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objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem
educação devem ser acessíveis e livres a toda e qualquer pessoa. Você pode encontrar
nível."
Para Camille.
E para nossos filhos, Joseph e Nathaniel,
que procuram seu próprio novo mundo.
“Descobri algo que nunca soube: que
meu mundo não era o mundo real.”
ROBERT F. KENNEDY, 1968
Nota do autor
1
22 de novembro de 1963
2
1961
3
1962
4
1963
5
Dallas
6
A terrível graça de Deus
7
Nova Orleans
8
A paixão de Robert Kennedy
9
Verdade e reconciliação
“Nunca deixem que o sangue dos bravos seja
derramado em vão; esse é um imperioso desafio
para as próximas gerações.”
— Sir Walter Scott
Depois do assassinato de Robert Kennedy, em 1968, não
havia nenhuma personalidade de vulto em Washington
determinada a resolver o caso da morte de JFK — ou
mesmo investigar os persistentes mistérios sobre a morte
de RFK. Porém, no começo dos anos 1970, o escândalo de
Watergate começou a levantar o manto que escondia
alguns dos mais sombrios segredos do país. “Tudo está
trincado, é assim que a luz consegue entrar”, canta
Leonard Cohen. E Watergate — junto com anos de
carnificina no Vietnã — trincou suficientemente o sistema
para que a luz entrasse.
O mais próximo que o governo americano chegou de
resolver o mistério JFK foi no período que se seguiu a
Watergate, quando a Comissão Church e a Comissão
Reservada da Câmara dos Representantes sobre
Assassinatos reexaminaram as conclusões da Comissão
Warren. Os inquéritos do Congresso desenterraram provas
novas e importantes de que houvera uma conspiração e
levantaram questões perturbadoras acerca do papel das
agências do governo no encobrimento do assassinato, se
não no crime em si. Mas, no final, essas provas foram
abafadas pelos limites políticos internos e externos. Elas
sublinharam o quanto são fadados ao fracasso os esforços
de investigação por sempre dependerem da cooperação
voluntária de agências como a CIA e o FBI — instituições
profundamente misteriosas que já haviam desorientado
abertamente a Comissão Warren e iam de novo obstruir os
inquéritos dos anos 1970.
A Comissão Church foi formada em janeiro de 1975 sob a
liderança de Frank Church, senador democrata de Idaho,
para investigar abusos de poder na CIA, no FBI e em outras
agências de espionagem. A comissão produziu uma série de
denúncias — desde a abertura ilegal de correspondências
de cidadãos americanos pela CIA até a obsessão patológica
do FBI por Martin Luther King Jr. Contudo, sua mais
chocante descoberta diz respeito aos esforços da CIA para
assassinar líderes estrangeiros, hostis ou simplesmente
inconvenientes, entre os quais Castro; Patrice Lumumba,
do Congo; Rafael Trujillo, da República Dominicana; Ngo
Dinh Diem, do Vietnã do Sul; e o general chileno René
Schneider, visto como um obstáculo à queda do presidente
Salvador Allende. Foram as notícias sobre o programa de
assassinatos da CIA que tiveram maior impacto na
imprensa e no público americanos, levando a pedidos de
que o Congresso tivesse um maior controle da agência —
que o senador Church chamou, segundo sua famosa
expressão, de “elefante traiçoeiro”.
Entre aqueles que ficaram abalados com as revelações
sobre os planos de assassinato da CIA estava o senador
Richard Schweiker, da Pensilvânia, um dos mais ativos
membros da Comissão Church. Republicano moderado que
havia sido sensível ao apelo de JFK para uma nova era no
serviço público, Schweiker ficou espantado ao saber que a
CIA e o FBI haviam escondido informações importantes da
Comissão Warren, entre as quais a colaboração entre a CIA
e a Máfia para assassinar Castro. E começou a se
perguntar o que mais a comissão do Senado ia descobrir se
voltasse as atenções para Dallas. No final de 1975,
enquanto o júri finalizava suas investigações, Schweiker
persuadiu Church a deixá-lo criar uma subcomissão —
composta por ele mesmo e Gary Hart, do Colorado, um
jovem reformista pós-Watergate que havia pouco fora eleito
para o Senado — para investigar um assassinato mais
incômodo, o de JFK.
O momento era apropriado para a reabertura das
investigações. O caso Watergate e as revelações anteriores
da Comissão Church haviam levantado dúvidas sombrias
com relação ao governo na mente do público. A confiança
dos americanos no governo fora abalada de novo naquele
ano em que os telespectadores viram a primeira
transmissão em rede nacional do filme de Zapruder, depois
do jornal televisivo, quando o apresentador Geraldo Rivera
levou à ABC a reveladora película, exibida em seu
programa noturno, Good Night America.
Schweiker, de certa forma visto como um escoteiro por
seus colegas do Senado, também ficou espantado pelo que
descobriu nas catacumbas de seu governo à medida que
examinava pilhas de provas e tornava públicos documentos
dos Arquivos Nacionais relativos ao assassinato de JFK.
Após saber dos complôs da CIA com a Máfia contra Castro,
Schweiker começou a suspeitar de que Kennedy tivesse
sido vítima de retaliação por parte do ditador cubano. “Mas
nunca apresentamos provas de que Castro estivesse
envolvido”, lembrou-se Dave Marston, o conselheiro
legislativo do senador e seu principal homem na
subcomissão de investigação. As suspeitas de Schweiker
então começaram a tomar um rumo ainda mais explosivo.
“Não sabemos o que aconteceu, mas sabemos que Oswald
tinha conexões na espionagem”, disse Schweiker à
imprensa. “Por todo lugar em que investigarem Oswald,
vocês vão encontrar impressões digitais da inteligência.”
Marston, que mais tarde deixou o escritório de Schweiker
para se tornar procurador federal na Filadélfia e depois se
afastou para trabalhar por conta própria, ainda estava
convicto do seguinte quando o entrevistei para este livro:
“Oswald não pode ter agido sozinho”, disse ele. “Suas
perambulações claramente apontam para algo maior. Havia
tantas pessoas da CIA e outros agentes governamentais
tramando na Flórida e em Nova Orleans, fazendo coisas
loucas, que é inconcebível que não soubessem nada a
respeito de Oswald.”
Gary Hart ficou surpreso ao ouvir Schweiker expressar
suas suspeitas durante as reuniões da subcomissão Church.
“Dick fez muitas declarações na comissão que eram bem
mais provocativas do que qualquer coisa que eu já tivesse
dito, no que diz respeito às suas suspeitas sobre os
responsáveis pelo assassinato de Kennedy”, disse Hart em
uma entrevista para este livro. “Ele achava que era
ultrajante e que precisávamos reabrir o caso. Estava
disposto a botar para quebrar.”
Mas a mente de Hart também ficava atordoada pelo que
estavam descobrindo. Quanto mais a Comissão Church
cavava nos pântanos profundos das intrigas anticastristas
que haviam inflamado a Flórida durante os anos Kennedy,
mais Hart ficava espantado diante da complexidade do
ecossistema anti-Kennedy e da intrincada rede que ligava a
CIA, a Máfia e os eLivross cubanos. “Acho que todo esse
ambiente naquela época era muito efervescente”, disse ele.
“E não acredito que houvesse alguém controlando as
coisas. Havia pessoas conspirando umas com as outras, as
conexões da Máfia, as amizades entre a Máfia e agentes da
CIA, e essa comunidade maluca de eLivross. Havia
inúmeros níveis, e todos povoados por pessoas estranhas.
Não acredito que alguém soubesse exatamente o que
estava acontecendo. E acredito que os Kennedy de certa
forma estavam lutando para não se deixarem distanciar de
tudo isso.”
“Se houve alguém chefiando tudo, deve ter sido Dick
Helms — o homem que guardava os segredos”, acrescentou
Hart. “Ele mais que qualquer outro devia saber o que
estava acontecendo, mas acho que nem ele sabia. Não
havia um cérebro naquele ambiente. Coisas demais
estavam acontecendo, envolvendo pessoas demais. Havia
elefantes traiçoeiros em toda parte. Operações sem conta
com essa finalidade. Era um verdadeiro pesadelo. Acho que
seria possível escrever um grande livro sobre a Flórida do
começo dos anos 1960, um livro enorme.”
Hart deixa claro que não acredita que o assassinato de
JFK tenha sido uma operação oficial da CIA — suas
suspeitas se concentram mais na Máfia. Porém, ele não
descarta agentes trapaceiros que agissem em conluio com
os criminosos. E acredita que a agência esteve envolvida no
encobrimento. “Se houve algum encobrimento, tenho
certeza de que Helms participou”, disse Hart.
Durante a investigação da Comissão Church, tornou-se
escandalosamente claro que o júri do Senado estava
enfrentando forças brutais. Em junho de 1975, o chefão de
Chicago, Sam Giancana, foi morto no porão de sua casa
uma semana antes de testemunhar em Washington. Logo
depois, Johnny Rosselli — a ligação-chave entre a Máfia e a
CIA — foi convocado perante a comissão em duas ocasiões
para responder a perguntas sobre os complôs de
assassinato contra Castro. No ano seguinte, Schweiker
intimou Rosselli mais uma vez para que este respondesse a
perguntas sobre o assassinato de Kennedy em uma sessão
vigiada de sua subcomissão. Ele esperava poder interrogar
mais o gangster quando, em 28 de julho de 1976, o corpo
desmembrado de Rosselli foi encontrado dentro de um
barril enferrujado de petróleo, flutuando ao largo de Miami.
Era óbvio que os ex-cúmplices de Rosselli estavam
dispostos a tudo para impedir que os investigadores do
Senado chegassem à verdade.
“Rosseli foi assassinado de todas as maneiras possíveis”,
disse Hart. “Foi estrangulado, braços e pernas foram
serrados, ele tinha um buraco de bala na cabeça. Em nome
da subcomissão, fui me encontrar com os detetives de
Miami no escritório do xerife do condado de Dade. E eles
me mostraram fotos do momento em que o tiraram da água
— horrível, a pior coisa que já vi na vida. Disseram-me que
havia sido a Máfia. Não era coisa de amador.” A equipe de
investigadores da Comissão Church concluiu que a
execução de Rosselli, assim como a de Giancana, havia sido
ordenada pelo chefão da Flórida, Santo Trafficante, outro
suspeito-chave na conspiração contra Kennedy.
Emperrada por testemunhas da CIA, como Helms, e
violentamente desfalcada de testemunhas fundamentais,
como Rosselli e Giancana, esgotou-se finalmente o prazo e
o interesse político do inquérito da Comissão Church.
Frank Church desistiu para tentar ser indicado à eleição
presidencial de 1976 pelo Partido Democrata, mas acabou
perdendo para Jimmy Carter. E Richard Schweiker foi
persuadido a deixar as investigações do caso Kennedy por
Ronald Reagan, o qual esperava mudar sua imagem de
oponente azarado do presidente Ford, acrescentando o
moderado pensilvaniano à sua lista.
Muitos anos depois, olhando de novo para sua
investigação, Schweiker se mostrou perplexo com as
questões que se mantiveram pendentes. O jogo duplo dos
membros da CIA ainda o incomodava profundamente.
“Minha opinião sobre a agência piorou muito com o
decorrer dos anos”, disse-me ele. Assim como Hart, ele
acredita que a agência tenha se envolvido no encobrimento
— e até que alguns de seus funcionários menos confiáveis
possam ter se envolvido no próprio assassinato. O ex-
senador, no entanto, acabou concluindo que o assassinato
de Kennedy foi um complô da Máfia. “Passei por várias
fases, mas hoje, na realidade, acho que basicamente o
assassinato foi coisa da Máfia — foi a Máfia tentando se
vingar dos Kennedy por eles terem reprimido severamente
o crime organizado.” Quando se trata de Oswald,
Schweiker parece menos certo de que o assassinato tenha
sido uma operação da Máfia. O suposto assassino foi
produto de um programa de falsos desertores dirigido pela
CIA, observou Schweiker. “E então ele saiu do controle.”
Schwiker ainda parece claramente hesitante ao recompor
os passos de Oswald antes de Dallas. “O que com certeza
não acredito é que a CIA tenha nos entregado a história
completa.”
Assim como Hart, ele também sofreu reveses em sua
última tentativa de conseguir a glória presidencial. Foi
afastado da disputa pela indicação democrata de 1988
quando a imprensa expôs seu caso com a modelo Donna
Rice, depois de ser flagrado no ato por jornalistas do Miami
Herald, escondidos atrás de arbustos em frente à sua casa
de Washington. Mas era 1987, e nesses anos pré-Clinton o
poder da mídia como guardiã da moralidade ainda era
incontestado. Aproveitando-se de uma cômica fotografia do
candidato divertindo-se com uma beldade loira a bordo de
um iate de luxo apropriadamente denominado Monkey
Business, a imprensa não demorou a arrastar a carreira
política de Hart para a lama.
