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Nas Asas da Fé
Por Frederick W. Babbel
[Type text]
Prefácio
Frederick W. Babbel, June Babbel; Élder Matthew Cowley, Flora Benson, Élder Ezra Taft Benson, Emma Petersen,
Élder Harold B. Lee, Camilla Kimball, Elva Cowley, Élder Mark E. Petersen, Fern Lee, e Élder Spencer W. Kimball,
todos reunidos no dia 29 de janeiro de 1946 no aeroporto de Salt Lake City na despedida de Élder Benson e irmão
Babbel para servir uma missão de bem estar na Europa logo depois da Segunda Guerra Mundial.
Porém, mais do que isso, Nas Asas da Fé foi escrito por causa das muitas
pessoas que, depois de ouvirem meu relato, levaram‐me a perceber a importância de
publicar essas preciosas narrativas para torná‐las disponíveis a eles e a seus filhos.
A maioria das passagens foi tirada do meu diário, que escrevi sob tremenda
pressão, e sem qualquer esforço de alcançar fluência literária.
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eu, o Senhor, os mandei ir” (Doutrina & Convênios 1:5) é um passaporte divino para
Seus servos.
Tais experiências têm sido, ao longo dos anos, de inestimável valor para minha
família e para nossos amigos. Espero que tenham o mesmo valor para você e para os
seus.
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Agradecimentos
Além de tudo, expresso profunda gratidão pelo privilégio de ter participado dos
memoráveis eventos registrados neste livro.
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CAPÍTULO 1
“Ninguém Os Deterá”
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investigar o que estava acontecendo e descobri que a foto era do Presidente Ezra Taft
Benson. Então me apresentei e os três se identificaram como o irmão S.
Schipaanboord, presidente interino da missão, o irmão Peter Vlam, seu segundo
conselheiro, e o irmão Theodore Mebius, genro do presidente Schipaanboord.
Fora o Élder Benson que telefonara de Salt Lake City para mim em San
Francisco na véspera do Ano Novo e disparara a extraordinária sequência de eventos
que finalmente me trouxera agora à Europa em uma segunda missão1 para a Igreja. A
Primeira Presidência o havia designado para reestabelecer as missões europeias após
a tenebrosa escuridão dos anos de guerra e também para organizar a distribuição de
itens essenciais, como alimentos, roupas e cobertores entre os sofridos santos
europeus. Tive a emocionante responsabilidade de assisti‐lo nessa grande obra.
Na despedida no aeroporto, alguns dos apóstolos e sua esposas deram apoio. Élder Matthew Cowley,
Élder Spencer W. Kimball, Élder Harold B. Lee, Irmão Frederick W. Babbel, Élder Ezra Taft Benson, Élder
Mark E. Petersen.
1
N do T: O autor servira anteriormente em uma missão de três anos de proselitismo para a Igreja de
Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, na Alemanha e Áustria, entre 1936 e 1939.
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Dinamarca, Noruega e Suécia e depois dirigir‐me à Holanda, fosse como fosse, para
encontrar o Élder Benson lá. Assim como os três homens no aeroporto de Haia, eu
estava ansioso para encontrar‐me com o homem que correspondia à foto.
Fiquei sabendo que todo homem capaz que os nazistas capturaram tinha sido
usado em algum tipo de trabalho escravo. Durante cinco anos e meio, a maioria dos
holandeses procurou evitar a captura vivendo na clandestinidade e sobrevivendo com
uma alimentação paupérrima. Muitos foram apanhados e executados, mas os
trabalhadores resistiram, se esconderam e, sempre que possível, mataram vários
alemães para cada holandês que fora morto ou capturado. Crianças foram
sequestradas e as mulheres eram forçadas sob ameaça a revelar o esconderijo dos
maridos. O assassinato e o roubo tornaram‐se meios habituais de represália. Fora uma
época de intenso horror.
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A maior parte do equipamento ferroviário tinha sido levada pelos alemães em
retirada ou havia sido destruída na guerra. Essa extrema falta de recursos tornava as
viagens desagradáveis e difíceis. Segundo me informou o gerente do hotel onde eu
conseguira reservar quartos para o Presidente Benson e para mim, não havia um único
táxi funcionando em toda a cidade de Haia.
Um trem vindo direto de Paris estava previsto para chegar à estação Staats em
poucos minutos, por isso me dirigi para lá a pé, na verdade correndo a maior parte do
trajeto. O Presidente Benson não estava naquele trem e o trem seguinte só chegaria
daí a uma hora. Então voltei apressadamente à estação Niederlaendische para verificar
se ele não estava no trem de subúrbio. O agente da estação assegurou‐me que não
havia visto ninguém no trem parecido com a descrição que lhe fiz do Presidente
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Benson. Mais uma vez, me apressei a voltar à estação Staats para verificar o segundo
trem procedente de Paris, porém mais uma vez minha busca foi infrutífera.
Fiquei perplexo,
embora não devesse me
sentir assim. Afinal, eu já
havia visto a fé e a
inspiração do irmão Benson
em ação outras vezes —
como na ocasião em que
fizemos um pouso forçado
em North Platte, Nevada,
no voo para Nova York. O
mau tempo impedia
qualquer voo por dois ou
três dias, um atraso inaceitável em nossa agenda. Num quarto de hotel em North
Platte, o irmão Benson sugeriu que pedíssemos orientação ao Senhor e nos
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ajoelhamos com esse objetivo. Naquele momento, aprendi algo sobre a doce e
poderosa humildade do Élder Benson.
A tempestade atrasou em um dia nosso voo que partiria de Nova York, o que
nos deu tempo suficiente para obter os vistos que faltavam. Sobre o Atlântico, dois
dos quatro motores da aeronave estavam engasgando antes de chegarmos a Gander,
em Newfoundland, Canadá, e o problema não foi solucionado pela equipe de
manutenção de terra durante nossa parada de duas horas. Antes de chegarmos à
Irlanda, estávamos voando com apenas três motores.
Logo que recebi meu chamado para essa missão, eu e June, minha esposa, nos
ajoelhamos e suplicamos a orientação do Senhor. Enquanto orávamos, uma escritura
veio a minha mente repetidas vezes: “E eles irão e ninguém os deterá, porque eu, o
Senhor, os mandei ir” (Doutrina & Convênios 1:5).
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a Holanda passavam pela fronteira leste e a programação que eu havia mencionado no
telegrama era apenas do trem holandês de subúrbio.”
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Antes de deitar‐me, tive a oportunidade de conhecer melhor o Capelão Badger,
que tinha recebido permissão de nos acompanhar em nossa visita a todas as missões
da Europa. Ele tinha uma personalidade muito agradável e se mostrava ansioso para
ajudar. Uma das sacolas de lona do exército que ele trouxera estava transbordando, a
ponto de estourar as costuras, cheia de coisas que os soldados SUD estacionados em
Paris haviam enviado para os santos holandeses. Teríamos o prazer de entregar
aqueles suprimentos à presidência interina da missão no dia seguinte. A gratidão
daquelas pessoas por receberem aqueles artigos foi extraordinária.
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Presidente Benson assegurou‐lhes que não estava preocupado. Em seguida, nos
mostraram a lista de passageiros que estava completa e se prepararam para embarcá‐
los. Porém, o Presidente Benson continuava seguro de que o irmão Badger iria
conosco.
Por alguma razão, o voo foi retardado alguns minutos mais. Nesses breves
minutos, os oficiais notaram que nós três ainda estávamos esperando ali.
Ao ouvir isso, o Presidente Benson sorriu e disse com firmeza: “Mas temos de
ir!”
Na casa da missão, fomos tratados como irmãos que havia muito não se viam.
Eles estavam tão gratos e felizes. Eles fizeram de tudo o que podiam para nos agradar.
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O Presidente Orson B. West, presidente da missão em exercício, convidou a
presidência do ramo para vir nos conhecer. Mostraram‐nos folhetos muito atraentes
que anunciavam que um apóstolo falaria à congregação no domingo à tarde. Haviam
também convidado vários jornalistas para entrevistar o Presidente Benson na manhã
seguinte. À tarde, haveria uma entrevista pelo rádio, que seria transmitida pela rede
escandinava.
Naquela noite, nos deliciamos com um bufê que tinha de tudo, até leite e
manteiga à vontade. Em contraste com a Grã‐Bretanha e a Holanda, que ainda tinham
racionamento, a Dinamarca estava repleta de leite e mel. De fato, o país parecia ser a
nação mais bem abastecida da Europa. Disseram‐nos que mesmo durante os anos da
guerra, sempre houve fartura, devido à sábia maneira com que o rei conseguira dirigir
o país, apesar da ocupação alemã — uma verdadeira jogada de mestre na diplomacia.
Porém, ainda havia dificuldades em se conseguir peças de vestuário.
Essa, porém, não é a história toda. Em agosto de 1939, quando parecia que a
guerra era inevitável, a Primeira Presidência determinou que todos os missionários
que se encontravam na Alemanha deviam ser transferidos para países “neutros”. O
Presidente Joseph Fielding Smith, que naquela ocasião visitava as missões europeias,
determinou que os missionários da Missão Alemanha Leste fossem para a Dinamarca e
os da Missão Alemanha Oeste fossem transferidos para a Holanda. Como a Holanda
não permitiu a entrada dos missionários, todos os missionários da Alemanha foram
enviados para a Dinamarca, que lhes franqueou a entrada. Logo depois disso, o
Presidente Joseph Fielding Smith profetizou que devido à ajuda que o povo
dinamarquês tinha dado aos missionários, sua nação seria abençoada.2
2
Ver Joseph F. McConkie, True and Faithful: The Life Story of Joseph Fielding Smith (Salt Lake City:
Bookcraft, 1971, p. 52).
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Nessa concepção do artista, Cristo é robusto e forte, mas tem um olhar
compassivo, o que nos faz pensar que vai falar a qualquer momento. A obra toda, cada
estátua, é extraordinária, mas o Christus é, sem dúvida, a obra‐prima máxima de
Thorvaldsen. Até mesmo os dedos e artelhos têm uma delicada configuração. Em cada
estátua esculpida por Thorvaldsen, o menor artelho direito é parcialmente curvado
por cima do artelho mais próximo. Essa era a marca registrada do escultor.
Uma bela placa próxima do Christus, escrita em vários idiomas, diz: “Se queres
contemplar a arte do mestre, ajoelhe‐se e olhe para cima”. Quando o observador se
ajoelha, uma bela transformação tem lugar. A estátua parece quase respirar e pode‐se
ver suas veias e músculos. Lágrimas parecem brilhar nos olhos do Salvador.
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N do T. A frase é uma citação conhecida da peça de Shakespeare “Hamlet, Príncipe da Dinamarca”.
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Naquela tarde, o Presidente Benson e o irmão Badger voltaram à casa da
missão em um elegante automóvel alemão modelo Horch, que havia sido feito sob
encomenda para os generais alemães que se encontravam na Dinamarca durante a
ocupação. Ele tinha um motor de dezesseis cilindros em linha e seis marchas à frente.
O motorista dinamarquês que nos fora designado parecia deliciar‐se em fazê‐lo “voar”.
Ao chegarmos a uma das super autoestradas — praticamente desertas desde a guerra
— ele tinha de demonstrar do que aquela máquina era capaz. Antes de percebermos,
ele estava jogando a sexta marcha e deslizava a 235 quilômetros por hora. Nunca na
vida eu tinha andado tão depressa em um meio de transporte terrestre! Sentado no
banco de trás do cupê com o irmão Badger, eu me deliciava em ver o Presidente
Benson sentado no banco da frente segurando o chapéu firmemente com as duas
mãos!
Foi difícil conseguir dar adeus aos santos dinamarqueses que foram à estação
se despedir de nós quando partimos para a Suécia.
O Élder Benson sentiu que deveria relatar alguns dos eventos relacionados à
escolha do Presidente George Albert Smith como Profeta, Vidente e Revelador após o
falecimento do Presidente Heber J. Grant. Entre outras coisas, ele disse:
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da Igreja tinham sido alardeados sugerindo que alguns membros do Conselho dos
Doze aspiravam à posição de presidente.
Antes do término da reunião, o Presidente George Albert Smith foi apoiado por
unanimidade e ordenado Presidente da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias e Profeta, Vidente e Revelador escolhido por Deus. O Presidente David O. McKay
foi o porta‐voz do quórum na ordenação do profeta. Mais tarde, na Conferência Geral
de Outubro, ele foi apoiado por unanimidade pelos membros da Igreja.
Em nenhuma ocasião até hoje ouvi sequer uma única palavra de oposição…
Testifico que existe unidade nos conselhos da Igreja… Nenhuma ação é empreendida
nos conselhos da Igreja, a não ser que a decisão seja unânime”.
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parcial dessa promessa aconteceu na manhã seguinte àquela primeira reunião com os
santos suecos.
“Como servo do Senhor”, disse ele, “chamo a você, irmão Fritz Johansson, para
ir à Finlândia como missionário e abrir o caminho para a pregação do evangelho
àquele povo maravilhoso. Você pode levar como companheiro aquele que você e o
Presidente Blomquist escolherem. Se você for com humildade, no espírito deste
chamado, muitos de coração honesto ficarão felizes e desejosos de receber seu
testemunho e de serem batizados na Igreja.”
Ficamos ali por cerca de cinco horas. O farto jantar incluía um lauto bufê com
dez pratos principais e numerosas guarnições e sobremesas. Provamos trinta tipos
diferentes de queijo — desde queijo de leite de iaques e de renas, até de leite de
cabra, entre outros. Havia muito tempo que eu não comia tanto e apreciei cada
minuto do jantar.
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Ao término desse banquete indescritível, o Presidente Benson brincou com o
irmão Johannson, dizendo que aparentemente os suecos viviam para comer e não
comiam para viver. O irmão Johannson concordou plenamente e acrescentou: “E
adoramos fazê‐lo!”
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Ao chegarmos a Oslo, fomos calorosamente recepcionados pelo Presidente A.
Richard Peterson e sua família. Com eles estava Sherman A. Gowans, oficial do
exército, membro da igreja e adido militar da Embaixada Americana.
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N do T: Nessa ocasião, 1946, não existia ainda oficialmente o Estado de Israel, que só foi aprovado pela
ONU em 1948.
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Aos que ali se reuniram, o Presidente Benson fez uma significativa promessa,
dizendo:
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Depois de um breve e agradável passeio pela cidade, embarcamos em um avião
C‐47, de transporte militar, pilotado por uma tripulação britânica. A temperatura
externa era de vinte e nove graus negativos, mas ao atingirmos a altitude de sete mil
pés (cerca de dois mil metros) a temperatura caiu rapidamente para mais de quarenta
graus abaixo de zero. Acomodados nos assentos de lona, estávamos quase congelados
ao chegarmos a Copenhage. Foi com extrema dificuldade que conseguimos
desembarcar e a neve ainda caía, apesar da temperatura de dezoito graus abaixo de
zero.
“Sou sim”.
Ao ouvir isso, o outro rapaz disse: “Mas você não é muito firme não, é?”
Então explicou que tinha morado por algum tempo num acampamento CCC
perto de St. George, Utah, onde aprendera pela observação que os mórmons de
verdade obedeciam estritamente aos padrões da Igreja. Ele frequentara algumas
reuniões da Igreja e se familiarizara com a Palavra de Sabedoria.
5
N do T: Acampamento CCC (Civilian Conservation Corps), durante a depressão, tratava‐se de um
programa de emprego do governo federal que funcionou de 1933 até 1942 e foi instituído pelo
Presidente Frankiin D. Roosevelt.
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A segunda história que o Presidente Benson contou foi de certo bispo que
muitas vezes almoçava em um restaurante chinês das proximidades. Após uma das
sessões da conferência da estaca, ele se encontrou com outro bispo que também
frequentava o mesmo restaurante. Ao fazerem o pedido, ambos pediram leite.
“… Você irá retornar para trabalhar entre as pessoas com quem trabalhou na
sua primeira missão — e com as bênçãos do Senhor voltará para o lar. (…) Selamos
estas bênçãos sobre você para que tenha força e saúde, para que vá em paz e retorne
em segurança, tudo em razão de sua fé e fidelidade…”
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Havia pilhas de correspondência sobre a mesa do Presidente Benson. Ele
começou a ditar as respostas no momento que entramos em casa e continuou a fazê‐
lo até tarde da noite. Como a despensa estava vazia, tive de comprar alguma comida
com os cupons de racionamento antes da maratona de escrever à máquina as
respostas que o Presidente Benson ditava.
Nossa busca nos fez perceber a seriedade da falta de imóveis. Desde a guerra,
nenhuma obra de reconstrução de vulto havia sido iniciada na cidade inteira. Lojas e
casas bombardeadas ainda exibiam, sob um céu plúmbeo, pedaços de paredes
escurecidas pela fumaça. Alguns setores de Londres haviam escapado
miraculosamente, mas outros tinham
sido seriamente atingidos, especialmente
nos últimos meses da guerra, quando os
alemães começaram a usar as bombas
voadoras V‐1 e V‐2. Mesmo assim, a
destruição na Europa continental fora
imensamente maior, em comparação.
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Acabamos descobrindo que havíamos alugado uma parte da antiga casa que
pertencera ao renomado compositor George Frederick Handel e era o lugar onde ele
compusera sua obra‐prima, o Messias. A aparência da casa era de um castelo
medieval. Nossa porção do imóvel consistia de três quartos e um banheiro, além do
direito de usar a cozinha. A entrada da casa, que consistia de um longo vestíbulo, nos
lembrava um enorme museu. A porta que levava à sala de estar tinha uma pesada
fechadura de ferro semelhante às que vemos em velhos castelos. As paredes eram
cobertas por elegantes painéis de nogueira. Descobrimos mais tarde que havia muitos
compartimentos e passagens secretas por trás dos painéis que levavam a outros
aposentos da enorme casa.
Todas as janelas eram protegidas por pesadas grades de ferro, o que dava à
casa a segurança de uma prisão. As cortinas nas janelas eram feitas de luxuoso e
pesado veludo. A mobília era de muito bom gosto, incluindo um piano de cauda e
vários tapetes persas na sala de estar.
Foi nesse local que estabelecemos tanto o escritório quanto nossa residência.
Com uma máquina de escrever e um equipamento ditafone que eu havia resgatado do
úmido porão da casa da missão e que conseguira milagrosamente fazer funcionar,
estávamos prontos para nossas tarefas.
O equipamento sem dúvida foi usado até a exaustão depois que retornamos
das primeiras jornadas à Europa. O irmão Badger ficou conosco e dormia em um sofá
que ficava na sala da frente. Ele se recolhia cedo, enquanto eu ficava datilografando a
correspondência até de madrugada. Foram necessários vários dias para pôr a
correspondência em dia. No entanto, apesar do esforço, do pouco repouso, do clima
úmido e frio e de refeições pouco adequadas, o Senhor continuou a me abençoar e
suster. Não fiquei gripado e consegui realizar minhas atividades missionárias com um
mínimo de dificuldade.
Ao relembrar aquele primeiro mês na Europa, parecia quase incrível que tantas
coisas tivessem acontecido. Sem dúvida o Senhor havia‐nos concedido muitas
bênçãos!
As condições dos membros da Igreja em geral têm melhorado dia a dia. Do ponto de vista
espiritual essas condições permaneceram boas durante a guerra e provavelmente agora
estavam melhores do que nunca. Os relatórios dos líderes das missões indicam que na
experiência deles os santos nunca antes haviam vivido tão plenamente a lei do dízimo e
guardado a Palavra de Sabedoria, assim como observavam também os padrões da Igreja.
Embora os santos tenham enfrentado dificuldades inacreditáveis, em muitos casos eles
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permaneceram esperançosos e otimistas, mesmo durante a ocupação de seus países por um
inimigo externo, período em que até mesmo temiam pela própria vida.
Nas últimas duas ou três semanas, temos viajado em trens, aviões e caminhões sem
aquecimento para podermos visitar as várias missões. Mas em todas as ocasiões temos sido
recebidos com tanto amor e com um caloroso espírito fraterno que quaisquer dificuldades que
tenhamos encontrado são logo esquecidas. Provavelmente o evangelho nunca foi tão
apreciado pelos membros europeus quanto durante a recente guerra. Já sentimos um
profundo amor por eles e é quase impossível encontrar palavras que descrevam sua devoção à
verdade e seu amor pelas Autoridades Gerais da Igreja.
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CAPÍTULO 2
A pior nevasca desde 1867 acabara de cair sobre Paris. O Campo Orly, o
aeroporto parisiense no qual deveríamos pousar estava com as pistas interditadas por
montanhas de neve. Por isso, tivemos de procurar alternativas para chegar à França.
