e ha- no feminino, fica clara a ligação etimológica com
o artigo definido grego (ó, �; a forma dórica do feminino é á), que
era originalmente um pronome demonstrativo (e tem maioritaria­
mente essa função na flíada e na Odisseia).
O -e que vemos no singular (e no neutro do plural) provém de
um antigo sufixo demonstrativo ou dêictico 82, -ce, bem visível na
interjeição exclamativa ecce:

82
Nunca é de mais sublinhar que «deítico», como se lê habitualmente, ostenta uma acentuação
errada, já que o -ei- é um ditongo. As alternativas certas são: ou a grafia etimológica «dêictico»;
ou então «díctico»; ou ainda, para quem não pronuncia o «c», «clítico».
222 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLO G I A ,

ecce ancilla Domini


«eis a escrava do Senhor» (Lucas 1 :38)

ecce etiam õsculõ iram finiõ


«eis que termino a zanga com um beijo» (Petrónio, Satyricon 99).

Assim, a evolução presumível de hic terá sido, segundo uma


teoria, hõ-ce > hí-ce > híc. Na poesia latina, contudo, tanto hic
(nominativo) como hoc (acusativo) são frequentemente escandi­
dos como constituindo uma sílaba longa, a despeito de a vogal ser
etimologicamente breve:

hõc Ithacus uelit


«isto quereria o Itacense [i.e. Ulisses] » (Eneida 2. 104) .

Por outro lado, a grafia hicc está epigraficamente atestada


(e pressuposta em Lucrécio 1.692); por isso, é compreensível uma
outra teoria, sugerida por Prisciano e outros gramáticos antigos,
de que a forma original seria hicc. Há bastante incerteza sobre o
assunto 83 • Não há dúvida, porém, de que no ablativo as formas são
longas ( hõc, hãc), provenientes de *hõd-ce, *hãd-ce.
A forma de genitivo do singular seria originalmente *ho-ius.
Cf. Plauto, Captiui 4:

senex qui hic habitat Hegiõ est huiius pater


«o velho que mora aqui, Hegião, é pai deste».

Está também documentada, em inscrições, a forma de genitivo


hoiusce (cf. huiiusce em Plauto, Captiui 1 O).

83
Cf. Kühner & Holzweissig, pp. 599-600.
11 • u N O M l!S 223

No dativo huic, é clara a presença do sufixo dêictico -ce. Está


llrn.:umentada a grafia hoice numa inscrição do século II a.C. De um
modo geral, o uso poético de huic até à época augustana pressupõe
tratar-se de um monossílabo:

carmina quae uultis cõgnõscite; carmina uõbis,


huic aliud mercêdis erit...
«conhecei os cantos que quereis <ouvir>. Cantos <haverá> para vós;
para esta [uma ninfa], haverá outro <género> de recompensa... »
(Vergílio, Buc6licas 6.25-26)

No entanto, há pelo menos um passo de Plauto em que é cla­


ramente um dissílabo: hüíc (e por isso é grafado huíc na edição de
Lindsay [cf. Anfitrião 702]). A partir de Estácio, no século I d.C.,
começa o entendimento poético da forma como huíc. É assim que
o dativo de hic se nos depara num poeta do século v d.C.: Sidónio
Apolinar.
Relativamente às formas de plural, a sua lógica é clara aten­
dendo ao padrão da l.ª e da 2.ª declinações. Por outro lado, é a
lógica da 3.ª declinação que está por trás da forma rara de dativo
do plural hibus (que encontramos em Plauto, Curculiõ 506).

ille, illa, illud, «aquele», «aquela», «aquilo»

SINGULAR PLUllAL
masculino I feminino I neutro masculino feminino neutro
Nom. ille 1 ilia 1 illud illí illae ilia
Gen. illius illõrum illãrum illõrum
Acus. illum 1 iliam 1 illud illõs illãs ilia
Dat. illi illis
Abl. illõ 1 illã 1 illõ illis
224 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

Deste pronome vêm os pronomes pessoais portugueses «ele»


e «ela», assim como formas que ainda hoje se usam noutras
línguas românicas, como lui (italiano, francês) e lei (italiano).
É de admitir que a forma original do pronome começasse com
o- em vez de i-: talvez olle (Varrão, Dé linguã latínã 7.42, refere
ollus) 84 • Encontramos um vestígio dessa forma antiga no dativo
ollí que Vergílio usa como arcaísmo ornamental (cf. Quintiliano
8.3.24) na Eneida 1.254:

ollí subrídéns hominum sator atque deõrum


«sorrindo-lhe [i.e., a Vénus] o semeador [i.e., Júpiter] dos homens
e dos deuses».

Note-se que a forma de genitivo do singular, illíus ( <*illeius),


ocorre também em poesia sob a forma illíus.

idem, eadem, idem, «o mesmo», «a mesma», «o mesmo»

SINGULAR. PLURAL
I I
masculino feminino neutro masculino feminino neutro

Nom. idem l eadem l idem idem (eidem) eaedem eadem


Gen. eiusdem eõrundem eãrundem eõrundem
Acus. eundem l eandem l idem eõsdem eãsdem eadem
Dat. eidem isdem (eisdem)
Abl. eõdem l eãdem l eõdem isdem (eisdem)

84
Cf. Palmer, p. 256.
lla l l N O M l!S 225

1/',�t', ipsa, ipsum, «o próprio», «a própria», «o próprio»

SINGULAR PLURAL
masculino I I
feminino neutro masculino feminino neutro

Nom ipse l ipsa l ipsum ipsí ipsae ipsa


Gcn ipsíus ipsõrum ipsãrum ipsõrum
Acus ipsum l ipsam l ipsum ipsõs ipsãs ipsa
l >at. ipsí ipsís
Abl. ipsõ l ipsã l ipsõ ipsís

Tanto idem ( < is-dem) como ipse ( < is-pse) são formas enfáticas
de is, ea, id:

idem sum qui semperfui


«sou o mesmo que sempre fui» (Plauto, Anfitrião 447)

alii nuntiant... et ipse cernit


«outros anunciam . . . e ele próprio observa» (Tito Lívio 10.S.4) .

Ipse, na forma latina inculta isse (da qual Augusto não gostava,
como nos documenta Suetónio, Augusto 88), é donde vem o nosso
pronome «esse». E é de uma forma tardia de superlativo «vulgar»
medipsissimus que vem «mesmo» em português.
O que dissemos acima sobre illius/illíus vale também para
ipsius/ipsíus.
226 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOO I A .

Pronome relativo

SINGULAR PLUitAL

masculino J feminino J neutro masculino feminino neutro

Nom. qui J quae l quod qui quae quae


Gen. cuius quõrum quãrum quõrum
Acus. quem J quam J quod quõs quãs quae
Dat. cui quibus (quis)
Abl. quõ J quã J quõ quibus (quis)

Na formação morfológica e na evolução histórica do pronome


relativo, temos de tomar em consideração dois radicais 85 :

* o antigo radical indo-europeu qui-/quei-;


* o radical itálico quo-/qua-.
O primeiro seguiria a 3.ª declinação; o segundo, a l.ª e a 2.ª.
Os dois radicais acabaram por se misturar e confundir; e é por
isso que se nos deparam desinências que ora remetem para a 3.ª
declinação (quem, quibus), ora para a l .ª e a 2.ª (quam, quõ, quõs,
etc.) . No latim do início do século II a.C., ainda vemos vestígios de
uma presença mais marcada de desinências da 3.ª declinação : é o
caso do nominativo do plural masculino qués ( <* queies) no SCdB.
Aliás, são diversas as variantes ortográficas nas formas do pro­
nome relativo que estão documentadas em inscrições da época
republicana :

* qoi, quoi, quei, qué (nominativo do singular masculino);


* quot (nominativo/acusativo do singular neutro);
85
Cf. Palmer, p. 257.
+ quoius, queius, quius (genitivo do singular);
+ quoi, quoiei, coi, quei (dativo do singular).

A comédia plautina também conservou al gumas formas anti­


l&•IH: é o caso, por exemplo, do dativo do sin gular quoi (cf., e.g .,
!i 11f)trião 8 17).
Relativamente ao entendimento métrico de cuius e de cui, há a
notar as mesmas oscilações que já comentámos a propósito de
outros pronomes. No caso de cuius, pode ser escandido como tro­
l) U C U (- U) ou como monossílabo (e até, talvez, como pirríquio

1 U U] em Lucrécio 1. 149). No século VI d.C., Venâncio Fortunato


surpreende-nos com a noção original de que cuius até pode ser um
dktilo ( cüiüs) 86 • Q}ianto à forma de dativo cui, é por vezes escan­
dida como pirríquio ( cui) na poesia de Marcial e de Juvenal.

Pronomes interrogativos

Do ponto de vista linguístico, o pronome relativo qu� quae,


quod e o pronome interrogativo quis, quis, quid ( «quem») partem
da mesma origem e constituem, no fundo, manifestações formais
do mesmo pronome. Temos ainda a juntar ao binómio relativo/
/interrogativo o uso de qui, quae, quod como pronome interroga­
tivo de função adjetival.
Para entendermos como isto funciona em latim, comecemos
por observar as diferenças nas se guintes frases portu guesas, extraí­
das de um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen 87 :

86 Cf. Emout, p. 87.


87
Mar Novo, «Poema inspirado nos painéis que Júlio Resende desenhou para o monumento
que devia ser construído em Sagres».
228 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

(i) «Do Lusíada que parte para o universo puro» [pronome


relativo];
(ii) «Que lágrimas, que grito hão de dizer / A desilusão e o
peso em vosso corpo?» [pronome interrogativo de função
adjetival];
(iii) «Quem cantará vosso regresso morto?» [pronome inter­
rogativo].

Vejamos agora as seguintes frases de Vergílio. No Canto 1 de


Eneida ( 605-606), Eneias pergunta a Dido :

... quae tê tam laeta tulêrunt


saecula ? qui tanti talem genuêre parentês?
« ... Que tempos tão felizes te produziram?
Que pais tão <nobres> te geraram assim <tão nobre>?»

Neste exemplo, tanto quae como qui são pronomes interroga­


tivos de função adjetival. O mesmo vale para o seguinte exemplo
(Bucólicas 10.9- 10) :

quae nemora aut qui uõs saltüs habuêre, puellae


Naiâes, indignõ cum Gallus amõre peribat?
«Que bosques ou que espessuras vos retiveram, donzelas
Nái:des, quando Galo definhava devido a indigno amor?»

Note-se a diferença nos versos seguintes (Bucólicas 10.2-3),


onde quae tem função de pronome relativo; e quis, de pronome
interrogativo :

pauca meõ Gallõ, sed quae legat ipsa Lycõris


carmina sunt dicenda: neget quis carmina Gallõ ?
l 1 II O N OMl!S 229

«Uns quantos poemas, mas que a própria Licóris leia,


devem ser ditos em honra do meu <amigo> Galo. Qµem negará
poemas a Galo?»

Pronomes indefinidos

Com a forma quis, qua, quid, temos o pronome indefinido


«alguém», «al guma coisa», que ocorre normalmente na forma
composta aliquis, aliqua, aliquid. A palavra portu guesa «al guém»
chega-nos, aliás, da forma de acusativo deste pronome : aliquem.
Outros pronomes compostos a acrescentar à riqueza prono­
minal do latim - alguns com sentidos bastante próximos - são :

masculino feminino neutro significado


quicumque quaecumque quodcumque «quem quer
quisquis quisquis quidquid que»
(quicquid)
quidam quaedam quiddam «um certo»
(quoddam)
quispiam quaepiam quippiam «alguém»
(quodpiam)
quiuis quaeuis quiduis «qualquer»,
(quoduis) «qualquer que
queiras»
quilibet quaelibet quidlibet «aquele que
(quodlibet) se quiser»
quisquam - quidquam «alguém»,
(quicquam) « all!:lllll»
quisque quaeque quidque «cada um»
(quodque)
ecquis ecqua ecquid (ecquod) «alguém que»
quisnam quaenam quidnam «quem»
(quodnam)
230 N O VA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOII I A

Nalguns destes pronomes, ocorrem pequenos ajustes na


declinação que refletem o modo como as formas eram, de facto,
pronunciadas. Vejamos o caso de quídam, tendo especial atençlo
às formas destacadas a negrito:


SINGULAR PLURAL
I
masculino feminino I neutro masculino feminino neutro

Nom. quidam l quaedam l quoddam quidam quaedam quae.dam


Gen. cuiusdam quõrundam quãrundam quõrundom
I I
Acus. quendam quandam quoddam quõsdam quãsdam quaedam
Dat. cuidam quibusdam
Abl. quõdam l quãdam 1
quõdam quibusdam
lj etivos

Os adjetivos latinos não trazem qualquer dificuldade a quem


j,\ (onheça a l.ª, 2.ª e 3.ª declinações dos substantivos. Dividem-se
l'lll duas classes:

(i) Adjetivos declinados como substantivos da l.ª e da 2.ª


declinações (por exemplo, bonus, hona, bonum).
(ii) Adjetivos declinados como substantivos da 3.ª declinação.
Tal como os substantivos da 3.ª declinação, estes adjetivos
da 2.ª classe dividem-se em:

* temas em -i- (por exemplo, tristis [masculino e feminino],


triste [neutro]). Estes são maioritariamente biformes, tendo
a mesma forma para o masculino e feminino e uma forma
específica para o neutro;
* temas em consoante (por exemplo, uetus [masculino e femi­
nino], uetus [neutro]). Estes são uniformes no nominativo
do singular. Cf. a expressão de Cícero uetus oppidum et
nobile (In Verrem, ãctiõ secunda 1.53) ou o sintagma para
designar coletivamente as traduções latinas da Bíblia ante­
riores à Vulgata : Vetus Latina.
232 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLO CI I A

1 .ª classe
bonus, bona, bonum, «bom»

SINGULAR PLUllAL

masculino feminino neutro masculino feminino neutro


Nom. bonus bona bonum boni bonae bona . ..
Gen. boni bonae boni bonõrum bonãrum bonõrum
Acus. bonum bonam bonum bonõs bonãs bona
Dat. bonõ bonae bonõ bonis bonis bonis
Abl. bonõ bonã bonõ bonis bonis bonis

No masculino do singular, a forma de vocativo é bone. A mesma


desinência vale para adjetivos terminados em -ius, diferentemente
do que sucede nos substantivos, em que o vocativo de fílius é fíli.
O vocativo do adjetivo eximius é eximie.

tener, tenera, tenerum, «tenro»


cf. puer, puerí, «menino» (p. 83)

SINGULAR PLUllAL

masculino feminino neutro masculino feminino neutro


Nom. tener tenera tenerum teneri tenerae tenera
Gen. teneri tenerae teneri tenerõrum tenerãrum tenerõrum
Acus. tenerum teneram tenerum tenerõs tenerãs tenera
Dat. tenerõ tenerae tenerõ teneris teneris teneris
Abl. tenerõ tenerã tenerõ teneris teneris teneris

Como tener são declinados: asper ( «áspero»), liber ( «livre»),


miser ( «miserável») e prõsper ( «próspero»).
,.,,, .... , vos 233

NIRrr, nigra, nigrum «negro»


l'I', ,,ger, agri, «campo» (p. 83)

SINGULAR PLUitAL

masculino feminino neutro masculino feminino neutro


Nom niger nigra nigrum nigri nigrae nigra
lie n nigri nigrae nigri nigrõrum nigrãrum nigrõrum
Ac.:us. nigrum nigram nigrum nigrõs nigrãs nigra
l>llt nigrõ nigrae nigrõ nigris nigris nigris
Abl nigrõ nigrã nigrõ nigris nigris nigris

A grande maioria dos adjetivos terminados em -er, -a, -um


segue este paradigma (à exceção dos mencionados a propósito de
lcner). Note-se que dexter ( «do lado direito») pode ser declinado
como tener ou como niger.

2.ª classe
Temas em -i- triformes
ãcer, ãcris, ãcre, «agudo», «pontiagudo», «acre»

SINGULAll PLUitAL

I I I
masculino feminino neutro masculino feminino neutro I
Nom. ãcer 1 ãcris 1 ãcre ãcrés 1 ãcria
Gen. ãcris ãcrium
Acus. ãcrem 1 ãcre ãcrés, ãcris 1 ãcria
Dat. ãcri ãcribus
Abl. ãcri ãcribus
234 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MOllPOLOQIA,

Seguem a declinação de ãcer os nomes adjetivais dos seguintu


meses (que, por sua vez, concordam com ménsis [m], com Kalenda,
[f], Nõnae [f], idüs [f] ; ver pp. 4 14-429): September, Octõber,
Nouember, December.

Temas em -i- biformes


tristis, triste, «triste»

SINGULAR. PLURAL
I
masculino e feminino neutro I
masculino e feminino neutro
Nom. tristis 1 triste tristês 1 tristia
Gen. tristis tristium
Acus. tristem 1 triste tristês, tristis 1 tristia
Dat. tristi tristibus
Abl. tristi tristibus

Aprilís segue a declinação de tristis. Os restantes meses são


adjetivos da l.ª classe.

Temas em -i- com nominativo do singular uniforme


félix,félix, «feliz»

SINGULAR. PLURAL
I
masculino e feminino neutro I
masculino e feminino neutro
Nom. félix felicês IJélicia
Gen. félicis félicium
Acus. félicem l félix félicês,félicis lfélicia
Dat. félici félicibus
Abl. félici félicibus
à IIJUTIVOS 235

Temas em -i- com nominativo do singular uniforme


fr1gens, ingens, «enorme»

SINGULAR PLURAL
I
masculino e feminino neutro masculino e feminino neutro I
Nom. ingens ingentes ingentia 1
G en. ingentis ingentium
Acus. ingentem l ingens ingentes, ingentis ingentia 1
l) at. ingenti ingentibus
A bl. ingenti ingentibus

No que toca ao genitivo do plural dos adjetivos de tema em -i-,


é preciso ter em conta que, na poesia (especialmente na composta
cm hexâmetros dactílicos), ocorrem por conveniência métrica
muitos exemplos de genitivos em -um (em vez de -ium): e.g. bac­
chantum em Ovídio, Metamorfoses 3.70388 •

Temas em consoante
uetus, uetus, «velho»

SINGULAR PLURAL
I I
masculino e feminino neutro masculino e feminino neutro
Nom. uetus ueteres 1 uetera
Gen. ueteris ueterum
Acus. ueterem 1 uetus ueteres 1 uetera
Dat. ueterí ueteribus
Abl. uetere ueteribus

88
Cf. Kühner & Holzweissig, p. 353.
236 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. MORPOLOGIA,

Outros adjetivos pertinentes de tema em consoante são :

* caelebs, caelibis, «celibatário»;


* diues, diuitis, «rico»;
* memor, memoris «lembrado»;
89

* particeps, participis, «partilhando»;


,

* pauper, pauperis, «pobre»;


* superstes, superstitis, «sobrevivente».
Adjetivos pronominais de declinação mista

Embora haja gramáticas em que as seguintes palavras são clas­


sificadas como pronomes, faz mais sentido considerá-las adjetivos
pronominais 90:

* alius, alia, aliud, «outro»;


* alter, altera, alterum, «um de dois», «outro de dois»;
* nüllus, nülla, nüllum, «nenhum»;
* sõlus, sõla, sõlum, «só»;
* tõtus, tõta, tõtum, «todo»;
* uter, utra, utrum, «qual dos dois?».
Trata-se de um grupo de vocábulos que apresentam a excen­
tricidade de misturar, no singular, a 2.ª e a 3.ª declinações - ainda
que, no plural, se declinem normalmente como bonus, hona, bonum.
Esta «excentricidade» é partilhada com os numerais ünus
( «um»), duo ( «dois») e trés ( «três»): ver pp. 368-369.

89 Este adjetivo apresenta normalmente - de modo anormal! - o ablativo do singular memori.


90 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 622.
h llJ l!TIVOS 237

Na declinação destas palavras, há dois aspetos fundamentais


i\ reter:

(i) O genitivo do singular é em -íus (por vezes -ius, por conve­


niência métrica, na poesia).
(ii) O dativo do singular é em -í.

Vejamos o se guinte quadro com a declinação do singular de


alter e de uter:

SINGULAR. DE ALTER SINGULAR. DE VTBR

I I I
masculino feminino neutro masculino feminino neutro I
Nom. alter 1
altera 1
alterum uter utra utrum1 1
Gen. alterius utrius
Acus. alterum ! alteram l alterum utrum l utram l utrum
Dat. alteri utri
Abl. alterá 1 alterã 1 alterá utrá 1 utrã 1 utrá
Um caso especial é constituído pela palavra que significa
«nin guém», némõ (*< né-homõ):

Nom. nemá
Gen. nüllius
Acus. neminem
Dat. nemini
Abl. nüllõ

Embora esteja documentada a fo rma de ablativo némine


(Plauto coloca-a na boca de uma prostituta em Cistellaria 87, ocor­
rendo também al gumas vezes em Suetónio e duas vezes em Tácito),
na prosa e na poesia dos séculos I a.C.-1 d.C. o ablativo-de némõ é
238 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLO G I A .

nüllõ91 (pelo que, se quisermos respeitar as regras de estilo do latim


clássico na fórmula que exprime unanimidade, não devemos dizer
némine discrepante, mas sim nüllõ discrepante).

Adjetivos no comparativo e no superlativo

A maior parte dos adjetivos latinos junta -ior ( <* -ios) ao tema
para formar o comparativo e -issimus para formar o superlativo :

(i) longus ( «longo») :


* comparativo : longior ( «mais longo»);
* superlativo : longissimus ( «longuíssimo»).

(ii) tristis ( «triste») :


* comparativo : tristior ( «mais triste»);
* superlativo : tristissimus ( «tristíssimo»).
Note-se que, em latim, o comparativo pode significar também
- para darmos o exemplo de tristior - «bastante triste» ou «dema­
siado triste».
Os superlativos declinam segundo o paradigma de bonus, hona,
bonum.
Os comparativos declinam segundo o paradigma dos adjetivos
de tema em consoante da 2.ª classe :

91 Cf. Kühner & Holzweissig, pp. 624-625.


A Hl l!T IVOS 239

SINGULAll PLURAL
I
masculino e feminino neutro I
masculino e feminino neutro
No m. longior l !ongius longiõrês l !ongiõra
Ge n. longiõris longiõrum
Acus. longiõrem l !ongius longiõrês l !ongiõra
Dat. longiõri longiõribus
Ab 1. longiõre longiõribus

A forma do neutro no nominativo e no acusativo do singular


permite-nos ver o sufixo antigo -iõs/-iõs sem rotacismo (ver p. 379):

* masculino e feminino: *longiõs, *longiõsis > longior, longiõris;


* neutro: *longiõs, *longiõsis > longiüs, longiõris.

Comparativos e superlativos a partir de radicais


diferentes

Os seguintes comparativos e superlativos continuam a fazer


parte do quotidiano de todos os falantes de português:

(i) bonus:
* comparativo: melior;
* superlativo: optimus.

(ii) malus:
* comparativo: peior;
* superlativo: pessimus.
240 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA,

(iii) magnus:
* comparativo: maior;
* superlativo: maximus.

(iv) paruus:
* comparativo: minor;
* superlativo: minimus.

Note-se, ainda, o caso de multus, cujo comparativo plüs declina,


no singular, como um substantivo neutro (genitivo: plüris; dativo:
plürí), embora no plural seja um adjetivo biforme:

plüris efrãtribus in Dominó cõnfídentes uinculís meís


«muitos dentre os irmãos, confiantes no Senhor devido aos meus
grilhões» (Filipenses 1 : 14).

O superlativo de multus é plürimus.

Superlativos com letra dupla

§ 1. Os adjetivos terminados em -er dobram o -r- no superlativo.


Por exemplo:

(i) miser:
* comparativo: miserior;
* superlativo: miserrimus.

(ii) pulcher ( «belo»):


* comparativo: pulchrior;
* superlativo: pulcherrimus.
A I I I II T I VOS 241

(iii) celer ( «célere»):


* comparativo: celerior;
,!� superlativo: celerrimus.

§2. Há seis adjetivos com o nominativo em -ilis que dobram


o -/- no superlativo:

( i) facilis:
* comparativo: facilior;
* superlativo: facillimus.

(ii) difficilis:
* comparativo: difficilior;
* superlativo: difficillimus.
(iii) gracilis:
* comparativo: gracilior;
* superlativo: gracillimus.
(iv) humilis:
* comparativo: humilior;
* superlativo: humillimus.

(v) similis:
* comparativo: similior;
* superlativo: simillimus.

(vi) dissimilis:
* comparativo: dissimilior;
* superlativo: dissimillimus.
242 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORFOLOGIA.

Outros adjetivos, porém, cujo nominativo termina em -ilis, não


dobram o -l- no superlativo (é o caso de amãbilis, cujo superlativo
é amãbilissimus) .

Comparativos e superlativos de adjetivos raros


ou inexistentes no grau normal

A língua portuguesa herdou da latina uma série de comparati­


vos e de superlativos formados a partir de adjetivos raros ou ine­
xistentes no grau normal, pelo que a afinidade maior em termos
semânticos parece ser com certas preposições/advérbios:

comparativo superlativo
extrã [ exterus, raro] exterior extrémus
intrã [interus, raro] interior intimus
suprã [superus, raro] superior suprémus, summus
infrã [inferus, raro] inferior infimus
ultrã ulterior ultimus
prae prior primus
post [posterus, raro] posterior postrémus
prope proprior proximus
dé déterior déterrimus
Advérbios

§ 1. Nos advérbios formados a partir de adjetivos da l.ª classe


( por exemplo lentus, «lento»), a terminação é normalmente -ê:
* lentê ( «lentamente»);
* miserê ( «desgraçadamente»);
* dignê ( «dignamente»).

§2. Em alternativa, também podemos encontrar a terminação -õ:


* subitõ ( «subitamente»);
* tutõ ( «seguramente»).

§3. Nos advérbios formados a partir de adjetivos da 2.ª classe,


é frequente a terminação -ter:
* fêlíciter ( «felizmente»);
* celeriter ( «rapidamente»).

§4. Também é possível formar um advérbio usando somente


a forma neutra do adjetivo:
* facile ( «facilmente»).

§5. Existem igualmente advérbios independentes de formas


adjetivais. É o caso, por exemplo, de:
* quandõ ( «quando»);
244 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOO I A

* iam ( «já», «agora»);


* semper ( «sempre»);
* diü ( «há muito tempo»).
Comparativo e superlativo

§6. O comparativo do advérbio é igual ao comparativo neutro


do adjetivo correspondente. No superlativo, encontramos a termi­
nação -é:

adjetivo advérbio comparativo superlativo


do advérbio do advérbio
longus longê longius longissimê
fortis fortiter fortius fortissimê
dignus dignê dignius dignissimê
audãx audãcter audãcius audãcissimê
cõnstãns cõnstanter cõnstantius cõnstantissimê

Advérbios irregulares

§7. Vale a pena conhecer os seguintes advérbios irregulares:

adjetivo advérbio comparativo superlativo


do advérbio do advérbio
bonus bene melius optimê
malus male peius pessimê
facilis facile facilius facillimê
magnus magnopere magis maximê
multus multum plüs plürimum
paruus paul[l]um minus minimê
245

Advérbios interro gativos e suas respostas

1dvérbio interrogativo advérbio de resposta


hic ( « aqui»)
hinc ( « daqui» )
hüc ( «para aqui» )
11/,; ? («onde ? » )
ibi («ali» )
illic («ali»)
istic ( « ali» )
inde ( « dali» )
11nde? ( « donde ? » )
illinc ( « dali» )
eõ ( «para lá» )
illõ ( «para lá» )
quõ? ( «para onde ? » )
illüc ( «para lá» )
istõ ( «para lá» )
quã? ( «por onde?») eã ( «por lá» )
nunc ( « agora»)
quandõ? ( « quando? » ) tum ( « então » )
tunc («então» )
quotiéns? ( «quantas vezes? » ) totiéns ( «tantas vezes » )
quõmodo? ( « de que maneira? » ) ita ( « assim»)
quãré? ( «porquê? » ) idcircõ ( «por isso»)

Advérbios qualificativos

§8. Do ponto de vista da semântica da frase latina, os advérbios


qualificativos assumem especial relevância pela maneira como con­
tribuem para clarificar, recortar, limitar, relativizar e negar o que
está a ser dito.

(i) Advérbios de afirmação:


* etiam ( «também»);
* quidem, equidem ( «decerto», «de facto»);
246 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLO U I A

* uérõ ( «deveras»); .
* plãné ( «bastante»);
* sãné ( «decerto»);
* profectõ ( «decerto»);
* omninõ ( «completamente»);
* certé ( «certamente») .
(ii) Advérbios de limitação :
* pariter ( «igualmente»);
* simul ( «simultaneamente»);
* plérumque ( «geralmente», «a maior parte das vezes»);
* sõlum ( «somente»);
* tantum ( «apenas»);
* modo ( «apenas»);
* partim ( «parcialmente»).

(iü) Advérbios de negação :


* nõn ( «não»);
* haud ( «não»);
* haudquãquam ( «de forma alguma») .

(iv) Advérbios dubitativos :


* fortasse ( «talvez»);
* forsan ( «talvez»);
* forsitan ( «talvez»);
* forte ( «por acaso»).

(v) Advérbios clarificadores do discurso :


* primum ( «em primeiro lugar»);
* primõ ( «inicialmente»);
h ll l O S 247

* deinde ( «seguidamente»);
* deinceps ( «depois»);
�f praetereã ( «além disso»);
;1� insuper ( «além disso»);
,IE dênique ( «afinal», «finalmente»);
➔ IE postrêmõ ( «por fim»).

(vi) Advérbios de grau:


➔lf multum ( «muito»);

➔IE quantum ( «quanto»);

*E satis ( «suficientemente»);
* nimis ( «demasiado»);
* nimium ( «demasiado»);
* ualdê ( «muito»);
* fermê ( «quase»);
* ferê ( «quase»);
* paulum ( «pouco»);
* tantum ( «tanto»);
* magis ( «mais»);
* potius ( «de preferência a»);
* potissimum ( «preferencialmente»);
* parum ( «muito pouco»);
* magnopere ( «grandemente»);
* uix ( «a custo»);
* aegrê ( «a custo») .

(vii) Advérbios de causa:


* ideõ ( «por isso»);
* idcircõ ( «por isso»);
* proptereã ( «por isso»).
248 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. MORPOLOO I A

(viii) Al guns advérbios de modo importantes na frase latina:


* ultrõ ( «espontaneamente»);
* aequê ( «de maneira semelhante»);
* perinde ( «de maneira semelhante»);
* proinde ( «de maneira semelhante»);
* similiter ( «semelhantemente» );
* itidem ( «semelhantemente» );
* aliter ( «diferentemente»);
* secus ( «diferentemente»);
* ita ( «assim»);
* sic ( «assim»);
* tam ( «tão»);
* adeõ ( «a tal ponto»);
* ut ( «como»).

Advérbios «oxítonos»

§9. Os advérbios são praticamente a única classe de palavras


em latim em que encontramos algumas palavras acentuadas
na última sílaba. No entanto, trata-se, em rigor, de falsas oxítonas,
já que o acento na última sílaba é devido à apócope (ver p. 374)
da vogal do sufixo dêictico -ce (ver p. 221 ) 92 :

* abhinc [abhínc] abhince; <


* dêhinc [dêhínc] < dêhince;
* adhüc [adhúc] adhüce; <
* illic [ illíc] illice;
<

92 Cf. Kühner & Holzweissig, p. 243; Roby, Vol. l, p. 99; Palmer, p. 221.
A u v i' 1 u1 1 0 s 249

1, isttc [ istíc] < isttce;


·!, illinc [illínc] < illice;
,1° illüc [ illúc] < illüce.
II.
Sintaxe
Introdu ç ão ao estudo da sintaxe latina

Se é facto que, sem conhecimentos de morfologia e de voca­


bulário, ninguém consegue decifrar uma frase em latim, não é
menos verdade que, para a frase fazer sentido, o conhecimento da
11intaxe - ou seja, da lógica que estrutura a frase - é ainda mais
necessário. A morfologia, por vezes, «chega-se lá» por intuição,
porque é um âmbito no estudo da lín gua em que pode bastar o
conhecimento passivo. O facto de al guém não conseguir dizer de
chofre o genitivo do plural de p iseis ( «peixe») não significa que
não reconheça imediatamente p íscium como genitivo do plural
quando lê a forma numa frase 1 • Quem hesita perante a pergunta de
como se diz «frio» em latim reconhece, não obstante, o signifi­
cado da palavra frígus quando a encontra numa frase.
Na sintaxe, por outro lado, a intuição e o conhecimento passivo
não chegam. Podemos saber o significado e a correta classificação
morfológica de cada palavra individual que compõe uma frase
latina e, contudo, não perceber a frase, porque se não conse guirmos
compreender a lógica que preside à sua estrutura - a sua sintaxe -,
não poderemos entendê-la (muito menos traduzi-la). Não foi à toa

1 Claro que a intuição não constitui, só por si, um fundamento sólldo na abordagem à morfolo­

gia do latim. Basta pensar na seguinte tradução «intuitiva», com que me ri às gargalhadas há
muitos anos, do primeiro verso da Eneida: «A arma, o varão e o cano que o meu primo trouxe
de Troia. » Na verdade, não é isso que significa arma uirumque canõ Troiae qui primus ab õris.
254 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SIN"rA U

que se estabeleceu, em épocas anteriores, a metodologia de ensinai'


sintaxe latina por meio de retroversões, porque é necessário, dr
facto, um conhecimento ativo das regras e das estruturas para de••
codificarmos o que as frases significam.
O latim - não vale a pena escamoteá-lo - é uma lín gua de estru•
tura complexa e a sua maior dificuldade reside na sintaxe. É certo
que verificamos uma variação considerável no grau de dificuldade
sintática consoante os autores e as épocas. Existe «menos difícil»,
«difícil» e «muito difícil». Uma coisa é ler a Vulgata, com a sua
clareza cristalina; outra coisa muito diferente é entrar no labirinto
de um texto de Cícero. A nossa bitola terá de ser Cícero, pois é à
fasquia mais alta que importa aspirar. Q!iem conse gue ler um texto
difícil conse gue ler um texto fácil; o contrário, porém, não corres­
ponde à verdade. Mas, mesmo mantendo como objetivo a leitura
de Cícero, não descuraremos exemplos extraídos de outros textos.
Neste capítulo introdutório ao estudo da sintaxe, iremos passar
em revista geral - antes de, nos capítulos se guintes, os abordarmos
individualmente - al guns tópicos muito importantes da sintaxe
latina, um pouco à guisa de uma ementa comentada cuja finalidade
é chamar a atenção, desde já, para o tipo de temas e de problemas
que confrontarão quem aspira a entrar no universo tão exigente
quanto compensador da literatura latina.

Coordenação e subordinação

Um pensamento que certamente já terá ocorrido a quem está


a ler este livro é que a terminologia gramatical usada é «conserva­
dora». A razão para isso é que não é útil aplicar ao ensino e à apren­
dizagem do latim o último grito (seja ele qual for) no campo da
Ili l ' M O I I U ÇÃO AO ESTUDO DA SINTAXE LATINA 255

1,rminologia gramatical: em primeiro lugar, porque o que conta


hoje como último grito será certamente substituído por outra coisa
lJlrnlquer daqui a uns anos; em segundo lugar, porque as grandes
ohras de consulta para o estudo do latim e do grego, as quais, mais
n•do ou mais tarde, todos os helenistas e latinistas têm de consultar
sejam elas as monumentais gramáticas de Raphael Kühner, escri­
l ,1s no século XIX (depois revistas no século xx) e nunca até hoje
ultrapassadas, ou o moderno Oxford Latin Dictionary -, usam a
ll 'rminologia tradicional. Se olharmos para bons recursos atuais
para o estudo inicial do grego e do latim, como sejam a Latin Grammar
de James Morwood ( Oxford, 1999) ou a Oxford Grammar of
C/assical Greek (2001) do mesmo autor, verificamos que a termi­
nologia se mantém tradicional. É a opção mais sensata.
Assim sendo, e tratando-se de sintaxe, o que interessa sobre­
tudo dominar no campo da terminologia é a classificação das
frases. Importa perceber:

* o que é uma frase simples (i.e., que só tem um verbo,


portanto só tem uma oração);
* o que são frases simples ligadas por coordenação (i.e., frases
ligadas por «e», «mas», etc.);
* o que é uma frase complexa (em que as orações, porque
estabelecem entre si uma relação hierárquica, são subordi­
nadas; i.e., frases iniciadas por «que», «quando», «por­
que», «se», etc.).

(i) Frase simples: «A população fechou as portas ao imperador.»


( ü) Frases simples ligadas por coordenação copulativa: «A popu­
lação fechou as portas ao imperador � permaneceu dentro
de casa.»
256 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAX I ,

(iii) Frases simples ligadas por coordenação adversativa:


«A população fechou as portas ao imperador, mas não
cometeu atos de agressão.»
(iv) Frase complexa com duas orações, a segunda das quais
subordinada: «A população fechou as portas ao impera­
dor, quando soube da sua chegada.»
(v) Frase complexa com mais de duas orações subordinadas :
«A população fechou as portas ao imperador, quan do
soube que as tropas, que ele comandava, tinham vindo
para destruir o templo.»

Como se notou, a frase (i) é a única onde não fi gura uma pala­
vra sublinhada, pois nos exemplos acima propostos as palavras
sublinhadas são conjunções, ou seja, são as «dobradiças» que per­
mitem a articulação das frases. Visto que a frase (i) é uma frase
simples só com um verbo, não ocorre nela qualquer conjunção.
Na frase (ü) encontramos, para todos os efeitos, duas frases sim­
ples, sendo a se gunda ligada à primeira por «e». Trata-se do tipo
mais comum de oração coordenada: a oração coordenada copulativa.
Na frase (ili) encontramos o outro tipo mais comum de oração
coordenada: uma oração coordenada adversativa, introduzida por
«mas».
Por outro lado, na frase (iv) encontramos duas orações com
um estatuto hierárquico diferente. A oração introduzida por
«quando» está subordinada à anterior (a principal ou subor­
dinante), porque a oração de «quando» não pode fazer sentido
independentemente da oração a que está subordinada . A frase
«a população fechou as portas ao imperador» faz sentido sozinha;
mas a frase «quando soube da sua chegada» não funciona como
enunciado independente.
I IH M O l> U ÇÁO AO ESTUDO DA SINTAXJ! LATINA 257

Vemos essa situação de forma mais clara ainda na frase (v),


onde as orações subordinadas (indicadas pelas conjunções subli­
nhadas) não fazem sentido independentemente umas das outras:

A população fechou as portas ao imperador [oração principal]


quando soube [oração subordinada temporal]
� as tropas [ ... ] tinham vindo [oração subordinada completiva ou
integrante]
� ele comandava [oração subordinada relativa]
para destruir o templo [oração subordinada final = «para que destruís­
sem o templo» ] .

Fiquemos agora com estes dois quadros, que, por meio do


recurso a frases simples portuguesas, pretendem ajudar quem não
domine esta terminologia a clarificar as noções de que precisamos
para abordar a sintaxe latina.

Quadro 1: orações coordenadas


nome da oração conjunção que a introduz exemplo
copulativa e «Ela chegou e
começou logo a
cantar.»
adversativa mas «Ele tinha fome, mas
não quis almoçar.»
conclusiva portanto, logo «Estou doente,
portanto não posso
trabalhar.»
explicativa pois «Não posso trabalhar,
pois estou doente.»
2S8 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. S1NTAJII,

Quadro 2: orações subordinadas


nome da oração conjunção que a introduz exemplo
completiva/ que «Ela disse que não
/integrante vendia tabaco.»
interrogativa se «Ele perguntou se
indireta havia folga à quarta-
-feira.»
oração relativa que, o qual «O jardim que ela
criou é o centro da sua
vida.»
oração temporal quando «Fiquei em estado de
choque quando vi o
acidente.»
oração causal porque «Ele não quer fazer
análises, porque teme
o resultado.»
oração final para que «Ela interveio daquela
maneira, para que
a situação não se
repita.»
oração consecutiva (de tal modo) que «A questão é de tal
modo complexa que
nin211ém a entende.»
oração concessiva embora, ainda que «Ele gosta de vinho da
Madeira, embora não
beba álcool.»
oração condicional se «Vamos à praia, se o
tempo melhorar.»

Orações coordenadas em latim

ego dicõ tibi quia tü es Petrus et s up er hanc petram aedificãbõ


ecclêsiam meam et portae inferi nõn praeualêbunt aduersus eam
et tibi dabõ clãuês regni caelõrum et quodcumque ligãueris sup er
I N 1' II O D U ÇÃO AO ESTUDO DA SINTAXE LATINA 259

terram erit ligãtum in caelis et quodcumque solueris super terram


crit solütum in caelis.
VOCABULÁRIO 2 :

Jicõ, «dizer»; quia, «porque » (no latim tardio, « que » ) ; petra,


«pedra»; aedificõ, «edificar»; ecclesia, «igreja»; porta, «porta»;
inferus, equivalente a «Hades » na frase grega, «ínfero»; praeualeõ,
«prevalecer»; aduersus, «contra»; clãuis, «chave»; regnum, «reino»;
caelum, «céu»; quodcumque, ver p. 229; ligõ, «ligar»; super, «sobre»;
soluõ (supino: solütum), «desligar» .
TRADUÇÃO :

«Eu digo-te que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja
e as portas do ínfero não prevalecerão contra ela e eu dar-te-ei as chaves
do reino dos céus e seja o que for que ligares [à letra, «terás ligado» ]
sobre a terra será ligado [ à letra, «terá sido ligado» ] nos céus e seja o
que for que desligares [à letra, «terás desligado»] sobre a terra será
desligado [à letra, «terá sido desligado» ] nos céus.» (Mateus 16: 18-19)

Graças ao destaque proporcionado pelo negrito, é fácil ver,


num primeiro relance, que o modo de articular as frases no texto
acima transcrito é a conjunção et ( «e»).
Trata-se de um processo sintático habitual na Vulgata, pois faz
parte do estilo «septuagintístico» que dá ao Novo Testamento em
latim uma cor estilística inconfundível - cor essa que a própria
Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento, que influen­
ciou de maneira determinante o estilo em que foram compostos os
Evangelhos do Novo Testamento grego) herdou da Bíblia Hebraica.
Contudo, para leitores pagãos cultos da época de Jerónimo
- responsável pela Vulgata (finais do século 1v) - a quem calhasse

' Neste capítulo e nalguns dos segu intes, as citações dos autores latinos serão apresentadas
(quando isso se afigurar pertinente) com um vocabulário ultrassintético antes da tradução por­
tuguesa, para permitir uma decifração mais motivante das citações propostas e, ao mesmo
tempo, urna entrada progressiva no léxico latino.
260 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAU.

ler o trecho acima transcrito, esta insistência em juntar as frase•


umas às outras por meio de «e» teria parecido tosca; e é preciso
ver que o próprio Jerónimo e os seus contemporâneos Agostinho
e Ambrósio não escreviam assim de maneira tão carente de sofis­
ticação em obras com a sua assinatura.
Há diversos tipos de orações coordenadas em latim (copulati­
vas, adversativas, causais, conclusivas), introduzidas por uma varie­
dade considerável de conjunções diferentes (ver p. 275). Como são
orações cuja compreensão não causa dificuldade - já que não é
necessário (ao contrário do que sucede com as subordinadas) des­
trinçar na sua leitura a relação hierárquica que estabelecem umas
com as outras -, não lhes é dedicada a mesma atenção nas gramá­
ticas que tem de ser dada, obrigatoriamente, às orações subordina­
das. No entanto, vejamos al guns exemplos de orações coordenadas,
para ficarmos com uma sensação de como funcionam.

(i) Oração coordenada adversativa (com a conjunção autem,


«mas» 3):

< Gyges> ã nullõ uidébãtur; ipse autem omnia uidébat.


VOCABULÁRIO :
Gyges, «Giges» (pastor, mais tarde rei da Lídia, detentor de um anel
mágico que o tornava invisível); ã, «por» (introduz, seguido de abla­
tivo, o agente da passiva: verp. 3 10); nullõ, ablativo de némõ (ver p. 237);
uideõ, «ver»; omnia, neutro do plural (acusativo) de omnis, «todo».
TRADUÇÃO :
« <Giges não> era visto por ninguém; mas ele via todas as· coisas. »
( Cícero, D é officiis 3.38)

3
A conjunção autem é pospositiva (isto é, não pode surgir em primeiro lugar na frase).
hl 'l' M O l> U ÇÃO AO ESTUDO DA SINTAXE LATINA 261

(ii) Oração coordenada conclusiva (introduzida por ergõ,


«portanto»):

ego cõgitõ, ergõ sum4•


«Eu penso, portanto existo.» (Descartes, Principia Philosophiae 1.7)

(iii) Orações coordenadas de sentido explicativo introduzidas


por enim, «pois» (e oração adversativa introduzida por
sed, «mas»):

Nõs enim ne nunc quidem oculís cernimus ea quae uidemus: neque


est enim üllus sensus in corpore, sed - ut nõn physicí sõlum docent,
uerum etiam mediei (quí ista aperta et patefacta uiderunt) - uiae
quasi quaedam sunt ad oculõs, ad aures, ad nãres ã sede animí
perforãtae.
VOCABULÁRIO :
né [ ... ] quidem, «nem sequer»; nunc, «agora»; oculus, «olho», cernõ,
«distinguir»; üllus, «algum»; sénsus, «sentido», «perceção»; corpus,
«corpo»; physicus, «físico» (neste caso, refere o filósofo que se dedica
ao estudo da natureza); doceõ, « ensinar»; medicus, «médico»; apertus,
«aberto»; patefactus, «patente»; uia, «via» (aqui refere as artérias do
corpo humano); quaedam (ver p. 230 ) ; auris, « ouvido » ; nãris,
«narina»; sédés, «sede», « assento»; animus, « alma», «espírito»;
perforãtus, «perfurado» .
TRADUÇÃO :
«Pois [enim] nós agora [nunc] nem sequer [né ( ... ) quidem] distingui­
mos [cernimus] com os olhos [oculis] as coisas que vemos [ea quae
uidémus]; pois [ enim] nem existe qualquer perceção [ üllus sénsus] no
corpo, mas - tal como [ut] não só [nõn sõlum] os físicos ensinam
[docent], mas também [sed etiam] os médicos (que viram [qui ( ... )

4
Habitualmente falta o ego quando esta frase de Descaites é citada.
262 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. S!NTAII

uiderunt] estas coisas abertas e patentes) - existem como que algu mh


vias [uiae quasi quaedam sunt] perfuradas desde a sede da alma [ã sldt
animí] até aos olhos [ad oculõs], aos ouvidos [ad aures], às narin11
[ad nãres] .» (Cícero, Tusculanas 1 .46)

Subordinação: orações infinitivas

Voltemos agora à passagem acima citada do Evangelho de


Mateus. Além da superabundância de orações coordenadas ligadas
pela conjunção copulativa et, há outro elemento do texto que teria
suscitado a desaprovação de um leitor culto: o facto de a única
oração subordinada ostentar uma construção «errada» 5 : ego dico
tibi quia tü es Petrus ( «eu digo-te que tu és Pedro»).
Trata-se, na verdade, de uma construção informal, que não é
especificamente tardia, pois aparece em séculos anteriores, confe­
rindo, por exemplo, um tom popular à frase ego illi iam três cardelis
occidi et dixí quia mustella comedit, «eu já lhe matei três pintassil­
gos e disse que a doninha <os > comeu» (Petrónio, Satyricon 46).
Não se pode dizer que a construção seja muito elegante e, por isso,
mesmo a uma distância temporal de Petrónio semelhante à que
nos separa de Camões, Ambrósio e Agostinho continuaram a evi­
tar dicõ quia nos textos em que aspiravam a um registo mais formal
(ainda que, em cartas, Ambrósio até use a expressão 6).
Voltaremos ao tema mais à frente; mas diremos apenas, para
já, que a construção formal e culta de dicõ é a que vemos na seguinte

s O erro é, sob vários pontos de vista, relativizável, desde logo porque a frase traduz para latim
uma construção que, em grego, não está errada (ltyw ÕTl - pois ltyw, ao contrário de 'Pl'Jl!I
[outro verbo grego para «dizer», cognato do latimfãrí, que vimos na p. 208 ], não exige oração
infinitiva). Ver Woodcock, p. 23.
6
Cf. Haverling, pp. 331-332.
•• u u 1 1 u ç A o AO ESTUDO DA SINTAXE LATINA 263

lr11Nc de Cícero: dícõ té priõre nocte uénisse, «eu digo que tu vieste
1111 noite passada» ( Catilinária 1, IY.8) .
Ora, no caso desta frase d e Cícero, trata-se de urna construção
li111damental em latim: conhecê-la e reconhecê-la corresponde a urna
d.is tarefas prioritárias para quem pretende ler textos latinos. Chama­
Hl' oração infinitiva ( em termos portugueses, urna oração comple­

t lva ou integrante) e é um pilar do discurso indireto em latim. A ela


voltaremos na p. 321, mas fiquemos para já com as seguintes noções:

* uma oração infinitiva é urna oração subordinada (correspon­


dente a uma oração integrante ou completiva em português
[e.g. «ela diz que gosta de latim»]) dependente de um
verbo que signifique «dizer», «ver», «ouvir», «apren­
der», «saber», «pensar», «querer»; e também de iubeõ
( «ordenar») e uetõ ( «proibir»), verbos esses cuja constru­
ção está explicada na p. 348;
* trata-se de uma oração isenta de conjunção; portanto, não
encontramos nela qualquer palavra equivalente ao «que»
português;
* como o nome indica, é uma oração cujo verbo está no infi­
nitivo (presente, futuro ou perfeito, consoante o sentido do
que se quer dizer; ver p. 322);
* o sujeito da oração infinitiva está em acusativo 7 e tem de estar
sempre expresso; se for o mesmo da oração subordinante,
está expresso por meio do pronome reflexo ( sé, tratando-se
da 3.ª pessoa; no caso da l .ª e da 2.ª pessoas, é usado como
pronome reflexo o pronome pessoal).