Nos anos seguintes, Hart salvou sua reputação exercendo
com louvor o cargo de copresidente de uma comissão
anterior ao 11 de Setembro, encarregada de alertar o país
sobre os perigos do terrorismo e tornando-se uma das
vozes da razão contra o excesso de confiança do governo
Bush em uma resposta militar à ameaça da Al Qaeda. Ele
ainda se orgulha dos esforços da Comissão Church para
submeter o sombrio aparato de espionagem do país a
controles democráticos — uma luta que agora tinha novo
significado.
Olhando em retrocesso para a limitada investigação do
assassinato de Kennedy pela Comissão Church, Hart —
homem alto, saudável, de rosto corado e propensão a usar
botas de caubói — de repente fez uma surpreendente
acusação. Todas as vezes que os jornalistas lhe fizeram
perguntas sobre o assassinato de Kennedy durante as
campanhas presidenciais de 1984 e 1988, Hart disse: “Eu
diria à imprensa que, com base em minha experiência na
Comissão Church, acredito que existam dúvidas suficientes
para justificar a reabertura dos arquivos da CIA,
especialmente em relação à Máfia. E acho que assinei
minha ordem de execução ao fazê-lo. Não percebi isso
naquele momento [...], mas penso que o que aconteceu
comigo em 1987 foi uma armação. Acho que então as
pessoas descobriram que se podia assassinar alguém sem
utilizar balas”.
Hart não quis se estender sobre sua explosiva declaração.
Ele não queria parecer “louco” ou “obsessivo” —
denominações que, segundo ele, são rapidamente usadas
contra qualquer político que ousa pedir a reabertura do
caso JFK. “Você precisa ter muito cuidado para não cair na
categoria da conspiração”, observou ele. Mas, quando
pressionado, Hart disse que, depois que o escândalo
estourou, recebeu dicas segundo as quais a Máfia
possivelmente estava envolvida no caso do Monkey
Business. Um importante jornalista investigativo disse a
Hart que, depois que ele começou a pedir um novo
inquérito do caso JFK, sócios de Santo Trafficante, o chefão
da Flórida, manifestaram grande descontentamento com o
senador. “Não achamos que [Hart] seja melhor que os
Kennedy”, disse ao jornalista um dos mafiosos. Mas Hart
decidiu não ir adiante. “Simplesmente, eu não queria fazer
disso a causa de minha vida”, disse-me ele.
É fácil entender por que Hart não quis fazer essa
afirmação — de que era vítima de difamação por causa de
suas posições em relação ao caso Kennedy — em alto e bom
som. A imprensa já o expusera ao ridículo em 1987, quando
ele tentou transformar seu caso de indiscrição sexual em
acusação de voyeurismo dos repórteres. Foi fustigado por
tentar esquivar-se de sua própria responsabilidade pelo
humilhante fiasco. A declaração de Hart segundo a qual sua
queda política foi relacionada à conspiração contra JFK
certamente teria levado a mídia a um novo alvoroço. Já que
o próprio Hart se recusara a perseguir o assunto, seria
difícil provar que ele realmente tinha sido vítima de uma
armação durante a campanha de 1988. Mas o mais
intrigante é que Hart acredita que isso pode ser verdade.
Um dos poucos funcionários de Washington a ter
obstinadamente investigado o caso do assassinato de
Kennedy — mesmo que por pouco tempo —, Gary Hart saiu
dessa experiência acreditando que estava lidando com
forças poderosas que, anos depois do assassinato de JFK,
ainda estavam determinadas a não revelar a verdade.
Logo depois de ter sido contratado como conselheiro-chefe
suplente da Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos em dezembro de 1976,
Robert Tanenbaum veio visitar Richard Schweiker em seu
escritório do Senado. A Comissão sobre Assassinatos estava
retomando a investigação no lugar em que Schweiker e
Hart haviam parado, e Schweiker estava prestes a entregar
seu arquivo JFK ao júri recém-formado. Aos 33 anos,
Tanenbaum era um despachado produto do lendário
escritório de Frank Hogan, na procuradoria distrital de
Nova York, em que vencera todos os casos de crime,
tornando-se chefe suplente do departamento de homicídios.
Ao ser recrutado pelo conselheiro-chefe da Comissão sobre
Assassinatos, Richard A. Sprague, o jovem promotor deixou
claro que aceitaria esse trabalho somente sob a condição
de poder tratar a investigação JFK como um de seus casos
de homicídio de Nova York — sem compromisso político
nem interferência. Sprague, ex-promotor distrital de
Filadélfia, assegurou a Tanenbaum que tinha a mesma
filosofia, e os dois homens começaram a montar uma
equipe descolada — que incluía o jornalista investigativo
Gaeton Fonzi, experiente membro remanescente da
subcomissão Schweiker, e Cliff Fenton, arguto inspetor
negro do departamento de homicídios que Tanenbaum
trouxera consigo de Nova York.
Contudo, assim que Tanenbaum começou a conversar
com Schweiker naquele dia, percebeu que havia sido muito
ingênuo. Não havia como esse caso seguir os
procedimentos usuais de uma investigação de homicídio.
“Primeiro”, disse Schweiker a Tanenbaum, depois de pedir
que todos os membros da equipe saíssem da sala, “você
precisa saber que eles vão tentar obstruir o seu caminho.”
Enquanto o jovem promotor estava tentando assimilar essa
ideia impactante — de que representantes devidamente
eleitos pelo povo americano deviam esperar ser desafiados
por forças mais poderosas que eles —, Schweiker lhe disse
algo não menos arrasador. “Na minha opinião”, disse o
senador, “a CIA se envolveu no assassinato do presidente.”
Tanenbaum estremeceu. “Quando ouvi isso, foi como se
meu corpo tivesse recebido um choque elétrico”, lembrou-
se ele. “Era um senador dos Estados Unidos que estava me
dizendo isso!”
Naquela noite, Tanenbaum levou o arquivo de Schweiker
para a casa que alugara perto da Universidade Americana
após se mudar para Washington. Ele e Cliff Fenton
examinaram as pilhas de documentos até as três horas da
manhã. Quando finalmente acabaram, Fenton se levantou e
se dirigiu para a porta, e Tanenbaum o seguiu para fora. De
pé na calçada de tijolos, no frio da madrugada, o inspetor
de homicídios olhou para seu chefe e disse: “Estamos
lidando com algo maior do que nós. E não há nenhum
Frank Logan para protegê-lo.” Tanenbaum sabia que ele
tinha razão.
O promotor, no entanto, seguiu adiante. Ele e Sprague
começaram a convocar funcionários da CIA, levando-os
diante da Comissão da Câmara dos Representantes para
serem submetidos pela primeira vez a intensos
interrogatórios sobre o assassinato do presidente John F.
Kennedy. Quando Tanenbaum se juntou à comissão, não
tinha uma opinião formada sobre o caso — durante anos,
pensara que a Comissão Warren estava certa. Porém, à
medida que ele e seus investigadores cavavam cada vez
mais fundo no caso, ele chegou à mesma conclusão que
pessoas de grande experiência, de Bobby Kennedy até
Richard Schweiker. “Quanto mais olhávamos aquilo, mais
produtivo se tornava investigar a CIA — precisamente,
aqueles funcionários que haviam trabalhado com os
cubanos anticastristas”, disse Tanenbaum em uma
entrevista.
Um dos veteranos da CIA que despertou um interesse
especial nos investigadores do Congresso era David Atlee
Phillips, o especialista em desinformação da CIA que havia
elaborado as campanhas de propaganda para o golpe na
Guatemala e a invasão da Baía dos Porcos. Phillips estava
baseado na Cidade do México quando o escritório local da
CIA aparentemente falsificou provas para mostrar que
Oswald havia visitado as embaixadas de Cuba e da União
Soviética algumas semanas antes do assassinato. Além do
mais, Gaeton Fonzi encontrou informações explosivas que
indicavam que Phillips se encontrara com Oswald em
Dallas em setembro de 1963. Porém, ao comparecer
perante uma sessão executiva da Comissão sobre
Assassinatos, o veterano espião mostrou toda a artimanha
que adquirira em sua experiência como ator, mentindo
sobre seu papel na Cidade do México e sua vigilância de
Oswald.
Foi uma confrontação dramática. De um lado da mesa
estava Bob Tanenbaum, o promotor nascido no Brooklyn
que ia diretamente ao ponto — um homem impressionante
que havia estudado no campus de Berkeley da
Universidade da Califórnia com bolsa de basquetebol. Do
outro, estava David Phillips, um texano loiro e alto, de rosto
longo e muito enrugado que era cerca de vinte anos mais
velho que Tanenbaum — um homem suave, que fumava um
cigarro atrás do outro, oriundo de uma família falida de
Forth Worth e que se tornara chefe da Divisão do
Hemisfério Ocidental da CIA. Phillips havia pouco
abandonara a espionagem, depois de 25 anos, para se
tornar representante da CIA na direção da recém-criada
Associação de Funcionários Aposentados da Inteligência.
Phillips dominava perfeitamente aquela atitude distante
de membro da elite WASP da agência. Assim como seu
patrão, Dick Helms, ele agia como se estivesse fazendo um
favor aos membros da comissão ao dedicar-lhes parte de
seu tempo. “São pessoas muito antissépticas”, disse
Tanenbaum a respeito de Phillips e de outros grandes
chefes da CIA com os quais se deparou. “Não sei em que
mundo vivem. Mas não estão nos Estados Unidos de todos
nós, não andam de metrô, não chamam táxis, não fazem
compras no mercado.”
Apesar desse comportamento, Phillips não intimidava o
conselheiro suplente da Comissão sobre Assassinatos.
Tanenbaum já lidara com chefes da Máfia, processara e
obtivera a condenação da família Colombo,1 do crime
organizado. Não ia recuar diante de pessoas como David
Phillips. “Esses caras agem como se estivessem acima da
lei”, disse Tanenbaum. “Mas é exatamente o tipo de gente
que, a meu ver, precisa ser derrubada, se de fato for
culpada.”
Enquanto Tanenbaum interrogava Phillips, o investigador
do Congresso tinha em mãos um relatório do FBI que
indicava que Oswald havia sido imitado por outra pessoa na
Cidade do México — uma preocupante prova que sugeria
que o assassino era objeto de uma operação da espionagem
americana. As câmeras de segurança instaladas pela CIA
do lado de fora das embaixadas soviética e cubana na
Cidade do México gravaram a imagem de um homem que
se fazia passar por Oswald. Quando Tanenbaum pressionou
Phillips para que este lhe contasse onde essas fotografias
podiam ser encontradas, o ex-espião insistiu em dizer que
haviam sido destruídas. Mas Tanenbaum sabia que ele
estava mentindo. Já que o FBI havia visto as fotos do
“Oswald” da CIA, elas claramente não haviam sido
imediatamente “recicladas” como pretendia Phillips.
Sob o incessante interrogatório do conselheiro, Phillips
começou a ficar emaranhado nas inconsistências de sua
história. Era uma amostra do que poderia ter acontecido,
se os suspeitos-chave do assassinato de JFK tivessem sido
minuciosamente submetidos a esse tipo de interrogatório
por parte do ministério público.
“Quando ele nos disse que as fotografias não existiam
mais”, lembrou-se Tanenbaum, “eu lhe disse: ‘bem, o
principal é que existem três pessoas nessa sala que sabem
que acaba de mentir — o inspetor Fenton, eu e você’. E
então Cliff lhe entregou um exemplar do relatório do FBI.”
Tanenbaum ficou estupefato diante do que Phillips fez em
seguida. “Ele leu o relatório. E então simplesmente dobrou
as folhas e saiu da sala.” Era isso que David Phillips achava
sobre o direito do Congresso de supervisionar a
inteligência americana.
Tanenbaum queria trazer o ex-funcionário da CIA para
outra rodada de perguntas. “Chamem-no de volta”, disse o
conselheiro suplente à Comissão sobre Assassinatos. “Ele
mostrou desprezo, cometeu perjúrio. Ele precisa saber
disso.” Mas os membros da comissão estavam começando a
ficar assustados com os métodos enérgicos de sua equipe.
Tanenbaum queria que a agência de espionagem
entregasse documentos não adulterados. Porém, a
comissão não o apoiou. “Estavam puxando o tapete debaixo
de nós.”
A investigação então começou a aparecer na imprensa.
Uma matéria do New York Times vasculhou o passado de
Sprague como promotor público de Filadélfia, sugerindo
que ele não era uma pessoa polêmica. Um editorial do
Times denunciou as táticas “da era McCarthy” da comissão.