Pareceu‐nos que nos deram os dois últimos beliches, porque as pessoas que
estavam atrás de nós na fila ficaram instalados em poltronas. Depois que se esgotaram
as poltronas, o restante dos passageiros teve de permanecer em pé, embora todos
também tivessem passagens de primeira classe. Esse episódio era um prelúdio das
condições que iríamos vivenciar continuamente devido à desorganização causada pela
guerra.
Felizmente, o Capelão Badger veio nos socorrer. Ele conseguiu uma cabine em
ruínas pagando dois dólares a mais por pessoa. Essa cabine, embora muito acanhada
para os padrões a que estávamos acostumados, deu‐nos um pouco mais de
privacidade e o repouso pelo qual tanto ansiávamos.
Esse panorama se repetiu de aldeia em aldeia por todo o caminho até Paris,
mas nos informaram que essa devastação era modesta em comparação com o que
iríamos observar ao chegar à Alemanha. Mesmo assim, era uma visão aterradora.
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próprios quartos. Esses dois santos dos últimos dias extraordinários haviam realizado
maravilhas entre os soldados SUD naquela área.
Quando o coronel viu o nosso plano de viagem, explodiu com descrença: “Sr.
Benson, o senhor está louco? O senhor não compreende que houve uma guerra aqui e
que até agora nenhum viajante civil recebeu permissão de entrar nessas áreas
militares para realizar esse tipo de trabalho que o senhor sugeriu? No momento, não
temos provisões disponíveis para oferecer a visitantes. Todo alimento, acomodações e
meios de transporte estão reservados para uso restrito dos militares”.
Nem isso desanimou o Presidente Benson. Ao sairmos, ele se virou para nós e
disse: “Vamos. Mãos à obra!”
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Holandesa pudesse usá‐lo na distribuição dos suprimentos de bem‐estar. Saímos por
volta das três horas da tarde em direção à Liege, na Bélgica, numa viagem bem atípica.
Por volta das oito e trinta da noite, cruzamos a fronteira e entramos na Bélgica.
Por estarmos em um caminhão do Exército americano, os agentes de fronteira nem
sequer nos paravam e meu passaporte e vistos nem foram examinados ou carimbados.
Nos primeiros vinte quilômetros, tive de levar a avó no colo e depois assumi a
direção e o irmão Badger assumiu a função de poltrona. Ambos ficamos gratos quando
finalmente nossas passageiras desembarcaram nas proximidades de Liege. A senhora
idosa levava consigo uma boa quantidade de ovos frescos, vários dos quais estavam
estalados quando chegamos, mas ela conseguiu salvar uma meia dúzia e alguns
tomates com os quais nos recompensou por nossa gentileza.
O irmão Badger tinha já passado algum tempo em Liege com a família Devignez
no final da guerra e assim foi relativamente fácil achar o caminho até a casa deles. Já
passava da meia‐noite quando acordamos a família para pedir abrigo por uma noite.
Ambos estávamos exaustos e sujos de graxa, mas apesar de nossa aparência horrível,
fomos recebidos com alegria e dormimos uma boa noite em camas confortáveis.
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Apesar de a madrugada estar se aproximando, a irmã Devignez insistiu em nos
preparar uma refeição antes de partirmos. Depois de horas a fio dirigindo, sem parar
para comer, ficamos gratos pelo convite. Também as camas pareciam extremamente
confortáveis depois da acidentada viagem de caminhão.
Graças aos pacotes de bem‐estar que haviam sido enviados pelos santos, os
membros locais estavam se saindo melhor do que a maioria da população. Encaravam
o futuro com confiança e pareciam gozar de excelentes condições espirituais. No geral,
a situação da Bélgica tinha melhorado muito desde o final da guerra. Muitos gêneros
alimentícios podiam ser encontrados em pequenas quantidades, bem como artigos de
vestuário, porém os preços eram muito altos para a população em geral.
Quando chegamos a Bruxelas, ficamos sabendo que não havia leitos disponíveis
no trem para Paris. O trem estava dividido em duas seções: uma para os militares e
outra para os civis, e o irmão Badger, como capelão, conseguiu um leito para si na
seção dos militares. Porém, eu ainda tinha de resolver como viajar.
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Para todos os efeitos, eu tinha entrado na Bélgica ilegalmente, pois meu
passaporte e visto não haviam sido carimbados por autoridades daquele país. Sem
dúvida, os funcionários da alfândega me considerariam suspeito. Sabíamos que eu
correria riscos se meu passaporte fosse examinado, o que fatalmente ocorreria se eu
viajasse na seção dos civis, mas eu tampouco poderia ficar na seção dos militares.
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autorizações militares tinham sido preparadas para entrarmos na Zona de Ocupação
Americana na Alemanha, passando pela Zona de Ocupação Francesa.
Paris havia sido respeitada como “cidade aberta” durante a guerra, o que fez
com que a cidade não sofresse danos significativos, mas ao circularmos pelas estradas,
cada cidade e vilarejo era uma terrível evidência da violência da guerra. Em muitas
regiões, as estradas estavam em condições deploráveis, não só devido ao pesado
tráfego que suportaram durante e após a guerra, mas também pela inclemência do
inverno que chegava agora ao fim.
Gastamos dezesseis horas, mas como foi bom chegar em segurança à agradável
casa da missão em Basiléia, na Suíça, onde fomos alegremente recepcionados pelo
irmão Max Zimmer e sua esposa!
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CAPÍTULO 3
“Não Temais”
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indicaram uma grande área de prédios em ruínas e nos disseram que talvez a reunião
fosse lá.
O prédio, que havia sido uma escola, tinha escassa luminosidade e pouca
ventilação. Não havia aquecimento e o dia estava frio. Os membros acomodaram‐se
em assentos improvisados e muitos tremiam de frio. Muitos se vestiam com trapos. O
preço que a dor, a tensão e a fome haviam cobrado deles era visível em seus rostos,
mas havia uma reverente expectativa e um silencioso anseio em sua expressão. A sala
estava superlotada, mas os membros estavam em absoluto silêncio, aguardando
ansiosamente as palavras daquele servo escolhido do Senhor. Naqueles instantes que
precederam as palavras do Presidente Benson, foi com alegria que contemplei no
púlpito e na congregação dezenas de rostos familiares, muitos dos quais emaciados,
mas todos agora com largos sorrisos. Logo o Presidente Benson se levantou e disse:
Meu coração está repleto de gratidão, irmãos e irmãs, ao contemplar seus rostos. Meu coração
se aproxima de vocês no mais puro amor de Deus. Embora eu esteja grato por esta
oportunidade, vim aqui com o coração pesaroso. Ao viajarmos por seu verdejante e frutífero
país, contemplei em cada cidade e vilarejo o temido resultado da desobediência às leis de Deus.
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Não apóio nem condeno ninguém pelo que sucedeu. Deus será o juiz e Seus julgamentos serão
justos, porque Ele vê não apenas os resultados de nossas decisões, mas julga‐nos pelo intento
de nosso coração também.
Os frutos da desobediência estão evidentes por todo lado. Ao testemunhar pela primeira vez a
terrível desolação e a incrível destruição que aqui ocorreu, não pude deixar de pensar em mim
e na minha família, caso estivéssemos em seu lugar. Só de pensar nas terríveis provações que
teríamos de enfrentar se tivéssemos vivido nesta terra nos últimos anos, comecei a
compreender que experiência amedrontadora e desoladora que vocês passaram. Então veio‐
me à mente o inestimável valor de nossa tradição do evangelho restaurado de Jesus Cristo que
é, afinal de contas, não só o mais precioso bem que possuímos, mas também a única coisa de
real valor nesta vida.
Contemplando seus olhos marejados de lágrimas e vendo muitos de vocês vestidos em trapos e
à beira da morte e, apesar de tudo, com um sorriso nos lábios feridos e a luz do amor e da
compreensão brilhando em seu semblante, sei que vocês têm sido fiéis a seus convênios, que
têm se mantido limpos, que não permitiram que o ódio e a amargura tomassem conta de seu
coração. Vocês – muitos de vocês – estão entre as maiores testemunhas do Senhor dos frutos
do evangelho de Jesus Cristo.
Nenhuma nação pode escapar dos horrores da guerra a menos que seu povo viva de acordo
com a palavra de Deus… Sempre fomos e continuaremos sendo contra a guerra… Cristo disse
que nenhum homem pode exercer injusto domínio sobre seus irmãos. A violação dessa
profunda verdade sempre trará consigo uma colheita de guerra e destruição… No entanto,
fomos também admoestados a obedecermos às autoridades que nos presidem e, quase sem
exceção, vocês foram leais a seu país, ainda que sentissem repulsa pelos princípios
manifestados pelo seu governo, que estavam em total desarmonia com o evangelho de Jesus
Cristo.
Tínhamos algum conhecimento de suas terríveis dificuldades. Nosso coração sofria com vocês
dentro do puro amor de Cristo, que é mais forte que a morte. Nós os amamos! Somos gratos
por sua devoção, por sua fé e lealdade à causa do Mestre… Recebemos registros suficientes
para nos mostrar que vocês fizeram um trabalho maravilhoso.
Existe um idioma no evangelho de Jesus Cristo que pode ser entendido mesmo sem falarmos a
mesma língua. Sinto esse mesmo espírito aqui hoje.
Espero que sejamos capazes de trazer alívio dentro dos próximos dias para o sofrimento que
existe aqui, especialmente para aqueles que estão refugiados e sem abrigo. Estamos aqui com
a aprovação do Presidente dos Estados Unidos. Nosso pessoal militar, do governo e do
Departamento de Estado têm oferecido a maior cooperação possível e estamos muito
animados sabendo que, com a ajuda de Deus, seremos capazes de executar os Seus propósitos
divinos relacionados a vocês e ao seu bem‐estar temporal e eterno.
Somos todos irmãos e irmãs. Somos todos membros da Igreja de Jesus Cristo, o reino de Deus
na terra. Aceitamos de todo o coração a declaração do Mestre de que somos guardadores de
nossos irmãos.
Se nos permitirem executar nosso programa conforme ele foi elaborado, por inspiração do
Todo‐Poderoso, seremos capazes de trazer‐lhes ajuda material e espiritual verdadeira. Esse
plano não foi elaborado pelo homem; ele é o plano do Senhor. É o único plano que vai
Nas Asas de Fé 34
funcionar. Disso presto meu humilde testemunho como uma das testemunhas especiais do
Senhor
Todo homem e mulher que tem um testemunho dessa obra não terá medo do futuro. Haja o
que houver, pessoas assim olharão para frente e para cima. Precisamos do evangelho de Jesus
Cristo neste mundo. Nós o possuímos e, por nosso intermédio, podemos dá‐lo aos outros para
que sejam abençoados.
Sejam unos de coração. Orem sempre. Amem‐se uns aos outros. Marido, ame sua esposa.
Filhos, amem seus pais. Lembrem‐se de Deus em tudo o que fizerem busquem conselho e
orientação em todos os seus empreendimentos.
Que sejam abençoados com líderes que creiam em Jesus Cristo e que estejam desejosos de
aplicar os princípios de conduta tanto na vida pública, administrando o governo, quanto na vida
particular. Oro para que sua fé e suas orações sejam dirigidas ao Pai, para que Ele abençoe
esses líderes com a sabedoria, a paciência e a coragem necessárias para restaurar sua nação,
para que ela seja uma bênção para todos os que amam a liberdade. Acima de tudo, oro para
que continue aberto o caminho para a pregação do evangelho entre seus conterrâneos. Tenho
certeza de que milhares aceitarão esta alegre mensagem e a viverão, assim como vocês fazem.
Sei, assim como sei que vivo, que Jesus é o Cristo, o Redentor da humanidade, o Salvador do
mundo. Sei que Deus, o Pai Eterno, vive, que Ele fala a seus profetas hoje e que todos somos
literalmente seus filhos e filhas espirituais. Sei que poderemos nos tornar como Ele
plenamente, ao longo das eternidades, se aceitarmos e vivermos o evangelho para
merecermos e vivermos com Ele no reino celestial. Tenho visto esse poder; tenho‐o sentido em
minha vida. Desde que me tornei membro do Conselho dos Doze Apóstolos, tenho visto esse
poder se manifestar com mais força do que em qualquer época de minha vida.
Deus está ao leme. Ele nos dirige. Ele não permitirá que Sua Igreja e Seu reino fracassem. O
Senhor nos assegurou isso desde os céus. Esta é a Sua obra. Que Ele nos ajude a amarmos seus
ensinamentos e a vivê‐los… Abençoo‐os para que sempre amem a verdade. E prometo‐lhes,
como servo do Senhor que, se forem fiéis e verdadeiros, nenhuma bênção que mereçam lhes
será negada, mesmo que no momento não consigam desfrutar plenamente as bênçãos que
Seus filhos poderão receber nos templos sagrados. Mas asseguro‐lhes que Ele colocará essas
bênçãos a sua disposição, a Seu modo, pois Ele conhece seus desejos justos e vocês ainda terão
a oportunidade de expressá‐los plenamente.
Nas Asas de Fé 35
voltaram a entrar na fila e outras fizeram isso três vezes para poderem apertar a mão
dele de novo e serem fortalecidos por seu radiante espírito de amor e compaixão.
Essa boa irmã era proveniente da Prússia Oriental. Durante os últimos dias das
terríveis batalhas que se travaram naquela região, o marido dela fora morto. Ela ficou
com quatro filhos pequenos para criar, sendo que o mais novo era um bebê de colo.
Devido aos acordos feitos entre as nações que ocuparam a Alemanha, ela ficou entre
os 11 milhões de alemães que tiveram de sair da terra natal deixando para trás tudo o
que possuíam a fim de procurarem um novo lar na Alemanha Ocidental. Permitiram‐
lhe levar apenas o mínimo, tais como alguma roupa de cama, ou seja, tudo o que
coubesse em um carrinho de madeira – cerca de 15 quilos, no total – que ela puxou ao
longo da desolação e devastação da guerra. Ela carregava nos braços o bebê, enquanto
os filhos pequenos faziam o possível para acompanhá‐la ao longo de 1.600
quilômetros a pé.
Ela começou a jornada no final do verão. Sem dinheiro ou bens, ela se viu
forçada a procurar algo para subsistirem nos campos e florestas pelo caminho.
Enfrentou perigos constantes representados por refugiados em pânico e por
desertores que saqueavam tudo.
Nas Asas de Fé 36
própria vida, como já haviam feito tantos de seus compatriotas. Como seria fácil saltar
de uma ponte das proximidades ou pular na frente de um trem!
Ela então testificou que quando esses pensamentos tomaram conta dela, algo
dentro da alma lhe disse: “Ajoelhe‐se e ore”. Então ela explicou com alegria como orou
com um fervor que nunca experimentara antes.
Quando o impacto da história dessa boa irmã penetrou minha alma, senti
vontade de gritar contra minha ingratidão. “Foi pela graça de Deus”, pensei, “pois essa
poderia ter sido a minha história se meus pais não tivessem aceitado o evangelho
quando jovens e enfrentado as dificuldades que passaram ao emigrar para os Estados
Unidos”. Nunca senti maior gratidão por meus maravilhosos pais do que naquele
momento.
O irmão Badger conseguiu nos levar para tomarmos o desjejum com alguns
oficiais na manhã seguinte. Foi uma refeição simples, mas muito nutritiva. Não pude
deixar de notar quantas refeições foram comidas apenas pela metade. Ver aquele
alimento ser desperdiçado em meio a uma fome tão abjeta parecia‐me algo próximo
do imperdoável. Muitos nas proximidades teriam se regozijado se recebessem uma
parte de tudo o que estava sendo jogado fora a cada dia naquela unidade militar.
Nas Asas de Fé 37
para atender às extremas necessidades dos membros da Igreja a fim de serem usados
até que chegassem nossos próprios recursos em quantidade suficiente. Conseguimos
autorização para enviar imediatamente um vagão de alimentos para Berlim com o
objetivo de suprir às necessidades extremas dos membros refugiados que ali
chegavam. A Cruz Vermelha Internacional e outros organismos prometeram nos ajudar
dentro do possível, diante das restrições governamentais e militares existentes.
Nas Asas de Fé 38
dinamitadas. Algumas estavam remendadas com seções feitas de madeira para
permitir o fluxo de tráfego, enquanto outras não permitiam qualquer conserto
possível. A torre da velha catedral ainda estava de pé, mas tudo que era inflamável
tinha sido devorado pelas chamas. A casa da ópera e o belo centro cívico estavam em
ruínas. Zeilstrasse, que havia sido a “Quinta Avenida” de Frankfurt, não era agora mais
que uma rua fantasmagórica, de paredes destruídas e metal retorcido.
O dano mais sério sofrido pela casa da missão foi resultado da demolição da
ponte Adolf Hitler, que ficava do outro lado da rua, diretamente em frente. Disseram‐
nos que os alemães em retirada tiveram de fazer oito detonações antes de torná‐la
inutilizável.
Nas Asas de Fé 39
Sem mencionar nosso contato anterior com o outro oficial, o Presidente Benson
solicitou uma audiência com o general. O novo ajudante de ordens concordou em
entregar ao general uma carta de apresentação do Senador Elbert D. Thomas,
Presidente do poderoso Comitê de Assuntos Militares do Senado. Quinze minutos mais
tarde, fomos levados à sala do general para falarmos com ele.
“Sua bondosa influência será sentida por todos que encontrar… e eles sentirão
que o poder e o espírito que o acompanham não são coisas do homem.”
O General então nos alertou que, naquele momento, as normas exigiam que
todos os suprimentos destinados à subsistência da população fossem gerenciados e
distribuídos pelos canais militares. No entanto, ele se mostrou bastante surpreso com
a nossa missão e a nossa capacidade de fazer uma distribuição equitativa. Por fim,
arriscou‐se a dizer que talvez pudessem modificar as normas em breve para tornar
possível nosso trabalho. Enquanto essa mudança não se materializava, ele nos sugeriu
que começássemos a estocar os suprimentos.
Nas Asas de Fé 40
nos dar autorização por escrito para conduzirmos a distribuição por nossos próprios
canais. Em retribuição, concordamos em doar uma parte substancial do alimento
estocado para um programa de alimentação infantil já em andamento.
O Presidente Benson então explicou que não temíamos por nossa própria
segurança e que não esperávamos que nos fosse oferecida qualquer garantia. O
general pareceu aliviado e concordou em nos conceder os salvo‐condutos militares
que nos garantiriam a utilização de instalações militares em nossas viagens. Ditou
também uma carta de apresentação dirigida ao General Lucius Clay, encarregado do
Escritório do Governo Militar dos Estados Unidos (OMGUS), em Berlim. Esse
documento mostrou‐se de grande valia para conseguirmos as audiências adequadas
ao chegarmos àquela cidade.
Mais tarde, fomos até Langen, próximo a Frankfurt, para visitar o Sr. P.
Moderegger, cuja esposa era membro da Igreja. Ele era o proprietário de uma grande
sementeira de frutas e vegetais e havia permitido que alguns dos santos refugiados do
Leste ficassem alojados em suas terras, onde muitos encontraram trabalho.
Examinamos com ele a situação e elaboramos um plano pelo qual outras vinte e cinco
famílias pudessem ter a mesma oportunidade. Já havia mais de trinta membros da
Igreja vivendo lá naquela ocasião.
Nas Asas de Fé 41
um bom livro‐caixa no qual as receitas e despesas tinham sido anotadas. Transformar
aquela quantidade de informações desorganizadas em sete anos de relatórios precisos
e aceitáveis mostrou‐se uma tarefa medonha, especialmente porque encontramos
situações similares em todas as missões da Europa. Em cada uma delas foi preciso
tomar as mesmas providências. Apesar da tarefa hercúlea, em menos de um ano toda
a tarefa havia sido bem‐sucedida.
Um dos problemas mais difíceis que enfrentamos foi o de conseguir lugar para
os muitos membros da Igreja ficar, pois muitos estavam fugindo do território polonês
e vinham para Berlim. Muitos chegavam sem roupas ou alimentação adequada e
outros caminhavam descalços pela neve. Alguns desses refugiados estavam morrendo,
apesar dos esforços feitos para ajudá‐los. Dois projetos temporários de bem‐estar
estavam sendo supervisionados em Berlim pela presidência da missão, mas o grande
número de recém‐chegados tornou os recursos disponíveis totalmente inadequados.
