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"Quando o mundo estiver unido na busca do

conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder,

então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo

nível."
 
Para Camille.
 
E para nossos filhos, Joseph e Nathaniel,
que procuram seu próprio novo mundo.
“Descobri algo que nunca soube: que
meu mundo não era o mundo real.”
ROBERT F. KENNEDY, 1968
 
Nota do autor

Existem muitos bons livros sobre a presidência de Kennedy


e seu final violento, e aprendi muito com todos eles. Mas
este livro não procura refazer o habitual percurso das
memórias, histórias e biografias de Kennedy, nem resgatar
velhas discussões sobre seu assassinato. Em vez disso,
analisa esse breve, porém dramático, trecho da história
norte-americana através dos olhos de Robert Kennedy e
dos homens em torno dos dois irmãos, a quem eles também
consideravam como tal. Bobby Kennedy foi o parceiro
dedicado do presidente e o maior policial da nação.
Durante muito tempo, o fato de ele aparentemente não ter
investigado a chocante morte de seu irmão, em 22 de
novembro de 1963, permaneceu um mistério. Procurei
entender esse duradouro enigma não apenas mergulhando
nos estudos sobre Kennedy, como também por meio de
documentos governamentais recentemente divulgados e,
mais importante, revivendo esses anos com os “irmãos de
armas” dos Kennedy, como os chamava Bobby — os
vínculos vivos para a Nova Fronteira —, antes que essa
geração política desaparecesse totalmente.
O que descobri foi que Robert Kennedy não se entregou à
teoria do atirador solitário, a versão oficial sobre a morte
de seu irmão. Pelo contrário, suspeitou imediatamente que
o presidente tivesse sido vítima de uma poderosa
conspiração. E passou o resto de sua vida procurando em
segredo a verdade sobre o assassinato de seu irmão. Este
livro não somente foca a busca secreta de Robert Kennedy,
como também a explicação de por que ele teve esse
sombrio entendimento da morte de JFK.
Poucos homens da geração de Robert Kennedy sabiam
tanto sobre o lado obscuro do poder norte-americano
quanto ele. Olhar para a tumultuosa presidência de
Kennedy, com seu desfecho estarrecedor, através de seus
olhos, torna-se um exercício elucidativo. Enquanto eu
finalizava este livro, descobri outra evidência sobre o
assassinato do presidente Kennedy que sugeria que as
suspeitas de Bobby sobre Dallas eram fundamentadas.
Essas revelações finais levaram a narrativa do livro a uma
conclusão surpreendente.
Robert Kennedy entendeu que a justiça era uma batalha
sem fim. As investigações sobre os assassinatos dos dois
irmãos nunca tiveram a atenção minuciosa e profunda que
merecem. Contudo, seguir os passos do próprio RFK
constitui um ótimo ponto de partida.
Eu tinha dezesseis anos e trabalhava como voluntário na
campanha de Robert Kennedy na noite em que ele foi
assassinado, em Los Angeles. Logo me dei conta de que
esse assassinato, em seguida ao de seu irmão e ao de
Martin Luther King Jr., havia irremediavelmente ferido os
Estados Unidos. E esse sentimento nunca me abandonou ao
longo de todos os anos seguintes. Para mim, perseguir
obstinadamente a história oculta dos anos Kennedy se
tornou uma tentativa de descobrir onde meu país havia
perdido seu rumo, e talvez de restaurar a esperança e a fé
que eu mesmo perdi como jovem americano que cresceu
nos anos 1960.
 

1
22 de novembro de 1963

Como todos os americanos que viveram esse dia, Robert F.