O financiamento da investigação pelo Congresso começou a
ficar mais escasso, e Sprague e sua equipe não foram mais
remunerados.
Diante dessa situação, Tanenbaum se encontrou com
Sprague e o convenceu de que, já que não estavam prontos
para comprometer sua investigação, a atitude mais honrosa
para eles era pedir demissão. “Eu não queria participar de
uma fraude histórica”, explicou Tanenbaum mais tarde.
“Minha filha, quando eu estava em Washington, tinha três
anos... e eu não queria olhar para ela anos depois tendo
colocado meu carimbo em um relatório, que eu sabia ser
uma fraude, apenas para melhorar meu currículo.”
Sprague pediu demissão do cargo de conselheiro-chefe da
Comissão sobre Assassinatos em março de 1977, voltando a
Filadélfia para trabalhar como advogado. Logo depois,
Tanenbaum deixou seu cargo, mudando-se para a
Califórnia, época em que abandonou o direito para exercer
o cargo de prefeito de Beverly Hills e começar uma nova e
bem-sucedida carreira como romancista de thrillers
jurídicos. Corruption of Blood [Sangue corrupto], seu
romance de 1996, conta a sombria história do que
aconteceu quando o promotor de Manhattan, Butch Karp,
foi para Washington tentar resolver o assassinato de
Kennedy.
Sprague foi substituído no cargo de conselheiro-chefe por
G. Robert Blakey, um professor de direito de Cornell e
perito em crime organizado que havia elaborado a Lei de
Combate a Organizações Corruptas e Influenciadas pelo
Crime Organizado, conhecida como Lei R.I.C.O., de 1970, e
que finalmente enfraquecera as poderosas famílias da
Máfia. Havia certa justiça poética no fato de Blakey criar a
Lei R.I.C.O. — de fato, ele estava finalizando a cruzada
contra o crime organizado que começara como jovem
advogado do Departamento de Justiça sob as ordens de
Bobby Kennedy. E, ao assumir o cargo na Comissão sobre
Assassinatos, ele perseguia a missão de Bobby de resolver
o assassinato de JFK. Blakey era fiel a Kennedy e dedicou-
se a ir até o fundo do mistério que ainda assombrava o país.
Porém, ao contrário de Sprague e Tanenbaum, ele conhecia
as maneiras bizantinas da burocracia de Washington e
estava determinado a salvar a visada investigação
mantendo-se longe de explosivos confrontos diretos.
Para tanto, Blakey tomou uma decisão fatídica — de fato,
ele aceitou os limites da investigação contra os quais seus
predecessores haviam violentamente lutado, escolhendo
aceitar a declaração da CIA segundo a qual a agência
estava cooperando plenamente com o inquérito e
entregando todos os documentos relevantes. Depois que a
Comissão sobre Assassinato publicou seu relatório final, em
1979, Blakey se gabou de que sua estratégia de cooperação
voluntária tivera êxito: “Na verdade, a comissão finalmente
obteve da CIA todos os documentos que queria. Não houve
nenhuma limitação. Investigamos de maneira mais
profunda e ampla os arquivos da agência do que qualquer
outra comissão na história do Congresso”.
Mas a equipe de jovens investigadores, a quem fora dada
a responsabilidade de obter as informações da CIA, sabia
que as coisas eram bem diferentes. Eles haviam sido
emparedados pela agência a cada passo. Um desses
investigadores era Dan Hardway, um estudante de direito
de Cornwell de cabelo comprido e originário da Virgínia
Ocidental que Blakey trouxera consigo para Washington.
Todos os dias, Hardway entrava no estacionamento da sede
da CIA com seu buggy VW vermelho-circo, tocando Talking
Heads em enormes alto-falantes, e com seu igualmente
enérgico parceiro, o investigador Eddie Lopez, um nova-
iorkino de origem porto-riquenha que também vinha da
escola de direito de Cornell.
“Não éramos populares em Langley”, brincou Hardway
anos depois. Os dois jovens assistentes de Blakley estavam
investigando os vínculos de Oswald com a CIA e suas
enigmáticas visitas à Cidade do México. Porém, enquanto
eles estavam tentando descobrir documentos relevantes na
labiríntica cidadela da CIA, um agente veterano chamado
George Joannides — ex-colaborador de Helms que havia
sido tirado de sua aposentadoria para servir de
representante da CIA junto à Comissão sobre Assassinatos
— de repente apareceu para impedi-los. “Eles o trouxeram
para nos deter”, disse categoricamente Hardway anos
depois.
Hardway e Lopez se queixaram a seu professor de direito
que Joannides estava obstruindo a investigação. Mas,
quando Blakey levou as queixas à CIA, os funcionários da
agência lhe asseguraram que estavam cooperando
plenamente, dizendo-lhe que seus investigadores eram
apenas dois garotos de cabeça quente. Blakey resolveu
acreditar na agência.
Hardway sentia que Joannides escondia a prova de uma
conspiração envolvendo funcionários da CIA. Assim como
Tanenbaum, ele chegou a suspeitar de David Phillips, que,
segundo ele, havia organizado o encobrimento do
assassinato. Imediatamente após o atentado contra JFK, a
operação de Phillips começou a espalhar falsas histórias
que vinculavam Oswald a Castro — com uma velocidade tal
que a campanha parecia ter sido planejada. Quando o
espião aposentado finalmente foi trazido de volta perante a
comissão, foi o estudante de direito — usando camisa
xadrez vermelha e calça jeans desbotada — quem o
interrogou. Se Phillips achava que o filho de mineiro de
cabelo comprido podia ser facilmente ignorado, logo
descobriu que estava errado. À medida que Hardway
bombardeava Phillips com perguntas, o espião ia se
tornando impaciente, acendendo um cigarro atrás do outro
durante o interrogatório. Phillips chegou a fumar três ou
quatro cigarros ao mesmo tempo. “O que o deixou tão
nervoso foi que comecei a mencionar os cubanos
anticastristas citados em relatórios encaminhados pelo FBI
à Comissão Warren e o fato de que cada um cada deles
tinha um vínculo com a CIA que eu podia mostrar a ele. Foi
isso que o deixou tão irritado. Ele sabia que tudo podia
desmoronar de repente.”
Mas no final a Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos decidiu não processar
Phillips nem outros suspeitos da CIA, e o relatório final
deixou a agência de fora. O estudo declarou que o
presidente Kennedy “provavelmente fora assassinado em
decorrência de uma conspiração” — uma ruptura histórica
com o dogma do atirador solitário acatada pelo governo
federal. E o texto apontava a Máfia e os cubanos eLivross,
declarando que a conspiração podia ter envolvido membros
desses grupos. Porém, o relatório não acusou a agência de
espionagem, embora alguns dos próprios membros da
equipe da comissão — entre os quais Hardway e Fonzi —
acreditassem que certos funcionários da CIA tinham sido
profundamente implicados.
Mesmo que o relatório final da comissão tenha se
mostrado cauteloso quanto a indicar a fonte principal do
complô, Blakey não fez nenhum tipo de concessão. “Acho
que foi a Máfia”, disse francamente à imprensa. Durante
anos, Blakey foi duramente criticado por Fonzi e outros
pesquisadores do assassinato por ter focado
obstinadamente a Máfia. Alguns entre eles, como Hardway,
argumentaram que a oposição Máfia-CIA, no que diz
respeito ao assassinato, era falsa. Em termos operacionais,
ambas as organizações haviam participado de
empreendimentos sombrios, entre os quais as tentativas de
assassinato de Castro. E Hardway estava convencido de
que agentes ardilosos haviam se juntado a gângsteres e
militantes anticastristas para assassinar JFK.
Hardway — que no decorrer dos anos ficou em contato
com seu velho professor, pelo qual sentia muito respeito e
afeto — continuou discutindo esse mesmo ponto com
Blakey sempre que conversaram. “Não sei quantas vezes
desde 1978 Bob e eu tivemos essa conversa”, disse
Hardway, que se estabeleceu como advogado em uma
pequena cidade da Carolina do Norte. “Eu dizia: ‘Bob, você
está certo, a Máfia estava envolvida. Mas Bill Harvey, David
Phillips e alguns outros da CIA também’. E ele respondia:
‘Não, não estavam, Dan’. E eu dizia: ‘Estavam, Bob’.”
Em abril de 2001, um acontecimento abalou as
convicções de Bob Blakey. Naquele mês, a revista semanal
Miami New Times publicou uma matéria sobre George
Joannides — o veterano agente da CIA que Hardway e
Lopez haviam acusado de tentar obstruir sua investigação.
O artigo revelava que Joannides, que estava baseado em
Miami no começo dos anos 1960, era o agente encarregado
do DRE — o grupo de estudantes eLivross cubanos
financiado pela CIA que havia feito de tudo para provar que
Oswald era uma marionete de Castro, antes e depois de
Dallas. Em outros termos, Joannides havia tido um papel
intrigante no caso Oswald, porém decidira esconder esse
fato da comissão de Blakey. Entretanto, o espião de
carreira — que morrera em 1990 — usara sua ligação com
a comissão para impedir que a CIA fosse investigada. O
artigo da Miami New Times, que fora escrito pelo jornalista
do Washington Post Jefferson Morley, deixou Blakey
estupefato e ultrajado. Havia mais de duas décadas, ele
elogiara a CIA por sua cooperação na investigação. Agora,
o professor de direito percebia que seus jovens
investigadores estavam certos a respeito da CIA: ele fora
enganado.
Blakey, furioso, disse à imprensa que se soubesse à época
quem Joannides era, o agente não teria sido usado como
ligação com a CIA — ele teria sido convocado como
testemunha e obrigado a depor: “O comportamento de
Joannides foi criminoso. Ele obstruiu nossa investigação”. A
CIA manipulara a Comissão Warren, pensava Blakley,
enfurecido, e também enganara a Comissão Reservada da
Câmara dos Representantes sobre Assassinatos. “Muitos
diziam que a cultura da agência era baseada em
prevaricação e dissimulação, e que não se podia confiar
nessas pessoas [...] Agora também penso assim.”
A credulidade de Blakley permitira que Joannides criasse
empecilhos à investigação e ajudara figuras suspeitas da
CIA, como David Phillips, a escapar do foco do Congresso.
Porém, no final da vida, Phillips estranhamente começou a
fazer confissões, fornecendo uma curiosa conclusão à saga
da Comissão sobre Assassinatos. Em uma conversa de julho
de 1986 com um ex-investigador da comissão, Phillips
comentou: “Minha opinião íntima é que JFK foi vítima de
uma conspiração, que provavelmente incluía funcionários
da inteligência americana”.
O antigo espião — que, aposentado, tentou abraçar uma
carreira literária — transformou os acontecimentos em
torno do assassinato em notas para um romance que
pretendia escrever, mas que aparentemente nunca levou a
cabo. O romance — cujo título provisório, The AMLASH
Legacy [O Legado AMLASH], inspirou-se em um codinome
da CIA para uma das conspirações de assassinato contra
Castro — retratava o assassinato de Kennedy como a
horrível e imprevista consequência dos projetos da agência
para Cuba. No roteiro de Phillips, os soviéticos —
trabalhando com um rico esquerdista americano que odiava
a CIA — haviam transformado a operação anticastrista em
um complô para assassinar JFK, o que levaria à destruição
da CIA.
“Fui um dos dois funcionários encarregados de Lee
Harvey Oswald”, declara no esboço do livro o funcionário
da agência. “Depois de termos agido para estabelecer seu
perfil de marxista, demos-lhe a missão de matar Fidel
Castro em Cuba. Ajudei-o quando ele veio à Cidade do
México para obter um visto, e, quando ele regressou a
Dallas para esperar pelo documento, encontrei-o duas
vezes. Repetimos o plano várias vezes: em Havana, Oswald
devia assassinar Castro com um rifle, posicionado de tocaia
em uma janela do andar superior de um prédio localizado
na rota que Castro frequentemente percorria em um jipe
aberto.
“Se Oswald era agente duplo ou psicopata, não tenho
certeza, e não sei por que ele matou Kennedy, mas sei que
ele usou exatamente o plano que havíamos elaborado
contra Castro. Assim, a CIA não antecipou o assassinato do
presidente, mas foi responsável por ele. Compartilho essa
culpa.”
Se esse labiríntico exercício literário acabou sendo
parcialmente uma confissão — ou uma última tentativa do
mestre da desinformação para deixar as águas do
assassinato ainda mais turvas — não está claro. Ao mesmo
tempo que Phillips se sentia obrigado a finalmente
“compartilhar” a culpa pelo assassinato de JFK, fez isso de
maneira estranhamente disfarçada. E ainda colocou a culpa
primeiro nas antigas nêmesis da CIA — Moscou e a
esquerda americana.