Nas Asas de Fé 42
na Alemanha, a irmã Ilse Bruenger Foerster, foi uma dessas vítimas. Ela teve de
suportar a violência das brutais investigações da Gestapo e impiedosas surras. Além
disso, muitas vezes teve de levar nos ombros a responsabilidade dos principais
negócios diários da missão.
Nas Asas de Fé 43
Senhor que poupasse sua vida, porém imaginando que a qualquer momento poderiam
morrer. Ouviram a terrível explosão do quarteirão próximo e depois ouviram e
sentiram o terrível impacto da bomba arrasa‐quarteirão que caíu no jardim, mas a
explosão não ocorreu. A força do impacto foi tão grande que as janelas foram
arrancadas e algumas paredes racharam. A bomba seguinte caiu com precisão mortal
no quarteirão seguinte e o pulverizou. Ao final do bombardeio, a maioria das casas e
edifícios daquele lado do rio tinham sido arrasadas e incendiadas. Aquelas sísteres
haviam escapado milagrosamente para poderem contar sua história.
Nas Asas de Fé 44
de chegar com segurança ao litoral britânico, as tripulações descarregaram todas as
bombas sobre a cidade desprevenida. Noventa e cinco por cento da cidade
desapareceu. As informações que tínhamos era de que apenas uma família de
membros da Igreja tinha escapado ao massacre.
Ficamos convencidos de que onde havia existido unidade e união, a maioria das
pessoas sofreu menos baixas. Foi‐nos relatado o exemplo de um ramo que continuara
a realizar as reuniões apesar dos frequentes ataques aéreos. A única vez em que as
reuniões terminaram mais cedo foi no dia em que os soldados americanos chegaram.
Entre os militares americanos sempre havia alguns membros da Igreja e esses
ajudavam em tudo o que podiam. Onde quer que fôssemos, a população demonstrava
a maior estima pelos soldados SUD.
Foi animador ver e sentir a imensa preocupação que os militares tinham por
nosso bem‐estar. Eles sabiam muito bem das tarefas quase impossíveis que nos
esperavam, mas em virtude das bênçãos que havíamos recebido, tínhamos certeza de
que realizaríamos tudo o que o Senhor quisesse. Quanto a nossa segurança, eu tinha
certeza de que nunca seríamos feridos; consequentemente, a preocupação e o medo
eram estranhos a mim. Senti às vezes uma curiosidade natural quanto à maneira pela
qual nossa missão se cumpriria.
Nas Asas de Fé 45
Fomos informados de que em alguns dos ramos maiores a destruição tinha sido
tão completa que nem uma só Bíblia havia restado ao final dos conflitos. Eles tiveram
de confiar completamente na orientação divina, o que lhes permitiu continuar firmes
na doutrina e na fé.
O primeiro hino foi “Graças Damos, Ó Deus, por Um Profeta”. E como foi belo!
Depois das estimulantes palavras do Presidente Benson (estava escuro demais para
que eu fizesse anotações), o coro cantou “Ó, Vem Supremo Rei”. Creio que os próprios
céus se comoveram com o ânimo do coro.
Nas Asas de Fé 46
CAPÍTULO 4
Dificuldades Inomináveis
Várias histórias sobre os “terríveis” russos nos tinham sido contadas, mas
quando chegamos ao posto de controle da fronteira da zona de ocupação russa em
Helmstedt, tivemos a agradável surpresa de receber permissão para prosseguir sem
grande dificuldade. Os guardas mostraram‐se surpresos de ver a nós e nosso carro de
estranha aparência. Tínhamos pintado as letras US6 em cada para‐lama antes de
saírmos de Hanover.Talvez eles tenham ficado se perguntando porque não havíamos
escrito USSR7! Não conseguíamos conversar com eles, uma vez que não falavam inglês,
alemão nem francês, mas depois de examinarem nossas credenciais e documentos
militares que nos haviam sido dados em Frankfurt, mostraram‐se satisfeitos. Disseram‐
nos “dobra”, ou algo parecido, e fizeram sinal para prosseguirmos.
6
N do T: US: United States = Estados Unidos
7
N do T: USSR: Union of the Socialist Soviet Republics = União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), sigla da antiga União Soviética.
8
N do T: K ‐Ration: alusão à refeição compacta e calórica lançada pelo Exército norte‐americano em
1942, que cabia no bolso do combatente e lhe fornecia nutrição e energia para um dia.
9
N do T: Checkpoint Charlie era um dos postos de controle entre a zona russa e a zona americana em
Berlim e era o único que podia ser usado por militares que quisessem atravessar de uma zona para a
outra.
Nas Asas de Fé 47
havia escapado, pelo menos de danos parciais. Parecia evidente que as casas de
algumas ruas haviam sido consertadas o suficiente para servir de moradia. Eu não
conseguia acreditar no que via ao passar por muitas das antes famosas ruas. Os
sentimentos de tristeza e de incredulidade eram tão fortes que mal podíamos falar
e quase nos sentíamos tentados a fechar os olhos para não encarar a triste
realidade.
Presidente Max Zimmer, Presidente Ezra Taft Benson, Frederick W. Babbel, Capelão H. Badger
Nas Asas de Fé 48
total cooperação, atendendo à solicitação do General McNarney e expressou
satisfação em ter a Igreja executando esse trabalho nas áreas de ocupação, pronta
para ajudar na gigantesca obra de reabilitação material e espiritual.
Mais cedo, tínhamos visto a destruição que ocorrera nos setores ocidentais
daquela enorme cidade, mas ao visitarmos o setor russo em companhia de alguns
militares naquela tarde, contemplamos um cenário inacreditável. Esforços de
limpeza e reconstrução eram feitos nos setores que tínhamos visitado mais cedo,
mas no setor russo, a estagnação era total e o sentimento mortal de desesperança
era palpável. Só mesmo estando ali era possível começar a perceber a profunda
diferença. O odor penetrante de corpos em decomposição tornava a cena mais
opressiva e debilitante sobre o espírito de desespero abjeto que parecia presente
por todos os lados.
Visitamos a sede da missão em Berlim, uma casa alugada que tinha sido
residência de um alto oficial nazista. Um membro alemão tinha preparado o jardim
em volta da casa para a visita do Presidente Benson. Pouco se pudera fazer pelo
edifício, no entanto. Todas as vidraças estavam estilhaçadas e cortinas feias
cobriam os vãos das janelas. O teto, no entanto, parecia estar em boas condições.
Nas Asas de Fé 49
O irmão Langheinrich observou cuidadosamente o desenvolvimento dos
fatos e depois da guerra, em 9 de agosto de 1945, escreveu uma carta ao Marechal
de Campo Zhukoff, comandante russo da Zona de Ocupação em Karlshorst, Berlim
Oriental, pedindo‐lhe permissão para oferecer alimentos aos santos refugiados e
também para procurar todos os registros genealógicos e filmes naquele território.
A permissão foi dada.
Depois de uma longa procura por tais registros, dois grandes grupos deles
foram descobertos nos castelos de Rothemburg e Rathsfeld, situados nas
montanhas da Turíngia. Outros preciosos registros tinham sido descobertos em
minas de sal nas montanhas próximas. As primeiras descobertas resultaram em
seis ou sete mil livros, em fotocópias desses livros e em cerca de cinco mil rolos de
microfilme. Essa preciosa carga de registros foi transferida para o escritório da
missão.
Nas Asas de Fé 50
precisava estar a bordo dentro de duas horas. Era portanto vital que os registros
fossem levados até o vale rapidamente.
Mais tarde, naquele dia, visitamos o local da casa da missão anterior, na rua
Haendelallee 6 e também a casa do irmão Langheinrich na rua Rathenowerstrasse.
Ao chegarmos à antiga casa da missão, constatamos o que havia sobrado dela —
parte de uma parede onde antes existia uma janela. A parede agora tinha apenas
um metro de altura.
Nas Asas de Fé 51
da Missão Alemã Oriental foram destruídas. A vizinhança do irmão Paul Langheinrich, na
Rua Rathenower 52, foi seriamente danificada e queimada. Na manhã seguinte, verificou‐
se que as janelas da casa da missão haviam sido quebradas. O telhado e o forro haviam
sido danificados. Os membros que trabalhavam na casa da missão varreram o vidro
estilhaçado e remendaram o telhado da melhor maneira que puderam.
Por volta do meio dia, de acordo com Paul Langheinrich, ele ouviu um sussurro: “Retire
todas as sísteres da casa da missão imediatamente”. Naquele momento, havia quatro
sísteres alojadas na casa. Ele lhes disse para arrumarem suas coisas e prepararem‐se para
sair com suas malas. Carregando seus pertences, as sísteres evacuaram a sede da missão e
se dirigiram à casa do irmão Paul Langheinrich.
Duas ou três horas mais tarde, o irmão Herbert Klopfer, presidente interino da missão,
chegou à casa da missão com sua esposa, desfrutando uma licença do front russo. Como
encontrou tudo trancado e esquecera suas chaves, saiu a procura do irmão Richard
Ranglak, que o substituira na presidência em sua ausência. Alguns minutos depois, os
bombardeiros retornaram. O impacto direto de uma bomba de 250 quilos destruiu a casa
completamente, deixando no lugar um amontoado de destroços. Graças aos sussurros do
Espírito, no entanto, nenhuma vida do pessoal da missão foi ceifada.
Nas Asas de Fé 52
Ela pareceu feliz por eu tê‐la reconhecido. Antes da guerra, ela pertencera
ao ramo de Schoeneberg, local que ficara agora no Setor Russo.
“Estava imaginando se você se lembra do discurso que fez aqui pouco antes
do Natal de 1937”, disse‐me ela.
Vasculhei minha mente e me dei conta do que ela queria dizer. Então ela
prosseguiu: “Caso você não se lembre, anotei na época algumas de suas palavras e
as tenho aqui neste livrinho. Naquele dia, você nos desafiou a liderar a Igreja na
preparação de nossos registros genealógicos. Em seguida, fez uma promessa e
uma profecia — quero lê‐las para você — de que se mostrássemos fé e sinceridade
e nos fossem dados dez anos de paz para trabalhar, o Senhor nos abençoaria com
um templo na Europa, no qual poderíamos receber nossos selamentos e
investiduras. Mas agora quero saber, você estava falando sob inspiração naquele
dia? Essa promessa vai se cumprir?”
Observamos que nem durante a reunião, nem depois dela, ninguém fez a
mínima reclamação sobre suas circunstâncias, apesar de ser evidente que muitos
estavam nos mais avançados estágios de inanição. Somente em Berlim, nos
disseram depois, o desespero era a causa de mais de cem suicídios a cada dia.
Nossos santos, por outro lado, estavam cheios de esperança, coragem e fé. Onde
quer que os encontrávamos, refletiam um sereno otimismo e um espírito de
gratidão pela Igreja e pelo evangelho de Jesus Cristo.
Nas Asas de Fé 53
bloqueadas por enorme quantidade de escombros e por crateras abertas pelas
bombas. Ambas as capelas que tínhamos na cidade haviam sido completamente
destruídas. Quase sem exceção, os membros da Igreja haviam sido forçados a sair
de suas casas, alguns mais de uma vez.
Apenas uma lâmpada fraca foi acesa para iluminar a sala onde nos
reunimos. Uma das paredes havia sido destruída. Havia uma brisa fria e caía uma
neve fina, o que aumentava o desconforto daquele ambiente desprovido de
aquecimento. Os duzentos membros que ali estavam, tremendo de frio, tinham
começado a reunião às sete e meia da noite e, apesar do toque de recolher que
requeria que nenhum civil alemão estivesse nas ruas após as dez da noite, os
membros tinham decidido permanecer ali até a nossa chegada.
Nas Asas de Fé 54
No meio da bênção, parei completamente aturdido por ter prometido a ela
que ela teria um filho homem. Consciente do fato de que aquela boa gente
acatava cada palavra dos élderes, fiquei preocupado imaginando se não teria
cometido um erro.
Para piorar minha preocupação, ainda na bênção, prometi‐lhe que ela não
teria dores significativas no parto (embora o próprio médico temesse por sua vida)
e que devido à fé que tinha, ela criaria uma grande família (o que também era
impossível, de acordo com o médico, que se admirava que ela pudesse levar
avante uma gravidez na idade dela).
Ao terminar a bênção, ela sorriu e disse que sabia que tudo ficaria bem,
que o filho nasceria e que o Senhor a abençoaria e ampararia. Sim, eu me
lembrava da bênção muito bem!
Quando voltei para casa depois de dar‐lhe aquela bênção, mesmo com o
consolo do presidente da missão, a quem contei o episódio, não fiquei tranquilo. O
presidente então me disse: “Você tem cinquenta porcento de chance de estar
certo!”
“Porque conheci uma jovem com quem gostaria de me casar. Você acha
que ainda é possível para mim casar com ela no templo, como você prometeu na
bênção?”
Nas Asas de Fé 55
(Eu havia‐lhe prometido, de acordo com o seu desejo, que se ele vivesse
uma vida limpa e pura, o Pai Celestial lhe daria o privilégio de casar‐se na Casa do
Senhor ‐‐ algo que parecia impossível e impensável na época em que a guerra era
iminente e ele estava entrando para a infantaria alemã).
(Depois que voltei a Salt Lake City, estava um dia trabalhando nos
escritórios da Igreja e eis que me aparecem ninguém menos que Hans e sua
amada. Eles estavam indo ao Templo para se casar. Tinham obtido vistos de
turistas e iam voltar a sua terra natal após o casamento e um período nos Estados
Unidos. Como conseguiram recursos para fazerem juntos aquela viagem de dois
mil e quinhentos quilômetros era algo extraordinário e não sei como o fizeram.
Não pude deixar de admirar a fé daqueles jovens).
Nas Asas de Fé 56
CAPÍTULO 5
Achei Praga uma cidade adorável. Seus muitos letreiros em neon davam‐lhe um
aspecto de uma metrópole norte‐americana, exceto pelas ruas que eram mais
estreitas e tortuosas e pelas luzes, que eram em menor número.
Outro maço de cigarros nos ajudou a resolver outra emergência pouco depois,
quando dois pneus furaram quase simultaneamente. Quando ofereci uma generosa
quantidade de dólares americanos, minha solicitação de serviço ao borracheiro foi
simplesmente ignorada, mas logo que mostrei o maço de cigarros, os homens
largaram tudo o que estavam fazendo e consertaram nossos pneus com rapidez.
Nas Asas de Fé 57
em Pilsen, onde ficava a sede da enorme fábrica de munição Skoda e também a da
Pilsen, famosa cervejaria europeia.
Dessa vez, o irmão Zimmer assumiu as funções de negociador. Ele teve de dar
ao recepcionista do hotel alguns cigarros para que ele conseguisse alguém para
consertar o pneu logo cedo no dia seguinte a fim de não nos atrasarmos. O homem
que consertou o pneu também teve de receber um “incentivo”, assim como o
recepcionista do hotel para que nos trocasse alguns cheques de viagem. Parecia que
sem cigarros, esses serviços não estavam disponíveis. Disseram‐nos extraoficialmente
que um pacote de cigarros americanos valia cerca de quatro mil dólares americanos, o
que era incrível!
É vergonhoso ver pessoas – membros da nossa Igreja – nos mais avançados estágios de
inanição, com olhos esbugalhados, articulações protuberantes e tão desanimados que
simplesmente falar é um esforço extraordinário. Até o momento, ainda não perdemos muitos
membros por causa da fome. Extraoficialmente uns 100 morreram até agora, mas a menos que
algo seja feito logo, as doenças e o desajuste permanente, devido à desnutrição e outros
fatores, sem dúvida cobrarão um alto preço.
Algumas famílias de três ou quatro pessoas estão sobrevivendo com a quantidade de alimentos
que uma pessoa nos Estados Unidos desperdiça. Caso a pessoa não tenha meios de pagar
preços exorbitantes no mercado negro, ela acaba correndo o risco de morrer de fome. E se
alguém negocia no mercado negro, é considerado um traidor e fica sujeito a multas, à prisão ou
a ambas as penalidades.
O ritmo que estamos mantendo é fantástico. Espero que de vez em quando possamos relaxar
um pouco, mas quando vemos a fome e o sofrimento destas pessoas, sentimos a compulsão de
trabalhar dia e noite.
Nas Asas de Fé 58
esposa, Evelyn. Quando chegamos à casa do irmão Rosner, ele estava de cama
recuperando‐se de um sério acidente.
Pelo que me lembro, ele estava trabalhando em uma cisterna quando uma das
paredes dela desmoronou e caiu sobre ele, esmagando‐o contra o fundo. Ao ser
removido, mais morto do que vivo, descobriram que ele havia fraturado a coluna e
quebrado várias costelas. Na visita que o médico lhe fizera pouco antes da nossa
chegada, ele advertiu ao irmão Rosner: “Talvez você sobreviva, mas nunca poderá
andar de novo.”
Havíamos planejado nos reunir com os santos naquela noite. O irmão Rosner
insistia em participar da reunião e dizia: “Tenho fé que se eu for, ficarei curado.”
Não podíamos ir contra sua fé. Depois de dar‐lhe uma bênção, improvisamos
uma padiola à moda escoteira, deitamo‐lo sobre ela tão cuidadosamente quanto
possível e o levamos até o local da reunião. Para que ele assistisse à reunião,
colocamos uma das extremidades da padiola sobre uma cadeira, fazendo‐o ficar
parcialmente erguido.
Ao final da reunião, o irmão Rosner anunciou que agora podia andar, mas que
não se levantaria por não estar usando calças. Então o levamos para casa. Ao
entrarmos na cozinha, ele se levantou da padiola e caminhou sozinho até a cama.
Durante a guerra, o irmão Rosner tinha viajado de bicicleta várias vezes até a
Áustria a fim de manter‐se em contato com os santos e levar‐lhes ajuda quando se
encontravam abatidos.
Quando respondi que me lembrava, ele disse: “Bom, eu sou aquele menino.”
Na noite que se seguiu à bênção que demos ao irmão Rosner, depois de termos
testemunhado sua surpreendente recuperação, eu não conseguia conciliar o sono.
Minha mente continuava a se maravilhar com o que acabáramos de testemunhar.
Nas Asas de Fé 59
Cedo na manhã seguinte, uma garota de uns 8 anos de idade, bateu à porta. Ela
perguntou: “Vocês são os missionários?”
Quando lhe dissemos que sim, ela explicou: “Tenho um irmão que está muito
doente. Ele gostaria que vocês fossem até a nossa casa para dar‐lhe uma bênção antes
de partirem. Mas não somos membros da sua igreja.”
Nós a acompanhamos com alegria. A mãe dela era viúva e a família vivia em um
cubículo no segundo andar de uma das casas do vilarejo. Ao entrarmos na casa,
encontramos uma mãe que, em lágrimas, aquecia panelas de água em seu pequeno
fogareiro a carvão. Ela nos explicou que seu filho contraíra um tipo de doença que lhe
tomara a perna e avançava para o quadril. Parecia um tipo de envenenamento e eles
estavam esperando por um médico que vinha de uma vila próxima para amputar a
perna do rapaz a fim de salvar‐lhe a vida. A água quente ia ser necessária porque o
médico ia ter de fazer a cirurgia sobre a mesa da cozinha.
Agora, sete anos mais tarde, lá estava ele, um sacerdote, saudável e feliz. Ele
tinha servido por um breve período no exército alemão. Reencontrar o irmão Rosner e
aquele jovem naquela noite foi um clímax maravilhoso para a reunião que tivemos
com os santos vienenses.
Nas Asas de Fé 60
A Áustria é um dos países que foram mais seriamente afetados pelo conflito recente…
praticamente não se encontra leite ou derivados no mercado… Sem ajuda de fora, a inanição é
praticamente inevitável… A fome já existe na Baixa Áustria, onde a população recebe rações de
no máximo 800 calorias por dia. Informações recentes dão conta de que as rações em breve
serão reduzidas em Viena por causa da falta de alimentos…
Nas Asas de Fé 61
SS, os Camisas Pretas, estavam confinados aos alojamentos da prisão aguardando
julgamento por acusações de crimes de guerra.
O Presidente Max Zimmer nos contou mais tarde que, após cessarem as
hostilidades, foram descobertos planos na embaixada alemã na Suíça para a
construção pelos nazistas de cinco campos de concentração naquele país logo após a
planejada invasão. Também se sabia que tropas alemãs tinham ficado na fronteira
para levar à frente a invasão, mas as pesadas perdas e os inesperados reveses que os
alemães sofreram em Estalingrado10 exigiram que essas forças fossem deslocadas para
a frente russa. Assim, a invasão não pôde ocorrer.