7 Para a construção nominativo + infinitivo


(do tipo Theophrastus moriéns accüsãsse natüram dicitur,
«diz-se que Teofrasto ao morrer acusou a natureza» [Cícero, Tusculanas 3.69]), ver p. 323.
264 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI,

Vejamos agora, na prática, estes exemplos de oração infinitiva:

1.
dicebas quondam sõlum te nõsse Catullum,
Lesbia, nec prae me uelle tenere Iouem.
«dizias outrora que tu só conhecias Catulo,
ó Lésbia, e que em vez de mim não querias terJúpiter <como amante>.»
(Catulo 72. 1 -2 )

Refira-se que nõsse é a forma abreviada (ver p. 177) de nõuisse


(infinitivo perfeito de nõscõ, «conhecer»). Para uelle como infini­
tivo de uolõ, ver p. 202.
No primeiro verso do exemplo citado, te (acusativo) é o sujeito
da oração infinitiva; e Catullum (também acusativo) é o comple­
mento direto.

2.
uideõ enim hic esse in senãtü quõsdam qui tecum ünã fuerunt.
«vejo, pois, que estão aqui [hic] no senado alguns que estiveram junta­
mente [ünã] contigo [tecum] . » (Cícero, Catilinária 1, IY.8)

No caso desta frase, o sujeito da oração infinitiva (cujo predi­


cado é esse) é quõsdam (acusativo).

3.
Pompeiõs celebrem Campãniae urbem [ ... ] cõnsedisse terrae mõtü
[ ... ] audiuimus.
«ouvimos <dizer> que Pompeios, célebre cidade da Campânia, desabou
devido a um tremor de terra.» (Séneca, Nãtürãles Qµaestiõnes 6. 1 1 )
I N T R O D UÇÃO AO ESTUDO DA SINTAXE LATINA 265

O sujeito da oração infinitiva (cujo predicado é cõnsédisse,


Infinitivo perfeito de cõnsidõ) é Pompeiõs (acusativo).

4.
numquam sé cénãsse domi Philõ iürat.
«Fílon jura que nunca jantou em casa.» (Marcial 5.47. 1 )

Note-se, de novo, o infinitivo perfeito abreviado cénãsse


( a forma completa seria cénãuisse, do verbo cénõ [ l.ª conjugação],
<<jantar»).
No caso desta frase, como o sujeito da infmitiva é o mesmo da
oração principal (Philõ iürat), é expresso por meio do pronome
reflexo sé (acusativo).

Introdução ao uso do conjuntivo

A propósito da passagem citada do Evangelho de Mateus,


dissemos que os grandes escritores cristãos dos séculos IV-V culti­
vavam, nas suas próprias obras, uma escrita em latim bem mais
sofisticada do que a prosa diáfana - e por isso, à sua maneira, cheia
de «outra» beleza - da Vulgata.
Um exemplo expressivo desta realidade é a escrita de Agosti­
nho, autor que pode ser considerado, sem qualquer dúvida, um dos
mais talentosos cultores da língua latina (independentemente do
interesse próprio do seu pensamento).
No prólogo da sua obra Dé Trinitãte, escrita (em rigor, ditada)
ao longo da primeira década do século v, Agostinho refere uma
situação que lhe causou desgosto: a divulgação prematura, por
culpa de outrem, das suas reflexões a respeito da Trindade. Com
266 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI,

efeito, al guns livros desta obra tinham começado a circular antea


que o tratado estivesse completo, o que representou para o autor
um contratempo ingrato:

nõn enim sigillãtim, sed omnés simul edere eã ratiõne décréueram:


quoniam praecédentibus cõnsequentés inquisitiõne prõficiente
nectuntur.
VOCABULÁRIO :

sígillãtim (= singillãtim), «individualmente»; simul, « simultanea­


mente»; édere, «editar»; ratiõ, «razão»; décréueram, mais-que-perfeito
de décernõ, «decidir»; quoniam, «porque»; praecédéns, «precedente»;
cõnsequéns, «seguinte»; inquísitiõ, «indagação»; prõficiéns, «progres­
sivo»; nectõ, «ligar».
TRADUÇÃO:

«Pois [enim] eu decidira [décréueram] editar [édere] <os livros> não


individualmente [ nõn sígillatim ], mas todos simultaneamente [sed omnés
simul], por esta razão [eã ratiõne] : porque [quoniam] os <livros> seguin­
tes [cõnsequentés] se ligam [nectuntur] aos anteriores [praecédentibus]
por uma indagação progressiva [ inquísitiõne prõficiente] .»

Feita esta explicação, Agostinho dá continuidade ao seu


pensamento por meio das seguintes palavras (e atenção agora às
formas verbais em negrito):

cum ergõ per eõs hominés - qui priusquam uellem ad quõsdam


illõrum peruenire potuérunt - dispositiõ mea néquiuisset implert
interruptam dictatiõnem reliqueram cõgitans hoc ipsum in aliqui­
bus scriptis meis conqueri ut scírent qui possent nõn ã mé fuisse
eõsdem librõs éditõs sed ablãtõs priusquam mihi éditiõne meã digni
uidérentur.
I N'l' II O D U ÇÃO AO ESTUDO DA SINTAXE LATINA 267

VOCABULÁRIO :

cum, «como», aqui uma conjunção introduzindo uma oração subordi­


nada temporal-causal cujo verbo ( néquiuisset) está no mais-que-perfeito
do conjuntivo (ver p. 336); per, «por»; priusquam, « antes de»; uellem
(ver p. 20 1 ) ; quõsdam (ver p. 320); perueníre, «chegar», « atingir»;
potuerunt (ver p. 194) ; néquiuisset, mais-que perfeito do conjuntivo de
néqueõ (ver p. 199); implérí, infinitivo passivo de impleõ, «preencher»;
reliqueram, mais-que-perfeito de relinquõ, «abandonar»; aliquis, com­
posto de quis; conquerí, infinitivo do verbo depoente conqueror,
«queixar-se»; ut, «para que»; scírent, imperfeito do conjuntivo de sciõ,
«saber»; possent (ver p. 195); ablãtus, particípio perfeito de auferõ,
«levar»; uidérentur, conjuntivo imperfeito passivo de uideõ, «ver», aqui
com o sentido de «parecer» .
TRADUÇÃO :

«Como [cum], por conseguinte [ergõ], a minha disposição [dispositiõ]


não pudera [néquiuisset] ser cumprida [implérí] por intermédio desses
homens - que, antes que eu teria querido [priusquam uellem], consegui­
ram [potuérunt] chegar [perueníre] a alguns daqueles <livros> - eu aban­
donara [ reliqueram] o ditado, interrompido, pensando [ cõgitãns]
queixar-me [conquerí] disto mesmo em alguns escritos meus, para que
soubessem [ ut scírent] aqueles que pudessem que estes livros não foram
editados por mim, mas levados [ablãtõs] antes que me [mihi] pareces­
sem [uidérentur] dignos da minha edição.»

As formas verbais destacadas a negrito encontram-se no con­


juntivo. Veremos em capítulos posteriores o funcionamento do
conjuntivo no interior das orações que estão em causa no trecho
citado de Agostinho. Mas será pertinente ficarmos desde já com a
ideia de quão importante se afi gura o conjuntivo no contexto mais
amplo da sintaxe latina.
Se pensarmos no uso do conjuntivo em grego, vemos que se
limita, na prática, a dois tempos: presente e aoristo. No latim, por
268 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAX l.

outro lado, os quatro tempos do conjuntivo (presente, imperfeito,


perfeito e mais-que-perfeito) aparecem a cada passo em textos de
todo o tipo e de todas as épocas. As vezes, quase ficamos com a
sensação de que os escritores romanos não descansavam enquanto
não conseguissem passar o maior número possível de formas ver­
bais para o conjuntivo (um caso paradigmático é a abertura da
grande obra historiográfica de Tito Lívio, Ab urbe conditã [ver
p. 479], ou os versos iniciais das Geórgicas de Vergílio). A razão para
isso é que basta a presença de uma pequena construção sintática a
alterar o estatuto do que está a ser escrito - isto é, uma construção
que faça de palavras ditas, ou pensadas, palavras reportadas à dis­
tância oblíqua de um grau enunciativo (por isso se chama tradicio­
nalmente a este modo de enunciação latina «discurso oblíquo»,
õrãtiõ obliqua) - para logo as orações que, em situação normal,
teriam o verbo no indicativo passarem a ter o verbo no conjuntivo.
Na famosa frase de Cícero «não saber o que aconteceu antes de
teres nascido é seres para sempre criança» ( Õrãtor 120), temos
dois conjuntivos em latim que, se a frase fosse dita em discurso
direto, seriam indicativos:

a) Frase tal como ela aparece em Cícero: nescire quid, ante­


quam nãtus sis, acciderit, id est sempre esse puerum.
b) Elementos constitutivos da frase imaginados em discurso
direto: «O que aconteceu antes de teres nascido?» = quid
accidit antequam nãtus es ?

Sem prejuízo das informações que apresentaremos mais à


frente, fiquemos desde já com esta orientação geral sobre o uso do
conjuntivo em latim:
I N T R O D U ÇÃO AO ESTUDO DA SINTAXE LATINA 269

(i) Numa frase simples independente, o conjuntivo pode ser


«jussitivo», «deliberativo» ou «desiderativo»:

➔!< conjuntivo jussitivo ou exortativo:


uiuãmus, mea Lesbia, atque amémus
«vivamos, minha Lésbia, e amemos» (Catulo 5.1);
conjuntivo deliberativo:
quidfaciam ?
«que hei de fazer?» (Terêncio, Phormiõ 539);
* ' conjuntivo desiderativo:
Iuppíter omnípotens, utínam ne tempore primõ
Cnõsía Cecropíae tetigissent litora puppes!
«Júpiter omnipotente, quem dera [ utinam] que nunca
as naus atenienses [ Cecropiae ( ... ) puppes] tivessem tocado [ teti­
gissent, conjuntivo mais-que-perfeito de tangõ] praias cretenses
[Cnõsia ( ... ) litora] » (Catulo 64.171-172).

(ii) No entanto, o conjuntivo ocorre, sobretudo, em orações


subordinadas: orações finais, orações consecutivas,
interrogativas indiretas, condicionais, (al gumas) con­
cessivas, em ordens indiretas e em orações dependentes
de verbos que exprimem receio.
(iü) Uma oração relativa com o verbo no conjuntivo é nor­
malmente uma oração final «disfarçada» (mas há
outras situações em que as orações relativas têm o verbo
no conjuntivo; ver p. 341).
(iv) O perfeito do conjuntivo ocorre sobretudo em interro­
gativas indiretas e em orações consecutivas.
(v) Em orações temporais-causais introduzidas por cum
(ubíquas na prosa latina), encontramos o imperfeito do
270 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINT4H

conjuntivo ou o mais-que-perfeito do conjuntivo


(nunca o perfeito do conjuntivo 8 ) .
(vi) Em orações condicionais, encontramos sobretudo u
presente, o imperfeito e o mais-que-perfeito do conjun•
tivo.
(vii) Excetuando as orações consecutivas, a opção por deter•
minado tempo do conjuntivo em orações subordinada•
está sujeito a um código chamado cõnsecütiõ temporum,
«sequência dos tempos», o que significa, na prática, que
a escolha do tempo do conjuntivo numa determinada
frase não é arbitrária e que há uma lógica - que apresen­
taremos nas pp. 316-320 - que preside ao seu uso.
(viü) Quando o conjuntivo ocorre numa oração subordinada
em que, normalmente, o verbo estaria no indicativo,
isso acontece por duas razões:

* porque se trata de uma sequência em discurso indireto


(õrãtiõ obliqua, termo que referimos mais acima) : na
lógica da õrãtiõ obliqua em latim, quando uma oração nor­
malmente construída com indicativo já depende, por sua
vez, de um conjuntivo ou de um infinitivo, a oração que
teria em circunstâncias normais o verbo no indicativo tem
o verbo no conjuntivo. Para um caso claro, ver perscripserim
no início da obra de Tito Lívio, comentado na p. 480;
* para indicar o descomprometimento de quem escreve com
aquilo que está a escrever. Um exemplo bem refinado
(e maldoso) deste uso do conjuntivo ocorre numa frase de

8
Se, todavia, a oração tiver sentido exclusivamente temporal, podemos encontrar o indicativo.
Ver p. 336.
IN l' M O llUÇÃO AO ESTUDO DA SINTAXE LATINA 27 1

Cícero a respeito de Cipião Africano, elogiado pelo filósofo


Panécio por causa da sua abstinência (na qual Cícero
parece não acreditar, pelo facto de usar o conjuntivo em vez
do indicativo) 9 :

laudat Ãfricãnum Panaetius quod fuerit [conjuntivo per­


feito] abstinéns
«Panécio louva <Cipião> Africano porque < alegadamente>
teria sido abstinente» (Dê officiis 2.76).

Ablativo absoluto

A par da oração infinitiva (a que aludimos mais acima), uma


construção recorrente na poesia e na prosa latinas é o ablativo
absoluto. Consideremos as seguintes frases de Tito Lívio ( 4.4):

augurés, Rõmulõ regnante, nüllí erant


«áugures, reinando Rómulo, não existiam [à letra, «nenhuns havia» ] »

cõnsulés numquam fuérunti régibus exãc:tis creãti sunt


« cônsules nunca tinham existido; expulsos os reis, foram criados
[no sentido de «nomeados», «escolhidos» ] » .

A s palavras em ablativo (destacadas a negrito) são constituídas


por um substantivo e por um particípio, ambos em ablativo, pala­
vras essas que não estabelecem uma ligação direta (em termos de
relação sujeito-predicado) com a frase em que estão inseridas.
A independência sintática da construção é condição indispensável
para a podermos considerar um ablativo absoluto.

9 Cf. Pinkster 2015, p. 647.


274 NOVA GRAMÁTICA. DO LATIM. SINTA.X I,

* compreender o funcionamento (que não é difícil) dai


orações relativas;
* entender a lógica da cõnsecütiõ temporum (pp. 3 16-320) 1
* a correta identificação das restantes orações subordinadas
(sobretudo finais, consecutivas, interrogativas indiretas,
condicionais, temporais-causais [cum + imperfeito ou mais­
-que-perfeito do conjuntivo] e orações dependentes de
verbos que exprimem receio);
* a compreensão do uso do conjuntivo nessas orações;
* a identificação e o entendimento de ablativos absolutos;
* a função dos casos na sintaxe latina (ver pp. 288-3 15);
* o papel do gerúndio e do gerundivo (ver pp. 359-363).
Conjunções

No capítulo anterior, referimo-nos às conjunções como


«dobradiças» que servem para articular as orações, quer coorde­
nadas, quer subordinadas. Vejamos agora o seu elenco completo.

Conjunções coordenativas

As conjunções coordenativas podem ser:

* copulativas (por exemplo: et, «e»);


* adversativas (por exemplo: sed, «mas»);
* conclusivas (por exemplo: ergõ, «portanto», «logo»);
* explicativas (por exemplo: enim, «pois»);
* disjuntivas (por exemplo: aut, «ou»).
Nas tabelas seguintes, uma estrela a seguir a uma conjunção
( autem*) indica que ela ocupa sempre o segundo lugar na frase;
duas estrelas ( igitur**) indicam que ocupa tendencialmente o
segundo lugar na frase.
276 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI,

conjunções copulativas significado


et
-que
«e»
atque
ac
neque
«nem»
nec
etiam
quoque «também»
item

A conjunção -que é uma enclítica, bem visível na expressão


Senãtus Populusque Rõmãnus. Acarreta a deslocação do acento
( Populúsque) .

conjunções coordenativas disjuntivas significado


aut
uel
«ou»
siue
seu

conjunções coordenativas adversativas si20ificado


sed
at
«mas»
atqui
autem "'
tamen**
attamen «porém»
uérumtamen
céterum
uérum «aliás»
uérõ
CONJUNÇÕES 277

_ conjun ões coordenativas licativas si · cado


nam
namque
enim* «pois»
etenim
enimuérõ

conjunções coordenativas conclusivas sitm.ificado


ergõ «portanto»,
itaque «por conseguinte»,
i}(itur** «logo»
quãré
quãpropter «pelo que»
quõcircã

Conjunções subordinativas

As conjunções subordinativas podem ser:

* consecutivas (ut, «para que»);


* finais (por exemplo: ut, «que»);
* causais (por exemplo: quod, «porque»);
* temporais (por exemplo: quandõ);
* condicionais (si, «se»);
* concessivas (por exemplo: quamquam, «embora»).
conjunções subordinativas consecutivas significado
ut «que»
ut nõn «que não»
278 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXB.

conjunções subordinativas finais significado


ut «para que»
ne «para que não»
quõ «para que»
quõminus «para que não»

conjunções subordinativas causais significado


quod
quia
quippe «porque»
quoniam
quandõquidem
cum « como»

conjunções subordinativas temporais significado


cum
ut
« quando»
quandõ
ubi
dum
dõnec «enquanto»
quoad
antequam
«antes que»
priusquam
postquam «depois que»

conjunções subordinativas condicionais significado


si «se»
nisi «a não ser que»
si nõn «se não»
modo
«desde que»
dummodo
CONJUNÇÕES 279

conjunções subordinativas concessivas significado


quamquam + indicativo
«embora»
etsi + indicativo
quamuis + conjuntivo
etiamsi + conjuntivo «embora»
cum + conjuntivo

Um aspeto que ressalta destes quadros referentes às conjun­


ções subordinativas é, por um lado, a variedade de conjunções e,
por outro lado, a polivalência de duas delas: ut e cum.
Na verdade, as nuances da conjunção cum são várias. Podería­
mos, teoricamente, desdobrar cum em oito conjunções 1 1 :

* cum historicum;
* cum inuersiuum;
* cum relãtiuum;
* cum iterãtiuum;
* cum explicãtiuum;
* cum causãle;
* cum concessiuum;
* cum aduersãtiuum.
Embora a utilidade destas designações seja discutível, o pró­
prio facto de elas serem possíveis alerta-nos para a import ância
de darmos atenção ao funcionamento «no terreno» das con­
junções - e isto por uma razão muito simples: quem está a ler
um texto em latim não vê na página sinalizações do tipo «oração
concessiva !» ou «oração final !» . O que tem debaixo dos olhos

11 Cf. Bayer & Lindauer, p. 252.


280 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXE.

são orações de cum, de dum, de nê, de quod, de si, de ut, etc.


Conhecer, portanto, o comportamento das diversas conjun­
ções latinas é um passo fundamental no percurso de qualquer
latinista.
Prep osições

§ 1. Em latim (tal como em grego ou, para dar o exemplo de


uma língua moderna, em alemão), as preposições regem casos.
Isto é, após uma preposição nunca podemos ter a forma de nomi­
nativo de um substantivo, adjetivo ou pronome: a preposição
obriga a que a palavra por ela regida seja declinada num caso
oblíquo.

§2. Em grego e alemão, as preposições podem reger um (ou


mais) de três casos: acusativo, dativo e genitivo. Em latim, as pre­
posições regem somente dois: acusativo e ablativo.

§3. Na norma culta, não havia qualquer ambi guidade relativa­


mente ao caso correto regido por cada preposição, mas na lín gua
popular não faltavam deslizes - desde logo nos grafitos nas paredes
de Pompeios, onde quem escrevia de forma descuidada e «a des­
pachar» partia muitas vezes do princípio (errado) de que qualquer
preposição podia reger acusativo. Essa tendência de construir com
acusativo preposições que, na lín gua culta, regiam ablativo vai-se
notando também no latim tardio 12 •

12 Cf. Clackson & Horrocks, p. 254.


282 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. SINTAXB.

§4. Embora existam quatro preposições ( in, sub, super e subter)


que podem reger, consoante o significado pretendido, acusativo ou
ablativo, todas as outras regem um só caso.

§5. As preposições que regem dois casos constroem-se com


acusativo se a ideia expressa implicar a noção de movimento; e
com ablativo, se implicar a noção de «lugar onde». Note-se, por
exemplo, a diferença entre estes dois usos da preposição in:

ciuem Rõmãnum [ ... ] sublãtum esse in crucem dixérunt.


VOCABULÁRIO :
sublãtum esse, infmitivo perfeito passivo de tollõ, tollere, sustuli, sublãtum,
«levantar».
TRADUÇÃO :

«Disseram que um cidadão romano foi içado para a cruz. » (Cícero,


ln Verrem, ãctiõ secunda 1 .5)

nõn pascés in cruce coruõs


«não alimentarás na cruz os corvos [i.e., «não serás crucificado» ] »
(Horácio, Ep{stolas 1 . 1 6.48 ) .

Síntese das principais preposições

1. Preposições com acusativo

* ad
(i) «para» ( ad Tarentum, «para Tarento», Cícero, Dé
senectüte 4) .
(ii) «até» ( ab hõrã octãuã ad uesperum, «desde a oitava hora
até ao fim da tarde», Cícero, Ad Atticum 7.8).
P REPOSIÇÕES 283

* ante
(i) «diante» ( ante ostium, «diante da porta», Terêncio,
Andria 474) .
(ii) «antes» ( ante Iouem, «antes de Júpiter» [i.e., «no rei­
nado de Saturno»], Vergílio, Geórgicas 1 . 125) .

* apud
(i) «junto de» ( ap ud forum, «junto do fórum», Terêncio,
Andria 302) .
(ii) «em casa de» ( ap ud me, «em minha casa», Terêncio,
Heauton Timoroumenos 430).
(iii) «na obra de» ( ap ud Xenophontem, «na obra de Xeno­
fonte», Cícero, De senectüte 22) .
(iv) «em» ( apud Memphim, «em Mênfis», Suetónio, Tito 5) .

* circum
(i) «à volta» ( circum te, «à tua volta», Horácio, Sátiras
1 .3. 135).

* circã
(i) «à volta de» ( circã pectus, «à volta do peito», Horácio,
Odes 1.3. 10) .

* contrã
(i) «contra» ( contrã me, «contra mim», Cícero, Ad Atti­
cum 10.8) .
(ii) «diante de» ( contrã me, «diante de mim», Plauto,
Persa 13) .
284 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXB.

* extrã
(i) «fora de» (extrã ostium, «fora de porta <s >», Terêncio,
Phormiõ 876) .

* in
(i) «para» ( in hanc urbem, «para dentro desta cidade»,
Cícero, Dé républicã 2. 19) .
(ii) «contra» ( in deõs, «contra os deuses», Cícero, D é nãtürã
deõrum 3.34) .

* inter
(i) «entre» ( inter mulierés, «entre as mulheres», Terêncio,
Andria 1 17) .
(ü) «no meio de» ( uidet auénam [ ... ] crescere inter triticum,
«vê aveia a crescer entre o trigo», Énio, Praecepta 1 1 3 ) .

* intrã
(i) «para dentro» ( intrã urbem, «para dentro da cidade»,
Tito Lívio 7. 1 1) .

* iuxtã
(i) «junto de» ( stãbat mãter dõlorõsa iuxtã crucem, «estava
a mãe dolorosa junto da cruz») .

* ob
(i) «por causa de» ( ob peccãtum hoc, «por causa deste erro»,
Terêncio, Heauton Timoroumenos 990) .

13 Cf. Fragments ofRepublican Latin, Vol. II (Harvard, 2018), p. 266.


P REPOSIÇÕES 285

* per
(i) «por» (per uígintí annõs, «por vinte anos», Tito Lívio
21.41) .
(ü) «por» (per me, «por mim», Terêncio, Andria 699) .

* post
(i) «depois» (femina post te ulla, «nenhuma mulher depois
de ti», Propércio, 4. 14.9) .

* prope
(i) «perto» (prope me, «perto de mim», Cícero, Ad fami­
liãres 7 .23) .

* propter
(i) «por causa de» (propter frigora frumenta in agrís mãtüra
nõn erant, «por causa do frio os cereais nos campos não
estavam maduros», César, De bellõ Gallicõ 1 . 16) .

* secundum
(i) «segundo» ( secundum nãtüram, «de acordo com a natu­
reza», Quintiliano 12. 1 1. 13) .

* sub
(i) «para debaixo de» ( sub undãs, «para debaixo das ondas»,
Vergílio, Eneida, 8.538) .

* super
(i) «sobre» ( super et Garamantãs et Indõs prõferet imperium,
«até sobre os garamantas e sobre os indianos levará o seu
império», Eneida, 6.794-795) .
286 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI,

* trãns
(i) «do outro lado de» ( trãns Tiberim, «do outro lado do
Tibre», Cícero, Ad Atticum 12. 19).

* ultrã
(i) «além» ( ultrã legem, «além da lei», Horácio, Sátiras
2. 1. 1-2).

2. Preposições com ablativo

* ã, ab

(i) «de», ( quõ requiesceret animus ã domesticis ma lis, «para


que o ânimo descanse dos males domésticos», Tácito,
Anais 6.38) .
(ii) «por» (agente da passiva: Trebonium meum ã té amãri
teque ab illõ pergaudeõ, «alegro-me que o meu Trebónio
seja amado por ti e tu por ele», Cícero, Ad Quintumfrãtrem
3. 1.).
(iii) «desde» ( ab eõ locõ, «desde aquele lugar», Cícero,
Prõ Caecinã 30) .

* cõr ma

(i) «diante de» ( cantãbit uacuus cõram latrõne uiãtor, «um


viandante sem nada cantará <porque não tem nada a
perder > diante de um ladrão», Juvenal 10.22).

* cum
(i) «com» ( cum sociis nãtõque, «com os amigos e <com >
o <meu > filho», Vergílio, Eneida 3. 12).
l 1 M l!POSIÇÕES 287

* dê
(i) «de» (Lucretius etAttius dê murõ sê deiecêrunt, «Lucrécio
e Átio atiraram-se do muro», Dê bellõ ciuili 1. 1 8).
(ii) «acerca de» ( dê rêrum nãtürã, «acerca da natureza das
coisas»).

* ê, ex
(i) «de» ( tõtus ex fraude et mendãciõ factus, «todo <ele >
feito de fraude e de mentira», Cícero, Prõ Cluentiõ 26).

* in
(i) «em» ( latet anguis in herbã, «está uma cobra escondida
na erva», Vergílio, Bucólicas 3.93).

* prõ
(i) «à frente de» (prõ turribus, «à frente das torres», Vergílio,
Eneida 9.677).
(ii) «em prol de» (prõ Rõmãnõ populõ, «em prol do povo
romano», Énio, Anais 209).

* sine
(i) «sem» ( sine ipsõfactum est nihil quodfactum est, «sem Ele
nada, que foi feito, foi feito», João 1:3).

* sub
(i) «debaixo de» ( sub monte, «debaixo do monte», Énio,
Anais 440) .
Sintaxe do acusativo

As funções do acusativo são essencialmente seis:

(i) Exprime o complemento direto do verbo.


(ü) Exprime o sujeito de uma oração infinitiva.
(iii) Exprime a noção de lugar «para onde».
(iv) Exprime a noção de extensão e de duração no tempo e no
espaço.
(v) Pode reforçar a própria ideia contida no verbo (acusativo
interno ou cognato).
(vi) Pode exprimir relação (acusativo de relação).

Complemento direto
Esta função do acusativo já foi apontada na p. 69.

§ 1. Na seguinte inscrição ( CIL 10.7697.6-7), vemos as funções


(i) e (ü):

Quí legis hunc titulum mortãlem ti esse mementõ


«Tu que lês esta inscrição <fúnebre>, lembra-te de que tu és mortal».

Note-se, ainda, mortãlem, o nome predicativo do sujeito, aqui


em acusativo para concordar com ti.
S I N TAXE DO ACUSATIVO 289

Veja-se também a frase citada de se guida, em que podemos


considerar a tradução (a), na qual está implícita a ideia de uma
oração infinitiva em que temos de subentender esse (sendo incolam
e ciuem o nome predicativo do sujeito); ou a tradução (b), em que
a função das palavras referidas é de nome predicativo do comple­
mento direto:

<Sõcratés> tõtius enim mundi sé incolam et cíuem arbitrãbãtur


(a) «Sócrates considerava que ele próprio era habitante e cidadão do
mundo inteiro» (Cícero, Tusculanas 5.37).
(b) «Sócrates considerava-se habitante e cidadão do mundo inteiro».

§2. Na seguinte frase de Cícero, vemos as funções (i) e (iv):

cum hic domicilium Rõmae multõs iam annõs habéret, prõfessus


est apud praetõrem Q Metellum,familiãrissimum suum.
VOCABULÁRIO:
prõfessus est, perfeito de prõfiteor, prõfitêr� prõfessus sum, «declarar».
TRADUÇÃO:
«quando este [se. Arquias] já tinha domicílio em Roma há muitos anos,
registou-se [fez declaração de residência] junto do pretor Quinto
Metelo, seu amicíssimo» ( Cícero, Prõ Archiã IY.7).

§3. Al guns verbos constroem-se com dois acusativos. Os mais


relevantes são:

* doceõ, «ensinar»;
* poscõ, «pedir», «exigir»;
* rogõ, «pedir»;
* õrõ, «orar»;
* célõ, «esconder».
290 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI,

As construções a que estes verbos correspondem podem


causar estranheza, pois não seguem a mesma lógica do português.
Vejam-se os seguintes exemplos:

linguãs hominum [ ... ] docêbit [ ... ] uolucrés


«ensinará as línguas dos homens aos pássaros» (Manílio, Astronomica
5.378)

mé primum sententiam rogãuit


«primeiramente perguntou-me a <minha> opinião» ( Cícero, Ad Quin­
tum Jratrem, 2. 1 ) .

Lugar «para onde»

§4. A noção de lugar «para onde» (e «por onde») é normal­


mente expressa por meio de um sintagma preposicional com acu­
sativo:

per anfractüs deinde obscürissimõs egressus in hunc locum me


perdüxit prõlatõque pecüliõ coepit rogãre stuprum
VOCABULÁRIO:
anfractus, «viela»; prõlãtus, particípio perfeito de prõferõ, « apresen­
tar»; stuprum, «desonra», «sexo sórdido».
TRADUÇÃO :
«de seguida, saindo [igressus] por vielas [anfractüs] obscuríssimas,
trouxe-me até este lugar e, tendo oferecido dinheiro [prõlãtõ pecüliõ,
ablativo absoluto], começou [coepit] a pedir sexo sórdido [stuprum] »
(Petrónio, Satyricon 8).
S I N TAXE DO ACUSATIVO 291

§5. No entanto, também é possível exprimir a noção de lugar


«para onde» sem preposição:

ego rüs íbõ atque ibi manébõ


«eu irei para o campo e lá ficarei» (Terêncio, Eunüchus 216)

arma uirumque canõ, Troiae quí prímus ab õrís


Italiam fãtõ profugus Lãuiniaque uénit
litora...
« Canto as armas e o varão que primeiro das regiões de Troia
veio para Itália como fugitivo do destino e para as margens lavínias ... »
(Vergílio, Eneida 1. 1-3)

uéní Carthãginem
«vim para Cartago» (Agostinho, Confissões 3.1).

Note-se, ainda, as seguintes expressões:

* Rõmam, «para Roma»;


* Athénãs, «para Atenas»;
* Delphõs, «para Delfos».

Extensão e duração no tempo e no espaço

§6. Duração:

Rõmulus septem et trigintã régnãuit annõs, Numa trés et


quadrãgintã
«Rómulo reinou trinta e sete anos; Numa, quarenta e três» (Tito Lívio
1 .2 1 ) .
292 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI,

§7. Extensão e distância:

hic locus ab hoste circiter passüs sexcentõs aberat


«este lugar distava do inimigo cerca de seiscentos passos» (César,
De bellõ Gallicõ 1.49.3 )

milia tum prãnsí tria repimus


VOCABULÁRIO :
prãnsi, particípio perfeito d e prandeõ, «almoçar»; rêpimus, d e rêpõ,
rêpere, rêpsi, rêptum, (cf. «réptil»).
TRADUÇÃO :
«tendo almoçado, rastejamos ao longo de três milhas» (Horácio,
Sátiras 1 .5.25).

Acusativo interno

Atente-se na seguinte estrofe de Horácio ( Odes 3.29.49-52):

Fortüna saeuõ laeta negõtiõ et


lüdum insolentem lüdere pertinax
trãnsmütat incertõs honõres
nunc mihi, nunc alií benigna.
N.B. : alii é o dativo do pronome alius, alia, aliud.
TRADUÇÃO:
«A Fortuna - alegre [Iaeta] em sua atividade cruel [saeuõ ( ... ) negõtiõ] e
pertinaz a jogar um jogo insolente -
transfere <suas> incertas honrarias
ora para mim, ora (benigna) para outro.»
S I NTAXE DO ACUSATIVO 293

Como se vê, o complemento direto de lüdere pertence à mesma


família semântica do verbo, proporcionando um efeito idêntico ao
que ressalta nos seguintes exemplos:

* somniãuí somnium, «sonhei um sonho» (Plauto, Rudens


597);
* istampugnam pugnãbõ, «lutarei esta luta» (Plauto, Pseudo­
lus 525);
* uíuere eam uítam, «viver esta vida» ( Cícero, Dé senectüte
77);
* tríumphãuít triumphõs nouem, «celebrou nove triunfos»
(Aulo Gélio 2. 1 1.4).

Acusativo de relação

Trata-se de um uso do acusativo que os escritores latinos imi­


taram da sintaxe grega. Em latim, ocorre sobretudo na poesia e
consiste na colocação, em acusativo, de uma palavra em relação à
qual outra palavra na frase diz respeito. Corresponde àquilo que,
em português, diríamos «no tocante a», «em relação a».
Quando Vergílio se refere a uma sebe cujas flores atraem as
abelhas, chama-lhe uma sebe «pastada» por abelhas «no tocante
à sua flor». Esta segunda expressão corresponde, em latim, a uma
só palavra em acusativo: flõrem (cf. Bucólicas 1.54; ver p. 477).
Veja-se o seguinte exemplo com vários acusativos de relação
em dois versos contíguos da Eneida:

omnia Mercuriõ similis uõcemque colõremque


et crinis flãuõs et membra decõra iuuentã
294 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI,

«em relação a tudo semelhante a Mercúrio, tanto em relação à voz


como em relação à cor e em relação aos cabelos loiros e aos membros
belos da juventude» (Eneida 4.558-559 ) .

Acusativo de exclamação

Por fim, note-se este uso do acusativo:

õ miserãs hominum mentés, õ pectora caeca!


«ó desgraçadas mentes humanas, ó corações [à letra, «peitos» ] cegos ! »
(Lucrécio, 2. 14)
Sintaxe do dativo

O dativo pode exprimir em latim:

* o complemento indireto;
* vantagem;
* agente;
* posse;
* fim;
* direção.
Além destas funções, há a considerar ainda certos verbos que
se constroem com dativo.

Complemento indireto

Esta função do dativo já foi apontada na p. 69.

dã mihi basia mille, deinde centum


«dá-me mil beijos e depois mais cem» (Catulo 5.7)

oscula dat lignõj refugit tamen oscula lignum


« ele dá beijos à madeira; porém, a madeira evita [refugit] os beijos
(Ovídio, Metamorfoses 1 .556)
296 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. StNTAU

Deõ Marti Victõr<i> Vindex u<õtum> s<oluit>


«Para Marte, Deus Vencedor, Vindex [nome celta, talvez] cumpriu
<seu> voto» ( CIL 7.509)

obtulérunt ei münera: aurum, tüs et murram


VOCABULÁRJO:
obtulêrunt, perfeito de ofjerõ («oferecer»); münus, «presente» .
TRADUÇÃO :
«ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra» (Mateus 2: 1 1 ).

Dativo de vantagem

Na categoria do dativo de vantagem - também denominado


«dativo de interesse» -, há a considerar i gualmente o seu contrário :
o dativo de desvantagem. De qualquer modo, o que está em causa
é o uso do dativo para indicar a pessoa (ou coisa) em cuja vantagem
(ou desvantagem) algo acontece ou é feito. O sentido não é dis­
tante, como se percebe, do que está implícito no complemento
indireto (e, talvez por isso, al guns linguistas preferem chamar ao
dativo de vantagem «dativo de referência»).

neque sõlum nõbis díuites esse uolumus, sed liberis, propinquis,


amicis maximéque rei püblicae
«nem queremos ser ricos somente para nós [para nossa vantagem], mas
para os filhos [liberis], para os que nos são próximos [propinquis], para
os amigos e acima de tudo para a república» ( Cícero, Dê officiis 3.63).

Numa secção da biografia antiga de Vergílio atribuída a Pseudo­


-Donato (o verdadeiro Donato, gramático do século IV d.C., foi
professor de Jerónimo), lê-se a história de al guém que se arro gou
•unA X I! DO DATIVO 297

fr,ntdulentamente a autoria de um pequeno poema que tinha sido


rNnito pelo Mantuano. Vergílio terá respondido à afronta por meio
dos seguintes versos (que, mesmo não sendo verdadeiramente
wrgilianos, pelo menos ilustram muito bem o dativo de vantagem):

sic uõs nõn uõbis nidificãtis, auésj


sic uõs nõn uõbis uellerafertis, ouésj
sic uõs nõn uõbis mellificãtis, apésj
sic uõs nõn uõbis fertis arãtra, boués.
«assim, vós não nidificais para vós, aves;
assim, vós não carregais lã para vós, ovelhas;
assim, vós não produzis mel para vós, abelhas;
assim, vós não carregais arados para vós, bois» .

O dativo de desvantagem vê-se sobretudo em exclamações,


introduzidas pelas interjeições uae! ( «ai !») e ei! ( «ai !»):

uae mihi!
«ai de mim ! » (Plauto, Asinaria 924)
uae uictis!
«ai dos vencidos ! » (Tito Lívio 5.48.9)
ei miserõ [ ... ] mihi!
«ai de mim, desgraçado ! » ( Catulo 68.92)

Uma subcategoria do dativo de vantagem é o chamado «dativo


ético» (datiuus éthicus, referente a �8oc em grego, «caráter»,
«disposição», «sentimento»). O seu sentido é, por vezes, tão
ténue que não chega a ser traduzível (ou então equivaleria quase
ao nosso «por favor» 14 ) :

14 Um exemplo famoso de dativo ético em alemão ocorre na ópera Os Mestres Cantores de Nurem­

berga de Richard Wagner: verachtet mir die Meister nicht, «não desprezeis os mestres» (isto é,
«não me desprezeis os mestres», no sentido de «por favor não desprezeis os mestres»).
298 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAX I,

quid mihi Celsus agit?


«o que está Celso a fazer? » (Horácio, Epístolas 1.3.15)

Dativo de agente

O dativo de agente ocorre - em substituição do ablativo de


agente com a preposição ã - com o gerundivo, com particípios
passivos e com adjetivos terminados em -bílis.

cui nõn sunt auditae Dêmosthenis uigiliae?


«por quem não foram ouvidas as insónias de Demóstenes?» (isto é,
«quem é que não ouviu falar das insónias de Demóstenes?»; Cícero,
Tusculanas 4.44)

senibus labõrês corporis minuendi sint


« <para que> pelos idosos os esforços do corpo sejam diminuídos»
( Cícero, De officiis 1 . 123)

multís ille bonís jlêbilis occidit


«ele morreu chorado por muitos <homens> bons» (Horácio, Odes
1.24.9) .

Dativo de posse
O dativo de posse ocorre com o verbo sum; a ênfase semântica
recai mais sobre o que é possuído e menos sobre quem possui.

sunt nõbis mitia põma


«temos doces maçãs» (à letra, «há para nós doces maçãs»; Vergílio,
Bucólicas 1 .80)
S I NTAXE DO DATIVO 299

Troia et huic locõ nõmen est


«também este lugar tem o nome "Troia"» (Tito Lívio 1 . 1 .5).

Dativo de fun

O dativo pode também exprimir finalidade:

habere enim quaestui rem publicam nõn modo turpe est, sed
scelerãtum etiam et nefãrium
VOCABULÁRIO :
quaestus, «lucro», «vantagem» .
TRADUÇÃO :
«explorar [à letra, «ter», habere] o estado para lucro <pessoal> não é
só imoral; é criminoso e infame» (Cícero, Dê officiis 2.77).

Dativo de direção

Sobretudo usado em poesia:

it clãmor caelõ
«o clamor chega ao céu» (Eneida 5.45 1 ).

Verbos que se constroem com dativo

A construção destes verbos com dativo faz pleno sentido,


se atendermos à sua semântica:

uictrix causa deis placuit, sed uicta Catõni


«a causa vencedora agradou aos deuses, mas a vencida a Catão»
(Lucano, Bellum cíuile 1 . 128 ) .
300 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. SINTAJI I ,

Os principais verbos que têm complemento em dativo são :

* auxiliar, «ajudar»;
* credõ, «acreditar»;
* faueõ, «favorecer»;
* fídõ, «confiar»;
* ignõscõ, «perdoar»;
* imperõ, «comandar»;
* indulgeõ, «ser indulgente»;
* inuideõ, «invejar»;
* írãscor, «encolerizar-se»;
* medeor, «curar»;
* minor, «ameaçar»;
* moderor, «controlar»;
* noceõ, «prejudicar»;
* nübõ, «desposar um marido»;
* placeõ, «agradar»;
* pãreõ, «obedecer»;
* seruiõ, «servir»;
* suãdeõ, «persuadir».
Sintaxe do genitivo

Independentemente da função - que veremos mais adiante


neste capítulo - do genitivo com certos verbos e adjetivos (e da sua
função como complemento de causa com causã e grãtiã), a obser­
vação do uso do genitivo na sintaxe latina permitiu aos linguistas
distinguir, pelo menos teoricamente, as se guintes categorias:

(i) Genitivo de definição.


(ii) Genitivo possessivo.
(iii) Genitivo de qualidade.
(iv) Genitivo partitivo.
(v) Genitivo subjetivo e objetivo.

Existe, no entanto, algum artificialismo nestas subdivisões


(problema, aliás, já aflorado por Kühner & Stegmann 15 ) , pois elas
não se afi guram sempre suscetíveis de uma diferenciação incontro­
versa. E a razão para isso é simples: é mais forte a afinidade entre
estas subcategorias do que a diferença.
Há, com efeito, uma realidade gramatical, inerente ao genitivo,
que é transversal a todas elas: o genitivo serve para uma definição
mais precisa e concreta de qualquer conceito, coisa ou pessoa .
Dizer uictor, «vencedor», é diferente de dizer Aegyptí uictor,

1 5 Cf. Kühner & Stegmann, Vol. I, p. 413.


302 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. SINTAXB.

«vencedor do Egito» ( Suetónio, Júlio César 35) . Assim, uma


correta interpretação semântica do genitivo estará sempre depen­
dente do contexto mais amplo da frase.
Não obstante as reservas expressas sobre a terminologia tradi­
cional, consideremos, mesmo assim, os seguintes ex�mplos:

(i) Genitivo de definição


(Cf., em português, «a cidade do Porto», «a dinastia de
Bragança» ou «ela casou com um tal de Tiago».)
Trata-se do genitivo que encontramos, por exemplo, quando a
Vénus de Vergíüo fala na cidade de Pádua como urbem Patãui
(Eneida 1 .247) .
Repare-se ainda nesta frase de Cícero ( Defínibus 2.2): Epicürus
nõn intellegit quid sonet haec uõx uoluptãtis, «Epicuro não en­
tende o que significa esta palavra, prazer», em que o vocábulo
latino correspondente a «prazer» ( uolup tãs) está em genitivo.

(ii) Genitivo possessivo


( Cf., em português, «Menina e moça me levaram de casa de
minha mãe» [Bernardim Ribeiro] .)
ecce angelus Domini, «eis o anjo do Senhor» (Lucas 2:9);
Hectoris Andromache, «Andrómaca, <mulher > de Heitor»
(Eneida 3.319);
Zmyrna mei Cinnae, «<o poema intitulado> Zmyrna do meu
<amigo> Cina» ( Catulo 95.1). Também classificável como «geni­
tivo de autor», embora se trate de uma categoria controversa 1 6•

16
A mesma frase de Cícero (ln Verrem, ãctiõ secunda 4.5, onde Hércules representado em estátua
dicébãtur esse Myrõnis, «dizia-se ser de Míron [ escultor grego] » ) é aduzida por Kennedy
(p. 133) como contendo um «genitivo de autor» e por Pinkster (2015, p. 778) como exemplo
de um genitivo «difícil de classificar em termos semânticos e formais».
S I N TAXE DO GENITIVO 303

(iii) Genitivo de qualidade


( Cf., em portu guês, «uma bailarina de enorme talento».)
magniformíca labõris, «a formiga <criatura > de grande indús­
tria» (Horácio, Sátiras 1. 1 1.33);
nauês eius generis, «naus daquele género» ( César, Dê bellõ
Gallicõ 5.2.2).

(iv) Genitivo partitivo


( Cf., em portu guês, «muitos deles não sabem nadar».)
nêmõ eõrum, «nin guém dentre eles» (César, Dê bellõ Gallicõ
7.66);
Indus [... ] omnium Jlüminum mãximus, «o Indo, maior de
todos os rios» ( Cícero, Dê natürã deõrum 2.52);
parte tamen meliõre mei super alta perennis astraferar, «porém,
serei levado, perene, sobre os astros sublimes na melhor parte
de mim» ( Ovídio, Metamorfoses 15.875).
Também classificadas como genitivos partitivos são expres­
sões como as seguintes, em que o genitivo está dependente de
quid:
si quid est in mê ingenii, «se existe em mim al gum talento»
( Cícero, Pró Archiã 1. 1);
quid mulieris uxõrem habês, «que mulher tens tu como esposa»
(Terêncio, Hecyra 643).

(v) Genitivo subjetivo e objetivo


Estas categorias são mais difíceis de entender, pois constituem,
de certo modo, um artificialismo dos gramáticos: na realidade, são
subsecções do genitivo possessivo.
Podemos explicar o conceito recorrendo à expressão de Tito
Lívio ( 1. 19.4) metus hostium, «temor dos inimigos» (que fi gura,
304 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXE.

para explicar a diferença entre genitivo subjetivo e objetivo, em


quase todas as gramáticas do latim, pelo menos desde o século xix).
Pois a expressão, tomada em isolado, prestar-se-ia a duas inter­
pretações. Se por metus hostium nos referíssemos ao temor que os
inimigos sentem, então tratar-se-ia de um genitivo subjetivo, já que
seriam os inimigos (sujeito implícito) a temer.
Se, por outro lado, metus hostium implicar o temor que al guém
sente em relação aos inimigos (é o caso no passo citado de Tito
Lívio), então trata-se de um genitivo objetivo, visto que o temor
dos inimigos implica aqui «temer os inimigos»; com efeito,
«inimigos» sugere a ideia de um complemento direto implícito.
Como exemplo de genitivo subjetivo, leia-se a se guinte frase
de Tácito:

testificãtus nõn longam sui absentiam fore


«proclamando que a ausência dele não seria longa» (Tácito, Anais
1 5.36).

Veja -se agora um passo célebre de Júlio César, em que,


na mesma frase, encontramos um genitivo subjetivo ( Heluétiõrum)
e um genitivo objetivo (populí Rõmãní):

pró ueteribus Heluetiõrum iniüriis populi Rõmãni


« <em retaliação> pelas antigas ofensas dos helvécios em relação ao
povo romano» (César, Dê bellõ Gallicõ 1 .30.2).

Ora, nesta frase, as antigas ofensas são «dos helvécios»,


porque foram eles que as perpe traram (genitivo subjetivo); e são
«do povo romano», porque foi sobre ele que elas foram perpe­
tradas (genitivo objetivo).
_
SINTAXE DO GENITIVO 305

***

Notemos, ainda, sem nos preocuparmos com as classificações


discrepantes dos linguistas ( «genitivo caraterístico», «genitivo
predicativo», etc. 17), o uso interessante do genitivo nas frases de
Cícero que se seguem:

* cuiusuis hominis est errãre; nullius, nisi insipientis, in errõre


perseuerãre
«é <próprio> de qualquer ser humano errar; mas de nenhum, a não ser
do insensato, insistir no erro» (Cícero, Filípica 1 2, 2);
* nihil est tam angusti animi tamque parui, quam amãre
díuitiãs
«nada é tão <próprio> de um espírito tacanho e mesquinho como amar
a riqueza» ( Cícero, De officiis 1 .20);
* placida senectus, quãlem accépimus Platõnis
«uma velhice tranquila, como a que ouvimos ter sido a de Platão»
( Cícero, De senectüte 13).

Verbos com genitivo

Dois verbos importantes em latim têm o complemento em


genitivo: são os verbos que significam «lembrar» ( meminí, memi­
nisse) e «esquecer» ( oblíuíscor, oblíuíscí, oblítus sum).
Vejam-se estas frases:

* faciam ut huius diei semper meminerit


«farei com que ele se lembre sempre deste dia» (Plauto, Captíuí 800);

11 Cf. Kühner & Stegmann, Vol. I, pp. 412-475.


306 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. SINTAXB.

* uiuõrum memin� nec tamen Epicüri licet obliuísci


«lembro - me dos vivos, mas não me posso esquecer de Epicuro»
(Cícero, Dêfinibus 5.3) .

Aliás, a noção de que «lembrar» implica o genitivo daquilo


que é lembrado é tão acentuada que, no mesmo livro 5 do tratado
ciceroniano Defínibus (5. 1 ), depara-se-nos a expressão curiosa
uenit enim mihi Platõnis in mentem, «vem-me à ideia <a lem­
brança> de Platão » .
De resto, a própria palavra «memória» suscita a Tito Lívio um
comboio de genitivos no prefácio da sua obra historiográfica:

* utcumque erit, iuuãbit tamen rirum gestãrum memoriae


principis terrãrum populi prõ uiríle parte et ipsum consuluisse
«sej a como for, aprazerá, pela parte que me toca [prõ uirile parte], ter
eu próprio dado atenção [ consuluisse] à memória [ memoriae, dativo
dependente de consuluisse] dos feitos conseguidos do principal povo
das terras» (ver p. 479) .

Outros verbos que se constroem com genitivo são misereor e


miserescõ, ambos com o sentido de «ter pena de», « compadecer­
-se de » :

* Arcadii, quaesõ, miserescite rigis


«compadecei-vos, peço, do rei arcádio» (Vergílio, Eneida 8.573 )

* níl nostri miserere


«não tens pena nenhuma de mim» (Vergílio, Bucólicas 2.7).

Acrescente-se, ainda, que certos verbos de teor judicial


também têm o complemento em genitivo : é o caso de absoluõ
(«absolver»), accüsõ («acusar»), damnõ e condemnõ ( «condenar» ).
SINTAXE DO GENITIVO 307

Adjetivos com genitivo

A ideia de que «recordar» implica o genitivo daquilo que é


recordado é extensível ao adjetivo que significa «lembrado»:
memor. No início da Eneida, Vergílio refere a deusa Juno (filha de
Saturno, portanto Sãturnia) como «lembrada» da antiga guerra
( se. de Troia): ueterisque memor Sãturnia belli (Eneida 1.23).
Outro adjetivo que se constrói frequentemente com genitivo
é plénus (embora, neste caso, haja também a construção com abla­
tivo, celebrizada na frase Aué Maria grãtiã pléna):

erat ltalia tum pléna Graecãrum artium


«Itália estava então cheia das artes gregas» ( Cícero, Prõ Archiã IIl.5 ).