Contudo, pouco tempo antes de morrer, em 1988, Phillips
revelou mais coisas. Segundo o sobrinho do veterano da
CIA, Shawn Phillips, quando estava doente o espião
confessou algo ao pai de Shawn, seu irmão James, que
nunca poderia contar ao Congresso. Os dois irmãos haviam
se afastado depois que James começou a suspeitar que
David estivesse envolvido no assassinato de JFK. Sofrendo
de um câncer do pulmão em fase terminal, David ligou para
James para tentar uma reconciliação final. “Você esteve em
Dallas naquele dia?”, perguntou-lhe James. “Sim”,
respondeu David. James desligou e nunca mais falou com
seu irmão.
Depois que a Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos encontrou provas da
conspiração contra JFK, o júri recomendou que o
Departamento de Justiça de Carter seguisse as numerosas
direções interessantes que ela havia mostrado. Mas, como
era previsível, não houve nenhuma ação por parte do
governo, e quando Reagan tomou posse, em 1981, o
reinado do segredo em Washington se tornou ainda mais
forte.
Com um governo incapaz de investigar a si próprio, coube
à mídia tentar esclarecer os sombrios recônditos do
assassinato Kennedy. Houve enorme apoio do público para
que o inquérito decolasse, e pesquisas feitas no decorrer
dos anos mostraram que algo entre 50 e 85 por cento de
americanos acreditavam que a versão oficial do assassinato
de JFK era uma fraude. Em vez de buscar com afinco as
inúmeras explicações que ainda faltavam sobre Dallas, a
corrente principal da mídia continuou a desacreditar as
teorias que apontavam para uma conspiração, esforçando-
se mais a cada nova década para apoiar o Relatório
Warren, comido pelas traças. As mais prestigiosas
instituições que foram surgindo — aquelas com o poder de
desenterrar informações —, em vez disso, puseram-se a
serviço do governo. Os relatórios especiais sobre o
assassinato, produzidos com entorpecente regularidade por
New York Times, Washington Post, CBS, NBC, ABC, Time e
Newsweek apoiaram invariavelmente a teoria do atirador
solitário — e, em vários casos, os editores, jornalistas e
produtores citaram como fontes membros da Comissão
Warren, ou empregados do FBI e da CIA, assim como
executivos da mídia próximos dessas agências
governamentais. Em algumas ocasiões, os jornalistas que
eram vinculados à inteligência simplesmente reproduziam
a versão do governo para as ocorrências em Dallas. Como
relatou Carl Bernstein em seu arrebatador artigo da revista
Rolling Stone em 1977, a CIA mantinha em segredo
quatrocentos jornalistas a seu serviço. E documentos hoje
públicos revelam que alguns desses jornalistas trabalhavam
para a CIA quando a agência tentava manipular a cobertura
do mistério JFK.
A cobertura da mídia americana do assassinato de
Kennedy certamente entrará para a história como uma das
atuações mais vergonhosas da indústria da comunicação,
junto com sua tragicamente negligente aceitação dos casos
de falsificação por parte do governo durante as guerras do
Vietnã e Iraque. Os críticos do assassinato há muito tempo
rejeitam a aprovação obediente do Relatório Warren, uma
credulidade que se torna ainda mais estranha com o
decorrer do tempo e o acúmulo de provas em contrário.
Mas, ainda mais desconcertante é a incapacidade de os
amigos próximos de JFK na imprensa investigarem esse
crime hediondo. Alguns dos íntimos do presidente
ocuparam posições de influência no topo da mídia. Os
críticos enxergam o fracasso deles na averiguação do
assassinato não somente como uma negação do dever
profissional, mas como uma traição pessoal.
O nome do lendário jornalista Benjamin Bradlee — que
durante anos reinou como editor executivo do Washington
Post, inclusive durante os gloriosos dias de investigação da
época do Watergate — logo vem à mente quando o assunto
é esse. Ao fazer as pesquisas para escrever este livro,
comecei a me perguntar por que o homem que era o amigo
mais próximo de JFK na imprensa de Washington — alguém
com poder de derrubar a presidência de Nixon —
aparentemente não fez nada para revelar a verdade sobre o
assassinato de Kennedy.
A profunda afeição de Bradlee por JFK salta aos olhos em
sua biografia de 1975, A intimidade de John Kennedy2 —
um livro que, junto com o de Red Fay, The Pleasure of His
Company [O prazer de sua companhia], oferece uma visão
mais íntima de JFK, e é essencialmente uma história de
amor. Bradlee e sua segunda esposa, Tony, a irmã de Mary
Meyer, encontravam-se com frequência com os Kennedy na
Casa Branca, em Camp David, Palm Beach e Newport. Uma
noite, já bastante tarde, depois de uma festa regada a
champanhe, Jackie reteve Bradlee para confessar, com os
olhos cheios de lágrimas, que “vocês dois são nossos
melhores amigos”. Sem nenhuma vergonha de sua
excepcional relação com o presidente, o jornalista mais
tarde escreveu que sua amizade com JFK “dominou” sua
vida. Kennedy, declarou ele, era “charmoso, alegre,
divertido, espirituoso, capaz de rir dos outros e de si
mesmo, indulgente, faminto, incapaz de ser chato, agitado,
interessante, exuberante, brusco, profano e adorável. Ele
era tudo isso... e muito mais”. E mesmo assim, sob Bradlee,
o Washington Post mostrou pouca curiosidade sobre como
seu extraordinário amigo havia morrido.
No mesmo ano em que Bradlee publicou sua biografia
sobre Kennedy, o jornalista Robert B. Kaiser — escrevendo
na Rolling Stone — explorou a preocupante falta de
interesse da mídia em relação ao assassinato de JFK. A
falha do Washington Post em engajar recursos
investigativos no caso foi “especialmente desconcertante”,
observou Kaiser, por conta “da maneira corajosa como o
jornal conduzira o caso Watergate e da estreita amizade de
Bradlee com o presidente Kennedy”. Quando o jornalista da
Rolling Stone pediu a Bradlee que explicasse sua falta de
interesse no caso, este retrucou: “Estou com o saco cheio
dos lunáticos” — uma resposta que revelava não somente
seu desdém em relação aos pesquisadores da conspiração,
como também a visão estranhamente passiva do Post, cujo
papel seria antes identificar e deixar de lado os “lunáticos”
ao invés de dirigir sua própria investigação. “A menos que
queira achar alguém disposto a dedicar sua vida [ao caso],
é melhor esquecer”, acrescentou Bradlee. Esse comentário
também me pareceu estranhamente resignado, ainda mais
para um homem conhecido por ter declarado que os
jornalistas deveriam querer “dar o testículo esquerdo” por
uma grande história.
Após ter lido o artigo da Rolling Stone, anos depois,
concluí que devia haver outras razões para a inação de
Bradlee. Assim, decidi visitá-lo — um homem que por muito
tempo encarei, como tantos que se inspiraram no
Watergate para ingressar no jornalismo, como um ícone da
integridade do Quarto Poder. Bradlee havia muito tempo se
aposentara do cargo de editor-executivo do Post, quando
falei com ele em 2004. Mas, aos 83 anos, ainda mantinha
estatuto emérito no jornal — assim como um pequeno e
modesto escritório, onde aceitou me encontrar. Vestido de
forma casual, com suéter abotoado e calça, o lendário
editor ainda projetava a arrojada energia que o levou ao
topo da profissão.
Começamos conversando sobre suas lembranças de
Bobby Kennedy, com quem tivera uma relação um tanto
espinhosa. “Acho que talvez ele tenha se ressentido de
minha relação com Jack”, disse Bradlee. Eu lhe contei
sobre meu livro, e como minha pesquisa mostrava que,
depois dos tiros em Dallas, Bobby imediatamente suspeitou
da CIA e de seus capangas na Máfia e no mundo dos
eLivross cubanos. Bradlee não pareceu surpreso. “Meu
Deus”, disse ele com seu famoso jeito de resmungar, “se
fosse seu irmão... quero dizer, se eu fosse Bobby, eu
certamente teria aventado essa possibilidade.” Então,
Bradlee fez um comentário truncado, porém revelador:
“Sempre me perguntei se minha reação diante de tudo isso
não foi influenciada por um tipo de desgosto total em
relação à possibilidade de que [Jack] tenha sido
assassinado por...”. Ele não acabou a frase, mas a
continuação era clara: por seu próprio governo.
Continuei nessa direção com Bradlee. Ele era cunhado do
menino de ouro da CIA, Cord Meyer; e assim como outros
liberais da Guerra Fria da imprensa de Washington, ele
socializara com os dirigentes da agência nos salões de
Georgetown. Perguntei a Bradlee se já havia feito algumas
investigações discretas nesses círculos da CIA sobre o que
acontecera em Dallas.
“Tenho certeza de ter conversado com Helms sobre isso
em privado, mas, como sempre, ele não me levou em
consideração”, respondeu ele.
“Ele era bom nisso, não era?”, disse eu.
“Ah, sim, ele o convidava para almoçar e você pensava:
‘Ah, meu Deus, vou conseguir algo quente’, e não conseguia
nada.”
Então, fiz a Bradlee a pergunta que estivera pairando
durante toda a entrevista. Por que ele não fez mais como
editor do Post para conseguir a verdade? “Era final de 1965
quando me tornei editor chefe aqui”, respondeu ele, “e vou
lhe dizer que... eu estava tão ocupado tentando, em
primeiro lugar, tentando montar uma equipe [...] E então
passei um tempo enorme tentando decidir quem contratar.”
Ambos sabíamos que era uma explicação fraca.
Pressionei-o de novo. “Em retrospectiva”, perguntei, “o
senhor acha que o Post deveria ter examinado mais
atentamente o assassinato?” E então, Bradlee, que com
certeza deve achar difícil enganar outros jornalistas, deu-
me uma resposta cruamente honesta. Ele não investigou
mais a morte de seu amigo, afirmou, porque estava
preocupado com a própria carreira. “Acho que senti que, já
que eu era amigo dos Kennedy — sabe, haviam se passado
somente [dois] anos, e a primeira coisa que ele faz é chegar
no jornal que ele espera dirigir por um bom tempo e se
concentrar nisso?” Ele ficou assustado, continuou Bradlee,
“e teria sido desacreditado se tivesse levado a redação [do
Post] nessa direção”.
E então ele acrescentou um pequeno e nostálgico
comentário surpreendente em seu eufemismo. Se seu jornal
tivesse solucionado o monstruoso crime, “teria sido
fantástico”.
Sim, acenei com a cabeça. “Teria sido uma história
incrível.”
“Sim, sim”, disse Bradlee.
E foi isso. Não havia qualquer sinal de remorso pela
maneira como pusera sua ambição à frente da lealdade
com um amigo, ou de lamúria sobre o que o fato de deixar
sem solução um crime dessa magnitude provoca na alma de
uma nação. Eu sabia que Bradlee era da velha escola — os
jornalistas não choram e tudo mais. Você contabiliza as
perdas e segue adiante. Mas sua atitude era estranhamente
desprovida de emoção, mesmo para seus padrões duros e
realistas.
Mais tarde, falei com Don Hewitt, outro eminente
jornalista que conhecera os Kennedy. Como vimos, o
criador de 60 Minutes há muito tempo nutria suspeitas
sobre o que de fato ocorrera em Dallas, perguntando-se se
“tipos insatisfeitos da CIA” não estariam por trás do
assassinato de JFK. Assim como Bradlee, Hewitt —
produtor-executivo do mais bem-sucedido e estimado
programa de jornalismo investigativo na história da
televisão — ocupava uma posição que lhe permitia revolver
com profundidade o caso. E foi exatamente o que ele fez,
Hewitt insiste em dizer.
Conversei com Hewitt em 2005, um ano depois de ele
deixar o 60 Minutes. Durante os 37 anos em que ficou no
leme, o programa da CBS não revelou nenhuma história
importante sobre o assassinato. Mas, disse-me Hewitt, não
foi por falta de tentativa.
“Tentamos, tentamos e tentamos”, disse Hewitt. “Fomos
até Dallas, pedimos que alguns atiradores disparassem da
janela [do Texas School Book Depository], tentamos
entender a trajetória, de onde a bala teria vindo... sentei
naquela janela e fiquei olhando para fora por uma hora,
tentando entender — simplesmente nunca acreditei [na
versão oficial]. E este é o maior mistério da minha vida,
[por que a verdadeira] história nunca foi revelada.”
Hewitt falou mais sobre a óbvia falsidade da versão oficial
e como importantes figuras políticas dos anos 1960, como
Richard Nixon, rejeitavam-na em privado. Um importante
republicano um dia contou a Hewitt que perguntara ao ex-
presidente o que ele sabia do assassinato de JFK. “Você não
vai querer saber”, teria respondido Nixon. Mesmo
aposentado, Hewitt sentia-se claramente injuriado com o
crime sombrio.