Nessa reunião, o “Quarteto Ração K” cantou “Let the Lower Lights Be Burning”,
para a alegria de todos os presentes.
Prosseguindo em nossa primeira viagem após a Segunda Guerra Mundial às áreas ocupadas da
Alemanha e da Áustria, chegamos à Suíça. Uma carta urgente de minha mulher me aguardava,
tendo sido escrita quase duas semanas antes e enviada por via aérea. Na carta, ela me
informava que nossa filha mais nova, estava seriamente enferma e que, como de costume,
evitara comunicar‐me a respeito a fim de não atrapalhar meu trabalho. Tendo sido avisada
pelos médicos de que nossa filha corria perigo de vida e que não tinham mais o que fazer por
10
Hoje, São Petersburgo, na Rússia.
Nas Asas de Fé 62
ela, minha mulher me pediu que me unisse a ela em fé e orações. Contou‐me que tinha
tentado me contatar antes, mas não conseguira. Compreendendo que na ocasião em que
recebi a carta a crise já tinha sido enfrentada sem a participação de minha fé e orações, vi‐me
limitado à esperança de que as orações daqueles a quem amava tivessem sido atendidas.
Fiquei extremamente abatido por sentir‐me impotente para fazer algo.
Dali a duas horas, eu deveria ser o orador principal na reunião em nossa nova e bela capela de
Basileia. Centenas de pessoas se congregariam ali para saber o que tínhamos realizado em
nossa recém‐completada viagem.
Tomado pela ansiedade, sentia‐me incapaz de participar, a menos que conseguisse saber
notícias de minha filha. No entanto, obter notícias naquela hora avançada era praticamente
impossível. Um telefonema para os Estados Unidos requeria um ou dois dias para ser
completado e em geral a ligação era muito ruim. Eu não sabia o que fazer.
Diante desse problema, compreendi que deveria buscar orientação e tranquilidade em meu Pai
Celestial. Ajoelhado ao lado de minha cama em oração, recebi a impressão avassaladora de que
deveria ligar para casa imediatamente. Para a minha alegria e grande surpresa, a ligação foi
completada em menos de dez minutos. A voz de minha mulher soava tão clara como se ela
estivesse na sala ao lado.
Que sentimento de gratidão e de alívio senti ao saber que a crise havia terminado! Nossa
amada filhinha sobrevivera. Como foi doce ouvir minha mulher me assegurar que a fé e as
orações tinham suplantado a provação!
Ao ouvir aquelas palavras de consolo, minha alma se encheu de tal alegria e gratidão que
nunca esquecerei aquela memorável tarde de domingo.
Nas Asas de Fé 63
Dias mais tarde, a caminho de Londres, visitamos alguns dos líderes da Igreja na
Bélgica. Embora fosse evidente que aquela nação havia sido pesadamente atingida
pela guerra, sua economia agora se desenvolvia a um ritmo fortíssimo. O governo
decidira usar parte dos recursos fornecidos pelos americanos para adquirir produtos
que os belgas desejavam e que eram adquiridos por aqueles que tinham dinheiro,
movimentando assim o mercado. Havia nas vitrines produtos que nem mesmo nos
Estados Unidos se encontraria naquela época. Embora seus maquinários tivessem sido
destruídos, os belgas trabalhavam longas horas com ferramentas manuais a fim de
obter o dinheiro para comprar o que desejavam e que encontravam nas lojas. Isso fez
a economia dar um salto e prosseguir a um ritmo surpreendente, comprovando a
validade do sistema de incentivos e recompensas.
Foi então que um pedido incomum foi feito àquele povo. Quando estavam
reunidos em uma grande conferência da missão em Roterdã para dar graças pela
abundante colheita, o presidente da missão, Cornelius Zappey, disse: “Um dos mais
terríveis inimigos que vocês conheceram durante a guerra foi o povo alemão. Sabemos
como são intensos os sentimentos de raiva que vocês têm por eles. Porém, eles estão
agora em uma situação muito pior do que a de vocês e por isso estamos pedindo a
Nas Asas de Fé 64
vocês que enviem toda a sua colheita de batatas para os santos alemães. Vocês farão
isso?”
E eles o fizeram.
“Bom”, continuou ele, “recebi uma carta deles esta manhã com uma foto do
primeiro filho deles”.
Nossos olhos ficaram marejados com lágrimas de gratidão pela bênção especial
que se concretizou em benefício daqueles santos fiéis.
Nas Asas de Fé 65
Antes de sairmos da Holanda em direção a Londres, passei um dia inteiro na
casa do Presidente Schipaanboord, em Utrecht. Ele e seus familiares relataram alguns
dos problemas que enfrentaram durante a guerra. Eles me mostraram os pisos falsos
que tinham em casa nos quais haviam escondido máquinas de escrever, de calcular,
registros e outros itens para evitar que fossem confiscados.
Dessa forma, foi concluído nosso primeiro giro pela Europa. Nosso tempo havia
sido tão exíguo nessas viagens devido à intensa agenda, que nem eu nem o Presidente
Benson tínhamos tido tempo para assuntos pessoais, exceto para escrever uma ou
outra breve carta pessoal para nossos entes queridos na América. O Presidente
Benson disse o seguinte com respeito a esse período: “Estávamos tão ocupados
fazendo a história acontecer, que não conseguimos encontrar tempo para escrevê‐la.”
Como resultado dessa viagem, o caminho foi aberto para que os missionários
fossem readmitidos em vários países europeus e foi obtida total cooperação das
autoridades civis e militares para com o programa de bem‐estar e de assistência
espiritual da Igreja. Recebemos permissão para enviar itens extremamente necessários
e urgentes e distribuí‐los entre os membros da Igreja na maior parte dos países da
Europa e as negociações com outros países pareciam promissoras. Pode‐se até sentir
tentado a plagiar uma famosa citação do tempo da guerra e dizer: “Nunca tanto foi
realizado tão rapidamente por tão poucos”11 — mas éramos apenas instrumentos e
testemunhas do poder e dos propósitos do Senhor, que estava à frente de tudo.
11
Frase atribuída ao Primeiro‐Ministro britânico, Sir Winston Churchill, em 1942, durante a Batalha da
Grã‐Bretanha, na Segunda Guerra Mundial.
Nas Asas de Fé 66
CAPÍTULO 6
Os Britânicos Avançam
No dia seguinte, ele enviou uma cópia da carta do médico, juntamente com
seus comentários, para a Primeira Presidência, para que os irmãos pudessem, por sua
vez, estar plenamente a par desses maus presságios. Em seguida, preparamos nosso
itinerário para o resto de abril, maio e junho. A agenda refletia o ritmo que estávamos
mantendo, que era o normal durante todo o período que passamos juntos na Europa.
Esta era a nossa agenda:
Nas Asas de Fé 67
7 de maio Conferência em Oslo, Noruega
Nas Asas de Fé 68
contendo de 4 a 10 páginas, datilografados em espaço simples — em um período de
25 horas diretas de trabalho, das 4 horas da manhã de um dia até às 5 horas da manhã
do dia seguinte. Esse esforço parece ter reduzido o atraso, porém o que estávamos
fazendo parecia insignificante em comparação com o que ainda precisava ser feito.
Logo após o sacramento, o filme mudo “O Rei dos Reis” foi exibido enquanto o
coro murmurava vários hinos apropriados. Depois de assistir ao filme, meu coração
transbordava de alegria e gratidão. Fui inspirado a falar sobre a realidade da
ressurreição em relação à restauração do evangelho em nossos dias por meio do
Profeta Joseph Smith. Senti fortemente o Espírito do Senhor enquanto eu falava.
Após a reunião, uma certa irmã Downs, membro fiel havia mais de 46 anos,
veio falar comigo. Ela me disse que, durante meu discurso, ela vira com seus olhos
espirituais um belo personagem pouco atrás de mim, à direita. Ela havia tirado os
óculos por pensar que estava imaginando coisas, mas a visão continuou vívida. Como
ela era praticamente cega sem os óculos, compreendeu que o que vira não era fruto
de sua imaginação. Aquela experiência fortalecera muito sua fé, disse ela.
Sem contar ao presidente do ramo o que me fora dito pela irmã, indaguei ao
presidente do ramo sobre ela. Ele a considerava não somente racional por completo,
mas também altamente espiritual. Concluí que ela tinha enxergado com seus olhos
espirituais naquela ocasião e que eu não estava enganado a respeito da força do
Espírito presente à reunião.
Certo dia, naquele período, o Presidente Hugh B. Brown e sua esposa viajaram
conosco em nosso carro para Birmingham, Inglaterra, para assistirmos a uma reunião
especial com os presidentes de distrito da Missão Britânica. Foi um prazer genuíno
desfrutar do rico intercâmbio de experiências e comentários que ouvi pelo caminho.
Impressionou‐me particularmente a insistência do Presidente Brown em viajar no mais
desconfortável assento traseiro ao lado da esposa em vez de ficar sentado longe dela.
Esse amor e terna preocupação com sua companheira eterna ampliaram a estatura do
Presidente Brown diante dos meus olhos e em meu coração.
Nas Asas de Fé 69
desencadearam na tentativa vã de esmagar a população britânica e seus centros de
produção bélica.
O famoso ataque a Coventry tinha causado mais danos permanentes aos belos
prédios medievais da cidade do que às grandes fábricas de material bélico que ficavam
na periferia. As antigas casas em estilo Tudor, decoradas em madeira, no centro da
cidade, haviam sofrido uma destruição considerável. E a catedral — um dos melhores
exemplares de arquitetura perpendicular da Europa — estava em ruínas.
Essa boa senhora, [a irmã Amussen], faleceu há cerca de um ano e meio. Morávamos em
Washington, D.C. na época. Minha esposa, quando ficou sabendo que ela estava enferma,
Nas Asas de Fé 70
tomou um avião com nossas duas filhas, mas só conseguiu chegar a Logan, Utah, algumas horas
depois que ela falecera. Todavia, algo interessante ocorrera na semana anterior.
Parece que esse acontecimento causou grande impressão na pequena Logan, maior do que
qualquer outra coisa que lá já tivesse ocorrido. Foi também um reforço ao testemunho de
muitas pessoas, inclusive de não membros.
No sábado pela manhã, segundo me lembro, ela chegou à casa de sua filha mais velha, que
ainda mora em Logan. A irmã Amussen vivia sozinha e era viúva havia quarenta anos. Depois de
estar no centro da cidade e trabalhado um pouco, ela foi à casa da filha mais velha e disse:
“Mabel, o Senhor me fez saber por meio do meu marido que a minha hora havia chegado e que
na quinta‐feira tudo terminará e eu morrerei.”
Vocês podem bem imaginar o choque que foi para a filha dela, porque aparentemente sua mãe
gozava de perfeita saúde. A irmã Amussen continuou: “Seu pai me apareceu ontem à noite — e
essa não foi a primeira vez — mas apareceu‐me na noite passada e disse‐me que tinha vindo
me avisar que chegara minha hora, que eu deveria estar pronta para partir na quinta‐feira da
próxima semana e que eu deveria colocar meus negócios em ordem.”
Para concluir, ela disse: “Não há nada com que se preocupar. A morte é tão natural quanto o
nascimento. Não estou preocupada, nem pesarosa. Sinto‐me cansada.”
A filha tentou convencê‐la que ela estava imaginando coisas, ao que a irmã Amussen replicou:
“Não, não estou imaginando coisas. De fato aconteceu e o que estou dizendo é verdade.”
O fato não causou grande impacto na filha por algum tempo — pelo menos não a ponto de
fazê‐la contar o ocorrido para o resto da família.
Saindo de lá, a mãe foi ao banco, de onde sacou suas parcas economias, pagou suas contas, foi
e escolheu seu próprio caixão e fez os arranjos para pagá‐lo. Depois voltou para casa e
continuou com seus afazeres, sem dizer nada a mais ninguém. Mais tarde ela chegou a ligar
para o eletricista para que ele fosse lá desligar a energia — as luzes — e instruiu o encanador
para desligar a água. Tudo isso aconteceu na terça‐feira, se me lembro bem.
Segundo me contou o bispo depois, no domingo ela tinha comparecido à reunião de jejum e
testemunhos. “Ela prestou o testemunho, o que sempre fazia no domingo de jejum, mas
naquele domingo em particular seu testemunho foi muito marcante, como se ela estivesse se
despedindo e falou com um fervor maior do que eu já a ouvira demonstrar. Depois que ela se
sentou, ninguém mais se levantou para prestar testemunho. Ficamos lá sentados até que
finalmente me levantei e anunciei o hino de encerramento.
Na noite de terça‐feira, ela começou a sentir‐se mais ou menos fraca e ligou para a filha
perguntando se o marido dela poderia buscá‐la, pois ela queria passar os dois próximos dias
com eles. Ela informou á filha até mesmo a cama em que queria se deitar. Ela disse: “Só vou
estar por aqui por mais dois dias e eu gostaria de ficar no quarto do Dick”. (Dick era um
sobrinho de quem ela gostava muito). Chegando lá, deitou‐se e ficou cada vez mais fraca.
O filho dela foi lá e conversou com ela um pouco e ela lhe disse que na quinta‐feira tudo
terminaria, mas ele tentou dissuadi‐la. Na quinta‐feira, sua filha chegou perto da cama e a irmã
Amussen disse: “Mabel, vou dormir agora. Estou fraca e cansada, mas meu coração está feliz.
Não me acorde, mesmo que durma até de noite.” Então, ela adormeceu para sempre.
Nas Asas de Fé 71
Frederick W. Babbel, June A. Babbel, Flora Amusen Benson, Ezra Taft Benson, 26 de janeiro de 1946
Criar onze filhos vigorosos até chegarem à honrosa hombridade ou feminilidade adulta em uma
pequena fazenda não é tarefa fácil. No entanto, como meu pai e minha mãe se devotaram
totalmente a essa tarefa, eles nunca pareciam temer o futuro. A razão era a fé que tinham — a
confiança de que sempre podiam achegar‐se ao Senhor e que Ele os ajudaria.
“Lembrem‐se de que o que quer que façam ou onde quer que estejam, vocês nunca estarão
sós,” era o conselho costumeiro de meu pai. “Nosso Pai Celestial está sempre perto. Vocês
podem pedir e receberão Sua ajuda por meio da oração.”
Em toda a minha vida esse conselho de depender da oração tem sido valorizado acima de
todos os outros conselhos que já recebi. Ele se tornou parte de mim, uma âncora, uma fonte
perene de força.
A oração foi o meu socorro durante a experiência mais aterradora da minha juventude. Eu era
missionário da Igreja Mórmon em Sunderland, Inglaterra. Meu companheiro, William Harris, e
eu estávamos de costas um para o outro, frente à frente com uma multidão hostil que havia
12
N do T: O cargo de Secretário no gabinete presidencial americano equivale ao de Ministro, no Brasil.
Nas Asas de Fé 72
13
sido engrossada por uma ruidosa malta que saía dos pubs , estava ansiosa diversão e que não
era aversa à violência.
O que começara como uma reunião de rua comum, logo tomou proporções de um motim
raivoso e descontrolado. Muitos rumores falsos e maliciosos sobre a nossa Igreja haviam sido
espalhados pela cidade.
A multidão começou a agitar‐se e alguém lá atrás gritou: “O que está havendo?” Várias vozes
gritaram em uníssono: “É aqueles mórmons danados!” Essa frase fez explodir um clamor
terrível: “Vamo pisotear eles!” “Joga eles no rio!”
A turba avançou e tentou nos jogar no chão para que pudessem nos pisotear. Em minha
ansiedade, orei silenciosamente ao Senhor pedindo orientação e proteção. Quando parecia
que eu não ia aguentar mais, um jovem corpulento avançou até chegar ao meu lado e disse em
voz alta e clara: “Acredito em cada palavra que disseram esta noite. Sou seu amigo.”
Quando a voz dele foi ouvida, abriu‐se um pequeno círculo ao meu redor. Para mim, era uma
resposta direta à minha fervorosa oração. O que percebi em seguida foi um robusto policial
inglês nos conduzindo em segurança por entre a multidão até chegarmos a nossa casa.
Recorrer à oração em tais momentos de crise não era algo nascido do desespero. Era
simplesmente o fruto de um adorável hábito de oração familiar que eu tinha absorvido desde a
mais tenra infância. Lembro‐me muito bem de quando a família era pequena, todos nos
ajoelhando juntos na cozinha. Depois, com o crescimento da família em número e tamanho,
passamos a orar na sala de jantar, que havia sido adicionada à casa. Cada um de nós, ainda
crianças, revezávamo‐nos para oferecer orações simples e sinceras. Como sou grato por ter
continuado essa prática em meu próprio lar, e por minha devotada esposa e filhos
considerarem isso uma fonte infalível de força e contentamento…
É tão bom para a alma saber que Deus nos conhece e que está pronto para atender quando
colocamos Nele nossa confiança e fazemos o que é certo. Não há lugar para medo entre
homens e mulheres que colocam sua confiança no Todo‐Poderoso, que não hesitam em
humilhar‐se em busca de orientação divina por meio da oração. Embora perseguições se
levantem, apesar dos reveses que acontecem, na oração podemos encontrar segurança, pois
Deus dará paz à alma. Essa paz, esse espírito de serenidade, é uma grande bênção.
13
N do T: Pub, bar típico da Grã‐Bretanha.
14
Extraído de “The Best Advice I Ever Had” [O Melhor Conselho Que Já Recebi], de Ezra Taft Benson,
Reader’s Digest, novembro de 1954. Copyright 1954 de The Reader’s Digest Assn., Inc.
Nas Asas de Fé 73
sabe para onde vai e que tem um programa tão extraordinário para seguir. Juro que
desejaria que todo o mundo pudesse conhecer esse programa.”
Após tomarmos o desjejum bem cedo, partimos para Carlisle. Nossa rota nos
levou através da região dos lagos da Inglaterra — provavelmente uma das mais
adoráveis daquele país. Ficamos fascinados com sua beleza exuberante. O Presidente
Benson nos contou que tinha passado por aquela região com o Presidente David O.
McKay quando este era Presidente da Missão Europeia durante a década de 1920. Ele
disse que o Presidente McKay ficava tão embevecido com a paisagem que começava a
citar Shakespeare, Keats, Shelley, Burns ou algum dos outros grandes poetas, quase se
esquecendo da direção, ao olhar para o céu. Às vezes ele chegava a largar o volante
para enfatizar alguns trechos de prosa com os gestos apropriados. Mais de uma vez,
disse o Presidente Benson, seu carrinho chegava a sair da estrada, obrigando o
Presidente McKay a trazê‐lo de volta ao rumo. Tive certeza de que mesmo naquela
época o Senhor mostrou Seu amor e cuidados por aquele grande homem, preservando
sua vida muitas vezes, resguardando‐o de acidentes ou ferimentos.
Essa foi a gota d’água. O guia respondeu logo: “Bem, o senhor bem que poderia
ter esses lagos em seu país, se realmente quisesse.”
O americano se interessou logo em saber como tal coisa poderia ser realizada.
Então o guia replicou: “Vou lhe dizer como. Tudo o que você precisa é de um tubo
Nas Asas de Fé 74
longo. Coloque uma ponta dele aqui nos nossos lagos e a outra na América. Se você
tiver tanto fôlego para sugar a água quanto você tem para contar lorotas, os lagos irão
para lá facilmente!”
Logo chegamos à pitoresca Carlisle, com seu famoso castelo ligado à história de
Mary, Rainha da Escócia. Depois de visitarmos alguns membros da Igreja que o Élder
Benson conhecera durante sua missão, dirigimo‐nos até a vizinha Gretna Green,
Escócia, onde visitamos a famosa loja do ferreiro, cenário de milhares de casamentos
secretos nos últimos 150 anos. Ali os casais se casavam unindo as mãos sobre uma
bigorna. Na lei escocesa, não havia a exigência do envolvimento de Deus ou da igreja
na cerimônia. Assim, casais ansiosos (geralmente um dos dois ou ambos eram
menores cujos pais haviam negado consentimento) eram casados simplesmente pela
declaração diante das testemunhas de que desejavam ser unidos em matrimônio.
Muitas iniciais estavam rabiscadas nas paredes da velha loja de ferreiro. Fomos
informados de que a última “cerimônia” oficial havia sido realizada em 1940. O último
“sacerdote‐ferreiro” oficial, que nos servia de guia, assegurou‐nos que centenas de
milhares de casamentos haviam sido realizados lá ao longo de muitos anos. A bigorna,
diziam, trazia boa sorte, e todos os desejos formulados enquanto se punha a mão
sobre ela eram realizados.