Kennedy nunca esqueceu como soube que seu irmão havia
sido morto a tiros. O procurador-geral, que acabara de
completar 38 anos, estava almoçando — sopa de mariscos e
sanduíches de atum — com o promotor público Robert
Morgenthau e seu assistente na beira da piscina de Hickory
Hill, sua mansão da época da Guerra Civil situada em
McLean, Virgínia, nos arredores da capital. Era um perfeito
dia de outono — aquela tarde de sexta-feira clara e
luminosa que anuncia um fim de semana promissor —, e o
gramado verdejante do ondulado terreno flamejava de
folhas douradas e vermelhas caídas de nogueiras, bordos e
carvalhos que, como sentinelas, vigiavam a propriedade.
Kennedy acabara de nadar na piscina e, enquanto
conversava e almoçava com seus convidados, seu calção de
banho ainda estava pingando.
Por volta das 13h45, o telefone que ficava na outra ponta
da piscina tocou. Ethel, a esposa de Robert Kennedy,
atendeu e levou o aparelho até ele. A ligação era de J.
Edgar Hoover. Bobby soube de imediato que algo
extraordinário havia acontecido. O diretor do FBI nunca lhe
telefonava em casa. Os dois homens se tratavam com tensa
cautela e sabiam que essa relação mudaria apenas quando
um deles deixasse seu cargo. Cada um representava para o
outro o que havia de errado na América. “Tenho notícias
para você”, disse Hoover. “Alguém atirou no presidente.” A
voz de Hoover era direta e prosaica. Kennedy nunca
esqueceria as palavras do chefe do FBI, tampouco seu tom
frio.
Para os Estados Unidos, “a história se rompeu” no dia 22
de novembro de 1963, como anos depois observaria o
dramaturgo Tony Kushner. Mas o abismo que se abriu para
Bobby Kennedy naquele momento era ainda mais profundo.
Para piorar, havia sido Hoover quem lhe trouxera a notícia
do apocalipse. “Acho que ele teve certo prazer em me
informar”, lembraria mais tarde Robert.
Vinte minutos depois, Hoover telefonou de novo para dar
o golpe fatal: “O presidente está morto”, disse ele,
desligando abruptamente. Kennedy se lembraria de que
sua voz estava estranhamente límpida — não tão excitada
quanto estaria se ele tivesse descoberto um comunista no
edifício da Howard University.
As abruptas ligações telefônicas de Hoover confirmavam
que a “perfeita comunhão” entre os dois irmãos, como
Anthony Lewis, do New York Times, descrevera o vínculo
entre o presidente John Kennedy e Robert Kennedy — uma
relação fraternal sem precedente na história da presidência
—, era algo passado. Mas elas também mostravam
claramente que Bobby sofrera outro tipo de morte. Seu
poder de procurador-geral imediatamente começou a
evanescer, ao ponto de o diretor do FBI já não se sentir
mais obrigado a mostrar deferência, nem mesmo uma
natural piedade humana, para com seu superior no
Departamento de Justiça.
Durante o resto do dia e à noite, Bobby Kennedy lutaria
contra seu profundo pesar — chorando, ou tentando não
chorar, já que esse era o jeito Kennedy —, enquanto fazia
valer o que lhe restava de poder, antes que a nova
administração se instalasse firmemente em seu lugar, e
buscava entender o que de fato havia acontecido em Dallas.
Não saía do telefone de Hickory Hill; encontrou-se com
uma sucessão de pessoas enquanto esperava que o Air
Force One trouxesse o corpo de seu irmão, junto com a
viúva e o novo presidente; acompanhou os restos mortais
de John até o Bethesda Naval Hospital para a autópsia; e se
recolheu na Casa Branca, onde ficou acordado até o
amanhecer do dia seguinte. Aceso pela claridade do
choque, pela eletricidade da adrenalina, esboçou uma
teoria para o crime.
A partir das ligações telefônicas e conversações daquele
dia — e durante a semana seguinte —, é possível traçar o
percurso que Robert Kennedy seguiu para tentar desvendar
o mistério. “Com seu cérebro incrível, digno de um
computador, ele juntou todas as peças naquela tarde de 22
de novembro”, constatou o jornalista Jack Newfield, seu
amigo.
A busca de RFK pela verdade sobre o crime do século foi,
durante muito tempo, uma história não contada. Mas está
profundamente carregada de significado histórico. A
odisseia investigativa de Bobby — que começou com
frenético ardor logo após o assassinato de seu irmão, e
então prosseguiu secreta e intermitentemente até sua
própria morte, menos de cinco anos depois — não teve
êxito em conseguir levar o caso a julgamento. Mas Robert
Kennedy era uma figura central desse drama — não
somente na qualidade de procurador-geral e segunda
autoridade mais poderosa da administração Kennedy, mas
também como emissário principal de JFK no lado sombrio
do poder americano. E sua caçada à verdade lançava uma
luz fria e brilhante sobre as forças que ele suspeitava
estarem por trás do assassinato de seu irmão. Robert foi o
primeiro teórico americano da conspiração do assassinato.
Como era previsível, a primeira ligação telefônica que
Bobby fez em 22 de novembro, depois da conversa com
Hoover, foi para Kenny O’Donnell. O chefe de gabinete de
JFK havia acompanhado o presidente até Dallas e estava
com ele no Parkland Memorial Hospital quando sua morte
foi anunciada, às duas da tarde. Durão e taciturno,
O’Donnell, um irlandês de Boston, vinha em segundo lugar,
logo depois do próprio Bobby, na tutela política do
presidente. Um amigo próximo desde que haviam dividido o
mesmo quarto em Harvard e jogado no time de futebol da
universidade, O’Donnell era o homem que Bobby teria
escolhido para lidar com qualquer crise caso ele não
pudesse se encarregar pessoalmente do assunto. Na
qualidade de artilheiro de um bombardeiro B-17, ele havia
executado trinta missões contra os nazistas, fora derrubado
e escapara à prisão inimiga. No seu lendário último jogo,
na posição de quarterback de Harvard, havia corrido para
conseguir um touchdown vitorioso contra o arquirrival
Yale, mesmo com uma das pernas quebrada.
Bobby foi até o andar de cima e telefonou, de seu quarto,
para O’Donnell, enquanto Morgenthau e seu assistente
eram conduzidos ao salão de Hickory Hill, onde ficava uma
televisão. Sem conseguir encontrar O’Donnell no hospital,
Kennedy falou com o agente do Serviço Secreto Clint Hill, o
único oficial a ter um comportamento heroico junto ao
presidente naquela tarde. As imagens de Hill se
precipitando para subir na traseira da limusine de Kennedy
em movimento se tornariam para sempre parte integrante
da iconografia daquele dia sinistro.
Não se sabe com certeza o que Bobby aprendeu nessa
tarde com o homem do Serviço Secreto. Mas,
imediatamente, certa obscuridade começou a tomar conta
de Hill e O’Donnell com relação ao que haviam visto e
ouvido em Dallas. Nenhum desses homens seria o mesmo
depois de 22 de novembro.
O’Donnell vinha logo depois da limusine de Kennedy no
comboio de carros de Dallas, a apenas três metros de
distância, junto com seu colega Dave Powers, outro
irlandês de Boston, assistente da Casa Branca e um bufão.
Foram as testemunhas mais próximas do assassinato. Mais
tarde, Powers diria que teve a impressão de estarem “se
dirigindo para uma emboscada”. O’Donnell e vários homens
do Serviço Secreto diriam o mesmo a Bobby: estavam no
meio de um fogo cruzado. Tratava-se de uma conspiração.
Bobby Kennedy chegou à mesma conclusão naquela
tarde. Não era um “ele” que havia matado seu irmão —
eram “eles”. Foi assim que ele apresentou a situação a seu
amigo Edwin Guthman, porta-voz do Departamento de
Justiça. O antigo jornalista do Seattle Times, vencedor do
Prêmio Pulitzer, havia se tornado amigo íntimo de RFK
durante os anos 1950, quando ambos procuravam
investigar casos de corrupção e violência no sindicato dos
Teamsters.1 Guthman era um dos “irmãos de armas”, como
diria mais tarde o secretário de Justiça a respeito de uma
fotografia de sua jovem e idealista equipe do Departamento
de Justiça. O grito de guerra tirado de Henrique V, de
Shakespeare, se referia ao senso de missão heroica de
Bobby: “Nós, estes poucos; nós, poucos mas afortunados;
nós, bando de irmãos/ Pois quem hoje derramar seu sangue
comigo/ será meu irmão.../ E os cavalheiros... que agora
ainda estão na cama/ irão se julgar amaldiçoados por não
estarem aqui”. Se a perfeita comunhão entre Jack e Bobby
fora o coração da administração Kennedy, o círculo mais
amplo de “irmãos” — todos intensamente devotos à causa
Kennedy — deu à Nova Fronteira2 sangue e músculos.
Bobby podia, sem dúvida, contar com vários desses
confiáveis assistentes para ajudá-lo em sua busca pela
verdade.
Guthman estava almoçando com um congressista de
Seattle em Capitol Hill quando alguém entrou de supetão
para informá-los do atentado contra o presidente. Ele, no
mesmo instante, foi de carro até Hickory Hill, onde passou
o resto da tarde com Bobby. Os membros da família
Kennedy, no entanto, estavam reunidos na propriedade da
Virgínia. Bobby também estava se cercando de “irmãos”,
como Guthman. Os dois homens percorreram juntos, sem
parar, o gramado do fundo da casa. “Existe tanto rancor
que pensei que poderiam pegar qualquer um de nós, mas
Jack, depois de tudo por que passou, nunca se preocupou
com isso”, disse Robert para Guthman.
“Bob disse: ‘Pensei que eles viriam atrás de mim, em vez
do presidente’”, revelou Guthman, relembrando a conversa
anos depois. “Ele disse claramente ‘eles’.”
Guthman e outras pessoas que estavam com Bobby
naquele dia pensaram que “eles” podiam ir atrás do
Kennedy mais jovem em seguida. Aparentemente, Bobby
pensava a mesma coisa. Como de costume, ele se opôs a
medidas de segurança muito rigorosas, que considerava
intrusivas e até um sinal de covardia: “Os Kennedy não
precisam de guarda-costas”, dissera ele, mesmo depois de
ter começado a receber ameaças de morte na qualidade de
procurador-geral que pretendia acabar com o crime
organizado. Mas, naquela tarde, ele autorizara a polícia do
condado de Fairfax, que se precipitou até Hickory Hill
depois do assassinato sem ter sido convocada, a proteger
sua casa. Mais tarde, os policiais foram substituídos por
agentes federais, que cercaram a propriedade de Kennedy
depois que Guthman e outros assistentes de RFK falaram
com Jim McShane, chefe da polícia federal americana.
Bobby confiava em McShane e seus homens. James
Joseph Patrick McShane era um aguerrido policial irlandês
de Nova York. Trabalhara com Bobby na qualidade de
investigador para o Senate Rackets Committee,3 no final
dos anos 1950, e servira como guarda-costas de JFK
durante a campanha presidencial. Ele e seus homens
haviam colocado a vida em risco nas lutas pelos direitos
civis no Sul, salvando Martin Luther King Jr. da multidão
que gritava e cercava a igreja de Montgomery, no Alabama,
onde ele pregava, em maio de 1961. No ano seguinte,
McShane e sua tropa eclética haviam firmemente cerrado
fileiras para proteger James Meredith, um estudante negro
que tinha despertado a furiosa revolta dos brancos ao se
matricular na Universidade do Mississipi. McShane era
“robusto como um tanque, tinha o nariz amassado do
campeão de boxe pelo Golden Gloves que um dia havia sido
e o rosto inchado de um homem que gostava de beber fora
do serviço”, observou um dos cronistas de suas façanhas.
Na qualidade de policial de Nova York, ele havia
sobrevivido a sete tiroteios de rua e recebido a medalha de
honra do Departamento de Polícia de Nova York.
É revelador que Bobby tenha recorrido a McShane e sua
tropa federal na hora do aperto, e não aos agentes do FBI
de Hoover, mais profissionais. Mesmo quando seu irmão
ainda estava vivo, Booby havia aprendido que não se podia
confiar nos homens de Hoover nos momentos mais críticos
do governo, como havia acontecido no Sul. Também não
recorreu ao Serviço Secreto para protegê-lo naquele dia. Já
estava tentando entender por que a agência encarregada
da segurança pessoal do presidente havia fracassado com
seu irmão.
Com juventude, ambição e profundo senso dos direitos de
posse da família, os Kennedy chegaram ao poder confiantes
de que poderiam se encarregar da administração federal e
colocá-la a serviço de sua causa. Mas, em 22 de novembro,
Bobby Kennedy suspeitou que algo houvesse se partido
dentro do governo, e que seu irmão tivesse sido derrubado
por um desses estilhaços pontiagudos. Nessas horas de
perigo desconhecido, Bobby seguiu seus velhos instintos,
recorrendo não às devidas agências governamentais, mas
aos irmãos de armas nos quais os Kennedy sempre
confiaram mais. Nenhum dos homens absolutamente leais
que se juntaram a Kennedy em sua casa naquele dia sabia
que a vida de Bobby agora também corria perigo. Nem
sabiam com certeza, naquelas horas assustadoras, de onde
poderia vir a ameaça ou em quem podiam confiar. Mas
tinham certeza de que Jim McShane e seus homens
sacrificariam a própria vida por um irmão de armas. E
Bobby com certeza era um deles.
Enquanto os agentes federais de McShane vigiavam o
portão de Hickory Hill e se espalhavam ao longo de todo o
perímetro da propriedade, Bobby trabalhava para tentar
dar uma face à conspiração que ele suspeitava estar por
trás da morte de seu irmão — descobrir quem eram “eles”.
Ninguém sabia melhor do que ele que havia tenebrosas
tensões dentro da administração Kennedy. Enquanto o
presidente Kennedy lutava para dirigir seu governo,
batendo de frente com a linha dura da burocracia da
segurança nacional, também dava mais responsabilidades a
seu irmão Bobby. Entre os assuntos da agenda cada vez
mais cheia do procurador-geral, se encontrava a CIA, que
os Kennedy estavam determinados a inspecionar depois
que a agência os havia levado ao fracasso na Baía dos
Porcos; a Máfia, contra a qual Bobby havia declarado
guerra, dizendo aos seus fiéis cruzados do Departamento
de Justiça que ou eles teriam êxito ou a Máfia iria controlar
o país; e Cuba, a ilha-nação em torno da qual ecoavam
estrondosamente o som e a fúria da Guerra Fria. Quando se
tratava da política governamental em relação a Cuba,
Bobby era o “presidente”, como mais tarde diria o general
Alexander Haig, um dos homens-chave do Pentágono para o
assunto.
Bobby sabia que a CIA, a Máfia e Cuba estavam
entrelaçadas. A CIA havia formado uma aliança sinistra
com os chefes do submundo para assassinar Fidel Castro, e
trabalhava com líderes cubanos eLivross que tinham
conexão com os revoltosos. Bobby pensava que tinha
impedido o enlace entre a CIA e a Máfia quando a agência
finalmente levou o caso até ele, em 1962. Mas ele também
sabia que a agência desafiava a hierarquia com frequência.
Mais tarde, ele descreveria as ações da CIA durante o
episódio da Baía dos Porcos como uma “quase traição”. Foi
essa obscura conexão — CIA, Máfia e eLivross cubanos —
que Kennedy focou na tarde de 22 de novembro.
Depois de ligar para Dallas, Kennedy telefonou para a
sede da CIA, que fica na rodovia, em Langley, Virgínia, em
que ele costumava parar no começo do dia para trabalhar
em assuntos ligados a Cuba e, assim, tentar estabelecer
algum controle do “inextricável jogo de espelhos” da
agência para seu irmão. Na tarde de 22 de novembro, a
ligação telefônica de Bobby para Langley foi uma incrível
explosão. Falando com alguém do alto escalão — cuja
identidade ainda é desconhecida — Kennedy o confrontou
com voz cheia de fúria e dor. “O seu grupo não tem nada a
ver com essa monstruosidade?”, irrompeu Kennedy.
Independentemente da resposta que o oficial da CIA lhe
tenha dado, ele não deixou de lado suas suspeitas em
relação à agência.
Mais tarde naquele mesmo dia, Kennedy levaria sua
pergunta para a cúpula da CIA, a John McCone, diretor da
agência, que estava almoçando no seu escritório de
Langley quando seu assistente Walter Elder entrou de
repente para lhe dar notícias de Dallas. McCone telefonou
imediatamente para Bobby, que lhe pediu para ir até sua
casa em McLean sem demora. McCone mais tarde se
lembraria de que estava com Bobby e Ethel na biblioteca
do segundo andar quando Kennedy recebeu a ligação
informando-o da morte de seu irmão. “Não havia quase
nada que pudéssemos dizer um ao outro”, lembraria-se
McCone. “Estávamos paralisados pelo horror.”
Depois de ligar para sua mãe, Rose, e seu irmão, Teddy, e
informá-los de que John havia morrido, um “inabalável
Bobby” (como McCone o descreveria) levou o chefe da CIA
até o quintal atrás da casa, onde tiveram uma memorável
conversa que se estendeu por cerca de três horas naquela
tarde. O procurador-geral dos Estados Unidos queria saber
se a agência de inteligência do país havia assassinado o
presidente dos Estados Unidos. Mais tarde, Bobby diria
para um amigo próximo: “Você sabe, naquele momento
perguntei para McCone... se haviam matado meu irmão, e
formulei a pergunta de uma forma que o impedisse de
mentir para mim, mas não foram eles”.
Os comentários de Bobby a respeito da conversa com
McCone provocaram uma intensa especulação. McCone,
também católico, compartilhava um profundo sentido de fé
com Bobby, e também com Ethel, que o consolara depois do
falecimento de sua primeira mulher. Uma vez, levou para
Roma um rosário em forma de anel que costumava
carregar dentro de sua carteira, mandou fazer uma cópia e
a deu de presente para Bobby depois de ter sido abençoada
pelo papa. Talvez Kennedy tenha pedido a McCone que
jurasse lhe dizer a verdade, na qualidade de um devoto
católico para outro.
Nos dias que se seguiram ao assassinato, McCone
acabaria por concluir que houvera dois atiradores em
Dallas, contrastando surpreendentemente com a versão
oficial do crime, segundo a qual se tratava da ação de um
único atirador, teoria que Hoover e o FBI insistiam em
defender. Ainda assim, não existem provas de que ele tenha
suspeitado de sua própria agência.
Bobby aceitou as garantias dadas por McCone em relação
à CIA naquela tarde. Contudo, também sabia que McCone,
rico empresário republicano da Califórnia, sem experiência
anterior na Inteligência, não controlava sua agência. O
próprio Kennedy sabia mais a respeito das sinistras
façanhas do grupo de espionagem, inclusive dos complôs
da Máfia, do que McCone. Seu irmão havia substituído o
lendário criador da CIA, Allen Dulles, por McCone, depois
do espetacular fracasso da agência na Baía dos Porcos. Mas
McCone nunca conseguira abrir caminho nas conexões da
rede que remetiam às suas origens no OSS,4 durante a
Segunda Guerra Mundial. E era razoável que ele quisesse
ficar fora dos assuntos mais desagradáveis, já que seus
princípios religiosos não aprovariam alguns procedimentos
da agência. Bobby iria perceber mais tarde que, ao levar
seu questionamento para o topo da CIA, de fato havia
perguntado ao homem errado.
No mesmo dia, Kennedy fez investigações sobre a Máfia.
Antes e depois de entrar no Departamento de Justiça, o
jovem procurador-geral já havia construído sua reputação a
partir de uma incansável cruzada para aniquilar o poder do
crime organizado na América, que, a seu ver, ameaçava
tomar o controle da economia do país por meio de
sindicatos corruptos, como o dos Teamsters, de Jimmy
Hoffa, e também dos governos locais, estaduais e federal
mediante propina paga a políticos, juízes e outros
funcionários. Enquanto Hoover ainda continuava vendo a
estrutura vazia do Partido Comunista dos Estados Unidos
como o inimigo público número um, RFK acreditava que o
verdadeiro “inimigo interno” era um submundo empresarial
que estava ganhando poder e eclipsando as legítimas
instituições democráticas do país. “Claro, hoje os tempos
são outros, talvez agora o terrorismo tenha se tornado uma
ameaça maior do que o crime organizado”, disse Guthman,
anos mais tarde, sentado no seu exíguo escritório da
Annenberg School of Journalism, na Universidade do Sul da
California, onde ministrou palestras. “Mas se olharmos o
que aconteceu nas Américas Central e do Sul, poderemos
ver que Bobby tinha razão de se preocupar com a
possibilidade de o crime organizado tomar o controle do
país. Onde estaríamos se ele não tivesse reconhecido o
poder e a importância da Máfia e do crime organizado?
Naquela época, o chefe do FBI, Hoover, declarava que o
crime organizado não existia.”
Ao perseguir os deuses do submundo como nenhum
procurador-geral havia feito antes, Bobby Kennedy sabia
que atraíra para si uma implacável ira. Havia sido
informado das ameaças de morte proferidas contra ele por
Hoffa, o qual, ao controlar o precioso fundo de pensões dos
Teamsters, havia se tornado o banqueiro favorito da Máfia.
Mas ele estava determinado. No dia 22 de novembro, o
último assunto de que tratara havia sido o indiciamento do
chefão de Chicago, Sam Giancana, sob a acusação de
corrupção política. Antes de receber o telefonema de
Hoover, estava esperando notícias de Nova Orleans sobre o
veredicto do processo de deportação do chefe da Máfia
Carlos Marcello. E, em Nashville, Walter Sheridan, o
craque da investigação que havia liderado o grupo de
Bobby responsável pela prisão de Hoffa, estava
monitorando os últimos trâmites junto ao júri do
Departamento de Justiça, que julgava o caso de falsificação
contra o chefe do sindicato dos Teamsters.
Na noite de 22 de novembro, Bobby ligou para Julius
Draznin em Chicago, um perito em corrupção de sindicatos
junto ao National Labor Relations Board.5 Pediu que
Draznin verificasse se havia algum tipo de envolvimento da
Máfia no assassinato de seu irmão. Draznin sabia que isso
queria dizer Sam Giancana. Este, sem perceber que estava
sendo grampeado pelo FBI, fizera comentários veementes
contra Kennedy, alegando que este o teria “apunhalado
pelas costas” depois que Giancana havia ajudado JFK a
obter votos em Chicago nas eleições de 1960. “Precisamos
de ajuda com isso”, disse Bobby a Draznin naquela noite.
“Talvez você possa abrir algumas portas [junto] à máfia.
Qualquer coisa que conseguir, avise-me diretamente.”
Não obstante, acima de qualquer outro, o homem com o
qual Robert Kennedy mais contava para se infiltrar nos
recônditos obscuros do país era Walter Sheridan. Esse ex-
membro do FBI, que havia deixado o birô por discordar dos
métodos de Hoover, dera provas de sua capacidade a Bobby
na qualidade de investigador do Senate Rackets
Committee, onde Kennedy exercia o cargo de conselheiro-
chefe. Também católico de origem irlandesa e nascido no
mesmo dia que Bobby, 20 de novembro de 1925, ele se
mostrava tão destemido quanto seu chefe na cruzada
contra o crime e a corrupção. Quando o Departamento de
Justiça de Kennedy passou a aumentar a pressão contra
Hoffa, as ameaças de morte não eram dirigidas somente a
Bobby, mas também a seu braço direito, Sheridan.
Naquelas ocasiões, a casa da família Sheridan havia se
transformado em um bunker armado.
“Havia momentos em que a casa tinha vários policiais
federais bem armados amontoados atrás da porta principal,
como se estivessem esperando um exército inteiro
aparecer”, lembrou-se o filho de Sheridan, Walter Jr.
“Espingardas. Eles estavam na expectativa de problemas.
Os policiais federais me levavam à escola, aos ensaios do
coro e aos dos coroinhas — não podíamos sair de casa sem
eles. Isso aconteceu duas vezes durante o julgamento de
Hoffa.”
Ted Kennedy mais tarde se lembrou: “Meu irmão gostava
de tirar sarro de Walter por causa de seu comportamento
doce e tranquilo. Mas Bobby escreveu, em [seu livro sobre
a máfia] O inimigo oculto, que a aparência imaculável de
Walter escondia um núcleo duro. Como sabiam todos os
malfeitores, a característica angelical também é um traço
do anjo vingador”.
Segundo Ted Kennedy, era a Sheridan que Bobby recorria
quando o mundo estava pegando fogo. “Você queria que
Walter estivesse com você em qualquer trincheira, e é por
isso que ele sempre parecia ter as tarefas mais difíceis.”
Sheridan não estava em Washington no dia 22 de
novembro. Encontrava-se no prédio da Corte Federal, em
Nashville, onde Hoffa estava sendo julgado, quando um
advogado entrou de repente e lhe disse: “Walt, acaba de
sair a notícia de que alguém atirou no presidente em
Dallas!”. Sheridan não demorou a ligar para Bobby, mas
não conseguiu falar com ele. Ainda assim os dois irmãos de
armas logo se encontrariam. E quando Sheridan voltasse à
Costa Leste, o anjo vingador de Bobby receberia a tarefa
mais difícil de sua vida: descobrir quem havia matado o
presidente dos Estados Unidos.
Robert Kennedy tivera outra conversa telefônica no dia 22
de novembro que ajuda a esclarecer quais eram seus
pensamentos naquela tarde. Ele falou com Enrique “Harry”
Ruiz-Williams, um veterano da Baía dos Porcos que era seu
colaborador mais próximo na comunidade de eLivross
cubanos. Kennedy deixou o amigo espantado ao lhe dizer
sem rodeios: “Foi um de vocês que fez isso”.
O distinto jornalista Haynes Johnson, de Washington, é a
fonte dessa história. Então um jovem repórter do
Washington Evening Star, Johnson conhecera Ruiz-Williams
e Kennedy enquanto fazia pesquisas para um livro sobre a
Baía dos Porcos. Johnson se lembra de quase ter chegado
às vias de fato com Bobby, que queria que seu livro focasse
os heróis cubanos da invasão, como Ruiz-Williams, e não as
discutíveis ações da administração Kennedy durante a
desastrosa operação. “Uma tarde, tivemos uma conversa
muito difícil no Metropolitan Club de Nova York”, lembrou-
se Johnson, sentado no escritório, no subsolo de sua casa
de Washington. “Ele me encarava com severidade e não
queria me dar informações, e eu disse algo para provocá-lo:
‘Vou estar por aqui muito mais tempo do que você e seu
irmão’, e ele enlouqueceu.” Esse comentário parece ainda
mais desconcertante hoje do que naquele dia. “Eu era
jovem, insensato e arrogante naquela época”, disse o
jornalista, encolhendo os ombros. Johnson, irritado, fez um
movimento para sair do clube, mas Bobby se levantou e o
agarrou pelos ombros, dizendo: “Não vá embora, não vá
embora”. Foi o começo de uma calorosa relação entre os
dois, do tipo que Bobby costumava criar depois de ter
quase trocado socos com um homem.
“Era uma espécie de clérigo paroquial duro e apaixonado,
do tipo vingador — inteiramente dedicado à fé e à justiça”,
disse Johnson. “Por outro lado, sempre vi Jack como um
lorde inglês.”
Na tarde de 22 de novembro, Johnson planejava
comemorar a finalização de seu livro almoçando com Ruiz-
Williams, que havia sido uma de suas principais fontes. A
caminho do Ebbitt Hotel, um apagado estabelecimento do
centro de Washington onde a CIA havia instalado líderes
anticastristas como o próprio Williams, Johnson ouviu as
notícias de Dallas no rádio de seu carro. Logo que chegou
ao exíguo e pouco mobiliado quarto de Ruiz-Williams, eles
ligaram para Kennedy. Foi Ruiz-Williams que falou com ele.
“Harry ficou de pé segurando o telefone na mão e depois
me contou o que Bobby havia dito... Era chocante. Nunca
vou esquecer. A expressão do rosto de Harry mudou.
Depois de ter desligado, Harry me contou o que Bobby lhe
havia dito: ‘Foi um de vocês que fez isso’.”
A quem Kennedy se referia? Ao narrar a conversa
telefônica pela primeira vez, em um artigo do Washington
Post de 1981, Johnson supôs que Bobby se referia ao
acusado do assassinato, Lee Harvey Oswald, cujo nome
podia ser conhecido de Kennedy naquele momento, já que
havia sido detido em Dallas às 14h50, horário da Costa
Leste. Mais tarde Johnson concluiu que Kennedy estava
provavelmente apontando de maneira geral para os
eLivross cubanos. Em ambos os casos, é importante notar
que, naquela tarde, Bobby aparentemente não chegara à
conclusão de que Fidel Castro — o alvo de tantas intrigas
americanas — pudesse estar por trás do assassinato de seu
irmão. Suas suspeitas se dirigiram desde o princípio ao
campo anticastrista, e não a agentes pró-Castro. É possível
que Bobby tenha ligado Oswald aos eLivross cubanos
anticastristas ou suspeitado de um dos líderes eLivross,
companheiros de Ruiz-Williams.
Bobby chegou àquela conclusão apesar dos enérgicos
esforços da CIA e do FBI, que logo depois do assassinato
começaram a tentar culpar o governo comunista de Cuba.
Hoover em pessoa ligou de novo para Kennedy por volta
das 16 horas, informando-o de que Oswald havia viajado
dos Estados Unidos para Cuba, o que não era verdade. Na
realidade, Oswald — ou alguém usurpando sua identidade
— havia tentado uma única vez, sem sucesso, entrar em
Cuba passando pelo México, pouco tempo antes, no outono
daquele mesmo ano. De qualquer modo, o chefe do FBI
fracassou em sua tentativa de convencer Bobby de que o
assassino presumido era agente de Castro.
Kennedy não quis implicar Harry Ruiz-Williams em
particular com sua assombrosa asserção. O mundo do
eLivross de Cuba era “um ninho de cobras”, nas palavras
do próprio Johnson, um bando de conspiradores
anticastristas competindo entre si, alguns aliados dos
Kennedy, outros da CIA, outros ainda da Máfia, alguns com
misteriosas alianças. Mais do que em qualquer outro líder
anticastrista, Bobby confiava em Ruiz-Williams para trazer
ordem àquele agitado mundo. “Quero que você assuma isso
como um todo”, dissera Bobby a Ruiz-Williams no início do
ano de 1963. “Não vou mais me encontrar com nenhum
cubano, a não ser que seja por seu intermédio, porque eles
me deixam maluco.” Durante o ano, Ruiz-Williams esteve
em contato quase diário com Kennedy, já que ambos
buscavam maneiras de derrubar Castro, e RFK apoiava
com convicção os esforços de seu amigo para formar uma
coalisão dos líderes eLivross mais responsáveis.
Ruiz-Williams havia fascinado Bobby. Engenheiro de
minas formado nos Estados Unidos, ao se juntar ao
batalhão da Baía dos Porcos, perto dos quarenta anos, era
mais velho que a maioria dos outros voluntários. Depois da
invasão, gravemente ferido, em um leito de hospital de
campanha improvisado, ainda tentou atirar com sua pistola
calibre 45 em Castro, que visitava o local, mas a arma
estava descarregada. Apesar do calvário que sofreu, Ruiz-
Williams saiu mais ponderado da prisão cubana, ao
contrário de muitos veteranos do conflito, que eram
consumidos por um venenoso ódio contra Castro e o
presidente Kennedy, o qual criticavam por não ter vindo
resgatá-los nas praias de Cuba. Ele gostou de Bobby desde
o dia em que o conheceu, quando foi convidado para ir ao
escritório do procurador-geral após sua liberação. “Eu
esperava encontrar um cara muito impressionante, muito
bem vestido, e um grande escritório e tudo o mais”, disse
mais tarde Ruiz-Williams a Johnson. “Só que quando entrei
no escritório, vi um homem jovem e sem paletó, com as
mangas arregaçadas, a gola da camisa desabotoada e a
gravata frouxa. Ele olha para você bem nos olhos e seu
escritório está repleto de coisas feitas por criancinhas —
pinturas e coisas do gênero. Gostei dele de cara.”
O sentimento foi recíproco. Bobby convidou Harry para ir
a Hickory Hill e o levou nas viagens em família para
esquiar. “Harry era do tipo pirata à moda antiga”,
lembrava-se Johnson. “Tinha aqueles olhos escuros
brilhantes e a paixão. E Bob Kennedy era exatamente igual,
confiou nele de maneira velada.”
Mas os outros líderes cubanos em exílio eram bem
diferentes. Bobby, incansável protetor de seu irmão, sabia
que tinha de vigiá-los. Enviou Harry até Miami para ajudar
a organizar a segurança de JFK antes que o presidente
viajasse para a Flórida em novembro de 1963, depois que o
procurador-geral tinha sido informado de que lá houvera
ameaças de morte contra seu irmão. Embora a cidade
tivesse oferecido 600 mil dólares aos democratas, Miami já
havia sido descartada pelo governo para ser o local de uma
convenção do partido em 1964, porque se temia que
pudesse haver movimentos anti-Kennedy entre os cubanos.
Outro veterano da Baía dos Porcos, Angelo Murgado,
disse que estava tão assustado com o rumor de assassinato
dentro da comunidade cubana exilada em Miami, que se
aproximou de Bobby por meio do líder anticastrista Manuel
Artime, oferecendo-se para vigiar os elementos mais
perigosos e enviar informações ao procurador-geral.
Murgado disse que ele, Artime — o líder político do
batalhão da Baía dos Porcos —, e o veterano do batalhão,
Manuel Reboso, tinham se encontrado com Bobby na
mansão dos Kennedy em Palm Beach, Flórida, em 1963,
para deixá-lo a par de suas preocupações. “Eu achava que
tínhamos que controlar e ficar de olho nos nossos cubanos,
aqueles que odiavam Kennedy”, lembrou-se Murgado. “Eu
tinha medo de que um de nossos membros ficasse louco.
Bobby nos pediu para elaborar um plano e executá-lo... Era
fanático pelo irmão, teria feito qualquer coisa para cuidar
dele.”
Alguns meses depois que os Kennedy tomaram posse de
seus cargos em Washington, um perfil de Bobby publicado
na New York Times Magazine o descreveu “rondando o raio
de alcance do governo de seu irmão [...] como um cão
pastor — com um agudo e rápido senso de proteção”.
Agora seu irmão estava morto. E na enxurrada de
telefonemas e conversas do dia 22 de novembro, é fácil
perceber que Bobby estava caçando os responsáveis.
Naqueles segmentos do governo que haviam sido de sua
responsabilidade — a CIA, a Máfia e Cuba.
Quando Bobby Kennedy disse a seu irmão de armas Harry
Ruiz-Williams “foi um de vocês que fez isso”, ele poderia
também ter dito “foi um de nós que fez isso” ou até mesmo
“foi um dos meus homens que fez isso”. Bobby estava
dizendo que seu irmão havia sido morto por alguém de sua
própria operação anticastrista, ou por algum suspeito do
mundo dos eLivross anticastristas que ele deveria ter
vigiado. Ele tinha que ter controlado a situação — era
assim que funcionava a cabeça de Bobby. No pescoço, ele
usava uma corrente com um medalhão de São Miguel,
símbolo do poder íntegro. Devia saber onde cairia a
escuridão e como proteger seu irmão dela. A morte de John
era uma falha sua — e essa é certamente outra ferida que
os assassinos de seu irmão quiseram infligir. Porque sabiam
que não bastava assassinar o presidente — precisavam
encontrar uma maneira de impedir que seu irmão vingador
também fosse atrás deles, ferindo-o com a culpa e a dúvida.
Mas ainda demoraria um pouco até que os efeitos
debilitantes desse dardo envenenado começassem a
aparecer. No dia 22 de novembro e nos seguintes, Bobby
Kennedy era um homem determinado a descobrir a
verdade.
 