Mais tarde, ao se despedir de mim, a lenda dos jornais
televisivos me desejou boa sorte em minha tentativa de pôr
mais luz sobre o caso. “Bem, vá em frente, porque é o
mistério da minha vida”, repetiu ele, acrescentando que
sempre se perguntara por que não houvera um número
maior de jornalistas dedicando sua “devastadora” energia à
história. “Vá em frente”, disse ele uma última vez. “Grande
história.”
Não parecia ser desdém. Parecia mais que Hewitt estava
passando o bastão, mais do que passando a bola.
Conheço as críticas feitas ao estilo de reportagem
investigativa do 60 Minutes — de que Hewitt fazia um
grande programa de confrontações dramáticas, mas não
tinha coragem de enfrentar as mais poderosas forças da
vida americana. (Basta questionar o ex-produtor Lowell
Bergman sobre a capitulação do programa diante das
grandes empresas de tabaco e as redes políticas.) Porém,
as palavras de despedida de Hewitt pareciam vir do
coração. Ele fracassara ao tentar desvendar o crime
político do século XX, mas pelo menos havia tentado. Até
então, minha geração do jornalismo não havia feito nada
melhor.
Por mais de uma década, o caso JFK ficou parado no ponto
em que a Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos o deixou. Então
Hollywood entrou em cena, da maneira como a fábrica de
sonhos às vezes o faz quando o país está preso em um
pesadelo do qual não consegue acordar. Em resposta à
longa paralisia do establishment político e da mídia, veio
em 1991 a terapia de choque do filme de Oliver Stone: JFK
— A pergunta que não quer calar.
O filme, um relato enaltecedor do audacioso périplo de
Jim Garrison pelo processo criminal, vasculhou
profundamente os mais recônditos medos do país,
sugerindo que Kennedy havia sido morto por um conluio da
segurança nacional no intuito de levar o país à guerra. As
elites da política e da mídia denunciaram o filme,
chamando-o de “paranoico”, “história deturpada”, “grande
mentira” de proporções hitlerianas, e perguntando-se o que
teria levado a Warner Brothers a distribuí-lo.
Contudo, um dos ex-confidentes de Kennedy correu o
risco de ver sua fama abalada ao apoiar Stone — Frank
Mankiewicz. Ele chocou o círculo do Beltway3 — incluindo
a família Kennedy — ao fazer a assessoria de imprensa do
filme em Washington. “Cada americano tem [com Oliver
Stone] uma dívida de gratidão”, anunciou Mankiewicz. “Ele
chutou uma porta que estava fechada há tempo demais.”
Mankiewicz adotou uma estratégia midiática agressiva,
devolvendo o fogo dos críticos com a mesma intensidade.
“Os escritores políticos, os escritores do establishment, os
editorialistas e os chupadores de dedo foram quase
unânimes em atacar JFK porque esse filme desafiava o
trabalho que fizeram nos anos 1960 — que foi bem pouco”,
comentou com acidez. Guiado pela agressiva estratégia
midiática de Mankiewicz, Stone respondeu abruptamente
aos inúmeros ataques que recebera no New York Times e
no Washington Post. “Talvez a história seja importante
demais para ser deixada aos jornalistas”, opinou o diretor
em um editorial do New York Times. Em janeiro de 1992,
Stone se apresentou diante do National Press Club, em
Washington, armado de um enérgico discurso escrito por
Mankiewicz. Como é que sábios jornalistas muito bem
pagos, da estirpe de Tom Wicker, Dan Rather e Anthony
Lewis, podiam rejeitar a ideia de uma conspiração,
declarou ele, quando nunca se levantaram para investigar
essa sombria possibilidade — e trabalharam na capital do
país, repleta de conspirações, desde o Watergate até o caso
Irã-Contras,4 passando pela campanha “Surpresa de
Outubro”, de Reagan, de 1980.5
A família Kennedy informou Mankiewicz de que não
aprovava sua ostensiva defesa de JFK. Anos antes, a família
decidira seguir o desejo de Bobby de focar o futuro em vez
do passado, mesmo que — como alguns membros da família
certamente sabiam — RFK estivesse seguindo outro
caminho no âmbito privado. Mankiewicz parou de receber
convites para eventos da família. Porém, o ex-assistente de
Kennedy foi resoluto. O que estava fazendo seguia o
espírito de seu antigo chefe, Bobby, que anos antes lhe dera
a missão de remexer no assassinato.
“Trabalhei em prol do filme porque acreditava nele”,
disse ele quando o entrevistei para este livro. “Oliver foi o
primeiro a abordar o assunto de verdade. O Washington
Post e o resto da mídia podem ter detonado quem veio
antes dele. Mas Oliver recebeu dois prêmios da Academia,
e o orçamento de JFK era de quarenta milhões de dólares.
Ele tinha como enfrentá-los.”
No final, Oliver Stone não conseguiu impor-se na arena
midiática, em que ainda é visto como ridículo. Mas o
diretor teve êxito no marketing, já que o público se
precipitou às salas de cinema e fez de JFK um sucesso de
bilheteria. O controverso filme também conseguiu tornar
públicos inúmeros documentos do governo relativos ao
assassinato. Stone fora persuadido pelos pesquisadores
Kevin Walsh e James Lesar a acrescentar uma legenda no
final do filme que declarava que os arquivos da Comissão
Reservada da Câmara dos Representantes sobre
Assassinatos iam ficar inacessíveis até 2029. Quando os
escritórios de Capitol Hill foram inundados por milhares de
cartas raivosas, o heroico membro da Câmara dos
Representantes, Lee Hamilton, de Indiana — mais tarde
copresidente da comissão sobre o 11 de Setembro6 e do
Grupo de Estudo sobre o Iraque7 —, apresentou a Lei do
Acervo de Arquivos sobre o Assassinato de JFK, de 1992,
perante o Congresso, que resultou na divulgação de
milhares de documentos relevantes.
Stone conseguira rapidamente o que esforçados
pesquisadores do assassinato — e membros passivos da
imprensa de Washington — não obtiveram em décadas. Não
havia nenhum indício fundamental nesse fluxo de
documentos — e é ilusório acreditar que, se tivesse existido
uma documentação que evidenciasse a existência de uma
conspiração, enterrada em algum lugar nos arquivos do
governo, ela não teria sido destruída há muitos anos. No
entanto, os documentos divulgados por meio da Lei JFK
ajudaram os pesquisadores a compor um retrato
subterrâneo do governo Kennedy, com suas exaltadas
intrigas e dissidências em relação a pontos críticos como
Cuba e a Guerra Fria. Os arquivos forneceram mais
contextos para explicar por que Bobby Kennedy, entre
outros, imediatamente suspeitou que seu irmão tivesse sido
vítima de uma “ampla conspiração política”.
Assim como outras investigações do Congresso dos anos
1970, o filme de Oliver Stone despertou um novo espírito
investigativo na nação, que também atingiu o candidato à
eleição presidencial, Bill Clinton. Durante a campanha de
1992, Clinton e o candidato à vice-presidência, Al Gore,
responderam a perguntas sobre JFK, dizendo que todo
documento relevante do governo deveria ser publicado.
Quando Clinton se mudou para o Salão Oval, uma de suas
primeiras diretivas para Webster Hubbell — seu parceiro
de golfe do Arkansas que ele nomeara procurador-geral
associado — foi que descobrisse “quem matou JFK”. Havia
uma tocante inocência no pedido do jovem presidente, um
ingênuo otimismo segundo o qual os presidentes podiam
facilmente chegar ao fundo desse sombrio e profundo
orifício — algo que Lyndon Johnson e Richard Nixon
poderiam ter retificado para ele. Hubbell, que mais tarde
perdeu o cargo por causa de um escândalo, examinou o
caso Kennedy, mas relatou que não “estava satisfeito com
as respostas que obtivera”.
A nova onda de ceticismo deslanchada por JFK mostrou
ter vida curta. Em 1993, um ex-advogado chamado Gerald
Posner publicou um novo ensaio sobre o Relatório Warren
intitulado Case Closed. A mídia rapidamente o apoiou,
transformando-o em sucesso de vendas. O livro — que
concluía que “um sociopata fracassado de vinte e quatro
anos, armado com um rifle de doze dólares e consumido
por sua própria motivação torta, acabou com Camelot” —
não somente tinha uma reconfortante simplicidade, como
limpava a barra da imprensa. Os jornalistas que haviam
acreditado na palavra do governo sobre o assassinato
sentiram-se eximidos de qualquer culpa.
Em 2003, o próprio Posner não parecia ter tanta certeza
de que o caso estivesse encerrado. Depois de ter tomado
conhecimento das revelações do jornalista Jefferson Morley
sobre o agente da CIA George Joannides e a Comissão
sobre Assassinatos, Posner escreveu um ensaio para a
Newsweek pedindo que a agência de espionagem fosse
clara quanto a Dallas. O jogo duplo da CIA no Congresso
“não é um comportamento que inspire a confiança pública”,
escreveu Posner. “As especulações gratuitas sobre a
conspiração só são alimentadas pela obstrução da CIA. O
público americano tem o direito de saber tudo o que o
governo sabe sobre o assassinato do presidente e de Lee
Harvey Oswald.”
Porém, a mídia continuou a insistir que o caso estava
encerrado. Cerca de meio século depois do assassinato de
Kennedy, a história parecia perdida em um limbo, presa em
algum lugar da consciência pública entre Stone e Posner.
Então, no final de 2006, uma série de eventos começou a
sacudir o caso, adormecido havia muito tempo.
Em novembro daquele ano, o programa da BBC Newsnight
apresentou uma provocante reportagem do diretor Shane
O’Sullivan alegando que três agentes da CIA haviam sido
flagrados por uma câmera no Ambassador Hotel na noite
em que Robert Kennedy foi assassinado, sugerindo que eles
estavam envolvidos no crime. A reportagem da BBC
identificava os três homens como veteranos da operação
anticastrista baseada em Miami: George Joannides, o
antigo funcionário que, em 1978, enganara os
investigadores da Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos; David Morales, chefe
da base da operação paramilitar JM/WAVE e, assim como
Joannides, suspeito de longa data de ter participado da
conspiração contra Kennedy; e um homem que o diretor
O’Sullivan identificou como Gordon Campbell, chefe
suplente da base JM/WAVE. O’Sullivan apresentou
testemunhos contraditórios sobre a identidade dos três
homens fotografados e filmados naquela noite. Alguns
antigos colegas disseram que os homens eram de fato
Joannides, Morales e Campbell, enquanto outros negaram.
Apesar das dúvidas, O’Sullivan concluiu: “Meu sentimento
íntimo é que esses três funcionários da CIA estavam por
trás do assassinato de Robert Kennedy”. A CIA, disse ele à
audiência da BBC, “deve ao público uma explicação antes
que a verdade sobre o assassinato de Robert Kennedy se
perca na história”.
Logo depois da apresentação da reportagem da BBC,
contatei Jefferson Morley, do Washington Post, perito em
Joannides e na guerra anticastrista, para averiguar as
acusações contra a agência de espionagem e o Ambassador
Hotel. Morley e eu viajamos muito, entrevistando dúzias de
parentes, amigos e antigos colegas de Morales, que
falecera em 1978, e Joannides, morto em 1990.
Descobrimos que a reportagem da BBC tinha defeitos
graves. O verdadeiro Gordon Campbell revelou-se um
coronel do Exército vinculado à base JM/WAVE, e morrera
em 1962, de forma que não podia estar presente no filme
feito no Ambassador Hotel em 1968. (Quando
questionamos isso, O’Sullivan sugeriu que o homem
filmado podia estar usando o nome do morto como
pseudônimo, já que o uso de falsos nomes era prática
comum entre os agentes operacionais da CIA.) Além disso,
Morley e eu encontramos provas fotográficas que pareciam
discordar do fato de o homem alto e de pele escura filmado
pelas câmeras do jornal televisivo no Ambassador Hotel ser
Morales. As provas que reunimos sobre o suposto Joannides
eram ainda mais intrigantes, porém, ao final, se mostraram
inconclusivas. Algumas pessoas que conheciam o
funcionário da CIA identificaram o homem da foto, ereto e
de óculos, como sendo Joannides, mas outras fontes críveis
insistiram em dizer que não era ele.