Outros adjetivos que se constroem com genitivo são:

* auidus, auida, auidum ( «ávido de»);


* cõnscius, cõnscia, cõnscium ( «consciente de»);
* cupidus, cupida, cupidum ( «desejoso de»);
* expers ( «desprovido de»);
* immemor ( «esquecido de»);
* nescius, nescia, nescium ( «ignorante de»);
* peritus, perita, peritum ( «experiente de»);
* studiõsus, studiõsa, studiõsum ( «que se interessa por»);
* similis, símile ( «semelhante»; também com dativo);
* dissimilis ( «não semelhante»).
308 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXJI.

Causá e grãtiã com genitivo


Causá e grátiá com genitivo funcionam como posposições
(termo contrário a «preposições»), já que surgem normalmente
na frase após a palavra em genitivo, formando um complemento
de causa ( «por causa de»). Todos conhecemos a expressão exempli
grátiá, que constitui (passe a redundância) um bom exemplo.
Com o gerundivo (ver p. 143), causá e grátiá servem para expri­
mir, com genitivo, a ideia de finalidade: Caesar náuiumparandárum
causá morátur, à letra, «César demora-se por causa das naus que
têm de ser preparadas», mas com o sentido de «César demora-se
a fim de que as naus sejam preparadas» (Dé bellõ Gallicõ 4.22).
Na poesia, aquilo que deveria ser uma posposição pode
transformar-se, por necessidade métrica, em preposição: quidquid
huius féc� causá uirginis féci, «o que fiz deste <assunto >, fiz por
causa da menina» (Terêncio, Eunüchus 202). Note-se que huius é
classificável como genitivo partitivo.
Embora esta colocação de causá ocorra, por vezes, em prosa
(cf., por exemplo, causá amicõrum [Cícero, Dé amicitiá S 7]), é mais
natural a posposição:

sic enim appellábantur ii, qui ostentátiõnis aut quaestús causá


philosophábantur
«pois assim [i.e., sofistas] chamavam-se aqueles que filosofavam
por causa do alarde ou do lucro» ( Cícero, Academica 2.23.72)

néminem ut uiolem commodi mei grátiá


«para que eu não faça mal a ninguém por causa da minha vantagem»
(Cícero, De officiís 3.29) 18 •

18
Note-se todavia que, na edição crítica de M. Winterbottom (Oxford, 1994), esta frase não
é considerada autenticamente ciceroniana.
Sintaxe do ablativo

O ablativo latino reúne (como dissemos na p. 70) diferentes


funções em substituição de casos desaparecidos do indo-europeu
(mormente o instrumental e o locativo). As expressões gramaticais
que concretizamos em português por meio das preposições «com»,
«de», «por» e «em» correspondem, latõ sensü, ao ablativo - mas
verificamos, desde logo, que, por exemplo, a expressão latõ sensü
(que está em ablativo) não cai sob a alçada de «com», «de»
«por» ou «em».
Nem, tão-pouco, o ablativo mais usado por pessoas que, na sua
maior parte, não sabem latim : aue Maria grãtiã plena. Portanto,
juntamente com o ablativo de separação e de origem ( «de»),
de associação ( «com»), de agente ( «por») e de «lugar onde»
( «em»), teremos de postular também a existência de um ablativo
de modo, assim como ablativos decorrentes de construções espe­
cíficas de determinados verbos ou adjetivos.
Encontrar uma classificação dos diferentes «ablativos» que
seja ao mesmo tempo lógica e isenta de controvérsia linguística
não é tarefa realista e, por isso, em vez de nos preocuparmos com
as discrepâncias terminológicas que ressaltam quando consulta­
mos as diferentes gramáticas, passaremos simplesmente em revista
os usos concretos do ablativo sem regência preposicional que
importa conhecer.
.' 1 0 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXE.

1. Ablativo de agente
Como vimos na p. 70, o agente da passiva é expresso em latim
por meio de ã ou ab. Esta é a regra geral quando o agente é um ser
animado:

tunc uenit Jesus ã Galileã in Iordãnén ad Iõhannem ut bap tizãrétur


ab eõ
«então Jesus vem da Galileia até o Jordão para junto de João, para ser
batizado por ele» (Mateus 3: 13 ) .

Qyando se trata de um ser inanimado, a regra geral é que o


agente da passiva é expresso em ablativo simples, sem preposição
(para o uso do dativo de agente, ver p. 298):

iussit et extendi campõs, subsidere uallés,


fronde tegi siluãs, lapidõsõs surgere montes
«<o deus> ordena que os campos se estendam, que os vales afundem,
que os bosques sejam cobertos por folhagem, que se levantem os mon­
tes rochosos» ( Ovídio, Metamorfoses 1 .43-44 ) .

2. Ablativo instrumental
A afinidade entre o ablativo de agente inanimado e o ablativo
instrumental parece evidente. A diferença é que, no segundo caso,
o verbo está na voz ativa:

dente lup us, cornü taurus petit


«o lobo ataca com o dente; o touro, com o corno» (Horácio, Sátiras
2.1 .52).
S I NTAXE DO ABLATIVO 311

3. Ablativo de qualidade
Por vezes chamado «ablativo de descrição»:

Linus [ ... ] díuínõ carmine pãstor


«Lino, pastor <dotado> de talento poético divino [à letra, «de canto
divino» ] » (Vergílio, Bucólicas 6.67).

4. Ablativo de comparação
O segundo termo de comparação em latim pode ser expresso
de duas maneiras:

(i) por quam ( «do que»):


armís apta magis tellus quam commoda noxae
«terra [Roma] mais apta às armas do que disposta ao crime»
(Propércio, 3.22. 19).

(ii) por ablativo simples:


nihil est enim, mihi crêde, uirtütefõrmõsius
«pois nada é - acredita em mim ! - mais belo do que a virtude»
( Cícero, Adfamiliãrés 9 . 14).

5. Ablativo de origem

amplissimõ genere nãtus


«nascido de estirpe ilustríssima» (César, Dé bellõ Gallicõ 4. 12.4).

6. Ablativo de especificação
Não é muito clara a distinção desta categoria gramatical relati­
vamente ao ablativo de qualidade (n. 0 3). Na frase de Salústio,
vemos primeiro o ablativo de origem e depois o de especificação:
3 12 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXB.

L. Catilína, nõbili genere nãtus, fuit magnã ui et animí et corpo­


ris sed ingeniõ malõ prauõque
«Lúcio Catilina, nascido de estirpe nobre, foi <pessoa> de grande força
de espírito e de corpo, mas de personalidade má e depravada» ( Salústio,
Catilina 5)

Ennius, ingeniõ maximus, arte rudis


«Énio, enorme em talento, mas tosco na arte» (Ovídio, Tristia 2.424) .

7. Ablativo de modo

iam veniet tacitõ curua senecta pede


«em breve virá a curvada velhice com pé silencioso» ( Ovídio, Ars Ama­
toria 2.670).

8. Ablativo de causa

at trepida et coeptis immãnibus effera Dídõ


«Dido fremente e enlouquecida por causa dos seus planos tremendos»
(Vergílio, Eneida 4.642 ).

9. Ablativo de preço
emí uirginem trígintã minis
«comprei a virgem por trinta minas» (Plauto, Curculiõ 344).

Ablativo absoluto

Como vimos na p. 271, o ablativo absoluto consiste num par­


ticípio (que pode estar subentendido ou sugerido) e num substan­
tivo ou pronome, ambos ( como o nome indica) em ablativo, que
S I NTAXE DO ABLATIVO 313

formam dentro da frase uma oração cujo conteúdo semântico seria


suscetível de expressão por meio de uma subordinada de sentido
temporal, causal ou outro. Aos exemplos já dados na p. 271, acres­
centemos os seguintes 19 •

(i) senãtus habêrí ante Kal. Febr. per lêgem Pupiam, id quod seis,
nõn potest, neque mense Februãriõ tõtõ nisi perfectis aut
reiectis légãtiõnibus
«o senado não pode reunir, como sabes, antes das calendas de
fevereiro [ver p. 419] por causa da Lei Púpia [lei de 61 a.C., promul­
gada no consulado de Marco Púpio Pisão Calpurniano, que impedia
reuniões do senado em certos dias] ; nem em todo o mês de feve­
reiro, a não ser que tenham sido completados ou adiados os assuntos
referentes às embaixadas» ( Cícero, Adfamiliãres 1 .4; Cícero pode­
ria ter exprimido a mesma ideia contida neste ablativo absoluto com
uma oração condicional [ver p. 330] : nisi perfectae sint aut reiectae
legãtiõnibus).

(ii) testis productus quí septem et uígintí énumerãtis stipendiis


octiêns extrã õrdinem dõnãtus ea gerêns in conspectü populi,
scissã ueste tergum lacerãtum uirgís ostendit
« <um homem> foi trazido como testemunha, que, tendo
enumerado vinte e sete campanhas <durante as quais> fora
agraciado oito vezes com decorações especiais <e> usando-as à
vista do povo, mostrou, rasgada a túnica, as costas laceradas por
vergastas» (Tito Lívio 3.58; em alternativa ao primeiro ablativo
absoluto destacado, Tito Lívio poderia ter usado uma oração
temporal-causal [ver p. 336] : cum septem et uígintí enumerasset
stipendia).

'9 Cf. Roby, Vol. II, pp. 104- 105.


314 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. SiNTAXB.

Verbos com complemento em ablativo

Comecemos pela expressão opus est ( «há necessidade de»)


e com o seu complemento em ablativo:

ubi rerum testimonia adsunt, quid opus est uerbis ?


« onde os factos estão presentes como testemunhas, que necessidade há
de palavras? (Pseudo-Cícero, ln Sallustium 12).

Note-se também a construção de opus est com dativo e abla­


tivo:

mihi opus est operã tuã


«preciso da tua ajuda» (à letra, «há necessidade para mim da tua
ajuda»; Plauto, Miles Glõriõsus 766).

Verbos de uso frequente em latim cujo complemento está em


ablativo são os seguintes:

* abütor ( «abusar de»);


* careõ ( «carecer de»);
* egeõ ( «carecer de»);
* fruor ( «fruir de»);
* fungor ( «cumprir», «desempenhar»);
* potior ( «possuir»);
* uescor ( «nutrir-se»);
* ütor ( «usar»).
S I NTAXE DO ABLATIVO 315

Adjetivos com ablativo

Eis alguns adjetivos importantes que se constroem com abla­


tivo (e.g. si canimus siluãs, siluae sint cõnsule dignae, «se cantamos
bosques, que sejam bosques dignos de um cônsul» [Vergílio,
Bucólicas 4.3):

* contentus, contenta, contentum ( «contente», «satisfeito»);


* dignus, digna, dignum ( «digno»);
* indignus, indigna, indignum ( «indigno»);
* fretusdreta,fretum ( «confiante em»);
* orbus, orba, orbum ( «desprovido de»);
* plenus, plena, plenum ( «cheio»; também com genitivo 20

* praeditus, praedita, praeditum ( «dotado de»).


);

'º Segundo Quintiliano (9.3. l ), a construção mais antiga em latim seria com genitivo.
Cõnsecütiõ temporum

§ 1 . Em latim, o tempo do conjuntivo numa oração subordi­


nada (desde que não seja consecutiva) não é arbitrário : está con­
dicionado pelo tempo em que se encontra o verbo da oração
subordinante.

§2. Trata-se de um fenómeno que conhecemos bem em por­


tuguês. Leiam-se estas frases :

(a) Eu queria que ela conhecesse o Brasil.


(b) Eu queria que ela conheça o Brasil.

Instintivamente, a nossa sensibilidade linguística diz-nos que


a frase (a) é mais correta do que a frase (b) . A razão para isso é
que uma forma de cõnsecütiõ temporum ( «sequência de tempos»)
opera também, à sua maneira, em português.

§3. A consecütiõ temporum em latim opera segundo dois siste­


mas ou sequências :

* sequência de tempos primários;


* sequência de tempos pretéritos.
( '(IN.� /IC�T/Ó TEMPORVM 317

§4. A lógica que preside a estas duas sequências é a seguinte:

,t, se o verbo na oração subordinante estiver num tempo pri­


mário, o conjuntivo da oração subordinada também estará;
,1, se o verbo na oração subordinante estiver num tempo pre­
térito, o conjuntivo da oração subordinada também estará.

§5. Para que isto faça sentido, temos de saber quais são os
tempos classificáveis para efeitos de cõnsecütiõ temporum como
primários e quais os pretéritos.

§6. Os tempos classificáveis como pretéritos não oferecem


dificuldade de compreensão:

SEQUÊNCIA DE TEMPOS PRETÉRITOS

se na oração subordinante o conjuntivo na oração


estiver o: subordinada estará no:
imperfeito (se a ação for
contemporânea da que está
implícita na oração subordinante)
mais-que-perfeito (se a ação for
imperfeito anterior à que está implícita na
perfeito ( = aoristo) oração subordinante)
mais-que-perfeito imperfeito da conjugação
perifrástica = particípio futuro
+ essem (se a ação for futura
relativamente à implícita na oração
subordinante)

§7. Os tempos considerados «primários» requerem uma


explicação, porque vamos encontrar de novo o perfeito, quando
acabámos de ver que ele pertence à sequência de tempos pretéritos.
.\ 1 H NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI •

A razão é que no perfeito latino se juntaram duas noções de


tempo passado do verbo indo-europeu :

* aoristo ( «fiz») ➔ tempo pretérito para efeitos de cõnsecütiõ


temporum;
* perfeito propriamente dito ( «tenho feito») ➔ tempo pri­
mário para efeitos de cõnsecütiõ temporum.

§8. Assim sendo :

* quando o valor semântico do perfeito corresponde ao


aoristo ( «fiz»), a sequência seguida é a pretérita;
* quando o valor semântico do perfeito corresponde ao per­
feito propriamente dito ( «tenho feito»), a sequência
seguida é a primária.

SEQ.uiNCIA DE TEMPOS PRIMÁRIOS

se na oração subordinante o conjuntivo da oração


estiver o: subordinada estará no:
presente (se a ação for
contemporânea da que está
implícita na oração subordinante)
perfeito (se a ação for anterior
presente à que está implícita na oração
perfeito (propriamente dito) subordinante)
futuro (imperfeito ou perfeito) presente da conjugação
perifrástica = particípio futuro
+ sim (se a ação for futura
relativamente à que está implícita
na oração subordinante)
1 '()NSl!CVT/Õ TEMPORVM 319

§9. Qµem leu até aqui este capítulo e pensou «como é que eu
vou meter isto tudo na cabeça?» pode consolar-se com a ideia de
l l lle o domínio ativo da cõnsecütiõ temporum só interessa a quem
pretenda escrever em latim com um rigor gramatical que espelhe
os grandes prosadores clássicos. A pessoa que deseja aprender
latim com a finalidade única de ler textos em lín gua latina notará
decerto, com todo o interesse, cada forma de conjuntivo que lhe
surge debaixo dos olhos; mas não estará necessariamente a exami­
nar, penso eu, em cada caso, se o autor infringiu al guma regra da
cõnsecütiõ temporum ao empregar um conjuntivo «errado».

§ 10. Se, no entanto, se quiser dar a esse trabalho policial,


encontrará - como não podia deixar de ser (já dissemos várias
vezes que qualquer lín gua humana é um organismo vivo) - con­
juntivos que infringem as boas regras. E começará por encontrá-los
no príncipe dos escritores romanos: Marco Túlio Cícero.
Três exemplos:

(i) uideõ igitur causãs esse permultãs, quae istum impellerent


«vejo, pois, que são muitas as causas que impeliram este
<homem>» (Prõ Rosciõ Amerinõ 33 ) .

De acordo com as boas regras da cõnsecütiõ temporum, o imper­


feito do conjuntivo impellerent está «errado». A forma certa seria
impulerint (perfeito do conjuntivo).

(ii) laudantur õrãtõres ueteres [ ... ] quod copiõse reõrum causãs


defendere solérent
«os oradores antigos são louvados porque costumavam defender
copiosamente causas <judiciais> de réus» (ln Verrem, ãctiõ secunda
2.78).
320 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. SI NTAO

Outro imperfeito do conjuntivo «errado». A forma «correta•


(se nos atrevêssemos a «corrigir» Cícero...) seria soliti sint ( per•
feito do conjuntivo) .

(ili) Ch rysippus disputat aethera esse eum quem homines Iouem


appellãrent
«Crisipo argumenta que o ar é aquele a quem os homens chama•
ramJúpiter» (Dê nãtürã deõrum 1 . 1 5).

Novamente, em vez do imperfeito do conjuntivo, a sequência


primária «certa» exigiria o perfeito do conjuntivo ( appellãuerint) .
Guia prático de orações subordinadas

Neste capítulo, passaremos em revista as orações subordinadas,


;\ exceção das interrogativas indiretas, que trataremos juntamente
com as interrogativas diretas (ver p. 345). Este capítulo pressupõe
a leitura das pp. 253-274 e 316-320 deste livro ( «Introdução ao
estudo da sintaxe latina» e «Cõnsecütiõ temporum» ).

Orações infinitivas

§ 1. A oração infinitiva é uma oração integrante ou completiva,


cujo predicado é um infinitivo (presente, perfeito ou futuro) e cujo
sujeito está em acusativo. O seu uso mais frequente é com verbos
declarativos. É a construção típica do discurso indireto em latim,
uma vez que opera a integração sintática das palavras reportadas
no próprio período de que «dizer» é a noção subordinante.
Comecemos por considerar esta frase de Agostinho ( Confis­
sões 10.6):

uêritãs enim dicit mihi, «nõn est deus tuus [...] caelum neque omne
corpus».
«pois a Verdade diz-me: "O teu Deus não é céu nem todo corpo
<físico>�»
.1 2 2 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SJNTAX I,

As palavras proferidas são aqui reportadas exatamente como o


autor as imagina ditas: daí a nossa utilização das aspas.
No entanto, a mesma coisa podia ter sido expressa com as palavras
entre aspas subordinadas ao verbo «diz». Em português, isso acon­
teceria por meio de urna oração integrante introduzida por «que»:
«Pois a Verdade diz-me que o teu Deus não é céu nem todo corpo.»
Em latim, teríamos urna oração infinitiva: uêritãs enim dicit mihi
nõn esse deum tuum caelum neque omne corpus. Repare-se como
o sujeito da infinitiva - que nas palavras de Agostinho reportadas
em discurso direto surgia como deus -passou para acusativo: deum.

§2. Na frase de Cícero que se segue, note-se o sujeito em


acusativo tê e o predicado contulisse (infinitivo perfeito de cõnferõ,
aqui com o sentido de «adiar»):

dixi ego idem in senãtü caedem te optimãtium contulisse


«eu disse também no senado que tu adiaras o massacre dos cidadãos
mais ilustres [optimãtium] » (Cícero, Catilinária 1, IIl.7) .

§3. A frase de Cícero - reduzida à sua síntese: dixi tê caedem


contulisse, «eu disse que adiaras o massacre» - implica a noção de
que contulisse, por ser infinitivo perfeito, se refere a um tempo ante­
rior a dixi.
Repare-se nos sentidos diferentes da frase, se o tempo do infi­
nitivo fosse presente ou futuro:

* dixi tê caedem cõnferre (infinitivo presente): «eu disse que


tu estavas <naquele momento em que eu o disse > a adiar o
massacre»;
* dixi tê caedem collãtürum esse (infinitivo futuro): «eu disse
que tu estavas para adiar o massacre».
I I I I I A l ' R Á'flCO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS 323

§4. Imaginando agora a mesma frase com o infinitivo passivo


( ... l' ll disse que o massacre foi adiado por ti»), vejamos os diferen­

ks se ntidos dos infinitivos presente, perfeito e futuro:

,I< dixi caedem ã tê cõnferri (infinitivo presente passivo): «eu


disse que o massacre estava a ser adiado por ti»;
* dixi caedem ã tê collãtam esse (infinitivo perfeito passivo):
«eu disse que o massacre tinha sido adiado por ti»;
* dixi caedem ã tê collãtum iri (infinitivo futuro passivo: note­
-se que, no infinitivo futuro passivo [supino + iri], a forma
de supino não concorda em género e número com o sujeito,
ao contrário do infinitivo perfeito): «eu disse que o massa­
cre ia ser adiado por ti».

§5. Três aspetos a ter em conta relativamente às orações infi­


nitivas:

(i) A construção com sujeito em nominativo.


Esta construção, por vezes chamada «construção pessoal»,
ocorre depois de verbos na voz passiva cujo sentido é algo como
«diz-se», «consta», etc.:

barbara narrãtur uênisse uenéflca têcum


«conta-se que uma feiticeira [uenéfica, «envenenadora» ] bárbara veio
contigo» ( Ovídio, Heroides 6. 19)

Lycurgi temporibus Homérus fuisse trãditur


«diz-se [ trãditur] que Homero viveu nos tempos de Licurgo» ( Cícero,
Tusculanas 5.7) .
324 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM, S 1 11 u o

(ii) Atenção aos dois infinitivos futuros que podem apartcfl


do verbo sum ( «ser» ):futürus esse efore.

meministine mé ante diem XII Kalendãs Nouembrés dicert lt1


senãtü fore in armis [ ... ] C. Manlium ?
«lembras-te de eu ter dito no senado a 21 de outubro [para as datu
romanas, ver p. 414] que Gaio Mânlio iria armar-se?» (Cícero, Catlll·
nária 1, 7)

cõnsulés sé aut dictãtõrés aut etiam régés spérantfutürõs <esse> ?


« <será que> esperam vir a ser cônsules ou ditadores ou até reis? »
(Cícero, Catilinária 2, 19).

(iii) Na oração infinitiva latina, contrariamente à grega (em


que, quando o sujeito da subordinante é igual ao sujeito da
infinitiva, pode omitir-se o sujeito da infinitiva ou então surge
em nominativo), o sujeito está sempre expresso em acusativo
- tirando a situação apontada em (i) -, usando-se para tal o
pronome reflexo quando o sujeito da infinitiva é o mesmo da
subordinante. Repare-se na seguinte frase de Cícero (Ad Atti­
cum 15. 1 1):

Seruilia pollicébãtur se cürãtüram <esse>


« Servília prometeu que ela mesma iria providenciar».

O pronome reflexo sé indica-nos que o sujeito da infinitiva é


o mesmo de pollicébãtur, portanto «Servília». Se Cícero tivesse
escrito Seruilia pollicébãtur eam cürãtüram esse, a tradução seria
«Servília prometeu que ela [isto é, outra mulher que não Servília]
iria providenciar» .
I l i/ I A , N Á'l'ICO DI! ORAÇÕES SUBORDINADAS 32S

�6. Os verbos que pedem oração infinitiva são geralmente decla­


r.al l vos, embora haja também verbos que assim se constroem e que
11rrkncem a um campo semântico diferente. Veja-se o seguinte
,lrnco de verbos que normalmente regem oração infinitiva:

➔ I� arbitror ( «pensar»);
,1, audiõ («ouvir»);
,1, (aliquem) certiõremfaciõ ( «informar»);
,lé cognõscõ ( «conhecer»);
* cõnstat ( « constar»);
* credõ ( « crer»);
* dícõ ( «dizer»);
* discõ ( «aprender» ) ;
* exístimõ ( « pensar»);
* ferunt ( «dizem que... »);
* ignõrõ ( «desconhecer»);
* intellegõ ( «entender»);
* iürõ ( «jurar» );
* meminí ( «lembrar»);
* minor ( «ameaçar»);
* nãrrõ ( «narrar»);
* negõ ( «dizer»; em aceção negativa: «eu digo que... não...»);
* nõscõ ( «conhecer» );
* nüntiõ ( «anunciar»);
* polliceor ( «prometer» ) ;
* prõ certõ habeõ (« ter a certeza d e que. . .» ) ;
* prqmittõ ( « prometer»);
* putõ ( «pensar»);
* respondeõ ( « responder»);
* sciõ ( «saber»);
326 N O VA GRAMÁTICA D O LATIM. SINTAU

* nesciõ ( «não saber»);


* scríbõ ( «escrever»);
* sentiõ ( «sentir»); ·
* spêrõ ( «esperar»);
* uideõ ( «ver») .

Orações finais

§ 1. As orações finais são introduzidas por ut (por vezes grafado


utí - mas não confundir com ütí, infinitivo de ütor, «usar»); no
caso de terem sentido negativo ( «para que não»), são introduzi­
das por nê. Têm o verbo no conjuntivo, cujo tempo é determinado
pelas regras da cõnsecütiõ temporum (ver p. 316) . Vejam-se os
seguintes exemplos:

* ut amêris, amãbilis estõ


«para que sejas amado, sê amável» (Ovídio, Arte de Amar, 2. 1 07)

* conclamãuérunt utí aliquis ex nostrís ad colloquium prõdíret


«clamaram para que algum dos nossos avançasse para falar» ( César,
Dê bellõ Gallicõ 5.26.4)

* uidendum est enim, prímum ni obsit benignitãs et iís ipsís, qui­


bus benignê uidébiturfie� et céterís; deinde ni maior benignitãs
sit quam facultãtés, tum ut prõ dignitãte cuique tribuãtur
«é preciso olhar em primeiro lugar para que a <nossa> benevolên­
cia não prejudique nem aqueles justamente a quem pareceu
<bem> tratar benevolentemente nem os demais; depois, <é pre­
ciso olhar> para que a benevolência não seja maior do que as
capacidades <de a praticar>; finalmente, <é preciso olhar> para
I II I A l' M ÁT I C O DE ORAÇÕES SUBORDINADAS 327

que <a benevolência> seja atribuída segundo o merecimento [prõ


dignitãte] de quem a recebe» (Cícero, Dê officiis 1. 14).

§2. Certas expressões na oração subordinante podem apontar


p,1ra a circunstância de se seguir, na subordinada, uma oração final.
(l o caso de:

,lé idcircõ ( «por este motivo»);


* ideõ ( «por este motivo»);
* eõ ( «para esse fim»);
* proptereã ( «por causa disto»);
* eõ cõnsiliõ ( «com essa intenção»);
* eã causã ( «por esta razão»);
* eã re ( «por esta razão»).

Veja-se o seguinte exemplo:

legum idcircõ omnes seruí sumus, ut líberí esse possímus


«por este motivo todos somos escravos das leis, para que possamos ser
livres» ( Cícero, Prõ Cluentiõ 53).

§3. Quando a oração fmal contém um comparativo, é introdu-


zida por quõ:

obducunturque librõ aut cortice truncí quõ sint ã frígoribus et


calõribus tütiõres
«e os troncos são cobertos de casca ou de cortiça para que estejam mais
protegidos de frios e de calores» (Cícero, Dê nãtürã deõrum, 2.47).

§4. Note-se que a oração final não é a única maneira de expri­


mir a ideia de finalidade em latim. É uma de cinco, sendo a mais
328 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. S!NTAXI,

importante, a seguir à oração final propriamente dita, a oração


relativa final, com verbo no conjuntivo (ver p. 341) : légãtõs, qui
auxilium ã senãtü peterent, misére ( «mandaram enviados que pedis­
sem auxílio da parte do senado» [Tito Lívio S.35.S]). Transfor­
mando um pouco esta frase de Tito Lívio, ficamos com o elenco
das cinco expressões de fim :

1) Oração final : légãtõs, ut auxilium ã senãtü peterent, misére,


«mandaram enviados, para que pedissem auxílio da parte
do senado».
2) Oração relativa final (ver p. 341) : légãtõs, qui auxilium ã
senãtú peterent, misére.
3) Gerundivo com ad + acusativo (ver p. 362) : légãtõs ad
auxilium petendum misére.
4) Gerundivo com causá + genitivo (ver p. 308) : légãtõs
auxilii petendi causá misére.
S) Com supino (ver p. 363) : légãtõs auxilium petitum misére.

Orações consecutivas

As orações consecutivas são introduzidas por ut, se o sentido


for afirmativo, e por ut nõn, se for negativo. O verbo está no con­
juntivo, mas, excecionalmente, nesta categoria de orações subor­
dinadas, não imperam as regras da cõnsecütiõ temporum.

Leia-se a seguinte frase de Cícero (Dé õrãtõre 1. 196) :

cuius rei tanta est uís, ac tanta nãtüra, ut Ithacam illam, in


asperrimis saxulis tanquam nídulum affixam, sapien.tissimus uir
immortãlitãtí antepõneret
( i lJ I A PRÁTICO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS 329

«coisa essa [o apelo da pátria, mencionado na frase anterior] cuja força


é tanta, e de tal ordem a <sua> natureza, que o homem sapientíssimo
[Ulisses] antepôs à imortalidade aquela Ítaca colocada como um ninho
entre rochedos aspérrimos».

Nesta frase, as regras da cõnsecütiõ temporum, a serem seguidas,


não autorizariam o imperfeito do conjuntivo na oração subordi­
nada; mas, como frisámos acima, nas orações consecutivas essas
regras não se aplicam. Verifica-se o mesmo na frase seguinte de
Tácito (Histórias 1.3), onde o predicado implícito da oração subor­
dinante é erat:

nõn tamen adeõ uirtütum steríle <erat> saeculum, ut nõn et hona


exempla prõdiderit
«porém <este> período não foi tão estéril de virtudes que não tivesse
mostrado [prõdiderit, conjuntivo perfeito de prõdõ] bons exemplos».

Ter-se-á notado, na frase de Cícero, a presença de tantus; e, na


de Tácito, a de adeõ. Na verdade, as orações consecutivas são mui­
tas vezes «pré-sinalizadas» na oração subordinante por meio das
seguintes palavras ou expressões:

* tãlis, tãle ( «tal»);


* tantus, tanta, tantum ( «tanto»);
* tot ( «tão grande número»);
* totiéns ( «tantas vezes»);
* tam ( «tão»);
* adeõ ( «de tal modo», «tão»);
* ita ( «de tal modo»);
* sic ( «assim») .
330 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAX I ,

No entanto, uma oração consecutiva sem essa pré-sinalização


também é possível:

nõn arboribus cõnsita Italia <est>, ut tõta põmãríum uideãtur?


«não está Itália <de tal modo> coberta de árvores que parece toda ela
um pomar?» (Varrão, Dê agricultürã 1 .2)

Orações condicionais

§ 1. A frase condicional consiste numa oração subordinada


introduzida por si ( «se»), chamada prótase na terminologia gra­
matical; e na oração subordinante da qual a prótase depende,
chamada apódose. Vejamos em português: «Se amanhã estiver
bom tempo [prótase], iremos à praia [apódose].»

§2. As condicionais latinas dividem-se em três categorias:

1) Condicionais cuja condição está em aberto.


2) Condicionais cuja condição, ainda que verosímil, mesmo
assim poderá não se realizar.
3) Condicionais cuja condição é contrafactual.

Na oração condicional de tipo 1, a factualidade da condição


não é afirmada nem negada, pelo que o sentido está em aberto. Em
português: «Se estás bem, não há problema.»
Na oração condicional de tipo 2, a condição tem contornos que
lhe permitiriam ser factual, mas a frase é formulada apenas com base
nessa suposição. Em português: «Se estiveres bem, não há problema.»
Na oração condicional de tipo 3, a condição apresentada é
incompatível com a perceção objetiva da realidade, pelo que o seu
I I II I A l'IIÁTICO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS 331

1l'ntido é contrafactual. Em português : «Se estivesses bem [porque


11hviamente não estás], não havia problema.»

§3. Em latim, as frases condicionais de tipo 1 têm o verbo no


Ind icativo (embora o imperativo também possa surgir na apódose;
1111 o conjuntivo, se for desiderativo - portanto conjuntivo próprio
de frases independentes : peream male, si nõn optimum erat, «que
l' ll pereça de má morte se não for <isso > a melhor coisa» [Horácio,

Stitiras 2. 1 .6-7 ] ) .
As frases condicionais de tipo 2 têm o verbo no presente ou no
perfeito do conjuntivo.
As frases condicionais de tipo 3 têm o verbo no imperfeito ou
no mais-que-perfeito do conjuntivo.

§4. Exemplos de frases condicionais de tipo 1 (note-se em [ili]


a segunda condicional encadeada e contrastante, introduzida por
sin [= si + ne]) :

(i) si idfaeis, hodie postremum me uides


«se fazes isso, estás a ver-me hoje pela última vez» (Terêncio, Andria
322).

(ii) quis ego sum igitu1j si quidem is nõn sum, qui sum ?
«então quem sou eu, se não sou quem sou?» (Plauto, Trinummus
978).

(iü) si deus es, tribuere mortalibus beneficia debes, nõn sua eripere;
sin autem homõ es, id quod es sempre esse te cõgitã
«se és um deus, deves oferecer benefícios aos mortais, não tirar os
<benefícios que são> seus; se, porém, és homem, pensa sempre
naquilo que és» (Quinto Cúrcio 7.8.26).
332 N O VA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXB.

(iv) si féceris [indicativo futuro perfeito] id quod ostendis,


magnam habêbõ grãtiami si nõn féceris, ignõscam
«se fizeres aquilo que propões, terei <para contigo> uma gratidão
grande; se não fizeres, compreenderei» ( Cícero, Ad familiãrês
1 52.2).

(v) si quod erat grande uãs et maius opus inventum, laetí


afferêbant
«se era encontrado algum vaso grande ou obra <de arte> maior,
traziam-no ufanos» ( Cícero, In Verrem, ãctiõ secunda 4.2 1 ).

§5. Exemplos de frases condicionais de tipo 2 (é preciso dar o


desconto à semelhança que a tradução portuguesa sugere com as
condicionais de tipo 3; o que conta em latim são os tempos do
conjuntivo, e as condicionais de tipo 3 têm de ter o verbo no imper­
feito ou no mais-que-perfeito do conjuntivo):

(i) õrãtiõnês autem quãs < Thücjdidês> interposuit - multae


enim sunt - eãs laudãre soleõ: imitãrí neque possim, si uelim,
nec uelim fortasse, si possim
«os discursos que <Tucídides > introduziu <na sua obra
historiográfica> - pois são muitos - tenho o hábito de os louvar;
mas não os poderia imitar, se eu quisesse, nem talvez quisesse,
se pudesse» (Cícero, Brütus 83 ).

(ii) nisi amés, nõn habeam tibifídem tantam


«se não amasses, eu não teria tanta confiança em ti» (Plauto,
Bacchides 636) .

(iii) si nunc mê suspendam, meís inimícís uoluptãtem creãuerim


«se eu me enforcasse agora, teria dado um prazer aos meus
inimigos» (Plauto, Casina 424).
l i l l l /\ PRÁTICO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS 333

§6. Exemplos de frases condicionais de tipo 3 (note-se que


1 i I tem conjuntivo imperfeito na prótase e na apódose; [ii] tem
rnnjuntivo mais-que-perfeito tanto na prótase como na apódose;
1 iii] combina os dois tempos).
(i) siforet in terris, rideret Democritus
« se estivesse <vivo> na terra, Demócrito rir-se-ia» (Horácio,
Epístolas 2. 1 . 1 94).

(ii) Hectora quis nõsset,felix si Troia fuisset?


«quem teria ouvido falar de Heitor, se Troia tivesse sido feliz? »
(Ovídio, Tristia 4.3.75).

(iii) si nihil ad percipiendam colendamque uirtütem litteris


adiuuãrentur, numquam se ad eãrum studium contulissent
«se em nada tivessem sido ajudados pela literatura na apreciação
e no cultivo da virtude, nunca se teriam dedicado ao seu estudo»
(Cícero, Pró Archiã VIl. 1 6 ) .

§7. No âmbito destes três tipos de condicionais, há ainda as


condicionais que, por motivo de expressividade ou outro, combi­
nam indicativo e conjuntivo. No caso de (i) que damos em seguida,
esperar-se-ia o conjuntivo mais-que-perfeito tanto na prótase como
na apódose (tratando-se de uma condição contrafactual no passado
- teoricamente de tipo 3), mas Tito Lívio opta pelo indicativo na
apódose para conferir ao enunciado um imediatismo mais vivo:

(i) põns sublicius iter paene hostibus dedit, nisi ünus uirfuisset,
Horatius Cocles
«a ponte de estacaria quase deu [teria dado] caminho aos inimi­
gos, se não fosse um homem, Horácio Cocles » (Tito Lívio, 2. 1 0 ) .
334 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAJII.

(ii) etfactüra fuit, pactus nisi Iuppiter esset


«e tê-lo-ia feito, seJúpiter não tivesse prometido» (Ovídio, Fastos
4.6 1 3 ) .

§8. Atente-se, no exemplo anterior, na palavra que significa


«se não»: nisi (que já aparecera em §5 [ii] ) . Veja-se ainda:

nêmõ ferê saltat sõbrius nisi forte ínsãnit


«ninguém dança sóbrio, a não ser que porventura esteja louco» ( Cícero,
Prõ Murenã 13) .

Orações causais

§ 1 . As orações causais em latim têm o verbo no indicativo


quando quem fala ou escreve garante a objetividade factual da
causa referida:

ita fit, ut adsint proptereã, quod officium sequuntur, taceant


autem idcircõ, quia periculum uitant
«Assim sucede que estejam presentes, porque seguem o dever, mas que
contudo se calem, porque <assim> evitam o perigo» ( Cícero, Pró Rosciõ
Amerinõ, 1 . 1 ) .
(Note-se, n a frase citada, a presença d e proptereã e d e idcircõ, que
pré-sinalizam na subordinante o facto de se seguir uma subordinada
causal21 . )

§2. Quando quem fala ou escreve pretende demarcar-se da


causa alegada, o verbo está no conjuntivo (como já vimos na p. 270):

21
Se traduzíssemos a frase de Cícero para alemão, teríamos o mesmo esquema do latim:
«so passiert es, dass sie desbalb da sind, weil sie ihre Pflicht erfiillen wollen... »
l i l l l A PRÁTICO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS 335

laudat Ãjricãnum Panaetius quodJuerit [conjuntivo perfeito]


abstinens
«Panécio louva < Cipião> Africano porque <alegadamente> teria sido
abstinente» ( Cícero, De officiís 2.76).

§3. As conjunções que habitualmente introduzem subordina­


das causais são quod, quia e quoniam.

§4. Quando orações como as mencionadas em § 1 ocorrem


numa sequência em discurso indireto ( õrãtiõ obliqua), o verbo está
no conjuntivo:

perfacile factü esse illis probat cõnãta perficere, proptereã quod


ipse suae ciuitãtis imperium obtentürus esset
« < Orgetorix> convence-os de que cumprir [perficere] as iniciativas
[cõnãta] é <coisa> de concretização fácil [perfacile factü], porque
<assim> ele próprio seguraria [ obtentürus esset] a soberania [imperium]
do seu estado [suae ciuitãtis] » (César, De bellõ Gallicõ 1 .3.6).

Orações temporais

§ 1. As orações temporais são introduzidas pelas conjunções


listadas na p. 278.

§2. Uma oração temporal «pura» - isto é, que exprima


somente a noção de tempo - tem o verbo no indicativo:

(i) Hamilcar, nõnõ annõ postquam in Hispãniam uenerat, occi­


sus est.
«Amílcar foi morto no nono ano depois que chegou à Hispânia.»
( Cornélio Nepos, 22.4.2)
336 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI,

(ii) Quae nemora aut qui uõs saltüs habuere, puellae


Nãídes, indignõ cum Gallus amõre peribat?
«Que florestas ou que bosques vos detiveram, donzelas
Nái:des, quando Galo perecia devido a um amor indigno?» (Vergílio,
Bucólicas 10. 10).

§3. Se a oração exprimir paralelamente outra nuance semântica


(causa, por exemplo), o verbo está no conjuntivo. É o caso das
orações temporais-causais de cum com conjuntivo imperfeito e
conjuntivo mais-que-perfeito (note-se, em [ii], cum com conjun­
tivo mais-que-perfeito e também - porque a oração seguinte
exprime só tempo - com indicativo perfeito):

(i) Zinõnem, quem Philõ noster coryphaeum appellãre Epi­


cüreõrum solebat, cum Athinis essem, audiebam frequenter
«Quando (e porque] eu estava em Atenas, eu ouvia frequentemente
Zenão [ = as preleções de Zenão ], a quem o nosso Fílon costumava
chamar o chefe do coro dos epicuristas» ( Cícero, Dé nãtürã deõrurn
1.21).

(ii) ego, cum Athenis decem ipsõs diisfuissem multumque micum


Gallus noster Caninius, profiscibar inde prid. Nõn. Quint.,
cum hoc ad ti litterãrum dedi
«eu, depois que estive dez dias em Atenas e o nosso Galo Canínio
muito <tempo passou> comigo, estava de partida no dia 6 de julho
[para o calendário romano do mês de julho, cujo nome antigo era
Qµintilis, antes de ser renomeado Iülius em homenagem a Júlio
César, ver p. 414 ], depois de te ter mandado estas linhas» (Cícero,
Adfarniliãrés, 2.8.3).

§4. Se a ação temporal for somente expectável (e não factual),


o verbo está também no conjuntivo:
l h l l A l ' II ÁTICO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS 337

expectãte, dum cõnsul aut dictãtorfiat


«esperai até que ele se torne cônsul ou ditador» (Tito Lívio, 3. 1 1 . 1 3).

§5. Com o sentido de «desde que», dum surge também com


conjuntivo. É o caso do famoso fragmento do tragediógrafo Ácio:
aderint dum metuant, «odeiem<-me >, desde que <me > temam».

Orações concessivas

§ 1. As orações concessivas são introduzidas pelas conjunções lista­


das na p. 279. Que critério terá guiado os autores latinos na escolha desta
ou daquela conjunção concessiva escapa ao nosso entendimento 22•
Cícero usa sobretudo quamquam, etsíe quamuís; em César a conjunção
privilegiada é etsí (nunca usa quamquam), ao passo que Salústio evita,
justamente, etsí. Tácito, ao que parece, não gostava de tametsí.
O facto de três destas conjunções conterem sí (nomeadamente
etsí, etiamsí e tametsí) leva a que a lógica do uso do indicativo ou
do conjuntivo com estas três conjunções mostre afinidade semân­
tica com a lógica das orações condicionais 23 :

* indicativo: etiamsi tacent, satis dicunt


«embora se calem, falam suficientemente» ( Cícero, ln Caecilium 6);

* conjuntivo: etiamsi proter amícitiam uellet illum ab inferis


euocãre, propter rem püblicam nõn fecisset.

22 Cf. Woodcock, p. 205.


23 Claro que, para falantes de português de gerações mais antigas, a ideia de uma oração conces­
siva com indicativo é antigramatical, já que a construção correta de «ainda que» e de «embora»
é com conjuntivo; mas, do ponto de vista do latim, não há nada de errado em dizer «embora
eu acho» em vez de «embora eu ache».
338 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. S INTAJII,

«ainda que ele quisesse por amizade chamá-lo dos mortos, por causa
do bem comum não o teria feito» ( Cícero, Pró Milõne 79 ) .

§2. No caso de quamquam, o modo habitual é o indicativo :

quamquam festinãs, nõn est mora longa


«embora te apresses, o atraso não é longo» (Horácio, Odes 1 .28.35).

No entanto, também encontramos exemplos de quamquam


com o conjuntivo :

quamquam fortunã uel índustríã pleríque pecuníõsam ad senec­


tam peruenirent, mansít tamen prior animus
«embora pela sorte ou pelo esforço muitos [novos-ricos] chegassem a
uma velhice endinheirada, permaneceu porém a <sua> maneira de ser
anterior» (Tácito, Anais 3.55).

§3. Inversamente, com quamuís o modo habitual é o conjuntivo,


embora encontremos esporadicamente (sobretudo em poesia) ora­
ções de quamuís com indicativo (o exemplo clássico é Pollíõ amat
nostram, quamuis est rústica, Müsam [Vergílio, Bucólicas 3.84]):

* conjuntivo :
quamuis nõn fueris suãsor profectiõnis meae, approbãtor certê
fuístí
«embora não fosses conselheiro da minha partida, certamente foste
quem a aprovou» ( Cícero, Ad Atticum 16. 7 .2);

* indicativo :
nõn tíbí, quamuis ínfestõ anímõ et mínãcí peruénerãs,
ingredientífínês ira cecidit?
l h t l A l' IIÁTICO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS 339

«não te caiu <do peito> a ira ao chegares à fronteira, embora viesses


com ânimo hostil e ameaçador?» (Tito Lívio, 2.40 ).

Orações comparativas

Estas orações contêm - como o nome indica - a ideia de


rnmparação, podendo esta ser real (verbo no indicativo) ou ima­
ginária (verbo no conjuntivo). As conjunções mais frequentes
que as introduzem são: ut (utí), uelut, sícut, quasi, quam, tamquam,
utpote.
Estas orações podem ser pré-sinalizadas na oração subordi­
nante com expressões do tipo ita, síc, perinde, proinde, aequé,
similiter.
Leiam-se os seguintes exemplos (em que só [ii] e [vi] têm o
verbo no conjuntivo, por se tratar de comparações imaginárias):

(i) nõn enim tam praeclãrum est scíre Latínum quam turpe
<est> nescíre
«pois saber latim não é tão brilhante como <é> vergonhoso não
saber» (Cícero, Brütus 140).

(ii) tamquam si claudus sim, cum fustí est ambulandum


«tenho de andar com bengala, como se eu fosse coxo» (Plauto,
Asinãria 427).

(iii) < Caesar> dictãtüram quam pertinãciter ei deferebat popu­


lus, tam cõnstanter repulit
« <Júlio César> recusava tão teimosamente a ditadura quanto o
povo persistentemente lha oferecia» (Veleio Patérculo, 2.89.5).
340 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI.

( iv) ut sementem féceris, ita metês


«tal como fizeres a sementeira, assim colherás » ( Cícero,
De õrãtõre 2.26 1 ) .

(v) est profectõ deus, qui quae nós gerimus auditque et uidet:
is, uti tü mê hic habueris, proinde illum illic curãuerit
«existe, na verdade, um deus que ouve e vê o que fazemos;
<o deus> tratará dele lá tal como tu me tiveres tratado aqui»
(Plauto, Captíuí 3 1 3-314).

(vi) hic est obstandum, militês, uelut si ante Rõmãna moenia


pugnémus
«aqui temos de combater, soldados, como se estivéssemos a lutar
diante das muralhas de Roma» (Tito Lívio, 2 1 .41. 16).

Orações relativas

§ 1 . As orações relativas podem ser introduzidos por:

* um pronome relativo ( qu� quae, quod; ou quicumque, etc.);


* por um adjetivo de natureza relativa ( quãlis ou quantus);
* por al ns advérbios (ubi, quõ, unde, quã, quandõ, quõmodo).
gu

O pronome relativo concorda com o antecedente em género e


número, mas surge no caso exigido pela função sintática desempe­
nhada na oração relativa.

§2. Quando a oração é puramente relativa e factual, o verbo


está no indicativo:
I I I I I A P RÁTICO DE ORAÇÕES SUBORDINADAS 341

}lúmen quod appellãtur Tamesis


«um rio que se chama Tamisa» (César, Dê bellõ Gallicõ 5. 1 1 )

urst m e comedantj et ego uerpa<m> qui legõ


« ursos me comam; e eu, que leio, <estou a comer [= a felar] > um
caralho» ( CIL 4.8229 ) 24•

§3. Quando à oração relativa está associada uma coloração


semântica final, consecutiva, concessiva ou causal, o verbo está no
conjuntivo:

(i) oração relativa final: <Aelius> scr,bebat õrãtiõnes, quãs alii


dicerent
« <Élio> escrevia discursos para outros dizerem [à letra, «os quais
outros dissessem» ] » (Cícero, Brütus 56).

(ii) oração relativa consecutiva: quis tam fuit illõ tempore fer­
reus, quis tam inhumãnus praeter unum te, qui nõn illõrum
aetãte, nõbilitãte, miseriã commouereiur?
«quem foi naquela altura <de coração> tão férreo, quem <foi> tão
desumano além de ti, que não se comovesse com a idade, nobreza
e infelicidade deles?» ( Cícero, ln Verrem, ãctiõ secunda, 5.46) .

(iii) oração relativa concessiva : miserrimõ ac patientissimõ


exercitu1 Caesaris luxuriem obiciebant, cui semper omnia ad
necessãrium üsum defuissent

14
Este grafita de Pompeias presta-se a várias interpretações (ver Adams [ 2016], p. 225 ). A mais
provável é a que vê na frase a intenção de colocar quem está a ler o grafita no papel de felador
da uerpa de quem escreveu (uerpa é uma palavra altamente grosseira para «pénis», equivalente
a «caralho» em português; fora de grafitas, ocorre somente em Catulo 28.12, em Marcial
11.46.2 e no Corp us Priãpeõrum 34.5 ).
342 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI!.

«censuravam ao desgraçadíssimo e pacientíssimo exército de


César o luxo, <exército esse> ao qual sempre tinham faltado todas
as coisas para o necessário uso <quotidiano> », isto é, era-lhe
criticado o luxo, embora passassem por necessidades (Dê bellõ
cíuílí 3.96.2 ).

(iv) oração relativa causal : té omnés amant mulierés, qui sis tam
pulcher
«todas as mulheres te amam, tu que és tão belo» (i.e., porque és
tão belo [Plauto, Míles glõriõsus 59] ).

§4. Uma categoria importante de oração relativa em latim é a


chamada «oração relativa de caraterização» 25, que define, descreve
ou carateriza o antecedente. Nestas orações, o verbo está no con­
juntivo :

* neque enim tü is es, qui nesciiis


«pois não és o tipo de pessoa que não saberia» (Cícero, Adfamiliãrês
5.12.6);

* sunt qui discessum animí ã corpore putent esse mortemi sunt


qui nullum cénseantfierí discessum, sed ünã animum et corpus
occidere animumque in corpore extingui
«há quem pense que [à letra, «existem aqueles que pensam que» ]
a separação d a alma <para longe> d o corpo constitui a morte; há
quem pense que não existe nenhuma separação, mas que alma e
corpo morrem juntamente [ ünã] e que a alma se extingue no corpo
<morto> » (Cícero, Tusculanas 1 . 18).

15 Na terminologia anglo-saxónica, «relative clause of characteristic».


Interrogativas diretas e indiretas

Interrogativas diretas

Existem duas formas de interrogativa direta em latim:

(i) interrogativa direta introduzida por um pronome ou


advérbio, como por exemplo:

* quis? quid? ( «quem?», «o quê?»);


* qui, quae, quod? ( «quem?», «o quê?»);
* quãlis, quãle? ( «qual?»);
* uter, utra, utrum ? ( «qual dos dois?»);
* quam ? ( «como?», «até que ponto?»);
* quõmodo?quemadmodum?(«como?», «de que maneira?»);
* quantus, quanta, quantum ? ( «quão?»);
* quot? ( «quanto [s]?» );
* quotiéns, quotiés ( «quantas vezes?»);
* quamdiü ? ( «há quanto tempo?»);
* cür? quãré? quam ob rem ? quid? ( «porquê?»);
* quandõ ? ( «quando?»);
* ubi? quã ? ( «onde?»);
* quõ ( «para onde?»);
* unde? ( «donde?») .
344 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXE.