Ao cair da noite do dia 22, RFK e Guthman foram de carro
de Hickory Hill ao Pentágono, onde Kennedy encontrou o
secretário da Defesa Robert McNamara e o general
Maxwell Taylor, chefe do Estado-Maior das Forças
Armadas. McNamara, ex-presidente da Ford Motor que
havia tentado reforçar o controle civil do Pentágono, era o
membro do Gabinete que os irmãos Kennedy mais
admiravam. Taylor, um militar intelectual que havia dado
um passo em falso com seus colegas por questionar a
doutrina nuclear de retaliação massiva da época de
Eisenhower, também era visto como uma imposição de
Kennedy ao Pentágono. Bobby havia dado o nome dele a um
de seus filhos. As tensões entre os irmãos Kennedy e a
hierarquia militar só não eram mais graves do que aquelas
com a CIA. Os dois eram gratos por terem no comando
duas pessoas como McNamara e Taylor dentro de uma
cultura militar que, do contrário, eles teriam sentido como
campo hostil.
Enquanto Guthman permanecia no E-Ring,6 Kennedy,
McNamara e Taylor foram até uma área de pouso e
embarcaram em um helicóptero em direção à base aérea
Andrews, onde esperaram na escuridão crescente a
chegada do Air Force One. McNamara disse que não
conseguia lembrar se naquela noite Kennedy conversara
com ele sobre suas suspeitas em relação a Dallas: “Não
tenho nenhuma lembrança de que ele tenha dito que
pensava que A, B ou C fosse o responsável”.
O avião presidencial que vinha ao encontro deles na
escuridão da noite estava repleto de reflexões sombrias. Na
traseira, Jacqueline Kennedy e Kenny O’Donnell, que
ladeavam o caixão do marido de Jackie, tomavam scotch,
mas a bebida não parecia ter efeito nenhum depois dos
horríveis acontecimentos da Dealey Plaza, mesmo que
aquela fosse a primeira vez que a jovem viúva provasse
uísque. Ela dispensou o almirante George Burkley, médico
da Casa Branca, quando este gentilmente tentou persuadi-
la a trocar o tailleur Chanel rosa encharcado de sangue que
ainda usava. Estava coberta de manchas cor de ferrugem; o
sangue de seu marido havia coagulado até debaixo de sua
pulseira. Mas ela se recusara a se limpar. “Não”, disse sem
pestanejar. “Eles que vejam o que fizeram.”
Essa se tornaria umas das declarações mais indeléveis
desse assombroso dia, ainda mais depois que William
Manchester a registrou no seu best-seller de 1967, Morte
de um presidente. Foi muito reproduzida, mas pouco
analisada. Assim como a frase de Bobby “Pensei que fossem
me pegar, mas não o presidente”, a declaração de desafio
de Jackie continha implicações assustadoras demais para
que os jornalistas especulassem. Naquele dia, o sentimento
que imediatamente tomou conta do círculo íntimo dos
Kennedy foi que estavam enfrentando um “eles”
organizado, não uma única pessoa, determinada e
insatisfeita. Isso não quer dizer que estivessem
necessariamente certos ou que suas convicções fossem
compartilhadas por todos os membros mais próximos da
Nova Fronteira. Contudo, um número surpreendente de
pessoas leais ao governo Kennedy chegou à mesma triste
conclusão a que chegaram Bobby e Jackie, e acreditaram
nela por toda a vida.
Enquanto o Air Force One se preparava para pousar,
Jackie e O’Donnell decidiram que ele e os outros
assistentes próximos de JFK carregariam o caixão para fora
do avião. Ela claramente disse ao adido militar da Casa
Branca, o general-de-brigada Godfrey McHugh: “Quero que
seus amigos o desçam do avião”. E quando outro general
voltou para a traseira do avião e disse a O’Donnell: “O
Exército está pronto para levar o caixão”, O’Donnell
respondeu: “Nós é que vamos levá-lo”. Mas, no final, os
militares teriam a última palavra. “Esvaziem a área”,
ordenou McHugh, logo que o Air Force One estacionou.
“Vamos cuidar do caixão.”
Essa disputa pela propriedade do caixão presidencial
prepararia o palco para um drama ainda maior em torno da
autópsia de JFK no Bethesda Naval Hospital, que era
ostensivamente controlado por Bobby Kennedy em nome da
família, mas de fato estava nas mãos de oficiais do Exército.
Bobby se precipitou ao encontro de Jackie no Air Force
One, ignorando Lyndon Johnson ao passar por ele, uma
atitude brusca que o novo presidente nunca mais
esqueceria. “Quero ver Jackie”, teria murmurado ele,
segundo o que Liz Carpenter, a porta-voz de LBJ, pensou
ter ouvido. “Ah, Bobby”, suspirou Jackie, quando ele
abraçou a viúva de seu irmão manchada de sangue. Era o
que se podia esperar de Bobby, pensou ela; sempre
presente quando se precisava dele. Mais tarde, junto com
ele na ambulância a caminho de Bethesda, ao lado do
caixão, Jackie relatou o que havia acontecido nas quentes e
luminosas ruas de Dallas, e as palavras jorraram de sua
boca por vinte minutos ao contar a repentina explosão de
violência e o caos que em seguida tomou conta do Parkland
Hospital.
Bobby também estava muito ansioso para falar com os
homens do Serviço Secreto que haviam voltado de Dallas
naquela mesma noite. Na ambulância, Kennedy abriu a
divisória de plástico que separava a traseira da frente do
veículo e conversou com Roy Kellerman, o agente que havia
estado no assento do passageiro da limusine de JFK em
Dallas.
“Assim que chegarmos ao hospital, vou procurá-lo para
conversarmos”, disse Kellerman ao irmão do presidente.
“Faça isso”, respondeu Kennedy, antes de fechar a
divisória.
Como Kennedy aprenderia mais tarde ao pressionar
Kellerman, um veterano e desajeitado membro do Serviço
Secreto que falava de forma tão suave que seus próprios
colegas o chamavam de “Gabby”, o agente não acreditava
que “fosse obra de um único homem”. Mais tarde,
Kellerman diria à Comissão Warren que “deve ter havido
mais do que três tiros, senhores” — prova de que tinha
havido mais de um atirador — e que uma “rajada de balas”
havia voado para dentro do veículo. Depois da morte de seu
marido, a viúva de Kellerman, June, diria que ele sempre
“havia acreditado na existência de uma conspiração”.
De acordo com uma versão, o chefe do Serviço Secreto
em pessoa, James Rowley, também disse a Bobby naquela
noite que seu irmão havia sido morto em um fogo cruzado
por três, talvez quatro homens. O Serviço Secreto
acreditava que o presidente havia sido “vítima de uma
poderosa organização”, conforme Rowley informou a
Kennedy. Meses depois, na época em que testemunhou
perante a Comissão Warren, Rowley mudou de ideia e disse
aos membros que achava que Oswald havia matado o
presidente sozinho. Mas, com certeza, a noite de 22 de
novembro se tornou ainda mais sombria para Bobby
quando o comandante do Serviço Secreto lhe disse que se
tratava de um grupo organizado ainda mais poderoso do
que a própria presidência do país.
Enquanto durou a autópsia de seu irmão no andar abaixo,
Bobby esperou ao lado de Jackie, numa lúgubre suíte do
décimo sétimo andar da torre de pedra do Bethesda Naval
Hospital. Estavam cercados por uma comitiva que agora
incluía McNamara; o amigo próximo de JFK, jornalista da
Newsweek, Ben Bradlee e sua esposa, Tony; a irmã de
Bobby, Jean Kennedy Smith; e a mãe de Jackie, Janet
Auchincloss. Enquanto Bobby fazia inúmeras ligações
telefônicas, o grupo consolava a viúva, que ainda vestia a
roupa da cena do crime. “Lá estava aquela menina
absolutamente infeliz, usando a saia da desgraça, sem falar
uma palavra sequer, como se estivesse sendo queimada
viva”, lembraria-se Bradlee.
Manchester, cujo livro permanece o relato definitivo do
drama que se seguiu ao assassinato de Kennedy, escreveu
que foi Bobby “quem estava realmente no comando, na
suíte da torre” naquela noite, certificando-se ainda de que
os bens pessoais de seu irmão estavam sendo removidos do
seu quarto da Casa Branca para poupar os sentimentos de
Jackie quando ela voltasse lá. O retrato feito por
Manchester de Bobby no comando seria utilizado mais
tarde por críticos de Kennedy, como os jornalistas Seymour
Hersh e Gus Russo, que pintaram o procurador-geral
naquela noite como um impetuoso artista da camuflagem,
trabalhando até o amanhecer para garantir que o relatório
da autópsia não incluísse prova alguma de que seu irmão
sofria da doença de Addison ou de problemas venéreos
crônicos, o que poderia manchar a lenda de JFK. Contudo,
na realidade, o controle de RFK sobre os sinistros
procedimentos do necrotério do andar de baixo estava
longe de ser total. O clínico que representava a família, dr.
Burkley, médico pessoal de JFK, fora proibido de entrar no
necrotério logo depois do início do processo, que durou oito
horas, juntando-se ao grupo Kennedy na torre. A autópsia
em si estava sendo praticada por três patologistas
inexperientes sob a supervisão constante de um grupo de
militares do alto comando. A pequena sala estava tão cheia
de homens de farda, do Serviço Secreto e de agentes do
FBI que um fotógrafo de autópsia da Marinha descreveu a
cena como uma “grande confusão”.
O relatório finalmente produzido sob essa supervisão
militar iria contradizer conclusões-chave dos cirurgiões do
pronto-socorro que, mais cedo naquele dia, haviam
examinado o presidente mortalmente ferido no Parkland
Hospital, assim como o atestado de óbito assinado pelo dr.
Burkley em Dallas. Por exemplo, onde os médicos de
Parkland haviam encontrado provas claras de um ferimento
por bala na garganta — indicando um tiro vindo da frente
—, o relatório do Bethesda foi editado de modo a concluir
que o ferimento correspondia ao lugar de saída da bala, de
acordo com a teoria segundo a qual Oswald era o único
assassino e teria atirado por trás.
Anos depois, um dos médicos do Bethesda, dr. Pierre
Finck, iria testemunhar, no caso levado à Corte de Justiça
pelo criterioso promotor Jim Garrison, de Nova Orleans — o
único processo decorrente do assassinato de Kennedy —,
dizendo que havia sido a família Kennedy que o impedira,
junto com seus colegas médicos, de examinar
adequadamente o ferimento da garganta de JFK,
dissecando o trajeto da bala e removendo os órgãos do
pescoço. Mas os Kennedy não impuseram esse tipo de
limite à autópsia. O formulário de autorização do
procedimento, assinado por Robert F. Kennedy em nome da
viúva do presidente, foi deixado em branco no espaço em
que se pergunta à família se existem restrições ao
procedimento. Diante do questionamento obstinado do
assistente do promotor Garrison no processo de 1969,
Finck terminou por reconhecer que um general do Exército
e dois almirantes de fato estavam mandando naquela sala
de autópsia lotada, e que nenhum deles tinha qualificações
médicas. “Ah, sim, havia ali alguns almirantes, e quem é
tenente-coronel do Exército não pode descumprir ordens”,
disse Finck à corte de Nova Orleans.
É pouco provável que Bobby — do alto da suíte do décimo
sétimo andar do Bethesda — estivesse sendo informado de
como a história do assassinato de seu irmão estava sendo
reescrita no necrotério do andar de baixo. Mas ele fez uma
última tentativa de tomar o controle, quando a autópsia
finalmente foi encerrada, depois das três da manhã. Bobby
recebeu amostras do cérebro e dos tecidos de seu irmão,
entregando-as aos cuidados do dr. Burkley. Durante anos,
isso provocaria ondas de mórbida especulação, alguns
sugerindo que era a demonstração da doente e sombria
mente de Bobby naquela época, e outros argumentando
que se tratava de mais uma camuflagem da família no
intuito de preservar o mito de Camelot.7 Uma explicação
mais plausível talvez seja que Bobby, bastante desconfiado,
e com a ajuda de Burkley, tenha procurado algum tipo de
prova que pudesse ser considerada essencial numa possível
investigação futura — isto é, uma que estivesse sob o seu
controle.
Os registros das ligações telefônicas de Kennedy mostram
que, em fevereiro de 1964, ele também conversou sobre a
aquisição da limusine em que JFK sofreu o atentado e que
havia sido enviada para uma oficina de Detroit depois do
assassinato, onde — segundo informações que lhe foram
dadas pela secretária de seu irmão, Evelyn Lincoln — ia ser
“recauchutada” para ser entregue ao presidente Johnson.
Talvez o conserto — que ia eliminar qualquer possível
prova judicial — “pudesse ser interrompido”, disse Lincoln
a RFK, se Kennedy declarasse que queria a limusine para
ser doada à Biblioteca Kennedy.
Independentemente de saber se Kennedy tentou ou não
juntar provas para uma futura investigação, é evidente que
Burkley o deixou a par de suas sombrias considerações
sobre o ocorrido em Dallas. Curiosamente, o médico do
presidente — que deveria estar entre os primeiros da lista
de testemunhas da Comissão Warren — nunca foi
convocado a dar esclarecimentos. Nem foi interrogado pelo
Serviço Secreto ou pelo FBI. E tampouco o atestado de
óbito que assinou — e que refutava o argumento segundo o
qual a ferida da garganta de JFK havia sido causada por um
tiro vindo de trás — foi incluído nos registros oficiais. Para
os investigadores do governo, Burkley não existia.
Mas o dr. Burkley deixou para trás seus fantasmas — por
pouco tempo —, para registrar sua verdadeira opinião a
respeito do que havia acontecido com o presidente
Kennedy. JFK foi alvo de uma conspiração, declarou
Burkley por telefone ao pesquisador do assassinato, Henry
Hurt, quando este o contatou em 1982, porém sem querer
desenvolver sua teoria. Depois de anos de silêncio público
sobre o assunto, essa declaração teve o efeito de um
trovão.
Naquela noite no Bethesda, quando Burkley ainda estava
no necrotério e os condecorados militares se debruçavam
sobre o cadáver do presidente, O’Donnell foi até ali para
recuperar a aliança de Jackie Kennedy, que em um gesto de
comoção a havia colocado no dedo do marido depois de ele
falecer sobre a mesa de operação, em Parkland. O’Donnell
sabia que ela ia querer a aliança de volta. Burkley insistiu
para levá-la pessoalmente até o andar de cima. Lá estava
Jackie, na mesma suíte do hospital que ele lhe havia
reservado na reta final de sua última e fatídica gravidez.
Ele lhe devolveu a aliança, mal conseguindo formular
palavras. Não havia nada a ser dito após o dia que haviam
passado juntos. Ela enfiou a mão no bolso e lhe deu uma
das rosas vermelhas que havia carregado no comboio, e
cujas pétalas pouco a pouco estavam tomando a cor de
vinho de seu tailleur manchado. Ele inclinou a cabeça.
“Este é o maior tesouro de minha vida”, murmurou o fiel
médico.
 
Foi depois das 4h30 da manhã que Bobby e Jackie
finalmente voltaram à Casa Branca com o corpo do
presidente. Bobby foi até o primeiro andar com Jackie e a
mãe dela para se certificar de que ambas conseguiriam
descansar. “Uma terrível sensação de perda tomou conta
de todos os que estavam presentes naquele cômodo”,
lembrou-se Charles Spalding, amigo da família, e Bobby
estava tentando acalmar todo mundo e fazer que fossem
dormir. Mais tarde, ele pediu que Spalding o acompanhasse
na Sala Lincoln, onde ia dormir. Seu amigo, percebendo
que ele estava “muitíssimo abatido”, o aconselhou a tomar
um sonífero, o que ele fez. Então Spalding fechou a porta.
“Durante todo esse tempo ele havia se controlado. Foi
então que eu o ouvi soluçar. Ele dizia: ‘Por quê, Deus? Por
quê, Deus, por quê?...’ Ele desmoronou completamente,
não conseguia controlar os soluços, e o único ser a quem
ele conseguia se dirigir era Ele: ‘Por quê, Deus, por quê?’.
Qual poderia ser a razão por trás dessa interrogação?”
Depois de uma breve e agitada cochilada, Bobby se
levantou e foi caminhar no Gramado Sul às oito horas
daquela manhã de sábado. A Casa Branca estava cheia de
membros da família, amigos próximos e assistentes. Entre
eles, o ator Peter Lawford, marido da irmã de Bobby, Pat, e
seu empresário, Milt Ebbins, que havia vindo de avião de
Los Angeles na noite anterior. JFK sempre gostara da
companhia dos dois homens de Hollywood, pressionando-os
para que contassem fofocas da indústria do entretenimento
e levando-os para inusitados passeios pela Casa Branca,
driblando a pompa de seu novo domicílio. “Por acaso você
já tinha imaginado que um dia estaria na Casa Branca,
junto com o presidente dos Estados Unidos, admirando o
retrato de Washington pintado por Gilbert Stuart?”,
perguntara um Kennedy perplexo ao agente de Hollywood.
Agora Ebbins estava de volta à Casa Branca e
testemunhava outro quadro histórico. A cavernosa Sala
Leste havia sido transformada em sede de um velório e
ornada de crepe preto, com o caixão do amigo de Ebbins no
centro, colocado sobre um catafalco inspirado naquele que
havia carregado o corpo do presidente Lincoln. Um
compulsivo clima de luto irlandês tomava conta da Casa
Branca. “Jantamos todos ali naquela noite, e parecia um
velório irlandês”, lembrou-se Ebbins. “Você jamais poderia
pensar que havia um homem morto em um caixão no andar
de cima. Houve risos, piadas, tudo. Em determinado
momento, Ethel tirou sua peruca e a colocou em mim. Essa
família simplesmente apaga a morte. Acredito que sofram
sozinhos, por si mesmos.”
Mais tarde, Ebbins se aproximou de Bobby, que não
participou daquela festa frenética do jantar, e estava de pé
ao lado do caixão de seu irmão. “Entrei na sala e ele estava
com as duas mãos sobre o caixão, com a cabeça abaixada.
Estava chorando. Achei estranho, porque Bobby nunca
mostrava suas emoções.” Ebbins sempre achara o irmão
caçula um “peixe frio”.
“Todas as vezes em que nos encontramos, ele foi
simpático comigo, mas não era como Jack. Ah, Jack era bem
diferente. Os dois eram muito diferentes. Bobby tinha seu
santo graal. Estava aqui para cumprir algo. Jack também,
mas nunca mostrava isso. Você acabava por entender, mas
ele nunca falava sobre isso.”
No entanto, naquele final de semana, Ebbins estava vendo
o outro lado do jovem Kennedy. Seu sofrimento parecia
bíblico.
Anos depois, Peter Lawford diria a um amigo que, durante
aquele final de semana na Casa Branca, Bobby revelou que
achava que seu irmão havia sido morto por um poderoso
grupo nascido de uma das secretas operações
anticastristas do governo. Segundo algumas fontes, Bobby
teria dito a Lawford e a outros membros da família que não
havia nada que ele pudesse fazer por enquanto, já que
estavam enfrentando um inimigo formidável e que não
controlavam mais o governo.
Durante esse final de semana cinzento e úmido, as
tensões entre o círculo íntimo dos Kennedy e a equipe de
segurança nacional que havia trabalhado para o presidente
continuaram a aumentar. O secretário da Defesa,
McNamara, que havia convencido Jackie e Bobby Kennedy
a enterrar o presidente no Arlington National Cemetery, do
outro lado do rio Potomac, na capital, acompanhou grupos
de familiares e amigos em quatro ocasiões distintas para
definir o lugar onde o corpo seria enterrado (O’Donnell e o
grupo de irlandeses, sempre possessivos em relação ao seu
falecido líder, estavam pressionando para que Jack fosse
enterrado no solo de Boston, onde havia crescido). Na sua
segunda ida, McNamara, sem capa de chuva, chapéu ou
guarda-chuva, logo ficou encharcado por um pé-d’água
repentino. Nenhum dos generais que o acompanharam e
que estavam bem agasalhados, com roupas para chuva, fez
alguma tentativa polida de fornecer proteção ao seu chefe
civil. William Walton, artista e amigo próximo da família,
que havia sido escolhido por Jackie para ajudar na estética
do funeral de seu marido, ficou abismado ao ver o
desrespeito com que a escolta militar tratava McNamara.
O ensopado McNamara aguentou a tempestade e
supervisionou a escolha de um lugar, no alto do declive que
levava à residência pré-guerra de colunas brancas do
general Robert E. Lee. O secretário da Defesa foi avisado
de que era o mesmo lugar do qual o presidente Kennedy
havia admirado a vista durante uma visita que fizera ao
Arlington Cemetery algumas semanas antes de ser
assassinado. O jovem guia que havia escoltado o presidente
naquele dia disse a McNamara que Kennedy havia
admirado o Lincoln Memorial, que fica do outro lado do rio
Potomac. “O presidente disse que era tão lindo que poderia
ficar lá para sempre”, lembrou-se o guia.
 