Enquanto nossa investigação apontava para vários furos
na história da BBC, Morley e eu desenterramos novas
provas que vinculavam Morales e outros veteranos da
JM/WAVE ao assassinato do presidente Kennedy, e,
possivelmente, ao assassinato de Bobby Kennedy. Durante
nossa reportagem, Morales — um vínculo-chave entre a
CIA e o submundo do crime, morto pouco tempo antes de
ser interrogado pela Comissão sobre Assassinatos —
começou a aparecer como uma figura particularmente
interessante. À medida que conversávamos com pessoas
que o haviam conhecido, emergiu do falecido agente
secreto uma imagem de alguém violento e cruel, animado
por um excessivo senso de patriotismo e verdadeiro ódio a
quem ele considerava traidor, incluindo os Kennedy.
Morales foi criado em Phoenix, em uma família mexicano-
americana tão pobre que ele e seu irmão tinham que usar o
mesmo par de sapatos, de maneira que os garotos iam à
escola em dias alternados. Após entrar para o Exército no
final da Segunda Guerra Mundial, Morales foi recrutado
pela CIA enquanto servia na Alemanha no pós-guerra,
tornando-se um homem leal da “Companhia”. Sua origem
social extremamente pobre e seus escuros traços indígenas
contrastavam profundamente com a elite, originária da Ivy
League, dos supervisores da agência. Mas Morales queria
cumprir todas as ordens dada pela organização que o
resgatara de sua juventude miserável dando-lhe uma
glamorosa e arriscada vida de aventuras internacionais.
Embora tivesse alcançado uma posição de destaque na
CIA, Morales era o “peão” da agência, disse um dos
membros da família, que pediu para permanecer anônimo.
“Ele fazia tudo o que pediam. Deram-lhe um estilo de vida
que nunca teria tido em outras circunstâncias. Sua família
não era sua vida — a Companhia era sua vida.”
Wayne Smith, um veterano que passou 25 anos no serviço
internacional, trabalhando com Morales na embaixada
americana de Havana antes de Castro tomar o poder, disse:
“Dave Morales fazia o trabalho sujo para a agência. Se
tivesse feito parte da Máfia, teria sido chamado de
assassino de aluguel”.
Depois de dirigir o programa paramilitar anticastrista da
CIA em Miami — em que era estreitamente associado a
gângsteres como Johnny Rosselli —, Morales foi transferido
para o Sudeste Asiático, onde participou do famoso
programa da agência Operação Fênix, cujos alvos de
assassinato eram pessoas suspeitas de terem vínculos com
os vietcongues. Ele esteve associado a uma sangrenta
trilha de façanhas da CIA, desde o golpe da Guatemala, em
1954, passando pela caçada e execução de Che Guevara,
em 1967, até o violento golpe contra Salvador Allende, no
Chile, em 1973. (Morales, mais tarde, declarou ter estado
no palácio quando Allende foi morto.)
É fácil acreditar que Morales tenha participado do
assassinato de JFK, disse-me um parente dele — não por
conta própria, não era do seu feitio, mas se tivesse
recebido ordens para tanto. “Quando o chamam de
‘trapaceiro’, é uma mentira. Ele era extremamente leal [à
agência]. Mas posso imaginá-lo recebendo ordens para
fazer algo e as executando. Sem questionar.” Uma das
funções de Morales consistia em fazer acordos com
elementos criminosos em nome da agência, acrescentou o
membro da família. Morales pode ter recebido a ordem de
recrutar “aqueles caras sórdidos” e “levá-los até onde eles
deviam ir”, para a operação em Dallas.
Segundo seu advogado, Robert Walton, Morales revelou
ter se envolvido em ambos os assassinatos dos Kennedy.
Walton declarou isso a vários pesquisadores no decorrer
dos anos, entre os quais Gaeton Fonzi, o ex-investigador do
Congresso que relatou a história em seu livro de 1993, The
Last Investigation [A última investigação]. Walton repetiu a
história, perante as câmeras de Shane O’Sullivan, para a
reportagem da BBC. Segundo Walton, Morales lhe disse:
“‘Eu estava em Dallas quando peguei... quando pegamos
aquele filho da mãe, e estava em Los Angeles quando
pegamos o outro desgraçado’. O que me disseram foi que
de algum modo ele estava envolvido na morte de John
Kennedy, e, indo um pouco mais adiante, também na de
Bobby”.
Ruben “Rocky” Carbajal — um dos amigos mais próximos
de Morales, desde a infância até o dia em que o agente da
CIA morreu — contou aos pesquisadores uma história
semelhante, mas que não ligava diretamente seu velho
conhecido aos assassinatos. Encontrei Carbajal em
Nogales, no Arizona, na cidade da fronteira em que se
aposentara, e conversei com ele durante horas no bar e na
sala de jantar de seu lugar predileto, o Americana Motor
Hotel, e em sua casa junto a uma colina que domina a árida
paisagem do México. Carbajal, que estava comemorando
seus oitenta anos junto a um grupo de antigos compadres,
com cerveja e copos de scotch, quando o encontrei, é um
homem rude e de palavras diretas. Baixo e alerta, de cabelo
branco bem penteado e bigode, ele vestia roupas de boa
qualidade — jaqueta de couro, malha de veludo bege, calça
marrom de alfaiataria e dois vistosos anéis — e se
comportava como um combativo peso-leve, apesar de sua
idade avançada. Ele e Morales haviam crescido juntos nas
duras ruas de Phoenix, brigando com os Okies e jogando
juntos na equipe de futebol da Phoenix Union High School,
em que Carbajal era zagueiro e Morales, ponteiro. Os dois
rapazes eram mais próximos entre si do que de seus
próprios irmãos; iam juntos para todo lugar, e Morales,
fisicamente maior, servia de guarda-costas para seu amigo.
O pai de Morales abandonou a família quando ele tinha
quatro anos, e a família Carbajal — que era proprietária de
um popular restaurante mexicano chamado El Molino,
frequentado por Barry Goldwater e outros VIPs do Arizona
— considerava Morales como um membro da família.
Quase três décadas após a morte de Morales, Carbajal
permanece intensamente fiel à memória do homem que ele
chamava de “Didi”. Carbajal vê as missões secretas de seu
falecido amigo para a CIA como atos de coragem que lhe
deram uma estatura heroica. “Quando algum bundão
precisava ser morto, Didi era o homem certo”, disse-me
Carbajal, bebendo Bud Lites e fumando cigarros Marlboro
sem parar na sala de jantar do Americana Hotel. “Você está
certo. Esse era o trabalho dele.”
“Ele era muito patriota. Acreditava que seu trabalho era
proteger os Estados Unidos e estava pronto para fazer
qualquer coisa passando por cima de qualquer um que
fosse contra”, acrescentou ele no dia seguinte, sentado em
um sofá de couro do bem abastecido bar de sua casa, cujas
paredes estavam cobertas por retratos de celebridades de
Hollywood, fotos de cheesecakes e cartazes de guerreiros
astecas com garotas desfalecidas. “Ele não estava nem aí.
Se seu próprio irmão tivesse falado mal dos Estados
Unidos, ele teria acabado com ele.”
Será que seu amigo estivera envolvido nos assassinatos
dos Kennedy? Carbajal não respondeu diretamente,
dizendo apenas que Morales “talvez” tivesse estado em
Dallas e em Los Angeles naqueles dias. Havia “oito milhões
de pessoas em Los Angeles... quando Bobby foi atingido, de
forma que isso pode não ter nenhum significado”, observou
ele, acrescentando que, naquele momento, Morales podia
estar lá simplesmente para visitar parentes. De qualquer
modo, disse Carbajal, nem ele nem Morales lamentaram a
morte de RFK. “Não estávamos nem aí. Já foi tarde. Quem
quer que tenha feito isso, quero agradecer-lhe — muito
obrigado.”
Carbajal sabe quem matou JFK — foi a CIA, disse ele, sem
dar o nome de ninguém. Morales e seu colega muito
próximo na CIA, Tony Sforza, disseram-lhe que a agência
estava por trás do complô de Dallas. Os Kennedy tiveram o
que mereciam, insistiu Carbajal. “[O presidente] Kennedy
estragou tudo, causou todas aquelas mortes na Baía dos
Porcos, segurou os aviões, os homens ficaram presos no
chão. Você quer que eu respeite um presidente desse tipo?
Ou um bundão que nem seu irmão?” Os Kennedy,
acrescentou, também entregaram “a maldita nação para os
negros”.
Didi e ele sentiram que JFK havia violado o código deles,
disse Carbajal. “Se o filho da puta causou a morte de todas
essas pessoas [na Baía dos Porcos], merecia morrer. Nunca
se deve mentir ao seu povo. Não é bom não ter palavra.
Meu pai meu ensinou isso. Não estou nem aí para quem
seja. Se fosse meu próprio pai que mentisse para mim, ele
mereceria morrer. Porque você não é bom. Foi assim que
fui criado. E Didi também, entende?”
Apesar de todo o trabalho sujo e perigoso que Morales
executou para a CIA, no final, acredita Carbajal, a agência
deu as costas para seu amigo. Ele suspeita que a repentina
doença de Morales e sua morte em 1978, aos 52 anos,
tenham sido induzidas por seus colegas da inteligência, que
temiam que ele falasse abertamente sobre o caso JFK
perante a Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos, que planejava
interrogá-lo. “Acho que é por causa disso que o eliminaram,
porque não queriam que ele falasse”, disse Carbajal. Será
que a agência tinha motivos para temer a honestidade de
Morales? “Pode ter certeza”, disse Carbajal. “Você lhe fazia
uma pergunta e ele ia direto ao ponto, bum, sem rodeios...
Você quer a verdade, aqui está.”
Morales, com sobrepeso e fumando sem parar cigarros
Pall Mall sem filtro, e com frequência tomando uma garrafa
de Johnny Walker à noite, começou a ter problemas
cardíacos depois de regressar ao Arizona após uma viagem
a Washington em que, segundo o que dissera a Carbajal,
havia bebido scotch com colegas da agência antes de
embarcar no avião. Ele morreu naquele final de semana em
um hospital de Tucson. Segundo um membro da família,
não existe mistério em relação à sua morte. “Ele teve um
ataque cardíaco. Em casa. Talvez [a investigação do
Congresso] não lhe saísse da cabeça, deixando-o
estressado, mas havia um ataque cardíaco prestes a
acontecer.” Tão logo Morales faleceu, sua família recebeu a
visita de funcionários da CIA na casa situada em Willcox,
em uma remota região apache. “Eles queriam ter certeza
de que ele havia morrido”, disse o parente, que se
encontrava na casa de Morales naquela ocasião. “Estava
morto ou não?”
A reportagem levou Morley e a mim para dentro das
catacumbas da antiga guerra da CIA em Cuba — o
submundo que Robert Kennedy suspeitava ter originado o
assassinato de seu irmão. Conversamos com outro
fantasma de longínquos dias, o lendário militante
anticastrista Antonio Veciana, ainda enérgico aos 78 anos.
Sentado no escritório dos fundos de sua loja de
suprimentos para barcos em Miami, Veciana — líder do
Alpha 66, um grupo de eLivross patrocinado pela CIA que
perpetrou ataques terroristas em Cuba — disse-nos sem
rodeios que acreditava que a CIA estivesse envolvida no
assassinato do presidente Kennedy, “mas não sei
[exatamente] quem”. Ele repetiu o que dissera aos
investigadores da Comissão sobre Assassinatos três
décadas antes, declarando que uma vez vira seu contato da
CIA — um homem que ele conhecia como Maurice Bishop,
mas que os investigadores do Congresso identificaram
como David Phillips — conversando com um homem que
mais tarde ele reconheceria como sendo Lee Harvey
Oswald no saguão de um prédio de Dallas ao qual Veciana
havia ido para se encontrar com o funcionário da CIA.
“Meu Deus, em que maldita bagunça me meti!”, teria
exclamado Veciana mais tarde, ao ver a foto de Oswald na
imprensa. Ele especula que a agência tenha querido
colocar a culpa do assassinato de JFK em Castro, como um
pretexto para invadir a ilha. Mas Veciana deixa claro que
nunca acreditou que seu odiado adversário estivesse por
trás do complô de Dallas.
O homem que outrora jurou lutar até a morte contra
Castro parece ter se acomodado à história, predizendo que,
quando o líder cubano finalmente desaparecer no pôr do
sol, haverá uma reconciliação entre Washington e Havana.
“Não concordo com isso, mas é a realidade”, diz o velho
guerreiro de cabelo cinzento e óculos, encolhendo os
ombros, porém ainda parecendo o banqueiro que fora em
Havana antes de fugir da revolução. Em 1979, ao sair de
sua loja à noite, Veciana recebeu na cabeça um tiro de
assassinos que, segundo ele, deviam ter sido enviados por
Fidel. Mas isso aconteceu há muito tempo, em outro século.
É difícil hoje acreditar que tanto sangue e traição tenham
cercado a ilha; paixão suficiente, talvez, para exigir a vida
de um presidente.