(ii) interrogativa direta introduzida por uma partícula inter­


rogativa:

* se a pergunta for formulada com base numa pressupo­


sição neutra quanto à natureza da resposta (positiva ou
negativa), é introduzida pela partícula interrogativa
enclítica -ne:

mênefugis?
«estás a fugir de mim?» (Vergílio, Eneida 4.3 14)

* se a pergunta for formulada com base numa pressupo­


sição positiva quanto à resposta (isto é, espera-se
«sim»), é introduzida pela partícula interrogativa
nõnne:

nõnne uidês etiam guttãs in saxa cadentis


ümõris longõ in spatiõ pertundere saxa ?
«não vês que até gotas de água a cair sobre pedras
ao fim de um longo período de tempo furam as pedras?»
(ou seja, «água mole em pedra dura tanto bate até que fura»;
Lucrécio 4. 1286- 1287)

* se a pergunta for formulada com base numa pressupo­


sição negativa quanto à resposta (isto é, espera-se
«não»), é introduzida pela partícula interrogativa num:

num immemorês discipuli?


«será que estão desmiolados aqueles que tu instruíste? »
(Terêncio, Andria 477; já agora, note-se a resposta a esta per­
gunta, onde encontramos uma interrogativa indireta: ego quid
narres nesciõ, «não sei do que estás a falar»).
I N T HRROGATIVAS DIRETAS I! INDIRETAS 345

(iii) se a interrogativa direta for dupla, é normalmente intro­


duzida por utrum ... an... ? :

haec utrum abundantis an egentis signa sunt?


« estas coisas são sinais de <um homem> rico ou de um
necessitado?» ( Cícero, Paradoxa Stoicõrum, 6).

(iv) uma interrogativa direta introduzida por an exprime


surpresa ou indignação:

an nescis quae sit haec rés?


«será que desconheces de que assunto se trata?» (Plauto, Pseu­
dolus 1 1 61; note-se novamente a interrogativa indireta quae sit).

Interro gativas indiretas

As partículas que introduzem interrogativas indiretas


(quando não são introduzidas pelos pronomes e advérbios lista­
dos mais acima) são normalmente num ou an (também -ne, mas
raramente si, embora haja um exemplo curioso em Tito Lívio,
40.49: quaesiuit si cum Rõmãnis militãre liceret, «perguntou se era
possível fazer serviço militar co.m os romanos»).
Como já se percebeu pelos exemplos até agora apresentados,
as orações interrogativas indiretas têm normalmente o verbo no
conjuntivo, ainda que não faltem exemplos de interrogativas indi­
retas com o verbo no indicativo, até em Cícero:

dic, quaesõ, num té illa terrent


«diz, por favor, se aquelas coisas te assustam» (Tusculanas 1 . 10).
346 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXE.

Veja-se este exemplo delicioso, logo no início do Anfitrião de


Plauto (vv. 17- 1 8), onde encontramos no mesmo verso as duas
construções:

nunc quoiius [= cuiusJ iussü ueniõ et quam ob rem uenerim


dícam simulque ipse eloquar nõmen meum
« agora a mando de quem venho e por que razão venho
eu direi; e ao mesmo tempo declararei o meu nome» .

As interrogativas indiretas «normais» com o verbo no con­


juntivo seguem a lógica da cõnsecütiõ temporum (ver p. 316) .
Ordens diretas e indiretas

Ordens diretas

§ 1 . Uma ordem direta afirmativa pressupondo como destina­


tário a 2.ª pessoa gramatical (seja singular, «tu»; ou plural, «vós»)
surge em latim no modo imperativo:

tolle, lege !
«levanta <o livro> e lê ! » (Agostinho, Confissões 8 . 1 2; ver p. 489)

sumite, hoc est corpus meum


«tomai, este é o meu corpo» (Marcos 14:22).

§2. Uma ordem direta negativa exprime-se por meio de nõlí


(2.ª pessoa do singular) e nõlíte (2.ª pessoa do plural) com infmi­
tivo presente:

nõli mé tangere!
« não me toques ! » (João 20: 1 7; ver p. 49 1 )

nõlite iüdicãre et nõn iüdicãbiminí


« não julgeis e não sereis julgados » (Lucas 6:37).
348 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAXI.

§3. Em alternativa, uma ordem direta negativa pode surgir sob


a forma de nê + conjuntivo perfeito:

quod dubitês, néféceris


«não faças aquilo de que duvidas» (Plínio-o-Moço, Cartas 1 8.6).

§4. Na poesia latina, encontramos também nê + imperativo:

néfuge mê!
«não fujas de mim ! » ( Ovídio, Metamorfoses 1 .597).

§5. Uma ordem direta afirmativa pressupondo como destina­


tário a l.ª pessoa ou a 3.ª pessoa surge no conjuntivo (também
interpretável como conjuntivo jussitivo-exortativo):

Sícelidês Müsae, paulõ maiõra canãmus!


«Musas sicilianas, cantemos <temas> um pouco mais elevados ! »
(Vergílio, Bucólicas 4. 1 ) .

Ordens indiretas

As ordens indiretas em latim podem ser expressas de duas


maneiras:

(i) Se o verbo utilizado for iubeõ, iubêre, iussí, iussum ( «orde­


nar») ou o seu antónimo uetõ, uetãre, uetu� uetitum ( «proi­
bir»), a construção usada é a oração infinitiva (ver p. 321):

nunc dormítum iubet mé ire


«agora ela manda-me ir dormir» (Plauto, Mostellãria 693)
1 I I I I II N S D I RETAS E INDIRETAS 349

legãtõs Caesar discedere uetuerat


«César proibira os enviados de partir» (César, Dê bellõ Gallicõ
2.20.3).

(ii) Se o verbo utilizado for qualquer outro que exprima


ordem, a construção usada é ut + presente ou imperfeito
do conjuntivo (dependendo da lógica da cõnsecütiõ
temporum; ver p. 316). No caso de se tratar de uma ordem
indireta negativa, a construção é né + presente ou imper­
feito do conjuntivo:

té rogõ atque õrõ ut eum iuues


«solicito-te e peço-te que o ajudes» ( Cícero, Adfamiliãrês 13.66)

hortãturque eõs ne animõ deficiant


«exorta-os a que não desanimem» (Dê bellõ ciuílí 1. 19).

Um elenco possível de verbos como os mencionados em (ii)


seria o seguinte:

* édícõ ( «proclamar»);
* flagitõ ( «exigir»);
* hortor ( «exortar»);
* imperõ ( «ordenar» + dativo);
* moneõ ( «aconselhar»);
* obsecrõ ( «pedir»);
* õrõ ( «pedir»);
* petõ ( «solicitar»);
* poscõ ( «exigir»);
* postulõ ( «exigir»);
350 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. S I N'l'A '

* praecipiõ ( «ordenar» + dativo);


* precor ( «orar»);
* rogõ ( «pedir»);
* suãdeõ ( «persuadir» + dativo) .
rações de qufn e quõminus; verbos
exprimem receio; verbos imp essoais

Três temas incontornáveis no estudo da sintaxe latinasão os que


se encontram no título do presente capítulo. Vejamo-los um a um.

Orações de quín e quõminus

§ 1. No latim mais antigo, a palavra quín (da mesma raiz de quí


e de quis, acrescida de ne) tinha sentido interrogativo-negativo
( «porque não?»), como vemos a partir deste exemplo de Plauto:
quin ego hoc rogem? ( «porque não hei de perguntar isto? [Míles
Glõriõsus 426] ) .
A associação de quín, na mente dos falantes do latim, a afirma­
ções negativas determinou o uso clássico de quín + conjuntivo
(sendo o tempo determinado pela lógica da cõnsecütiõ temporum
[p. 316]) como construção que se segue sobretudo a expressões
do género de nõn dubitõ ( «não duvido»), nõn negõ ( «não nego»)
e nõn impediõ ( «não impeço»).
Não há uma tradução única de quín para português, pois é pre­
ciso ter em conta o exato contexto semântico da frase latina para
encontrarmos a melhor correspondência portuguesa . Vejam-se
os seguintes exemplos (o primeiro é a frase clássica de todas as
gramáticas quando se trata de quín) :
352 N O VA GRAMÁTICA DO LATIM, S I NTA O

nõn dubitãri debet quin fuerint ante Homirum poetae


«não se deve duvidar de que existiram poetas antes de Homero ( Cfcon1,
Brütus 7 1 )

neque abest suspiciõ quin ipse sibi mortem cõnsciuerit


«nem falta a suspeita de que ele se suicidou [à letra, «de que ele próprio
se condenou à morte» ] » (Tito Lívio, 40.36)

neque sibi hominisferõs temperãtürõs existimãbat quin in Italiam


contenderent
«nem ele pensou que os bárbaros [à letra, «homens ferozes» ] se
coibissem de procurar atingir Itália» (Tito Lívio 26.40)

contineri quin complectar nõn queõ


«não posso ser impedido de abraçá-la» (Plauto, Rudêns 1 172 ).

§2. Qyanto a quõminus ( + conjuntivo, cujo tempo é também


determinado pela lógica da cõnsecütiõ temporum), tanto o uso como
o sentido são semelhantes aos de quin:

nõn déterret sapientem mors (quae propter incertõs casüs cotidie


imminet, propter breuitãtem uitae numquam potest longe abesse)
quõminus in omne tempus rei püblicae suisque cõnsulat
«a morte não amedronta o sábio (a qual por causa das circunstâncias
incertas diariamente está presente <e> por causa de brevidade da vida
nunca pode estar longe) de dar sempre atenção à causa pública e aos
seus <familiares> » (Cícero, Tusculanas 1 .38.9 1 )

nõn recusãbõ quõminus omnis mea legant


«não recusarei que todos leiam os meus escritos» ( Cícero, Dêfínibus
1.7)
11 4' 1'\ J N Ili! QViN E QVÕMINVS; VERBOS Q.UE EXPRIMEM RECEIO; VERBOS IMPESSOAIS 353

11,1ues uentõ tenébantur quõminus in portum ueníre possent


• ,,s naus eram impedidas pelo vento de conseguirem chegar ao porto»
( ( :ésar, Dê bellõ Gallicõ 4.22.4 ).

Verbos que exprimem receio

§ 1 . Em latim, verbos como timeõ, metuõ, paueõ e uereor


rnnstroem-se, no sentido de «temo que», da seguinte maneira,
mm né + conjuntivo (sendo o tempo do conjuntivo determinado
pela lógica da cõnsecütiõ temporum; ver p. 316):

nunc timeõ né nihil tibi praeter lacrimãs queam reddere


«agora temo que nada além de lágrimas eu te consiga devolver» ( Cícero,
Pró Planciõ 42).

§2. No entanto, se o sentido requerido for «temo que não»,


a construção (por paradoxal que possa parecer) é timeõ ut + con­
juntivo:

omnés labõrés té excipere uideõ; timeõ ut sustineãs


«vejo que assumes todos os esforços; receio que não aguentes» (Cícero,
Adfamiliãrés 14.2) .

Verbos impessoais

§ 1. Um verbo impessoal define-se pelo facto de existir somente


na 3.ª pessoa do singular e de não ter um sujeito que possa exprimir­
-se convencionalmente no nominativo. São verbos, no entanto,
que podem ter formas de infinitivo (e até de gerúndio) .
354 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAJII,

Uma categoria importante destes verbos diz respeito ao tempo:

* ningit ( «neva»);
* pluit ( «chove»);
* tonat ( «troveja»).
§2. Além destes verbos de sentido meteorológico, os verbos
impessoais mais relevantes em latim são os seguintes:

presente perfeito infinitivo tradução


miseret miseruit miserêre «comove»
p iget piguit pigêre «enfada»
paenitet paenituit paenitêre «causa
arrependimento»
pudet puduit pudêre «envergonha»
taedet taeduit taedêre « aborrece»
decet decuit decêre « fica bem»
dêdecet dêdecuit dêdecêre «fica mal»
libet libuit libêre «agrada»
oportet oportuit oportêre «convém»
rêfert rêtulit rêferre «concerne»

§3. Certos verbos que têm conjugação completa são também


utilizados de forma impessoal. Os exemplos mais expressivos são :

* accédit ( «acresce»);
* accidit ( «acontece»);
* appãret ( «é evidente»);
* attinet ( «pertence»);
* cõnstat ( «é certo»);
* contingit ( «cabe em sorte»);
* conuenit ( «convém»);
1 1141;0 11S DI! QVÍN E QVÓMINVS; VERBOS QUE EXPRJMBM RECEIO; VERBOS IMPESSOAlS 355

* êuenit ( «sucede»);
* interest ( «diz respeito»);
,lê iuuat ( «deleita»);
,lê pertinet ( «diz respeito»);
➔I< placet ( «parece bem»).

§4. Vejamos agora a construção sintática dos verbos impes­


soais.

(i) Ós verbos que exprimem sentimentos ( miseret, piget,


paenitet, pudet, taedet) constroem-se com acusativo (pes­
soa atingida pelo sentimento) e com genitivo (causa do
sentimento) :

miseret tê aliõrum, tui tê nec miseret nec pudet


«tens pena de outros, mas de ti não tens pena nem vergonha»
(Plauto, Trinummus 43 1 ) .

(ü) Os verbos decet, dêdecet e iuuat constroem-se com acusa­


tivo e infinitivo :

õrãtõrem uêrõ irasci minimê decet, simulãre nõn dêdecet


«não fica bem a um orador irar-se, <mas> não fica mal fingir»
(Cícero, Tusculanas 4.25.55).

(iü) Os verbos libet, licet, contingit e êuenit constroem-se com


dativo e (por vezes) infinitivo :

licet autem nêminí contrã patriam dücere exercitum


«pois não é lícito a ninguém conduzir um exército contra a pátria»
(Cícero, Filípica 13, 14).
356 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. SI N1'A U

(iv) Com refert e interest, a pessoa a quem o verbo diz respeito


é expressa por meio de um adjetivo possessivo feminino
(mesmo que se trate de al guém do sexo masculino 26 ) em
ablativo - meã, tuã, suã, nostrã, uestrã:

quid refert meã cui seruiam ?


«o que me interessa a quem sirvo?» (Pedro, 1 . 15)

(v) Os verbos pertinete attinet constroem-se com ad + acusativo:

iamne me uis dicere id quod ad te attinet?


«será que me queres dizer algo que te diga respeito?» (Terêncio,
Adelphoe 1 86).

(vi) O verbo oportet constrói-se normalmente com oração


infinitiva (p. 321 ), embora surja também com conjuntivo :

* com oração infinitiva :


cum canerem reges et proelia, Cynthius aurem
uellit et admonuit: «pãstõrem, Tityre, pinguis
pãscere oportet ouis, deductum dicere carmen»
«quando eu estava para cantar reis e batalhas, Cíntio <Apolo>
puxou-me a orelha e avisou: "Convém que o pastor apascente
ovelhas gordas, mas que cante um poema magro"» (Vergílio,
Bucólicas 6.3-5);

* com conjuntivo :
sacra deõsque canam et cognõmina prisca locõrum:
hãs meus ad metãs südet oportet equus

A lógica curiosíssima por trás desta concordância é o entendimento da sílaba inicial de refert
26

como ablativo de res. Ver Kühner & Stegrnann, Vol. I, p. 460.


I l i ' IW QVÍN E QVÔMINVS; VERBOS QUE EXPRIMEM RECEIO; VERBOS IMPESSOAIS 357

«cantarei ritos e deuses e nomes antigos dos lugares;


convém que o meu cavalo sue para estes fins» (Propércio, 4. 1 .69-
-70; ver Heyworth, pp. 423-424, sobre a opção por deõsque em
detrimento de diésque).
Particípios; gerúndio e gerundivo; sup i1 1 < 1

Particípios

Como vimos na p. 143, os particípios são formas verbais que


«participam» de várias naturezas, embora sejam essencialmente,
em termos de morfologia, adjetivos e se declinem como tal.
No que toca à sua função sintática, há em primeiro lugar a
notar que, na frase:

* o particípio presente tem como referência um quadro tem­


poral contemporâneo com o do verbo a que está associado;
* o particípio perfeito refere-se a um tempo anterior;
* o particípio futuro refere-se a um tempo posterior.
(i) Um particípio pode servir para exprimir aquilo que, nou­
tras circunstâncias, surgiria sob a forma de uma oração
subordinada ou coordenada; do ponto de vista estilístico,
confere compressão e força à frase:

sacrãs iaculãtus arces terruit urbem


«Atingindo as torres sagradas, <Júpiter> aterrorizou a cidade»
(Horácio, Odes 2.3-4) .
l't l l li f 1 • 1 0s; Gl!RÓNDIO I! GERUNDIVO; SUPINO 359

( i i ) Um particípio futuro pode, na poesia (geralmente) e na


prosa (de al guns autores), assumir, como em grego, uma
função final:

Maroboduus misit legãtõs ad Tiberium õrãtürõs auxilia


«Marobóduo mandou enviados a Tibério para pedirem auxílio»
(Tácito, Anais 2.46).

( iii) O particípio perfeito (que tem sentido passivo nos verbos


regulares com voz ativa) assume sentido ativo no caso dos
verbos depoentes (ver p. 210):

omnia expertí Galli, quod res nulla successerat, posterõ die


cõnsilium ceperunt ex oppidõ prõfugere, hortante et iubente
Vercingetorige
«tendo experimentado todos os expedientes - <e> porque nada
dera resultado - 1 os gauleses decidiram fugir da vila, tendo
Vercingetori.x <assim> exortado e ordenado» ( César, De bellõ
Gallicõ 7.26).

(iv) Para o ablativo absoluto (e.g. hortante et iubente Vercinge­


torige, na citação anterior), ver pp. 271 e 312.

Gerúndio e gerundivo

É conhecida a teoria de que, relativamente a gerúndio e gerun­


divo, a segunda forma é que é a mais antiga, sendo o gerúndio
porventura uma criação analógica a partir do gerundivo 27 •

17
Cf. Kühner & Stegmann, Vol. I, pp. 727-728.
360 NOVA GRAMÁTICA DO LAT I M , S I N U U

Ora, como vimos nas pp. 140- 141, o gerúndio é um subst1111


tivo que permite declinar o infinitivo presente ativo (por 1 .. 11
nunca aparece em nominativo, já que a forma de «nominativo •
do genitivo amandí seria teoricamente amãre) . O gerundivo, por
sua vez, é um adjetivo, com sentido passivo.
A carga semântica mais percetível do gerundivo é a de necessi­
dade ou obrigatoriedade: cõnsõlandus hic mihist [ = mihi est], «estt
tem de ser consolado por mim» (Plauto, Bacchides 625 ). Como se
vê pelo exemplo, o agente é expressivo em dativo (cf. p. 298) .
Ocasionalmente, surge a construção impessoal do gerundivo:

(i) mí aduenientí hãc nocte agitandum est uigiliãs


«ao chegar eu vou ter de estar de vigília esta noite» (Plauto,
Trinummus 869).

(ii) aeternãs quoniam poenãs in morte timendum est


«porque é preciso temer os castigos eternos na morte» (Lucrécio
1.1 1 1).

No caso do exemplo (i), podemos sentir que seria mais natural


dizer agitandae sunt uigiliae - e, na verdade, esta será a construção
que passamos a encontrar mais a partir do século I a.C., a ponto de
o exemplo (ii) de Lucrécio ser considerado um arcaísmo 28 •

Cinco aspetos importantes a ter em conta:


1. Acusativo do gerúndio
1.1. O acusativo do gerúndio ocorre normalmente precedido
de ad:

18
Cf. Woodcock, p. 159.
t & H II l � IO � J t: H RÚNDIO E GERUNDIVO; SUPINO 361

11uod cuique temporis ad uiuendum datur, eõ debet esse


contentus
« porque com o tempo dado a cada um para viver, com esse tempo
deve estar-se contente» ( Cícero, De senectüte 69 ) .

1 .2. Embora mais raro, o gerúndio em acusativo pode ocorrer


precedido de inter:

mõrés quõque sé inter lüdendum simplicius détegunt


«as caraterísticas <de personalidade> também se manifestam
brincando» (Quintiliano, 1.3. 12) .

2. Genitivo do gerúndio
Depende normalmente de um substantivo abstrato (por exem­
plo, ars scribendi; ver os exemplos na p. 141).

3. Dativo do gerúndio
Sugere a noção de aptidão ( rubéns <Jerrum> nõn est habile
tundendõ, «um ferro em brasa não serve para martelar» [Plínio­
-o-Antigo, 34. 149 ] ) .

4. Ablativo do gerúndio
Exprime instrumento ou causa:

ego uapulandõ ill' uerberandõ usque ambõ defessi sumus


«eu por causa de ser espancado e ele por causa de bater estamos os dois
exaustos» ( Terêncio, Adelp hoe 213).

5. Gerundivo por gerúndio


Quando o verbo é transitivo, os autores latinos mostram
preferir construções em que, por convenção estilística, o gerundivo
362 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. SINTAU

é usado em detrimento da alternativa que seria o gerú ndlt1,


Este fenómeno do gerundivo por gerúndio ocorre sempre se (l
gerúndio estiver em dativo (por isso Plauto [Mercãtor 192] escrevt
armamentis complicandis studuimus, «demos atenção aos equipa•
mentos a serem dobrados», em vez de armamenta complicand6
studuimus) 29 •
É por causa desta sensibilidade estilística que Tito Lfvio
(21.13) escreve ad pãcem petendam (gerundivo), em vez de ad
petendum (gerúndio) pãcem.
Do mesmo modo, quando Cícero (De senectüte 75) escreve
Brütus in liberandã [gerundivo] patriã est interfectus, intuímos a
vontade de evitar a alternativa comparativamente inestética Brütus
in liberandõ [gerúndio] patriam est interfectus.
Os autores latinos preferem, contudo, o gerúndio se:

* o complemento direto do gerúndio for um pronome ou


adjetivo neutro;
* a construção com gerundivo implicar o uso do genitivo do
plural.

Um exemplo que ilustra o que acabámos de dizer é Tito Lívio


1 .467: initium turbandi [gerúndio] omnia [neutro do plural] ã
feminã ortum est, «o início de tudo ficar agitado partiu de uma
mulher». Claramente, o talentoso escritor quis evitar turbandõrum
[gerundivo] omnium e preferiu turbandi omnia.
Também César evita frases com gerundivo no genitivo do plu­
ral, embora encontremos em De bellõ Gallicõ ( 3.6.2) um caso

19 No entanto, como não há regras sem exceção, também esta tem o seu contra-exemplo, que é
a expressão equites tegendõ ( «para dar abrigo à cavalaria» ) em Tito Lívio (21 .54) . Ver Roby,
Vol. II, p. 156.
,,.. t 1 d 1• m s ; GERÚNDIO E GERUNDIVO; SUPINO 363

1urprcendente: in spem potiundõrum castrõrum uênerant ( «vieram


1111 l'sperança de tomar o acampamento») .
( Atendendo a este princípio, a minha primeira professora de
l11 t l m ensinou-me que, numa retroversão, nunca se deve escrever,
11or exemplo, ars librõrum legendõrum [ «a arte de ler livros»], mas
•im ars librõs legendí [gerúndio], justamente para evitar a rima ines­
l l\tii.:a de dois genitivos do plural seguidos.)

Supino

Como vimos na p. 141, o supino é um substantivo verbal que


segue a 4.ª declinação. É usado no acusativo (terminação em -um)
e no ablativo (terminação em -ü) .

1 . Supino em -um
1 . 1 . Bastante usado nas comédias de Plauto e de Terêncio,
o supino em -um tem essencialmente uma função final,
como na expressão dormitum ire, ( «ir <para a cama para >
dormir» [Plauto, Mostellãria 693]) . Vejamos estes dois
exemplos:

stultitia est, pater, uénãtum dücere inuítãs canês


«é estupidez, ó pai, levar as cadelas para caçar contrariadas»
(Plauto, Stichus 1 39)

admonitum uenimus tê, nõn flagitãtum


«vimos para te lembrar e não para te importunar» ( Cícero,
De õrãtõre 3.17) .
1 (\-1 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. S I N l U t

1.2. Outra função do supino em -um é formar ( + iri) o intlnl


tivo futuro passivo:

rümor uénit datum iri gladiãtõrés


« chegou o boato de que ia haver <um espetáculo d t ►
gladiadores» (Terêncio, Hecyra 39)

hás litterãs tibi redditum írí putãbam


«eu pensava que esta carta te ia ser devolvida» (Cícero, Ad Atll
cum 7. 1 ) .

2. Supino em -ü
O ablativo do supino ocorre sobretudo com determinados
adjetivos, como por exemplo: difficile dictü, « <coisa > difí­
cil de dizer» ( Cícero, Tusculanas 2. 19) ou mirãbile dictü,
«<coisa > admirável de dizer» (Eneida 1.439). Outros
adjetivos que podem construir-se com supino em -ü são
os seguintes 3º :

* facilis ( «fácil»);
* terribilis ( «terrível»);
* crédibilis ( «credível»);
* incrédibilis ( «incrível»);
* dignus ( «digno»);
* indignus ( «indigno»);
* dulcis ( «doce»);
* dubius ( «dúbio»).

30 Cf. Kühner & Stegmann, Vol. I, pp. 724-725.


III.
Varia
Numerais

1 . Cardinais

1 I ünus
2 II duo
3 III três
4 IV quattuor
5 V quínque (cf. DELL s.u.)
6 VI sex
7 VII septem
8 VIII octõ
9 IX nouem
10 X decem
11 XI ündecim
12 XII duodecim
13 XIII tredecim
14 XIV quattuordecim
15 XV quíndecim
16 XVI sêdecim
17 XVII septendecim
18 XVIII duodêuígintí
19 XIX ündêuigíntí
20 XX uígintí
368 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

28 XXVIIIduodêtrigintã
29 XXIX ündêtrigintã
30 XXX trigintã
40 XL quadrãgintã
50 L quinquãgintã
60 LX sexãgintã
70 LXX septuãgintã
80 LXXX octõgintã
90 XC nõnãgintã
98 IIC/XCVIII octõ et nõnãgintã
99 IC/XCIX ündêcentum
100 e centum
101 CI centum et únus
126 CXXVI centum uiginti sex
200 CC ducenti, -ae, -a
300 CCC trecent� -ae, -a
400 cccc quadringenti, -ae, -a
500 D quingenti
1000 M mille
2000 MM duo milia

únus, üna, únum


masculino 1 feminino 1 neutro

1 1
Nom. ünus üna únum
Gen. únius
Acus. únum 1 ünam 1 ünum
Dat. üni
1 1
Abl. únõ únã únõ
NUMERAIS 369

duo, duae, duo


masculino feminino neutro
Nom. duo duae duo
Gen. duõrum duãrum duõrum
Acus. duõs duãs duo
Dat. duõbus duãbus duõbus
Abl. duõbus duãbus duõbus

três, tria
masculino 1 feminino 1 neutro
Nom. trés 1 três 1 tria
Gen. trium
Acus. trés 1 trés 1 tria
Dat. tribus
Abl. tribus

Aspetos a ter em conta:

* os cardinais de 4 a 100 não declinam;


* os cardinais de 200 a 900 declinam como bon� -ae, -a;
* cardinais compostos podem assumir a forma, e.g., uiginti
quattuor ou quattuor et uiginti ( 24);
* embora milleseja indeclinável, milia declina como uma pala­
vra da 3.ª declinação.
370 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

2. Ordinais

1 .0 prímus, -a, -um


2.0 secundus, -a, -um (ou alter, -a, -um)
3.0 tertius, -a, -um
4. 0 quãrtus, -a, -um
5 .0 quíntus, -a, -um
6.0 sextus, -a, -um
7 .0 septimus, -a, -um
8.0 octãuus, -a, -um
9 .0 nõnus, -a, -um
10.0 decimus, -a, -um
1 1 .0 ündecimus, -a, -um
12. 0 duodecimus, -a, -um
13. 0 tertius ( -a, -um) decimus ( -a, -um)
1 4. 0 quãrtus ( -a, -um) decimus ( -a, -um)
etc.
18. 0 duodéuícénsimus, -a, -um
19. 0 ündéuícénsimus, -a, -um
20. 0 uícénsimus, -a, -um
30.0 trícénsimus, -a, -um
40.0 quadrãgénsimus, -a, -um
5 0. 0 quínquãgénsimus, -a, -um
60.0 sexãgénsimus, -a, -um
70.0 septuãgénsimus, -a, -um
80.0 octõgénsimus, -a, -um
9 0. 0 nõnãgénsimus, -a, -um
100.0 centénsimus, -a, -um
1000.0 míllénsimus, -a, -um
Noções de fonética histórica do latim

Qualquer língua humana é um organismo sonoro em perma­


nente mudança. Basta ouvirmos de forma atenta programas da
televisão portuguesa produzidos nos anos 60 do século passado:
sente-se de imediato como o som do português europeu - a sua
prosódia e também aspetos da sua fonética (já para não falar de
questões lexicais e sintáticas) - mudou de forma bem percetível
num espaço temporal relativamente curto. hnaginemos então se
hoje pudéssemos ouvir Gil Vicente ou Camões a falar português.
É de pressupor que nos sentiríamos imensamente surpreendidos.
Talvez (quem sabe?) porque o português por eles falado nos soaria
um bocadinho a espanhol.
Quanto ao nosso português, esse soaria horrível aos ouvidos
deles. O timbre incaraterístico das atuais vogais átonas do português
europeu só podia ser repudiado por um falante culto de Quinhentos
como atentado não só à inteligibilidade mas também à estética.
E o desaparecimento de muitas vogais na nossa pronúncia teria
constituído um choque. Camões, bom latinista (como Os Lusíadas
comprovam em cada página), estranharia decerto que félix (com o
seu belo «e» longo) tenha evoluído, no português lisboeta do
século XXI, para «fliz», palavra completamente desprovida de -e-.
Na fase em que o latim surge como língua escrita, muitos fenó­
menos de mudança fonética já tinham acontecido - como já demos
372 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

a entender, de resto, anteriormente neste livro. No latim da era


alfabética, a palavra para «cão» ( *cans) tinha desenvolvido um
-i- no nominativo ( canis) que não teria existido em épocas mais
antigas. Muitas outras palavras foram sujeitas a este fascinante
fenómeno fonético, chamado anaptixe. A palavra que significa
«século», cuja forma original era *saeclum, passara a saeculum.
Do mesmo modo, a antiga palavra *periclum já tinha passado a
periculum. O local onde estão os animais (antigamente *stablum)
passara a stabulum. Podemos comparar, no português falado no
Brasil, a anaptixe na pronúncia «opitar» do verbo «optar».
Na evolução do latim para as línguas que dele nasceram, houve,
sem dúvida, fenómenos curiosíssimos - pense-se na palavra fran­
cesa toit, proveniente de têctum (que se escrevia «tecto» na antiga
ortografia portuguesa); no entanto, dentro do próprio latim, houve
também evoluções que não são menos curiosas. O genitivo de cinis
(«cinza»), que conhecemos como cineris, fora em tempos remotos
*cinisis. A palavra de que provém «homem» ( homõ) era original­
mente *hemõ. O vocábulo scãla, que haveria de dar o nome a um
teatro famoso que Maria Callas tornou mais famoso ainda, era em
fase antiquíssima da língua latina *scandsla. A forma antiga de prin­
ceps seria *primocaps; e a de nãsturtium, *nasitorctium, palavra for­
mada a partir de nãsus ( «nariz») e torquere ( «torturar»), por se
tratar de uma flor cujo perfume apimentado «tortura» o nariz 1 •
Qµando as pessoas se insurgem, hoje, contra as mudanças no por­
tuguês, bem podiam aprender al guma coisa com a história do latim.
Como se chega, porém, a essa história? Ter-se-á reparado que
as formas propostas como originais foram indicadas precedidas de
um asterisco: ou seja, essas formas não estão documentadas por

1
Ver Buck, p. 99; Kühner & Holzweissig, p. 134.
NOÇÕES DE FONÉTICA HISTÓRICA DO LATIM 373

escrito. Não há nenhum texto latino conhecido em que scãla


( «escada») apareça como *scandsla. Estas formas reconstituídas
são palpites dos lin guistas que, desde o século x1x, estudam de
modo analítico a lín gua latina e - mediante a comparação com
outras lín guas itálicas, com o grego e com diversas lín guas indo­
-europeias - conse guem vislumbrar o latim como ele era antes de
ter começado a existir como lín gua escrita. Se pensarmos na pala­
vra inglesa snow e na alemã Schnee, percebemos a razão pela qual
se infere que a forma mais antiga de nix ( «neve») em latim era
*snix. O adjetivo lübricus ( «escorregadio») seria originalmente
*slübricus: cf., em inglês, slippery. Esta abordagem comparativa e
analítica, além de identificar o parentesco entre palavras que não
pareceriam à primeira vista aparentadas (tanto o verbo latino
mulgeõ, «ordenhar», como a palavra inglesa milk são cognatas de
àµÉÀyw, «ordenhar»), permite identificar padrões de transforma­
ção fonética - al guns deles continuando, depois de terem reconfi­
gurado o próprio latim, na evolução do latim para o portu guês e
para outras lín guas nascidas do latim.
Acima falámos em «anaptixe» (i.e.facilis <*Jaclis); o seu con­
trário é a síncope. Nas línguas modernas, esse fenómeno pode
estar ou não refletido na ortografia : a palavra capitain é grafada em
inglês captain, com a síncope assumida na escrita; por outro lado,
general conservou o -e-, embora a maioria dos falantes diga gen'ral.
Nenhum falante de inglês pronuncia every como trissílabo (o que
não será de estranhar num país como Inglaterra, onde o topónimo
Worcestershire é pronunciado woostesher e onde Cholmondeley se
pronuncia chumly), da mesma maneira que, em Lisboa, o trissílabo
«ministro» passou a dissílabo : «mnistro».
Em latim, temos o exemplo de calidus ( «quente»), que de
trissílabo evoluiu por síncope para caldus - e mais tarde para
374 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

monossílabo em francês: chaud. Se a palavra latina domina


( «senhora») pôde evoluir para «dona» em português, tal reali­
dade deveu-se à síncope do -i-: domina > domna > donna > «dona».
O mesmo diremos de oculus (em italiano, occhio; em português,
«olho»).
Quando a síncope ocorre no fim da palavra, o termo linguístico
próprio é apócope, fenómeno visível, por exemplo, nas formas de
imperativo dic, düc, fac, fer (por dice, düce, face, fere). É devido à
apócope do -e que temos os curiosos advérbios oxítonos referidos
na p. 248. Podemos falar também em apócope quando compara­
mos a palavra latina panis ( «pão») com a francesa pain; ou lupus
( «lobo») com loup.
No caso das transformações fonéticas que acabámos de referir
(anaptixe, síncope e apócope), estamos a lidar com fenómenos
bastante simples, que não levantam qualquer dificuldade de enten­
dimento. Todavia, outras transformações fonéticas requerem uma
abordagem sustentada por mais exemplos, para termos uma noção
clara daquilo em que consistem:

(i) Apofonia.
(ii) Assimilação.
(iii) Contração.
(iv) Rotacismo.
(v) Alongamento de vogais.
(vi) Abreviamento de vogais.
NOÇÕES DE FONÉTICA HISTÓRICA DO LATIM 375

(i) Apofonia

Chama-se apofonia à mudança de timbre de uma vogal


breve em sílaba interior. Esta mudança verifica -se frequente­
mente em verbos compostos: por exemplo, o primeiro -e- de
teneõ ( «segurar») sofre apofonia no composto sustineõ ( «sus­
ter»). Trata-se de um fenómeno do qual os próprios romanos
tinham consciência:

in uerbis iunctis quam scité «insipientem» nõn «insapientem»,


«iniquum» nõn «inaequum», «tricipitem» nõn «tricapitem»,
«concisum» nõn «concaesum» !
«Em palavras compostas, quão sabiamente <dizemos> insipientem e
não insapientem; iniquum e não inaequum; tricipitem e não tricapitem;
concisum e não concaesum ! » (Cícero, Ôrãtor 159)

Embora Cícero dê aqui exemplos de vogais tanto breves como


longas que resultaram de transformações em sílabas interiores,
o termo «apofonia» só é aplicado, no âmbito da lin guística latina,
às transformações de vogais breves.
Vejamos agora al guns exemplos, primeiro em sílabas abertas
(isto é, sílabas em que à vogal se segue apenas uma consoante);
depois, em sílabas fechadas (sílabas em que à vogal se se guem duas
consoantes).

(a) apofonia em sílabas interiores abertas:


* sedeõ ( «sentar») ➔ praesideõ ( «presidir»);
* regõ ( «reger») ➔ érigõ ( «erigir»);
* flümen ( «rio», nominativo) ➔ flüminis (genitivo);
* cadõ ( «cair», presente) ➔ cecidi (perfeito);
376 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

* statuõ ( «estabelecer») ➔ substituõ ( «substituir»);


* caput ( «cabeça», nominativo) ➔ capitis (genitivo);
* habeõ ( «ter») ➔ prohibeõ ( «afastar»).
(b) apofonia em sílabas interiores fechadas:
* scandõ ( «subir») ➔ ascendõ ( «subir»);
* factus (particípio perfeito de faciõ) ➔ effectus ( «feito»,
«terminado»);
* annus ( «ano») ➔ biennium ( «período de dois anos»,
«biénio»);
* barba ( «barba») ➔ imberbis ( «imberbe»).

Note-se, ainda, que a vogal -i- é muitas vezes imune à apofonia,


retendo o seu timbre próprio mesmo quando a transformação da
palavra levou a que perdesse o acento tónico. Pense-se, por exem­
plo, no verbo citõ ( «mover»). No composto excitõ ( «excitar»),
o -i-, sendo breve, perdeu o acento; no entanto, manteve o seu
timbre.

(ii) Assimilação

Voltaremos ainda a falar de vogais; mas consideremos, para já,


um fenómeno importante que ocorre no âmbito das consoantes:
a assimilação, termo que designa a tendência de uma consoante
para se tornar mais parecida com uma consoante sua vizinha -
tornando-se mesmo, nalguns casos, igual.
Podemos, assim, falar em assimilação completa (por exemplo,
* adferõ ➔ afferõ) ou em assimilação incompleta, como no caso do
supino do verbo tegõ, «cobrir»: têctum ( < *tegtum). Neste caso,
NOÇÕES DE PONÉTICA HISTÓRICA DO LATIM 377

o -g- do radical transformou-se na sua forma surda (-e-) por ação


da contiguidade com a oclusiva surda -t-.
No caso de téctum, temos um exemplo de assimilação regres­
siva, isto é, a segunda de duas consoantes influencia em «marcha­
-atrás» a primeira: na forma de perfeito de scríbõ ( «escrever»),
scrípsí, o -p- resulta de uma assimilação regressiva incompleta .
Por outro lado, podemos falar também em assimilação progres­
siva. Um exemplo de assimilação progressiva completa é o infini­
tivo do verbo ferõ, cuja forma é ferre ( < *ferse) .
Outros exemplos interessantes de assimilação:

(a) somnus ( «sono»)


No caso desta palavra, podemos falar em assimilação regressiva
incompleta, já que a sua forma original seria *sopnus (cf. sopor,
donde vem «soporífero» em português; e também ií1tvoc, palavra
que seria originalmente *ct'.11tvoc) .

(b) sella ( «assento»; cf. «sela»)


Esta palavra deriva de *sedia (cf. sedeõ, «sentar»).

(c) siccus ( «seco»)


Este adjetivo seria originalmente *siticus (cf. sitis, «sede») .
A evolução terá sido *siticus > *sitcus > siccus, um exemplo de assi­
milação regressiva completa.

(d) difficilis ( «difícil»)


Proveniente de * disfacilis ( «não fácil»); neste adjetivo deteta­
mos também a ação da apofonia.
378 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

O fenómeno oposto à assimilação é a dissimilação, termo que


designa o fenómeno de, em consoantes próximas iguais, uma se
diferenciar da outra . Um bom exemplo é o adjetivo que significa
«azul», caeruleus, que provém de *caeluleus (cf. caelum, «céu»,
realidade que deu o nome à cor) .
Outro exemplo de dissimilação é a palavra do latim tardio
pelegrinus ( < peregrinus). A dissimilação manteve-se em francês
(pelerin), em italiano (pellegrino) e até em inglês (pilgrim), embora
em português se tenha mantido a palavra na sua forma antiga:
«peregrino».
Um exemplo de dissimilação total (em que a consoante pare­
cida é eliminada) é a palavra taberna, que provém de trabs
( «trave») . A sua forma original seria *traberna. Veja-se também o
caso de agrestis ( < * agrestris, como em terrestris ou em siluestris).

(iü) Contração

Olhando, de novo, para as vogais, há palavras cuja forma clás­


sica resulta de contração: é o caso de nemõ ( «ninguém»), cuja
forma antiga seria *nehemõ (como já referimos, é de *hemõ que
provém homõ, «ser humano») .
Outro exemplo é lãtrina ( «casa de banho», «retrete»), que
provém de *lauatrina. Atente-se, já agora, na nossa palavra
«lavabo», que provém de lauãbrum. Em latim, houve também
uma forma de lauãbrum com contração: lãbrum.
A palavra portuguesa «cópula» provém da forma latina cõpula,
cujo -o- longo é resultante de uma contração: na verdade, cõpula
provém de *coapula (o verbo apiõ significa «ligar»).
NOÇÕES DE FONÉTICA HISTÓRJCA DO LATIM 379

(iv) Rotacismo

O termo rotacismo (cujo referente é a letra do alfabeto grego


«rho», equivalente a «r») designa, no âmbito da fonética
histórica latina, a transformação de -s- intervocálico em -r-. No
âmbito de outras línguas, pode designar a transformação em -r­
de outras consoantes noutras posições. É o caso da palavra por­
tuguesa «obrigado», na qual ocorreu rotacismo em relação a
obligãtus em latim; ou «prazer», que provém de placeõ. Note-se
ainda freeze, em inglês, e o seu equivalente alemão (com rota­
cismo) frieren.
No caso do latim, o rotacismo foi um fenómeno fonético a
prazo, pois notamos que, a partir de certa altura, deixou de
ocorrer. Sobretudo em palavras importadas do grego (do século
111 a.C. em diante) notamos o -s- intervocálico intacto: nausea,
pausa, etc. (Note-se, porém, que a explicação para a palavra latina
causa prende-se antes com a dissimilação de -ss-: *caussa > causa.
O mesmo se aplica a cãsus [ < cassus] ou a díuísiõ [ < díuíssio],
palavras cujas grafias com -ss- estão atestadas na época republi­
cana.)
Em palavras latinas antigas, o -s- intervocálico não resistiu à
tendência dos falantes para o pronunciarem -r-:

* jlõs,jlõris;
* aes, aeris;
* opus, operis;
* genus, generis;
* tempus, temporis, etc.
380 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. VARIA.

(v) Alongamento de vogais

Há diferentes circunstâncias em que uma vogal breve se trans­


forma em longa:

(a) Como consequência do desaparecimento de uma con-


soante:
*põnõ ( «pôr»), que provém de *põsnõ;
*idem ( < *"ísdem);
*sédecim ( «dezasseis»), de *sexdecim;
*sãl ( < *sãls).

(b) Em formas de supino cuja raiz em oclusiva sonora passou


a surda por assimilação incompleta:
*ãctum, supino de ãgõ;
*frãctum, supino de frãngõ;
*léctum, supino de legõ;
*téctum, supino de tegõ.

(c) Diante da sequência consonântica -nct-:


* cíngõ ( «cingir»), supino cinctum;
* Jüngor ( «desempenhar»), supino Jünctum;
* iungõ ( «juntar»), supino iünctum;
* cf., ainda, sãnctus, que podemos comparar com sãcer.

(vi) Abreviamento de vogais

§ 1. Em latim, quando uma vogal é seguida por outra vogal, a


primeira vogal - se for longa - abrevia. É por isso que, em verbos da
2.ª conjugação, cujo -e- é longo (como em habere), vemos o seguinte:
NOÇÕES DE FONÉTICA HISTÓRICA DO LATIM 38 1

* habiõ;
* habes;
* habit;
* habemus;
* habetis;
* hiíbint.
O exemplo do presente de habeõ serve-nos para considerar três
situações em que um vogal longa abrevia:

(a) A situação acima indicada (conhecida pela frase latina


uõcãlis ante uõcãlem corripitur, «vogal antes de vogal abre­
via»), que vemos na forma habeõ.

(b) Uma vogal longa em posição final seguida de -t, -r ou -m


abrevia (cf. o presente do conjuntivo habeiím, habeãs,
habeiít; ou, no caso do conjuntivo passivo de amõ, note-se
amer, ameris, ametur).

(c) Em habent, temos um exemplo da chamada «lei de Osthoff»


(formulada pelo grande linguista alemão Hermano Osthoff
[ 1 847- 1909]), a qual nos diz que uma vogal longa abre­
via quando seguida da sequência soante/nasal + oclusiva.
É esta lei fonética que explica a diferença entre amãns e
amiíndus, ou uidens e uidendus. A esta lei existem, contudo,
exceções - como, por exemplo, princeps e nüntius, palavras
que provêm de *primocaps e de *nouentiõ e que tiveram
uma evolução própria.

Note-se, a propósito de (a), que existem as exceções constituí­


das por palavras gregas como as que vimos na p. 59.
382 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. VARIA.

§2. Finalmente, consideremos o chamado «abreviamento


iâmbico» de dissílabos com o desenho métrico U -, que em latim
foram mostrando a tendência para se transformar em U U.
O caso mais óbvio é o do pronome que significa «eu»: egõ
(cf. tyw). Em Plauto, são frequentes formas sujeitas ao abrevia­
mento iâmbico como uõlõ (por uõlõ) ou hõmõ (por hõmõ).
A partir do século I a.C., começamos a encontrar uma variação
deste fenómeno (atingindo a quantidade do -õ final em dissílabos)
também nos versos de poetas que, apesar de inegavelmente cultos,
não viram motivo para evitar a escansão inculta findõ (Propércio
3.9.35) ou ergõ (Ovídio, Heroides 5.59) 2.

' Cf. Clackson & Horrocks, p. 252; Heyworth, pp. 61-62; Anthon, p. 77.
Noções de métrica latina: p oesia

Introdução

Se houve artefacto cultural romano em que a influência grega


operou uma reconfiguraçãQ completa foi a poesia. Na época
arcaica, os romanos escreviam poemas num verso itálico chamado
«satúrnio», cuja descrição exata em termos métricos continua a
ser, ainda hoje, objeto de dúvida e de discussão: seria o satúrnio
um verso baseado no princípio da quantidade das sílabas ou no
princípio da acentuação das palavras? Já se afirmou, não sem uma
pontinha de exagero, que nos séculos XIX e xx surgiram mais teo­
rias sobre o satúrnio do que o número de versos satúrnios que nos
chegaram (à volta de 150, de várias proveniências: inscrições, Lívio
Andronico, Névio) 3. Seria o verso puramente itálico? Ou teria as
suas origens na cultura grega do sul de Itália, como propuseram
estudiosos tão influentes como G. Pasquali no seu livro Preistoria
della poesia romana (Firenze, 1936) e E. Fraenkel (na recensão que
dedicou ao livro de Pasquali no volume 27 do Journal of Roman
Studies)?
O maior enigma que se coloca a respeito deste verso - que,
visto sob o prisma da versificação clássica, parece admitir coisas tão

3
Cf. Drexler, p. 79.
384 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARJA.

«proibidas» como duas breves em substituição de uma breve,


sílabas longas irracionais e hiatos de todo o tipo - pode ser formu­
lado de maneira muito simples: se qualquer latinista, hoje, pegar
num lápis e num papel e quiser escrever um verso em latim seguindo
o modelo de Vergílio ou de Horácio, sabe todas as regras a que tem
de se ater. Se, por outro lado, quiser escrever um verso satúrnio, não
saberá por onde começar. Horácio dir-lhe-ia que tal esforço nem
merece a pena: para o mais sofisticado de todos os poetas latinos,
o verso satúrnio não era só «hórrido»; era um «veneno grave» 4.
No entanto, se lermos os seguintes versos de Névio (século
III a.C.), fragmentos do seu poema narrativo Bellum Poenicum

(ou Carmen Belli Poenici), diremos talvez que o juízo de Horácio


terá sido exagerado, ao mesmo tempo que teremos obrigatoria­
mente de estranhar a aparente irracionalidade do esquema métrico:

postquam auem aspexit in templõ Anchisa (- U U U - - U - -


- - - U)
sacra in mensã Penãtium õrdine põnuntur (U - - - U - U - - U
- - - U)
immolãbat auream uictimam pulchram (- U - - - U - - U -
- U)

«depois que Anquises viu uma ave no espaço demarcado,


são colocadas oferendas sacras por ordem na mesa dos Penates;
ele ocupava-se a sacrificar uma bela vítima dourada» .

Não é fácil compaginar o conceito rítmico que terá presi­


dido a estes versos satúrnios com o dos satúrnios presentes no
epitáfio de Lúcio Cornélio Cipião Barbãtus (que foi cônsul em

• Cf. Horácio, Epfstolas 2.1. 156- 159.


NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA: POESIA 385

298 a.C.) . Embora a disposição dos versos no túmulo não seja


a que aqui apresento, eles estão demarcados na inscrição por
meio do sinal « -»:

Gnaeuõd [= Gnaeõ] patre prõgnãtusdortis uir sapiensque (- - U


U - - - - - - U U - U)
quoius [= cuius] fõrma uirtütei [= uirtüti] parisuma fuit (- U -
U - - - U - - - - -)
cõnsol [= cõnsul], cénsor, aidilis quei [= qui]fuit apud uõs (- - -
U - - U - U U U - -)
Taurãsia<m>, Cisauna<m>, Samnio [= Samnium] cépit (- - U
- U - - - U - - -)
subigit omne<m> Lücãna<m> opsidésque abdoucit [= abdücit]
(U U U - - - - U - U - U - - -)

«Nascido de <seu> pai, Gneu, homem forte e sábio,


cuja aparência foi consentânea com a <sua> virtude;
foi cônsul, censor e edil entre vós;
tomou a Taurásia, Cisauna e Sâmnio;
subjugou toda a Lucânia e levou reféns».