No domingo à tarde, às 12h21, horário da Costa Leste, um
segundo choque vindo de Dallas abalou a nação — Lee
Harvey Oswald fora atingido por tiros na frente das
câmeras de televisão, enquanto estava sendo escoltado
pelo subsolo do prédio da polícia de Dallas. Seu assassino
— um robusto dono de clube noturno chamado Jack Ruby,
que gritou “Você matou o presidente, seu desgraçado” ao
atirar mortalmente no ventre de Oswald — confessou ter
ficado transtornado pela dor que o suposto assassino havia
causado à família Kennedy. Mas o assassinato parecia ser
uma maneira de a Máfia silenciar o acusado Oswald antes
que ele pudesse falar. De fato, George Reedy, assistente de
Lyndon Johnson, ao ver o canal de televisão, pensou que a
reportagem sobre os preparativos do funeral de Kennedy
havia sido interrompida para passar um velho filme de
gângsteres de Edward G. Robinson, quando viu a cena do
tiro de soslaio.
A descarada eliminação, primeiro do presidente e depois
de seu suposto assassino, abalou o âmago dos círculos de
Washington. Numa conversa telefônica sem rodeios com
Bill Walton, Agnes Meyer, a idosa mãe da editora Katharine
Graham, do Washington Post, resmungou: “O que é isso —
alguma dessas malditas repúblicas de bananas?”. Até o ex-
presidente Eisenhower expressou o mesmo tipo de
amargura. Aquilo lhe lembrava a visita que fizera ao
Palácio Nacional do Haiti nos anos 1930, quando era um
jovem oficial. Ao ler as datas nos bustos de mármore dos
antigos dirigentes do Estado que se alinhavam na parede,
ficara chocado ao perceber que dois terços deles haviam
sido assassinados durante o mandato. Seu próprio país,
tranquilizou-se, nunca sucumbiria a esse tipo de sede
política de sangue. Agora não tinha mais tanta certeza.
Lyndon Johnson estava irritado ao informar Bobby
Kennedy do assassinato de Oswald. Quando entrou na Sala
Azul da Casa Branca, o novo presidente saudou o surpreso
secretário de Justiça, exortando-o a “fazer algo...
precisamos estar envolvidos. O nome dos Estados Unidos
está ficando manchado no mundo todo”. LBJ previu
claramente a reação do mundo — os jornais tanto no
mundo livre como nos países comunistas criticaram a
“grotesca” exibição de Dallas, como o Daily Herald, de
Londres, descreveu os controversos assassinatos, e se
perguntavam abertamente se Oswald não “fora morto para
ser impedido de falar”, segundo os próprios termos de um
jornal de Paris.
Não há como saber se Johnson foi sincero em seu pedido
para que Bobby se juntasse a ele na tomada de decisão.
Nessa altura, LBJ ainda resistia aos pedidos para que
houvesse uma investigação completa nos moldes da futura
Comissão Warren. O novo presidente parecia mais
preocupado com o aspecto das relações públicas da
debacle de Dallas do que com sua efetiva resolução legal.
Em todo caso, Kennedy, sentindo ódio por um homem que
ele considerou imediatamente um usurpador, nunca aceitou
a proposta do presidente para que trabalhassem juntos no
mistério de 22 de novembro. Essa aliança teria sido a única
maneira de resolver esse incrível crime. Se essas metades
rivais da herança política de JFK — antagonistas dignos de
um drama shakespeariano — tivessem sido capazes de
deixar de lado seu célebre desdém recíproco, a história
teria sido diferente. Mas isso teria sido tão distante do
caráter de ambos os homens que nunca houve possibilidade
de acontecer.
Mais tarde naquele domingo, Milt Ebbins se encontrava
na sala de estar dos aposentos presidenciais da Casa
Branca com Peter Lawford, assistindo ambos, incrédulos, à
televisão, que reprisava sem parar o assassinato de
Oswald. “Bobby entrou, olhou para a tevê, então foi até o
aparelho e o desligou. Não disse nada. Somente desligou a
televisão.”
Bobby não queria se estender abertamente sobre o
mórbido espetáculo de Dallas. Mas queria pensar nele com
calma. Foi um padrão que estabeleceu nesse primeiro final
de semana e que ele seguiria pelo resto da vida. Ele se
recusou a cooperar com as duas maiores investigações
públicas sobre o assassinato de seu irmão durante a vida
toda — a Comissão Warren e o inquérito de Jim Garrison —
por motivos ao mesmo tempo compreensíveis e
desconcertantes. Mas perseverou com obstinação em suas
próprias investigações, em um esforço inabalável para
descobrir a verdade. E Jack Ruby foi um de seus primeiros
alvos.
Não havia ninguém nos Estados Unidos com instinto de
investigador mais apurado que Robert Kennedy quando se
tratava do crime organizado. Toda vez que Bobby não
conseguia resolver as coisas sozinho, sempre havia alguém
para dar palpites sobre a direção a seguir. Uma semana
depois que Ruby tinha se tornado foco da atenção do país,
um comunicado anônimo foi enviado ao procurador e ex-
diretor da CIA, Allen Dulles, da parte de um informante que
declarava que Ruby era um “homem do gatilho” ou um
assassino de aluguel da Máfia. “Se não me falha a
memória”, escreveu o informante, “Jack Ruby fez uma
visita aos membros do Syndicate,8 em San Diego, entre os
últimos meses de 1961 e os primeiros meses de 1962. O
encontro com os membros do Syndicate aconteceu no Brass
Rail, um bar-restaurante... que era um bar gay, da mesma
maneira que o New York Syndicate, sob o comando da
antiga gangue de Gallo, costumava utilizar uma dúzia de
bares gays como fachada.”
Logo depois do assassinato de Oswald, Bobby colocou seu
braço-direito, Walt Sheridan, no caso Ruby. Um relatório do
FBI datado de 24 de novembro de 1963 mostra que, poucas
horas depois do crime, Sheridan apresentou provas de que
Ruby havia recebido dinheiro de um sócio próximo de
Jimmy Hoffa. Segundo o relatório, Sheridan declarou que
“Ruby recebeu um pacote de dinheiro de Allen M.
Dorfman”, conselheiro principal de Hoffa no fundo de
pensão dos Teamsters e enteado de Paul Dorfman, o maior
elo entre o líder sindical e a máfia de Chicago. Robert
Peloquin, advogado da divisão criminal do Departamento
de Justiça, logo foi despachado até Chicago para verificar a
história do pagamento de Ruby. Informado dessa missão
pelo chefe do escritório do FBI de Chicago numa nota
datada de 25 de novembro de 1963, foi um irritado J. Edgar
Hoover que rabiscou no documento: “Eu gostaria que o
Departamento cuidasse de seus próprios assuntos e nos
deixasse cuidar dos nossos”.
Alguns dias depois, Julius Draznin, o procurador federal
trabalhista a quem Bobby havia pedido para verificar o
possível papel da máfia de Chicago no assassinato, trouxe
mais provas sobre o passado de Ruby como sicário da
Máfia. No dia 27 de novembro, Draznin apresentou um
relatório que mostrava as atividades de Ruby junto ao
crime organizado e sua propensão para a violência armada.
Mais tarde, Kennedy comentaria que, quando viu os
registros das ligações telefônicas de Ruby, “a lista era
quase uma duplicata dos nomes das pessoas que ele havia
convocado perante o Rackets Commitee”.
No final de semana que se seguiu ao assassinato, Bobby
abriu uma nova linha de investigação. Embora estivesse
ainda lamentando o fracasso da segurança que havia
cuidado de seu irmão, pediu calmamente ao amigo da
família, Daniel Patrick Moynihan, então assistente do
secretário do Trabalho, que checasse se Hoffa havia sido
envolvido ou se o Serviço Secreto havia sido subornado.
Bobby sabia que Moynihan não tinha a experiência de
Sheridan para investigar, mas, pelo fato de ter passado pelo
sindicato dos estivadores, esse compatriota irlandês
presumidamente devia ter contatos úteis e perícia em
assuntos de corrupção trabalhista. Mais tarde, Moynihan
entregaria a Kennedy um relatório confidencial declarando
que não existiam provas de que o Serviço Secreto tivesse
sido corrompido.
Antes mesmo de Dallas, Bobby Kennedy parecia ter
perdido a confiança na capacidade do Serviço Secreto de
proteger seu irmão contra os inúmeros perigos que o
cercavam. Na época do assassinato, Kennedy estava
endossando um projeto de lei, o H.R. 4158, que teria dado
ao secretário de Justiça, e não mais ao Serviço Secreto, o
poder de nomear os agentes encarregados de proteger o
presidente. Rowley, o chefe da agência, reconheceu, em seu
testemunho perante a Comissão Warren, que era
terminantemente contrário ao projeto, argumentando que a
transferência da autoridade ao escritório de RFK
provocaria uma “confusão e um conflito de jurisdições”.
Na terça-feira, quatro dias depois do assassinato,
Kennedy conversou de novo com Clint Hill, em decorrência
da conversa telefônica que tivera com ele no dia 22 de
novembro, quando o agente do Serviço Secreto ainda
estava em Dallas. Não há registro do que falaram, mas as
falhas na segurança em Dallas eram tão flagrantes que
Kennedy certamente quis saber o que acontecera da boca
de um agente como Hill, que tinha a plena confiança da
família. (“Clint Hill nos amava, foi o primeiro homem no
carro”, dissera Jackie mais tarde a Theodore H. White.)
Para o comboio de carros, o Serviço Secreto havia
escolhido um trajeto que passava pelo centro de Dallas, e
cuja insegurança consistia da lenta curva fechada que
levava à Elm Street, onde o presidente terminou sendo
morto. Os prédios altos, o outeiro coberto de grama e o
viaduto, que faziam da Dealey Plaza o cenário perfeito para
um fogo cruzado, não eram seguros. Os policiais de moto
que protegiam a limusine do presidente seguiam atrás, em
vez de cercar o veículo. Não havia homens do Serviço
Secreto nas laterais da limusine, e os agentes haviam
recebido a ordem de ficar atrás do veículo. Mais tarde, o
Serviço Secreto espalhou a história de que haviam sido
ordens de JFK em pessoa, preocupado com o fato de que a
multidão não pudesse enxergar bem o casal presidencial.
Mas isso foi absolutamente refutado pelo pesquisador
Vincent Palamara, que entrevistou vários agentes, os quais
confirmaram sem exceção que as ordens vieram de
superiores do Serviço Secreto, e não do presidente.
Clint Hill, que estava logo atrás, no carro do Serviço
Secreto, foi o único agente a correr até a limusine quando
foram disparados os tiros. Ele agiu dessa forma apesar de
ter recebido uma ordem para ficar ao lado do agente
responsável pelo veículo, Emory P. Roberts. Hill alcançou a
limusine no momento em que a primeira-dama estava
engatinhando sobre o porta-malas, onde, ele viu
horrorizado, ela tentava alcançar um pedaço do crânio de
seu marido. Hill pulou para dentro do carro e puxou Jackie
de volta para a segurança do carro.
Apesar de seu heroísmo, Hill ficou transtornado durante
anos por não ter conseguido chegar à limusine antes. Em
1975, depois de ter se aposentado do Serviço Secreto, ele
concedeu uma entrevista a Mike Wallace, do programa 60
Minutes. Em frente às câmeras, o rosto do ex-agente estava
contraído de dor. Em determinado momento, como mais
tarde se lembraria Wallace, Hill caiu em prantos, mas
insistiu para continuar a entrevista. Com os olhos
vermelhos, a cabeça tremendo enquanto tentava reprimir
suas emoções, Hill tragava um cigarro enquanto se
obrigava a voltar à Dealey Plaza. Se tivesse reagido uma
fração de segundo antes, ele poderia ter levado aquele tiro
na cabeça em vez de Kennedy, disse Hill.
“E isso teria sido o certo para você?”, perguntou Wallace.
“Isso teria sido o correto para mim.”
“Você chegou até o carro em menos de dois segundos,
Clint... Com certeza, não se sente culpado por causa
disso?”
“Com certeza me sinto. Sinto muita culpa por causa disso.
Se eu tivesse me virado para o outro lado, teria conseguido.
Foi falha minha... e terei que viver com isso até morrer.”
Ao lembrar-se da entrevista anos depois, Wallace
escreveu: “Nunca entrevistei alguém tão atormentado”.
Com certeza uma das mais pungentes ironias do dia 22 de
novembro reside no fato de que o homem que mostrou mais
coragem do que qualquer outro naquele dia tenha sido o
mais severamente punido.
 
Na segunda-feira que se seguiu ao assassinato, Bobby
deixou de lado suas investigações para enterrar o irmão.
Em seu fraque preto, ele passou diante da multidão solene
que havia se juntado nas ruas, seguindo uma carreta de
artilharia coberta por uma bandeira. Era a mesma carreta
que levara seu irmão da rotunda do Capitólio até a St.
Matthews Cathedral e, agora, ao local de seu último
descanso, em Arlington. Ao caminhar lentamente pela
Pennsylvania Avenue, com Jackie e Teddy, ele seguiu o
mesmo trajeto que Jack fizera cerca de mil dias antes, ao
iniciar sua presidência. Nas imagens dos velhos noticiários,
a extrema desolação desse dia se reflete no olhar de Bobby.
Ed Guthman e Nicholas Katzenbach, o procurador-geral
adjunto, tentaram persuadir Bobby a andar em uma
limusine fechada, mais segura, em vez de seguir o cortejo
fúnebre a pé. Mas ele se recusou. Foi o início de uma briga
persistente entre Guthman e Bobby em torno da questão da
segurança que se arrastaria até a morte deste último. “Ele
nunca tinha medo. Depois do assassinato de seu irmão,
vários de nós tentaram conversar com ele sobre medidas de
prevenção, mas ele sempre desconversava.”
Perto da meia-noite, os amigos e a família que haviam se
reunido na Casa Branca para o funeral já tinham ido
embora, deixando sozinhos o irmão do presidente e a viúva.
“Vamos visitar nosso amigo?”, sugeriu Bobby. Os dois
passaram diante do Lincoln Memorial e atravessaram o rio
Potomac até chegar ao gramado em declive atrás da
mansão do general Lee, cuja vista panorâmica havia
maravilhado Jack semanas antes. Na escuridão da noite,
apenas iluminada pela trêmula chama eterna do túmulo,
eles se ajoelharam e rezaram.
No dia que se seguiu ao funeral, os Kennedy começaram a
se reunir, como de costume, para o dia de Ação de Graças
na propriedade da família em Hyannis Port. Jackie chegou
de avião com seus filhos, Caroline e John Jr., depois de ter
ido visitar o túmulo de seu marido de manhã. Teddy e sua
família também voaram até a residência, da mesma forma
que suas irmãs Pat, Eunice, Jean e suas respectivas
famílias. “Era um dia lúgubre” no Cape, naquele dia de
Ação de Graças, como reportou o New York Times. “A
paisagem, cor de ferrugem por causa das folhas mortas dos
carvalhos-anões, parecia ainda mais desolada que as
agitadas águas cinzentas do estreito de Nantucket.” O
Times relatou que, quando Jackie chegou, ela foi direto
para a casa do sogro, evitando a sua própria, devido às
lembranças do presidente. Uma das mais comoventes,
segundo o que o jornal observou, era uma aquarela na
entrada que representava uma alegre reunião da família,
com um toque de humor típico de Kennedy. Mostrava um
JFK vitorioso, retribuindo os cumprimentos de seus
familiares na proa da chalupa Victoria — em uma pose que
lembrava Washington atravessando o Delaware9 —, depois
de ter vencido, em Los Angeles, as prévias do seu partido
para a corrida presidencial.
Bobby não conseguia encarar o dia de Ação de Graças em
Hyannis Port com o clã, agora que dois homens que outrora
haviam composto seu núcleo — Jack e Joe, o poderoso
patriarca que não podia mais falar e estava confinado em
uma cadeira de rodas desde que sofrera um derrame
cerebral, em 1961 — não estavam mais vivos. Em vez disso,
Bobby ficou em Hickory Hill para o feriado com Ethel e
seus sete filhos. Cerca de vinte pessoas, como de costume,
colegas do Departamento de Justiça e amigos da imprensa,
foram convidados para um brunch. Serviram-se bloody
marys. Bobby e Ethel “ostentavam a boa aparência de
sempre”, lembrou-se Sheridan, que havia acabado de voltar
do julgamento de Hoffa em Nashville. “Mas, olhando para
eles, dava para perceber o tamanho do esforço.”
Bobby levou Sheridan para longe da reunião — ele queria
saber o que o investigador descobrira a respeito do
assassinato. Sheridan suspeitava que o chefe dos Teamsters
estivesse envolvido. “Lembro-me de lhe ter dito o que Hoffa
dissera quando John Kennedy foi morto... Eu não queria
contar, mas ele me obrigou”, lembrou-se Sheridan. “Hoffa
estava em algum restaurante de Miami quando soube do
assassinato, e ele subiu na mesa para brindar. Pelo menos é
o que ouvimos dizer.”
Naquele final de semana, Bobby levou sua família para a
mansão dos Kennedy em Palm Beach, onde se cercou dos
irmãos de armas que haviam lutado a seu lado, e dos
inquéritos sobre o mundo do crime dos anos 1950 até as
cruzadas da Nova Fronteira — estavam lá: Sheridan,
Guthman e o porta-voz da Casa Branca, Pierre Salinger. Foi
um final de semana devastador, em que Bobby foi
alternativamente tomado por estarrecedoras crises de
desolação e momentos de cólera brutal. Salinger, ex-
jornalista de San Francisco cuja vida Bobby virou de ponta-
cabeça depois de recrutá-lo para sua investigação do
Senado contra o crime organizado, anos depois estremeceu
ao se lembrar desse final de semana: “Era o homem mais
perturbado que eu já havia visto na vida. Ele estava fora do
ar. Podia caminhar sozinho por horas... De vez em quando,
ele organizava uma partida de touch football10... mas eram
partidas violentas. Para mim parece que era uma forma de
ele botar para fora seus sentimentos, sabe, derrubando os
adversários. Aliás, alguém quebrou a perna durante uma
dessas partidas. Quero dizer, eram jogos muito, muito
duros”.
No final de semana, Bobby também prosseguiu com suas
investigações. Conversou com Sheridan sobre Oswald e
Ruby. Bobby lhe pediu que voasse até Dallas e fizesse
algumas investidas não oficiais. “O nome-chave era Marina
Oswald (a viúva do suposto assassino); ele queria que Walt
verificasse o que ela realmente sabia”, disse-me Richard
Goodwin, assistente e redator de discursos de JFK.
“Com certeza, Bob estava decidido a lidar com a verdade,
fosse qual fosse”, disse Guthman. “Ia trabalhar duro para
descobri-la. E as pessoas que trabalhavam para ele, como
Walter, seguiam a mesma linha. Ele era alguém em que
Bobby confiava plenamente. Era um investigador de
primeira linha. Com Walter era a cruel realidade, não havia
espaço para mentiras.”
Depois de ter mandado Sheridan a Dallas, Bobby
despachou outro amigo íntimo da família Kennedy, Bill
Walton, para Moscou, uma semana depois do assassinato.
Walton levava consigo uma mensagem secreta de Bobby e
Jackie para o governo soviético. Foi a mais surpreendente
missão organizada pela família Kennedy nos incríveis dias
que se seguiram à morte de JFK.
 