Newcastle tem esse nome por causa do “new castle” (castelo novo) construído
na época dos normandos15, provavelmente sobre o local onde existira uma antiga
fortaleza romana. Embora a região ao longo do Rio Tyne seja altamente
industrializada, ainda existem mais castelos por quilômetro ali do que em qualquer
outra parte da Grã‐Bretanha. Um catálogo do ano de 1541 listava nada menos que 120
castelos nessa região. Até mesmo hoje ainda existem sessenta ou setenta castelos,
alguns ainda habitados, mas a maioria não passa de ruínas.
Ao embarcarmos sob garoa no S.S. Jupiter, em Newcastle, observamos nosso carro ser
colocado na proa do navio e começamos nossa viagem sobre o agitado Mar do Norte.
Fomos alertados de que haveria uma forte tempestade no trajeto, o que poderia nos
atrasar um dia, mas as bênçãos do Senhor continuavam conosco; desfrutamos de uma
bela viagem em toda sua extensão e chegamos no horário previsto na Noruega.
15
N do T: Período da história da Inglaterra que vai de 1066 até aproximadamente o final da Idade
Média.
Nas Asas de Fé 75
CAPÍTULO 7
Esplêndida Escandinávia
Na véspera da data marcada para a partida deles, o funcionário que era tão
inflexível e ácido com eles teve um derrame e faleceu. Quando os outros funcionários
que cuidavam do caso foram consultados na manhã seguinte, demonstraram boa
vontade e estavam até desejosos de que os missionários permanecessem
indefinidamente.
Ainda estava claro e fomos informados que naquela terra do “sol da meia‐
noite” praticamente não havia escuridão naquela época do ano. Estávamos em maio.
Um jovem repórter do maior jornal diário de Stavanger apareceu para entrevistar o
Presidente Benson. Duas outras entrevistas foram agendadas para a manhã seguinte.
Essas entrevistas foram amigáveis e foram uma excelente publicidade.
Nas Asas de Fé 76
A Noruega fascina os meteorologistas, por causa de seu clima surpreendente e inacreditável.
Para começar, os fiordes, reentrâncias profundas do mar por entre as montanhas, estão
sempre livres de gelo, apesar de as temperaturas chegarem às vezes abaixo de 40º centígrados.
A Noruega é o país mais estreito da Europa, sendo que na média tem uma largura de cerca de
100 quilômetros. É também o que tem a população mais esparsa, o que tem o maior número
de ilhas e de montanhas e também o primeiro em que as mulheres tiveram direito a voto.
Possui cento e cinquenta mil ilhas, sem contar as pequenininhas, e três quintos de seu
território é montanhoso, o que representa 191 mil quilômetros quadrados de território
escarpado. Seu litoral, se fosse linear, se estenderia do Polo Norte ao Polo Sul... Alguns lagos
têm uma profundidade de 300 metros abaixo do nível do mar.
Talvez mais fascinantes que os próprios noruegueses são os lemíngues. Essas criaturas, da
família dos roedores, são incansáveis, tenazes e destemidas. Provavelmente você já ouviu falar
da migração dos lemíngues das montanhas para o mar, que é feita sob o manto da noite,
enquanto os dias, presume‐se, são reservados ao sono. Em sua marcha, esses roedores, que
são vegetarianos, comem toda a vegetação que encontram. Por sua vez, eles são devorados
por doninhas, lobos, corujas e renas, que, em outras circunstâncias, também são vegetarianos.
Quando o bando de lemíngues, cujas baixas são substituídas na marcha pelos que nascem no
trajeto, chega ao mar, todos saltam nágua e lançam‐se a nadar em direção à Inglaterra, mas
apesar de serem excelentes nadadores, ninguém nunca viu um lemíngue na Inglaterra...
Nas Asas de Fé 77
Contaram‐nos que várias vezes durante a guerra, soldados alemães que eram
membros da Igreja haviam assistido às reuniões, administrado o sacramento e até
abençoado os enfermos. Às vezes eles obtinham rações extras de seu exército
(alemão) e as traziam para alguns dos membros noruegueses, para os quais a comida
estava muito racionada. O irmão Wersland só tinha elogios para os soldados alemães
que eram membros da Igreja e demonstrava admiração por eles e pelo amor que
manifestaram durante a guerra. Ficamos felizes em ouvir isso, porque só confirmava o
que já nos haviam dito em outros países que tínhamos visitado até então.
Onde quer que o mandassem, ele sempre era vigiado por guardas fortemente
armados. Várias vezes o ameaçaram de extermínio. No entanto, ele ensinava o
evangelho aos guardas sempre que tinha uma chance. Por fim, ele e outros dezesseis
companheiros foram condenados à morte por fuzilamento.
Embora seus companheiros tivessem sido mortos, ele sobreviveu. Mais tarde,
com a ajuda de um oficial alemão que aceitou a mensagem do evangelho, ele
Nas Asas de Fé 78
conseguiu escapar e acabou chegando à Dinamarca, onde entrou em contato com os
trabalhadores clandestinos. Com a ajuda deles, conseguiu voltar para a Noruega e
reassumiu seu papel de líder do movimento de resistência.
Certo dia, ele e seu corajoso grupo de combatentes foram cercados por três
divisões alemãs. Estavam com pouca munição e os suprimentos estavam quase no fim.
Pelo que consegui entender do seu relato, ele orou ao Senhor para saber o que fazer.
Na manhã seguinte, ele disse a seus companheiros que iria de motocicleta até o
vilarejo mais próximo para procurar ajuda e suprimentos. Seus companheiros disseram
que isso significava suicídio, mas ele já havia decidido. Ao entrar na cidade em sua
motocicleta, dispararam contra ele várias vezes, mas ele escapou milagrosamente sem
qualquer ferimento. Pouco depois ele estava de volta a seu grupo.
Nas Asas de Fé 79
Nossa visão alcançava quilômetros em todas as direções. Aninhada no sopé do
rochedo estava a pitoresca cidade de Bergen, com seus parques e lagos multicores,
casas de telhados vermelhos e atracadouros. Era possível enxergar um fiorde inteiro se
estendendo por vários quilômetros terra adentro. Dois outros fiordes de estonteante
beleza eram visíveis recortando e penetrando o litoral. Montanhas e rochedos
escarpados nos cercavam por todos os lados. Dezenas de navios avançavam para baixo
e para cima no Fiorde Bergen, muitos dos quais parecendo casquinhas de noz
flutuando nas águas que avançavam continente adentro. O ar estava tão puro que
enxergávamos bem longe e víamos uma miríade de ilhas grandes e pequenas que
salpicavam o Mar do Norte e se aninhavam ao longo da acidentada costa.
Mais tarde naquele dia, mencionei a um dos membros que falava um inglês
razoável sobre o que ouvira falar das crianças ficarem amarradas como cabras no alto
dos rochedos que se erguem acima dos fiordes. Ele então me disse que em algumas
áreas rurais do norte do país ainda existia o costume incomum de, durante o outono
de cada ano, as mães costurarem as roupas de baixo, de flanela, no próprio corpo das
crianças de modo a que elas não as trocassem durante todo o inverno. Isso permitia
que os óleos corporais se acumulassem, formando assim um escudo que os protegia
do frio rigoroso. Por isso — foi o que me disseram — eles conseguiam evitar quase
completamente os resfriados, a pneumonia e outras doenças desse tipo. Na
primavera, as mães reuniam de novo os filhos e faziam uma brincadeira enquanto
descosturavam as roupas para que as crianças tomassem banho.
Conhecemos vários irmãos, entre os quais um que se chamava Art Wilford, que
acabara de voltar de um longo período de convalescença na Suécia. Ele contou sua
fascinante história de como havia sido capturado enquanto lutava como membro da
resistência em Bergen, tendo depois sido enviado de um campo de concentração atrás
do outro na Alemanha, onde sofreu todo tipo de humilhação e doença. Quando
finalmente conseguiu escapar, mais morto do que vivo, acabou chegando à Suécia.
Estava tão fraco, que ninguém esperava que ele sobrevivesse. As semanas se
transformaram em meses até que finalmente se recuperou o bastante, graças às
orações, para poder andar de muletas, que ele ainda usava quando o conheci. Depois
daquele encontro, ele mudou‐se para os Estados Unidos e está servindo como
patriarca e suas experiências da guerra emocionaram muitas plateias em todo o país.
No trajeto de Stavanger até Oslo alguns dias mais tarde, viajamos de carro e
circulamos pelo contorno de vários fiordes que nos deixaram encantados. Um vale em
particular era emoldurado por colinas verdejantes cobertas por renques de árvores
das mais frondosas que já tinha visto. Abaixo, havia um regato prateado que descia
das montanhas cascateando desde as escarpadas elevações para atravessar a
sonolenta aldeia em seu caminho, até desaguar no fiorde. Além de sua foz, estavam as
brilhantes águas do sempre surpreendente Mar do Norte. O cenário parecia combinar
Nas Asas de Fé 80
em uma só imagem praticamente todos os elementos de beleza que se poderia
imaginar. Esse lugar, conhecido como Kvinnesdahl, é considerado um dos mais belos
da Noruega.
Foi então que eu lembrei a ele de que na Suécia a mão de direção é invertida,
como na Inglaterra. Com um sorriso sem graça ele rapidamente fez o nosso carro
voltar à pista da esquerda e evitou o que poderia ter sido um grave acidente.
Uma das irmãs que solicitou uma bênção em Gotemburgo era uma deficiente
que usava uma cadeira de rodas. Parecia que ela sofria de artrite aguda. Nos disseram
que os pais dela haviam feito tantas objeções a ela batizar‐se na Igreja que, apesar de
sua condição de dependência, chegaram a deserdá‐la legalmente, obrigando‐a a cuidar
da própria vida como pudesse. Os membros da Igreja a haviam ajudado muito, mas ela
própria queria servir ao próximo. Ao pedir ao Presidente Benson que lhe desse uma
bênção, ela expressou esperança de que um dia pudesse pregar o evangelho às
Nas Asas de Fé 81
pessoas que ela amava e ao povo sueco. O Presidente Benson, na bênção, prometeu‐
lhe que de acordo com a fé que ela tinha, seus desejos seriam realizados.
Meses mais tarde, ficamos sabendo que aquela irmã havia sido chamada para
servir em uma missão. Devido à fé que tinha, ela abandonou a cadeira de rodas e
cumpriu uma missão extraordinária. Mais tarde ainda, ela emigrou para os Estados
Unidos e realizou ordenanças sagradas no Templo de Salt Lake.
Durante nossa breve visita a Gaevle, visitamos a casa onde Peter A. Forsgren
vivia quando foi batizado em 19 de junho de 1850, por seu irmão, o Élder John E.
Forsgren. Esse foi o primeiro batismo na Suécia realizado com autoridade divina nesta
dispensação. A casa é simples, fica em uma das estreitas vielas e, na ocasião em que a
visitamos, estava pintada de vermelho vivo.
Durante os sete dias que ficamos na Suécia, conseguimos visitar até mesmo os
ramos da missão e participar de reuniões com os membros e amigos. Em cada cidade,
recebemos entusiásticas boas‐vindas, e as capelas ficavam superlotadas. As
perspectivas para a obra missionária pareciam muito favoráveis.
Durante algum tempo, ficara cada vez mais evidente que o peso das
responsabilidades sobre o Presidente Benson estavam lhe causando constante insônia.
Onde quer que nos hospedávamos, ele pedia um pouco de privacidade, com um
Nas Asas de Fé 82
quarto só para si. Pelo que observei, ele não somente arrazoava com o Senhor, mas
também o Senhor lhe dava atenção e tinha prazer em revelar‐lhe coisas que estavam
além da compreensão do homem. Depois de cada uma dessas ocasiões, parecia que
ele obtinha novas forças e renovada inspiração.
Ele alertou o povo de que o Senhor havia decretado guerras e desolação entre
os habitantes deste planeta, que as conferências de paz seriam inúteis e que as nações
continuariam a sofrer inquietação e tumultos até que os líderes das nações e seus
povos se arrependessem, se humilhassem diante de Deus e rogassem a Ele em
poderosa oração e fé. Ele disse ainda que a chamada paz da atualidade seria apenas
temporária, que logo viriam tempos em que o coração dos homens se enfraqueceria e
eles amaldiçoariam a Deus e morreriam, que as pragas e pestilências decretadas
seriam derramadas sem medida sobre os iníquos. Mas acrescentou as palavras ditas
pelo Senhor: “É meu propósito suprir a meus santos.”
Nas Asas de Fé 83
com um acabamento melhor e muito mais conforto. Esse foi o primeiro carro novo a
ser vendido na Holanda após a guerra e o Presidente Zappey relatou que mesmo os
homens do governo ficaram espantados com o fato de a missão ter conseguido
comprá‐lo, apesar da existência das listas de prioridades que continham nomes de
líderes governamentais à espera.
Após essa reunião preliminar, ele foi recebido em uma suntuosa recepção e
banquete no Savoy Hotel, ocasião em que os delegados foram apresentados ao rei e à
rainha, bem como a outras pessoas importantes da Inglaterra. Ernest Bevin, então
Ministro de Relações Exteriores foi o orador do encontro. Enquanto isso, fiquei no
escritório tentando colocar em ordem a caótica pilha de cartas que esperavam para
ser respondidas. Antes de ir dormir, fiz um relatório atualizado de nossas recentes
atividades para a Primeira Presidência e para o jornal Deseret News.
Nas Asas de Fé 84
ousados bandos de pessoas desesperadas em busca de comida. Foram feitos esforços
para evitar que a notícia desses trens vazasse, mas os despachantes na Europa
continental nos disseram que os saques ocorriam apesar das mais severas precauções.
Durante toda a nossa estada na Europa, no entanto, nossos carregamentos sofreram
apenas perdas mínimas de alimentos e roupas. Como resultado, esses suprimentos
conseguiram manter vivas talvez centenas de pessoas durante aquele terrível período
do pós‐guerra.
Um breve trecho de uma carta que escrevi à minha esposa no início do verão
de 1946 demonstra a disponibilidade e os preços de alguns itens de “luxo”.
Ao voltar para o escritório (…) passei por uma mercearia. Agora podia dizer que já tinha visto
de tudo! Pêssegos a 1 dólar e 75 cada, damascos a 1 dólar e 30 a unidade e pequenas cenouras
do tamanho do dedo mínimo a 25 centavos cada. (…) É praticamente impossível encontrar
frutas e vegetais na Europa ou então são tão absurdamente caros que ninguém pode se dar a
esses luxos.
Outra coisa que a guerra fizera retornar à Inglaterra foram as filas para a
obtenção de produtos escassos ou serviços difíceis. Um trecho de outra carta que
enviei para casa registra minha reação naquela época:
Dia após dia, por toda a cidade, o que se vê são filas. Às vezes as pessoas têm de esperar por
quatro ou cinco horas em uma fila para, no final, ficarem frustradas por não conseguirem o que
pretendiam. Essas filas são terríveis. O tempo que se perde nelas, se fosse usado para algo útil,
poderia reconstruir toda a Grã‐Bretanha em um ano, sem gastar um centavo em mão de obra.
Fico pensando quando é que vão compreender que ‘tempo é dinheiro’. Chego a duvidar que o
empréstimo americano à Grã‐Bretanha possa cobrir duas semanas do tempo gasto em filas.
Elas são a maior perda de tempo que já vi, mas as pessoas, humilde e submissamente, esperam
sua vez com paciência, alguns deles até trazendo cadeiras dobráveis para aguardar sentados.
Nas Asas de Fé 85
Apesar de todo o meu instinto americano contrário a tal perda de tempo, tive
de admitir que essa prática tinha seu mérito. Ela refletia o sentimento britânico de
igualdade — cada um na sua vez. A alternativa para enfrentar a escassez seria a
abordagem ‘grátis para todos’, com as mulheres e crianças por último.
A Dinamarca, o mais antigo reino do mundo, é um país notavelmente aprazível — que tem
cerca de duas vezes o tamanho de Nova Jérsey e é habitado por quatro milhões de
dinamarqueses e três milhões de vacas. As vacas são tratadas com respeito, chamadas pelos
seus próprios nomes, que são escritos nas suas baias. Durante o inverno, elas vestem
sobretudos e de vez em quando são levadas para uma caminhada. A produção de laticínios,
como se pode imaginar, é enorme.
Essa dificuldade com nomes tem melhorado ultimamente porque o governo permite que um
homem mude de sobrenome desde que pague quatro coroas (uma coroa vale 21 centavos de
dólar). Por um pouco mais, trinta e três coroas, uma pessoa pode obter direitos autorais sobre
seu nome e depois gozar da distinção de ser o único a possuí‐lo, pelo menos na Dinamarca.
O ponto mais elevado do país (Montanha Celeste) tem 170 metros de altitude. Sob a égide da
atual (na época) reconstrução, a cerveja jorra de torneiras de máquinas automáticas; os
carteiros usam alegres paletós vermelhos; as pessoas têm espelhos fixados no lado externo de
suas janelas para que possam observar a rua nos dois sentidos sem serem vistas; os filhos
cumprimentam os pais após o jantar com um aperto de mão; quase todo mundo anda de
bicicleta; as mulheres fumam em público longos charutos negros, finos e retorcidos; a planta
ornamental mais popular é o cacto (porque combina com o estilo escandinavo moderno de
decoração de interiores); homens e mulheres são habilidosos e vigorosos na arte de tricotar; e
o café é forte, embora a cerveja (segundo me disseram) seja fraca.
Praticamente todo dinamarquês se encontra vez por outra com o Rei cavalgando e ele sempre
os saúda polidamente com um “alô”.
Nas Asas de Fé 86
dinamarqueses a chamam de Cidade dos Idosos. Ela tem apartamentos, parques e jardins
modernos, uma igreja, um hospital e um cinema. Os idosos recebem até mesmo dinheiro para
pequenos gastos e existem 300 atendentes para mil e quinhentos internos.
Os dinamarqueses são praticamente todos luteranos zelosos, mas também são criaturas de
hábitos arraigados. Em certa aldeia, por exemplo, era costume, ninguém sabia porque,
curvarem‐se ao passar por uma certa parede caiada de uma igreja. Um antiquário raspou a
tinta da parede e descobriu uma imagem da Virgem Maria nela que tinha sido coberta com
camadas de caiação havia mais de quatrocentos anos.
Os dinamarqueses comem aveia quente com doses de leite frio e as camponesas usam
máscaras de pano para proteger a pele do vento. Na Dinamarca, os tijolos voam, porque são
feitos de uma argila vulcânica leve. O Jonas Bronck, em cuja homenagem o Bronx de Nova York
recebeu o nome, era dinamarquês.
Nas Asas de Fé 87
CAPÍTULO 8
O Presidente Benson estava incomodado por uma tosse seca, por isso dirigi de
Esbjerg, na Dinamarca, até a fronteira com a Alemanha. Essa parte da Alemanha
estava sobre controle militar da Inglaterra. Quando chegamos ao posto de controle da
fronteira, percebemos que havia uma grossa cancela bloqueando a estrada.
Tentei arrazoar com ele, mas quanto mais eu falava, mais zangado ele ficava.
Enquanto isso, eu escutava o motor do carro ronronar lá fora. Eu orava em desespero
para decidir o que fazer ou dizer. De repente, tive uma inspiração.
Nas Asas de Fé 88
Em seguida, perguntei se por acaso ele era casado e ele disse que sim. Tinha
filhos? Sim. A esposa, que morava em Londres, tinha ganhado um menino cerca de um
mês antes e ele estava ansioso para vê‐la e o bebê durante sua próxima licença.
Nesse ponto, mostrei‐lhe uma foto da minha esposa com minha filha Bonnie.
Expliquei que tinha vindo à Europa poucas semanas depois de minha filha nascer, que
eu viajava à minha própria custa na tentativa de encontrar meios para ajudar as
pessoas a sobreviver e a se reabilitarem. Informei que já tínhamos feito viagens
anteriores à Alemanha e que conhecíamos os regulamentos e as dificuldades. Disse‐lhe
também que faríamos contato com o escritório do Dr. Olsen para obter os
documentos militares necessários logo que chegássemos a um posto militar na
Alemanha, de onde poderíamos telefonar.
Parecia que já nos acostumáramos tanto a ter nosso caminho aberto diante de
nós rapidamente que qualquer atraso extra parecia indesculpável. Minha experiência
com o major foi um lembrete de que não era tão fácil. De minha parte, eu estava grato
por ter o Senhor mais uma vez manifestado Sua promessa em nosso favor de que “eles
irão e ninguém os deterá, porque eu, o Senhor, os mandei ir.” Como estávamos gratos
por aquele passaporte divino!