Ora, a partir do momento em que Énio, no século II a .C., teve


a ideia de escrever os seus Anais no mesmo verso da Ilíada e da
Odisseia, abriram-se diante dos poetas romanos novos horizontes
sonoros, cuja potencialidade expressiva levou ao abandono do
verso satúrnio. Daí em diante, o que se passou a escrever em Roma
foi poesia grega em latim.
Hexâmetros dactílicos; dísticos elegíacos; estrofes sáficas e
alcaicas; asclepiadeus de várias formas e feitios; glicónicos, fere­
crácios, falécios e hiponacteus: estes versos gregos obrigaram os
386 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. VAltIA.

seus cultores romanos a uma ginástica verbal cujo virtuosismo


- nas mãos sobretudo de três génios: Vergílio, Horácio e Ovídio -
ainda hoje nos deslumbra.
Sendo o valor dos versos acima mencionados visto por gregos
e romanos em termos hierárquicos, não havia dúvida na cabeça de
nenhum literato antigo de que, na pirâmide do mérito, o lugar
cimeiro cabia ao hexâmetro dactílico enquanto verso por excelên­
cia da epopeia. É preciso ver que, em Roma, o hexâmetro se afigu­
rou um quebra-cabeças desafiante para poetas escrevendo em
latim, devido às muitas palavras que estavam à partida excluídas
por causa da intratabilidade do seu recorte métrico - o que obrigou
à «ginástica» atrás referida na procura de alternativas e de perífra­
ses. Eis alguns exemplos de palavras cuja sequência ingrata de
longas e breves leva a que não caibam de modo al gum num hexâ­
metro dactílico 5 : cõnsulês, militês, iüdicês, imperãtor, multitüdõ,
familia, beneficium, societãs e superior.
Atendendo a que terá sido ele o primeiro poeta a escrever hexâ­
metros em latim, Énio até não se saiu assim tão mal neste género;
mas foram Catulo e Lucrécio, no século I a.C., a dar maleabilidade
expressiva e subtis nuances sonoras a um verso que, nas mãos de
Vergílio e Ovídio, atingiu níveis de perfeição nunca depois i guala­
dos, não obstante a existência de fascinantes poemas escritos em
hexâmetros em épocas posteriores por Lucano, Estácio, Sílio
Itálico e depois por poetas cristãos, entre os quais devemos desta­
car o ibérico Prudêncio (séculos 1v-v) e a sua Psicomaquia.
Além da poesia épica em hexâmetros dactílicos, da poesia em
dísticos elegíacos e da lírica em estrofes e versos vários, teríamos
ainda a considerar a poesia dramática, da qual temos dois grandes

5 Cf. Nougaret, p. 27.


NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA: POESIA 387

cultores na comédia, Plauto e Terêncio; e, descontando para efeitos


de análise métrica fragmentos dispersos de tragédias da época
republicana (escritas sob influência grega por Énio, Ácio, Pacúvio
e outros), temos o corpus poético constituído pelas tragédias de
Séneca (século I d.C.) .
Dentre os três dramaturgos latinos dos quais temos peças de
teatro completas - Plauto, Terêncio e Séneca -, o autor que se afi­
gura mais interessante do ponto de vista métrico é também o mais
antigo: Plauto (aliás, Plauto é o primeiro autor da literatura latina
de quem podemos ler um texto completo).

(a) Versos falados na comédia

A semelhança dos seus modelos gregos (Dífilo, Filémon e


Menandro), Plauto usa o ritmo iâmbico ( U -) para as partes fala­
das das suas comédias, ritmo esse que funciona na comédia latina
sob a forma de senário (isto é, seis pés iâmbicos), e não sob a forma
de trímetro, como no teatro grego:

senário iâmbico latino (seis pés iâmbicos) : 1x - 2x - 3x - 4x - 5x - 6 U -


trimetro iâmbico grego (três metros iâmbicos) : 1x - U - 2x - U - 3x ­
U-

No esquema apresentado do trímetro iâmbico, o sinal «x»


representa uma posição que pode ser longa ou breve. Se pensarmos
que as posições longas podiam ser substituídas por duas breves
e que, no senário iâmbico latino, havia muitas outras liberdades
possíveis (excetuando as duas últimas posições, a sequência x -
pode aparecer sob a forma - U U ou U U -), temos no caso do
388 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA,

verso falado do teatro romano um veículo de forma proteica, que


Plauto moldou com liberdades maiores do que as consentidas
pelos seus modelos gregos (liberdades essas a que Terêncio recorre
com mais parcimónia e que estão em grande medida ausentes da
versificação austera de Séneca).
Assim, não nos devemos espantar por encontrarmos versos em
Plauto onde as se guintes palavras por vezes podem contar como
monossílabos: nihil, eum, eõ, huius, cuius, mihi, meãs. Este fenó­
meno métrico chama-se «sinizese». Outro aspeto a ter em conta
é o facto de al gumas vogais em posição final antes de -t, -l e -r não
abreviarem: é o caso, por exemplo, de habét (normalmente habet)
ou mãtér (normalmente mãtér).

(b) Versos cantados na comédia

Às partes faladas em senários iâmbicos na comédia latina dava­


-se o nome de déuerbia (ou diuerbia); às partes cantadas (supõe-se
que com acompanhamento instrumental), cantica. A vertente
musical das comédias de Plauto constitui um elemento do teatro
plautino que está num patamar artístico superior ao dos modelos
gregos da Comédia Nova ateniense: é que, embora, no século
v a.C., a Comédia Antiga grega fosse, nas mãos de Aristófanes, um
espetáculo de estonteante beleza musical, os cultores do género
cómico nos séculos IV e III deixaram de se interessar pelo teatro
cantado, situação que levou ao desaparecimento do coro (ou que
foi, ela própria, uma consequência do desaparecimento do coro).
Em Plauto, as partes cantadas assumem a forma de monódias
ou duetos (já que na comédia latina não há coro), e encontramos
nelas considerável exuberância no uso da métrica, desde cantos
N O ÇÕES DE MÉTRICA LATINA: POESIA 389

com ritmos repetidos (iâmbico-trocaicos, anapestos, créticos,


reizianos) a cantos com ritmos modulados, os chamados mutãtis
modis cantica (que ocorrem em todas as comédias plautinas à exce­
ção do Miles Glõriõsus), onde se nos deparam ritmos que têm a sua
origem na lírica grega (ritmos coriâmbicos - onde surge o wila­
mowitziano - e iónicos, a juntar a dactílicos e também iâmbico­
-trocaicos).
Terêncio, por contraste, parece-nos menos exuberante no uso
da métrica fora do senário iâmbico das partes faladas (embora o
caráter subtilmente inovador da sua musicalidade tenha sido posto
em relevo em importantes estudos de T. Moore). Há versos, bem
presentes em Plauto, que simplesmente não ocorrem em Terêncio
(é o caso do octonário e do septenário anapésticos). Mais tarde,
Séneca optará, nos cantos das suas tragédias, pela imitação das
estrofes usadas nas odes de Horácio - pelo que o título de maverick
original na composição de cantos dramáticos em Roma cabe, em
exclusivo, a Plauto.

Glossário terminoló gico

Acima referimos termos como «reiziano», «wilamowitziano»


e «septenário anapéstico» (entre outros). Para ficarmos com uma
ideia do desenho métrico correspondente a estes versos, fiquemos
com o seguinte glossário terminológico.

(a) Sinais

U posição breve
posição longa
390 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

x posição ancípite (breve ou longa)


1 cesura (fim de palavra no interior de um pé)
11 diérese (fim de palavra obrigatório)

(b) Pés

anapesto: U U -
baquio: U - ­
coriambo: - U U -
crético: - U -
dáctilo: - U U
espondeu: - -
iambo: U -
iónico: U U - -
molosso: - - -
pirríquio: U U
timélico: - U U U - (cf. Plauto, Mostellãria 693)
tríbraco: U U U
troqueu: - U

(c) Versos

adónico: - U U - x
asclepiadeu menor: - - - U U - 1 1 - U U - U x
asclepiadeu maior: - - - U U - 1 1 - U U - 1 1 - U U - U x
escazonte: x - x - x - x - x - - -
falécio: - - - U U - U - U - -
ferecrácio: - U - U U - -
galiambo: U U - U - U - - 1 1 U U - U U U U x
glicónico: - - - U U - U x
N O ÇÕES DE MÉTRICA LATINA : POESIA 39 1

hexâmetro dactílico: - U U - U U - U U - U U - U U - -
hiponacteu: - - - U U - U - -
octonário anapéstico: U U - U U - U U - U U - 1 1 U U - U
u-uu-uu-
octonário iâmbico: x - x - x - U - l i x - x - x - U -
octonário trocaico: - x - x - x - x 1 1 - x - x - x - -
«pentâmetro dactílico» 6 : - U U - U U - l i - U U - U U -
reiziano: - - U U - x
senário iâmbico: x - x - x - x - x - U -
septenário anapéstico: U U - U U - U U - U U - 1 1 U U - U
U-UU--
septenário iâmbico: x - x - x - x U - l i x - x - x - -
septenário trocaico: - x - x - x - x 1 1 - x - x - U -
wilamowitziano: - x x - - U U -

(d) Estrofes

estrofe alcaica:
x - U - - 1 1 - U U - U x (hendecassílabo alcaico)
x - U - - 1 1 - U U - U x (hendecassílabo alcaico)
x - U - - - U - x (eneassílabo alcaico)
- U U - U U - U - x (decassílabo alcaico)

estrofe sáfica:
- U - - - 1 1 U U - U - x (hendecassílabo sáfico)
- U - - - 1 1 U U - U - x (hendecassílabo sáfico)
- U - - - 1 1 U U - U - x (hendecassílabo sáfico)
- U U - x (adónico)

6 Este termo, ainda que tradicional, em rigor não faz sentido (ver p. 397).
392 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

Prosódia

Fica muito claro, a partir dos esquemas métricos acima apre­


sentados, que é da máxima importância sermos capazes de identi­
ficar, num verso latino, sílabas longas e breves. Daremos de se guida
al gumas orientações gerais que poderão ajudar nesse sentido 7 •

§ 1. Uma sílaba é longa se:


(i) contiver uma vogal longa ou um ditongo;
(ii) contiver uma vogal breve seguida de duas consoantes.

§2. Uma sílaba é breve se contiver uma vogal breve que não
seja se guida de duas consoantes. Todavia, se a segunda das duas
consoantes que se se guem a uma vogal breve for -1- ou -r-, a sílaba
poderá ser escandida como breve (ou então como longa, depen­
dendo da quantidade exigida pela posição).

§3. De um modo geral, os monossílabos em latim ( tü, nõn, etc.)


são longos. Existem, no entanto, monossílabos breves:
(i) Substantivos: cor, fel, lac, mel, os ( «osso»; õs significa
«boca»), uir.
(ii) Pronomes: is, id, quis, quid, quod, quot, tot.
(iii) Formas verbais: dat, det, it, scít, sit, stat, stet, fit, fac, fer, es
(de sum) .
(iv) Partículas: ab, ac, ad, an, at, bis, eis, et, in, nec, ob, per, sat,
sed, sub, ut, uel.
(v) Enclíticas: -ne, -que, -ue.

' Cf. Kennedy, pp. 202-203; Bayer & Lindauer, pp. 257-258.
NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA : POESIA .WJ

§4. O -a final é breve, a não ser:


(i) na desinência de ablativo do sin gular da l.ª declinação;
(ii) no vocativo de nomes gregos em -ãs (Aenéã) e de al guns
em -és (Anchisã);
(iii) em numerais indeclináveis (como trigintã);
(iv) nos imperativos da l.ª conjugação (amã; mas atenção a
putã);
(v) em palavras como früstrã e intereã (mas cf. itã, quiã) .

§5. O -e final é breve, a não ser:


(i) no ablativo da 5.ª declinação (ré, dié);
(ii) em derivados de palavras da 5.ª declinação, como quãré e
hodié;
( iii) em advérbios formados a partir de adjetivos, como miseré,
feré,fermé (mas aqui há exceções, como bene, maledacile) .

§6. O -i final é longo, a não ser:


(i) em vocativos e dativos de nomes gregos;
(ii) em partículas como nisi e quasi;
(iii) em palavras cujo -i final é por vezes de quantidade ambí­

gua: mihi, tibi, sibi, ubi, ibi. Ver p. 216.

§7. O -o final é longo, a não ser:


(i) em duo, ego, modo, cito;
(ii) nos verbos puto, seio e nescio;
(iii) em poesia do final do século I d.C. em diante, em que o
-o longo final de verbos e substantivos é abreviado.

§8. O -u final é longo.


394 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

§9. Geralmente, uma vogal antes de -e final é longa, com a


exceção de donec.

§ 1 O. Uma vogal final antes de -l, -d e -t é breve.

§ 1 1. Uma vogal antes de -n final é breve, a não ser nal gumas


palavras grega.

§ 12. Uma vogal antes de -r final é breve, a não ser:


(i) nal gumas palavras gregas;
(ii) pãr e seus compostos.

§ 13. A terminação -as é longa, a não ser:


(i) nalgumas palavras gregas;
(ii) em anas ( «pato»).

§ 14. A terminação -es é longa, a não ser:


(i) nal gumas palavras gregas;
(ii) seges, pedes, obses, diues, penes;
(iii) ades e potes.

§ 1 S. A terminação -is é breve, a não ser:


(i) com dativos e ablativos em -is;
(ii) com acusativos do plural em -is;
(iii) audis e outras formas verbais congéneres na 4.ª conju­
gação;
(iv) em compostos de uis e sis, como quiuis, possis; também
uelis, malis, nõlis;
(v) na 2.ª pessoa do singular do conjuntivo perfeito ativo (e.g.
amãueris).
NOÇÕES DE MÉTRlCA LATINA: POESIA 395

§ 16. A terminação -os é longa, a não ser:


(i) nal gumas palavras gregas;
(ii) compos, impos e exos.

§ 17. A terminação -us é breve, a não ser:


(i) nalgumas palavras da 3.ª declinação, como uirtüs, tellüs,
iuuentüs;
(ii) no genitivo do singular e no nominativo/acusativo do
plural da 4.ª declinação (e.g. gradüs);
(iii) nal gumas palavras gregas.

§ 1 8. As letras -x- e -z- contam como consoantes duplas para


efeitos métricos.

§ 19. A letra -h- não conta para efeitos métricos.

§20. A combinatória -eh- conta como uma consoante simples.

Elisão

§ 1. Na poesia latina, uma vogal em fun de palavra não conta


para efeitos métricos se a palavra se guinte começar por vogal:

unde mare et terrãs ipsi mihi saepe uidére ( Ovídio, Metamorfoses


2.65)
(= unde mar' et terrãs ipsi mihi saepe uidére)

§2. Acontece o mesmo:


(i) se uma palavra terminar em -m e a se guinte começar por
vogal:
396 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

quis Mãrtem tunicã tectum adamantinã (Horácio, Odes 1.6. 13)


(= quis Mãrtem tunicã têct' adamantinã)

(ii) se uma palavra terminar em vogal e a seguinte começar


por -h:

certat tergeminís tollere honõribus (Horácio, Odes 1. 1.8)


(= certat tergeminis toller' honõribus)

O hexâmetro dactílico

§ 1. O hexâmetro dactílico é o verso da flíada e da Odisseia; da


Teogonia e dos Trabalhos e Dias de Hesíodo; do poema Dê rêrum
nãtürã de Lucrécio; das Bucólicas, das Geórgicas e da Eneida de
Vergílio; e das Metamorfoses de Ovídio. Obras, como se vê, cuja
importância é um bom argumento para aprendermos a sua estrutura.
O hexâmetro dactílico é constituído por seis pés, que podem
assumir apenas duas formas:

dáctilo: - U U
espondeu: - -

O sexto pé é obrigatoriamente um espondeu; o quinto pé é


quase sempre um dáctilo. Nas outras posições, encontramos tanto
dáctilos como espondeus.

§2. Observemos os versos 1 e 5 da Bucólica 1 de Vergílio:

Tityre tü patulae I recubãns sub tegminefãgi (- U U - U U - 1


u u - - - u u - -)
NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA: POESIA 397

I I 1
fõrmõsam resonãre doces Amaryllida siluãs (- - - U U - U
u - 1 u u - u u - -)
Em grego e em latim, não há hexâmetros dactílicos isentos de
cesura - termo pelo qual se entende o fim de palavra que ocorre
de forma programada no interior de um pé.
A cesura mais habitual na poesia hexamétrica é a que vemos
no verso 1 da Bucólica 1: chama-se «cesura pentemímere», por­
que ocorre a seguir ao quinto meio-pé ( Tityre tü patulae 1).
No segundo verso citado, encontramos uma combinatória de
cesuras que também é frequente: cesura triemímere, a seguir ao ter­
ceiro meio-pé (fõrmõsam I); e cesura heftemímere, a seguir ao
sétimo meio-pé (fõrmõsam resonãre doces
I 1),

Dístico elegíaco

O dístico elegíaco, já cultivado na Grécia pelo menos desde


o século vn a.C., é um conjunto de dois versos, em que o pri­
meiro é um hexâmetro dactílico; e o segundo (erradamente
chamado «pentâmetro» ), a repetição da primeira parte do hexâ­
metro até à cesura pentemímere. No fundo, o segundo verso do
dístico elegíaco corresponde à duplicação do ritmo Títyre tü
patulae, com fim de palavra obrigatório a separar as duas metades
do verso:

- u u - u u - 11 - u u - u u -
Na primeira parte do segundo verso do dístico elegíaco, os dois
dáctilos podem ser substituídos por espondeus; na segunda parte,
398 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

porém, as boas regras da versificação clássica obrigam a que os


dáctilos não sejam substituídos.
Embora, na poesia grega, o dístico elegíaco não constituísse
obrigatoriamente uma unidade semântica fechada, os poetas roma­
nos (sobretudo Ovídio) optaram por explorar a vocação desta
forma métrica para a concisão lapidar, fechando a frase no final de
cada dístico (e.g. Ovídio, Tristia 1. 1. 1-4):

Parue - nec inuideõ - sine mé, liber, ibis in urbem, (- U U - U U


- 1 u u - u u - u u - -)
ei mihi, quõ dominõ nõn licet ire tuõ! (- U U - U U - 1 1 - U
U - U U -)
uãde, sed incultus, quãlem decet éxulis essei (- U U - - -1--
U
U - U U - -)
infélix habitum temporis huius habé. (- - - U U - 1 1 - U U
- U U -)

«Pequeno livro, irás sem mim - nem te levo a mal - para a Urbe,
ai de mim, para lá onde não é lícito ao teu dono ir!
Vai, mas desadomado, como convém a um exilado;
enverga, infeliz, a veste desta fase <da minha vida>.»

Outros metros

Por muito positiva que seja a tendência das últimas décadas no


estudo da literatura latina de encontrar interesse e valor em poetas
de muitas épocas diferentes (de Lívio Andronico no século III a.C.
a Venâncio Fortunato no século VI d.C.), mesmo assim continua
válido o juízo tradicional de que o século I a.C. foi o saeculum
NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA: POESIA 399

aureum da poesia .latina, graças a seis homens que fizeram do latim


um veículo capaz de exprimir, de forma superlativamente multifa­
cetada, o arco completo da experiência humana, desde os pensa­
mentos mais sublimes da filosofia grega à realidade terrena do sexo
oral e anal. Foram eles Catulo, Lucrécio, Vergílio, Horácio, Propér­
cio e Ovídio.
Destes, Lucrécio e Vergílio escreveram somente (que saiba­
mos) em hexâmetros dactílicos; Propércio escreveu apenas em
dísticos elegíacos; Ovídio em hexâmetros nas Metamorfoses e, nas
suas outras obras, em dísticos elegíacos. Horácio escreveu em hexâ­
metros (sátiras e epístolas, entre as quais a célebre Arte Poética) e
em metros líricos inspirados pela poesia grega arcaica; os seus qua­
tro livros de odes representam um conseguimento artístico deveras
extraordinário.
Quanto a Catulo, foi o mais versátil de todos, pois escreveu em
hexâmetros, em dísticos elegíacos, em métricos iâmbicos com
destaque para o escazonte, o chamado «iambo coxo», visto que
transforma o senário iâmbico, com a sua penúltima sílaba obriga­
toriamente breve, num ritmo surpreendente ao substituir-lhe uma
sílaba obrigatoriamente longa:

Míser Catulle, désinãs ineptire (U - U - U - U - U - - -)

O verso citado é o primeiro do poema 8 (ver p. 68); também


os poemas 22, 31, 37, 39, 44, 59 e 60 de Catulo estão escritos em
escazontes.
Além de um poema ( 17) escrito em priapeus (um verso cuja
composição é glicónico + ferecrácio) e um poema escrito em ascle­
piadeus maiores (30; trata-se do verso do famoso poema de Horá­
cio onde aparece a expressão carpe diem, de que falaremos adiante),
400 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

a grande surpresa na coletânea de Catulo é o poema 63, todo


escrito em galiambos, um verso que, de resto, é praticamente ine­
xistente na poesia greco-latina. Nesse poema, conta-se a história
de um jovem que, não obstante ter sido «a flor do ginásio» (como
ele próprio diz), transitou mediante a castração voluntária para
uma nova identidade sexual - ou então para várias, como nos
sugere o v. 63, onde encontramos muitas substituições de longas
por duas breves no esquema do galiambo:

ego mulier, e�dolescens, 1 1 ego ephebus, ego puer (U U U U U


u u - - 1 1 u u u - u u u u -)
Catulo também nos dá dois exemplos magníficos da estrofe
sáfica (poemas 1 1 e 51), sendo a sua tradução de Safo um pequeno
milagre que em nada fica atrás do original:

flle mi pãr esse deõ uidetur, (- U - - - U U - U - -)


ille, sifãs est, superãre diuõs, (- U - - - U U - U - -)
qui sedens aduersus identidem te (- U - - - U U - U - -)
spectat et audit (- U U - -)

«Aquele me parece ser par dos deuses;


aquele, se é lícito <dizê-lo>, <me parece> superar os deuses,
ele que sentado diante <de ti> repetidamente te
observa e ouve» (Catulo 5 1 ) .

Devemos também a Catulo um dos mais bonitos poemas da


literatura antiga ( Catulo 4), constituído por 27 versos, todos escri­
tos em senários iâmbicos puros (portanto, sem substituição do
ritmo U -), ritmo que imprime ao poema uma sugestão de rapidez
NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA: POESIA 40 1

consentânea com a autodescrição da voz lírica que, de modo


desconcertante, nos fala de si própria - como fazem os futebolistas
da atualidade - na terceira pessoa do singular:

Phasêlus ille, quem uidêtis, hospitês, (U - U - U - U - U -


U -)
ait fuisse nãuium celerrimus . . . (U - U - U - U - U - U -)

«Aquele barco que vedes, estrangeiros,


afirma ter sido a mais célere das naus... » (Catulo 4. 1-2)

Outra marca chamativa do arsenal poético de Catulo é o uso do


falécio em cerca de 40 poemas exclusivamente constituídos por esse
verso. Na poesia lírica grega, um verso que terminava com o desenho
métrico U - - continha, tendencialmente, um enunciado poético
autocontido do ponto de vista sintático-semântico. Catulo consegue
isso com os seus falécios, num poema que é dos mais célebres de toda
a história da literatura (e onde perdoamos de bom grado ao poeta os
pontapés na fonética ünius [ver p. 368] efêcerímus [ver p. 152]):

Víuãmus, mea Lesbia, atque amêmus, (- - - U U - U - U - -)


rümõrêsque senum seuêriõrum (- - - U U - U - U - -)
omnês üníus aestimêmus assis! (- - - U U - U - U - -)
sõlês occidere et redíre possunt: (- - - U U - U - U - -)
nõbis cum semel occidit breuis lüx, (- - - U U - U - U - -)
nox est perpetua üna dormienda. (- - - U U - U - U - -)
dã mi bãsia mille, deinde centum, (- - - U U - U - U - -)
dein mille altera, dein secunda centum, (- - - U U - U - U - -)
deinde usque altera mille, deinde centum. (- - - U U - U - U
- -)
400 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

a grande surpresa na coletânea de Catulo é o poema 63, todo


escrito em galiambos, um verso que, de resto, é praticamente ine­
xistente na poesia greco-latina. Nesse poema, conta-se a história
de um jovem que, não obstante ter sido «a flor do ginásio» (como
ele próprio diz), transitou mediante a castração voluntária para
uma nova identidade sexual - ou então para várias, como nos
sugere o v. 63, onde encontramos muitas substituições de longas
por duas breves no esquema do galiambo:

ego mulier, ego adolescens, 1 1 ego ephebus, ego puer (U U U U U


u u - - 1 1 u u u - u u u u -)

Catulo também nos dá dois exemplos magníficos da estrofe


sáfica (poemas 1 1 e 51), sendo a sua tradução de Safo um pequeno
milagre que em nada fica atrás do original :

flle mi pãr esse deõ uidêtur, (- U - - - U U - U - -)


ille, sifãs est, superãre diuõs, (- U - - - U U - U - -)
qui sedêns aduersus identidem tê (- U - - - U U - U - -)
spectat et audit (- U U - -)

«Aquele me parece ser par dos deuses;


aquele, se é lícito <dizê-lo>, <me parece> superar os deuses,
ele que sentado diante <de ti> repetidamente te
observa e ouve» (Catulo 5 1 ) .

Devemos também a Catulo um dos mais bonitos poemas da


literatura antiga ( Catulo 4), constituído por 27 versos, todos escri­
tos em senários iâmbicos puros (portanto, sem substituição do
ritmo U -), ritmo que imprime ao poema uma sugestão de rapidez
NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA: POESIA 40 1

consent ânea com a autodescrição da voz lírica que, de modo


desconcertante, nos fala de si própria - como fazem os futebolistas
da atualidade - na terceira pessoa do singular:

Phasêlus ille, quem uidêtis, hospitês, (U - U - U - U - U -


U -)
ait fuisse nãuium celerrimus . . . (U - U - U - U - U - U -)

«Aquele barco que vedes, estrangeiros,


afirma ter sido a mais célere das naus ... » (Catulo 4. 1-2)

Outra marca chamativa do arsenal poético de Catulo é o uso do


falécio em cerca de 40 poemas exclusivamente constituídos por esse
verso. Na poesia lírica grega, um verso que terminava com o desenho
métrico U - - continha, tendencialmente, um enunciado poético
autocontido do ponto de vista sintático-semântico. Catulo consegue
isso com os seus falécios, num poema que é dos mais célebres de toda
a história da literatura (e onde perdoamos de bom grado ao poeta os
pontapés na fonética ünius [ver p. 368] efêcerimus [ver p. 152]):

Víuãmus, mea Lesbia, atque amêmus, (- - - U U - U - U - -)


rümõrêsque senum seuêriõrum (- - - U U - U - U - -)
omnês üníus aestimêmus assis! (- - - U U - U - U - -)
sõlês occidere et redíre possunt: (- - - U U - U - U - -)
nõbis cum semel occidit breuis lüx, (- - - U U - U - U - -)
nox est perpetua üna dormienda. (- - - U U - U - U - -)
dã mi bãsia mille, deinde centum, (- - - U U - U - U - -)
dein mille altera, dein secunda centum, (- - - U U - U - U - -)
deinde usque altera mille, deinde centum. (- - - U U - U - U
- -)
402 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

dein, cum mília multafecerímus, (- - - U U - U - U - -)


conturbãbimus illa, ne sciãmus, (- - - U U - U - U - -)
aut ne quis malus inuidere possit, (- - - U U - U - U - -)
cum tantum sciat esse bãsiõrum. (- - - U U - U - U - -)

«Vivamos, minha Lésbia, e amemos;


e consideremos os rumores de velhos severos
todos pelo preço de um cêntimo!
Os sóis podem pôr-se e voltar;
mas para nós, quando se puser uma vez a luz breve,
a noite é perpétua, só uma, e para ser dormida <para sempre>.
Dá-me mil beijos, depois cem;
depois outros mil; depois uma segunda centena;
depois outros mil, depois cem.
Depois, quando tivermos perfeito muitos milhares,
baralhá-los-emos, para que não saibamos,
e para que nenhum mal-intencionado possa invejar<-nos>,
quando souber que são tantos beijos.» (Catulo 5)

Uma das questões mais esotéricas que se levantam no estudo


da métrica grego-latina é se a escolha do metro seria condicionada
pela natureza do tema. Esse não era um problema que se colocasse
a Catulo. Os falécios apaixonados que acabámos de ler não podiam
contrastar mais com a crueza dos falécios que vamos ler de seguida:

Pedícãb�o uõs et irrumãbõ, (- - - U U - U - U - -)


Aurelí pathice et cinaede Fürí. (- - - U U - U - U - -)

«Eu vou foder-vos o cu e vou esporrar-me na vossa boca,


Aurélio passivo e cuzeiro Fúrio.» (Catulo 16. 1 -2)
NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA: POESIA 403

Se subtrairmos ao falécio a cadência final U - -, ficamos com


um dos versos líricos mais usados na poesia grega (com destaque
para a tragédia de Ésquilo, de Sófocles e, sobretudo, de Eurípides) :
o glicónico. Na sua Ode 1.3, Horácio intercala o glicónico com uma
versão aumentada do mesmo, o asclepiadeu menor, que é na reali­
dade um glicónico acrescido de um coriambo ( - U U -) :

Síc tê díua potêns Cyprí, (- - - U U - U -)


sícJrãtrês Helenae, lücida sidera, (- - - U U - - U U - U -)
uentõrumque regat pater (- - - U U - U -)
obstrictís aliís praeter Iãpyga, (- - - U U - - U U - U -)
nãuis, quae tibi crêditum (- - - U U - U -)
dêbês Vergilium, fínibus Atticís (- - - U U - - U U - U -)
reddãs íncolumem precor (- - - U U - U -)
et seruês animae dímidium meae. (- - - U U - - U U - U -)

« Que assim a deusa poderosa de Chipre,


que assim os irmãos de Helena, luminosas estrelas,
e o pai dos ventos te guie,
contidos os outros <ventos> exceto o Iápix,
ó nau, que a ti mesma como crédito
deves Vergílio; peço que às fronteiras áticas
devolvas <Vergílio> incólume
e que guardes a metade da minha alma.» (Horácio, Odes 1 .3. 1-8)

Um importante fenómeno métrico que vemos nestes versos é


o de uma sílaba breve em posição longa final : isto é, a posição longa
em fim de verso alonga a sílaba breve, mesmo quando o verso
seguinte começa por consoante simples ou até por vogal ou ditongo
(nesse caso, teríamos também uma situação de hiato). Na poesia
lírica grega, muitas vezes a sílaba breve em posição final longa
404 NOVA GRAMÁTICA 00 LATIM. VARIA.

(assim como o hiato em final de verso) indicava uma pequena


pausa retórico-semântica, contribuindo para a articulação do
período métrico e, paralelamente, para a articulação do próprio
conteúdo poético. Embora nem sempre essa pausa tenha um evi­
dente significado semântico na poesia de Horácio, nos versos
acima transcritos a pequena pausa após as palavras sidera, pater e
precor parece ter, de facto, uma função articuladora .
O asclepiadeu menor, que vimos alternado com o glicónico
na Ode 1 .3 de Horácio, é o verso da primeira ode do livro 1 ( Mae­
cénãs atauis édite régibus) e também o verso da ode que fecha
o livro 3 (Exégi monumentum aere perennius [3.30]). Ora, se o
asclepiadeu menor é um glicónico acrescido de um coriambo,
no asclepiadeu maior temos um glicónico acrescido de dois
coriambos.
É neste verso imensamente desafiante para quem escreve em
latim que está composto um dos poemas mais conhecidos da Anti­
guidade, onde figura a célebre frase carpe diem:

Tü né quaesieris, scíre nefãs, quem mihi, quem tibi (- - - U U -


- U U - - U U - U -)
finem di dederint, Leuconoé, nec Babylõniõs (- - - U U - - U
U - - U U - U -)
temptãris numerõs. ut melius, quidquid erit, pat� (- - - U U - -
u u - - u u - u -)
seu plüris hiemés seu tribuit Iuppiter ultimam, (- - - U U - - U
U - - U U - U -)
quae nünc oppositis débilitat pümicibus mare (- - - U U - - U
U - - U U - U -)
Tyrrhénum. sapiãs, uina liqués et spatiõ breui (- - - U U - - U
U - - U U - U -)
NOÇ ÕES DE MÉTRICA LATINA : POESIA 405

spem longam reseces. dum loquimutj fügerit inuida (- - - UU


- - U U - - U U - U -)
aetãs. carpe diem, quam minimum credula posterõ. (- - - U U
- - U U - - U U - U -)
N.B.: temptãris = temptãueris (conjuntivo perfeito, tal como quaesieris,
sendo a justificação para ambos os conjuntivos o facto de a frase constituir
uma ordem direta negativa (ver p. 348); dederint também está no conjun­
tivo perfeito, mas neste caso é por ser o predicado de uma interrogativa
indireta) . Não é possível saber ao certo se tribuit é presente ou perfeito.
«Tu não indagues, pois não é permitido saber, que fim a mim, que fim
a ti
os deuses terão dado, ó Leucónoe, nem experimentes
cálculos [ = horóscopos] babilónicos. É melhor sofrer o que tiver de ser,
quer Júpiter conceda [tenha concedido? ] muitos invernos, quer seja este
o último,
que agora desgasta o mar tirreno nos rochedos opostos.
Compenetra-te, decanta os vinhos e poda com breve espaço de tempo
uma esperança longa. Enquanto falamos, terá fugido a invejosa
idade. Colhe o dia <de hoje>, confiada o menos possível no de amanhã.»
(Horácio, Odes 1 . 1 1 )

Um aspeto virtuosístico deste poema é o fim de palavra regular


a seguir a cada um dos primeiros dois coriambos, o que enfatiza o
efeito de encavalgamento no terceiro coriambo. No final do penúl­
I
timo verso, o hiato inuida aetas é surpreendente, acabando por
sublinhar, por meio da pequena pausa que o hiato exige entre as
duas palavras, a palavra aetas.

Para finalizar, vejamos um exemplo de estrofe alcaica:

Vides ut altã stet niue candidum (U - U - - - U U - U -)


Sõracte, nec iam sustineant onus (- - U - - - U U - U -)
406 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VA.RJA.

siluae labõrantés, gelüque (- - U - - - U - -)


flümina cõnstiterint acütõ ? (- U U - U U - U - -)
«Vês como está branco o <monte> Soracte com neve alta
e que nem os bosques sobrecarregados
sustêm o peso <da neve> e que por causa do gelo
afiado os rios ficaram parados?» (Horácio, Odes 1 .9. 1-4)

Embora não nos seja possível saber como o próprio Horácio


entenderia o funcionamento da estrofe alcaica, para os estudiosos
modernos de métrica antiga parece claro que se trata de um ritmo
em que, nos dois primeiros versos, se enunciam dois motivos
rítmicos bem conhecidos da poesia grega:

x - U - x (muito frequente em Píndaro);


- U U - U - (o chamado «dodrante», a partir do qual o glicónico e
outras frases eólicas são formadas).

O terceiro verso insiste no tema «x - U - x»; e o quarto verso


retoma a cadência eólica do dodrante, constituindo um decassílabo
alcaico, verso não só usado por Alceu no século VII a.C. como tam­
bém pelos grandes tragediógrafos atenienses no século v. Ao escre­
ver nele poesia em latim, Horácio estava a ligar-se a uma tradição
ilustre e, ao mesmo tempo, a reinventar um verso que, sem prejuízo
da sua patine, encontrou em solo romano novos foros de expressão.
Noções de métrica latina: prosa

§ 1 . Para quase todos os grandes autores romanos, escrever boa


prosa implicava ter em atenção o ritmo formado pelo desenho
métrico das palavras na frase: em concreto, o desenho métrico pro­
porcionado pelo ritmo dos finais de frase. Por isso, não se pode
apreciar o alcance estético da prosa de Cícero, de Tito Lívio, de
Séneca (filho), de Plínio (sobrinho), de Quintiliano e de Apuleio
sem se tomar em linha de conta as chamadas «cláusulas métricas»,
que são o tema deste capítulo.
Tal conceção de prosa rítmica não era, no entanto, uma inven­
ção romana: como acontece com quase tudo nas letras latinas, foi
da Grécia que veio o estímulo. Ao que tudo indica, o inventor da
prosa rítmica foi Trasímaco, no século v a.C. (trata-se do mesmo
Trasímaco que figura como personagem na República de Platão
- obra, já agora, cuja primeira frase Platão terá escrito diversas
vezes até acertar com o ritmo ideal 8 ); mas foram os oradores
Isócrates e Demóstenes, no século 1v, que estabeleceram, em grego,
as regras desta conceção particular de prosa, à qual Aristóteles
dedicou uma reflexão importante na sua Retórica (3.8-9).
Em Isócrates e Demóstenes, o cuidado com a modulação rít­
mica da frase é extensivo ao período na sua inteireza. No caso dos

ª Cf. Quintiliano 8.6.64.


408 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VAIIIA,

prosadores romanos que cultivaram a prosa rítmica - e registe-se


que, dentre os autores «topo de gama», os únicos que não se inte­
ressaram por ela (ou quiseram reagir contra ela) foram César 9 e
Tácito -, a preocupação com o ritmo incide somente nas últimas
duas ou três palavras que fecham o período. Daí o termo «cláusula
métrica».

§2. Tanto em Atenas como em Roma, era muito claro que o


ritmo da prosa devia ser diferente do ritmo da poesia. Não encon­
tramos, portanto, na prosa de Cícero ritmos como os que vimos
no capítulo anterior (glicónicos, falécios, etc.). O ritmo dactílico,
associado no espírito de gregos e de romanos à poesia de Homero,
era, de um modo geral, evitado, embora o desenho métrico final
do hexâmetro ( - U U - -) apareça em Salústio, Tito Lívio e até
em Cícero ( 107 vezes num universo de mais de 17 000 cláusulas 10 ) :

abesse uidetur (cf. Pro Rosciõ Amerínõ 30).


(Note-se que a cláusula pode começar a meio de uma palavra.)

§3. O ritmo próprio da prosa artística latina é o crético ( - U -)


e suas variações.
Trata-se de um ritmo que, logo à partida, se demarca da poesia
épica, dado tratar-se, justamente, de uma sequência impossível
num hexâmetro dactílico - razão pela qual palavras como cõnsules
e outras que vimos na p. 386 estão excluídas do hexâmetro.

9 Isto é, César na sua obra historiográfica. É possível que ele tenha usado cláusulas métricas
noutras obras que não chegaram até nós (cf. Palmer, p. 1 35).
'º Cf. Wilkinson, p. 239 (e também p. 161 ). Curiosamente, há seis exemplos em De lege agrãriã:
ver Kühner & Stegmann, Vol. II, p. 624.
N OÇÕES DE MÉTRICA LATINA: PROSA 409

Os antigos chamavam «péon» a um crético em que uma das


longas é «resolvida», isto é, substituída por duas breves:

- U UU
UU U -

Outra variação possível no crético é um fenómeno métrico


chamado «colose» (xwÀwc1c, em grego), que consiste na coloca­
ção de uma sílaba longa numa posição que, normalmente, deveria
ser breve. Assim, no caso do crético com «colose», temos um pé
chamado «molosso»:

Um crético desprovido da sua última sílaba fica com a forma


- U, que os gramáticos latinos interpretaram como «coreu»
(termo equivalente a «troqueu» 1 1 ) . Trata-se de um ritmo que
surge amiúde nas cláusulas de Cícero.
Um crético aumentado por uma sílaba assume duas formas
possíveis:

- U - - (na nomenclatura tradicional, «coreu» + «espon­


deu» );
- U - U (na nomenclatura tradicional, «dicoreu» ) .

Um crético sincopado (com síncope da segunda posição)


assume a forma de «espondeu»:

11 Na Grécia, contudo, «troqueu» implicava quatro posições métricas: - U - x.


410 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

( Coloco «espondeu» entre aspas em virtude de a natureza


destas duas sílabas longas ser diferente, neste contexto, da que
vemos no hexâmetro dactílico, em que o espondeu é a contração
das duas breves do dáctilo : - U U .)

§4. Ainda que um elenco completo de todas as cláusulas métri­


cas da prosa latina nos desse uma lista com cerca de 400 formas
possíveis 12, na prática as mais usadas são estas (e as mais usadas por
Cícero são a cláusula n. 0 4 [mais de 25 por cento das cláusulas
ciceronianas obedecem a este padrão] e a cláusula n.0 1 [mais de
16 por cento] 13 ) :

1. - U- - U (crético + coreu);
2. - U- - U - (dois créticos);
3. - U- - U - U (crético + dois coreus);
4. - U- U (dois coreus);
5. - U- U - (coreu + crético);
6. - U- - U - U - (crético + coreu + crético) .

A cláusula n. 0 1 admite as seguintes variações:

1 . 1 . - - - - U (molosso + coreu);
1 .2. - U - :- - (crético + espondeu);
1 .3. - U U U - U (péon + coreu);
1 .4. - U U U - - (péon + espondeu) .

1 2 Cf. Nougaret, p. 120.


13 Cf. Wilkinson, p. 16 l.
NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA: PROSA 41 1

Variações possíveis da cláusula n. 0 2 são:

2. 1. - - - - U - (molosso + crético);
2.2. - UU - - U - (molosso resolvido + crético);
2.3. - U UU - - - (péon + molosso).

Uma variação possível da cláusula n. 0 3 é:

3. 1. - - - - U - U (molosso + dois coreus).

Uma variação possível da cláusula n.0 4 é:

4. 1. - U - - (coreu + espondeu).

É preciso sublinhar, no que toca às posições fmais, que uma


cláusula cujo último pé é um «coreu» ( - U) constitui, na prática,
uma cláusula que termina em «espondeu» ( - -), já que o fecho da
frase - entendendo «frase» tanto em termos sintático-semânticos
como métricos - implica uma pausa que, tal como na poesia, trans­
forma em longa uma sílaba breve. Se olharmos, por exemplo, para
os primeiros dez versos da Odisseia de Homero, verificamos que
seis deles terminam com uma sílaba breve alongada pela posição
em final de verso. Do mesmo modo, uma sílaba breve que fecha um
parágrafo de Cícero só é breve na teoria; na prática, a posição em
que se encontra faz dela uma sílaba longa.
Mas uma sílaba breve numa posição longa soaria «verdadeira­
mente» longa aos ouvidos mais exigentes e sensíveis? Leiam-se,
a este propósito, as interessantíssimas observações de Quintiliano
( 9 .4. 9 3) :
412 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. VARIA.

clausula quóque ê longis firmíssima est, sed uenit et in breuês,


quamuís habeãtur indifferêns ultima. neque enim ego ignóró infine
pró longã accípí breuem, quia uidêtur aliquid uacantis temporis ex
eó quod insequitur accedere: aurês tamen cónsulêns meãs intellegó
multum rêferre uêrêne longa sit quae clüdit an pró longã. neque
enim tam plênum est «dícere incipientem timêre» quam illud
«ausus est confitêrí» : atqui si nihil rêfert breuis an longa sit ultima,
idem pés erit, uêrum nesció quó modó sedêbit hoc, illud subsistet.

« Uma cláusula também é mais forte quando predominam as <sílabas> lon­


gas, mas também pode ser formada a partir de sílabas breves, embora a
quantidade da última seja tida como indiferente. Não ignoro que uma sílaba
breve final é aceite como longa, porque a duração que lhe falta parece ser
suprida por aquilo que se lhe segue. Mas consultando os meus ouvidos per­
cebo que faz muita diferença se a sílaba final é mesmo longa ou se é tida
como longa. Pois dicere incipientem timeré não é tão satisfatório [à letra,
«pleno»] como ausus est confiteri. Mas se não faz diferença se a sílaba final
é longa ou breve, o pé <final nestes dois exemplos> será idêntico. No entanto
- não sei como - este <pé> ficará sentado e aquele <pé> ficará parado».

§5. Olhando num relance panorâmico para a prosa latina entre


os séculos I a.C . e II d.C., verificamos, nas cláusulas métricas dos
diferentes autores, diferentes abordagens e sensibilidades: não se
tratava de seguir um código rígido de regras, mas sim de conferir,
de forma criativa, um desenho rítmico ao final das frases, processo
que cada autor clássico desenvolveu à sua maneira. As cláusulas de
Cícero são diferentes na sua escolha e frequência das do autor anó­
nimo, mas certamente contemporâneo de Cícero, da Retórica a
Herénio; são diferentes das de Tito Lívio e também das de autores
mais tardios, que optam muitas vezes por cláusulas mais longas,
prolongando e repetindo o elemento «trocaico» ( - U) .
NOÇÕES DE MÉTRICA LATINA: PROSA 413

§6. Folheemos, agora, a título exemplificativo do que dissemos


sobre este tema, a Catilinária 1 de Cícero, e apontemos algumas
das suas cláusulas:

ignõrãre arbitrãris (molosso + dois coreus: cláusula n.0 3. 1);


cõnsulés désumus (dois créticos: cláusula n. 0 2);
poena remorãta est (péon + espondeu: cláusula n. 0 1.4);
mecum licet recõgnõscãs (dois coreus + molosso);
ünãfuérunt (coreu + espondeu: cláusula n. 0 4. 1);
uõce uulnerõ (coreu + crético: cláusula n.0 5);
esse praedixeram (dois créticos: cláusula n.0 2);
totiéns iam effügimus (dois créticos: cláusula n.0 2);
esse coniúnctam (crético + coreu: cláusula n. 0 1);
cõnsulis suãdeõ (coreu + crético: cláusula n.0 5);
praetulisti (coreu + espondeu: cláusula n.0 4. 1);
salütemque pertinent (coreu + crético: cláusula n. 0 5).

§7. A partir do século IV d.C., as cláusulas métricas passam


a obedecer a outra lógica. Devido à progressiva insensibilidade
dos falantes à quantidade das vogais, passa a contar acima de tudo
o lugar do acento tónico. As cláusulas tardias assumem estas três
formas principais:

(i) A cláusula denominada cursus planus: tem cinco sílabas,


com acento na primeira e na quarta (e.g. largíre culpárum).
(ii) A cláusula denominada cursus tardus: tem seis sílabas,
com acento na primeira e na quarta (e.g. dígnos effíciant).
(iii) A cláusula denominada cursus uelox: tem sete sílabas,
com acento na primeira e na sexta (glóriam perducámur).
Datas romanas

§ 1. As agendas nos nossos telemóveis e computadores ainda


estão profundamente influenciadas pelo calendário romano, como
se vê desde logo pelo próprio termo «calendário» ( < Kalendae, o
primeiro dia de cada mês) e pelos nomes dos meses (que são, em
rigor, adjetivos a concordar implicitamente com o substantivo
masculino mensis, mensis, «mês»):

* Iãnuãrius;
* Februãrius;
* Mãrtius;
* Aprilis;
* Mãius;
* Iünius;
* Iülius (originalmente Quintílis, depois renomeado em honra
de Júlio César);
* Augustus (originalmente Sextilis, depois renomeado em
honra de Au sto);
* September;
gu

* Octõber;
* Nouember;
* December.
DATAS ROMANAS 415

Não é difícil perceber, a partir do mês Quíntilis, o quinto mês


do ano (e depois sucessivamente até December, o décimo), que,
originalmente (até meados do século II a.C.), o dia de Ano Novo
romano era o dia 1 de março (ou, em termos romanos, nas calendas
de março).
Antes de avançarmos na apresentação do calendário romano,
fiquemos primeiro com estas informações:

* tirando abril (declinado como trístis, triste; ver p. 234), os


nomes dos meses de janeiro a agosto terminados em -us
declinam-se como adjetivos da i.a classe (como bonus, por
exemplo; ver p. 232);
* os nomes dos meses de setembro a dezembro declinam-se
como ãcer, ãcris, ãcre, adjetivo da 2.ª classe (ver p. 233);
* a palavra Kalendae deriva do verbo calõ, calãre, calãu� calã­
tum, um verbo a que, na realidade, correspondem dois
verbos em latim: ( 1) o verbo que significa «proclamar»
(cognato de KaÀtw, «chamar»); e ( 2) o verbo que significa
«baixar» (cognato de xaÀáw, «abrandar», «afrouxar»),
do qual provém o verbo português «calar». A palavra
«calendas» deriva de calãre no sentido de «proclamar»,
pois era no primeiro dia do mês, no dia das calendas ( «pro­
clamações»), que era oficialmente anunciado o dia em que,
nesse mês, calhariam as Nonas, termo que, por sua vez,
designa o dia nono antes dos Idos (idüs é uma antiga palavra
etrusca, segundo Varrão, De Linguã Latínã 6.28).

§2. Se Martinho de Braga - declarado opositor dos nomes


pagãos para os dias da semana (cf. De correctiõne rusticõrum 9) -
voltasse hoje ao mundo dos vivos, ficaria muito feliz por ver que
416 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. VARIA.

as designações portuguesas são as únicas na Europa a seguir uma


nomenclatura cristã, ao contrário do que se passa noutras línguas
que nasceram do latim, que mantiveram os antigos nomes pagãos
(à exceção do sábado e do domingo - mas cf. o nome romano
Saturday em inglês):

latim italiano francês espanhol português


Sõlis dies domenica dimanche domingo domingo
Lünae diés lunedl lundi Zunes segunda-feira
Mãrtis diés martedl mardi martes terça-feira
Mercurii diés mercoledl mercredi miércoles quarta-feira
Iouis dies giovedl jeudi jueves quinta-feira
Veneris dies venerdl vendredi viernes sexta-feira
Sãturni dies sabato samedi sábado sábado

§3. Ainda hoje usamos o termo «ano bissexto», já usado pelos


romanos para designar um ano em que o mês de fevereiro tinha
mais um dia. Na contagem romana, de quatro em quatro anos o dia
sexto antes das calendas de março era contado duplamente: era,
assim, o dia bissexto (dies bissextus), que ocorria num ano cha­
mado, por isso, bissexto (annus bissextus ou annus bissextilis).
Esse dia sexto antes das calendas de março dizia-se em latim
ante diem sextum Kalendãs Mãrtiãs, abreviado para a.d. VI Kal.
Mãrt.
Que dia será esse em nomenclatura moderna? Trata-se do dia
24 de fevereiro.
Converter os dias do mês romanos em dias do mês atuais faz
confusão a muitas pessoas que começam a aprender latim, porque
a contagem não parece lógica. É certo que temos a referência fixa
das calendas ( Kalendae, Kalendãrum), que correspondem sempre
DATAS ROMANAS 417

ao dia 1 de cada mês; mas, por outro lado, as outras duas referên­
cias - as Nonas (Nõnae, Nõnãrum) e os Idos (Idüs, Iduum [f] ) -
não calham sempre no mesmo dia do mês:

meses em que as Nonas são no meses em que as Nonas são no


dia 5.0 e os Idos no dia 13.0 dia 7.0 e os Idos no dia 15.0
janeiro março
fevereiro maio
abril julho
junho outubro
agosto
setembro
novembro
dezembro

Para confundir ainda mais, os romanos contavam inclusiva­


mente os dias antes de cada uma das referências Calendas/Nonas/
/Idos: ou seja, ante diem tertium Kalendãs lüniãs (na abreviatura
a.d. III Kal. lun.) corresponde, na nomenclatura moderna, a dia 30
de maio.
Para que o calendário romano não levante dúvidas a ninguém,
o mais indicado é apresentá-lo de forma completa 1 4 •

14
Sendo Aprilis, September, Octõber, Nouember e December adjetivos de tema em -i-, levanta-se
naturalmente a dúvida quanto ao acusativo do plural: será em -is ou em -ês? No caso de setembro,
outubro, novembro e dezembro, sigo Roby (Vol. I, p. 454) na opção pela terminação em -ês;
mas no caso de abril sigo Propércio ( 4.5.35) e Marcial ( 9.52.2) e opto pela temúnação em -is.
418 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

JANEIRO

dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Iãnuãriis Kal. Iãn.