William Walton era o homem ideal para desempenhar o
papel de mensageiro confidencial. Não havia ninguém em
quem os Kennedy confiassem mais. Se Bobby tinha seus
fiéis irmãos de armas, JFK atraía a devoção de seu próprio
círculo de amigos. E nenhum desses homens tinha maior
compatibilidade com o presidente do que Walton, a quem
JFK havia dado o carinhoso apelido de “Billy Boy”.
“Sempre fiquei surpreso por ele me considerar um amigo
tão próximo”, lembrou-se Walton anos depois. “Ele sempre
me envolvia em várias coisas. Eu até cheguei a entrar no
quarto dele na Casa Branca. Nunca pensei que pudesse
estar lá. Acabamos por nos tornar íntimos. Acho que ele
gostava mesmo de mim. Como se fôssemos irmãos. Nunca
tive amigos homens tão próximos quanto ele acabou se
tornando.”
“Eu não era subordinado a ele, como tantas outras
pessoas. Minha posição era independente. E para dizer a
verdade [quando nos encontramos pela primeira vez], ele
achava que eu era muito mais famoso do que ele.”
Walton conheceu Kennedy no final dos anos 1940, em
Georgetown, quando o jovem e solteiro deputado ainda
vivia com sua irmã, Eunice, e Walton estava transformando
o segundo andar de sua casa de estilo vitoriano em ateliê,
após abandonar o jornalismo para se dedicar à pintura.
Walton, ex-correspondente de guerra da revista Time, que
havia obtido a Estrela de Bronze depois de saltar de
paraquedas na Normandia, junto com a 82a Divisão
Aerotransportada do general James Gavin, havia conhecido
os falecidos irmão e irmã de JFK, Joe e Kick, em Londres.
Com Joe, ele participou de uma missão da aviação naval
cerca de um mês antes de o primogênito dos irmãos
Kennedy morrer, em um desastroso voo de bombardeio.
Oito anos mais velho do que JFK, Walton deve ter conjurado
em Jack as lembranças de seu heroico irmão mais velho.
Contudo, se Walton tinha o currículo de um verdadeiro
homem, também estava à vontade na companhia das
mulheres, com as quais suas relações costumavam ser
“agradáveis, tranquilas e alegres”, segundo as próprias
palavras de uma de suas companheiras, Martha Gellhorn, a
distinta correspondente de guerra e ex-mulher de Ernest
Hemingway. Walton também desfrutou de uma amizade
“agradável e tranquila” com Jackie Kennedy.
Ele a conheceu em Washington, antes que ela se casasse,
quando era “apenas uma lindíssima e excêntrica” fotógrafa
para o hoje extinto jornal Times-Herald. Ele foi
imediatamente atraído por seu “caráter encantador e
delicado” e pelo interesse que ela manifestava nos livros e
nas artes. Ela gostava do estilo boêmio dele, de seu gosto
por calças jeans apertadas e bermudas, anos antes que
esse estilo se tornasse popular, assim como de sua
propensão a contar fofocas. Walton tinha vinte anos a mais
do que a garota de olhos grandes, mas exibia um
maravilhoso espírito adolescente e um sorriso de canto
que, segundo Gellhorn, fazia pensar “numa inteligente e
engraçada abóbora do Dia das Bruxas”. Assim como outras
mulheres, Jackie foi certamente atraída pelo valoroso
esforço de Walton em criar sozinho seus filhos, Matthew e
Frances, após ter se divorciado de sua esposa, que sofria
de problemas mentais.
Depois que os Kennedy se mudaram para a Casa Branca,
Walton se tornou fiel amigo do casal, antes de obter um
papel oficial em 1963, na qualidade de diretor da Comissão
de Belas-Artes, em que ele e Jackie trabalharam para salvar
os quarteirões históricos de Washington da destruição
planejada por construtores ignorantes. Ela lhe enviou
galantes mensagens escritas no papel timbrado da Casa
Branca, entre as quais uma colagem em que havia uma
fotografia de Walton segurando um cigarro na mão e a
seguinte nota: “Odeio cigarros — mas simplesmente não
consigo resistir a esses homens do Marlboro! Quer ser meu
namorado?”.
Ele estava numa “posição única”, como diria Walton mais
tarde, porque era tão próximo de Jack quanto de Jackie.
Cada um deles lhe confiava seus segredos e costumava
utilizá-lo para se comunicar entre si. “Mas tarde, dei-me
conta de que eu era um verdadeiro vínculo entre eles. Você
pode imaginar bem como esse período é difícil para
qualquer um... como se estivéssemos no olho de um
furacão.” Walton — espiritual, mundano, atraente — os
ajudou a aparar as arestas. Junto com ele, podiam agir
como se ainda fossem o jovem casal despreocupado que
eram quando moravam em Georgetown.
Em um dia de verão, Walton levou até Hyannis Port, onde
os Kennedy passavam férias, uma maquete arquitetônica de
suas propostas para a reforma da Lafayette Square, na qual
JFK tinha mostrado forte interesse. “[Jack] sentara-se no
chão e simplesmente amara o projeto. E brincara com ele.
Então Jackie entrou e disse: ‘Vocês dois’”, lembrou-se
Walton, rindo. “E outra vez ela nos encontrou no chão do
quarto. Ele estava pretensamente tirando uma soneca, o
que quer dizer que estava apenas com a roupa de baixo, e
eram umas duas e meia da tarde. Ele havia dormido um
pouco, e então eu fora autorizado a entrar porque estava
com dúvida em relação a uma coisa que precisava ser
decidida naquela tarde. Estávamos sentados no chão com
outra maquete, e ela saiu para pegar sua câmera
fotográfica, e tirou fotos que me enviou depois. E
escrevera: ‘O presidente e o czar’, porque os jornais
haviam me apelidado de ‘czar da Lafayette Square’.”
“Bill acha que essa galanteria de Jack para com os
homens fazia parte de sua libido e vaidade”, lembrou-se o
amigo de Walton, Gore Vidal, no seu diário, em setembro de
1961. Vidal, que mais tarde chamaria seu amigo de “a
única influência civilizadora naquela Casa Branca”, gostava
de encorajar o lado leviano de Jackie.
Naquele verão, ele se juntou a Walton para acompanhar
Jackie, com a qual tinha um vínculo familiar, numa aventura
em Provincetown, já então uma meca gay. “Jackie e Walton
chegaram ao Moors Motel às 17h30”, escreveu Vidal no seu
diário. “Naquela manhã, Jackie havia trocado ideias comigo
por telefone — será que deveria usar uma peruca loira ‘com
tranças’ para não ser reconhecida? Em vez disso, está
usando bandana de seda, jaqueta, calça capri, e parece
deslumbrante. Bill está com uma camisa esportiva azul-
escura; e com o costumeiro sorriso enviesado... Chegaram
ao meu quarto no motel. Não havia ninguém ao redor.
Jackie se jogou sobre a cama — livre!”
A primeira-dama dos Estados Unidos e seus
companheiros mergulharam então em uma noite de
frivolidade que com certeza não poderia mais acontecer no
triste clima político de hoje, com o olho da mídia sempre
espreitando. Assistiram a uma apresentação da peça de
George Bernard Shaw, A profissão da sra. Warren, no
teatro de Provincetown — mal-afamada se considerarmos a
escandalosa história da peça, que trata de prostituição e da
hipocrisia da alta sociedade vitoriana, e que ficou proibida
na Grã-Bretanha por oito anos, a partir de 1894, quando foi
escrita. Mas, depois da peça, o jovial trio foi a vários bares,
antes de acabar num botequim com pouca luz, acima do
qual ficava um bar frequentado por lésbicas. “Jackie ficou
fascinada, mas não se atreveu a dar uma olhada”, anotou
Vidal.
Bill Walton era muito discreto em relação a seus desejos
sexuais, que nessa altura da vida eram nitidamente
homossexuais. Amigos como Vidal — que o encontrou de
novo, por acaso, em setembro do mesmo ano, em
Provincetown, “de noite na Atlantic House, muito à
vontade” — certamente sabiam, e também amigos próximos
de JFK, como Ben Bradlee, que assumiu que era “um
verdadeiro veado”. Será que JFK e Jackie também sabiam?
O sempre discreto Walton, que morreu em 1994, nunca
disse se revelou sua sexualidade ao casal. O filho de
Walton, Matthew, disse que “apostaria mil contra um que
não”. Mesmo assim, os três trocavam confidências de
caráter sexual, e Jack se sentia suficientemente à vontade
para pedir a Walton que trouxesse suas amantes nos
eventos da Casa Branca. Mesmo que JFK tenha sido
informado da vida secreta de seu amigo, ele claramente era
tão seguro de sua própria sexualidade que não se sentia
ameaçado por ele. De fato, como Walton comentou com
Vidal, ele parecia provocar a adoração tanto dos homens
como das mulheres.
Bobby, por sua vez, não compartilhava a eventual
perversidade polimorfa de seu irmão. Vidal, que manteve
uma querela bastante notória com RFK durante boa parte
dos anos 1960, pressentia um verdadeiro pânico dos
homossexuais no comportamento tenso e raivoso de Bobby
em relação a homens como ele. “Eu não suportava Bobby”,
disse Vidal anos depois, ao se lembrar da envenenada
relação dos dois. “Existem algumas aversões que afloram
nas pessoas. Com certeza aflorava em mim — e nele.” Vidal
achava que Bobby tinha a personalidade tosca de um
policial irlandês. “As duas pessoas que Bobby mais odiava
(uma verdadeira honra, já que Bobby odiava muitas
pessoas) eram... Jimmy Hoffa e eu”, observou o autor.
Apesar do cheiro de homofobia que chegava às narinas de
Vidal, Bobby nunca pareceu desconfiar de Walton.
Trabalharam em estreita colaboração durante a campanha
presidencial de 1960. “Bill era ouvido por todos — tinha
acesso direto a Jack e Bobby”, disse Justin Feldman, um
militante de Kennedy que havia colocado à disposição de
Walton um espaço no seu escritório de advocacia de Nova
York durante a campanha. “Eles confiavam totalmente nele.
Bobby falava com ele várias vezes por dia durante a
campanha. Os Kennedy lhe confiavam as tarefas mais
difíceis. Em determinado momento, Bobby não gostou das
histórias que vinham sendo escritas sobre Jack por um
repórter do New York Post. “Eu estava sentado com Walton
em nosso escritório quando Bobby entrou no viva-voz do
telefone para falar dessa situação. Bill lhe disse: ‘Missão
cumprida’. Bobby respondeu: ‘Como fez?’. Walton disse: ‘[O
repórter] está vindo trabalhar para nós. Você vai lhe pagar
mil dólares por semana’.”
Bobby, o motor da campanha de seu irmão, prezava acima
de tudo a lealdade à causa política de sua família. E sabia
que Walton era um profundo devoto. “Meu pai era uma
pessoa que acreditava”, lembrou-se Matthew Walton. “Você
pode chamá-lo de idealista no sentido de que ele não
ganhava nada com isso — certamente nenhum dinheiro. Ele
nunca acreditou de verdade em nenhum movimento político
antes de JFK.”
“Bill era desinteressado — ele não buscava sua própria
glória, nem estava querendo encher os próprios bolsos
como acontece hoje”, acrescentou Vidal. “Ele não queria
nada para si mesmo a não ser se divertir com a vida da
corte, o que ele conseguia fazer.”
Quando seu serviço para Jack inesperadamente acabou
em 22 de novembro de 1963, Walton ficou desamparado.
Ele estava saindo do saguão da Ala Oeste da Casa Branca
com Pat Moynihan, pouco tempo antes de a morte de JFK
ser anunciada, quando Moynihan apontou para a bandeira
da Casa Branca, que acabara de ser baixada: “Bill, você
precisa ver isso”. Bill visivelmente levou um golpe.
“Vamos sair da maneira que todos esperariam de nós”,
disse Walton, tentando se recompor. Mas não conseguiu.
Moynihan teve que ajudá-lo a entrar em um táxi no Portão
Nordeste.
Porém, ainda havia a família, Bobby e Jackie. E eles de
novo precisaram de Walton naquela semana, depois que ele
tivesse supervisionado um cerimonial de despedida
apropriado para seu amigo. Eles estavam prestes a
encarregá-lo de uma última tarefa confidencial. “Ele era
exatamente a pessoa que você escolheria para esse tipo de
missão”, disse Vidal.
 