Nas Asas de Fé 89
filha de treze, ambos extraordinariamente inteligentes, que estavam muito
enfraquecidos.
Três dias mais tarde, quando voltamos a Kiel para nos reunirmos com os
membros da Igreja, a irmã Mueller caminhou três milhas com a família para assistir à
reunião e planejava caminhar de volta para casa depois. Devido a sua recente
enfermidade, insistimos em levá‐la de carro de volta à casa, o que a deixou muito feliz.
Quando ela caminhou pelo corredor de volta a sua cadeira, uma das irmãs das
primeiras filas — a presidente da Sociedade de Socorro — puxou levemente o vestido
dela e disse mais ou menos o seguinte: “Espero que você compartilhe essa agulha e
linha com o resto de nós. Precisamos tanto dessas coisas.”
(A irmã Benson vinha nos enviando alguns pacotes com alimentos. De vez em
quando, se os pacotes estivessem ligeiramente abaixo do peso, ela incluía agulhas,
linhas e outros pequenos itens semelhantes que eram praticamente impossíveis de
Nas Asas de Fé 90
obter em algumas das áreas pelas quais viajávamos. A agulha e a linha do relato acima
foram presentes dela).
Nunca imaginei que vivesse para ver coisas tão simples, que na América nem
pensamos a respeito, assumirem tão grande importância!
Sirenes estridentes de alerta de ataque aéreo e o fogo contínuo e incomum das baterias
antiaéreas anunciavam o início do milésimo bombardeio aniquilador sobre Hamburgo,
Alemanha. Antes de terminar a noite, a cidade se transformara em uma massa ardente de
ruínas e destroços derretidos. Entre as milhares de vítimas resultantes desse primeiro
bombardeio concentrado estavam 28 santos dos últimos dias mortos e um número maior de
feridos graves. Nas duas semanas seguintes, os bombardeiros continuaram a despejar suas
bombas arrasa‐quarteirão sobre aquela cidade que já fora bela e altaneira.
O irmão Otto Berndt, presidente do distrito de Hamburgo, embora tivesse sido pela segunda
vez vítima do bombardeio, ficando sem seu lar, reuniu os membros da Igreja que conseguiu
contatar para poderem avaliar as perdas e determinar as necessidades de socorro e
reabilitação dos membros dos cinco ramos de Hamburgo.
Constataram que dos 300 membros do Ramo Saint George, 60 haviam morrido e um número
grande deles estava recebendo cuidados médicos. Os outros quatro ramos, embora
proporcionalmente menores, haviam sofrido perdas equivalentes. Quase todos os membros
estavam sem lugar para morar e muitos tinham perdido praticamente todas as suas roupas,
provisões e móveis.
Nas Asas de Fé 91
necessidades de todos foram satisfeitas de acordo com a solicitação de cada um, sem que se
cobrasse um só centavo de ninguém.
Das cinco capelas da área, somente restava a do Ramo Altona e ela foi usada como abrigo
temporário de várias famílias sem‐teto, enquanto os restantes foram alojados nas casas que
ainda podiam ser ocupadas e que pertenciam a membros.
Grupos de irmãos percorriam os subúrbios e adquiriam pequenos lotes nos quais construíam,
com o material que conseguiam recolher entre as ruínas, residências temporárias para os
membros. Em um período notavelmente curto, o gigantesco trabalho de bem‐estar e
reabilitação tinha sido realizado, graças à aplicação dos princípios básicos de bem‐estar com os
quais os membros não estavam bem familiarizados, mas aos quais atenderam com altruísmo,
16
como verdadeiros irmãos e irmãs, no espírito de amor e consideração pelos outros.
Sorri da melhor maneira que podia nas circunstâncias e devo dizer que não
senti nenhum medo, porque eu estava com um apóstolo do Senhor. Após alguns
momentos que pareceram horas, o oficial russo sorriu também e disse “Dobra” (ou
algo parecido), e logo estávamos a caminho de nosso objetivo.
16
European Mission History [História da Missão Europeia], pp. 36–37).
Nas Asas de Fé 92
se fizesse ampla divulgação. A estação de rádio transmitiu chamadas três vezes por dia nas
duas semanas anteriores e todos os outdoors da cidade e todos os bondes estampavam
convites, de modo que praticamente todo mundo na área sabia da conferência quando ela
começou. É interessante lembrar também que os funcionários da ferrovia colocaram dois trens
extras naqueles dias, que passavam de cidade em cidade recolhendo os membros para levá‐los
à conferência.
(…) A frequência total foi de 11981 pessoas. Somente a sessão de domingo à noite teve 2082
17
pessoas presentes — de longe o maior público até hoje a participar de uma reunião dos
santos dos últimos dias na Europa. No concerto especial com a apresentação de um coro de
toda a missão, com 250 vozes e uma orquestra de 85 componentes, realizada na segunda‐feira
à noite, compareceram 1021 pessoas. No baile Auriverde realizado naquela noite, havia 1261
pessoas. O belo teatro do zoológico de Leipizig, que estava sendo reconstruído, ofereceu
excelente acomodação, levando centenas de pessoas a interessar‐se sinceramente pelo
programa da Igreja. (…)
(…) Eventos como esse são um testemunho mais poderoso do que palavras da fé e devoção de
nossos santos nestas áreas devastadas pela guerra. Sem dúvida, esse foi um dos eventos de
destaque que jamais teve similar entre o nosso povo naquelas terras. O espírito de fé e
coragem que essa conferência despertou fará muito pelo fortalecimento dos membros durante
este período tão crítico que agora enfrentam.
Cento e quarenta membros da Igreja da área de Berlim participaram desse grande evento e foi
uma alegria ver e ouvir seu entusiasmo e louvores na reunião realizada na noite de quarta‐
18
feira, 19 de junho.
Aqui também, mais uma vez, como tinha acontecido antes em Hanôver, fomos
saudados por umas vinte criancinhas que ficaram de pé sobre cadeiras ao longo do
corredor central. Cada uma delas tinha um belo arranjo de flores nos braços, que
derramavam à frente do Presidente Benson e do restante de nós em todo o nosso
trajeto até o púlpito, criando assim um lindo e amplo tapete de flores frescas. Quando
nos sentamos, havia lágrimas correndo pelos nossos rostos e estávamos tão
engasgados com a emoção que tínhamos até dificuldade de falar.
17
Na data em que o relato foi escrito.
18
Ibidem., p. 32.
Nas Asas de Fé 93
comunicações, prisioneiros de guerra, aumento do nosso programa da juventude e outros
itens.
19
Ibidem, p. 38.
20
N do T: Naquela época de pós‐guerra, devido à grande escassez, veículos civis costumavam rodar sem
pneus.
Nas Asas de Fé 94
Bielefeld, onde os arranjos florais eram os mais bonitos que já tínhamos visto em
nossas viagens até então.
21
N do T: Music and the Spoken Word era o programa que hoje se chama Música e Palavras de
Inspiração e é transmitido todos os domingos pela manhã, ininterruptamente desde 1929, diretamente
da Praça do Templo, em Salt Lake City.
Nas Asas de Fé 95
Quando a música terminou, o Presidente Benson segurou‐me o braço e me
conduziu até o púlpito para que eu fosse seu intérprete. Eis o que ele falou: “Espero
que vocês tenham escutado as crianças cantarem. Asseguro‐lhes que elas não estavam
cantando sozinhas. Anjos cantavam com elas. E se o Senhor tocasse os olhos espirituais
de vocês e sua compreensão, vocês veriam que muitos dos seus entes queridos que
vocês perderam durante a guerra estão reunidos conosco hoje aqui.”
Esse incidente teve um impacto tão profundo em mim, que escrevi para minha
mulher sobre ele alguns dias depois, dizendo:
(…) O Presidente Benson acrescentou: “Nunca senti o Espírito do Senhor de maneira tão forte
quanto esta manhã. (…) O véu entre nós e o mundo espiritual é muito tênue. Sinto de forma
poderosa que há outros aqui além dos que podemos enxergar — alguns de seus entes queridos
estão aqui, assim como alguns líderes da Igreja que já se foram. Eles amaram os que aqui estão
mais do que tudo. Aqueles que têm autoridade nos céus estão satisfeitos e felizes porque os
espíritos de nossos entes queridos estão aqui entre nós.
Enquanto as crianças cantavam, olhei para elas diversas vezes, porque ouvi mais vozes que
cantavam além daquelas que faziam parte do coro infantil. Verdadeiramente, as vozes delas
estavam mescladas com vozes celestiais. Hoje de fato experimentamos um gostinho do céu.”
Ele disse muito mais, mas aquele foi um dos momentos mais inspiradores que eu já vivera. Só
em pensar, meu coração se enche de gratidão e louvor e minha alma fica plena de humildade e
amor pela abençoada certeza que nos é dada por meio da mensagem do evangelho. (…)
Era inspirador ver aquelas pobres criaturas com os rostos erguidos, literalmente absorvendo
cada palavra nossa. Era uma alegria ouvi‐los cantar os hinos de Sião, sentir seu cálido espírito e
sua fé profunda e perseverante no evangelho. Depois de uma hora e meia de reunião, que para
eles não parecia ser suficiente, juntamo‐nos a eles para tirar uma fotografia do grupo. Durante
todo o tempo em que estivemos juntos ali, não foi proferida uma só palavra de crítica ou de
amargura por qualquer deles, embora tivessem perdido todas as suas posses terrenas, e alguns
tivessem perdido a família inteira.
O momento mais triste aconteceu mais tarde quando, em companhia do Presidente Zimmer e
do presidente do ramo local, visitamos os toscos abrigos onde aqueles irmãos estavam
vivendo. Ali, nas condições mais desumanas, sem quaisquer instalações sanitárias,
amontoavam‐se de uma a quatro famílias em cada cômodo.
O primeiro abrigo tinha quatro famílias, num total de 22 pessoas, vivendo em um único
cômodo onde comiam, dormiam e viviam. Dois beliches ficavam ao longo de três das paredes
do cômodo, a fim de acomodar várias pessoas. Um pequeno fogão‐estufa no centro do chão de
Nas Asas de Fé 96
madeira era a única fonte de calor para o cômodo, além de servir para cozinhar. Os mais jovens
dormiam no chão em camas que eram improvisadas todas as noites. Havia ali pessoas de todas
as idades, desde um bebê de colo até uma senhora de mais de 80 anos, além de vários
adolescentes.
Todas essas pessoas foram perseguidas e expulsas da Alemanha Oriental, de uma área que hoje
pertence à Polônia. São indesejados em sua antiga terra natal e fugiram para a Zona Americana
em busca de refúgio, embora tecnicamente fossem considerados ilegais, pois deveriam ir para
a Zona Britânica, enquanto que aqueles que viessem da Checoslováquia deveriam ir para a
Zona Americana. Ficamos satisfeitos, entretanto, em receber permissão para que ficassem,
desde que plantassem hortas e mostrassem real intenção de ajudar‐se a si mesmos.
O espírito que os movia era bom. Era emocionante ouvir um dos membros desse grupo de 22
pessoas contar como todos se ajoelhavam em oração juntos de manhã e à noite naquele abrigo
tosco.
Antes de partirmos, conseguimos deixar com eles algumas provisões que tínhamos obtido
graças à generosidade de alguns dos nossos bons soldados… e conseguimos fazer os
preparativos para outros envios de provisões, que estão agora a caminho. Obtivemos
22
permissão também para enviar‐lhes algumas barracas que compramos na Suíça. (…)
Fui guiado pelo Espírito a falar de forma ousada e contundente contra pessoas,
membros da Igreja, que trabalhavam por subterfúgios contra os Presidentes Benson e
Zimmer, causando dificuldades que poderiam facilmente levar a Igreja a ter má
reputação e a deixar de realizar muitas das coisas boas que estavam sendo feitas pelos
membros. Os membros que assim agiam eram, na maior parte, aqueles que tinham
sido ativos no regime nazista ou que eram simpáticos aos seus propósitos. Para se
protegerem, eles estavam procurando os líderes da missão para que estes não só
simpatizassem com eles, mas também os levassem a ocultar‐se sob o disfarce de
missionários ou trabalhadores na Igreja.
Fiquei surpreso por ter falado sobre esses assuntos sem ter pensado neles ou
cogitado a seu respeito. Muitos dos presentes sentiram que a minha mensagem foi
extremamente necessária.
22
Ibidem, pp. 40‐41.
Nas Asas de Fé 97
Em nosso trajeto de carro de Frankfurt à cidade suíça de Basileia no dia
seguinte, surpreendeu‐nos a quase completa ausência de vacas, cavalos, cabras e
outros animais que tinham sido comuns e abundantes naquela rica região. Nos
informaram que milhares e milhares desses animais haviam sido mortos nos ataques
aéreos, enquanto muitos outros haviam sido abatidos para servir de alimento.
Nas Asas de Fé 98
Quando chegamos a uma autobahn, uma autoestrada, o Presidente Zimmer
ficou com vontade de dirigir. Deduzi das conversas anteriores que, embora ele não
fosse um motorista exímio, já tinha dirigido antes. Como eu estava enganado!
Mostrei a ele como ligar e desligar o carro. Depois lhe expliquei os rudimentos
da teoria de direção, mudança de marchas, olhar para a estrada, etc. Uma vez que a
autobahn não tinha contra‐tráfego (as pistas eram separadas por uma mureta de
segurança), nada poderia acontecer — pelo menos era o que eu pensava.
Nas Asas de Fé 99
tinha sido causada pela Batalha do Bulge23. Aachen estava igualmente em escombros.
As estradas estavam em tão mal estado em alguns trechos que era quase impossível
passar de carro. A desumanidade do homem contra o próprio homem era algo
apavorante de se contemplar.
23
A Batalha do Bulge foi uma das mais ferozes do final da Segunda Guerra, na qual os alemães lançaram
um ataque desesperado com várias divisões de tanques Panzers, tendo causado grandes perdas aos
Aliados.
24
O Atol de Bikini, no Pacífico, foi utilizado pelos Estados Unidos como campo de testes de bombas
nucleares no pós‐guerra.
“A Alva Rompe”
Os funcionários da empresa aérea britânica, que era a única linha aérea que
fazia o trajeto Praga‐Londres naquela época, avisaram‐no de que seria impossível, uma
vez que eles já tinham mais passageiros com voos marcados do que podiam acomodar.
Quando o Presidente Benson informou‐lhes sobre a urgência de sua solicitação, o
encarregado disse: “Sr. Benson, mesmo que o
“Por que o senhor ainda está esperando? Já lhe disse que não há como
embarcá‐lo naquele avião”, disse o funcionário.
Nessa mesma época, recebemos a visita do Dr. LeRoy E. Cowles, Reitor Emérito
da Universidade de Utah. Ele nos acompanhou a uma reunião sacramental no Ramo
Londres Sul, na qual ele discursou sobre como podemos melhor desenvolver nossas
facetas temporal e espiritual. Ele mencionou que de uma maneira indescritível, todos
irradiamos um espírito bom ou mau, de fraqueza ou de força, àqueles com quem nos
relacionamos. Aconselhou que devemos sempre orar pedindo a habilidade e a força
para edificar os outros. Ele testificou que durante todos os anos em que estava na
Universidade de Utah como membro do corpo docente daquela instituição e depois
como Reitor, sempre que precisava resolver quaisquer problemas, ele recorria à
oração. Durante todos aqueles anos, nem uma só vez tinha deixado de receber a ajuda
necessária pedida em oração. O Presidente Benson foi o orador seguinte e falou sobre
o lar. “O lar”, disse ele, “requer amor, devoção, humildade, gratidão, espírito de
serviço e espírito de adoração. Esse espírito não pode ser comprado, por mais rico que
alguém seja. Ele só pode ser obtido por meio do viver digno. O lar que tem o
sentimento de ser aprovado pelo Senhor é, de verdade, um lar rico, por mais pobre
que seja ou por mais que esteja desprovido dos luxos da aparência exterior.”
Esse tipo de comentário nunca deixava de fazer vibrar uma corda de enorme
gratidão em meu peito. À minha doce esposa, que estava em meu longínquo lar,
escrevi:
(… ) Não temos carro nem casa, nem quase nada a não ser aquelas coisas que fazem de nossa
vida o melhor possível — temos um ao outro e nossos preciosos, filhos que o céu nos confiou.
Não é curioso que aquilo que amamos mais profundamente e mais valorizamos são
exatamente as que são eternas, tanto em sua natureza quanto em seu desfrute, as que o
dinheiro não consegue comprar, coisas que na realidade não podem ser obtidas, mas que
Preciso repetir constantemente que o Senhor sabia o que fazia quando enviou o Presidente
Benson [à Europa]. Ele é um apóstolo do Senhor em todos os sentidos. (…) Continuo a
maravilhar‐me com sua fé inabalável, sua coragem indômita, sua resoluta determinação e seu
espírito ousado. … Ele não só fala com Deus, mas também O ouve. Tenho certeza de que Deus
fala com ele da mesma maneira que falava aos apóstolos antigos. Ele é de fato um grande
servo de Deus — um dos homens mais humildes e mais devotados que já conheci, possui um
espírito bondoso e tem maneiras gentis, não tem dolo, e tem um caráter maior do que todos os
homens que já conheci… em seu profundo e sincero amor pelos santos de Deus. É realmente
inspirador estar perto dele e ver como ele trabalha.
Quase todos os membros da Igreja na Finlândia moram em Larsmo, uma família em Obo e um
membro em Helsinque (Helsingfors). O Presidente Benson, ao examinar os relatórios do ramo
de Larsmo, constatou que havia nos últimos dez anos 100 por cento de frequência em todas as
reuniões, de cumprimento da Palavra de Sabedoria e de pagamento de dízimos e ofertas. Esses
recordes pareciam incríveis.
Quando ele perguntou como isso era possível, uma vez que era muito improvável que ninguém
tivesse ficado doente ou tivesse tido outros problemas, eles disseram: “De fato, às vezes
alguém fica doente, mas nós os trazemos às reuniões assim mesmo, porque é aqui que o
Senhor quer que estejam.” Essa maravilhosa atitude confirma a inspiração que o Presidente
Benson teve de enviar os missionários àquele maravilhoso país para iniciar a obra.
Em uma dessas cabanas, de propriedade de um dos membros, foi realizada uma breve reunião
na qual se falou a respeito da história da obra missionária na Finlândia. Foram lidos alguns
trechos da sua história que revelaram que, desde 1861, apenas alguns esforços esporádicos
haviam sido empreendidos entre a população de língua sueca naquele país.
Ficou constatado que nenhuma Autoridade Geral havia visitado o país ainda e então foi
decidido que deveriam encontrar um local adequado no qual realizar a dedicação da nação à
pregação do evangelho restaurado. O local escolhido foi uma elevação que fica a cerca de um
quilômetro ao sul da Escola Grev, próximo à estrada que liga Larsmo a Jakobstad.
Bem cedo pela manhã, na terça‐feira, 16 de julho, o Presidente Benson, seu grupo de auxiliares
e mais uns 16 membros, foram até o local escolhido e realizaram a reunião de dedicação.
Iniciando a reunião, cantaram “Tal Como um Facho”. O Élder Ezra Taft Benson, do Conselho dos
Doze, na ocasião servindo como Presidente da Missão Europeia, ofereceu a oração dedicatória.
A manhã estava bela e ensolarada, com pássaros cantando ao redor. A oração foi tão
inspiradora que os presentes sentiram que os anjos e os finlandeses que já haviam partido para
o mundo espiritual se regozijaram com aquele evento memorável. As lágrimas de alegria
expressaram a gratidão dos que ali se achavam pelo acontecimento do qual nunca se
Na quarta‐feira, dia 17 de julho, às 4 horas da manhã, o grupo partiu para Helsinque ao som de
“América” e “Deus Vos Guarde” cantados em inglês pelo coro do ramo de Larsmo, que se
reunira para aquela ocasião.
Mais tarde, no mesmo dia, o irmão Urho Karppa, único membro em Helsinque, se reuniu ao
grupo e os acompanhou até o Helsinki Hotel, onde foram recepcionados com entusiasmo por
Juho Himalainen, presidente do Clube Finlandês‐Americano, além de um grupo de repórteres e
fotógrafos. O Sr. Himalainen expressou esperança de que uma obra missionária de grande
alcance viesse a ser realizada naquele país. Todas as reportagens foram generosas e favoráveis.