2 ante diem quãrtum Nõnas Iãnuãriãs a.d. W Nõn. Iãn.
3 ante diem tertium Nõnãs Iãnuãriãs a.d. III Nõn. Iãn.
4 pridiê Nõnãs Iãnuãriãs prid. Nõn. Iãn.
5 Nõnis Iãnuãriis Nõn. Iãn.
6 ante diem octãuum idüs Iãnuãriãs a.d. VIII id. Iãn.
7 ante diem septimum idüs Iãnuãriãs a.d. VII id. Iãn.
8 ante diem sextum idüs Iãnuãriãs a.d. VI id. Iãn.
9 ante diem quintum idüs Iãnuãriãs a.d. V id. Iãn.
10 ante diem quãrtum idüs Iãnuãriãs a.d. W id. Iãn.
11 ante diem tertium idüs Iãnuãriãs a.d. III id. Iãn.
12 pridiê idüs Iãnuãriãs prid. id. Iãn.
13 idibus Iãnuãriis id. Iãn.
14 ante diem ündêuicênsimum Kalendãs Februãriãs a.d. XIX Kal. Feb.
15 ante diem duodêuicênsimum Kalendãs Februãriãs a.d. XVIII Kal. Feb.
16 ante diem septimum decimum Kalendãs Februãriãs a.d. XVII Kal. Feb.
17 ante diem sextum decimum Kalendãs Februãriãs a.d. XVI Kal. Feb.
18 ante diem quintum decimum Kalendãs Februãriãs a.d. XV Kal. Feb.
19 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Februãriãs a.d. XIV Kal. Feb.
20 ante diem tertium decimum Kalendãs Februãriãs a.d. XIII KaL Feb.
21 ante diem duodecimum Kalendãs Februãriãs a.d. XII Kal. Feb.
22 ante diem ündecimum Kalendãs Februãriãs a.d. XI Kal. Feb.
23 ante diem decimum Kalendãs Februãriãs a.d. X KaL Feb.
24 ante diem nõnum Kalendãs Februãriãs a.d. IX KaL Feb.
25 ante diem octãuum Kalendãs Februãriãs a.d. VIII Kal. Feb.
26 ante diem septimum Kalendãs Februãriãs a.d. VII Kal. Feb.
27 ante diem sextum Kalendãs Februãriãs a.d. VI Kal. Feb.
28 ante diem quintum Kalendãs Februãriãs a.d. V Kal. Feb.
29 ante diem quãrtum Kalendãs Februãriãs a.d. W Kal. Feb.
30 ante diem tertium Kalendãs Februãriãs a.d. III Kal. Feb.
31 pridié Kalendãs Februãriãs prid. Kal. Feb.
DATAS ROMANAS 419

FEVEREIRO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Februãriis KaL Feb.


2 ante diem quãrtum Nõnãs Februãriãs a.d. IV Nõn. Feb.
3 ante diem tertium Nõnãs Februãriãs a.d. III Nõn. Feb.
4 pridié Nõnãs Februãriãs prid. Nõn. Feb.
5 Nõnis Februãriis Nõn. Feb.
6 ante diem octãuum idüs Februãriãs a.d. VIII id. Feb.
7 ante diem septimum idüs Februãriãs a.d. VII id. Feb.
8 ante diem sextum idüs Februãriãs a.d. VI id. Feb.
9 ante diem quintum idüs Februãriãs a.d. Vid. Feb.
10 ante diem quãrtum idüs Februãriãs a.d. IVid. Feb.
11 ante diem tertium idüs Februãriãs a.d. III id. Feb.
12 pridié idüs Februãriãs prid. id. Feb.
13 idibus Februãriis id. Feb.
14 ante diem sextum decimum Kalendãs Mãrtiãs a.d. XVI Kal. Mãrt.
15 ante diem quintum decimum Kalendãs Mãrtiãs a.d. XV KaL Mãrt.
16 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Mãrtiãs a.d. XIV KaL Mãrt.
17 ante diem tertium decimum Kalendãs Mãrtiãs a.d. XIII Kal. Mãrt.
18 ante diem duodecimum Kalendãs Mãrtiãs a.d. XII KaL Mãrt.
19 ante diem ündecimum Kalendãs Mãrtiãs a.d. XI Kal. Mãrt.
20 ante diem decimum Kalendãs Mãrtiãs a.d. X Kal. Mãrt.
21 ante diem nõnum Kalendãs Mãrtiãs a.d. IX Kal. Mãrt.
22 ante diem octãuum Kalendãs Mãrtiãs a.d. VIII Kal. Mãrt.
23 ante diem septimum Kalendãs Mãrtiãs a.d. VII KaL Mãrt.
24 ante diem sextum Kalendãs Mãrtiãs a.d. VI Kal. Mãrt.
25 ante diem quintum Kalendãs Mãrtiãs a.d. V Kal. Mãrt.
26 ante diem quãrtum Kalendãs Mãrtiãs a.d. IV KaL Mãrt.
27 ante diem tertium Kalendãs Mãrtiãs a.d. III Kal. Mãrt.
28 pridié Kalendãs Mãrtiãs prid. Kal. Mãrt.
420 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

MAilÇO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Mãrtiis Kal. Mãr.


2 ante diem sextum Nõnãs Mãrtiãs a.d. VI Nõn. Mãrt.
3 ante diem quintum Nõnãs Mãrtiãs a.d. V Nõn. Mãrt.
4 ante diem quãrtum Nõnãs Mãrtiãs a.d. W Nõn. Mãrt.
5 ante diem tertium Nõnãs Mãrtiãs a.d. III Nõn. Mãrt.
6 pridiê Nõnãs Mãrtiãs prid. Nõn. Mãrt.
7 Nõnis Mãrtiis Nõn. Mãrt.
8 ante diem octãuum idüs Mãrtiãs a.d. VIII id. Mãrt.
9 ante diem septimum idüs Mãrtiãs a.d. VII id. Mãrt.
10 ante diem sextum idüs Mãrtiãs a.d. VI id. Mãrt.
11 ante diem quintum idüs Mãrtiãs a.d. Vid. Mãrt.
12 ante diem quãrtum idüs Mãrtiãs a.d. Wid. Mãrt.
13 ante diem tertium idüs Mãrtiãs a.d. III id. Mãrt.
14 pridiê idüs Mãrtiãs prid. id. Mãrt.
15 ldibus Mãrtiis id. Mãrt.
16 ante diem septimum decimum Kalendãs Aprilis a.d. XVII Kal. Apr.
17 ante diem sextum decimum Kalendãs Aprilis a.d. XVI Kal. Apr.
18 ante diem quintum decimum Kalendãs Aprilis a.d. XV Kal. Apr.
19 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Aprilis a.d. XW KaL Apr.
20 ante diem tertium decimum Kalendãs Aprilis a.d. XIII Kal. Apr.
21 ante diem duodecimum Kalendãs Aprilis a.d. XII KaL Apr.
22 ante diem ündecimum Kalendãs Aprilis a.d. XI KaL Apr.
23 ante diem decimum Kalendãs Aprilis a.d. X Kal. Apr.
24 ante diem nõnum Kalendãs Aprilis a.d. IX Kal. Apr.
25 ante diem octãuum Kalendãs Aprilis a.d. VIII Kal. Apr.
26 ante diem septimum Kalendãs Aprilis a.d. VII Kal. Apr.
27 ante diem sextum Kalendãs Aprilis a.d. VI Kal. Apr.
28 ante diem quintum Kalendãs Aprilis a.d. V Kal. Apr.
29 ante diem quãrtum Kalendãs Aprilis a.d. W Kal. Apr.
30 ante diem tertium Kalendãs Aprilis a.d. III Kal. Apr.
31 pridiê Kalendãs Aprilis prid. KaL Apr.
DATAS ROMANAS 4:1 1

ABRIL
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendís Aprilibus KaL Apr.


2 ante diem quãrtum Nõnãs Aprilís a.d. W Nõn. Apr.
3 ante diem tertium Nõnãs Aprilis a.d. III Nõn. Apr.
4 pridiê Nõnãs Aprilís prid. Nõn. Apr.
5 Nõnís Aprilibus Nõn. Apr.
6 ante diem octãuum ldüs Aprilís a.d. VIII ld. Apr.
7 ante diem septimum ldüs Aprilís a.d. VII ld. Apr.
8 ante diem sextum ldüs Aprilís a.d. VI ld. Apr.
9 ante diem quintum ldüs Aprílís a.d. V ld. Apr.
10 ante diem quãrtum ldüs Aprilís a.d. W ld. Apr.
11 ante diem tertium ldüs Aprílís a.d. III ld. Apr.
12 pridiê ldüs Aprilis prid. ld. Apr.
13 ldibus Aprílibus ld. Apr.
14 ante diem duodêuícênsimum Kalendãs Mãiãs a.d. XVIII Kal. Mãi.
15 ante diem septimum decimum Kalendãs Mãiãs a.d. XVII Kal. Mãi.
16 ante diem sextum decimum Kalendãs Mãiãs a.d. XVI Kal. Mãi.
17 ante diem quíntum decimum Kalendãs Mãiãs a.d. XV Kal. Mãi.
18 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Mãiãs a.d. XW Kal. Mãi.
19 ante diem tertium decimum Kalendãs Mãiãs a.d. XIII Kal. Mãi.
20 ante diem duodecimum Kalendãs Mãiãs a.d. XII Kal. Mãi.
21 ante diem ündecimum Kalendãs Mãiãs a.d. XI Kal. Mãi.
22 ante diem decimum Kalendãs Mãiãs a.d. X Kal. Mãi.
23 ante diem nõnum Kalendãs Mãiãs a.d. IX Kal. Mãi.
24 ante diem octãuum Kalendãs Mãiãs a.d. VIII Kal. Mãi.
25 ante diem septimum Kalendãs Mãiãs a.d. VII Kal. Mãi.
26 ante diem sextum Kalendãs Mãiãs a.d. VI Kal. Mãi.
27 ante diem quíntum Kalendãs Mãiãs a.d. V Kal. Mãi.
28 ante diem quãrtum Kalendãs Mãiãs a.d. W KaL Mãi.
29 ante diem tertium Kalendãs Mãiãs a.d. III Kal. Mãi.
30 pridiê Kalendãs Mãiãs pridiê Kal. Mãi.
422 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

MAIO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Mãiis Kal. Mãi.


2 ante diem sextum Nõnãs Mãiãs a.d. VI Nõn. Mãi.
3 ante diem quintum Nõnãs Mãiãs a.d. V Nõn. Mãi.
4 ante diem quãrtum Nõnãs Mãiãs a.d. W Nõn. Mãi.
5 ante diem tertium Nõnãs Mãiãs a.d. III Nõn. Mãi.
6 pridiê Nõnãs Mãiãs prid. Nõn. Mãi.
7 Nõnis Mãiis Nõn. Mãi.
8 ante diem octãuum ldüs Mãiãs a.d. VIII ld. Mãi.
9 ante diem septimum ldüs Mãiãs a.d. VII ld. Mãi.
10 ante diem sextum ldüs Mãiãs a.d. VI ld. Mãi.
11 ante diem quintum ldüs Mãiãs a.d. V ld. Mãi.
12 ante diem quãrtum ldüs Mãiãs a.d. W ld. Mãi.
13 ante diem tertium ldüs Mãiãs a.d. III ld. Mãi.
14 pridiê ldüs Mãiãs prid. ld. Mãi.
15 ldibus Mãiis ld. Mãi.
16 ante diem septimum decimum Kalendãs Iüniãs a.d. XVII Kal. Iün.
17 ante diem sextum decimum Kalendãs Iüniãs a.d. XVI Kal. Iün.
18 ante diem quintum decimum Kalendãs Iüniãs a.d. XV Kal. Iün.
19 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Iüniãs a.d. XlV Kal. Iün.
20 ante diem tertium decimum Kalendãs Iüniãs a.d. XIII Kal. Iün.
21 ante diem duodecimum Kalendãs Iüniãs a.d. XII Kal. Iün.
22 ante diem ündecimum Kalendãs Iüniãs a.d. XI Kal. Iün.
23 ante diem decimum Kalendãs Iüniãs a.d. X Kal. Iün.
24 . ante diem nõnum Kalendãs Iüniãs a.d. IX Kal. Iün.
25 ante diem octãuum Kalendãs Iüniãs a.d. VIII Kal. Iün.
26 ante diem septimum Kalendãs Iüniãs a.d. VII KaL Iün.
27 ante diem sextum Kalendãs Iüniãs a.d. VI Kal. Iün.
28 ante diem quintum Kalendãs Iüniãs a.d. V Kal. Iün.
29 ante diem quãrtum Kalendãs Iüniãs a.d. W Kal. Iün.
30 ante diem tertium Kalendãs Iüniãs a.d. III KaL Iün.
31 pridiê Kalendãs Iüniãs prid. Kal. Iün.
DATAS ROMANAS 423

JUNHO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Iüniís Kal. Iün.


2 ante diem quãrtum Nõnãs Iüniãs a.d. W Nõn. Iün.
3 ante diem tertium Nõnãs Iüniãs a.d. III Nõn. Iün.
4 pridié Nõnãs Iüniãs prid. Nõn. Iün.
5 Nõnis Iüniis Nõn. Iün.
6 ante diem octãuum idüs Iüniãs a.d. VIII id. Iün.
7 ante diem septimum idüs lüniãs a.d. VIIid. Iün.
8 ante diem sextum idüs Iüniãs a.d. VI id. Iün.
9 ante diem quintum idüs Iüniãs a.d. Vid. Iün.
10 ante diem quãrtum idüs Iüniãs a.d. W id. Iün.
11 ante diem tertium idüs Iüniãs a.d. III id. Iün.
12 pridié idüs Iüniãs prid. id. Iün.
13 idibus lüniis id. Iün.
14 ante diem duodéuicénsimum Kalendãs Iüliãs a.d. XVIII Kal. Iül.
15 ante diem septimum decimum Kalendãs Iüliãs a.d. XVII Kal. Iül.
16 ante diem sextum decimum Kalendãs Iüliãs a.d. XVI KaL Iül.
17 ante diem quintum decimum Kalendãs Iüliãs a.d. XV Kal. Iül.
18 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Iüliãs a.d. XIV Kal. Iül.
19 ante diem tertium decimum Kalendãs Iüliãs a.d. XIII Kal. Iül.
20 ante diem duodecimum Kalendãs Iüliãs a.d. XII Kal. Iül.
21 ante diem ündecimum Kalendãs Iüliãs a.d. XI Kal. Iül.
22 ante diem decimum Kalendãs Iüliãs a.d. X Kal. Iül.
23 ante diem nõnum Kalendãs Iüliãs a.d. IX Kal. Iül.
24 ante diem octãuum Kalendãs Iüliãs a.d. VIII Kal. Iül.
25 ante diem septimum Kalendãs Iüliãs a.d. VII Kal. Iül.
26 ante diem sextum Kalendãs Iüliãs a.d. VI KaL Iül.
27 ante diem quintum Kalendãs Iüliãs a.d. V KaL IüL
28 ante diem quãrtum Kalendãs Iüliãs a.d. W KaL Iül.
29 ante diem tertium Kalendãs Iüliãs a.d. III KaL Iül.
30 pridié Kalendãs Iüliãs pridié Kal. IüL
424 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

JULHO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Iüliis Kal. IüL


2 ante diem sextum Nõnãs Iüliãs a.d. VI Nõn. IüL
3 ante diem quintum Nõnãs Iüliãs a.d. V Nõn. Iül.
4 ante diem quãrtum Nõnãs Iüliãs a.d. IV Nõn. Iül.
5 ante diem tertium Nõnãs Iüliãs a.d. III Nõn. Iül.
6 pridiê Nõnãs Iüliãs prid. Nõn. Iül.
7 Nõnis Iüliis Nõn. Iül.
8 ante diem octãuum Ídüs Iüliãs a.d. VIII Íd. IüL
9 ante diem septimum Ídüs Iüliãs a.d. VII Íd. Iül.
10 ante diem sextum Ídüs Iüliãs a.d. VI Íd. Iül.
11 ante diem quintum Ídüs Iüliãs a.d. V Íd. IüL
12 ante diem quãrtum Ídüs Iüliãs a.d. IV id. IüL
13 ante diem tertium Ídüs Iüliãs a.d. III id. Iül.
14 pridiê Ídüs Iüliãs prid. id. IüL
15 Ídibus Iüliis id. Iül.
16 ante diem septimum decimum Kalendãs Augustãs a.d. XVII Kal. Aug.
17 ante diem sextum decimum Kalendãs Augustãs a.d. XVI Kal. Aug.
18 ante diem quintum decimum Kalendãs Augustãs a.d. XV Kal. Aug.
19 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Augustãs a.d. XIV Kal. Aug.
20 ante diem tertium decimum Kalendãs Augustãs a.d. XIII KaL Aug.
21 ante diem duodecimum Kalendãs Augustãs a.d. XII Kal. Aug.
22 ante diem ündecimum Kalendãs Augustãs a.d. XI Kal. Aug.
23 ante diem decimum Kalendãs Augustãs a.d. X Kal. Aug.
24 ante diem nõnum Kalendãs Augustãs a.d. IX Kal. Aug.
25 ante diem octãuum Kalendãs Augustãs a.d. VIII KaL Aug.
26 ante diem septimum Kalendãs Augustãs a.d. VII KaL Aug.
27 ante diem sextum Kalendãs Augustãs a.d. VI KaL Aug.
28 ante diem quintum Kalendãs Augustãs a.d. V KaL Aug.
29 ante diem quãrtum Kalendãs Augustãs a.d. IV Kal. Aug.
30 ante diem tertium Kalendãs Augustãs a.d. III Kal. Aug.
31 pridiê Kalendãs Augustãs prid. Kal. Aug.
DATAS ROMANAS 425

AGOSTO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Augustis Kal. Aug.


2 ante diem quãrtum Nõnas Augustãs a.d. W Nõn. Aug.
3 ante diem tertium Nõnãs Augustãs a.d. III Nõn. Aug.
4 pridié Nõnãs Augustãs prid. Nõn. Aug.
5 Nõnis Augustis Nõn. Aug.
6 ante diem octãuum Ídüs Augustãs a.d. VIII Íd. Aug.
7 ante diem septimum Ídüs Augustãs a.d. VII Íd. Aug.
8 ante diem sextum Ídüs Augustãs a.d. VI Íd. Aug.
9 ante diem quintum Ídüs Augustãs a.d. V íd. Aug.
10 ante diem quãrtum Ídüs Augustãs a.d. WÍd. Aug.
11 ante diem tertium Ídüs Augustãs a.d. III Íd. Aug.
12 pridié Ídüs Augustãs prid. íd. Aug.
13 Ídibus Augustis Íd. Aug.
14 ante diem ündéuicénsimum Kalendãs Septembrés a.d. XIX Kal. Sept.
15 ante diem duodéuicénsimum Kalendãs Septembrés a.d. XVIII Kal. Sept.
16 ante diem septimum decimum Kalendãs Septembrés a.d. XVII Kal. Sept.
17 ante diem sextum decimum Kalendãs Septembrés a.d. XVI Kal. Sept.
18 ante diem quintum decimum Kalendãs Septembrés a.d. XV Kal. Sept.
19 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Septembrés a.d. XW Kal. Sept.
20 ante diem tertium decimum Kalendãs Septembrés a.d. XIII KaL Sept.
21 ante diem duodecimum Kalendãs Septembrés a.d. XII Kal. Sept.
22 ante diem ündecimum Kalendãs Septembrés a.d. XI Kal. Sept.
23 ante diem decimum Kalendãs Septembrés a.d. X Kal. Sept.
24 ante diem nõnum Kalendãs Septembrés a.d. IX Kal. Sept.
25 ante diem octãuum Kalendãs Septembrés a.d. VIII Kal. Sept.
26 ante diem septimum Kalendãs Septembrés a.d. VII Kal. Sept.
27 ante diem sextum Kalendãs Septembrés a.d. VI Kal. Sept.
28 ante diem quintum Kalendãs Septembrés a.d. V Kal. Sept.
29 ante diem quãrtum Kalendãs Septembrés a.d. W Kal. Sept.
30 ante diem tertium Kalendãs Septembrés a.d. III Kal. Sept.
31 pridié Kalendãs Septembrés prid. Kal. Sept.
426 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

SETEMBRO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Septembribus Kal. Sept.


2 ante diem quãrtum Nõnãs Septembrês a.d. W Nõn. Sept.
3 ante diem tertium Nõnãs Septembrês a.d. III Nõn. Sept.
4 pridiê Nõnãs Septembrês prid. Nõn. Sept.
5 Nõnis Septembribus Nõn. Sept.
6 ante diem octãuum Ídüs Septembrês a.d. VIII Íd. Sept.
7 ante diem septimum Ídüs Septembrês a.d. VII Íd. Sept.
8 ante diem sextum Ídüs Septembrês a.d. VI Íd. Sept.
9 ante diem quintum Ídüs Septembrês a.d. V Íd. Sept.
10 ante diem quãrtum Ídüs Septembrês a.d. W Íd. Sept.
11 ante diem tertium Ídüs Septembrês a.d. III Íd. Sept.
12 pridiê Ídüs Septembrês prid. Íd. Sept.
13 Ídibus Septembribus Íd. Sept.
14 ante diem duodêuicênsimum Kalendãs Octõbres a.d. XVIII Kal. Oct.
15 ante diem septimum decimum Kalendãs Octõbrêsa.d. XVII Kal. Oct.
16 ante diem sextum decimum Kalendãs Octõbrês a.d. XVI Kal. Oct.
17 ante diem quintum decimum Kalendãs Octõbrês a.d. XV Kal. Oct.
18 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Octõbrês a.d. XW Kal. Oct.
19 ante diem tertium decimum Kalendãs Octõbrês a.d. XIII Kal. Oct.
20 ante diem duodecimum Kalendãs Octõbrês a.d. XII Kal. Oct.
21 ante diem ündecimum Kalendãs Octõbrês a.d. XI Kal. Oct.
22 ante diem decimum Kalendãs Octõbrês a.d. X Kal. Oct.
23 ante diem nõnum Kalendãs Octõbrês a.d. IX Kal. Oct.
24 ante diem octãuum Kalendãs Octõbrês a.d. VIII Kal. Oct.
25 ante diem septimum Kalendãs Octõbrês a.d. VII Kal. Oct.
26 ante diem sextum Kalendãs Octõbrês a.d. VI Kal. Oct.
27 ante diem quintum Kalendãs Octõbrês a.d. V Kal. Oct.
28 ante diem quãrtum Kalendãs Octõbrês a.d. W KaL Oct.
29 ante diem tertium Kalendãs Octõbrês a.d. III Kal. Oct.
30 pridie Kalendãs Octõbres pridie Kal. Oct.
DATAS ROMANAS 427

OUTUBRO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Octõbribus Kal. Oct.


2 ante diem sextum Nõnãs Octõbres a.d. VI Nõn. Oct.
3 ante diem quintum Nõnãs Octõbres a.d. V Nõn. Oct.
4 ante diem quãrtum Nõnãs Octõbrés a.d. W Nõn. Oct.
5 ante diem tertium Nõnãs Octõbres a.d. Ili Nõn. Oct.
6 pridié Nõnãs Octõbres prid. Nõn. Oct.
7 Nõnis Octõbribus Nõn. Oct.
8 ante diem octãuum idüs Octõbres a.d. VIII id. Oct.
9 ante diem septimum idüs Octõbres a.d. VII id. Oct.
10 ante diem sextum idüs Octõbres a.d. VI id. Oct.
11 ante diem quintum idüs Octõbres a.d. Vid. Oct.
12 ante diem quãrtum idüs Octõbres a.d. W id. Oct.
13 ante diem tertium idus Octõbres a.d. Ili id. Oct.
14 pridié idus Octõbres prid. id. Oct.
15 idibus Octõbribus id. Oct.
16 ante diem septimum decimum Kalendãs Nouembres a.d. XVII Kal. Nou.
17 ante diem sextum decimum Kalendãs Nouembres a.d. XVI KaL Nou.
18 ante diem quintum decimum Kalendãs Nouembres a.d. XV KaL Nou.
19 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Nouembrés a.d. XIV KaL Nou.
20 ante diem tertium decimum Kalendãs Nouembres a.d. XIII Kal. Nou.
21 ante diem duodecimum Kalendãs Nouembres a.d. XII Kal. Nou.
22 ante diem ündecimum Kalendãs Nouembres a.d. XI KaL Nou.
23 ante diem decimum Kalendãs Nouembres a.d. X KaL Nou.
24 ante diem nõnum Kalendãs Nouembres a.d. IX Kal. Nou.
25 ante diem octãuum Kalendãs Nouembrés a.d. VIII Kal. Nou.
26 ante diem septimum Kalendãs Nouembrés a.d. VII KaL Nou.
27 ante diem sextum Kalendãs Nouembres a.d. VI KaL Nou.
28 ante diem quintum Kalendãs Nouembres a.d. V KaL Nou.
29 ante diem quãrtum Kalendãs Nouembres a.d. W Kal. Nou.
30 ante diem tertium Kalendãs Nouembres a.d. Ili Kal. Nou.
31 pridié Kalendãs Nouembres prid. Kal. Nou.
428 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

NOVEMBRO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendis Nouembribus Kal. Nou.


2 ante diem quãrtum Nõnãs Nouembrês a.d. W Nõn. Nou.
3 ante diem tertium Nõnãs Nouembrês a.d. III Nõn. Nou.
4 pridiê Nõnãs Nouembrês prid. Nõn. Nou.
5 Nõnis Nouembribus Nõn. Nou.
6 ante diem octãuum Ídüs Nouembrês a.d. VIII Íd. Nou.
7 ante diem septimum Ídüs Nouembrês a.d. VII Íd. Nou.
8 ante diem sextum Ídüs Nouembrês a.d. VI Íd. Nou.
9 ante diem quintum Ídüs Nouembrês a.d. VÍd. Nou.
10 ante diem quãrtum Ídüs Nouembrês a.d. WÍd. Nou.
11 ante diem tertium Ídüs Nouembrês a.d. III Íd. Nou.
12 pridiê Ídüs Nouembrês prid. Íd. Nou.
13 Ídibus Nouembribus Íd. Nou.
14 ante diem duodêuicênsimum Kalendãs Decembrês a.d. XVIII Kal. Dec.
15 ante diem septimum decimum Kalendãs Decembrês a.d. XVII Kal. Dec.
16 ante diem sextum decimum Kalendãs Decembrês a.d. XVI Kal. Dec.
17 ante diem quintum decimum Kalendãs Decembrês a.d. XV Kal. Dec.
18 ante diem quãrtum decimum Kalendãs Decembrês a.d. XWKal. Dec.
19 ante diem tertium decimum Kalendãs Decembrês a.d. XIII KaL Dec.
20 ante diem duodecimum Kalendãs Decembrês a.d. XII Kal. De,.
21 ante diem ündecimum Kalendãs Decembrês a.d. XI Kal. Dec.
22 ante diem decimum Kalendãs Decembrês a.d. X Kal. Dec.
23 ante diem nõnum Kalendãs Decembrês a.d. IX Kal. Dec.
24 ante diem octãuum Kalendãs Decembrês a.d. VIII Kal. Dec.
25 ante diem septimum Kalendãs Decembrês a.d. VII Kal. Dec.
26 ante diem sextum Kalendãs Decembrês a.d. VI Kal. Dec.
27 ante diem quintum Kalendãs Decembrês a.d. V Kal. De,.
28 ante diem quãrtum Kalendãs Decembrês a.d. W KaL Dec.
29 ante diem tertium Kalendãs Decembrês a.d. III Kal. Dec.
30 pridiê Kalendãs Decembrês pridiê Kal. Dec.
DATAS ROMANAS 429

DEZEMBRO
dia atual dia romano por extenso dia romano abreviado

1 Kalendís Decembribus Kal. Dec.


2 ante diem quãrtum Nõnas Decembres a.d. IV Nõn. Dec.
3 ante diem tertium Nõnãs Decembrês a.d. III Nõn. Dec.
4 pridie Nõnãs Decembrês prid. Nõn. Dec.
5 Nõnís Decembribus Nõn. Dec.
6 ante diem octãuum idüs Decembrês a.d. VIII id. Dec.
7 ante diem septimum idüs Decembrês a.d. VII id. Dec.
8 ante diem sextum idüs Decembrês a.d. VI id. Dec.
9 ante diem quintum idüs Decembrês a.d. Vid. Dec.
10 ante diem quãrtum idüs Decembrês a.d. IV id. Dec.
11 ante diem tertium idüs Decembrês a.d. III id. Dec.
12 pridie idüs Decembrês prid. id. Dec.
13 idibus Decembribus id. Dec.
14 ante diem ündeuicensimum Kalendãs lãnuãriãs a.d. XIX Kal. Iãn.
15 ante diem duodeuicensimum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. XVIII Kal. Iãn.
16 ante diem septimum decimum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. XVII Kal. Iãn.
17 ante diem sextum decimum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. XVI Kal. Iãn.
18 ante diem quintum decimum Kalendãs lãnuãriãs a.d. XV Kal. Iãn.
19 ante diem quãrtum decimum Kalendãs lãnuãriãs a.d. XIV Kal. Iãn.
20 ante diem tertium decimum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. XIII Kal. Iãn.
21 ante diem duodecimum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. XII Kal. Iãn.
22 ante diem ündecimum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. XI Kal. Iãn.
23 ante diem decimum Kalendãs lãnuãriãs a.d. X Kal. Iãn.
24 ante diem nõnum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. IX KaL Iãn.
25 ante diem octãuum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. VIII Kal. Iãn.
26 ante diem septimum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. VII Kal. Iãn.
27 ante diem sextum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. VI Kal. Iãn.
28 ante diem quintum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. V Kal. Iãn.
29 ante diem quãrtum Kalendãs Iãnuãriãs a.d. IV Kal. Iãn.
30 ante diem tertium Kalendãs Iãnuãriãs a.d. III Kal. Iãn.
31 pridie Kalendãs Iãnuãriãs prid. Kal. Iãn.
Abreviaturas romanas

Abreviaturas de nomes

A. = Aulus
e. = Gaius
Cn. = Gnaeus
D. = Decimus
K. = Kaesõ
L. = Lücius
M. = Mãrcus
M: = Mãnius
MAM. = Mãmercus
P. = Püblius
Q = Quintus
s. = Sextus
SER. = Seruius
SP. = Spurius
T. = Titus
T I. = Tiberius
ABREVIATURAS ROMANAS 4.l l

Outras abreviaturas

A.D. = ante diem


A.V. C. = ab urbe conditã
= annõ urbis conditae
AED. = aedílis
cos. = cõnsul
coss. = cõnsulés
D. = díuus
DD. = dedérunt
D.D. = donõ dedit
D.D.D. = dat, dícctt, dedicat
D.E.R.I.C. = dé eã ré ita cénsuérunt
DES. = désignãtus
D.M.S. = Dís Mãnibus sacrum
D.S.P. = dé suã pecüniã
EQ ROM. = eques Rõmãnus
F. = fílius
F.C. = faciundum cürãuit
F.F.F. = félix, faustum, fortunãtum
H.C.E. = híc conditus est
HS. = séstertius
H.S.E. = hic situs est
ID. = ldüs
IMP. = imperãtor
I.N. = intercessit némõ
KAL. = Kalendae
L. = libra
LEG. = legãtus
LL. = dupondium
432 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

N ON. = Nõnae
OB. = obiit
O.M. = optimus mãximus
P.C. = patrés cõnscripti
= põnendum curãuit
P.M. = pontifex mãximus
P.R. = populus Rõmãnus
PL. = plébis
PROC. = prõcõnsul
Q = quaestor
QB.F.F.QS. = quod bonum félix faustumque sit
QVIR. = Qµ.irités
s. = senãtus
= seruus
S.D. = sãlütem dicit
S.P.QR. = senãtus populusque Rõmãnus
s.c. = senãtüs cõnsultum
S.D.P. = sãlütem dicit plürimam
T R. = tribünus
V. = uíxit

Note-se ainda estes «comboios» de abreviaturas epistolares:

S.V.G.V. = si ualés, gaudeõ. ualeõ.


S.V.B.E.E.V. = si ualés, bene est, ego ualeõ.
S.T.E.QV.B.E.E.QV. = si tü exercitusque ualétis bene est, ego quõque
ualeõ.
Vocabulário essencial da língua latina

No vocabulário que se segue - cuja memorização se reco­


menda vivamente a todas e a todos os que queiram aprender
latim -, só são enunciados por extenso os verbos irregulares. No
caso de um verbo regular, indica-se somente a l .ª pessoa do singu­
lar do presente do indicativo ativo, referindo-se a conjugação a que
pertence: e.g. amõ ( La) .

A
ã, ab, abs + ablativo por, de (ver p. 286)
abeõ, abire, abii (ou abiu� abitum) partir, ir-se embora
abripiõ, abripere, abripui, abreptum tirar
absum, abesse, ãfui estar ausente
accêdõ, accêdere, access� accessum aproximar-se
accidit + ut + conjuntivo sucede que
accipiõ, accipere, accêpi, acceptum receber, escutar
accüsõ ( 1 .ª) acusar
ãcer, ãcris, ãcre penetrante, áspero, acre
(ver p. 233)
acerbus, acerba, acerbum amargo
aciês, aciêi (f) linha de combate, exército
ad + ac. para (ver p. 282)
adeõ (advérbio) de tal forma
adeõ, adíre, adii (ou adiui, aditum) ir para
434 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

adimõ, adimere, adem� ademptum tirar, suprimir


adipiscor, adipisc� adeptus sum obter, alcançar
adiuuõ, adiuuãre, adiüu� adiütum ajudar
admittõ, admittere, admisi, admissum conceder
adsum, adesse, adfui estar presente
adueniõ, aduenire, aduen� aduentum chegar
aduentus, aduentüs (m) chegada
aduersãrius, aduersãrií (m) oponente, adversário
aedes, aedis (f) templo, casa
aedificõ ( 1 .ª) construir
aeger, aegra, aegrum doente
aequor, aequoris (n) superfície plana, mar
ãer, ãeris (m) ar
aes, aeris (n) bronze (ver p. 56, n. 13)
aestãs, aestãtis ( f) verão
aetãs, aetãtis (f) idade
aeuum, aeui (n) idade, período de tempo
ager, agri (m) campo
agmen, agminis (n) esquadrão, marcha
agnus, agni (m) cordeiro
agõ, agere, egi, ãctum conduzir, fazer, agir
agrícola, agricolae (m) agricultor
ãiõ dizer (ver p. 207)
ãla, ãlae (f) asa
albus, alba, album branco
ãles, ãlitis (m, f) ave
aliqu� aliquae, aliquod alguns
aliquis, aliquis, aliquid algu ém, algo
amãbilis, amãbile amável
amãtor, amãtõris (m) amante
ambõ, ambae, ambõ ambos, ambas
ambulõ ( La) andar
ãmens (gen. ãmentis) louco
VO CABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 435

amica, amicae (f) amiga


amicus, amici (m) amigo
ãmittõ, ãmittere, ãmis� ãmissum deixar partir, perder
amnis, amnis (m, f) rio, curso de água
amõ ( 1 .ª) amar
amoenus, amoena, amoenum agradável
amor, amõris (m) amor
amplector, amplecti, amplexus sum abraçar
ancilla, ancillae (f) escrava
anguis, anguis (m) serpente
anima, animae (f) alma
animus, animi (m) espírito, caráter
annus, anni (m) ano
ante + acusativo antes, diante de (ver p. 283)
anteã anteriormente
antequam antes
antrum, antri (n) gruta
ãnxius, ãnxia, ãnxium ansioso
aperiõ, aperire, aperu� apertum abrir
appropinquõ ( 1 .ª) + dativo aproximar-se
apricus, aprica, apricum soalheiro
apud + acusativo com, junto de, em casa de
aqua, aquae (f) água
aqui/a, aquilae (f) águia
aquilõ, aquilõnis (m) vento do norte
ãra, ãrae (f) altar
arbitro,; arbitrãri, arbitrãtus sum pensar, observar
arcessõ, arcessere, arcessiu� arcessitum convocar
ardeõ, ardere, arsi arder
argentum, argenti (n) prata, dinheiro
arma, armõrum (n) armas
armentum, armenti (n) rebanho
ars, artis (f) arte
436 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

artus, artüs (m) membro, articulação


aruum, aruí (n) terra lavrada
arx, areis (f) cidadela
ascendõ, ascendere, ascend� ascénsum subir
astrum, astri (n) estrela, astro
ãter, ãtra, ãtrum escuro, negro
Athénae, Athénãrum (f) Atenas
auctor, auctõris (m, f) fazedor, autor, inventor
auctõritãs, auctõritãtis (f) autoridade
audeõ, audére, ausus sum ousar
audiõ (4.•) ouvir, escutar
augeõ, augére, auxi, auctum aumentar
auris, auris (f) orelha, ouvido
aurõra, aurõrae (f) aurora
auster, austri (m) vento do sul
autem mas, porém, além do mais
auxilium, auxilii (n) ajuda
axis, axis (m) eixo, carro, céu

B
bellum, belli (n) guerra
bellus, bella, bellum belo
bene bem
béstia, béstiae (f) besta, fera
bibõ, bibere, bibi, bibitum beber
blandus, blanda, blandum meigo, sedutor
bonus, hona, bonum bom (ver p. 232)
boreas, boreae (m) vento do norte
bõs, bouis (m, f) boi
brãchium, brãchii (n) braço
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 437

e
cadõ, cadere, cecidi, cãsum cair
caedõ, caedere, cecid� caesum matar
caeruleus, caerulea, caeruleum azul, escuro
Caesar, Caesaris César
calidus, calida, calidum quente
callidus, callida, callidum hábil, experiente
campus, campi (m) planície
candidus, candida, candidum branco
canis, canis (m, f) cão
canõ, canere, cecin� cantum cantar
cãnus, cãna, cãnum branco, de cabelos brancos
capiõ, capere, cépí, captum tomar
captíuus, captíuí (m) prisioneiro, cativo
caput, capitis (n) cabeça, vida
careõ (2.ª) + ablativo carecer de
carína, carínae (f) quilha, nau
carmen, carminis (n) canto, poema
carpõ, carpere, carpsí, carptum colher
caueõ, cauére, cãu� cautum evitar, acautelar-se
causa, causae (f) causa
cédõ, cédere, cess� cessum ceder
celer, celeris, celere célere
célõ ( 1 .ª) esconder
cena, cénae (f) ceia, jantar
cénseõ, cénsére, cénsuí, cénsum julgar, votar
certé certamente
certiõrem faciõ informar
ceruix, ceruícis (f) pescoço
ceruus, cerui (m) veado
cessõ ( l.ª) tardar
cieõ, ciére, ciu� citum pôr em movimento (cf. KIVÉW)
cingõ, cingere, cinx� cinctum cingir
438 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

citõ depressa
citus, cita, citum rápido
ciuis, ciuis (m) cidadão
ciuitãs, ciuitãtis (f) condição de cidadão, conjunto
de cidadãos
clãdés, clãdis (f) ruína, destruição
clam secretamente
clãrus, clãra, clãrum claro, luminoso, ilustre
claudõ, claudere, claus� clausum fechar
cliuus, cliui (m) encosta, declive
coepi, coepisse, coeptum começar
cognõscõ, cognõscere, cognõu� cognitum conhecer
cõgõ, cõgere, coé� coãctum conduzir em conjunto, coagir
collis, collis (m) monte
colõ, colere, colui, cultum cultivar, venerar, habitar
color, colõris (m) cor
coma, comae (f) cabelo, madeixa
comes, comitis (m) companheiro
communiõ ( 4.ª) fortificar
concidõ, concidere, concidi tombar, ser morto
condõ, condere, condidi, conditum reunir, fundar
cõnficiõ, cõnficere, conféci, cõnfectum completar
cõnfidõ, cõnfidere, cõnfisus sum + dativo confiar
cõnfiteor, cõnfitéri, cõnfessus sum confessar, revelar
congregõ ( 1 . )3 reunir
cõnor, cõnãr� cõnãtus sum tentar
cõnscendõ, cõnscendere, cõnscendi,
cõnscénsum subir para, embarcar, montar
cõnseruõ ( l .ª) preservar, manter
cõnsilium, cõnsilii (n) conselho
cõnsistõ, cõnsistere, cõnstin cõnstitum estabelecer, parar
cõnspiciõ, cõnspicere, cõnspex�
cõnspectum avistar
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA

cõnstituõ, cõnstituere, cõnstitui,


cõnstitütum estabelecer, organizar, decidir
cõnsuétus, cõnsuéta, cõnsuétum habitual
cõnsul, cõnsulis (m) cônsul
cõnsulõ, cõnsulere, cõnsului,
cõnsultum + dativo consultar
contemnõ, contemnere, contempsi,
contemptum desprezar
contentus, contenta, contentum contente
cõntiõ, cõntiõnis (f) discurso, reunião
coquus, coqui (m) cozinheiro
cópia, cõpiae (f) abundância
cor, cordis (n) coração
cõram + ablativo diante de
cornü, cornüs (n) corno
cottidié quotidianamente
crãs amanhã
crédõ, crédere, crédid� créditum + dativo confiar, crer
créscõ, créscere, créu� crétum crescer
crinis, crinis (m) cabelos
cruor, cruõris (m) sangue
crüs, crüris (n) perna
cubile, cubilis (n) cama
cubõ, cubãre, cubu� cubitum deitar, dormir
culpõ ( La) culpar
cum (conjunção) quando, porque, embora
cum + ablativo com
cünctor, cünctãri, cünctãtus sum atrasar
cupiõ, cupere, cupiu� cupitum desejar
cüria, cüriae (f) cúria, senado
cürõ ( 1 .ª) cuidar
cu"õ, currere, cucurr� cursum correr
cu"us, cu"üs (m) carro
440 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. VARIA.

cuspis, cuspidis (f) lança, espeto


custõs, custõdis (m) guarda

D
damnõ ( 1 .ª) condenar
de + ablativo de, acerca de
debellõ ( 1. a) subjugar, conquistar
debeõ (i.a) dever
decerpõ, decerpere, decerps�
decerptum colher
dedücõ, dedücere, dedüx� deductum fazer descer, estender, fiar
decus, decoris (n) honra, beleza, glória
difendõ, defendere, defend� defensum defender
difessus, defessa, defessum exausto
delectõ ( i .a) deleitar
deleõ, delere, deleu� deletum destruir
descendõ, descendere, descend�
descensum descer
desiliõ, desilíre, desilu� desultum saltar de
deterreõ ( 2. ª) afastar, desencorajar
deus, dei (m) deus
dexter, dext(e)ra, dextrum direito
dícõ, dícere, dixi, dictum dizer
dictãtor, dictãtõris (m) ditador
dictum, dictí (n) palavra, dizer
dies, diei (m) dia
dignitãs, dignitãtis (f) dignidade
dignus, digna, dignum digno
diligens diligente, cuidadoso
díligõ, diligere, dilex� dílectum estimar
dimittõ, dimittere, dimis� dimissum mandar embora
discedõ, discedere, discess� discessum partir
discõ, discere, didici aprender
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 44 1

disertus, diserta, disertum eloquente


discipulus, discipuli (m) discípulo
distõ, distãre distar, estar distante
diü durante muito tempo
diuitiae, diuitiãrum (f) riquezas
dõ, dare, ded� datum dar
doceõ, docêre, doeu� doctum ensinar
doleõ (2.ª) sentir dor, afligir-se
dolor, dolõris (m) dor
dolus, doli (m) dolo, engano
domõ, domãre, domui, domitum domar
domus, domi (também domüs) (f) casa
dõnõ ( 1 .ª) oferecer
dõnum, dõni (n) oferta, presente
dormiõ ( 4.ª) dormir
dubitõ ( l.ª) duvidar
dubius, dubia, dubium duvidoso, dúbio
dücõ, dücere, düx� ductum conduzir
dulcis, dulce doce, agradável
dum enquanto, até, desde que
dux, ducis (m) líder

E
ê, ex de, de dentro de
edõ, edere, êd� êsum comer
êdõ, êdere, êdidi, êditum fazer sair
ejfugiõ, ejfugere, effügi fugir de, escapar a
ego eu
êgredior, êgred� êgressus sum sair, partir
êiciõ, êicere, êiêc� êiectum lançar fora
êloquêns (gen. êloquentis) eloquente
emõ, emere, êrn� êmptum comprar
ênsis, ênsis (m) espada
442 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

eõ (advérbio) para lá (como ablativo de is,


«por isso» )
eõ, ire, i� itum ir (ver p. 197)
epistula, epistulae (f) carta
equitãtus, equitãtüs (m) cavalaria
equus, equi (m) cavalo
errõ ( l .ª) errar, vaguear
erumpõ, erumpere, erüp� eruptum irromper
erus, eri (m) (também herus) amo, dono de escravo(s)
esuriõ ( 4.ª) ter fome
et e, também
etiam também
etsi embora, ainda que
euãdõ, euãdere, euãs� euãsum evadir-se
euertõ, euertere, euert� euersum revirar, revolver
eurus, euri (m) vento de leste
excedõ, excedere, excess� excessum sair
excipiõ, excipere, excep� exceptum subtrair a, receber, suster
exeõ, exire, exi� exitum sair
exercitus, exercitüs (m) exército
exitium, exitii (n) ruína, destruição
expellõ, expellere, expuli, expulsum expulsar
experior, experir� expertus sum tentar
expers (gen. expertis) + genitivo que não tem parte em, isento de
explõrãtor, explõrãtõris (m) espião, batedor, observador
exsiliõ, exsilire, exsilui, exsultum saltar para fora
exspectõ ( La) aguardar
extrã + acusativo fora

F
facies,faciei (f) forma, rosto, figura
facilis, facile fácil
facinus,facinoris (n) crime, ato
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 443

faciõ, facere, féc� factum fazer


factum,facti (n) feito
fãcundus, fãcunda, fãcundum eloquente
fallõ, fallere, fefelli, falsum enganar
fãs (n; indeclinável) vontade divina, obrigação
fa teor, fatér� fassum sum confessar, reconhecer
fãtum,fãti (n) destino, fado, morte
faueõ, fauére, fãui, fautum + dativo favorecer
fax,facis (f) tocha, facho
félés,félis (f) gata
fémina,féminae (f) mulher
feré quase, de um modo geral
feriõ, ferire, ferii, feritum ferir
ferõ, ferre, tul� lãtum levar, suportar (ver p. 195)
ferrum,ferri (n) ferro, espada
ferus, fera, ferum selvagem, cruel
fessus, fessa, fessum cansado
festinõ ( 1 .ª) apressar-se
fidélis, fidéle fiel
fides, fidéi (f) fé, crença, garantia
figüra,figürae (f) forma, figura
filia,filiae (f) filha
filius,filii (m) filho
fi ngõ, fi ngere, finx� fictum formar, modelar, plasmar
finis,finis (m, f) fim
fi õ, fier� factus sum tornar-se, acontecer
flãuus, flãua, flãuum amarelo, dourado
jleõ, flére, jléu� flétum chorar
jlõs,jlõris (m) flor
jlümen,flüminis (n) rio
jluõ, fluere, flux� fluxum ( ou fluctum) fluir
focus,foci (m) lareira
fodiá, fodere, fõd� fossum cavar, furar, esporear
444 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

foedõ ( 1 .•) manchar, desfigurar


foedus,foederis (n) tratado
fõns,fontis (m) fonte
for, fãr� fãtus sum dizer
forés,forium (f) portas
fõrma,fõrmae (f) forma, beleza
fors,fortis (f) sorte, acaso
forsitan talvez
forte fortuitamente
fortis, forte forte
forum,fori (n) fórum
foueõ, fouére, fõui, fõtum acalentar
frangõ, frangere, frégi, frãctum quebrar
frãter,frãtris (m) irmão
fremõ, fremere, fremu� fremitum bramir, ressoar
frequenter frequentemente
fretum,freti (n) estreito, braço de mar
frigus,frigoris (n) frio
frõns,frondis (f) folhagem
frõns,frontis (f) fronte, rosto
früctus,früctüs (m) fruto
frümentum,frümenti (n) cereal
fruor,frui,früctus sum + ablativo fruir
fugiõ, fugere, fügi fugir
fulgeõ, fulgére, fulsi brilhar
fümus,fümi (m) fumo
fundus,fundi (m) quinta, fazenda
fungor,fungi,fünctus sum + ablativo desempenhar
fünus,füneris (n) funeral
für,füris (m) ladrão
furõ, furere estar louco
furor,furõris (m) furor, fúria
furtim secretamente
VOCABULÁRI O ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 445

G
gaudeõ, gaudére, gãuísus sum alegrar-se
gemõ, gemere, gemu� gemitum gemer
gemma, gemmae (f) joia
gena, genae (f) face, bochecha
genetríx, genetrícis (f) mãe
genitor, genitõris (m) pai
gens, gentis (f) gente
genu, genüs (n) IS joelho
genus, generis (n) nascimento, raça
gerõ, gerere, gessí, gestum executar, realizar
gladius, gladií (m) espada
gradior, grad� gressus sum andar
Graecia, Graeciae (f) Grécia
grãmen, grãminis (n) erva, pasto
grammatica, grammaticae (f) gramática
grãtia, grãtiae (f) gratidão, favor
grauis, graue pesado
grex, gregis (m) rebanho
gubernãculum, gubernãculí (n) leme, timão, governo
guttur, gutturis (n) garganta

H
habeõ (2.ª) ter
habitõ ( l .ª) habitar
haereõ, haerére, haes� haesum estar fixo, aderir a
haréna, harénae (f) areia, arena
hasta, hastae (f) lança
haud não
herba, herbae (f) erva

,s Embora os dicionários nos deem a forma de nominativo genu, seria mais lógica a forma
genü (Vergílio, Eneida, 1.320; Ovídio, Metamorfoses 4.340, 9.299, 10.536, 12.347). Ver p. 123;
e também Kühner & Holzweissig, p. 391 .
446 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

hêri ontem
hiems, hiemis (f) inverno, mau tempo
hinc daqui
Hispãnia, Hispãniae (f) Hispânia
hodiê hoje
homõ, hominis (m) ser humano, homem
honor, honõris (m) honra
hõra, hõrae (f) hora
hortor ( l .ª) exortar, encorajar
hortus, horti (m) jardim
hospes, hospitis (m, f) hóspede, anfitrião, viajante
hostis, hostis (m) inimigo
hüc para cá
humus, humí (f) solo, terra

I
iaciõ, iacere, iêc� iactum lançar
iam já, agora
iãnua, iãnuae (f) porta
ibi aí
idcircõ por isso
igitur por conseguinte
ignãrus, ignãra, ignãrum + genitivo ignorante de
ignãuus, ignãua, ignãuum cobarde, preguiçoso
ignis, ignis (m) fogo
ignõscõ, ignõscere, ignõu� ignõtum
+ dativo perdoar
ille, illa, illud aquele, aquela, aquilo
illíc acolá
illinc de lá
illüc para lá
imãgõ, imãginis (f) imagem, representação
imber, imbris (m) chuva, aguaceiro forte
VO CABULÁRI O ESSENCIAL DA LfNGUA LATINA 447

immineõ, imminêre + dativo ameaçar


immitis, immite áspero, rude, feroz
immõ pelo contrário, ainda para mais
impediõ ( 4.ª) impedir
impendeõ, impendêre, -, impênsum estar suspenso sobre
imperãtor, imperãtõris (m) general
imperõ ( 1.ª) + dativo ordenar
impetus, impetüs (m) ataque
in + ablativo em (ver p. 282)
in + acusativo para (ver p. 282)
inãnis, inãne vazio, fútil
incendõ, incendere, incend� incênsum queimar, incendiar
inceptum, incepti (n) iniciativa, empresa, começo
incipiõ, incipere, incêpi, inceptum começar
indignus, indigna, indignum indigno
induõ, induere, indui, indütum vestir, cobrir, pôr
ineõ, inire, ini� initum entrar
inermis, inerme desarmado
infestus, infesta, infestum hostil
ingêns (gen. ingentis) enorme
ingredior, ingredi, ingressus sum entrar, ingressar
inquam dizer (ver p. 207)
insãniõ ( 4.ª) estar louco
insidiae, insidiãrum (f) emboscada
insula, insulae (f) ilha, quarteirão de casas
intellegõ, intellegere, intellêx� intellêctum compreender
interest interessa, é relevante
interficiõ, interficere, inte,fêc� inte,fectum matar
interim entretanto
inuidia, inuidiae (f) inveja
inuitus, inuita, inuitum constrangido
inuius, inuia, inuium intransitável
ipse, ipsa, ipsum o próprio
448 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. VAJtIA.