Bill walton havia sido escolhido para ir até a União
Soviética no dia 22 de novembro, a pedido de JFK, para
ajudar a estabelecer um diálogo com artistas russos. A
missão de intercâmbio artístico fazia parte da campanha de
Kennedy pela paz, que estava ganhando destaque naquele
ano, junto com o eloquente discurso pela paz na
Universidade Americana, em junho, e o tratado de
proibição dos testes nucleares em agosto. Walton devia ir a
Leningrado e Moscou, onde ia supervisionar a abertura de
uma exposição de artes gráficas americanas para a Agência
de Informação dos Estados Unidos. Walton cancelou sua
viagem após saber o que havia acontecido em Dallas. Mas,
mais tarde, Bobby solicitou que ele fosse adiante com sua
viagem e que levasse uma mensagem secreta, dele e de
Jackie, para um contato confiável dentro do governo
soviético. No dia 29 de novembro, uma semana depois do
atentado, Walton embarcou em um voo da Pan Am para
Londres, e, depois de uma conexão em Helsinki, chegou a
Leningrado em um avião da Aeroflot, no dia seguinte. Após
visitar o Hermitage em Leningrado, Walton voou até
Moscou, onde ia passar as duas semanas seguintes.
Moscou estava presa em seu inverno de sempre, e Walton
lutava contra um resfriado daqueles, assoando o nariz em
um lenço vermelho enquanto, inesgotável, seguia sua
agenda lotada de compromissos. Na exposição USIA,
conversou com artistas russos, não somente os aprovados
pelo Estado, mas também os undergrounds, e foi visitar os
ateliês para conhecer melhor as obras. Foi a uma leitura de
poesia numa sala lotada, em que jovens fãs apaixonados
iam até o palco com perguntas escritas à mão, em pedaços
de papel, toda vez que um dos poetas encerrava seu recital.
“Os poetas de Moscou têm fãs tão devotas quanto as
garotinhas americanas que amam as estrelas de cinema”,
observou mais tarde Walton, perplexo. “Eles debatem o
relativo sucesso de seus heróis e heroínas.”
Walton também foi convidado a tomar chá com a sra.
Khruchov na Casa da Amizade, um clube patrocinado pelo
governo em que os dignitários estrangeiros eram
recebidos. A esposa do líder soviético conduziu
imediatamente a conversa para Jackie Kennedy, a qual ela
havia encontrado em Viena durante uma cúpula de 1961.
“Ela é tão forte e corajosa”, disse ela, com os olhos
marejados. Sinto pena dela e de seus dois filhos, que
provavelmente não se lembrarão do pai.”
Em todos os lugares que Walton visitou em Leningrado e
Moscou, as pessoas queriam falar de seu amigo falecido.
“Quando cheguei, ele havia morrido fazia uma semana”,
lembrou-se Walton mais tarde. “Os velhos e estoicos
burocratas enxugavam uma lágrima enquanto falavam
comigo. Em vários ateliês, os pintores respeitaram um
minuto de silêncio antes de começarmos a falar de artes.
Em uma casa, a cozinheira, aleijada pela idade, saiu da
cozinha claudicando com a ajuda de uma bengala e, com
lágrimas correndo pelo rosto, deu-me um buquê de flores
de papel para colocar sobre o túmulo de John Kennedy. A
emoção era tão genuína, o sentimento tão profundo, que
todo mundo se perguntava como esse jovem homem, em
sua curta presidência, havia conseguido alcançar o coração
das pessoas de um país tão distante.”
Os russos que Walton encontrou acreditavam que o jovem
presidente havia tentado aliviar o terror apocalíptico da
Guerra Fria. “Era um homem de paz.” Esse era o “epitáfio
universal para os seus amigos”, observou Walton enquanto
viajava pelo país que travava uma verdadeira competição
nuclear com os Estados Unidos.
“Eu pude ver que a morte do presidente Kennedy foi um
choque para a União Soviética, assim como para o resto do
mundo. Os dirigentes russos achavam que haviam
conseguido estabelecer relações pessoais com ele.
Insistiam em enfatizar que as conexões pessoais são bem
mais importantes que os incômodos contatos diplomáticos
entre grandes potências.”
Entre as pessoas com as quais Walton conversou sobre a
transformação radical do governo americano, estava o
jornalista soviético Aleksei Adjubei, genro de Khruchov.
Depois de três copos de chá quente para acalmar a
garganta e um conhaque, Walton tentou reassegurar ao
bem entrosado editor do jornal Izvéstia que os Estados
Unidos não haviam sido tomados por um “grupo
reacionário”. Ele declarou que o presidente Johnson “havia
manifestado um verdadeiro desejo” de continuar as
políticas de Kennedy. Walton deve ter “mordido a língua” ao
dar tanta segurança sobre as intenções de LBJ, como
observou mais tarde num relatório sobre o encontro, já que
“detestava” o novo presidente, e que o sentimento era
recíproco. Assim como Bobby, ele tinha calafrios ao pensar
que aquele texano agora ocupava o escritório de JFK.
Apesar do que dissera a Adjubei, com a ajuda do chá e do
conhaque, Bill Walton trazia uma mensagem secreta muito
mais preocupante para o governo soviético, que ele
entregou assim que chegou a Moscou. Bobby havia pedido
que Walton se encontrasse com Georgi Bolshakov, um
agente soviético que antes operara em Washington e por
meio do qual os Kennedy haviam enviado mensagens
confidenciais a Khruchov em momentos críticos de sua
administração, inclusive durante a Crise dos Mísseis
Cubanos. O alegre Bolshakov, homem rechonchudo e com
nariz de pugilista, era um visitante assíduo da casa de
Bobby na Virgínia e de sua espaçosa suíte no Departamento
de Justiça, acostumado a entrar no escritório do
procurador-geral sem ser previamente anunciado, e com a
diligente secretária de Kennedy, Angie Novello, correndo
freneticamente atrás dele. Ele era tão próximo dos círculos
de Kennedy que a Newsweek o apelidara de o “Russo da
Nova Fronteira”. Por trás, os oficiais de Washington
reprovavam a conexão entre os Kennedy e Bolshakov. Mas
isso não impedia Bobby de manter a relação.
“Uma vez, Bob quis convidar Georgi para uma festa com
membros do governo a bordo do iate presidencial, o
Sequoia”, lembrou-se James Symington, assistente
administrativo do procurador-geral, em uma entrevista
dada nos anos 2010. “Mas McCone, da CIA, disse: ‘Se ele
subir no barco, eu desço’. McCone estava assustado com a
ideia de algum agente soviético andando à toa por lá. Mas
Bobby não era tão preocupado. Ele não tinha ilusões em
relação a Bolshakov — aliás, em relação a ninguém. Sabia
perfeitamente o que Bolshakov era. Mas sabia também
como decifrá-lo. E que ele podia ser muito útil. Era
impossível que JFK e Khruchov falassem diretamente, mas
também era muito importante para os Kennedy que
tivessem um canal de retaguarda para se comunicar com o
Krêmlin.
Agora, Bobby estava usando mais uma vez Bolshakov para
levar uma mensagem secreta ao líder soviético. O
procurador-geral instruiu Walton para que fosse
diretamente ver Bolshakov em Moscou, antes mesmo de
tomar posse de seus aposentos na embaixada americana.
Bobby não queria que o novo embaixador americano, Foy
Kohler, que ele via como anti-Kennedy, soubesse do
encontro com Bolshakov. Kohler era um homem de linha
dura, que considerava Khruchov um homem mais perigoso
do que Stálin. “Ele me dava arrepios”, lembrou-se Bobby
mais tarde a respeito de Kohler, acrescentando que ele não
o via como alguém “que pudesse conseguir resolver algo
com os russos”. Kohler demostrava a mesma frieza em
relação a Kennedy. Durante a crise de Berlim de 1961,
quando Kohler era o oficial do Departamento de Estado
encarregado da União Soviética, ele se lembrou: “Bobby se
sentava do outro lado da mesa com aqueles olhos azuis,
como se quisesse dizer: ‘Seu filho da puta, se algum dia
abandonar meu irmão, lhe dou uma facada’”.
Walton entregou a notável mensagem a Bolshakov no
ornamentado restaurante Soviétskaia. O que ouviu deve
ter-lhe parecido uma versão russa de um perturbador
encontro que tivera com Bobby no ano anterior, em
Washington. Quando, em agosto de 1962, Bolshakov saiu
de um encontro com JFK na Casa Branca, em que recebera
o pedido de entregar uma mensagem conciliatória a
Khruchov, Bobby confrontou exaltadamente seu amigo
russo: “Droga, Georgi, será que o premiê Khruchov não
entende a posição do presidente? Cada passo que ele dá
para tentar encontrar Khruchov custa ao meu irmão um
tremendo esforço... Numa rajada de ódio cego, seus
inimigos podem ultrapassar qualquer limite, inclusive
matá-lo”.
Agora, em Moscou, o representante de Bobby Kennedy
estava relatando que os piores receios do procurador-geral
haviam se tornado reais. O que Walton contou a Bolshakov
durante o almoço no Soviétskaia deixou o russo atônito. Ele
disse que Bobby e Jackie acreditavam que o presidente
tivesse sido morto por uma ampla conspiração política.
“Talvez tenha sido apenas um assassino, mas este não agiu
sozinho”, disse Walton, entregando a mensagem dos
Kennedy. Havia outros por trás da arma de Lee Harvey
Oswald. Hoover havia dito a Bobby e Jackie que Oswald era
um agente comunista. Mas, apesar da suposta e
amplamente divulgada abjuração do assassinato em relação
à União Soviética e do estratagema destinado a dirigir suas
atenções para Fidel Castro, os Kennedy mostraram
claramente que não acreditavam que ele tivesse agido sob
ordem de estrangeiros. Estavam convencidos de que JFK
havia sido vítima de opositores americanos. E Walton disse
a Bolshakov que “Dallas era um lugar ideal para esse tipo
de crime”.
Apesar desse comentário provocante, o mensageiro de
Kennedy aparentemente não quis implicar o presidente
Johnson no crime. Mas compartilhava com Bolshakov o
franco sentimento de desdém dos Kennedy para com o
sucessor de JFK. Johnson era “um oportunista astuto” que
seria “incapaz de levar a cabo os planos de Kennedy”. Mais
interessado em negócios do que JFK, Johnson iria
certamente preencher seu governo com uma legião de
lobistas. A única esperança para relações pacíficas entre as
duas nações era Robert McNamara. Walton descreveu o
secretário da Defesa como um homem que “compartilhava
plenamente os pontos de vista do presidente Kennedy nos
assuntos de guerra e de paz”.
Então, Walton conversou sobre o futuro político de Bobby.
Este disse que planejava manter-se no cargo de
procurador-geral até o fim de 1964, e que então pensava
em se candidatar à eleição para o cargo de governador de
Massachusetts, uma ideia que Kennedy já havia sugerido
junto à imprensa. Ele utilizaria esse cargo como base
política para uma possível corrida à eleição presidencial. Se
conseguisse voltar à Casa Branca, retomaria o trabalho de
seu irmão em prol da détente com a União Soviética.
Walton acrescentou que alguns russos com os quais
conversara viam Bobby como um homem de linha mais
dura em relação a Moscou do que o presidente Kennedy.
“Isso não é verdade”, assegurou Walton a Bolshakov. O
irmão mais jovem podia ter uma aparência mais rígida que
JFK, reconheceu Walton. “Mas Robert concordava
totalmente com seu irmão e, mais importante, procurava
levar a cabo ativamente as ideias de John F. Kennedy.”
O extraordinário encontro entre Walton e Bolshakov foi
contado pela primeira vez em One Hell of a Gamble, livro
amplamente elogiado a respeito da Crise dos Mísseis
Cubanos, escrito em 1997 por Timothy Naftali, então
professor em Yale e hoje diretor da Richard Nixon
Presidential Library, e Aleksandr Fursenko, diretor do
Departamento de História da Academia de Ciências da
Rússia. Embora o livro em si — baseado em documentos
secretos de várias agências soviéticas e órgãos
governamentais, entre os quais o KGB e o Politburo —
tenha sido amplamente comentado em publicações como
The New York Times, Washington Post, Business Week,
Foreign Affairs, The Economist e The Nation, nenhuma
delas achou necessário destacar a incrível missão de
Walton a mando dos Kennedy, certamente uma das mais
surpreendentes revelações desse livro.
Evan Thomas, da Newsweek, um dos mais importantes
jornalistas de Washington, citou o livro a respeito da missão
de Moscou em sua biografia de Robert Kennedy, lançada
em 2000, apontando o dedo para Kennedy por causa desse
“irresponsável e potencialmente prejudicial ato de
diplomacia secreta”. Mas Thomas ignorou completamente a
parte mais incitante da mensagem de Kennedy — suas
considerações sobre o assassinato —, concentrando-se
apenas nos sentimentos anti-Johnson e nas ambições
políticas. A surpreendente mensagem secreta de Bobby
para Moscou, uma das informações mais relevantes que
hoje temos daqueles dias em relação ao que ele pensava
sobre o assassinato, desapareceu no buraco midiático
assim que se tornou pública.
Bolshakov não demorou a entregar a seus superiores do
GRU, agência de inteligência militar soviética, um relatório
sobre o que Walton lhe dissera. Isso com certeza aumentou
o desânimo no Krêmlin, onde o assassinato de Kennedy já
era visto como um retrocesso protagonizado pelos
membros linha-dura da segurança nacional americana em
relação à proposta de aproximação com os soviéticos
formulada por JFK. Quando Khruchov soube da morte de
Kennedy, desabou e chorou. “Ele andou de um lado para o
outro em seu escritório durante vários dias, como se
estivesse aturdido”, disse um oficial soviético a Pierre
Salinger.
A mensagem não oficial de Robert Kennedy a Moscou
depois do atentado de Dallas é uma incrível nota de rodapé
histórica. Afinal de contas, o homem que abriu sua alma
para os soviéticos naquela semana era o mesmo que havia
servido de conselheiro para o famoso senador
anticomunista do Wisconsin, Joe McCarthy. O homem que
levou sem trégua o governo a tentar derrubar Fidel Castro
e interromper o crescimento do comunismo na América
Latina. O homem tão fascinado pelas histórias de James
Bond — o agente implacável e supremamente elegante, que
desvendava as falcatruas soviéticas —, que escreveu cartas
de fã para o criador de Bond, Ian Fleming.
Assim como a de seu irmão, a opinião de Robert Kennedy
em relação à ameaça soviética havia se tornado mais
complexa com o decorrer do tempo e a maior experiência.
Mas a União Soviética ainda era seu inimigo mais temido,
contra a qual seu irmão havia lutado e investido no mundo
todo, de Berlim a Cuba e ao Sudeste Asiático. Todavia, o
chão sob os pés de Bobby Kennedy havia cedido naquele
dia 22 de novembro. Naquele momento, o mundo estava
profundamente diferente. Nessa semana, as linhas inimigas
não pareciam mais tão bem desenhadas. De repente, o
procurador-geral dos Estados Unidos viu o governo do
principal inimigo como menos estranho que seu próprio.
Tinha pressa em compartilhar suas mais sombrias
suspeitas com Moscou, fazendo questão de esconder essa
incrível comunicação da embaixada dos Estados Unidos na
URSS. O que ainda é mais notável do que o fato de
Kennedy ter-se engajado em um “irresponsável ato de
diplomacia secreta” é que esse homem tão intensamente
patriota, alguém que era um convicto anticomunista, tenha
sido levado a tal atitude.
Não há outra conclusão a se tirar. Nos dias que se
seguiram à sangrenta eliminação de seu irmão, Robert
Kennedy confiou mais no governo soviético do que naquele
ao qual servia.
Por que Kennedy se sentia tão afastado de seu próprio
governo a ponto de querer tomar uma atitude tão radical?
Para entendermos seu conspirativo modo de pensar nos
dias que se seguiram a Dallas, precisamos compreender as
engrenagens e tensões da administração Kennedy durante
os anos que antecederam o assassinato. O corpo de John F.
Kennedy mal havia sido enterrado quando seu governo
começou a ser envolto por um leve mito de Camelot. Anos
depois, esse mito seria retalhado pela lenda contraditória
de um monarca decadente, um líder sexualmente
desvairado e altamente medicado cujo temerário
comportamento pessoal pusera a nação em risco. Nenhuma
dessas versões traz a verdade essencial sobre a
administração de Kennedy. O que falta na ampla literatura
sobre aqueles anos — inclusive as biografias sentimentais,
os relatos revisionistas e os textos padrão — é um senso do
profundo tumulto que tomava conta do coração da
administração. O governo Kennedy travava uma guerra
consigo mesmo.
 
1 . International Brotherhood of Teamsters [Irmandade Internacional dos
Caminhoneiros], é o sindicado dessa categoria nos Estados Unidos e no
Canadá. [N. T.]
2 . Termo usado por John Kennedy na sua candidatura à eleição presidencial de
1960 e que se tornou slogan do Partido Democrata na campanha presidencial
e lema de sua administração. [N. T.]
3 . Comissão do Senado para o Crime Organizado. [N. T.]
4 . Office of Strategic Services [Agência de Serviços Estratégicos], nome do
serviço de inteligência dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra
Mundial, precursor da CIA. [N. T.]
5 . Agência vinculada ao governo dos Estados Unidos encarregada de conduzir
os processos eleitorais junto aos sindicatos e garantir o respeito à legislação
trabalhista americana. [N. T.]
6 . Apelido dado ao Pentágono, por causa de sua estrutura composta de cinco
anéis concêntricos. [N. T.]
7 . Os anos da administração Kennedy, o qual trouxe novos ideais e
reestruturou equipes tradicionais do funcionalismo norte-americano, foram
frequentemente associados à mítica corte do Rei Artur nos meios de
comunicação daquele país. [N. E.]
8 . “Syndicates” era como eram conhecidos os “sindicatos” do crime
organizado, espalhados por várias cidades importantes dos Estados Unidos
ao longo do século XX, ligados à Máfia e a outras organizações criminosas.
[N. T.]
9 . Pintura a óleo de 1851, de Emanuel Gottlieb Leutze (1816-68). [N. T.]
10 . Variante do futebol americano, em geral jogada por amadores. [N. T.]
 

2
1961

John Kennedy era assombrado pelo espectro de uma guerra


cataclísmica. Leitor ávido de livros de história desde a
infância, sabia perfeitamente que a Primeira Guerra
Mundial havia sido deflagrada pelas grandes potências e
que o conflito dizimou a flor da juventude da Europa,
deixando para a posteridade assustadoras imagens de
trincheiras lamacentas encharcadas de sangue e do ar
empesteado de morte. “Todas as guerras são estúpidas”,
escrevera do Pacífico para sua família em 1943, enquanto
participava da guerra seguinte, aquela à qual a Primeira
Guerra Mundial — que deveria ter posto fim a todas as
guerras — havia levado. A morte de Joe, seu irmão mais
velho, em uma violenta explosão sobre o canal da Mancha
durante uma missão suicida, fez que a família sentisse a
cruel realidade da época. “Ele era muito próximo do meu
irmão Joe, e essa perda foi arrasadora para ele, que ainda
viu o terrível impacto que ela teve sobre meu pai”, disse-me
Ted Kennedy. “Ele era uma pessoa muito diferente ao voltar
da guerra. Acho que isso o consumia por dentro.”
E, no entanto, na Guerra Fria vivia-se com a ameaça
constante de uma aniquilação instantânea, que confirmava
o absurdo máximo do conflito. Kennedy chegou a
considerar a guerra na era nuclear como algo impensável.
“Acredito que a principal razão que levou Kennedy a
concorrer à presidência foi que ele achava que toda
a política de retaliação massiva de Eisenhower-Dulles
levava o país a uma guerra nuclear”, disse Theodore
Sorensen, ao analisar, anos depois, já em seu escritório de
advocacia de Manhattan, a época em que convivera com
JFK. “A seu ver, a política de retaliação massiva — em que
supostamente mantínhamos a paz declarando que, se
alguém ultrapassasse a fronteira de Berlim Ocidental ou de
algum outro lugar, iríamos retaliar aniquilando-o com
armas nucleares — era uma loucura. Ele também sentia
que essa política não era crível e não barraria as pressões e
incursões soviéticas mundo afora.”
Contudo, John Kennedy não concorreu à Casa Branca em
1960, contra o carrancudo anticomunista Richard Nixon, na
qualidade de candidato da paz. Ele era politicamente hábil
demais para isso. Kennedy havia assistido às duas
arrasadoras derrotas do sério e bem intencionado Adlai
Stevenson, o candidato queridinho da ala mais liberal do
Partido Democrata, contra o herói de guerra republicano
Dwight Eisenhower. A partir da era McCarthy, os
candidatos republicanos que erguiam a bandeira dos
Estados Unidos haviam sistematicamente derrotado seus
oponentes democratas retratando-os como fracos
derrotistas sem pulso, incapazes de enfrentar os brutais e
implacáveis inimigos da nação (era uma fórmula política
arrebatadora que os republicanos utilizariam durante toda
a Guerra Fria e, mais tarde, reformulariam com sucesso,
pelo menos durante um tempo, na “guerra ao terror”).
Entretanto, John Kennedy não era nenhum Adlai Stevenson.
E a ala liberal do partido — presidida com majestade pela
venerada viúva ligada diretamente ao glorioso passado dos
democratas, Eleanor Roosevelt — o odiava por conta disso,
retratando Kennedy desdenhosamente como um homem
astuto e falso, uma “maravilha sem coragem”, segundo a
formulação amarga de Harry Truman. Não é sem razão que
a sra. Roosevelt se perguntava como o autor de Política e
coragem,1 um livro que exalta os líderes políticos que
colocam os princípios à frente dos próprios interesses,
pudera evitar enfrentar o macarthismo, a grande ameaça
da época contra a democracia americana. O jovem e
elegante senador podia ao menos “ter tido um pouco menos
de estilo e um pouco mais de coragem”, comentou ela de
forma mordaz.
Mas a família Kennedy não tinha interesse em se tornar
um bando de lindos perdedores como Stevenson, cujas
inevitáveis derrotas eram encaradas pelos liberais como a
confirmação de sua superioridade natural. A vitória sempre
fora a meta dos Kennedy, e eles sabiam como alcançá-la. Os
irmãos podem ter sido criados no conforto de Brahmin e
educados nas melhores escolas da Nova Inglaterra, mas,
quando se tratava do briguento mundo da política, eles
pareciam vir quase diretamente das tavernas irlandesas de
seus ancestrais.
Na corrida presidencial de 1960, John Kennedy enfrentou
o político mais astuto e traiçoeiro da cena nacional
americana pós-guerra, Richard Nixon. JFK o derrotou
usando suas mesmas armas, apossando-se do tema da
guerra que republicanos como Nixon costumavam usar
para derrotar os adversários democratas, utilizando-o
contra “Tricky Dick”.2 Kennedy calou Nixon ao falar mais e
com maior ênfase do que seu adversário sobre a corrida
armamentista nuclear e sobre Cuba, onde o governo
revolucionário de Fidel Castro estava rompendo por
completo com o domínio americano. Incentivado por seu
amigo de Georgetown, Joseph Alsop, um colunista de jornal
sindicalizado que mantinha estreitos laços com a CIA, JFK
convenceu os eleitores com a alarmante ideia de que os
Estados Unidos estavam atrasados em relação à União
Soviética no que dizia respeito à corrida nuclear. A
“vantagem em mísseis” acabou se tornando um mito, uma
criação de analistas da inteligência da Força Aérea e de
repórteres crédulos, como Kennedy seria finalmente
informado por um perito em armas do Pentágono, logo após
ter-se mudado para a Casa Branca. Durante a campanha,
porém, a crença na vantagem russa em número de mísseis
teve tanto êxito quanto o apelo para apoiar os
“combatentes pela liberdade” cubanos em sua cruzada
para a reconquista da ilha contra Castro, colocando Nixon
na defensiva.
Nixon sentiu-se especialmente pego de surpresa quando
Kennedy apoiou a libertação de Cuba, já que o vice-
presidente estava planejando fazer o mesmo, junto com a
CIA e um grupo de imigrantes cubanos. Como não podia
revelar o plano ultrassecreto, Nixon ficou calado durante o
quarto e último debate presidencial, quando Kennedy fez o
apelo pela libertação de Cuba. “Não tive outra escolha
senão tomar uma atitude totalmente contrária e criticar os
argumentos de Kennedy em prol da intervenção em Cuba”,
escreveu Nixon em sua biografia, em 1978. “Choquei e
decepcionei muitos dos meus eleitores... Naquele debate,
Kennedy transmitiu a impressão — para sessenta milhões
de pessoas — de que era mais inflexível do que eu em
relação a Castro e ao comunismo.” Nixon, mestre na arte
negra da política eleitoral, finalmente encontrara seu par.
Kennedy venceu Nixon por uma margem ínfima no dia da
eleição, mas os partidários liberais de JFK, como John
Kenneth Galbraith, o economista que havia sido professor
de Kennedy em Harvard e um conselheiro muito apreciado
durante a campanha, se preocupavam com os custos da
vitória, especialmente com a promessa de Kennedy de
ajudar a libertar Cuba. Os jornalistas e historiadores
discutiram amplamente o suposto acordo entre a família
Kennedy e a máfia de Chicago para obter votos nessa
cidade-chave. Mas nenhum pacto seria mais determinante
e mais custoso para Kennedy do que aquele que fez com
Vulcano, o deus do fogo e do metal. Ao invocar os deuses
das armas e da guerra, Kennedy conseguiu apagar a
imagem democrata da fraqueza, de Stevenson, e substituí-
la por uma nova e vigorosa musculatura. Porém, os
campeões da política externa agressiva, que haviam se
empolgado com a retórica militar de Kennedy, estavam
agora na expectativa de que o novo presidente agisse.
Enquanto Kennedy se preparava para tomar posse do
cargo, eles esperavam com ansiedade que o estoque de
armas americano aumentasse e que houvesse um
verdadeiro esforço para fazer recuar o comunismo em
Cuba.
Se o novo presidente havia se comprometido a aumentar
o arsenal nuclear americano, estava mais determinado
ainda a nunca usá-lo. Essa posição aparentemente
contraditória ficou bastante clara no vibrante discurso de
posse de Kennedy. A fala mostrava um homem com “um pé
na Guerra Fria e outro no novo mundo que ele
vislumbrava”, como Harris Wofford, assessor do novo
presidente, descreveu Kennedy. Com uma mensagem de
dois gumes, entre a vigilância belicosa e o idealismo
pacífico, o discurso apelava para um amplo espectro
político. Ao mesmo tempo que Kennedy jurava que a nação
“pagaria qualquer preço, suportaria qualquer fardo,
enfrentaria qualquer dificuldade, ajudaria qualquer amigo,
opor-se-ia a qualquer inimigo para assegurar a
sobrevivência e o êxito da liberdade”, também dispensava a
costumeira retórica ofensiva contra a União Soviética e
convidava o inimigo a se juntar aos Estados Unidos em uma
nova “busca da paz, antes que as negras forças da
destruição desencadeadas pela ciência levassem toda a
humanidade a uma autodestruição planejada ou acidental”.
Da mesma forma, ele propôs uma visão pós-colonial do
Terceiro Mundo, especialmente da América Latina,
segundo a qual os Estados Unidos ajudariam a “quebrar as
correntes da pobreza” em uma “aliança para o progresso”
— proposta imediatamente seguida por um recado velado
àqueles grupos revolucionários da região que almejavam
seguir o caminho de Castro, prometendo “opor-se à
agressão ou subversão em qualquer lugar das Américas”.
O discurso de posse foi um inspirado trabalho de
eloquência, cujo tom retórico teve êxito ao unir o
intervencionismo agressivo e as ambições humanitárias. Ao
se referir aos poderes ao mesmo tempo positivos e
negativos da natureza humana, foi saudado por todos,
desde Norman Thomas, à esquerda, até Barry Goldwater, à
direita. Apenas um discurso primorosamente escrito podia
empolgar tanto o poeta pacifista Robert Lowell, que havia
sido preso durante a Segunda Guerra Mundial por ser
objetor de consciência, até um dos leões mais ferozes dessa
guerra, o almirante Arleigh Burke. Após o discurso de
Kennedy, Lowell chegou a declarar sua alegria já que
“finalmente os godos haviam deixado a Casa Branca”. O
velho Burke “31-Nós”, o firme e temido chefe das
operações navais do presidente Eisenhower, e certamente
alguém que Lowell teria considerado um daqueles “godos”
— não ficou menos entusiasmado. “Eu estava lá [no
discurso de posse], junto com outros chefes [do Estado-
Maior], e nunca havia ouvido discurso melhor”, lembrar-se-
ia Burke mais tarde. “Pensei, ‘esse discurso é magnífico. É
a melhor exposição que já ouvi sobre a política em que
acredito’. Fiquei muito orgulhoso naquele momento.”
Quando Kennedy se aproximou do ponto culminante nesse
dia da posse — sem chapéu nem paletó no cortante e
luminoso ar invernal, aquecido apenas pela paixão contida
em suas palavras, ainda recentes demais para se tornarem
famosas (“e então, meus caros compatriotas: não
perguntem o que o país pode fazer por vocês...”) —, levou
consigo “boa parte da nação, através da barreira do tempo,
a entrar em uma nova década, e em uma nova era”,
segundo as palavras do autor Thurston Clarke. Empolgados
pela audaciosa poesia da visão apresentada por JFK
naquele dia, muito mais americanos do que aqueles que
haviam votado nele em novembro queriam agora segui-lo
rumo ao futuro.
Olhando para trás, Ted Sorensen, o principal colaborador
de Kennedy, não viu nada de contraditório nesse discurso
de posse. A seu ver, ele continha a fundamental filosofia
Kennedy de paz por meio da força. “No discurso de posse, a
frase mais importante não foi ‘não perguntem o que seu
país pode fazer por vocês’. E sim ‘apenas quando tivermos
armas em número suficiente além de qualquer dúvida é
que, além de qualquer dúvida, saberemos que com certeza
elas nunca serão utilizadas’. Em resumo, essa era a política
de Kennedy. Ele não era a favor do desarmamento
unilateral — pelo contrário, queria estabelecer uma
vantagem nuclear arrebatadora, de maneira que nunca
tivéssemos que usar essas armas, já que os soviéticos
nunca ousariam nos desafiar.”
 