Na reunião pública que foi realizada no Balders Hall – localizado no centro da cidade, próximo
ao mercado – compareceram 245 pessoas que demonstraram interesse religioso incomum
além de grande receptividade à mensagem do evangelho, o que foi muito encorajador. Os
presentes ouviram com interesse o relato da restauração do evangelho e, depois da reunião,
adquiriram todos os folhetos disponíveis e solicitaram mais. Havia vários cidadãos
preeminentes entre os convidados.
A reunião foi realizada em inglês e sueco e ficamos sabendo posteriormente que uma grande
delegação presente permaneceu durante todo o evento apesar de não entenderem uma só
palavra de qualquer um dos dois idiomas. Eles expressaram a esperança e o desejo de
participar de outra reunião que seria realizada em finlandês para que pudessem entender e
desfrutar mais plenamente o espírito que sentiram.
Após a reunião, o Presidente Benson foi entrevistado por jornalistas de uma publicação
25
nacional da área da agricultura. (…)
Essa reunião pública em Helsinque foi uma grata surpresa. Nosso único
membro naquela cidade, o irmão Urho Karppa, converso havia apenas oito meses,
tinha escrito para nós em Londres solicitando permissão para encontrar‐se com o
Presidente Benson durante a visita dele a seu país. Presumimos, devido ao óbvio
desconhecimento dele em relação à Igreja, que ele não compreendia que era muito
bem‐vindo para encontrar‐se com o Presidente Benson no Helsinki Hotel, pois ele
insistia que havia reservado o Balders Hall para esse encontro.
25
História da Missão Europeia, pp. 89‐92.
Desde fevereiro último, estou representando a minha Igreja em uma missão religiosa e
assistencial em vários países da Europa. Acabei de retornar da minha primeira viagem à
Finlândia, onde realizei várias concorridas reuniões públicas nas principais cidades do país. Em
todos os lugares, fui recebido com grande amabilidade. Nunca antes encontrei qualquer outro
lugar que tenha atitudes mais favoráveis aos Estados Unidos.
Devido à urgente solicitação desses mesmos líderes finlandeses, prometi‐lhes que escreveria a
Vossa Excelência, em nome do povo finlandês, para expressar a profunda gratidão deles e de
seus mandatários pela magnânima assistência que os Estados Unidos têm prestado ao povo
finlandês ao longo dos anos. Sinto‐me à vontade para admitir que aquele povo esplêndido,
íntegro e sóbrio conquistou meu coração.
Tenho observado que durante minha ausência de meu lar nos Estados Unidos muitos
problemas assoberbantes têm se apresentado a Vossa Excelência. Que a bondosa Providência
Divina lhe dê sabedoria e inspiração para conduzir as grandes responsabilidades de seu
importantíssimo cargo.
Atenciosamente,
Em uma breve parada do trem em Kansas City, o Élder Benson e sua esposa se
dirigiram rapidamente a uma banca a fim de comprar um jornal vespertino. Embora o
condutor tivesse anunciado que a parada seria de dez minutos, o trem partiu em cinco
minutos, deixando o casal Benson para trás.
O Élder Benson logo telefonou para o aeroporto e fez reservas imediatas para
voar de Kansas City para Chicago. Em seguida, ligou para o Presidente John K.
Edmunds, da Estaca Chicago, pedindo‐lhe que alguém os esperasse de carro no
aeroporto para levá‐los à estação a tempo de pegar o trem e continuar a viagem.
A Finlândia é hoje uma florescente missão que rivaliza com as de seus vizinhos
escandinavos. Ela é também uma testemunha da inspiração do Presidente George
Albert Smith que prometera ao Presidente Benson em sua designação que ele seria um
instrumento na abertura de novas terras para a pregação do evangelho. Sem dúvida,
“A Alva Rompe, Trevas e Erro Fugirão...”26
26
Palavras da segunda estrofe do hino 1, “A Alva Rompe” (Hinos, A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias).
No Olho do Furacão
27
N do T: O mapa da Europa foi redesenhado após a guerra. Entre as principais modificações, estava a
divisão da Alemanha em dois países: a Alemanha Ocidental, chamada República Federal da Alemanha, e
a Alemanha Oriental, denominada República Democrática Alemã. Além dessa divisão forçada pelas
forças de ocupação, vários territórios foram desmembrados da Alemanha e anexados a países vizinhos.
A princípio, eu mal podia crer nos meus ouvidos. Lá estava ele, cercado de uma
luz bela e radiante, com o rosto brilhando. Eu imaginava que sua aparência devia ser
semelhante à do Profeta Joseph quando sua fisionomia brilhava pela presença do
Espírito do Senhor.
Do ar, a paisagem era linda e parecia uma colcha de retalhos formada por
campos, florestas e pradarias amarelos, cinzentos e verdes, riscados por rios e
estradas. Vilarejos e lagos apareciam e sumiam. Aqui e ali se viam as linhas em zigue‐
zague das trincheiras, crateras de bombas e algumas cidades devastadas. As cicatrizes
da guerra estavam muito evidentes e vivas. Mais tarde, ficamos sabendo que os
campos verdes não eram nada mais do que simples mato.
28
Doutrina & Convênios 1:5
Diante dessa explanação, o cavalheiro disse: “Sr. Benson, você não entende
que uma guerra violenta acabou há pouco por aqui? Quase não existem transportes na
Polônia. Já estou aqui há mais de um mês e até agora não consegui nem mesmo um
jipe para me levar às vizinhanças de Varsóvia.”
Naquela noite, demos umas voltas pela cidade. Eu nunca tinha visto tamanha
sujeira, tantos mendigos, nem tantas pessoas em estado tão decrépito. Considerando
as condições de vida vigentes, era possível compreender em parte a razão disso. As
pessoas pareciam estar totalmente desamparadas e sem recursos para comprar
qualquer coisa. Assim, procuravam vender os artigos que lhes eram doados pelos
americanos pelo preço mais alto possível para que pudessem comprar alguns itens de
primeira necessidade, tais como pão e batatas. Havia todo tipo possível de mercado‐
rias nas vitrines e nas ruas. Crianças pequenas vendiam cigarros americanos por dois
dólares e cinquenta o maço, a que chamavam de “Papyroczy”. Muitas dessas crianças
tinham partes de caixas de papelão que antes embalavam esses itens pendurados por
barbante nos ombros para servir‐lhes de roupa. Várias estavam mutiladas, sem um pé
ou mão, e usavam muletas,. Em alguns casos, tinham o rosto deformado. Caminhamos
vários quarteirões entre pilhas das ruinas mais abjetas que eu já tinha visto. Quanto
mais longe íamos, mais nos subjugavam os sentimentos de depressão e tristeza.
Finalmente, demos meia volta e retornamos ao nosso apinhado quarto de hotel.
Havia soldados russos por todo lado. Também havia militares poloneses — pelo
menos eram jovens poloneses em uniformes militares. Todos estavam sujos,
desgrenhados e armados até os dentes.
Saímos mais cedo para tomar o ônibus para Katowice e precisamos persuadir o
motorista a esperar pela chegada do Presidente Benson. Enquanto isso, ele, o irmão
Gasser e o presidente do ramo fizeram uma última visita ao vice‐prefeito de Wroclaw.
Nesse encontro, decidiram que o irmão Gasser deveria ficar mais um dia para acom‐
panhar os diversos assuntos relacionados à remoção definitiva de nossos membros
daquela área.
Era evidente que nenhum vilarejo de toda a Silésia (que tinha sido parte da
Alemanha) tinha sido poupado da desolação da guerra. No entanto, imediatamente
após cruzarmos a fronteira e entrarmos no território da antiga Polônia, as cidades
pareciam intocadas, com as fábricas e alto‐fornos a todo vapor. Que contraste só por
cruzarmos a fronteira! O cenário ali me lembrava a Checoslováquia. Mais uma vez,
durante a viagem, vimos centenas de soldados russos, todos imundos e pesadamente
armados.
Fiquei muito feliz em dizer a ela que sim. A pergunta dela foi muito surpreen‐
dente, porque tanto quanto sabíamos não havia membros da Igreja na Polônia, exceto
por aqueles alemães que ainda não tinham sido removidos para a Alemanha. Descobri
que as duas garotas eram membros da Igreja refugiadas que tinham sido deixadas para
trás, sem saber se suas famílias estavam vivas ou não. Em nossa conversa, elas confir‐
maram que não havia transporte público disponível naquela ocasião entre Katowice e
Varsóvia.
Apesar dos avisos que nos tinham sido dados sobre bandos que pilhavam e
sequestravam, viajamos à noite até quase as três da manhã e chegamos sem
incidentes. Embora nosso espaço na carroceria do caminhão fosse bastante restrito,
ficamos muito gratos pela bondade daqueles que tornaram possível aquela viagem
memorável.
Tínhamos feito preparativos para sairmos para a Prússia Oriental por volta do
meio‐dia, de jipe, mas como chovia muito e não tínhamos dormido quase nada, o
Presidente Benson decidiu que deveríamos esperar até o dia seguinte, domingo,
quando o irmão Gasser voltaria e poderia ir conosco. Assim, pedimos ao motorista do
jipe da UNRRA que voltasse às 9 horas da manhã seguinte.
Como tínhamos tempo que podia ser gasto produtivamente, visitamos alguns
altos funcionários poloneses. Agradou‐nos especialmente a visita a Stanislaw
Mikolajcyk, Primeiro Vice‐Presidente e Ministro da Agricultura. Durante a guerra, ele
havia sido o Primeiro Ministro em exercício da Polônia no exterior, com seu gabinete
sediado em Londres. Como líder do partido político que se opunha ao governo fanto‐
che apoiado pela Rússia, ele nos disse que provavelmente ficaria pouco tempo na
Polônia.
Visitamos à tarde o famoso gueto de Varsóvia. Foi uma visão terrível. Antes da
guerra, Varsóvia tinha cerca de 1.250.000 habitantes, dos quais 350.000 eram judeus
que viviam no mencionado gueto. Quando os alemães chegaram, eles forçaram os
judeus a construir um sólido muro em torno do gueto, inclusive com fortificações. Em
seguida, isolaram os judeus do mundo exterior e os forçaram a sobreviver como
pudessem e com o que pudessem produzir em seu interior, um espaço muito peque‐
no. Para aumentar as dificuldades, os alemães forçaram outros 200.000 judeus a
entrar e viver no mesmo espaço.
Algumas pessoas com quem conversamos nos garantiram que muitos polo‐
neses eram favoráveis a essa política. Qualquer judeu que tentasse fugir dessa prisão
virtual era fuzilado. Mais tarde, o gueto passou a ser usado como campo de provas
para todos os tipos de armas — aviões, tanques, lança‐chamas, etc. Alguns dos
habitantes escaparam pelo esgoto, mas os restantes foram mortos. Em 19 de abril de
1943, o gueto de Varsóvia começou uma revolta armada que só foi debelada em 16 de
maio. Essa rebelião marcou uma das mais heróicas e trágicas batalhas de toda a luta
contra o hitlerismo. Ela foi travada por um punhado de homens e mulheres que,
isolados do mundo pelo muro do gueto, sabiam que estavam condenados a perecer.
A revolta do gueto de Varsóvia não foi um evento isolado na guerra total que a
Polônia travou contra a invasão nazista. Ela foi preparada durante meses e armas e
munições oriundas de grupos democráticos do movimento clandestino polonês
chegavam durante esse período aos judeus que lá habitavam. Quando a revolta
eclodiu, a Organização Militar de Resistência Judaica lançou um apelo aos poloneses,
referindo‐se a sua ação como “uma luta por nossa honra humana, social e nacional”,
sob o slogan de “Irmandade de armas e sangue de luta da Polônia” pela “nossa
liberdade e a de vocês”. O conhecido autor polonês, Stanislaw Ryszard Dobrowolski,
denominou a revolta de “Termópilas da luta de Varsóvia”.29
Quando chegou pela manhã, o irmão Gasser relatou que havia atraído
considerável atenção em Katowice, pois as pessoas ficavam surpresas de ver alguém
em um uniforme militar dos Estados Unidos. Ele então brincou dizendo que aparente‐
mente as pessoas não tinham sido informadas que nem todos os americanos tinham
sido mortos na guerra! O irmão Gasser e o motorista do jipe recomendaram que
comêssemos o desjejum antes de partir para Zelbak (Selbongen), mas o Presidente
Benson nos lembrou que era domingo de jejum e que, portanto, deveríamos adiar a
refeição. O motorista ficou muito chateado com essa decisão, mas ele e o irmão
29
Referência à famosa batalha de Termópilas da mitologia grega, na qual 300 espartanos detiveram o
avanço de Xerxes, o persa.
O dia estava bonito, mas havia um forte vento oeste que não nos permitia
esquecer que estávamos em um jipe. A capota ficava esvoaçando e batendo tanto que
finalmente o motorista a abaixou. Aí é que o vento realmente nos fustigou. De
repente, começou a chover a cântaros e por isso levantamos a capota de novo. Como
eu estava do lado do vento, minha capa de chuva logo ficou encharcada. Além disso, o
vento era demais para a capota encharcada e logo um dos suportes se quebrou,
rasgando a lona de fora a fora. O resto da viagem foi feita com a capota arriada —
fizesse sol ou chuva.
Exceto por esses problemas, a viagem foi tranquila. Passamos por vários postos
de sentinelas e muitas vezes tivemos de sair da estrada por causa da falta de placas de
sinalização adequada. Por onde quer que passávamos, as pessoas nos saudavam. As
estradas eram margeadas por árvores e pedras pintadas de branco. Os campos tinham
belas cores, agora que havíamos entrado na Prússia Oriental.
Após a reunião, o irmão Kruska nos levou a sua casa e nos ofereceu comida e
camas de penas para passarmos a noite. Tínhamos perguntado se havia uma hospe‐
daria e, de fato, havia uma parcialmente preservada, mas como estava fechada, nos
vimos forçados a aceitar a hospitalidade dos santos, apesar de nos sentirmos
incomodados em tirá‐los de suas camas.
Um de nossos fiéis santos tinha sido fuzilado a sangue frio pelos invasores
russos simplesmente porque não fora capaz de dar‐lhes os cigarros que exigiram. A
mãe correu para erguer o corpo sem vida do filho da poça de sangue em que estava e
Nos últimos dois meses, os santos tinham vivido com medo. Seus lares tinham
sido continuamente invadidos à noite e saqueados. Tudo o que os invasores queriam
tinha sido confiscado. A cobiça deles era insaciável. Homens, mulheres e crianças
tinham sido levados de casa e nunca mais foram vistos.
O irmão Kruska nos mostrou, ao lado da capela, a sepultura recente onde seu
filho jazia por não ter cigarros para dar aos soldados invasores. Ainda havia flores
frescas sobre o túmulo como para nos lembrar de quão recentes tinham sido aqueles
episódios que a pequena capela presenciara.
Como o exército russo em sua retirada para dar lugar ao exército polonês havia
levado praticamente todos os cavalos, gado, ovelhas e porcos, pouquíssimos animais
podiam ser encontrados. Algumas famílias haviam conseguido esconder uma ou duas
galinhas, mas a maioria das aves tinha sido confiscada. Quase toda a produção de ovos
havia sido requisitada pelas tropas de ocupação e, dada a falta de alimentos,
questionava‐se se as aves remanescentes poderiam sobreviver.
Essas pessoas foram apenas algumas das muitas vítimas inocentes da guerra.
Os exércitos vitoriosos, sempre se lembrando das atrocidades infligidas pelo inimigo a
seus compatriotas, com o coração cheio de ódio e desejo de vingança, haviam se
transformado em verdadeiros demônios. Eles procuravam justificar sua própria vilania
e covardia com o desumano tratamento previamente imposto a si por seus inimigos.
O pequeno ramo tinha mantido suas reuniões regulares durante todos os anos
da guerra, com apenas uma ou outra breve interrupção. Vinte e sete irmãos estavam
desaparecidos, tendo sido mortos, feitos prisioneiros de guerra ou deportados para a
Rússia ou Sibéria como mão‐de‐obra escrava. Os dois irmãos que sobraram consegui‐
ram milagrosamente manter o espírito de unidade e amor entre os santos. A sua fé e
devoção foram um testemunho para mim do poder do evangelho de Jesus Cristo na
vida de uma pessoa. Os membros do ramo não tinham ressentimentos ou amargura
Pernoitamos com razóavel conforto na casa do irmão Kruska. Não sei onde ele
e sua família dormiram, mas posso dizer que nosso conforto foi a única preocupação
que tiveram. Antes de partirmos de volta a Varsóvia na manhã seguinte, o Presidente
Benson dedicou a sepultura do irmão que fora recentemente enterrado ao lado da
capela. Deu também instruções úteis para o futuro e deixou com os membros 215
dólares para ajudá‐los nas necessidades imediatas. Em seguida, convidou o irmão
Kruska a nos acompanhar até Olsztyn onde nos reunimos com outros funcionários
poloneses apenas para ouvirmos a mesma coisa: ninguém ainda tinha permissão para
partir. Eles no entanto concordaram em prover proteção para os santos em seus lares.
De nossa parte, prometemos ajudar financeiramente para o reassentamento quando a
decisão de deslocamento fosse dada.
Mas nós sabemos que para o Senhor “todas as coisas são possíveis.”
Mudança de Cenário
Além disso, a carga de trabalho resultante não deixava muito tempo para
amenidades. Certa tarde, no entanto, fomos de carro até a casa da Missão Britânica
para entregar alguns pacotes com roupas usadas que tinham sido enviadas do Canadá
e dos Estados Unidos para os santos britânicos. Depois de um belo jantar, fomos até o
“common”, um amplo gramado sem muros que nas maiores cidades britânicas se
destina à recreação pública. Lá participamos de um final de um jogo de beisebol. O
Presidente Benson logo entrou no clima do jogo, rebatendo a bola, correndo pelas
bases, jogando como apanhador e em outras posições do time. Todos os presentes
ficaram profundamente impressionados em ver um apóstolo moderno ser tão bom em
um esporte quanto o Profeta Joseph Smith tinha sido em sua época. Eu joguei um
pouco em cada um dos times. Essa foi a primeira recreação que tivemos em muito
tempo.
A Alemanha é um país regido pelo cigarro. Setenta e cinco por cento dos crimes
cometidos diariamente nessa nação estão, de alguma forma, ligados aos
cigarros. (…)
Até as mulheres fazem isso. Elas caminham pelas principais ruas na expectativa
de que algum toco seja jogado de um jipe. Algumas pessoas, andam de metrô o
dia inteiro para pegar as bitucas lançadas pelos americanos. Muitas mulheres,
mesmo as que têm filhos, vendem seus cartões de racionamento para comprar
cigarros.
Quem está com fome e fuma não se sente tão faminto. Mas a fome intensifica
dez vezes mais o desejo de fumar. E a maioria dos alemães está em geral
faminta. No momento, os homens em Berlim recebem 12 cigarros por mês, de
qualidade inferior, feitos com uma palha mista cultivada na Alemanha, e as
mulheres recebem seis.
Se alguém acha que a Alemanha não foi ainda suficientemente punida, pode
sugerir que se retire dos alemães todos os cigarros. Esse seria o pior castigo
que se poderia dar a eles.
Nosso coração está pleno de gratidão a você por seu serviço leal e dedicado,
não somente à causa, mas também ao Presidente Benson. Percebemos pelos
relatórios, como também pelos comentários dele que ele tem extrema estima
por seu serviço e que você tem sido uma grande ajuda. Reiteramos que somos
gratos ao Pai Celestial por esse trabalho.
Atenciosamente,
Ao retornar ao meu lugar, não tive mais nenhum outro sentimento incomum.
Era suficiente sentir que agora eu e meu corpo estávamos unidos. Meu coração se
alegrava imensamente ao compreender que não era eu que havia falado, mas que, de
algum modo que não compreendo, o poder do Espírito Santo havia falado por meu
intermédio e que luz, conhecimento e compreensão fluíam à minha alma.
A primeira pessoa a receber a bênção foi uma irmã que estava no sétimo mês
de gestação e tinha um grande sangramento. Ela e o marido temiam que ela perdesse
o bebê. Ao selar a unção, senti novamente um tremendo fluxo de poder e soube que
ela seria curada naquele momento. Mais tarde, ela confirmou que ficou sã
imediatamente.