Uma das provas mais intrigantes com as quais nos
deparamos durante nossa reportagem foi uma confissão de
onze horas do lendário veterano da luta contra Castro.
Desde a época em que os pesquisadores do assassinato de
Kennedy começaram a divulgar suas teorias, sempre foram
confrontados com a mesma resposta cética: “Se tivesse
havido uma conspiração, alguém teria falado”. Mas o fato é
que, no decorrer dos anos, uma série de figuras
importantes — a começar por Lee Harvey Oswald e várias
pessoas há muito vinculadas a Dallas, como Johnny
Rosselli, David Phillips e David Morales — começaram a
falar antes de morrer. E, em fevereiro de 2007, Morley e eu
descobrimos o testamento final de E. Howard Hunt, outro
veterano da CIA em torno do qual há muito tempo giravam
rumores sobre o assassinato de JFK.
As confissões de Hunt começaram com American Spy
[Espião americano], uma biografia que ele terminou pouco
tempo antes de morrer, em janeiro de 2007. Assim como a
confissão truncada de O. J. Simpson, Hunt seguiu um
caminho estranhamente especulativo em relação ao crime
do século, escrevendo que, se a CIA havia planejado o
assassinato do presidente, era dessa maneira que
provavelmente acontecera.
Hunt sugeriu que vários importantes funcionários da CIA
podem ter se envolvido no complô, entre os quais Cord
Meyer — nome que o ghost-writer do livro, Eric Hamburg,
especulou tratar-se de um codinome da elite WASP para
Richard Helms, o chefe da agência que Hunt ainda não
conseguia nomear. (Helms “tomava muito cuidado para não
se sujar — muito cuidado mesmo”, disse Hunt de maneira
intrigante para Hamburg.) Os outros suspeitos que Hunt
elencou em seu livro eram William Harvey e Morales, um
“matador de sangue frio”, observou Hunt, que, como seu
chefe Harvey, devia ser “totalmente amoral”. Ao mesmo
tempo em que proclamava sua própria inocência, Hunt
especulava que Harvey — “um personagem estranho
encobrindo um monte de agressividade dissimulada” —
podia ter tido o papel principal na organização do
assassinato, contratando atiradores de elite da Máfia “para
administrar a bala mágica” em Dallas. Hunt chegou até a
levantar a possibilidade de que Harvey tivesse agido sob as
ordens de Lyndon Johnson.
As especulações de Hunt — um espião controverso e
exuberante cuja carreira na inteligência acabou depois que
ele foi detido por seu papel no escândalo de Watergate —
eram obviamente nada além de especulações. Mais
significativo é o que Hunt deixou fora do livro: um
esclarecedor relato que chamou nossa atenção pouco
tempo depois que ele faleceu.
O veterano espião começara suas confissões em 2004,
diante da insistência de seu filho primogênito, St. John, que
sentiu que o pai devia a verdade à história — e à própria
família. St. John era por si só um personagem exuberante
que aos dezessete anos havia ajudado seu pai a destruir
provas quando os investigadores de Watergate começaram
a pressionar Hunt — jogando o equipamento de vigilância
do assaltante em um canal do rio Potomac à noite com seu
pai. Em outra ocasião, a pedido de seu pai, St. John se
livrou de uma máquina de escrever jogando-a no charco
atrás da casa de um vizinho; mais tarde, soube que seu pai
utilizara a máquina de escrever para forjar cabogramas
segundo os quais Kennedy havia ordenado o assassinato de
Diem.
“Nunca tive ressentimento pelo fato de ele ter pedido que
eu o ajudasse a sair de problemas”, insistiu St. John. “Eu
estava feliz de poder fazer isso. Eu sabia que eu não havia
alcançado seus sonhos como filho. Não era bom estudante.
Não fui para Choate nem Exeter. Não era o filho que ele
havia esperado. Então, o fato de fazer essas coisas para ele
me dava uma força emocional. Meu pai precisava de mim.”
Nos anos seguintes, St. John Hunt seguiu a desvairada
vida de músico de rock pós-1960, consumindo e traficando
montanhas de drogas, até que, depois de ter sido
condenado por vender anfetaminas e acabar, junto com
seus filhos, na rua, ele abruptamente mudou de rumo,
largando as drogas e vivendo uma vida comum em uma
cidade da costa norte da Califórnia apropriadamente
chamada Eureka. Mais tarde formou-se em administração
de hotéis em uma faculdade local, mas continuou tocando
guitarra em uma banda de blues-rock chamada Saints and
Sinners nos finais de semana.
“Convenci meu pai a contar sua história depois de
escrever uma carta a ele, implorando-lhe para contar a
verdade antes que fosse tarde demais. Sua saúde estava
definhando, ele estava com câncer, pneumonia recorrente,
havia amputado uma perna, era uma coisa atrás da outra”,
lembrou-se St. John, sentado na sala de jantar do Red Lion
Hotel, em Eureka. Homem compacto e de bela aparência
aos cinquenta anos, ele se vestia como um músico maduro
e bem-arrumado — de terno preto e camisa — e usava um
pequeno cavanhaque aparado.
Pressionado pelo filho, Hunt começou a revelar seu
obscuro passado escrevendo notas provocativas sobre o
assassinato de Kennedy, acrescentando mais coisas em uma
fita cassete que enviou pelo correio a St. John, e finalmente
sentando-se para conversar por cerca de uma hora sobre
Dallas diante de uma câmera de vídeo, respondendo a
perguntas de St. John e Hamburg, que conhece bem a
literatura sobre Kennedy.
O último desejo no testamento de Hunt — já que é essa a
impressão que dá o rosto de barba grisalha lutando para
falar diante da câmera e do gravador, procurando
recuperar o fôlego entre dois fragmentos de sua história —
é um notável exemplo do espírito americano. “Ele sentiu
que precisava ser transparente — não somente para sua
própria consciência e para a história, mas também para
deixar algo à sua família, caso o livro fizesse algum
sucesso. Ele sempre lamentou profundamente que sua
família tenha sido destruída pelo caso Watergate.” St. John
disse que suas duas irmãs nunca perdoaram o pai por ter
participado do escândalo que dilacerou a família e levou à
morte sua mãe, Dorothy, em um misterioso acidente de
avião em 1972.
St. John acredita que seu pai quis abrir-se para ele, em
particular, devido aos riscos que o filho havia corrido por
ele durante o caso Watergate. “Tínhamos uma relação
baseada na confiança, e tudo mais... Então, anos depois,
quando implorei ao meu pai que me contasse tudo que
sabia sobre o assassinato de JFK, ele estava disposto a
isso.”
Mas esse processo confessional acabou abruptamente
quando a segunda esposa de Hunt, Laura, e os dois filhos
que tiveram intervieram — preocupados com os efeitos
colaterais da integridade de seu relato. “Papai estava sob
enorme pressão por parte de sua segunda família”, disse
St. John. “Eles lhe diziam: ‘Howard, o que está fazendo?
Está abrindo todas as portas do passado’. Tornou-se um
grande problema familiar. Eu disse a eles: ‘Isso aconteceu
com a minha família, antes de vocês’. Eu sentia que tinha o
direito de ouvi-lo contar essa história — fiquei ressentido
ao ouvi-los me dizer o que eu poderia conversar com meu
pai. Mas papai estava dilacerado. Estava velho e esgotado
naquela altura. Ele me disse: ‘Saint, essa agora é minha
família. Você também é minha família. Porém, essas são as
pessoas com as quais devo conviver. Estou velho demais
para me colocar no meio de uma guerra entre minhas duas
famílias’.” Recusando-se a aceitar as condições impostas ao
projeto pela segunda família, St. John e Hamburg
encerraram sua participação, e outro ghost-writer foi
contratado para acabar a biografia de Hunt.
Laura Hunt, professora do ensino fundamental em Miami,
confirmou que se opôs à reabertura do caso do assassinato
de Kennedy na biografia de seu marido. “As coisas estavam
um pouco tensas” em casa, reconheceu. Mas ela não rejeita
o livro, enfatizando que Hunt, embora doente, estava de
posse do seu juízo quando trabalhou nele. Também nega
que as especulações de Hunt sobre o papel da CIA no
assassinato de JFK tenham sido motivadas por sentimentos
amargos que ele poderia ter alimentado contra a agência
por não tê-lo ajudado durante o caso Watergate. “Ele nunca
ficou amargurado com eles”, disse Laura. Ele não estava
tentando “se vingar. Howard Hunt não era desse tipo”.
A mais arrebatadora revelação de Hunt sobre a CIA e o
assassinato de Kennedy se encontra em seu livro. Contudo,
antes de parar de contar ao filho primogênito seu passado
enterrado, o velho espião se aliviou de um surpreendente
segredo. E essa revelação não é mera especulação, mas o
relato de uma testemunha. Em 1963, lembrou-se Hunt, ele
foi convidado por Frank Sturgis — o agente anticastrista
amigo da Máfia que mais tarde iria se juntar à equipe de
ladrões de Hunt no caso Watergate — para um encontro
clandestino em uma segura casa da CIA em Miami. Na
reunião, um grupo de homens — entre os quais David
Morales — conversou sobre aquilo que foi denominado de
“grande evento”, o que, como logo se tornou claro, era um
complô para matar o presidente Kennedy. Depois que
Morales foi embora, Sturgis perguntou a Hunt: “Está
conosco?”. Hunt disse que tinha “dúvidas”.
“Vocês têm tudo de que precisam — por que precisam de
mim?”, perguntou Hunt a Sturgis.
“Você poderia nos ajudar com o encobrimento”, sugeriu
Sturgis.
Hunt não gostava dos Kennedy. Uma vez disse a St. John
que queria ter um adesivo de para-choque em que estivesse
escrito: “Vamos acabar o trabalho — Vamos pegar Ted”.
Mas Hunt insistiu em dizer que não havia se juntado ao
complô porque soubera que Bill Harvey estava envolvido,
um homem que ele via como “um psicopata alcoólatra”.
Depois que Kennedy foi assassinado em Dallas, relatou
Hunt, ele se tornou “assombrado” pelo assassinato, “assim
como o resto do país”. Sentia-se “feliz” por não ter tido um
“papel direto” na conspiração. Mas Hunt deixou vago seu
papel exato no complô. Em uma gravação de áudio que
enviou a St. John em janeiro de 2004, ele disse: “Eu era
jogador da reserva [no complô]”, acrescentando de forma
codificada: “Eu tinha a fama de ser honesto, e as
informações chegavam a mim”.
Sentado no Red Lion enquanto o sol invernal mergulhava
nas águas do Pacífico e a escuridão se espalhava sobre as
sequoias da costa, St. John tentou dar sentido à confissão
truncada de seu pai. Teria ele ajudado na conspiração do
assassinato do presidente Kennedy? “No final das contas,
simplesmente não sei. Mas sei que pelo menos ele previra
isso. Com certeza sabia muito mais do que disse. E eu
estava começando a conseguir muitas coisas dele quando o
calaram.”
Seja o que for que Hunt fez na vida, seu filho achou um
jeito de perdoá-lo. O discurso fúnebre que St. John fez para
homenagear o pai no seu enterro, em Miami, foi uma
efusão de amor pelo bravateiro espião que ele chamava “o
homem cheio de classe da CIA; um James Bond americano”.
Se ele foi culpado por ações criticáveis, não foi devido a um
entendimento errado da missão. “Meu sentimento pessoal”,
disse St. John às pessoas presentes, entre as quais o
parceiro condenado no caso Watergate, Bernard Barker, e
antigos militantes anticastristas como Felix Rodriguez, “é
que o profundo senso de lealdade e patriotismo de meu pai
pelo país foi explorado por homens de interesses
mesquinhos e fibra moral muito inferior”.
St. John mais tarde disse que não tinha escrúpulos de
tornar pública a confissão de seu pai em relação a JFK. Por
quê? “Porque é a verdade. E não vejo isso como algo
terrível. O assassinato faz parte da cultura política
americana. Já acontecia antes de Kennedy e vai continuar
acontecendo depois de nós.”
Nos anos recentes, o legado dos Kennedy foi obscurecido
por uma série de livros, documentários e artigos que
tentaram desmistificar Camelot representando JFK como
viciado em drogas, sexualmente perturbado e um indivíduo
temerário que tinha vínculos com a Máfia. Enquanto hoje a
vida privada de Kennedy certamente não escaparia ao
exame público, essa interpretação patológica ignora a
história essencial de sua presidência. Houve uma aura
heroica na administração de John F. Kennedy que não tinha
nada a ver com as brumas de Camelot. Foi uma presidência
que entrou em conflito com seu próprio tempo, e no final
encontrou certa medida de grandeza. Chegando ao poder
no ápice da Guerra Fria e sendo reféns da poderosa ala
racista sulista de seu partido, os irmãos Kennedy
cresceram equilibradamente em visão e coragem —
incentivados pelos movimentos sociais dos anos 1960 — até
que o conflito se tornou tão agudo com a burocracia da
segurança nacional e os democratas do Sul, que eles
correram o risco de rachar seu próprio governo e o partido.