Uma coisa é escrever um discurso que entremeie
engenhosamente visões opostas e una opiniões divergentes
em uma única explosão de aplauso. Outra coisa é governar
de forma consistente com base numa filosofia tão
delicadamente equilibrada. O mundo do poder tem um
modo de reduzir as sutilezas e complexidades ao seu menor
denominador comum. A experiência de Ted Sorensen no
primeiro ano de Kennedy na Casa Branca é muito
reveladora nesse sentido.
Sorensen era mais do que o homem que escrevia os
discursos do presidente — era um homem de grandes
virtudes. Ajudou Kennedy a ficar em contato com a
consciência liberal subjacente ao projeto político bem
elaborado do presidente. Sabia como se valer da sagaz
visão política de JFK para redigir seus discursos.
Contratado aos 25 anos para escrevê-los e aconselhar
Kennedy, então um político em ascensão que havia
ingressado no Senado em 1953, Sorensen logo aprendeu a
lidar com seu empregador e a canalizar seus pensamentos.
“Ted Sorensen está se tornando meu espelho, refletindo até
o que estou pensando”, disse Kennedy a seu velho amigo da
Marinha, Paul “Red” Fay. Durante a década que passaram
juntos, como diria Sorensen mais tarde, John F. Kennedy
“era a única pessoa com a qual eu me importava”. O
primeiro casamento de Sorensen se tornaria vítima de sua
devoção a Kennedy. Ele se separou de sua esposa Camellia
durante a campanha presidencial de 1960, e eles se
divorciaram em julho de 1963, após catorze anos casados.
Ainda ressentido com sua derrota, Nixon criticou a
eloquente parceria política dos dois homens em uma
entrevista à revista Redbook em junho de 1962, acusando
Kennedy de ser uma “marionete que apenas ecoava aquele
que escrevia seus discursos” durante a campanha de 1960.
“Para Kennedy, é mais fácil se levantar e ler os discursos de
Sorensen, mas não acredito que isso seja eficiente, a menos
que ele acredite de verdade no que está lendo.”
Jackie Kennedy — obrigada a ceder espaço para Sorensen
no tempo que costumava passar com seu marido,
principalmente durante a campanha de 1960 — tinha um
melhor entendimento da dinâmica que existia entre JFK e o
homem cerca de dez anos mais jovem. Longe de ser um
manipulador, o dedicado Sorensen era “sob certo aspecto
um garotinho”, que “quase se envaidecia ao falar com
Jack”, disse Jacqueline para um jornalista durante a
campanha, com maldisfarçado desdém. O próprio Nixon
era mais generoso em sua avaliação de Sorensen, ao dizer
para a Redbook que o assessor “tinha o raro dom de ser um
intelectual que pode perfeitamente transferir seu estilo
para outro intelectual” — um tipo de “abnegação
apaixonada”, segundo a sagaz descrição de Thurston
Clarke, que analisou as minúcias da relação de trabalho
entre os dois em seu Ask not, livro de 2004 sobre a posse
de JFK.
Os oponentes direitistas do presidente Kennedy, em busca
de vulnerabilidades durante o primeiro ano de seu governo,
pressentiram alguma fraqueza e certa exposição na
singular relação entre Kennedy e Sorensen. Este não era
como os turbulentos dirigentes políticos da máfia irlandesa
que cercavam Kennedy. O jovem e estudioso assistente, de
cabelo comprido e liso e óculos com armação de chifre,
representava o lado mais intelectual e idealístico do
presidente. Mais importante ainda, enquanto Kennedy
havia cria-
do uma personalidade política arrebatadora com a fama de
herói do torpedeiro PT-109,3 durante a Segunda Guerra
Mundial, Sorensen personificava os sentimentos antiguerra
que, segundo os inimigos de JFK, realmente dirigiam a
nova presidência, apesar de sua retórica de linha dura.
Para esses críticos conservadores, havia algo fraco e até
feminino nessa dupla de jovens bonitos com cara de
adolescentes e cabelos desgrenhados que havia tomado
posse do governo em lugar do confiável velho general que o
comandara antes. E, no final de 1961, esses críticos
concentraram sua atenção em Sorensen, a elegante voz do
governo, mostrando-o como o símbolo da fraqueza.
Ao contrário de Kennedy e de muitos de seus principais
colaboradores, Ted Sorensen nunca participara de guerras,
nem servira o Exército. Em 1948, fora registrado como
objetor de consciência, e mais tarde não participou da
Guerra da Coreia por ser pai de uma criança. “Eu não era
contra o serviço militar, era contra o fato de matar”, disse-
me Sorensen anos depois. “Não tenho certeza de que os
verdadeiros pacifistas me descrevam como um deles. Eu
queria arriscar minha vida [em um papel de não
combatente]. Acreditei e ainda acredito que existam
guerras justas. Acho que livrar o mundo de Hitler foi
justificado.”
Nascido em uma família protestante unitarista em
Lincoln, Nebraska, Sorensen crescera encarando a guerra
de forma muito cética. Seu pai, o combativo advogado e
político progressista C. A. Sorensen, viajara em 1916 no
Navio da Paz, de Henry Ford, até Estocolmo, tomando parte
da tentativa desesperada do pioneiro do automóvel de pôr
fim à guerra por meio de uma conferência de paz na
Europa. O advogado, que também defendia o movimento
das mulheres pelo direito ao voto, conheceu sua esposa,
uma judia russa chamada Anna Chaikin, ao representar a
enérgica jovem feminista contra as acusações de
radicalismo e pacifismo durante a Primeira Guerra
Mundial. O filho deles, Ted, encontraria sua primeira
esposa, Camellia, uma quacre4 que compartilhava a
filosofia antibelicista da família Sorensen, quando começou
a frequentar a igreja unitarista, já que não existia nenhuma
igreja dos Amigos em Lincoln.
Conhecendo a formação unitarista de Ted Sorensen e seu
passado de objetor de consciência, o presidente Kennedy
foi cuidadoso, mantendo-o longe das reuniões
extremamente tensas com os chefes do Estado-Maior, como
aquela que aconteceu na Casa Branca, no auge da Crise
dos Mísseis Cubanos. “Tenho certeza de que isso teria sido
visto por eles como uma provocação”, disse Sorensen,
divertindo-se hoje das polaridades com as quais JFK tinha
de lidar dentro de sua administração. “Não acredito que os
chefes tenham me encarado como um de seus defensores
mais fortes”, acrescentou rispidamente o ex-assessor.
Mas os opositores de Kennedy não deixariam que ele
mantivesse as crenças de Sorensen ocultas. Em setembro
de 1961, o pacifismo do assessor da Casa Branca viria a se
tornar público quando Walter Trohan, diretor do escritório
de Washington do jornal Chicago Tribune, um anti-Kennedy
notório, escreveu que “o homem junto à cadeira de balanço
do presidente Kennedy em um mundo [cheio] de tensões
bélicas escapou do serviço militar como objetor de
consciência”. O promissor futuro candidato republicano à
eleição presidencial, Barry Goldwater, logo transformou o
artigo do Tribune em questão política, incluindo-o no
“Congressional Record”5 com a seguinte anotação: “Não
posso deixar de me perguntar o que pensarão os pais e as
mães dos jovens americanos que agora mesmo estão sendo
chamados para o Exército ao saberem que um dos
assessores mais próximos do presidente foi objetor de
consciência”.
Hoje em dia, Sorensen insiste em dizer que Kennedy não
fez mais que descartar a controvérsia: “O presidente não
ficou nem um pouco aborrecido”. Contudo, tratava-se de
mais um fato desestabilizador em relação à nova
administração que inquietava os responsáveis pela
segurança nacional, os quais acreditavam que a defesa do
país lhes dizia respeito independentemente de quem
ocupasse o Salão Oval. Claro, eles conheciam a vergonhosa
atitude de conciliação de Joe Kennedy, o patriarca da
família, com os nazistas, e que tivera como consequência o
fim de seu exercício no posto de embaixador americano na
Inglaterra durante o governo Roosevelt, o que arruinara
seu futuro político. Agora, diziam que na Casa Branca seu
filho se cercava de homens vistos como conciliadores em
plena Guerra Fria. Desde o começo de sua administração, o
jovem presidente era visto com cautelosa suspeição pelos
adeptos da cultura belicista de Washington. Eles temiam
que JFK fosse um peso-leve que poderia pôr a nação em
risco, um homem física e moralmente comprometido, cuja
vitória havia sido comprada por um pai bandido.
Para esses homens, a vitória de Kennedy não havia sido
motivo de comemoração. Durante a cerimônia de posse,
enquanto esperavam por um almoço em homenagem a
Eisenhower no seleto F Street Club, um grupo de oficiais
militares do alto escalão, entre os quais o almirante Arthur
Radford, antigo diretor do Estado-Maior, ficou diante da
televisão com ar de gravidade enquanto o novo presidente
apelava à nação para segui-lo rumo ao futuro. Os militares
estavam menos interessados nas palavras inspiradoras de
Kennedy do que em sua testa, que suava abundantemente
no gélido ar invernal. “Está entupido de remédios!”, gritou
o general Howard Snyder, o recém-aposentado médico da
Casa Branca. Snyder, que tinha acesso aos registros do FBI
e do Serviço Secreto sobre Kennedy, disse a Radford que
Kennedy — que sofria da doença de Addison [insuficiência
adrenal crônica] — “precisava tomar uma injeção de
cortisona toda manhã para se manter operacional pelo
resto do dia”, e nesse dia especialmente estressante ele
tinha tomado uma dose complementar, o que explicava que
sua testa estivesse tão suada. Snyder lamentou em voz alta
que a nação estivesse sendo posta nas mãos de um homem
de físico tão debilitado: “Odeio pensar no que pode
acontecer com o país se, às três da manhã, Kennedy tiver
que tomar uma decisão de segurança nacional”.
Não demoraria muito para que Kennedy tivesse que
enfrentar a primeira crise dessa natureza em seu governo
— e a maneira como ele lidou com isso confirmou os piores
temores da elite militar a seu respeito.
 