A segunda, era um menininho escocês de três anos de idade que era surdo‐
mudo desde o nascimento. Os pais o haviam trazido a Londres para receber uma
bênção especial. Um dos irmãos presentes ungiu‐o e então, quando impus as mãos
sobre a cabeça dele para pronunciar a bênção, senti que o poder do Senhor estava
presente em tal profusão que não havia dúvidas de que ele seria curado instantanea‐
mente. No entanto, antes que eu dissesse uma palavra, o Espírito me disse: “Este
menino pode ser curado agora mesmo, se seus pais removerem do coração o ódio que
sentem.” Fiquei muito chocado e preocupado, porque eu nunca vira a família antes e
não queria questionar suas atitudes. De qualquer forma, vi‐me constrangido e não
pude selar a unção.
Depois de uma breve pausa, retirei as mãos da cabeça da criança e disse a seus
pais: “O que é que vocês odeiam tanto?” Eles pareceram surpresos e em seguida o
marido disse: “Não podemos dizer.”
Algumas pessoas tinham estimado que haveria apenas umas duzentas pessoas
presentes, porque duas conferências de toda a missão não poderiam ser feitas com
sucesso em um mesmo ano. Enquanto na primeira conferência missionária do pós‐
guerra, em Rochdale, meses antes, haviam comparecido entre quatrocentas e quin‐
hentas pessoas, em Birmingham estiveram presentes entre quinhentas e seiscentas. A
Igreja estava de vento em popa na Grã‐Bretanha!
Certa manhã, o Presidente Benson sugeriu que tirássemos algum tempo para
conhecer Londres e então saímos de carro pelas ruas afora, subindo uma rua, descen‐
do outra, até chegarmos a Petticoat Lane. O local era notório como ponto de atuação
de “trombadinhas” que aproveitavam‐se das multidões que se reuniam em frente às
barracas e mercados. Os ambulantes vendiam todo tipo de mercadoria ao longo das
ruas estreitas — vendiam de tudo, desde peixe até roupas, jóias, belas peças de
porcelana e outras bugigangas baratas. Mesmo em plena quarta‐feira, havia um
movimento considerável e ficamos ali, ora apreciando o movimento, ora suportando
os odores. Foi uma diversão muito agradável.
Certa noite, fui convidado para jantar com a nossa anfitriã, a Senhorita Heather
Price, Sir Frederick e Lady James. Conversamos, eu e a Senhorita Price, por quase uma
hora até a chegada dos outros convidados. Ela se mostrava muito interessada no
motivo de eu e o Élder Benson estarmos na Inglaterra e no que fazíamos. Por meia
hora contei‐lhe a história da restauração do evangelho e expliquei‐lhe porque a
cristandade em geral estava fracassando na tentativa de imbuir os cidadãos britânicos
com o poder de mudar sua vida suficientemente para garantir liberdade e paz
verdadeiras.
Ao final do nosso jantar, a Senhorita Price pediu que nossa conversa prosse‐
guisse em breve. Ela disse: “Espero que o Sr. Babbel volte logo a fim de podermos
concluir nossa conversa sobre a religião dele.” A isso, Sir Frederick acrescentou: “A
força da religião dele pode ser observada na vida limpa e vigorosa que ela o inspira a
viver.” Fiquei feliz com o tom dado ao término de nosso jantar.
Os alemães haviam passado por seis anos de severo racionamento, entre 1933
e 1939, e tinham sofrido com uma dieta ainda mais restrita durante os sete anos de
guerra. Eles sobreviveram com uma alimentação que ficava abaixo dos níveis de
subnutrição durante os últimos anos da guerra. Toda essa restrição estava cobrando
terrível preço em termo de vidas.
30
CARE é uma sigla que significa Cooperative for Assistance and Relief Everywhere (Cooperativa de
Assistência e Bem‐Estar em Qualquer Lugar) e era uma marca registrada desse tipo de cesta básica.
Como a palavra CARE, em inglês, significa cuidado, cuidar, etc., a palavra tornou‐se uma metonímia.
Uma visita bem‐sucedida e agradável às dez missões europeias foi realizada nas últimas três
semanas pelo Presidente Ezra Taft Benson, Presidente da Missão Europeia, acompanhado por
seu sucessor, o Presidente Alma Sonne. Foram realizadas reuniões com os membros,
missionários e presidentes das missões, bem como com líderes governamentais e oficiais
militares.
O grupo, formado por mais de 20 pessoas, era composto por representantes luteranos,
menonitas, episcopalianos, metodistas, católicos, quakers e de outras religiões, além dos
membros da equipe do Dr. Olsen.
Com as bênçãos do Senhor, as informações compartilhadas foram bem recebidas. Mais tarde,
em uma conversa particular com o Dr. Olsen, o Presidente Benson relatou‐lhe a história da
restauração do evangelho por meio do Profeta Joseph Smith. O Dr. Olsen não somente
mostrou‐se muito interessado, mas também lamentou que o tempo não tivesse permitido que
os outros participantes ouvissem o relato. Ele solicitou o privilégio de convidar o mesmo grupo
novamente em outra visita do Presidente Sonne para que ele compartilhasse a emocionante
história da restauração do evangelho nesta dispensação.
31
European Mission History, p. 103.
32
N do T: A expressão “Eia, Silver. Avante” era o mote do herói mascarado Lone Ranger, conhecido no
Brasil nos seriados de cinema e nas histórias em quadrinhos como Zorro, que tinha como fiel
companheiro o índio chamado Tonto.
De automóvel 22.970
Total 98.138
*Em jipes da UNRRA, caminhonetes, ônibus, bondes, táxis, drashcas, trólebus, etc.
Por volta do final de março do ano seguinte (1947), a maior parte das necessi‐
dades mais prementes havia sido satisfeita em quase todos os países, exceto na
Alemanha, Áustria e Polônia, o que possibilitou‐nos dirigir os suprimentos de nossas
outras missões europeias para os locais onde eram mais necessários. Como registrado
no Capítulo 12, pouco antes de eu retornar para casa, recebemos permissão para fazer
uma distribuição mais abrangente na Alemanha Oriental, onde a situação ainda era
muito crítica.
É digno de nota que um dos voos partiu de Estocolmo, na Suécia, cedo pela
manhã, fez uma escala em Amsterdã, na Holanda para finalmente chegar a Praga, na
Checoslováquia por volta de cinco da tarde do mesmo dia. Os funcionários das linhas
aéreas disseram que essa programação de voos era totalmente impossível de ser
elaborada, mas eu tinha pessoalmente verificado várias vezes todas as empresas
aéreas disponíveis até conseguir um ajuste entre os diferentes horários de voo que
tornasse viável essas conexões, desde que todos os voos estivessem absolutamente no
horário. Realmente deu certo, mas não era de admirar que o Presidente Sonne se
sentisse em meio a um redemoinho!
• “Não quero assinar nenhuma carta oficial que não caiba em uma única
página. Está claro?”
• “Cada carta deve ser clara e precisamente centralizada em um único
assunto. Se for necessário abordar três ou mais assuntos, você redigirá uma carta para
cada um deles.”
• “Não assinarei nenhuma carta que tenha mais de três parágrafos. Você
vai em geral perceber que um ou dois parágrafos é o suficiente.”
Como eu era o único do grupo que tinha permissões militares válidas para
todas as quatro zonas de ocupação na Áustria e na Alemanha, o Presidente Sonne
sugeriu que eu me preparasse para ir à Suíça a fim de resolver questões de bem‐estar
com a Cruz Vermelha Internacional em Genebra. Eu deveria também contatar um ou
mais dos principais líderes da Igreja na Áustria.
O Presidente Zimmer tem sido, ao longo dos anos, um dos melhores tradutores
que já conheci. Sempre que o Presidente Benson achava que tínhamos tempo
suficiente, ele pedia ao irmão Zimmer para traduzir para ele, consciente de que o
produto final seria uma obra‐prima literária. Porém, quando o tempo era escasso, ele
pedia a mim para traduzir, sabendo que na melhor das hipóteses eu produziria um
resumo preciso do que ele queria dizer. De fato, minha experiência como tradutor era
muito limitada em comparação com a de homens como o Presidente Zimmer.
Percebendo que o dito divertido não poderia ter o mesmo efeito na tradução,
eu disse em alemão aos membros: “O Presidente Lyman disse uma frase engraçada em
inglês e ele espera que vocês riam.” E eles riram. O Presidente Lyman então pôs o
braço em meu ombro e disse: “Você é o melhor tradutor que já tive!”
33
N do T: A sonoridade que proporciona o chiste nessa frase em inglês não se reproduz na tradução:
“Many are called/cold, but few are chosen/frozen”.
No dia seguinte, após uma noite de sono reparador no trem, cheguei a Paris e
encontrei o Presidente e a Síster Barker enrolados em um cobertor dentro da casa da
missão, que mais parecia uma geladeira. O casal e todos os missionários estavam
muito resfriados. Somente três cômodos tinham aquecimento funcionando — e isso
graças a pequenos fornos a lenha. Devido ao tamanho dos cômodos e da altura do
teto, mesmo os cômodos menores estavam muito frios.
34
N do T: Países como a Suíça e o Luxemburgo, entre outros, são divididos em cantões, suas unidades
geopolíticas. A polícia do cantão seria equivalente a uma polícia estadual.
Então perguntei porque ele não tinha chamado o mecânico para consertá‐lo.
“Chamei, mas ele trabalhou nele por duas horas e não conseguiu fazê‐lo
funcionar.”
“Não me diga que acha que pode consertá‐lo depois de o mecânico tentar por
tanto tempo”, emendou ele.
Ele me deu as chaves e desci até o jardim onde o carro estava estacionado.
Tentei ligá‐lo, mas o motor não respondia. Tirei então do bolso meu canivete suíço,
abri a chave de fenda dele e fiz um pequeno ajuste no carburador. Quando girei a
chave na ignição dessa vez, o motor pegou imediatamente e funcionou tão bem como
sempre.
“Não me diga que você conseguiu ligá‐lo!”, ele disse, fingindo‐se de bravo.
“Você não vai sair da Europa antes de treinar o Élder Bennet a fazer o que você
acabou de fazer.”
“Oh, não. Não insista nisso”, respondi. “O Élder Bennet já me disse que não
tem jeito para essas coisas. Mas se você permitir, a Síster Sonne pode aprender rápido.
Posso mostrar a ela o que fazer. Ela é uma verdadeira faz‐tudo.”
E assim começou outro dia. E foi um dia bem cheio. Após o jantar, o Élder
Bennet e eu nos reunimos com o Presidente Sonne em seu escritório e desfrutamos de
Esta onda de frio na Europa tem sido muito difícil para muitas pessoas. Alguns morreram
congelados e, a menos que o frio diminua logo, os resultados poderão ser muito trágicos. Os
noticiários evitam cuidadosamente falar das condições existentes na Alemanha, mas se o frio
continuar, essas condições se tornarão tão dramáticas que as autoridades militares vão ter de
romper o silêncio. Estou interessado, em nossa próxima visita àquele país com o Élder Bennet,
em saber a verdadeira extensão da situação durante este período.
A Síster Sonne tem usado as pesadas meias de lã que eu trouxe para ela da Basileia em minha
última viagem. Ela está muito grata por esse presente.
É estranho, não é, que quando uma pessoa passa tanto tempo viajando daqui para lá, como a
rotina do escritório se torna curiosa. É uma tarefa e tanto escrever um emocionante episódio,
quando na verdade tudo o que se fez foi passar de 14 a 16 horas por dia sem que nada de
incomum acontecesse. No entanto, às vezes pode‐se sentir a orientação do Espírito do Senhor
tão fortemente!
Sete dias e noites formaram um contínuo de escuridão causada pelos incontáveis incêndios que
assolavam não somente aquela cidade condenada, mas também toda a costa; nas noites lívidas
com o clarão das explosões e os feixes luminosos dos holofotes militares, milhares de homens
mostraram‐se capazes de um heroísmo que as palavras não poderiam descrever com
propriedade e justiça, e viveram um dos momentos épicos mais valorosos da história.
35
N do T: RAF – Royal Air Force, a força aérea britânica.
36
Francis Trevelyan Miller, The Complete History of World War II (Chicago: Progress Research
Corporation, 1948), pp. 211‐212. Transcrito com permissão.
Depois de retornar a Paris e resolver outros assuntos lá, segui para Liege, na
Bélgica, para pegar nosso carro e levá‐lo de volta a Londres. Porém, quando verifiquei
as condições de travessia entre Ostend e Dover, descobri que o serviço de barcaças
estava paralisado por período indeterminado, devido ao aparecimento de grandes
icebergs que flutuaram do Mar do Norte até o Canal da Mancha. Um desses icebergs
tinha quase quatro quilômetros de comprimento, uma altura de oito metros e sabe‐se
lá que profundidade. Lembrando‐me do destino do Titanic, fiquei grato pela
preocupação dos marujos e, portanto, fiz preparativos para voar de Bruxelas para
Londres na tarde seguinte.
Meu nariz não para de escorrer, mas como poderia, se passo horas a fio sentado neste
escritório frio, sem aquecimento e sem luz, usando galochas para manter os pés aquecidos,
uma boina para agasalhar a cabeça e o casaco de pele de cabra do Presidente Sonne para
manter meu corpo menos frio. Algum dia vou rir dos rigores dessa falta de eletricidade que nos
foi imposta...
Você disse em sua carta que fica muito cansada. O Presidente Sonne tem a solução. Ele
aconselha à pessoa cansada que tire uma soneca de uma hora no meio do dia. Ele faz isso
sempre que pode, conseguindo depois fazer muito mais coisas enquanto está acordado…
O Élder Frederick W. Babbel, secretário da Missão Europeia desde 29 de janeiro de 1946, data
em que o Élder Ezra Taft Benson, do Conselho dos Doze Apóstolos, partiu de Salt Lake City com
destino a Londres, retornará ao lar em um voo da Pan American levando consigo os bons
augúrios dos inúmeros amigos que granjeou em toda a Grã‐Bretanha e no resto da Europa,
graças à sua alegre e inabalável devoção à Igreja.
Grande parte do sucesso que coroou os esforços do Élder Benson durante o período em que
presidiu a Missão Europeia deve‐se à ajuda do Élder Babbel. Ele foi chamado para ser o
secretário do Presidente Benson quando ainda vestia o uniforme do Exército Americano. Suas
atividades foram orientadas por uma regra básica em sua filosofia pessoal: servir à Igreja, pois
ela é o Reino de Deus na Terra.
Ele ajudou o Presidente Benson a reabrir as missões na França, Suíça, Holanda, Checoslováquia,
Dinamarca, Noruega e Suécia. Viu‐se obrigado a vencer as dificuldades dos procedimentos de
viagem em meio às caóticas condições existentes em vários lugares. O Presidente Benson
viajou 96000 quilômetros em dez meses, de avião, trem, automóvel, barco, jipe, caminhão,
ônibus, a cavalo e de charrete. A maior parte do tempo, o Élder Babbel estava ao lado dele —
muitas vezes datilografando um relatório para a Primeira Presidência ou um artigo para o
Church News, durante o trajeto. Ele disse que talvez a pior viagem que tenha feito foi à Polônia.
Desde a partida do Presidente Benson, em 12 de dezembro, o Élder Babbel ainda foi duas vezes
à Alemanha e uma vez à Áustria, Suíça, França e Bélgica.
Antes de eu partir para voltar para casa, o Presidente Sonne disse que tivera
uma impressão de que devia dar‐me uma bênção especial. Nessa bênção, ele
prometeu‐me que eu não sentiria nenhum efeito negativo sério de minhas
experiências na Europa e que o Senhor me faria prosperar com saúde e grande vigor.
Exceto por esse revés, não tive nem mesmo um forte resfriado que poderia ter
facilmente evoluído do corrimento nasal que me acometeu por causa do frio. Eu sentia
que a minha perda de peso (dos meus normais 75 quilos para 53 quilos, peso que eu
tinha quando o casal Sonne chegou) devia‐se principalmente aos longos dias de
trabalho, em geral de 18 a 20 horas por dia e, de vez em quando, uma esticada de 45
horas sem intervalo de descanso, além de muitos dias em que deixava de comer uma
ou mais refeições. Nosso jejum de quatro dias na Polônia foi o período mais longo que
passei sem alimento ou água.
37
N do T: Ptomaína, também conhecida como putrefação cadavérica, causada pela proximidade com
corpos em decomposição.
O mesmo pode ser dito dos testemunhos de outros líderes e membros locais.
Quando me dou conta de que eles tinham que improvisar materiais para as aulas, sem
orientação ativa ou estímulo da sede da Igreja e que, em alguns ramos grandes, eles
não tinham nem mesmo uma Bíblia, o significado profundo de seus testemunhos era
emocionante.
Na maioria das missões, irmãos locais que estavam por perto foram chamados
e designados para servir como presidentes de missão interinos. Eles selecionaram
conselheiros locais e depois assumiram o trabalho gigantesco de preencher os
chamados em todos os escritórios de missão e em cada ramo e distrito. A simples
tarefa de treinar esses membros sem contar com o benefício de ter instruções escritas
em seu idioma nativo já seria uma tarefa hercúlea. No entanto, não havia tempo para
“Às vezes sinto que nós, santos dos últimos dias, não nos damos conta do
tremendo poder que nos foi dado como filhos de Deus... Esse não é apenas o poder
pelo qual os mundos foram criados, mas o que é ainda mais importante, ele é o poder
que transforma homens e mulheres em deuses e deusas! Isso não é blasfêmia. É a
pura verdade. E não existe poder maior em toda a terra que esse de transformar
homens e mulheres para que se tornem literalmente a imagem de seu Divino Pai.” (…)
“Quando o Senhor disse que Seus servos ‘irão e ninguém os deterá’, ele estava
dizendo isso literalmente. O que é importante é você ter certeza de que é um de Seus
servos e de que está fazendo as coisas que o Senhor quer que faça.” (…)
Testifico a vocês que Deus vive! Sei disso como sei que eu próprio vivo. Sei que
Jesus é o Cristo e não o saberei com mais segurança do que agora quando estiver em
Sua presença para ser julgado… Sei que Deus, o Pai Eterno e Jesus Cristo apareceram
ao menino‐profeta, Joseph Smith, porque esse testemunho me foi concedido e sinto a
necessidade de compartilhá‐lo com vocês. Cada vez que tenho o privilégio de prestar
meu testemunho, meu coração canta, porque eu sei que é a verdade.
Essa solicitação foi um choque para mim, pois era a designação mais difícil de
todas. O Presidente Sonne sabia que já havíamos feito cerca de uma dúzia de visitas
com esse fim sem o menor sucesso. Nessa ocasião, ele já deveria ter entendido que
uma coisa dessas exigiria várias semanas só para obter os salvo‐condutos e prioridades
militares, além do transporte aéreo. No entanto, havia algo em seus modos e na
solicitação, que não pude negar‐me.
Sem tentar dar uma longa explicação ou apresentar quaisquer desculpas, decidi
que, como o Senhor havia‐me abençoado tão amplamente até aquele momento,
certamente Ele não me falharia. Arrumei minha bagagem o mais rapidamente possível
e saí para o aeroporto — sem documentos militares, prioridades ou sequer uma
passagem. Aquela viagem deveria ser feita exclusivamente com o passaporte do
Senhor, que dizia “eles irão e ninguém os deterá, porque eu, o Senhor, os mandei ir.”
Após cerca de uma hora que pareceu ser muitas, na qual expliquei nossos
objetivos e o programa que iria fornecer alimentos, roupas e suprimentos médicos aos
membros da Igreja na Alemanha Oriental, chegamos ao ponto em que, com a
respiração suspensa, esperei pela decisão do general. Não foi preciso esperar muito.
Sua resposta foi “nyet” — Não.
Eu orava tão fervorosamente quanto possível. Por algum motivo eu sabia que
aquela não era a resposta final. O Presidente Sonne não tinha me enviado ali para
fracassar. E, além disso, eu não
sentira o Espírito do Senhor me
inspirando ricamente enquanto
eu explicava os detalhes àquele
grupo de militares? Por instantes,
eu não sabia o que dizer. Depois,
porém, recebi um lampejo de
inspiração e conduzi a conversa
da forma como me era inspirada.
Em essência, o que eu disse foi:
“General Zhukoff,
agradeço‐lhe pelo privilégio de
me receber e discutir essa
questão vital comigo. Sincera‐
mente o respeito e compreendo
que o senhor deve ter boas e
válidas razões para dar‐me a
resposta que acabei de receber.
Mas se o senhor puder ser franco
e transparente comigo como fui
com o senhor, vai pelo menos
reconhecer que lhe disse a
verdade. Não temos motivos escusos; só estamos interessados em ajudar a manter
“Sim”, respondi.