Essa é a verdade histórica fundamental sobre a presidência
de John Fitzgerald Kennedy.
E agora, retidos na onda anti-Kennedy atualmente em
voga, importantes jornalistas como Christopher Hitchens
rejeitam JFK como um “gângster vulgar”. Um dos
resultados dessa implacável campanha contra Kennedy foi
minguar a indignação do público com a falta de solução do
assassinato. Afinal de contas, se o presidente Kennedy era
uma pessoa tão escabrosa, onde está a tragédia de seu fim
violento?
Tornou-se moda também, em toda a baboseira da mídia
sobre Dallas que todo ano ocupa o espaço midiático por
volta do dia 22 de novembro, os comentaristas opinarem
que “provavelmente nunca saberemos a verdade sobre o
assassinato de John F. Kennedy” — uma profecia que se
realiza por si só e os alivia de qualquer responsabilidade na
busca da verdade. Ironicamente, alguns dos países
politicamente mais atrasados em que Bobby Kennedy deu o
pontapé inicial de sua entusiástica missão nos anos 1960 —
entre os quais a África do Sul, a Argentina e o Chile —
fizeram vigorosos, para não dizer penosos, esforços no
intuito de enfrentar os mais profundos traumas de seu
passado, como assassinatos, sequestros e torturas. Na
África do Sul, o processo pós-apartheid de autoexame
político e moral ficou conhecido como “verdade e
reconciliação”. Nos Estados Unidos, entretanto, os mais
sombrios mistérios políticos das recentes décadas —
inclusive o assassinato do presidente Kennedy — ainda
precisam ser explorados até o fim. Desde Dallas até o
Vietnã e o Iraque, a verdade tem sido sempre evitada, e os
perpetradores nunca responderam por suas ações. Quando
a nação reuniu coragem para formar comissões, essas
investigações logo depararam com portas trancadas que
até hoje estão fechadas. O palco desse reinado do segredo
foi montado no dia 22 de novembro de 1963. A lição de
Dallas foi clara. Se um presidente pode ser morto com toda
a impunidade, em pleno dia, nas ruas ensolaradas de uma
cidade norte-americana, então qualquer tipo de
dissimulação é possível.
Os pesquisadores do assassinato insistem em dizer que
não é tarde demais, mesmo depois de tanto tempo, para
reabrir a investigação sobre JFK. A maior parte das pessoas
que podiam ter esclarecido o crime hoje estão mortas,
reconhecem os pesquisadores, mas a pista ainda não
desapareceu totalmente no longínquo horizonte da história.
Os pesquisadores listam uma série de ações que ainda
podem ser tomadas. O governo deveria ser obrigado a
publicar os arquivos de JFK que ainda estão retidos —
inclusive 1.100 documentos relativos a George Joannides
que a CIA admitiu guardar. Da mesma forma, a CIA deveria
ser instada a tornar públicos os registros de telefonemas e
viagens de outros agentes suspeitos de envolvimento nos
assassinatos de JFK e RFK, como David Morales.
Washington deveria somar a isso um pedido formal aos
governos cubano e mexicano para tornarem públicos seus
documentos sobre o caso. O Departamento de Justiça
deveria oferecer anistia a todos que dessem testemunhos
relevantes, ao mesmo tempo em que não manteria segredo
das informações obtidas. Duradouras disputas sobre os
eventos da Dealey Plaza — tais como as calorosamente
discutidas “impressões digitais acústicas” das gravações
dos policiais motociclistas de Dallas, as quais parecem
indicar que houve ao menos cinco tiros naquele dia —
deveriam ser resolvidas, utilizando-se os mais sofisticados
recursos judiciais, entre os quais os do laboratório federal
Lawrence Livermore, que, estranhamente, recusou-se a
cuidar do caso. Por fim, a família Kennedy deveria ser
persuadida a tornar públicos todos os documentos sob seu
controle — inclusive os de John e Robert Kennedy e os de
Jacqueline Kennedy Onassis — ainda submetidos a uma
frustrante restrição.
Por natureza, os pesquisadores do assassinato são
incansáveis. Foi essa característica que permitiu a eles
continuar, apesar de anos de obstrução por parte do
governo, do ridículo da mídia e da perplexidade da família
e dos amigos. Porém, afora essa comunidade cada vez
menor de almas inconformadas, um mal-estar paira sobre a
cruzada JFK.
Alguns daqueles que têm um longo histórico de
envolvimento no caso estão profundamente pessimistas.
Quando visitei Bob Blakey, em novembro de 2003, uma
semana antes do quadragésimo aniversário do assassinato
de JFK, ele parecia resignado à ideia de que o crime nunca
seria solucionado. Conversamos em sua casa, perto do
campus da Universidade de Notre Dame, em que ele ensina
direito, sentados em confortáveis poltronas em seu
escritório pouco iluminado, onde as tremeluzentes chamas
da lareira nos protegiam do frio de uma tarde nublada.
Perto do fim da entrevista, Blakey me disse que os Kennedy
não pareciam mais ser importantes, pelo menos para os
norte-americanos que nasceram depois do assassinato de
JFK. “Os Kennedy não fazem parte dessa geração”, disse
ele. “Eu ensino para essa geração. [O assassinato] não é
grande coisa para eles. Cresceram em um mundo
diferente.”
“Como a história irá resolver o mistério Kennedy?”, eu lhe
perguntei. “Meu palpite é que a Comissão Warren vai
prevalecer”, disse o homem cuja investigação a mando do
Congresso constituiu o primeiro — e último — desafio ao
Relatório Warren. A teoria do atirador solitário tem a
virtude de ser simples, explicou Blakey. Era um tema
sinistro para se voltar depois de quarenta longos anos.
Dois anos depois, eu me encontrava no Museu da
Televisão e do Rádio em Beverly Hills, sentado em um
pequeno cubículo, percorrendo a vida de Bobby Kennedy
no vídeo. Talvez Blakey estivesse certo e a história de
Kennedy não fosse mais relevante para muitos americanos.
Mas as imagens em branco e preto que passavam diante de
mim naquele dia pareciam carregadas de um doloroso
significado, mesmo hoje.
O último filme a que assisti mostrava Bobby em 1968, e
sua participação em um programa da TV aberta de San
Francisco chamado Kaleidoscope, enquanto se preparava
para sua última campanha. O entrevistador fazia perguntas
incisivas, porém polidas, típicas da televisão aberta. Mas
Bobby parecia aflito, e a entrevista tomou a estressante
intensidade de um psicodrama. Em closes, a câmera
captava seu rosto áspero, arruinado pelo tempo, e seus
lábios rachados. O país estava desmoralizado e furioso,
observava o entrevistador. Ele também poderia ter
destacado que o país sofria um tipo de podridão moral e
falta de alma devido à guerra horrível e sem saída que
começava a se infiltrar em todos os cantos da vida
americana. Nessas brutais circunstâncias, por que ele iria
se comprometer com a arena política?, perguntou a
Kennedy. Trabalhar para o bem público “não era um
sacrifício”, respondeu Bobby. “As pessoas mais infelizes do
mundo são aquelas preocupadas apenas consigo mesmas.”
Todavia, mesmo às vésperas da aventura política de sua
vida, Bobby não parecia feliz. Bobby nunca usara máscara.
Diante das câmeras, naquele dia, ele estava calmo,
pensativo, irônico. Sentia-se constitucionalmente incapaz
do animado artifício e da vazia bravata exigida dos políticos
americanos. E mesmo assim, ele realmente acreditava nos
Estados Unidos — simplesmente se recusava a aceitar
aquilo em que o país estava se tornando.
Depois de uma longa conversa sobre os problemas do
país, o entrevistador perguntou a Bobby: “Mas o senhor é
um otimista?”. Kennedy anuiu com a cabeça e deu aquele
seu sorriso de olhar cansado. “Apenas porque não se pode
viver de outra maneira, não é?”, respondeu. Ele foi o
primeiro e último líder existencial americano.
Vivemos uma época sombria, de conflitantes
fundamentalismos. O país está sendo governado por uma
administração que fez do segredo e da obediência um
objeto de culto.8 Estamos presos a outra guerra sem fim,
desta vez contra o “terror” — ou talvez seja uma batalha
contra o próprio medo. Mas, nos momentos mais
desanimadores, o recado de Bobby Kennedy parece mais
imperativo do que nunca: Não podemos seguir adiante,
devemos seguir adiante. Será que os americanos ainda
querem a verdade — a começar por Dallas e depois
Guantánamo? Será que querem retomar o país? Disso não
tenho certeza. Mas preciso ser otimista. Apenas porque não
há outra saída, não é mesmo?
1 . Uma das cinco famílias da máfia ítalo-americana de Nova York. [N. T.]
2 . Conversations with Kennedy, publicado no Brasil em 1977 pela editora
Artenova. [N. T.]
3 . Ver nota 16 do Capítulo 2 (1961).
4 . Escândalo político de 1986 em que membros do governo de Ronald Reagan
foram acusados de ter vendido ilegalmente armas ao Irã, apesar do embargo
militar ao país. Os lucros provenientes dessa venda teriam servido para
financiar os chamados Contras, um movimento contrarrevolucionário
nicaraguense contrário ao governo sandinista de Daniel Ortega. [N. T.]
5 . A expressão “October surprise” [surpresa de outubro] é usada no jargão
político americano para definir um evento capaz de influenciar o resultado da
uma eleição. Há uma teoria segundo a qual o candidato republicano à eleição
presidencial dos Estados Unidos de 1980, Ronald Reagan, teria conspirado
para adiar por 11 meses a libertação de reféns americanos, detidos na
embaixada americana de Teerã desde novembro de 1979, até depois do
resultado das eleições presidenciais americanas. Assim, Reagan teria evitado
que o então presidente Jimmy Carter, candidato à reeleição, pudesse se
aproveitar dessa libertação (ou “surpresa de outubro”) durante a campanha
para vencer as eleições. [N. T.]
6 . A National Comission on the Terrorist Attacks upon the United States
[Comissão Nacional sobre os Ataques Terroristas contra os Estados Unidos] é
uma comissão de inquérito presidencial criada em 2002 para estudar as
circunstâncias dos atentados de 11 de setembro de 2001. A comissão
publicou seu relatório final em julho de 2004. [N. T.]
7 . Também conhecido como Comissão Baker-Hamilton, trata-se de um grupo
de dez pessoas nomeadas pelo Congresso americano em 2006 para fornecer
uma avaliação sobre a situação do Iraque e da Guerra do Iraque. Em
dezembro de 2006, o grupo publicou seu relatório final, aconselhando a
retirada do Exército norte-americano do país. [N. T.]
8 . O livro foi publicado nos Estados Unidos em 2007, durante o segundo
mandato do presidente republicano George W. Bush. [N. T.]
Agradecimentos
Diretor editorial: Thales Guaracy
Gerente editorial: Rogério Eduardo Alves
Editora: Débora Guterman
Editores-assistentes: Johannes C. Bergmann, Paula Carvalho e Richard Sanches
Assistente editorial: Luiza Del Monaco
Assistente de direitos autorais: Renato Abramovicius
Edição de arte e capa: Carlos Renato
Serviços editoriais: Luciana Oliveira
Estagiária: Lara Moreira Félix
Preparação: Francisco José M. Couto
Revisão: Beatriz Antunes e Juliana Rodrigues de Queiroz
Índice remissivo: Tomoe Moroizumi
Conversão para o arquivo ePub: Deborah Mattos
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
T147i
Talbot, David, 1951-
Irmãos [recurso eletrônico] : a história por trás do assassinato dos Kennedy / David Talbot ; [tradução
Francisco José M. Couto]. - São Paulo : Benvirá, 2013.
656 p., recurso digital
Tradução de: Brothers: The hidden history of Kennedy years
Formato: ePub
Requisitos de acesso: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-64065-89-5 (recurso eletrônico)
1. Kennedy, John F. (John Fitzgerald), 1917-1963. 2. Kennedy, Robert F., 1925-1968. 3. Presidentes -
Estados Unidos - Biografia. 4. Segurança nacional - Estados Unidos - História - Século XX 5. Estados
Unidos - Política e governo - 1961-1963. 6. Estados Unidos - Política e governo - 1963-1969. 7. Livros
eletrônicos. I. Título.
12-8708. CDD: 973.922
CDU: 929:32(73)
28.11.12 04.12.12 - 041119