írãtus, irãta, irãtum irado, encolerizado


is, ea, id esta, esta, isto
ita assim
itaque e assim
iter, itineris (n) viagem
iubeõ, iubére, iussi, iussum ordenar
iücundus, iücunda, iücundum agradável
iüdex, iüdicis (m) juiz
iugum, iugi (n) jugo
iungõ, iungere, iünx� iunctum juntar
iürõ ( l .ª) jurar
iüs, iüris (n) direito
iüstus, iüsta, iüstum justo
iuuenis, iuuenis (m) mancebo
iuuõ, iuuãre, iüui, iütum ajudar
iuxtã + acusativo perto, junto de

L
labor, labõris (m) esforço, trabalho
lãbor, lãb� lãpsus sum escorregar
labõrõ ( I. •) trabalhar, esforçar-se
lacertus, lacerti (m) braço (também lacertum [n] )
lacus, lacüs (m) lago
laedõ, laedere, laesi, laesum magoar
laetus, laeta, laetum alegre
laniõ ( 1 .ª) rasgar
lapis, lapidis (m) pedra
lãr, laris (m) lar, lareira, deuses domésticos
latrõ, latrõnis (m) mercenário, ladrão
lãtus, lãta, lãtum amplo, lato
laudõ ( I .•) louvar
lauõ, lauãre (ou lauere), lãu�
lõtum (ou lautum) lavar
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 449

lautus, lauta, lautum elegante, sumptuoso


legãtus, legãtí (m) delegado, embaixador
legõ, legere, legi, lectum colher, ler
lentus, lenta, lentum lento
leõ, leõnis (m) leão
lep idus, lepida, lep idum gracioso, encantador
letum, leti (n) morte
leuis, leue leve
lex, legis (f) lei
libenter de bom grado
liber, libera, liberum livre
liber, libri (m) livro
liber� liberõrum filhos
liberõ ( 1.ª) libertar
libertãs, libertãtis (f) liberdade
libertus, libertí (m) ex-escravo
licet é lícito, ainda que
lignum, ligni (n) madeira
limen, liminis (n) limiar, soleira
limes, limitis (m) limite, raia, fronteira
língua, linguae (f) língua
liquidus, liquida, liquidum claro, transparente, puro
lis, litis (f) caso jurídico
litterae, litterãrum (f) letras, carta, literatura
lttus, litoris (n) praia, costa
locus, loci (m) lugar
loquor, loqu� locütus sum falar
lüceõ, lücere, lüxi brilhar
luctus, luctüs (m) dor, mágoa, luto
lücus, lüci (m) bosque
lüdõ, lüdere, lüs� lüsum brincar, enganar
lügeõ, lügere, lüx� lüctum chorar (alguém), estar de luto
lümen, lüminis (n) luz
450 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

Lüsitãnia, Lüsitãniae (f) Lusitânia


lüna, lünae (f) lua
lup us, lupi (m) lobo
lüx, lücis (f) luz

M
maestus, maesta, maestum triste
magis mais
magnopere muito, imensamente
magnus, magna, magnum grande
mãiestãs, mãiestãtis (f) majestade, grandeza
malus, mala, malum mau
maneõ, manére, mãnsi, mãnsum permanecer, aguardar
mãnés, mãnium almas dos mortos, infernos
mare, maris (n) mar
maritus, mariti (m) marido
marmor, marmoris (n) mármore, mar (em poesia)
mãter, mãtris (f) mãe
maximus, maxima, maximum enorme, máximo
melior, melius melhor
memin� meminisse lembrar
memoria, memoriae (f) memória
mendãx (gen. mendãcis) mentiroso
méns, mentis (f) mente
ménsa, ménsae (f) mesa
mereor, merér� meritus sum merecer
meridié ao meio-dia
merus, mera, merum puro, sem mistura
metuõ, metuere, metui, metütum recear
meus, mea, meum meu
miles, militis (m) soldado
minimum (advérbio) muito pouco
minimus, minima, minimum pouquíssimo
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 45 1

minor, minãr� minãtus sum ameaçar


miser, misera, miserum infeliz, desgraçado
miseret mé ver p. 355
mítis, míte brando
mittõ, mittere, mís� missum enviar
modus, modí (m) modo, maneira
moenia, moenium (n) muralhas
mõlés, mõlis (f) massa, volume
molestus, molesta, molestum aborrecido
mollis, molle delicado, macio
mõmen tum, mõmentí (n) importância
moneõ (2.ª) aconselhar
mõns, montis (m) monte
monstrõ ( 1 .•) mostrar
morbus, morbí (m) doença
mordeõ, mordére, momordí, morsum morder
morior, mo� mortuus sum morrer
moror, morãrí, morãtus sum demorar-se
mors, mortis (f) morte
mõs, rnõris (f) costume
moueõ, mouére, mõu� mõtum mover
mox brevemente
mulier, mulieris (f) mulher
multõ muito
multurn muito
münus, müneris (n) presente
mürus, mürí (m) muro
müs, rnüris (m) rato

N
nam pois
nancís cor, nancísc� nãnctus sum obter
nãrrõ ( l.ª) narrar
452 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

nãscor, nãsc� nãtus sum nascer


nãtüra, nãtürae (f) natureza
nãuigõ ( L•) navegar
nãuis, nãuis (f) nau
nauta, nautae (m) marinheiro
-ne? (partícula interrogativa)
ne (conjunção) que não
ne quidem nem sequer
nec nem
necõ ( i .a) matar
nefãs (n; indeclinável) proibido pela lei divina
n eglegõ, n eglegere, n eglexí, neglectum negligenciar
n egõ ( i .a) negar, dizer que não
nemõ, nüllíus ninguém (ver p. 237)
nemus, nemoris (n) bosque
neque iam já não
nesciõ ( 4.•) desconhecer
nesciõ quõ modõ de alguma maneira
neu nem
neue nem
nihil nada
nihilum, nihilí (n) nada
nimis demasiadamente
ningit, ningere, nínxit nevar
nisi a não ser, se não
nítor, nítí, níxus sum apoiar-se, esforçar-se
nix, niuis (f) neve
nõlõ, nõlle, nõluí não querer
nõmen, nõminis (n) nome
nõn não
nõn iam já não
nõn modõ... sed etiam não só... mas também
nõndum ainda não
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 45J

nõnüll� nõnnüllõrum alguns (algumas pessoas)


nonne... ? não é verdade que ... ?
(pressupõe resposta positiva)
nós nós
nõscõ, nõscere, nõui, nõtum conhecer
nostr� nostrõrum (m) os nossos <soldados>
notus, noti (m) vento do sul
nox, noctis (f) noite
nübés, nübis (f) nuvem
nübõ, nübere, nüps� nüptum desposar um marido
nüllus, nülla, nüllum nenhum
num ... ? acaso ... ?
(pressupõe resposta negativa)
nümen, nüminis (n) poder divino, divindade
numerus, numeri (m) parte, classe, número
numquam nunca
nunc agora
nüntiõ ( 1 .ª) anunciar
nüntius, nüntii (m) mensageiro
nuper recentemente

o
ob + acusativo devido a
obdürõ ( 1 .ª) aguentar, persistir
obliuiscor, obliuisc� oblitus sum
+ genitivo esquecer
obses, obsidis (m, f) refém
obsideõ, obsidére, obsédi, obsessum sitiar
obstõ, obstãre, obstin obstãtum
+ dativo impedir, dificultar
obstupéscõ, obstupéscere, obstupui ficar estupefacto
(também obstipesco)
occidõ, occidere, occidi, occãsum cair
454 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

occidõ, occidere, occid� occisum matar


oculus, oculi (m) olho
õdi, õdisse odiar
ofjendõ, ofjendere, offend� offensum ofender, desagradar
oleum, alei (n) azeite
olim outrora
Olisipõ, Olisipõnis Lisboa
oliua, oliuae (f) azeitona
omninõ completamente
omnis, omne todo
operiõ, operire, operui, opertum tapar, cobrir, fechar
oportet, oportére, oportuit é necessário (ver p. 356)
oppidum, oppidi (n) vila
oppugnõ ( i .a) atacar
optimus, optima, optimum o melhor
opus, operis (n) trabalho, obra
õrãtiõ, õrãtiõnis (f) discurso
õrãtor, õrãtõris (m) orador
orbis, orbis (m) círculo
orbus, orba, orbum privado de
ordior, ordiri, orsus sum começar
õrdõ, õrdinis (m) ordem
orior, orir� ortus sum levantar-se
õrõ ( l .2 ) orar, pedir
õs, õris (n) boca
os, assis (n) osso
õsculor, õsculãr� õsculãtus sum beijar
ostendõ, ostendere, ostend� ostentum apresentar
õtium, õtii (n) lazer
ouis, ouis (f) ovelha
õuum, õui (n) ovo
VOCABULÁlllO ESSENCIAL DA LfNGUA LATINA 455

p
paene quase
paenitet me pesa-me
palam publicamente
pandõ, pandere, pandi, pãnsum abrir, revelar
pa ngõ, pangere, pepigi (ou panxi),
pactum fIXar
pãnis, pãnis (m) pão
pãr (gen. paris) par, igual
parãtus, parãta, parãtum preparado
parcõ, parcere, peperci + dativo poupar
parens, parentis (m, f) progenitor(a)
pãreõ, pãrere, pãrui + dativo obedecer a
pariter em partes iguais
parõ ( 1 .ª) preparar
pars, partis (f) parte
pãstor, pãstõris (m) pastor
pater, patris (m) pai
patior, pati, passus sum sofrer
patria, patriae (f) pátria
pauc� paucae, pauca pouco
paulãtim paulatinamente
paulõ um pouco
pauper (gen. pauperis) pobre
pauidus, pauida, pauidum amedrontado
pãx, pãcis (f) paz
pecünia, pecüniae (f) dinheiro
pecus, pecoris (n) gado
pelagus, pelagi (m) mar
pellõ, pellere, pepul� pulsum impelir, ferir, expulsar
Penãtes, Penãtium Penates (deuses protetores)
pendeõ, pendere, pependí pendurar
penitus (advérbio) profundamente
456 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM, VARIA.

perdõ, perdere, perdid� perditum perder, destruir


pe,ferõ, perferre, pertulí, perlãtum trazer, levar até ao fim
perfundõ, perfundere, perfüd� perfüsum derramar sobre
perículum, perículí (n) perigo
perítus, períta, perítum perito, hábil
persuãdeõ, persuãdére, persuãs�
persuãsum + dativo persuadir
perueniõ, perueníre, peruén� peruentum chegar
pés, pedis (m) pé
petõ, petere, petíuí, petítum procurar, buscar, pedir
pietãs, pietãtis (f) sentido de dever, piedade
piget estar pesaroso, enfadado
pílum, pílí (n) dardo
pingõ, pingere, pinxí, pictum pintar
pínus, píní (f; ou pínüs) pinheiro
piseis, piseis (m) peixe
placeõ (2.•) + dativo agradar
plangõ, plangere, planx� planctum bater
plaudõ, plaudere, plaus� plausum aplaudir
plebs, plébis (f) povo, plebe
plürimí, plürimae, plürima muitos
plüs, plüris (n) mais
põculum, põculí (n) taça
poena, poenae (f) castigo
poéta, poétae (m) poeta
polliceor, pollicérí, pollitus sum prometer
pondus, ponderis (n) peso
põnõ, põnere, posuí, positum pôr
põns, pontis (m) ponte
pontus, pontí (m) mar
populus, populí (m) povo
porrigõ, porrigere, porréxí, porrectum estender
porta, portae (f) porta
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LfNGUA LATINA 457

portus, portüs (m) porto


poscõ, poscere, poposci pedir, solicitar
possum, posse, potui poder (ver p. 195)
post + acusativo depois (ver p. 285)
posteã em seguida, depois
postquam depois
postridie no dia seguinte
postulõ ( l .ª) pedir, solicitar
poténs (gen. potentis) poderoso
potior, potir� potitus sum adquirir
potius antes, de preferência
praeda, praedae (f) presa, despojos
praedicõ, praedicere, praedix�
praedictum declarar
praesidium, praesidii (n) proteção, guarnição militar
praeter + acusativo à exceção de
praeterea além disso
prãtum, prãti (n) prado
precor, precãri, precãtus sum pedir, suplicar
pretiõsus, pretiõsa, pretiõsum valioso
pretium, pretii (n) preço, valor
primá lüce de madrugada
primus, prima, primum primeiro
princeps, principis (m) primeiro, líder
priscus, prisca, priscum antigo
priusquam antes
prõ + ablativo por, em defesa de, diante de
(ver p. 287)
probitãs, probitãtis (f) honestidade
probõ ( i .a) aprovar
prõcãx (gen. procãcis) atrevido, inoportuno
prõcédõ, prõcédere, prõcessi, prõcessum avançar, progredir
procul longe
458 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

prõdeõ, prõdire, prõdii, prõditum avançar


prõdõ, prõdere, prõdid� prõditum trair
proelium, proelii (n) combate
prõficiõ, prõficere, prõfec� prõfectum progredir
proficiscor, proficisc� profectus sum partir, pôr-se a caminho
prõgredior, prõgredi, prõgressus sum avançar
prohibeõ ( 2. ª) impedir
prõles, prõlis (f) descendência, filhos
prõmittõ, prõmittere, prõmisi,
prõmissum prometer, enviar
prope + acusativo perto
properõ ( 1 .ª) apressar-se
propior, propius (gen. propiõris) mais perto
prõtinus imediatamente
proximus, proxima, proximum pertíssimo
pudet me envergonho-me de
pudicus, pudica, pudicum pudico, casto
puella, puellae (f) menina
puer, pueri (m) menino
pugnõ ( 1 .ª) lutar
pulcher, pulchra, pulchrum belo
püniõ (4.ª) punir
puppis, puppis (f) popa
putõ ( i.a ) pensar

Q
quaerõ, quaerere, quaesiui, quaesitum procurar
quãlis, quãlis, quãle qual
quam do que ( 2.0 termo de comparação)
quamquam embora, ainda que
quamuis embora, ainda que
quantum tanto quanto
quantus, quanta, quantum quanto
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 459

quãré? por que razão?


quasi como
-que e
queror, queri, questus sum queixar-se
questus, questüs (m) queixa
qu� quae, quod que (pronome relativo)
quia porque
quidam, quaedam, quoddam um certo
quidem certamente
quiéscõ, quiéscere, quiéu� quiétum descansar
quin ver p. 35 1
quis, quid? quem?, o quê?
quisquam, quaequam, quicquam algum que
quõ aonde, para que
quõminus ver p. 352
quod porque
quot quantos

R
rãmus, rãmi (m) ramo
rapiõ, rapere, rapui, raptum arrebatar, agarrar
ratiõ, ratiõnis (f) razão
ratis, ratis (f) remo, barco
recitõ ( l .ª) recitar
reddo, reddere, reddidi, redditum restituir
redeõ, redire, redi� reditum regressar
reficiõ, reficere, reféci, refectum refazer, restaurar
régina, réginae (f) rainha
regõ, regere, réx� réctum reger
relinquõ, relinquere, reliqu� relictum deixar
reliquus, reliqua, reliquum restante
rémigium, rémigii (n) ordem de remos, navegação
a remos
460 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

remittõ, remittere, remisi, remissum mandar para trás


reor, rer� ratus sum pensar
repetõ, repetere, repetiu� repetitum reclamar, tornar para
res, rei (f) coisa, assunto, o estado
res püblica, rei püblicae (f) o estado, repúbüca
resistõ, resistere, restiti + dativo resistir
respiciõ, respicere, respex� respectum olhar para trás, considerar
respirá ( l .•) respirar de novo
respondeõ, respondere, respond�
respõnsum responder
restituõ, restituere, restitui, restitütum repor, restabelecer
retineõ, retinere, retinui, retentum reter
reueniõ, reuenire, reueni, reuentum regressar
reuocõ ( 1 .•) chamar de novo, revogar
rex, regis (m) rei
rideõ, ridere, risi, risum rir
ripa, ripae (f) margem
rõbur, rõboris (m) carvalho, força
rogõ ( L•) pedir
Rõma, Rõmae (f) Roma
Rõmãnus, Rõmãna, Rõmãnum romano
rõs, rõris (m) orvalho
rosa, rosae (f) rosa
rota, rotae (f) roda
rumpõ, rumpere, rüp� ruptum romper
ruõ, ruere, ru� rutum derrubar
rüpes, rüpis (f) rochedo
rüs, rüris (n) campo

s
sacerdõs, sacerdõtis (m) sacerdote
saepe frequentemente
saeuus, saeua, saeuum cruel, selvagem
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 46 1

sagitta, sagittae (f) flecha


sãl, salis (m) sal
saliõ, salire, saiu� saltum dançar
saltõ ( 1 .ª) dançar
salüs, salütis (f) saúde, segurança, saudação
salütõ ( l .ª) saudar
sãnê razoavelmente,
indubitavelmente
sãnus, sãna, sãnum saudável
sanguis, sanguinis (m) sangue
sapiêns (gen. sapientis) sábio
sapientia, sapientiae (f) sabedoria
satis suficientemente
saucius, saucia, saucium ferido
saxum, saxi (n) pedra
scelestus, scelesta, scelestum iníquo, criminoso
scelus, sceleris (n) crime
sciõ (4.ª) saber
scribõ, scribere, scripsi, scriptum escrever
scütum, scüti (n) escudo
sê pronome reflexo (ver p. 218)
secundus, secunda, secundum segundo; favorável
secõ, secãre, secu� sectum cortar
sed mas
sedeõ, sedêre, sêdi, sessum sentar
sêdês, sêdis (f) assento
sêdulus, sêdula, sêdulum ocupado, atento
seges, segetis (f) seara, colheita
sêmen, sêminis (n) semente
semper sempre
senãtor, senãtõris (m) senador
senãtus, senãtüs (m) senado
senectüs, senectütis (f) velhice
462 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

senex, senis (m) ancião


sententia, sententiae (f) opinião, sentença
sentiõ, sentire, sens� sensum sentir
sepeliõ, sepelíre, sepelíu� sepultum sepultar
sequor, sequ� secütus sum seguir
serius tarde de mais
sermõ, sermõnis (m) conversa
serpens, serpentis (f) serpente
seruiõ, seruíre, seruíu� seruítum ser escravo
seruõ ( l .ª) conservar, salvar
serus, sera, serum tarde
seruus, seruí (m) escravo
seu ou
sí se
SÍC assim
sícãrius, sícãrií (m) assassino
sícut assim como
sídus, síderis (n) estrela, constelação
silua, siluae (f) floresta
simul ao mesmo tempo
sine + ablativo sem
sinister, sinistra, sinistrum esquerdo
sinõ, sinere, síuí, situm permitir
sinus, sinüs (m) curva, enseada, peito
si tis, si tis (f) sede
síue ou
socius, socií (m) companheiro
sõl, sõlis (m) sol
soleõ, solere, solitus sum ter o hábito de
sõlum somente
sõlus, sõla, sõlum só
somnium, somnií (n) sonho
sonus, soní (m) som
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA

soror, sorõris (f) irmã


sors, sortis (f) sorte
spargõ, spargere, sparsi, sparsum espalhar, espargir
species, speciei (f) aparência, beleza
spelunca, speluncae (f) caverna
spernõ, spernere, spreu� spretum desprezar
sperõ ( 1 .•) ter esperança
spes, spei (f) esperança
spondeõ, spondere, spopondí, spõnsum comprometer-se, afiançar
statim imediatamente
statuõ, statuere, statui, statütum pôr de pé, estabelecer
sternõ, sternere, strãui, strãtum estender, espalhar
stõ, stãre, sten statum estar de pé
studeõ, studere, studui + dativo dedicar-se a, estudar
studium, studii (n) estudo, dedicação, empenho
stultus, stulta, stultum estúpido
subeõ, subire, subii, subitum aproximar-se, sofrer, sobrevir
sucurrõ, sucurrere, succurr�
succursum + dativo correr para ir ajudar
sum, esse, fui ser
sümõ, sümere, sümps� sümptum pegar, tomar
superõ ( 1 .•) superar, conquistar
surgõ, surgere, surrexi, surrectum erguer-se
suspicor, suspicãri, suspicãtus sum desconfiar, suspeitar

T
taberna, tabernae (f) cabana, loja
taceõ (2.•) estar calado
tacitus, tacita, tacitum tácito, não expresso
tãlis, tãle tal
tam tão
tamen porém, não obstante
tamquam tanto quanto
464 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

tandem enfim
tangõ, tangere, tetigi, tãctum tocar
tantus, tanta, tantum tanto
tardus, tarda, tardum vagaroso, indolente
taurus, tauri (m) touro
téctum, técti (n) cobertura, telhado, casa
tegõ, tegere, téxi, téctum cobrir
télum, téli (n) arma de arremesso
tellüs, tellüris (f) terra, solo
tempestãs, tempestãtis (f) tempestade, distúrbio
templum, templi (n) templo
temptõ ( l .ª) testar, apalpar, tentar
tempus, temporis (n) tempo
teneõ, tenére, tenui, tentum ter, segurar
tener, tenera, tenerum tenro, macio
tenuis, tenue fino, delicado
tepeõ (2.ª) sentir calor, sentir amor
tepidus, tepida, tepidum morno
ter três vezes
tergum, tergi (n) dorso
terra, terrae (f) terra
terreõ ( 2.ª) aterrorizar
testis, testis (m) testemunha
theatrum, theatri (n) teatro
timeõ, timére, timui temer
timor, timõris (m) medo
tollõ, tollere, sustul� sublãtum levantar
torqueõ, torquére, tors� tortum torturar
torus, tori (m) leito, cama
tot tantos
totiéns tantas vezes
tõtus, tõta, tõtum todo
trãdõ, tradere, trãdid� trãditum entregar
VOCABULÁRIO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA

trahõ, trahere, trãx� tractum arrastar


trãnseõ, trãnsíre, trãnsi� trãnsitum atravessar
tristis, triste triste
trucidá ( 1 .•) trucidar
tu tu
tum então
tumultus, tumultüs (m) tumulto
tunc então
turba, turbae (f) desordem, multidão
turris, turris (f) torre
tütus, tüta, tütum seguro
tuus, tua, tuum teu

V
uacca, uaccae (f) vaca
uãdõ, uãdere, uãs� uãsum avançar, marchar contra
uadum, uadi (n) vau, banco de areia
ualdé muito
ualeõ (2.•) ser forte, ser poderoso
uastõ ( 1 .•) devastar
uãtes, uãtis (m) adivinho, profeta
ubi onde
-ue ou
ueheméns (gen. uehementis) vigoroso
uéla, uélõrum (n) velas
uelõ ( 1 .•) cobrir, esconder
uélõx (gen. uélõcis) veloz
uelut tal como
uendõ, uendere, uendid� uenditum vender
ueniõ, uenire, uéni, uentum vir
uentus, uenti (m) vento
Venus, Veneris (f) Vénus
uér, uéris (n) primavera
466 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

uerbum, uerbi (n) palavra


uereor, uererí, ueritus sum recear
uertõ, uertere, uert� uersum virar
uerus, uera, uerum verdadeiro
uesper, uesperis (ou uesperí) tarde, estrela da tarde
uester, uestra, uestrum vosso
uestis, uestis (f) veste, roupa
uetõ, uetãre, uetu� uetitum proibir
uetus (gen. ueteris ) velho
uia, uiae (f) via, caminho, rua
uiãtor, uiãtõris (m) viandante
uícinus, uícina, uícínum vizinho
uictor, uictõris (m) vencedor
uictõria, uictõriae (f) vitória
uideõ, uidere, uíd� uísum ver
uidetur parece (bem)
uilla, uilla (f) casa com propriedade campestre
uinciõ, uincíre, uinx� uinctum ligar, atar
uincõ, uincere, uící, uictum conquistar
uínum, uíní (n) vinho
uir, uirí (m) homem
uirgõ, uirginis (f) virgem, donzela
uirtüs, uirtütis (f) virtude
uís (f) violência (ver p. 1 1 3)
uísõ, uísere, uís� uísum visitar, avistar
uítõ ( 1.•) evitar
uituperõ ( l. •) criticar, pôr defeitos
uíuõ, uíuere, uíx� uíctum viver
uix a custo
üllus, ülla, üllum algum
umbra, umbrae (f) sombra
unda, undae (f) onda
unde? donde?
VOCABULÁRJO ESSENCIAL DA LÍNGUA LATINA 467

undique de todos os lados


uolõ, uelle, uolui querer (ver p. 200)
uolucris, uolucris (f) ave
uoluõ, uoluere, uolu� uolütum rolar, desenrolar
uõtum, uõti (n) voto, promessa
uõx, uõcis (f) voz
urbãnus, urbãna, urbãnum polido, citadino
urbs, urbis (f) cidade
uterque, utraque, utrumque cada um dos dois
ut (uti) que
utinam oxalá
ütor, üti, üsus sum + ablativo usar
üuidus, üuida, üuidum húmido, molhado
uulnerõ ( l.ª) ferir
uulnus, uulneris (n) ferida
uultus, uultüs (m) rosto, expressão
uxor, uxõris (f) esposa
Antologia de textos

Um dos passos mais importantes na aprendizagem do latim é ganhar o


hábito de ler em latim. Para isso, é preciso perder o medo inicial e aceitar que
as primeiras tentativas serão frustrantes e lentas, com muitas idas ao dicio­
nário e muita revisão de gramática. É mesmo assim. Todos passámos por isso.
Para ajudar aqueles que se iniciam na aprendizagem do latim a perder
esse medo e a ganhar o tão desejável hábito de leitura, propõe-se aqui um
conjunto de textos curtos, acompanhados de um comentário de concisão
telegramática, cuja intenção é (digamos assim) quebrar o gelo e oferecer a
quem se aventura por este microcosmo da literatura latina a consciência de
que conseguir ler em latim é ter acesso a um mundo de ideias que, além
de constituir fortíssimo estímulo intelectual, é fonte inesgotável de prazer.

***

1 . «Epitáfio de Cláudia», CIL 6. 15346; século II a.C.

Elogio fúnebre de uma mulher romana, não só lembrada por ter sido
cultora das virtudes e dos lavores convencionais, mas também pela sua
maneira encantadora de falar.

Hospes, quod deicõ paullum est; astã ac pellege.


heic est sepulcrum hau pulcrum pulcrai feminae.
nõmen parentes nõminãrunt Claudiam.
suom mareitum corde deilexit souõ.
ANTOLOGIA DE TEXTOS 469

gnãtõs duõs creãuit, hõrunc alterum


in terrã linquit, alium sub terrã locat.
sermõne lepidõ, tum autem incessü commodõ.
dom um seruãuit, lãnam fécit. dixi. abei.

hospes, hospitis (m) : «hóspede», aqui «estrangeiro» ou «viandante»;


quod: ver qu� quae, quod (p. 226); deicõ = dicõ; pauUum, paulli (n) : «coisa
pouca», «coisa sem importância»; astã: imperativo de astõ, astãre, astiti,
«ficar de pé»; ac: «e»; pellege = perlege (perlegõ: «ler atentamente»);
heic = hic, «aqui»; sepulcrum = sepulchrum; hau = haud, «não»;
pulcrum = pulchrum (pulcher, pulchra, pulchrum, «belo»); pulcrai =
pulchrae; nõminãrunt = nõminãuerunt; suom = suum; mareitum = mari­
tum; deilexit = dilexit (diligõ, «estimar»); souõ = suõ; gnãtus, gnãti:
«filho»; hõrunc = hõrum; linquõ, linquere, liqui, «deixar»; locõ, locãre:
«pôr num determinado lugar»; sermõ, sermõnis (m) : conversa; lepidus:
«encantador»; tum autem: «também»; incessus, incessüs (m), «passo»,
«porte»; commodus: «agradável»; seruõ: «guardar», «preservar»;
lãna, lãnae (f) : «lã»; abei = abi (imperativo de abeõ, «ir embora»).

2. Plauto, Rudéns 1-7; século II a .C.

N o prólogo d a comédia Rudéns (« Corda» ) d e Plauto (talvez composta


em 2 1 1 a.C.), quem nos fala é nada menos do que uma estrela vinda do céu:
Arcturo.

Qui gentis omnis mariaque et terrãs mouet,


eius sum cíuis cíuitãte caelitum.
ita sum ut uidétis: splendéns stella candida,
signum quod semper tempore exoritur suõ
hic atque in caelõ. nõmen Arctürõ est mihi.
noctü sum in caelõ clãrus atque inter deõs,
inter mortalis ambulõ interdius.
470 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

qui: o referente implícito é «Júpiter»; gentis omnis: acusativo do plural


(ver p. 100); maria: acusativo do plural de mare ( «mar», ver p. 1 16;
a enclítica -que significa «e»); ciuis: no sentido de «concidadão»
(de Júpiter); caelités, caelitum: «habitantes do céu»; exorior: «nas­
cer» (de astros) .

3. Terêncio, Heauton Timoroumenos 75-77; século n a.C.

Uma das frases mais famosas da literatura latina é a que Terêncio coloca
na boca de Cremes, na comédia Heauton Timoroumenos (o título grego sig­
nifica « O homem que se castiga a si mesmo»).

MENEDÉMVS:
Chreme, tantumne ab ré tuãst õti tibi
aliena ut cürés ea quae nil ad té attinent?

CHREMÉS:
homõ sum; humãni nil ã mé aliénum putõ.

tantumne: atenção à partícula interrogativa -ne; tuãst = (ab rê) tuã est;
õti: genitivo de õtium, «lazer», «vagar»; aliéna: neutro do plural,
«assuntos alheios»; nil = nihil; attineõ, attinere, attinu� attentum: «dizer
respeito a»; putõ: «pensar».

4. Catulo, 15. 1-10; século I a.C.

As pessoas gostam de imaginar Catulo como romântico destroçado, sem


vida para lá da sua amada, Lésbia; mas se lermos todos os seus poemas, veri­
ficamos que, em paralelo com a namorada, a voz poética que se assume no
livro como «Catulo» também tem namorados, a quem dedica os mesmos
ANTOLOGIA DE TEXTOS 47 1

milhares de beijos (como aJuvêncio, no poema 48) e em relação aos quais


sente os mesmos ciúmes e os mesmos receios por causa daquele objeto
alheio, cujo nome, neste poema composto em versos falécios (ver p. 40 1),
é dito, desassombradamente, com todas as letras.

Commendõ tibi mé ac meõs amõrés,


Aurélí. ueniam petõ pudenter,
ut, sí quicquam animõ tuõ cupist�
quod castum expeterés et integellum,
cõnserués puerum mihí pudícé,
nõn dícõ ã populõ: nihil uerémur
istõs, quí in plateã modo hüc modo illüc
in ré praetereunt suã occupãtí:
uérum ã té metuõ tuõque péne
infestõ pueris bonís malísque.

commendõ: «confiar» + dativo; meõs amõrés: no sentido de «o meu


namorado»; Auréli: vocativo de Aurelius; uenia, ueniae (f) : «favor»;
pudenter: «discretamente»; ut: no seguimento de petõ, com verbo no
conjuntivo (conserues, de conseruõ, conseruãre, « guardar»); cupisti:
indicativo perfeito de cupiõ, cupere, cupi� cupítum, «desejar»; expeterés:
conjuntivo imperfeito de expetõ, expetere, expetií, expetítum, aqui «dese­
jar» (o verbo está no conjuntivo por se tratar de uma oração relativa de
caraterização [ver p. 342), que carateriza e define quicquam); puerum:
no sentido de «namorado» (note-se mihí, quando no primeiro verso
lemos tibi [ver p. 216) ); integellus: «incólume» (adjetivo formado a
partir de integer + o sufixo -lus); uerémur: de uereor, «recear»; platea:
«praça pública»; modo hüc modo illüc: «para cá e para lá»; praetereõ:
«passar»; metuõ: «recear»; péne: ablativo de penis, «pénis»; infestus:
«ameaçador»; pueris: aqui no sentido de «rapazes».
472 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

S. Cícero, Prõ Archiã VIl. 15- 16; século I a .C.

Naquele que é reconhecidamente um dos textos mais belos d o mais


talentoso prosador da literatura latina, Cícero reflete sobre a axiologia do
talento e da educação. A inteligência congénita valerá mais do que a cultura
recebida por meio da instrução? A resposta de Cícero é surpreendente. Aten­
ção ao espetacular hipérbato ego [ ... ] fateor.

Ego multõs hominés excellentí animõ ac uirtüte fuisse et sine


doctrinã nãtürae ipsius habitü prope diuinõ per sé ipsõs et
moderãtõs et graués exstitisse fateor: etiam illud adiungõ,
saepius ad laudem atque uirtütem nãtüram sine doctrinã quam
sine nãtürã ualuisse doctrinam. atque idem ego hoc contendõ,
cum ad nãtüram eximiam et illustrem accesserit ratiõ quaedam
cõnfõrmãtiõque doctrinae, tum illud nesciõ quid praeclarum ac
singulãre solére exsistere.

multõs hominês: sujeito em acusativo das orações infmitivas (fuisse e


exstitisse [infinitivo perfeito de exsistõ, por vezes também grafado existõ,
«existir» ] ) ; nãtürae ipsius habitü prope diuinõ: «pelo caráter [habitü]
quase divino da <sua> própria natureza»; fateor, fater� fassus sum:
«declarar»; adiungõ: «acrescentar»; ualuisse: infinitivo perfeito de
ualeõ, ualére, ualu� ualitum, «valer» (a oração infinitiva de ualuisse é uma
explicação [ « epexegese » ] de illud); contendõ: « afirmar» ; cum:
« quando» (introduz oração temporal, em correlação com tum, com
verbo no indicativo futuro perfeito, accesserit, de accedõ, accedere, access�
accessum, aqui «juntar-se»; ratiõ quaedam cõnfõrmãtiõque doctrinae:
há muitas maneiras de traduzir estas palavras (uma possibilidade seria
« quando se junta<m> a uma natureza eximia e ilustre uma certa pro­
pensão para o pensamento abstrato [ ratiõ] e a formação <obtida a partir>
do estudo [cõnfõrmãtiõque doctrínae], então costuma surgir algo de
brilhante e de único»; solêre: infinitivo presente de soleõ, « costumar».
ANTOLOGIA DE TEXTOS 473

6. Lucrécio, De rérum nãtürã 2. 1- 14; século I a.C.

O poema em seis livros d e Lucrécio recorre à dicção épica do hexâmetro


dactílico (ver p. 396) para expor a filosofia epicurista. A abertura do livro 2,
em que se descreve a serenidade indiferente do filósofo perante o sofrimento
alheio, é uma das passagens mais arrepiantes da literatura latina.

Suaue, marí magnõ turbantibus aequora uentís,


é terrã magnum alterTus spectãre labõremi
nõn quia uexãrí quemquamst iucunda uol up tãs,
sed quibus ipse malís careãs quia cernere suaue est,
suaue etiam bellí certamina magna tuérí
per campõs instrücta tuã sine parte periclí.
sed níl dulcius est bene quam müníta tenére
édita doctrínã sapientum templa seréna,
despicere unde queãs aliõs passimque uidére
errãre atque uiam pãlantís quaerere uítae,
certãre ingeniõ, contendere nõbilitãte,
noctés atque diés nítí praestante labõre
ad summãs émergere opés rérumque potírí.
õ miserãs hominum mentes, õ pectora caeca!

suaue: subentender est; turbantibus [ ... ] uentis: ablativo absoluto, cujo


complemento direto é aequora («ondas»); mari magnõ: lugar onde
( «é agradável, quando no vasto mar os ventos agitam as ondas, ver a
partir da terra a grande tribulação de outrem»); uexãri: infinitivo pre­
sente passivo de uexõ, «agitar»; quemquamst = quemquam est; sed
quibus ipse malis careãs quia cernere suaue est: na ordem direta das
palavras, a frase seria sed quia suaue est cernere mala quibus ipse careãs
( «mas porque é agradável observar os males dos quais tu próprio estás
isento»; note-se que, na frase de Lucrécio, lemos malís por atração
inversa relativamente a quibus [cf. Kühner & Stegmann, Vol. II, p. 289],
474 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

também porque a forma correta mala não caberia na métrica); tuéri:


infinitivo de tueor, tuéri, tütus sum, «olhar»; instrúcta: «dispostos»
( «é agradável também ver os grandes certames da guerra dispostos pelo
campo sem participação tua do perigo»); unde: «donde» (isto é, a par­
tir dos «munidos templos serenos»), introduzindo oração relativa
( «donde poderias [ queãs, conjuntivo presente de queõ; ver p. 199] obser­
var outros e vê-los correndo em desordem [palantis, acusativo do plural
do particípio de pãlor, pãlãr� pãlãtus sum] por toda a parte [passim]
a equivocar-se e a procurar o caminho da vida ... » ) ; niti: infinitivo
de nitor, «esforçar-se»; praestante labõre: «com labor excessivo»;
ad summãs emergere opés: «elevar-se [ emergere, aqui com esse sentido]
até às riquezas mais altas»; rérumque potiri: «e obter o poder» (potiri
rérum é uma expressão idiomática); õ miserãs hominum mentis: acusa­
tivo de exclamação (ver p. 294).

7. César, Dê bellõ Gallicõ, 1. 1; século I a.C.

Durante séculos e séculos, gerações incontáveis de alunos de latim


começaram os seus estudos com as seguintes frases de Júlio César.

Gallia est omnis diuisa in partês três, quãrum ünam incolunt


Belgae, aliam Aquítãnt tertiam qui ipsõrum linguã Celtae,
nostrã Galli appelantur. Hi omnes linguã, institütis, legibus inter
se differunt. Gallõs ab Aquitãnis Garumna Jlümen, ã Belgis
Matrona et Sequana diuidit. Hõrum omnium fortissimi sunt
Belgae, proptereã quod ã cultü atque humãnitãte prõuinciae
longissime absunt, minimeque ad eõs mercãtõres saepe com­
meant atque ea quae ad effeminandõs animõs pertinent impor­
tant, proximique sunt Germãnis, qui trãns Rhenum incolunt,
quibuscum continenter bellum gerunt.
ANTOLOGIA DE TEXTOS 47�

incolõ: «habitar»; nostrã: subentender linguã; Garumna: «Garonne»;


Matrona: «Mame»; Sequana: « Seine»; ã cultü atque humãnitãte
prõuinciae: « <estão longe> da cultura e da civilização da Província
<romana>»; commeõ, commeãre: aqui «visitar»; importõ, importãre:
«importar», «introduzir»; pertineõ: «visar» (o que seriam estas coisas,
a que os belgas não tinham acesso, que visavam efeminar os ânimos?
A observação é curiosa vinda da pena de algu ém que era conhecido
como «homem de todas as mulheres», mas também como «mulher de
todos os homens»; Suetónio, Júlio César 52); quibuscum = cum quibus;
continenter: «continuamente».

8. Salústio, Bellum Iugurthinum, 1-4; século I a .C.

A abertura d o Bellum Iugurthinum oferece-nos uma magnífica página de


latim, cruzando historiografia sob o signo do grande Tucídides com filosofia
existencial.

Falsõ queritur de nãtürã suã genus humãnum, quod imbecilla


atque aeui breuisforte potius quam uirtüte regãtur. nam contrã
reputandõ neque maius aliud neque praestãbilius inueniãs
magisque nãtürae industriam hominum quam uim aut tempus
deesse. sed dux atque imperãtor uitae mortãlium animus est. qui
ubi ad glõriam uirtütis uiã grassãtur, abunde pollens potensque
et clãrus est nequefortünã eget, quippe quae probitãtem, indus­
triam, aliãsque artís bonãs neque dare neque eripere quoiquam
potest. sin captus prãuís cupidinibus ad inertiam et uolup tãtes
corporis pessum datus est, perniciõsã lubidine paulisper üsus,
ubi per socordiam uíres, tempus, ingenium dif.fluxere, nãtürae
infirmitãs accusãtun suam quisque culpam auctõres ad negõtia
transferunt.
476 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

falsõ: «equivocadamente»; queror: «queixar-se»; imbêcillus: «fraco»;


forte: «pela sorte» ; potius quam: «mais do que»; regõ: « reger»
(o verbo está no conjuntivo, apesar de ser o predicado de uma oração
causal de quod, porque a ideia expressa não coincide com a opinião pes­
soal de quem escreve; ver p. 270); nam contrã: «pelo contrário»; repu­
tandõ: «refletindo»; neque maius aliud neque praestãbilius inueniãs:
«não descobrias algo de maior nem de mais ilustre»; magisque [ ... ]
deesse: é preciso imaginar esta infinitiva como dependente de inueniãs
( «e <descobririas> que falta à natureza dos homens mais aplicação
[industriam, em acusativo por ser sujeito da infinitiva] do que vigor
[uim] ou tempo <de vida> [tempus] » ); nãtürae: dativo, regido por
deesse; grassõ, grassãr� grassãtus sum: «caminhar»; pollêns potênsque:
pleonasmo ( «poderoso e potente» ); egeõ + ablativo: «carecer de»;
quippe: «uma vez que»; quae: o antecedente éfortüna; artis: acusativo
do plural de ars; êripiõ, «arrancar», «tirar»; quoiquam: forma arcai­
zante de cuiquam (ver p. 299 ), dativo de quisquam; sin: «mas se»; captus:
o antecedente implícito é animus; pessum datus est: perfeito de pessum
dõ (também grafado pessumdõ e pessundõ), «afundar-se», «afogar»,
«submergir» (o advérbio pessum significa «para baixo », «para o
fundo», daí que pessum abire signifique «ir ao fundo» ) ; paulisper:
«durante pouco tempo»; uoluptãtês: acusativo (dependente de ad); ubi
per socordiam: «quando por intermédio da indolência»; diffluxêre: «se
esgotaram»; quisque: a forma singular do pronome em correlação com
o plural auctõrês causa dificuldade inicial (e por isso em vários manuscri­
tos lê-se quique), mas trata-se de uma construção habitual (e não só em
Salústio; ver OLD s.u. quisque, 3. a/b); ad negõ tia: aqui no sentido de
«para os <seus> problemas» ( «os autores <da culpa> transferem, cada
um deles, para os seus problemas a culpa <que cabe a cada um> » ).

9. Vergílio, Bucólicas 1 .51-58; século I a .C.

Vergílio é, para todas as pessoas que conseguem ler latim, um poeta com
o qual nenhum outro, em nenhuma outra literatura, se pode comparar pela
ANTOLOGIA DE TEXTOS 477

beleza sonora e, no caso da Eneida, pelo sentido multifacetado de cada verso


(ver p. 33). Um exemplo famoso desta música divina são os versos que,
na coletânea das Bucólicas, fecham o primeiro poema: et iam summa procul
uillãrum culmina fümant / maiorésque cadunt altis dê montibus umbrae. Outro
milagre ocorre a meio deste poema, onde as palavras latinas nos dão a ouvir
o sussurrante zumbir das abelhas e o arrulhar de pombas e de rolas.

Fortünãte senex, hic inter flümina nõta


etfontis sacrõs frigus captãbis opãcum.
hinc tibi, quae semper, uicinõ ah limite saepes
Hyblaeis apibus jlõrem depasta salicti
saepe leui somnum suadebit inire susurrõ;
hinc altã sub rüpe canetJrondãtor ad aurãs:
nec tamen intereã raucae, tua cüra, palumbes,
nec gemere ãeriã cessãbit turtur ah ulmõ.

Jlümina nõta: «rios <que te são> conhecidos»; fontis: acusativo do


plural;.frigus,Jrígoris (n) : «frio», «frescor»; saepés, saepis (f) : «sebe»;
Hyblaeus: «hibleu», isto é, do Hibla (monte na Sicília);Jlõrem: acusa­
tivo de relação (ver p. 293); salictum, salicti (n) : «salgueiro» ( «a sebe,
pastada pelas abelhas hibleias no que toca à flor de salgueiro, frequen­
temente te persuadirá a enveredar pelo sono devido ao <seu> leve sus­
surro»; eis um bom exemplo de como a tradução para outras línguas
mata a grande poesia latina, dado que esta poesia - talvez mais do que
qualquer outra - é insuscetível de ser dissociada das próprias palavras
em latim que lhe dão corpo); rüpes, rüpis (f) : «rochedo»; canet: «can­
tará»; frondãtor: «podador»; intereã: «entretanto»; raucus: aqui
«ruidoso» (também «rouco»); tua cüra: «teu encargo», mas também
«teu encantamento» (isto é, as pombas eram o seu encantamento);
palumbés, palumbis (m e f) : «pombo(a) bravo(a) »; ãiriã [ ... ] ab ulmõ:
«do aéreo ulmeiro» (isto é, «do alto ulmeiro» ) ; turtur, turturis:
«rola».
478 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

10. Horácio, Arte Poética 295-302; século I a.C.

Na sua Epístola aos Pisões, tradicionahnente conhecida como Arte Poética,


Horácio faz-nos ver como em Roma já havia poetas que, para chamarem as
atenções por outro meio que não a literatura, não cortavam as unhas nem
tomavam banho: tudo porque Demócrito dissera que poetas «sãos » (isto
é, que não são - ou não se fazem de - loucos, que tomam banho e que gozam
de boa saúde) não tinham lugar no Hélicon.

Ingenium miserã quia fortunãtius arte


crédit et exclüdit sãnõs Helicõne poétãs
Démocritus, bona pars nõn unguis põnere cürat,
nõn barbam; secréta petit loca, balnea uítat.
nanciscétur enim pretium nõmenque poétae,
si tribus Anticyris caput insãnãbile numquam
tõnsõri Licinõ commiserit. õ egõ laeuus,
quí purgor bílem sub uerni temporis hõram!

ingenium: «génio» ;fortunãtius: «mais afortunado» ( «porque Demó­


crito crê que o génio é mais afortunado do que a pobre arte e excluiu do
Hélicon os poetas sãos»); nõn põnere unguis cürat: «não se preocupa
em arranjar as unhas »; petõ: «procurar»; balnea: «banhos »; uítõ:
«evitar»; nanciscitur: futuro de nanciscor, «obter»; tribus Anticyris:
Antieira era o nome de três cidades gregas onde se produzia o heléboro,
planta tida na Antiguidade como medicamento para a demência; tõnsor,
tõnsõris: «barbeiro», «tosquiador»; Licinus: Lieino era um barbeiro
que (segundo nos informa a nota a este verso proposta por R.M. Rosado
Fernandes) estava na moda em Roma (o sentido da frase será algo como
« obterá então o valor e o nome de poeta, se a cabeça incurável por parte
das três Antieiras ele nunca entregar ao barbeiro Lieino»; commiserit:
futuro perfeito de comittõ, aqui com o sentido de «confiar a»; laeuus:
« desastrado» (na tradução brilhante de Rosado Fernandes; no
seu famoso comentário à Arte Poética, Brink propõe unfortunate);
ANTOLOGIA DE TEXTOS 479

bilem: acusativo de relação (ver p. 293); a ideia implícita é que a bílis


seria considerada uma das causas da loucura; assim, Horácio sugere
humoristicamente que o motivo pelo qual não consegue ser um poeta
melhor é que não deixa acumular a bílis, purgando-se dela à chegada da
primavera; uernus: «primaveril»; o acusativo hõram depende de sub.

1 1. Tito Lívio 1 (prefácio, início); século i a.C.

As primeiras frases da magnífica obra historiográfica Ab urbe conditã são


sempre um osso duro de roer para o aprendiz de latinista. É importante
entender logo o -ne da primeira forma verbalfactürusne [ ... ] sim como marca
de oração interrogativa indireta (dependente de sciõ) e imaginar, também,
a frase inicial como se ela fosse dita sob a forma de afirmação em discurso
direto: faciam operae pretium, si rês populi Rõmãni perscripserõ ( «farei algo
que vale a pena, se puser por escrito os feitos do povo romano»). Os con­
juntivos iniciais surgem da opção de Tito Lívio por dizer «não sei se farei
algo que valha a pena, se puser por escrito os feitos do povo romano».

Factürusne operae pretium sim, si ã prímordiõ urbis res populi


Rõmãni perscripserim, nec satis sciõ, nec, si sciam, dicere ausim,
quippe quí cum ueterem tum uolgatam esse rem uideam, dum
noui semper scriptõres aut in rebus certius aliquid allãtürõs se
aut scribendí arte rudem uetustãtem superãtürõs credunt.
utcumque erit, iuuãbit tamen rerum gestãrum memoriae prin­
cipis terrãrum populi prõ uirili parte et ipsum cõnsuluissei et si
in tantã scriptõrum turbã meafãma in obscürõ sit, nõbilitãte ac
magnitüdine eõrum me qui nõmini officient meõ cõnsõler.

factürus [ ... ] sim: conjugação perifrástica (ver p. 143), que permite um


sentido futuro ativo (conjuntivo) na interrogativa indireta consentâneo
com as regras da cõnsecütiõ temporum (ver p. 3 1 6); -nei introduz a
480 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM, VARIA.

interrogativa indireta (ver p. 345); operae pretium: à letra, «valor/preço


da obra», mas na realidade uma expressão idiomática (pretium operae
facere ) com o sentido de «fazer algo que valha a pena» ( «não sei se farei
algo que valha a pena, se puser por escrito desde o início da cidade os
feitos [rês] do povo romano»); res: acusativo do plural; perscripserim:
conjuntivo perfeito (predicado da oração condicional, que por sua vez
depende da interrogativa indireta, razão pela qual encontramos pers­
cripserim e não perscripsero, segundo a lógica de que um verbo que esta­
ria no indicativo futuro perfeito em discurso direto assume em discurso
indireto a forma de um conjuntivo perfeito quando o verbo de que
depende está num tempo primário; ver p. 3 1 8 e Roby, Vol. II, p. 340);
sciam: conjuntivo presente; ausim = ausus sim, conjuntivo perfeito de
audeõ, audêre, ausus sum, «ousar»; quippe qui: «tanto mais <eu> que»,
expressão idiomática (+ conjuntivo: uideam), em que a palavra corres­
pondente a «eu» é qui; cum ueterem tum uolgatam: «tanto mais eu que
vejo que o tema não só é antigo como vulgarizado [ «batido» ] »; rem:
aqui com o sentido de «tema», em acusativo por ser o sujeito da oração
infinitiva; noui scriptõres: sujeito de credunt, verbo de que dependem
as orações infinitivas allãtürõs <esse> e superãtürõs <esse> (sujeito: sê);
utcumque erit: «seja como for»; memoriae: está em dativo, dependente
de consuluisse; prõ uirili parte: expressão idiomática, «pela parte que
me toca»; cõnsuluisse: infinitivo perfeito de cõnsulõ, aqui com o sentido
de «dar atenção a»; nõmini [ ... ] meõ: em dativo, como complemento
de officient (futuro de officiõ, aqui com o sentido de «ensombrar»);
cõnsõler: conjuntivo presente (na apódose da frase condicional; ver
p. 330) de cõnsõlor, cõnsõlãri, cõnsõlãtus sum («consolar» ).

12. Propércio, 1. 1-6; século I a.C.

O autor de elegias mais perfeitas em latim é, sem dúvida, Ovídio; mas


quem escreveu as mais requintadas e desafiantes foi Propércio. A sua coletâ­
nea de elegias (em quatro livros) foca obsessivamente a relação do poeta com
uma mulher chamada Cíntia, que é muito provavelmente uma construção
ANTOLOG IA DE TEXTOS 48 1

literária (uma scrípta puella, não uma mulher real) e uma espécie de meta­
-personagem simbólica do entendimento que Propércio faz do género
elegíaco. O nome de Cíntia (que sugere a deusa Diana, por sua vez irmã de
Apolo) é, como se vê, a primeira palavra da coletânea.

Cynthia prima suís miserum me cepit ocellís,


contãctum nullís ante cupídinibus.
tum mihi cõnstantis deiecit lümina fastüs
et caput impositís pressit Amor pedibus,
dõnec me docuit castãs õdisse Puellãs
improbus, et nullõ uiuere cõnsiliõ.

Cynthia: o nome remete para o monte Cinto em Delos, ilha sagrada de


Apolo, onde nasceram os irmãos Apolo e Diana; cépit: perfeito de ,apiõ,
«tomar», «apanhar»; ocellus, ocellí (m) : diminutivo de oculus, «olho»
(portanto, « Cíntia foi a primeira a apanhar-me, pobre de mim, com os
seus olhinhos»); contãctum: particípio perfeito de contingõ, «tocar»;
cupidõ: aqui no sentido de «desejos» (subentende-se «sexuais»);
déiécit: perfeito de déicio, «atirar abaixo», «ejetar»; lümina: aqui no
sentido de « olhos»; cõnstantis ( cõnstans, aqui no sentido de «tei­
moso») [ ... ] fastüs (jastus, fastüs, «arrogância» ) : a expressão está em
genitivo, na função de genitivo descritivo (ver p. 30 1 ) de lümina ( «então
o Amor deitou abaixo os meus olhos de teimosa arrogância»; no entanto,
se estão certos os manuscritos que transmitem lümine [ablativo] em vez
de lümina [acusativo], poder-se-ia interpretar cõnstantis [ ... ]Jastüs como
cõnstantis [ ... ] fastüs [acusativo do plural, complemento direto de déiecit;
a tradução seria, nesse caso, «então o Amor ejetou as teimosas arrogân­
cias do meu olhar» : ver Heyworth, p. 3]); impositis [ ... ] pedibus: «com
os pés montados [para este sentido de impõnõ, ver OLD] <em cima
dela>»; caput, capitis ( n) : «cabeça»; pressit: perfeito de premõ, aqui no
sentido de «esmagar» ( «e esmagou a <minha> cabeça com os pés
montados <em cima dela> »); dõnec: «até que»; õdisse: infinitivo de
õdi, «odiar» (note-se o paradoxo de um Amor que ensina a... odiar);
482 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

castãs [ ... ] Puellãs: a letra maiúscula, na edição de Heyworth nos Oxford


Classical Texts, implica a interpretação de que estas donzelas são as Musas
(isto é, o amor por Cíntia levou o poeta a «odiar» a poesia - mantendo-se
afastado do seu exercício - até descobrir a verdade helenística [ cf. Teócrito,
1 1. 1-3] de que as Musas são o melhorlenitivo para um amor infeliz); impro­
bus: refere-se ao deus Amor, mas o problema está em escolher um dos mui­
tos sentidos deste adjetivo ( «perverso», «falso», «descarado», «cruel»).

13. Ovídio, Metamorfoses 3. 155- 164; século I d.C.

Na poesia helenística e na romana naquela inspirada, descrever poetica­


mente uma obra de arte ou uma paisagem podia servir como discurso acerca
do próprio poema e como pregão das suas qualidades literárias. É o caso
desta passagem de Ovídio, em que a gruta e a fonte de Gargáfia, onde Diana
se banhava, é descrita em termos que se aplicam metaliterariamente ao
poema Metamorfoses.

Vallis erat piceis et acütã densa cupressü,


nõmine Gargaphié, succínctae sacra Diãnae,
cuius in extrémõ est antrum nemorãle recessü
arte laborãtum nullã ; simulãuerat artem
ingeniõ nãtüra suõ, nam pümice uíuõ
et leuibus tõfís nãtíuum düxerat arcum.
fõns sonat ã dextrã tenuí perlücidus undã,
margine grãmineõ patulõs incínctus hiãtüs;
hic dea siluãrum uenãtü fessa solébat
uirgineõs artüs liquidõ perfundere rõre.

uallis: «vale»; picea, piceae: «abeto», «pinheiro»; cupressus: «cipreste»


(descrito como afiado [ acütã] por causa das suas «agulhas»); succinctae
ANTOLOGIA DE TEXTOS 483

[ ... ] Diãnae: dativo (succincta, «cingida», é um epíteto tradicional,


que imita a poesia grega, onde as mulheres são «de funda cintura», o que
poderá querer dizer que usavam uma espécie de sutiã); in extremõ [ ... ]
recessú: «no seu lugar mais escondido»; antrum nemorãle [ ... ] laborã­
tum: «gruta silvestre [ ... ] trabalhada por arte nenhuma» (a ideia de a
natureza imitar a arte, quando a noção contrária é que faz sentido, é uma
provocação caprichosa que, séculos mais tarde, Oscar Wilde retomaria);
púmex, pümicis: «rocha porosa»; tõfus, tõfi: «tufo», «pedra espon­
josa»; nãtiuus: aqui no sentido de «natural» (isto é, próprio da natu­
reza); perlücidus (também grafado pellücidus) : «transparente»; tenui
[ ... ] undã: chamar tenuis ( «fino», «subtil») a seja o que for não costuma
ser inocente na poesia augustana, dada a utilização deste adjetivo para
traduzirÀemóc, palavra-chave da poética de Calímaco, o poeta helenístico
que mais influenciou a poesia romana (ou seja, Ovídio aproveita o facto
de chamar tenuis à água da fonte - e note-se que «fonte» é por si só um
termo fulcral na poética greco-latina - para reflexivamente chamar tenuis
ao seu próprio poema; as implicações aparentemente contraditórias são
discutidas nas pp. 16-17 da introdução às Metamorfoses na tradução de
P. Farmhouse Alberto); grãmineus: «relvoso»; patulõs [ ... ] hiãtús: acusa­
tivo de relação (ver p. 293; « <fonte> cingida no que toca às fissuras abertas
[modo poético de dizer «lagoa»; cf. OLD s.u. lb] por uma margem rel­
vosa»; uenãtus: «caça»;fessus: «cansado»; artus: «membro»; liquidõ
[ ... ] rõre: «com orvalho transparente»; perfundere: aqui «banhar».

14. Séneca, Cartas a Lucflio 3.6; século I d.C.

É sempre interessante ouvir elogios da pobreza da boca de pessoas obs­


cenamente ricas, como foi o caso do grande autor de tragédias e de tratados
filosóficos Séneca (precetor, depois conselheiro e finalmente vítima de
Nero).

Nõn qui parum habet, sed qui plüs cupit, pauper est. quid enim
réfert, quantum illi in arcã, quantum in horreis iaceat; quantum
41!4 NOVA GRAMÁTICA D O LATIM. VARIA.

pascat aut féneret, si aliénõ inminet, si nõn adquisita sed


adquirenda compütat? quis sit diuitiãrum modus, quaeris?
primus habére quod necesse est, proximus quod sat est.

parum: «pouco»; cupiõ: «desejar»; quid enim refert?: «o que inte­


ressa?»; illí: dativo de posse; horreum: celeiro»; fénerõ, fénerãre:
«emprestar a juros»; inmineõ (= immineõ) : aqui «ir no encalço de»,
«perseguir»; adquírõ (= acquirõ), adquiere, adquisiu� adquisitum:
«adquirir»; díuitiae: «riquezas»; modus: aqui no sentido do «modo
de ser rico»; quod necesse est: «o que é necessário»; quod sat est:
«o que é suficiente» .

1 5. Petrónio, Satyricon 1 1 1; século I d.C.

Um texto que, apesar dos seus 2000 anos, ainda hoje nos parece uma
obra-prima pós-moderna é o Satyricon de Petrónio, o grande romance da
Antiguidade Clássica, cujo estado fragmentário proporciona descontinuida­
des e incongruências que, a bem dizer, só aumentam o seu fascínio. Entre as
muitas narrativas que Petrónio inclui no seu romance figura a história da
matrona de Éfeso, mulher que chorava o cadáver do marido enquanto uns
ladrões eram crucificados ali ao lado. O militar destacado para impedir que
os familiares dos crucificados tirassem os cadáveres da cruz para lhes dar
sepultura trava conhecimento com a mulher; e, na verdade, os dois ficam a
conhecer-se bem (talvez até de mais) .

Interim imperãtor prõuinciae latrõnés iussit crucibus affigi


secundum illam casulam, in quã recéns cadãuer mãtrõna
déflébat. proximã ergõ nocte cum miles, qui crucés asseruãbat,
né quis ad sepultüram corpus détraheret, notãsset sibi lümen
inter monumenta clãrius Julgéns et gemium lugentis audisset,
uitiõ gentis humãnae concupiit scire quis aut quidfaceret.
ANTOLOGIA DE TEXTOS 485

affigi: infinitivo presente passivo de affígõ, affígere, afjíxí, afjíxum,


«fixar a», «pregar em» (+ dativo: crucibus); secundum: «perto de»;
casula, casulae; aqui «jazigo », «túmulo» ; dejleõ : «chorar <um
morto>»; cum: introduz oração temporal-causal com verbo no con­
juntivo mais-que-perfeito (ver p. 336); asseruõ, asseruãre: «guardar»;
ne: introduz oração final de sentido negativo (ver p. 326); notãsset =
notãuisset (conjuntivo mais-que-perfeito de notõ, «notar»; o mesmo se
aplica a audisset = audíuisset); gemitum lügentis: « gemido de uma pes­
soa enlutada»; concupiõ: «desejar ardentemente» ;faceret: conjuntivo
imperfeito por se tratar de uma interrogativa indireta dependente de um
tempo pretérito (ver p. 3 17).

16. Tácito, Anais 1 . 1; séculos 1-11 d.C .

Juntamente com Tucídides o príncipe dos historiógrafos antigos, Tácito


deslumbra pela inteligência que ressalta de cada págína, pela fineza de obser­
vação, pelo desencanto cínico em relação ao ser humano. O seu estilo terso
e cortante é uma das glórias da literatura universal. Para um pequeno comen­
tário à primeira frase dos Anais, ver p. 32.

Vrbem Rõmam ã príncipiõ régês habuérej libertãtem et cõnsu­


lãtum L. Brütus instituit. dictãtürae ad tempus sümébanturj
neque decemuirãlis potestãs ultrã biennium, neque tribünõrum
mílitum cõnsulãre iüs diü ualuit. Nõn Cinnae, nõn Sullae longa
dominãtiõ; et Pompeí Crassíque potentia citõ in Caesarem,
Lepidí atque Antõnií arma in Augustum cessére, quí cüncta dis­
cordiís cíuílibus fessa nõmine príncipis sub imperium accépit.
sed ueteris populí Rõmãní prospera uel adversa clãrís scríptõ­
ribus memorãta sunt; temporibusque Augustí dícendís nõn
défuére decora ingenia, dõnec glíscente adülãtiõne déterrérentur.
Tiberií Gaíque et Claudií ac Nerõnis rés Jlõrentibus ipsís ob
486 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VAJlIA.

metumfalsae, postquam occiderant recentibus odiís compositae


sunt. inde cõnsilium mihi pauca dé Augustõ et extréma tradere,
mox Tiberií principãtum et cétera, sine irã et studiõ, quõrum
causãs procul habeõ.

habuere = habuerunt (perfeito de habeõ); ad tempus: «a prazo »;


sumebantur: imperfeito passivo do verbo sümõ, talvez no sentido de
«adotar» ( «ditaduras eram adotadas a prazo»); decemuirãlis potestãs:
«a função dos decênviros»; ultrã biennium: «além de dois anos »;
cõnsulãre iús: «autoridade consular (dos tribunos militares) »; diú
ualuit: «valeu durante muito tempo»; citõ: «rapidamente»; cessere =
cessérunt (perfeito de cédõ, cedere, cess� cessum, «ceder»; cúncta [ ... ]
/essa: no neutro do plural, o adjetivo cünctus ( «todo», «inteiro») pode
ter o sentido de «universo» (portanto aqui diz-se que Augusto, com
nome de princeps, recebeu sob o seu império «o mundo cansado [{essa]
por discórdias civis» ) ; prospera: no sentido de «êxitos», «glórias»;
temporibusque [...] dicendis (gerundivo) : dativo, dependente de defuere
( = defuerunt, perfeito de deesse, «faltar» : à letra «não faltaram aos
tempos que deviam ser narrados de Augusto talentos ilustres [ decora
ingenia] », mas o sentido é «não faltaram para narrar os tempos
de Augusto talentos ilustres»; dõnec: «até que»; gliscõ: «crescer»,
«aumentar»; dete"erentur: conjuntivo imperfeito passivo de dete"eõ
( « afastar atemorizando», «desencorajar»); Gaique: o nome do impe­
rador Calígula (alcunha que significa «Botinhas» ) era, na verdade,
Gaius; res: nominativo do plural (cf. falsae <sunt>, « foram falsifica­
das»), aqui com o sentido da história destes reinos; Jlõrentibus ipsis:
ablativo absoluto ( «em vida deles», «estando eles de boa saúde»);
inde: «por isso» ( «por isso, é minha intenção [cõnsilium mihi <est> ] » );
extrema: refere-se à parte final do reinado de Augusto; sine irá et studiõ:
«sem raiva nem tendenciosismo»; procul habeõ: «estou longe».
ANTOLOGIA DE TEXTOS 487

17. Amiano Marcelino, 14.9; século IV

O grande historiógrafo do século IV (que, apesar de ter sido educado na


língua grega, escreveu de forma brilhante em latim) dá-nos um testemunho
do bilínguismo na alta sociedade romana ao contar como César Galo, meio­
-irmão de Juliano (futuro imperador «apóstata» ), se aproveitou da sua fluên­
cia em língua grega para vigiar de maneira infame os cidadãos de Antioquia.

Nouõ dênique perniciõsõque exemplõ, idem Gallus ausus est


iníre flãgitium graue, quod Rõmae cum ultimõ dêdecore temp­
tãsse aliquando dícitur Galliênus; et adhibitis paucis clam ferrõ
succinctís, uesperí per tabernãs pãlãbãtur et compita, quaeri­
tandõ Graecõ sermõne, cuius erat impendiõ gnãrus, quid dê Cae­
sare quisque sentiret. Et haec cõnfidenter agêbat in urbe, ubi
pernoctantium lüminum clãritüdõ diêrum solet imitãrífulgõrem.

dénique: «for fim»; exemplum: aqui no sentido de «maneira» ( OLD


s.u. 7); idem: «também»; ausus est: indicativo perfeito de audeõ,
«ousar»; iníre: infinitivo de ineõ, «enveredar por»; .Jlãgitium: «infâ­
mia»; Romae: locativo (ver p. 70); dédecus, didecoris (n) : «ignomínia»;
temptasse = temptãuisse, infinitivo perfeito de temptõ, «experimentar»;
Galliénus: imperador romano do século III (para o nominativo, ver
p. 323 ); adhibitis (de adhibeõ) paucisfe"õ succinctis: «<com> poucos
servidores munidos ocultadamente [ clam] de espada <s> »; uesperi: «ao
fim da tarde»; pãlãbãtur: imperfeito de pãlor, palãri, pãlãtus sum,
«andar por aqui e por ali»; compitum, compiti (n) : «esquina»; Graecõ
sermõne: «em língua grega»; impendiõ, «muitíssimo»; gnãrus: o con­
trário de «ignaro»; sentiret: conjuntivo imperfeito (por se tratar de uma
interrogativa indireta) de sentiõ, «sentir», «pensar»; pernoctantium
lüminum clãritüdõ : «brilho das luzes noturnas »; diirum: genitivo
do plural de diés ( « dia» ) .
488 N OVA G RA M ÁT I C A DO LAT I M . VA RIA.

18. História Augusta, Adriano 2.5-7; século IV ( ?)

No que toca à autoria e à data da sua escrita, são muitos os enigmas em


torno da História Augusta (coletânea de biografias imperiais, muitas vezes
sob a forma de fofocas) . Na biografia de Adriano (supostamente escrita por
Espartiano, provavelmente um pseudónimo), descreve-se o sofrimento «efe­
minado» (muliebriter) do imperador pela morte de Antínoo e sugere-se
maldosamente que os «oráculos» do namorado morto e divinizado eram
forjados pelo próprio Adriano.

Antinuum suum, dum per Nílum nauigat, perdidit, quem mulie­


briter fléuit. dé quõ uaria fãma est, aliís eum déuõtum pró
Hadriãnõ adserentibus, aliís quod et fõrma eius ostentat et
nimia uolup tãs Hadriãní. et Graecí quidem uolente Hadriãnõ
eum cõnsecrãuérunt, õrãcula per eum darí adserentes, quae
Hadriãnus ipse composuisse iactãtur.

.fleõ: «chorar», «lamentar»; aliis adserentibus (de adserõ [ = asserõ],


«asseverar» ) : ablativo absoluto (subentender de novo adserentibus com
a segunda ocorrência de aliis); déuõtus: «dedicado» (não é claro o sen­
tido do que está a ser afirmado; talvez que Antínoo se dedicara à morte
em prol de Adriano);/õrma: «beleza»; nimius: «excessivo»; uoluptãs:
«sensualidade» (será que Antínoo morreu porque já não aguentava
tanto sexo com Adriano?); uolente Hadriãnõ: ablativo absoluto ( «com
a anuência de Adriano»); cõnsecrauérunt: indicativo perfeito de cõnse­
crõ, aqui no sentido de «divinizar»; adserentes: de asserõ, «asseverar»
(acima referido); iactãtur: de iactõ, no sentido de «pôr um boato a
circular» ( «asseverando que oráculos são dados por intermédio dele
- os quais o próprio Adriano era badalado [iactãtur] como tendo com­
posto»). Para a oração infinitiva com sujeito em nominativo, ver p. 323.
ANTOLOGIA DE TEXTOS 489

19. Agostinho, Confissões 8. 12; séculos 1v-v

«No final do século IV, um homem de quarenta e poucos anos começou


a compor uma oração íntima dirigida a Deus. O que resultou das horas de
solidão foi um texto longo em latim [ ... ] que reflete sobre a natureza da
memória e sobre os pecados que ainda o tentavam, como ouvir outros a
dizer bem dele ou o fascínio com que observava uma aranha a comer uma
mosca. [ ... ] Esta obra, as Confissões, não tem paralelo antes ou depois;
é uma obra-prima cristã, mas o sortilégio que lhe é próprio vai muito além
da igreja cristã.» (R. Lane Fox, Augustine: Conversions and Confessions, Lon­
don, 20 1 5, p. 1 ) .

Ego sub quãdam fiei arbore strãui mê nesciõ quõmodõ, et


dimisi habênãs lacrimis, et prorupêrunt flümina oculõrum
meõrum, acceptãbile sacrificium tuum, et nõn quidem his uer­
bis, sed in hãc sententiã multa dixi tibi: «et tü, domine, usque­
quõ ? usquequõ, domine, irãscêris in finem ? nê memor fueris
iniquitãtum nostrãrum antiquãrum. » sentiêbam enim eis mê
tenêri. iactãbam uõcês miserãbilês: « quamdiü, quamdiü 'crãs"
et ''crãs"? quãrê nõn "modo"? quãrê nõn hãc hõrãfinis turpitü­
dinis meae? » dicêbam haec et jlêbam amãrissimã contritiõne
cordis mei. et ecce audiõ uõcem dê uicinã domõ cum cantü
dicentis et crêbrõ repetentis, quasi pueri an puellae, nesciõ:
« tolle lege, tolle lege » . statimque mütãtõ uultü intentissimus
cõgitãre coepi utrumnam solerent pueri in aliquõ genere lüdendi
cantitãre tãle aliquid, nec occurrêbat omninõ audisse mê
uspiam, repressõque impetü lacrimãrum surrêxi, nihil aliud
interpretãns diuinitus mihi iubêri nisi ut aperirem cõdicem et
legerem q uod primum caput inuenissem. audieram enim dê
Antõniõ quod ex euangelicã lectiõne cui fortê superuênerat
admonitus fuerit, tanquam sibi dicerêtur quod legebãtur:
490 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

« uãdé, uendé omnia quae habés, et dã pauperibus et habébis


thésaurum in caelís; et uení, sequere mé» et tãlí õrãculõ cõn­
festim ad té conuersum. itaque concitus redií in eum locum ubi
sedébat Alypius: ibi enim posueram cõdicem aposto li cum inde
surréxeram. arripu� aperuí, et légí in silentiõ capitulum quõ
prímum coniectí sunt oculí meí.

ficus, fiei (também ficus, ficüs) : «figueira»; strãui: perfeito de sternõ,


sternere, strãui, strãtum, «estender»; dimisi: perfeito de dimittõ,
«enviar», «deixar», aqui talvez no sentido de «soltar» ( «e soltei as
rédeas às lágrimas», «dei rédea larga às lágrimas»); habéna: «rédea»;
lacrimis: dativo de lacrima; prõrumpõ, prõrumpere, prõrüp� prõruptum:
«lançar-se»; usquequõ: «até quando»; né [ ... ] Jueris: ordem negativa
com né + conjuntivo perfeito (ver p. 349); memor [ ... ] iniquitãtum nos­
trãrum: para memor com genitivo, ver p. 307; uõcés miserãbilés: «gritos
desgraçados »; quamdiü: «quanto tempo mais »; crãs: « amanhã»;
modo: «já»; cum cantü dicentis et crébrõ repetentis, quasi pueri an
puellae, nesciõ: à letra, « (e eis que oiço uma voz da casa vizinha) com
canto de quem falava e muitas vezes [ crébrõ] repetia, não sei de rapaz ou
rapariga» (por outras palavras: «uma voz a cantar e a dizer repetida­
mente»); tolle: imperativo de tollõ, «levantar», «pegar em»; lege:
imperativo de legõ, «ler»; statim: «logo»; uspiam: «em qualquer
parte», «em qualquer lugar»; diuinitus (advérbio) : «por vontade
divina»; Antõnius: Santo António (do século m, nascido no Egito);
uãdé: imperativo de uãdõ, «avançar», «ir»; cõnfestim: «imediata­
mente»; concitus: «excitado»; cõdicem apostoli: trata-se de um códice
contendo as Epístolas de São Paulo (a passagem que Agostinho encon­
trará assim ao calhas será Romanos 13: 13- 14); ª"ipui: perfeito de arri­
piõ, «agarrar»; aperui: perfeito de aperiõ, «abrir» ; coniecti sunt:
perfeito passivo de coniiciõ, «lançar», mas aqui no sentido de «li em
silêncio o capítulo onde primeiramente os meus olhos foram dirigidos».
ANTOLOGIA DB TEXTOS 49 1

20. Vulgata, Evangelho segundo João, 20. 1 1- 17; século v

Jerónimo (nascido em meados do século IV num território que hoje será


a Croácia) trabalhou intensamente na sua tradução da Bíblia entre 382 e 405,
deixando-nos um trabalho de valor incalculável, que é também uma das
razões basilares para se aprender latim.

Maria autem stãbat ad monumentum fo ris plõrãns. dum ergõ


fleret, inclinãuit sê et prõspexit in monumentum et uidit duõs
angelõs in albis sedentes, ünum ad caput et ünum ad pedes, ubi
positum fuerat corpus Iesü. dicunt ei: «mulier, quid plõrãs ?»
dicit eis: « quia tulêrunt Dominum meum et nesciõ ubi posuerunt
eum». haec cum dixisset, conuersa est retrõrsum et uidet Iesum
stantem et nõn sciêbat quia Jesus est. dicit ei Iêsus: «mulier, quid
plõrãs ? quem quaeris ?» illa, existimãns quia hortulãnus esset,
dicit ei: «domine, si tü sustulisti eum dicitõ mihi ubi posuisti
eum et ego eum tollam». dicit ei Jesus: «Maria». conuersa, illa
dicit ei: «rabboni» (quod dicitur «magister» ). dicit ei Jesus:
«nõlí mê tangere».

Maria: trata-se de Maria Madalena; foris; «fora»; plõrõ: «chorar»;


.fleõ: «chorar»; prõspexit: perfeito de prõspiciõ, «espreitar»; in albis:
« com <vestes> brancas»; positum: de põnõ, põnere, posui, positum,
«colocar», «pôr»; tulérunt: perfeito de ferõ, «levar» (ver p. 1 97) ;
nesciõ ubi posuérunt eum: repare-se n a interrogativa indireta com indi­
cativo em vez de conjuntivo; conuersa est: perfeito passivo de conuertõ,
«voltar-se»; retrorsum: «para trás»; hortulãnus: «jardineiro»; sustu­
listi: perfeito ( 2.ª pessoa do singular) de tollõ, tollere, sustuli, sublãtum,
«levantar» : tangõ, tangere, tetigi, tactum: «tocar». Para a construção
nõli + infinitivo com o sentido de imperativo negativo, ver p. 347.
492 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

21. Orósio, Histórias contra os Pagãos 7.30.4-5; século IV

Ao referir, na sua história, o imperador «apóstata» Juliano, o bracarense


Orósio omite da sua narrativa a louvável intenção de Juliano (que outros
historiadores documentam) de reconstruir o templo de Jerusalém (que tinha
sido destruído pelos romanos em 70 d.C.), mas alude, de modo desconcer­
tante, a um «facto» desconhecido da restante historiografia antiga: que
Juliano teria mandado construir um anfiteatro em Jerusalém, para lá assistir
a atrozes cruelades infligidas a bispos e monges cristãos atirados às feras.

Iüliãnus autem, bellum aduersum Parthõs parãns, cum


Rõmãnãs uirés contractãs undique ad destinãtam sécum trahe­
ret perditiõnem, Christiãnõrum sanguinem diís suis uõuit,
palam persecütürus ecclésiãs si uictoriam potuisset adipisâ. nam
et amphiteatrum Hierosolymis extrui iussit in quõ, reuersus ã
Parthis, episcopõs, monachõs, omnésque eius loâ sãnctõs, bestiís
etiam arte saeuiõribus obiceret spectãretque laniandõs.

parãns: particípio presente de parõ, «preparar»; cum [ ... ] traheret:


oração temporal causal; uires: «forças» {ver p. 1 1 3 ); destinãtam [ ... ]
perditiõnem: atenção ao hipérbato; uõuit: indicativo perfeito do verbo
uoueõ, uouere, uõu� uõtum, «fazer um voto»; palam: «abertamente»;
adipisci: infinitivo de adipiscor, «obter»; ex<s>trui: infinitivo presente
passivo de exstruõ, exstruere, exstrüxi, exstrüctum, «construir»; bestiis
[ ... ] arte saeuiõribus: «às feras mais cruéis ainda pela arte <da crueldade
em que tinham sido treinadas> » ; obiceret: conjuntivo imperfeito
de obiciõ (também obiiciõ), «lançar» (predicado [também spectãret] da
relativa final introduzida por in quõ ); laniãndos: gerundivo com sentido
final (lãniõ, «dilacerar» ).
ANTOLOGIA DE TEXTOS 493

22. Martinho de Braga, De correctiõne rüsticõrum 8-9; século VI

O bispo de Dume e de Braga insurge-se contra a irracionalidade ( ámen­


tia) de pessoas cristãs se referirem aos dias da semana pelos seus nomes
pagãos.

Suãserunt etiam illis daemones ut templa illis facerent et imã­


gines uel statuãs scelerãtõrum hominum ibi põnerent et ãrãs illis
cõnstituerunt, in quibus nõn sõlum animãlium sed etiam homi­
num sanguinem illis funderent. praeter haec autem multi dae­
mones ex illis, qui de caelõ expulsi sunt, aut in mari aut in
flüminibus aut infontibus aut in siluis praesident, quõs símiliter
homines ignõrantes Deum quasi deõs colunt et sacrificant illis.
[. ..] quãlis ergõ ãmentia est ut homõ baptizãtus in fide Christi
diem dominicum, in quõ Christus resurrexit, nõn colat et dicat
se diem Iouis colere et Mercurii et Veneris et Sãturni, qui nullum
diem habent, sedfuerunt adulteri et magi et iniqui et male mor­
tui in prõuinciã suã.

suãsêrunt: perfeito de suãdeõ, «persuadir» ; daemonés: « demónios»;


facerent: conjuntivo imperfeito (dependente de suãsêrunt ut) de faciõ,
« fazer» ; scelerãtus: «criminoso » ; ãra, ãrae: « altar»; cõnstituêrunt:
indicativo perfeito de cõnstituõ, « estabelecer»; funderent: conjuntivo
imperfeito ( oração relativa final introduzida por in quibus) de fundõ,
«derramar»; praesideõ: «presidir», «velar sobre», «ocupar o primeiro
lugar»; hominés ignõrantês Deum: «homens que deconhecem Deus » ;
colõ, colere, coluí, cultum: «cultivar», «prestar culto a » ; diés dominicus:
« dia senhoril [do Senhor] », isto é, « domingo» ; magus, magí: «feiti­
ceiro» ; male mortuus: diz-se de alguém que morreu em circunstâncias
desonrosas; in prõuinciã suã: expressão usada no sentido de «no seu
país » .
492 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VARIA.

21. Orósio, Histórias contra os Pagãos 7.30.4-5; século IV

Ao referir, na sua história, o imperador «apóstata» Juliano, o bracarense


Orósio omite da sua narrativa a louvável intenção de Juliano (que outros
historiadores documentam) de reconstruir o templo de Jerusalém (que tinha
sido destruído pelos romanos em 70 d.C.), mas alude, de modo desconcer­
tante, a um «facto» desconhecido da restante historiografia antiga: que
Juliano teria mandado construir um anfiteatro em Jerusalém, para lá assistir
a atrozes cruelades infligidas a bispos e monges cristãos atirados às feras.

lüliãnus autem, bellum aduersum Parthõs parãns, cum


Rõmãnãs uirês contractãs undique ad destinãtam sêcum trahe­
ret perditiõnem, Christiãnõrum sanguinem diis suis uõuit,
palam persecütürus ecclêsiãs si uictoriam potuisset adipisci. nam
et amphiteatrum Hierosolymis extrui iussit in quõ, reuersus ã
Parthis, episcopõs, monachõs, omnêsque eius loci sãnctõs, bestiis
etiam arte saeuiõribus obiceret spectãretque laniandõs.

parãns: particípio presente de parõ, «preparar»; ,um [ ... ] traheret:


oração temporal causal; uires: «forças» (ver p. 1 13 ); destinãtam [ ... ]
perditiõnem: atenção ao hipérbato; uõuit: indicativo perfeito do verbo
uoueõ, uouére, uõu� uõtum, «fazer um voto»; palam: «abertamente»;
adipisd: infinitivo de adipiscor, «obter»; ex<s>trui: infinitivo presente
passivo de exstruõ, exstruere, exstrüx� exstrüctum, «construir»; bestiis
[ ... ] arte saeuiõribus: « às feras mais cruéis ainda pela arte <da crueldade
em que tinham sido treinadas> » ; obiceret: conjuntivo imperfeito
de obiciõ (também obiiciõ), «lançar» (predicado [também spectãret] da
relativa final introduzida por in quõ); laniãndos: gerundivo com sentido
final (lãniõ, «dilacerar») .
ANTOLOGIA DE TEXTOS 493

22. Martinho de Braga, Dé correctiõne rüsticõrum 8-9; século VI

O bispo de Dume e de Braga insurge-se contra a irracionalidade ( ãmen­


tia) de pessoas cristãs se referirem aos dias da semana pelos seus nomes
pagãos.

Suãsérunt etiam illis daemonés ut templa illis facerent et imã­


ginés uel statuãs scelerãtõrum hominum ibi põnerent et ãrãs illis
cõnstituérunt, in quibus nõn sõlum animãlium sed etiam homi­
num sanguinem illis funderent. praeter haec autem multi dae­
monés ex illis, qui dé caelõ expulsi sunt, aut in mari aut in
flüminibus aut infontibus aut in siluis praesident, quõs similiter
hominés ignõrantés Deum quasi deõs colunt et sacrificant illis.
[...] quãlis ergõ ãmentia est ut homõ b ap tizãtus in fide Christi
diem dominicum, in quõ Christus resurréxit, nõn colat et dicat
sé diem Iouis colere etMercurií et Veneris et Sãturn� qui nullum
diem habent, sedfuérunt adulteri et magi et iniqui et male mor­
tui in prõuinciã suã.

suãsirunt: perfeito de suãdeõ, «persuadir»; daemonés: «demónios»;


facerent: conjuntivo imperfeito (dependente de suãsérunt ut) de faciõ,
«fazer»; scelerãtus: «criminoso»; ãra, ãrae: «altar»; cõnstituirunt:
indicativo perfeito de cõnstituõ, «estabelecer»; funderent: conjuntivo
imperfeito (oração relativa final introduzida por in quibus) de fundõ,
«derramar»; praesideõ: «presidir», «velar sobre», «ocupar o primeiro
lugar»; hominis ignõrantés Deum: «homens que deconhecem Deus»;
colõ, colere, colui, cultum: «cultivar», «prestar culto a»; diés dominicus:
«dia senhoril [do Senhor] », isto é, «domingo»; magus, magi: «feiti­
ceiro»; male mortuus: diz-se de alguém que morreu em circunstâncias
desonrosas; in prõuinciã suá: expressão usada no sentido de «no seu
país».
494 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. VAlt.lA.

23. Beda, Historia ecclésiastica gentis Anglõrum, 1; século VIII

O «Venerável» Beda descreve-nos a Britannia do seu tempo como terri­


tório onde se falavam cinco línguas, tantas quantas as do Pentateuco (diz ele) :
inglês, bretão, escocês, picto e latim. É curioso pensar que, se o ouvíssemos
falar em inglês do século vm, certamente não entenderíamos uma única pala­
vra; mas se ele nos falasse em latim, entenderíamos tudo. O Venerável não
refere em concreto a língua dos irlandeses, mas em compensação dá-nos um
rasgado elogio da Irlanda (que ele pensa ser uma ilha tão grande que chega à
Hispânia) . Para Beda, uma das maravilhas da Irlanda é o facto de não haver
cobras (e se ele não acrescenta que elas tinham sido expulsas por São Patrício,
é porque essa lenda só seria inventada quatro séculos mais tarde, pelo hagió­
grafo cisterciense Jocelyn de Furness).

Hibernia autem et latitüdine sui statüs, et salübritãte, ac seréni­


tãte ãerum multum Brittaniae praestat, ita ut rarõ nix plus­
quam triduãna remaneat: némõ propter hiemem autfo ena secet
aestãte, aut stabula fabricet iumentis; nullum ibi reptile uidéri
soleat, nullus uiuere serpéns ualeat : nam saepe illõ de Brittaniã
adlãti serpentes, mox ut proximante terris nãuigiõ, odõre ãeris
illius adtactifuerint, intereunt.

Hibernia: «Irlanda»; ãirum: genitivo do plural de ãêr, «ar»; multum


Brittaniae praestat ( «é muito superior à Britânia» [Brittaniae, dativo] );
triduãnus: «que dura três dias»;foena: «fenos»; secõ, secãre: «cortar»;
proximante [ ... ] nãuigiõ: ablativo absoluto (nãuigium: «barco»); inte­
reõ, interíre: «morrer».
ANTOLOGIA DE TEXTOS 495

24. Epitáfio do papa Gregório V, vv. 1-6; 1 1- 12; século x


(Monumenta Germaniae Historica, Poétae Latíní medií aeuí5.2. 1 1 O)

O papa Gregório V (cujo nome «civil» era Bruno) foi o primeiro papa
germânico, bisneto do imperador Otão 1. Morreu a 1 8 de fevereiro de 999.
Deslustraram seu breve pontificado tensões com o papa rival, João XVI, que
tinha o apoio da nobreza e do povo de Roma, embora não do imperador
Otão III (que era primo de Gregório V). Por influência do imperador sobre
os bispos reunidos no concílio de Pavia, João XVI foi declarado antipapa e
sofreu, em Roma, um castigo público atroz: cegaram-no, partiram-lhe os
dedos para que nunca mais escrevesse e, como se isso não bastasse, corta­
ram-lhe a língua, o nariz e as orelhas. O epitáfio de Gregório, em dísticos
elegíacos (e com um erro de prosódia logo no primeiro verso: húmus escan­
dido como húmüs), é um marco importante na história do latim por ser o
primeiro documento a mostrar concretamente que, em Roma, se falava outra
língua ( «língua vulgar», ou seja, italiano) além do latim.

Híc quem claudit humus oculís uultüque decõrum


Papa fuit quintus nõmine Grégorius,
ante tamen Brunõ Francõrum regia prõlés,
fílius Ottõnis dé genetríce Judith.
linguã Teutonicus, Vuangiã doctus in urbe,
sed iuuenis cathedram sedit apostolicam.
üsus Franciscã, uulgãrí et uõce Latínã;
instituit populõs éloquiõ triplicí.

decõrus: «belo»; Francõrum: o termo «francos» corresponde mais ao


nosso conceito de germânico do que de francês;fllius Ottõnis di genetrice
Judith: os seus pais eram Otão eJudite, duque e duquesa de Caríntia; Vuan­
giã doctus in urbe: «foi educado na cidade de Vormácia» (isto é, Worms,
na Renânia-Palatinado); úsus Franciscã, uulgari et uõce Latina: ver p. 36;
instituit populõs éloquiõ triplici: «educou os povos na eloquência trí­
plice» (presume-se que em latim, retórica e lógica, o chamado triuium).
Agradecimentos

Pela ajuda prestada na concretização deste livro, gostaria de


agradecer especialmente às se guintes pessoas:

* André Lourenço;
* Diogo Morais Barbosa;
* Francisco José Viegas;
* Mi el Monteiro;
* Paulo Caraças;
gu

* Paulo Ferreira.
Bibliografia

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WOODCOCK, E.C. ( 1959 ), A New Latin Syntax, London.
Índice temático

(Indica-se o número da página onde começa a discussão do tema em causa.)

Ablativo, 70, 309 Apócope, 374


Ablativo absoluto, 27 1, 3 1 2 Apofonia, 375
Ablativo d e agente, 3 1 0 -ãrunt por -ãuerunt (no perfeito),
Ablativo d e causa, 3 1 2 1 76
Ablativo d e comparação, 3 1 1 Asclepiadeu, 403
Ablativo de modo, 3 1 2 Assimilação, 376
Ablativo d e origem, 3 1 1 aue, 209
Ablativo de preço, 3 1 2
Ablativo d e qualidade, 3 1 1 Caraterísticas de conjuntivo, 1 6 1
Ablativo instrumental, 3 1 0 Caraterísticas d e futuro, 163
Abreviamento de vogais, 380 Caso (definição), 66
Acentuação, 58 causã + genitivo, 308
Acusativo, 69, 288 Cláusulas métricas, 407
Acusativo de relação, 293 Comparativo, 244
Acusativo de exclamação, 294 Conjugação perifrástica, 3 1 7,
Acusativo interno, 292 318
Advérbios « oxítonos», 248 Conjuntivo (introdução), 265
ãiõ, 206 Conjuntivo deliberativo, 269
Alfabeto, 46 Conjuntivo desiderativo, 269
Alongamento de vogais, 380 Conjuntivo exortativo, 269
Anapti.xe, 372 Conjuntivo jussitivo, 269
504 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM

Conjuntivo perfeito ativo ferõ, 195


(quantidade do -i-), 152 Fíbula de Preneste, 8 1 (n. 7), 85
cõnsecütiõ temporum, 3 1 6 fiõ, 204
Contração, 378 Futuro perfeito ativo (quantidade
Coordenação e subordinação, 254 do -í-), 1 52
cum (conjunção), 279
cum + conjuntivo imperfeito/ Genitivo, 68, 301
/mais-que-perfeito, 336 Genetivo caraterístico, 305
Genitivo de definição, 302
Dativo, 69, 295 Genitivo de qualidade, 303
Dativo de agente, 298 Genitivo objetivo, 218, 303
Dativo de direção, 299 Genitivo partitivo, 218, 303
Dativo de fim, 299 Genitivo possessivo, 302
Dativo de posse, 298 Genitivo subjetivo, 303
Dativo de vantagem, 296 Gerúndio, 1 40, 359
Declinação (definição), 66 Gerundivo, 143, 359
Dissimilação, 378 Gerundivo por gerúndio, 361
Dístico elegíaco, 397 Glicónico, 403
Ditongos, 56 grãtiã + genitivo, 308
Dodrante, 406
Hexâmetro, 396
ecce, 221
edõ, 203 Imperativo, 1 37
egomet, 215 Infectum, 138, 152
Elisão, 395 Infinitivo, 1 39
Enunciação (substantivos), 74 inquam, 207
Enunciação (verbos), 1 34
eõ, 197 Locativo, 70-7 1
-ére por -érunt (no perfeito), 176
Escazonte, 399 mãlõ, 200
- mini (desinência de 2.ª pessoa
Falécio, 401 do plural), 158
fãrí, 208 Modos verbais, 1 36
ÍNDICE TEMÁTICO 505

ne + conjuntivo perfeito, 348 Perfeito sigmático, 1 79


ne + imperativo, 348 possum, 195
nequeõ, 199 Prosódia, 392
nõli/nõlite + infinitivo, 347
nõlõ, 200 -que, 276
Nominativo, 67 queõ, 1 99
nõn/ne, 272 quin, 35 1
quõminus, 352
olli, 224
opus est, 3 1 4 Rotacismo, 379
Orações causais, 334
Orações comparativas, 339 Síncope, 373
Orações concessivas, 337 Substantivos gregos, 78
Orações condicionais, 330 Superlativo, 244
Orações consecutivas, 328 Supino, 141, 363
Orações coordenadas, 25 7
Orações finais, 326 Tema verbal, 159, n. 58
Orações infinitivas, 262, 321, 348 Tempos verbais, 138
Orações interrogativas indiretas, 345
Orações relativas, 340 uolõ, 200
Orações temporais, 335 ut, 326, 328, 349
Orações temporais-causais, 336
õrãtiõ obliqua, 268, 270 Verso satúrnio, 383
Ordens diretas e indiretas, 347 Versos cantados, 388
Particípios, 142, 358 Versos falados, 387
Perfectum, 138, 1 53, 1 72 Vocativo, 67, 79, 82, 232
Perfeito redobrado, 1 77 Voz ativa/passiva, 135, 1 72
Outras obras e traduções de Frederico Lourenço
publicadas na Quetzal

* Bíblia, Vol. 1 - Os Qµatro Evangelhos, 2016 (2.ª ed. revista e


aumentada: 2018).
* Bíblia, Vol. 2 - Apóstolos, Epístolas, Apocalipse, 2017.
* Bíblia, Vol. 3 - Os Livros Proféticos, 2017.
* Odisseia, 201 8.
* Odisseia de Homero Adaptada para Jovens, 2018.
* Bíblia, Vol. 4, Tomo 1 - Os Livros Sapienciais, 2018.
Esta Nova Gramática do Latim,
de Frederico Lourenço,
publicada por Quetzal Editores,
foi composta em caracteres da família Arno,
criada em 2007 por Robert Slimbach
e inspirada na elegante tradição da tipografia italiana dos séculos xv e XVI,
bem como dos cursivos de Ludovico Vicentino degli Arrighi.
A designação «Amo» deve-se ao rio que atravessa a cidade de Florença.
Este livro foi impresso por Bloco Gráfico,
em papel Munken Print Cream/90g
durante o mês de fevereiro de 2019.
Obras de Frederico Lourenço na Quetzal:

Bíblia, tradução em 6 volumes


Odisseia, de Homero
Odisseia de Homero Adaptada {>ara _fouens
N01 1.1 Gramática do Latim
272 NOVA GRAMÁTICA DO LATIM. S!NTAXI,

Notar-se-á que são expressões suscetíveis de serem convertidas


em orações subordinadas, com sentido temporal ou causal. Por
exemplo, em vez de rêgibus exãctis, poderíamos dizer o mesmo com
uma oração de cum + mais-que-perfeito do conjuntivo: cum rêgis
exãcti essent, «como os reis tivessem sido expulsos» (ou «porque
os reis foram expulsos») .
Uma vez que o verbo sum não tem particípio, num ablativo
absoluto ele tem de ser subentendido. Atente-se, por exemplo, na
expressão tê cõnsule, «<sendo > tu cônsul» (Vergílio, Bucólicas
4. 1 1), ou na seguinte frase de Suetónio (Augusto 5): nãtus est
Augustus M. Tulliõ Cicerõne et C. Antõníõ cõnsulíbus, «Augusto
nasceu <sendo > cônsules [= quando eram cônsules] Marco Túlio
Cícero e Gaio António».

Uso das negações nõn e né

Ambas as palavras significam «não», mas há situações - como


nas orações finais - em que nê significa «para que não»; e outras
- como a seguir a verbos que exprimem receio - em que nê não
significa verdadeiramente «não», mas sim «que».
Registemos estas duas ideias:

* nõn negativiza algo de real e, por isso, ocorre com o indica­


tivo;
* nê negativiza algo de possível (ou, pelo menos, concebível)
e, por isso, ocorre com o conjuntivo.
I N T RODUÇÃO AO ESTUDO DA SINTAXE LATINA 273

Em síntese

Uma vez que o estudo da sintaxe latina em toda a sua riqueza


é um empreendimento para a vida, há que identificar, à partida,
os pontos fundamentais a cuja aprendizagem se deve dar priori­
dade, tanto mais que uma grande parte dos discentes de línguas
clássicas no século XXI são pessoas que já chegaram à idade adulta
e, naturalmente, querem aprender grego e latim da forma mais
expedita possível.
Por isso, o tratamento da sintaxe nesta gramática é pragmático
e sintético, evitando propositadamente informação redundante e
secundária, a fim de dar a ver, por um lado, os pontos verdadeira­
mente fulcrais e, por outro lado, ajudar quem está a ler este livro a
lançar as bases do seu próprio estudo da sintaxe latina, estudo esse
que, idealmente, deveria ser alicerçado na leitura de A New Latin
Syntax, de E.C. Woodcock, que continua a ser (não só na minha
opinião, mas na dos maiores latinistas atuais em Cambridge e
Oxford) o melhor recurso existente para a aprendizagem da sintaxe
latina 1°.
Assim sendo, para quem pretenda pôr tão cedo quanto possível
«as mãos na massa» no que toca à leitura em latim, as competên­
cias prioritárias são:

* a correta destrinça entre oração principal e oração subordi­


nada;
* dentro do grupo das orações subordinadas, a identificação
correta da oração infinitiva e do seu sujeito em acusativo;

'º O livro de Woodcock tem a vantagem para principiantes de oferecer traduções de todos os
exemplos em latim, situação que não se verifica nos dois volumes de Kühner & Stegmann nem
no Vol. II de Roby.

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