Jack Kennedy e a Cia pareciam ter sido feitos um para o
outro. A bravura de capa e espada da agência de
espionagem combinava com a imaginação de fã de James
Bond do jovem presidente. Mas o interesse principal da
agência residia em sua promessa de alcançar objetivos
estratégicos de forma discreta e a baixo custo, sem
envolver a nação na violência rastejante e imprevisível de
uma guerra total.
Kennedy não tinha dificuldade em transitar pelo meio
social de Georgetown, e por entre os brilhantes jovens da
CIA educados em universidades da Ivy League.6 Joe Alsop
(Groton 1928, Harvard 1932) — que com sua singular
combinação de maneirismo decadente e machismo da
Guerra Fria presidia eventos em salões frequentados pela
elite da CIA — ajudou a pavimentar a entrada do jovem
político em ascensão nesse mundo. Entre as pessoas que
ele apresentou a Kennedy estava seu antigo amigo Richard
Bissell, de Groton, que havia sido arrancado da academia
pelo mestre em espionagem Allen Dulles e que mais tarde
seria treinado para ser seu sucessor. Alguns membros da
CIA eram cautelosos com Kennedy desde os tempos de
McCarthy, quando Jack enxergava as coisas de outro modo,
enquanto Bobby servia de conselheiro para o demagogo
senador, cuja caça às bruxas se tornara tão ardente que
suas chamas começaram a lamber a própria CIA,
ameaçando jovens idealistas brilhantes do alto escalão,
como Cord Meyer e William Bundy, até que Dulles
mandasse abertamente o embriagado político com sua
silhueta de filme de gângster deixar a agência em paz. O
desprezo WASP7 da agência pelo tosco irlandês católico
McCarthy, ávido por publicidade, ressoou no próprio
tratamento dado aos Kennedy pelo establishment
protestante. Mas Jack era esperto demais para revolver
antigos ressentimentos tribais enquanto traçava seu
caminho pela cultura da inteligência durante sua disputa
para a eleição presidencial.
Bissell era um homem alto, de óculos, cuja conduta
professoral compensava um caráter intransigente. Sua rica
família de Connecticut tinha raízes coloniais, e um de seus
ancestrais fora espião do general George Washington.
Assim como Dulles, que vinha de uma família de financistas
nacionais e internacionais, ele tinha um sentimento de
propriedade em relação aos Estados Unidos. Durante a
campanha de 1960, Bissell aprovou com entusiasmo a
posição agressiva de Kennedy em relação a política
internacional, vendo neste alguém cuja índole se
aparentava à sua própria — um líder jovem e brilhante que
não se satisfaria com o status quo global, mas procuraria
opor-se ao avanço do comunismo, não só agitando a
bandeira da ameaça nuclear, como Eisenhower, mas
também confrontando os soviéticos com uma variedade de
métodos antiguerrilha e de espionagem mais adaptados ao
mundo moderno. Ao encontrar Kennedy numa reunião
privada durante a campanha, Bissell, que ainda trabalhava
para o governo republicano, disse-lhe que não podia mudar
sua escolha para presidente, mas fez questão de mostrar
apoio a Kennedy.
O republicano Dulles, evitando seguir as agências de
apostas, votou em Nixon. Mas Nixon cultivaria um
profundo ressentimento contra a agência pelo resto da
vida, acreditando que o diretor da CIA havia secretamente
informado o opositor democrata sobre o plano da Baía dos
Porcos, o que teria dado vantagem a Kennedy no último
debate. Ele também suspeitava que a agência tivesse
favorecido a eleição de Kennedy ao adiar a invasão de Cuba
até depois da eleição, privando Nixon de uma surpresa em
outubro.
Depois da vitória de Kennedy, Bissell escreveu a um
amigo que tinha esperança no novo governo porque
“acredito que Kennedy esteja cercado por um grupo de
homens com consciência mais aguda do que os
republicanos na crise extrema que estamos vivendo... O
que quero realmente dizer é que os democratas serão
muito menos inibidos para tomar alguma atitude a respeito
disso. Aposto que Washington será um lugar mais animado
e interessante para morar e trabalhar”.
Dulles, ao contrário, não esperava uma mudança
significativa no seu papel com o governo Kennedy. O
mestre da espionagem e seu irmão caçula — o secretário
de Estado de Eisenhower, John Foster Dulles — haviam
dirigido amplamente a política externa dos Estados Unidos
durante os anos 1950. E ele esperava poder manter as
políticas da família junto ao inexperiente novo presidente.
O confidente de Kennedy, Bill Walton, ficou surpreso ao
ouvir Dulles declarar em voz alta seu sentimento de
propriedade durante um jantar na casa do jornalista Walter
Lippmann, logo após Kennedy ter tomado posse. “Depois do
jantar”, lembrou-se Walton, “os homens se reuniram,
seguindo um hábito antigo, e ele começou a alardear que
continuava encarregado da política externa de seu irmão
Foster. Ele disse ‘sabe, trata-se de uma política bem
melhor. É a que pretendo seguir’.” O leal Walton, que
detestava Dulles (o sentimento era recíproco), ligou para
seu amigo na Casa Branca de madrugada e repetiu a
Kennedy tudo o que o diretor da CIA dissera na noite
anterior. “Maldito!”, disse Kennedy, furioso. “Ele disse isso
mesmo?”
Para Dulles e Bissell, o mundo sob o governo Eisenhower
havia sido um parque de diversões da espionagem, e seus
agentes farreavam livremente do Irã à Guatemala, da
Indonésia ao Congo. Sob Kennedy, sua esplêndida
“macacada”8 — como eles próprios chamavam o golpe
militar de 1954, na Guatemala, que haviam planejado —
prometia se tornar ainda mais irrestrita. Ike fizera um
esforço para inibir Dulles e sua equipe durante seu
segundo mandato, mas ele finalmente lavou as mãos. “Não
serei capaz de mudar Allen”, reconheceu Eisenhower para
Gordon Gray, seu conselheiro de Segurança Nacional. Ele
aprendera a viver com um diretor da CIA que acreditava
que os “cavalheiros” da inteligência americana não eram
obrigados a seguir o mesmo código moral que os demais
mortais.
Dulles e Bissell foram incrivelmente desprovidos de
qualquer escrúpulo quando planejaram derrubar o governo
devidamente eleito do presidente Jacobo Árbenz, da
Guatemala, que era visto como esquerdista e hostil demais
ao reinado permanente da United Fruit, o colosso
corporativo representado pelo antigo escritório de
advocacia dos irmãos Dulles em Wall Street. Não só os dois
principais diretores da CIA transformaram o sucesso do
golpe em troféu, como, menos de três meses depois da
posse de Kennedy, persuadiram o novo presidente a
prosseguir com a operação contra Castro que havia sido
iniciada por Eisenhower no ano anterior.
Bissell, o principal arquiteto do golpe contra Árbenz,
reuniria os membros-chave de sua equipe da Guatemala
para a operação da Baía dos Porcos, inclusive Tracy
Barnes, David Atlee Phillips, Howard Hunt e David Sanchez
Morales. Entretanto, esses homens logo descobririam que
Cuba não era a Guatemala. A fracassada invasão da baía
levaria à queda do chefe da agência, Allen Dulles, e do
ambicioso homem designado para lhe suceder, Richard
Bissell. Esse seria o abrupto fim do romance de JFK com a
agência de espionagem, levando a uma explosiva oposição
entre os irmãos Kennedy e seu aparato de segurança
nacional.
Era a noite de terça-feira, 18 de abril de 1961, um dia
após cerca de 1.500 eLivross cubanos, treinados nos
Estados Unidos, desembarcarem na enluarada costa de sua
terra natal para combater Fidel Castro. Durante o dia, a
situação dos invasores era desesperadora, pois o que
sobrara da heterogênea força área de Castro controlava o
céu da baía dos Porcos, e a brigada dos eLivross estava
cercada pelo incansável fogo inimigo em Ciénaga de
Zapata, o grande pântano que envolvia o local do
desembarque, e cuja lama era infestada por crocodilos,
mosquitos e enormes e barulhentas moscas. Os
suprimentos e a munição dos brigadistas já eram escassos.
Ficava dramaticamente claro para os diretores da CIA em
Washington que a tentativa de libertação de Cuba estava a
poucas horas de uma esmagadora e vergonhosa derrota. O
clima em Quarters Eye, os antigos quartéis do Exército
próximos ao Lincoln Memorial que ainda serviam de sede à
CIA, era de desespero.
O conselheiro da Casa Branca, Walt Rostow, que havia
sido designado o homem linha-dura do governo contra as
insurreições no Terceiro Mundo, foi em seu Volkswagen até
a sede da CIA para averiguar a situação com Bissell, seu
antigo professor de Yale. Lá encontrou o inalterável bruxo
da espionagem exausto e com a barba por fazer, cercado
por inúmeros de seus homens consternados, vários deles
gritando e pedindo que Bissell fizesse algo mais para salvar
os corajosos cubanos que a CIA havia enviado para lutar.
“Precisamos convencer o presidente! O presidente tem que
enviar a Força Aérea”, argumentava um deles.
Kennedy havia deixado claro inúmeras vezes a Dulles e
Bissell que não envolveria toda a potência militar
americana na operação da Baía dos Porcos. Sabia que essa
demonstração de diplomacia à canhoneira destruiria seus
esforços para transformar a imagem dos Estados Unidos,
no hemisfério, de violentos imperialistas ianques em
benevolentes parceiros na reforma contida na nova
“aliança para o progresso” com que ele se comprometera
no seu discurso de posse. E temia que uma ação militar de
peso pudesse provocar uma perigosa resposta dos
soviéticos contra Berlim Ocidental. O presidente insistia
para que a invasão dos eLivross não gerasse muito
“barulho” — contenção que iria manter por todo o tempo
em que ficou no cargo, para a imensa frustração da CIA e
do Pentágono. Para garantir que a tropa de soldados
soubesse que não podia esperar o reforço da Marinha
americana, enviara um assessor militar aos campos de
treinamento da América Central para entregar diretamente
o recado. Kennedy — que estava intrigado com a lenda de
Fidel Castro, o único líder do hemisfério cujo carisma podia
rivalizar com o seu próprio — acreditava que os invasores
da Baía dos Porcos poderiam penetrar tranquilamente em
Cuba e começar a insurreição nas montanhas, da mesma
maneira que os revolucionários barbudos haviam feito
cinco anos antes. A perspectiva de que o próprio povo
cubano retomasse o país do ditador comunista era
preferível, na mente de Kennedy, a uma contrarrevolução
liderada pelas baionetas americanas.
Mas, naquela noite em Quarters Eye, Rostow entendeu
que Bissell e os demais homens da CIA nunca haviam
realmente acreditado que Kennedy fosse manter sua
decisão de comandar a intervenção americana. “Para eles,
era inconcebível que o presidente deixasse [a operação]
fracassar abertamente quando ele tinha toda a potência
americana”, escreveu Rostow mais tarde. No calor da
batalha, a CIA esperava que Kennedy recuasse e mandasse
a Força Aérea e as tropas. Percebendo que era a última
chance da agência de convencer Kennedy nesse sentido,
Rostow antecipou-se a Bissell na chegada à Casa Branca
para apresentar seu relatório diretamente ao presidente.
Rostow ligou para Kenny O’Donnell, que àquela altura
também entendia que a invasão “estava indo de mal a
pior”, e encontrando-o no Salão Oval agendou uma reunião
para a mesma noite.
Poucos minutos antes da meia-noite deu-se essa
extraordinária reunião. Kennedy, McNamara, o vice-
presidente Johnson e o secretário de Estado Dean Rusk
tinham acabado de chegar da Recepção Anual do
Congresso, na Sala Leste, e ainda vestiam smokings. A eles
se juntaram o general Lyman Lemnitzer, chefe do Estado-
Maior, e o almirante Burke, comandante da Marinha,
ambos de farda. Bissell apresentou à assembleia ali reunida
seus argumentos em prol da intervenção americana em tom
alarmante, “ciente do desespero daqueles cujas vidas
estavam correndo risco na linha de frente”, lembrou-se
mais tarde. A invasão estava “prestes a fracassar”, disse-
lhes, mas “ainda havia esperança”. Burke tinha a “mesma
opinião que eu”, lembrou-se Bissell. Ambos imploraram a
Kennedy que autorizasse a intervenção do Exército.
“Deixe-me pegar dois jatos para derrubar a força área
inimiga”, argumentou Burke.
Kennedy recusou. Lembrou-lhes que já os tinha avisado
“inúmeras vezes” que não enviaria as Forças Armadas
americanas para salvar a operação.
O presidente começava a perceber que seus principais
chefes militares e da inteligência não levavam muito a sério
suas instruções. Mais tarde, Kennedy viria a saber que a
operação da Baía dos Porcos havia sido minada por
comportamentos de insubordinação. Até o momento em
que finalmente aprovara a invasão, o presidente tinha
repetidamente enfatizado para Bissell que se reservava o
direito de abortar a operação. Mas Bissell havia mandado
um recado bastante diferente para os chefes militares da
brigada da Baía dos Porcos reunidos no campo de
treinamento da Guatemala. Foram todos informados de que
“havia forças no governo tentando bloquear a invasão” e
que, se essas forças tivessem êxito, os líderes das tropas
deviam se amotinar contra os assessores americanos e
prosseguir com a invasão. Esse surpreendente ato de
desconfiança da CIA provocaria a fúria pública quando
revelado mais tarde por Haynes Johnson no seu livro de
1964 sobre o evento. Burke, como foi revelado
ulteriormente, também havia mostrado sinais de
insubordinação no primeiro dia da invasão, “ignorando
suas ordens”, segundo a simpática descrição de um
cronista, e enviando o porta-aviões Essex e o porta-
helicópteros Boxer para perto da costa cubana, violando as
ordens de Kennedy de manter os navios americanos a
cinquenta milhas marítimas.
O contundente almirante ficou cada vez mais furioso ao
longo da reunião noturna na Casa Branca, à medida que
Kennedy descartava repetidamente seus pedidos e os de
Bissell. Por fim, Burke pediu um único contratorpedeiro,
para que pudesse “detonar os tanques de Castro”.
“E se as forças de Castro atirarem de volta e atingirem o
destróier?”, perguntou Kennedy com razão.
“Então, vamos acabar com eles!”, rugiu o almirante. O
homem que havia comandado o esquadrão de
contratorpedeiros no Pacífico Sul durante a Segunda
Guerra Mundial, e que ganhara fama com o apelido de
Burke “31-Nós” devido à sua velocidade e ousadia durante
a Batalha da Baía Imperatriz Augusta e a Batalha do Cabo
São Jorge, nas Ilhas Salomão, estava lidando com alguém
que tinha sido um jovem tenente e patrulheiro nos mesmos
mares — e o impetuoso comandante da Marinha ficou
escandalizado por se encontrar numa posição tão
vergonhosa.
Mas o jovem tenente agora era presidente, e não se
deixava intimidar com facilidade. “Burke, não quero que os
Estados Unidos se envolvam nisso”, respondeu
rispidamente Kennedy, que começava a perder a paciência.
“Droga, senhor presidente”, respondeu o comandante da
Marinha em voz alta, “mas, já estamos envolvidos!”. Burke
queria se mostrar “tão forte quanto podia ao falar com o
presidente”, lembraria mais tarde. Mas Kennedy estava
irredutível.
Quando a reunião finalmente se encerrou, pouco antes
das três horas da manhã, o presidente havia mantido sua
decisão de deixar as forças americanas fora da Baía dos
Porcos, e a missão conheceu um trágico fim mais tarde, no
mesmo dia, quando mais de duzentos invasores foram
mortos e quase 1.200, capturados e levados para as prisões
de Castro. Os chefes do Exército e da inteligência do país
haviam claramente acreditado que podiam convencer o
jovem e ainda inexperiente comandante em chefe a entrar
na batalha. Mas ele os surpreendera se recusando a
agravar o conflito.
“Tinham certeza de que eu ia ceder e dar ordem ao Essex
de seguir adiante”, disse Kennedy a Dave Powers. “Eles não
podiam acreditar que um presidente novo como eu não
entraria em pânico e tentaria se safar. Bem, eles acabaram
me julgando de forma totalmente errada.”
O que JFK suspeitava a respeito da CIA — que a agência,
havia muito tempo, sabia que seu plano só podia fracassar,
a não ser que Kennedy ficasse tão apavorado que
resolvesse enviar as Forças Armadas americanas no último
momento — foi confirmado anos depois. Em 2005, uma
história secreta da CIA sobre a Baía dos Porcos finalmente
se tornou pública. O documento de trezentas páginas
continha provas de que Bissell escondeu de Kennedy a
possibilidade de fracasso quando o informou rapidamente
sobre a operação pela primeira vez depois da eleição de
JFK. A história interna se referia a um relatório da CIA
datado de 15 de novembro de 1960, que foi preparado para
Bissell antes dessa reunião com o então novo presidente.
Nele, a agência reconhecia que “nosso conceito... para
proteger uma praia com pista de aterrisagem agora é visto
como irrealizável, exceto se houver uma ação conjunta
Agência/DOD [CIA/Pentágono]”. Em outras palavras, “a CIA
sabia que não poderia realizar esse tipo de missão dita
paramilitar sem a participação direta do Pentágono — e
reconheceu isso por escrito, seguindo adiante, mesmo
assim, a qualquer custo”, explicou Peter Kornbluh, do
Arquivo de Segurança Nacional, grupo de pesquisa da
Universidade George Washington que tornou público o
documento da CIA. Além do mais, não existem provas de
que Bissell tenha informado Kennedy da avaliação sombria
da CIA.
Sabe-se hoje, também, que a CIA resolveu prosseguir na
missão fadada ao fracasso mesmo depois de descobrir que
o segredo de uma invasão clandestina tinha sido revelado.
Um dos planejadores-chave da agência para a operação,
Jacob Esterline, mais tarde admitiu para um grupo de
representantes do governo que a CIA descobrira de
antemão que a inteligência soviética havia sido informada
do plano. “Havia indícios de que os soviéticos, perto do dia
9 [de abril], tinham obtido a data do dia 17”, disse
Esterline, em um testemunho secreto, revelado mais tarde
pelo incansável Arquivo Nacional de Segurança.
Charles Bartlett, o correspondente em Washington do
Chattanooga Times e velho amigo de Kennedy, que
apresentara JFK à sua futura esposa durante um jantar em
1951, também soube de antemão da invasão — e não por
seu amigo da Casa Branca, mas pelo antigo lobista de
Castro em Washington, Ernesto Betancourt. “Ele veio me
ver poucas semanas depois de Kennedy ter tomado posse”,
lembrou-se Bartlett anos depois. “E então disse: ‘A CIA está
prestes a cometer um grande erro. Coisas terríveis estão
para acontecer, e Castro está a par de tudo’. Eu estava
passando perto do Salão Oval, mais tarde, e teria sido fácil
informar Jack. Mas imaginei que ele tivesse todos aqueles
compromissos urgentes e que não devia sobrecarregá-lo
com mais um. Então levei a informação a Allen Dulles. Foi a
coisa mais idiota que já fiz. Ele estava sentado no seu
escritório na CIA, fumando cachimbo. E disse: ‘Ah, não sei
nada a respeito disso. Vou verificar e então ligarei para
você’. Então, recebi uma ligação cerca de cinco dias depois,
mas nessa altura os barcos já estavam se aproximando da
costa. Falar com Dulles foi verdadeiramente um erro.”
Era óbvio que Dulles não se preocupava com o fato de
Castro e seus patrões soviéticos saberem que estava se
preparando uma invasão, porque sua agência via o grupo
de eLivross cubanos que estava prestes a alcançar as
praias como mera bucha de canhão, um ardil para
desencadear a verdadeira invasão pelo Exército dos
Estados Unidos — aquela que seria tão arrebatadora que
varreria rapidamente toda e qualquer resistência. Quando
seu cálculo cínico fracassou, levado a um curto-circuito
pela surpreendente resolução de Kennedy, Dulles e o alto
comando da CIA ficaram atônitos. Durante anos eles
haviam ditado as regras em Washington, quando os irmãos
Dulles dirigiam o governo como uma empresa familiar, e a
agência secreta enganava e manipulava o presidente
Eisenhower sob o pretexto de que os perigosos tempos da
Guerra Fria requeriam medidas drásticas. Mas agora o
novo presidente mostrava que esses dias eram coisa do
passado.
Dulles acreditava que “grandes ações exigem grande
determinação” e que, “no momento decisivo da operação
da Baía dos Porcos”, Kennedy mostrou que lhe faltava
liderança. Ele achava que Kennedy “era cercado por
homens hesitantes e admiradores de Castro”. Na noite em
que a invasão fracassou, jantando com Richard Nixon — o
homem que havia supervisionado o plano na qualidade de
vice-presidente —, um Dulles visivelmente consternado
pediu uma bebida, exclamando para Nixon: “Este é o pior
dia da minha vida!”. Nixon concordou com o fato de que
Kennedy se amedrontara quando se recusou a enviar os
aviões de guerra americanos para proteger a invasão. Essa
queixa relativa à falta de proteção aérea se tornaria o foco
das críticas contra Kennedy durante as décadas seguintes.
Eles estavam convencidos de que os ataques aéreos teriam
garantido a vitória dos supostos libertadores de Cuba.
Assim como Bissell, o arquiteto principal da operação da
Baía dos Porcos se manteria calado sobre o desastre até
pouco antes de morrer, em 1994. Em sua última entrevista,
o antigo queridinho da CIA, cuja brilhante carreira na
inteligência acabaria no pântano de Zapata, fez um
estranho e surpreendente comentário a respeito de seu
antigo patrão da Casa Branca: “Eu devo ter sido
conquistado pelo carisma de Kennedy. Ele era uma mescla
tão complexa de realizações e enganos que, quando
morreu, meus filhos não sabiam se deviam rir ou chorar”.
A catástrofe da Baía dos Porcos provocou ondas de
choque por toda a agência, especialmente entre aqueles
que haviam trabalhado em estreita colaboração com os
cubanos emigrados na operação. Os homens da CIA
murmuravam sombriamente entre si que Kennedy era
culpado de “negligência criminosa” ou coisas até piores.
Anos depois, o agente da inteligência que atuava às
sombras, e a quem a CIA pedira para servir de
intermediário junto à Máfia nos planos para matar Castro,
testemunharia com amargura perante a Comissão Church
que os crimes mais sangrentos em toda a saga de Cuba não
tinham sido aqueles cometidos pela Máfia ou por agentes
da CIA, mas os do presidente Kennedy. “Acho que cutuquei
a ferida. Eu disse algo do tipo: ‘Senador, acho difícil
entender todo o tempo e dinheiro gastos para determinar
se nosso país planejou matar um líder estrangeiro — um
assassinato que nunca seria executado —, quando não há
[esforço] para focar os assassinatos que de fato
aconteceram”, lembrou-se Maheu em suas memórias.
“Posso lhe garantir que todo mundo pulou da cadeira.”
“Está dizendo que de fato houve assassinatos?”,
perguntou Church.
“Eu disse: ‘sim’, mas minha explicação não era
exatamente o que ele esperava. Os assassinatos aos quais
eu me referia eram os dos garotos mortos durante a
sabotada invasão da Baía dos Porcos.”
Uma exasperação anti-Kennedy se alastrou entre os
eLivross a partir de seus agentes da CIA, como Howard
Hunt. Na noite em que Kennedy foi eleito, “o barrio cubano
de Miami foi tomado pela alegria”, escreveu Hunt em sua
biografia de 1973, já que a retórica da campanha de JFK
havia trazido boas expectativas em relação à possibilidade
de derrubar Castro. Mas, depois da Baía dos Porcos, o ódio
a Kennedy tomou conta de Little Havana nas mesmas
proporções. Agora, os Estados Unidos tinham uma dívida
de sangue para com o povo cubano “tão enorme que nunca
poderia ser quitada”, declarou Hunt. O capitão Eduardo
Ferrer, que liderou a força aérea dos eLivross, explicou sem
rodeios a reviravolta da opinião a respeito de Kennedy: “O
fracasso [da Baía dos Porcos] foi culpa de Kennedy.
Kennedy era um tanto imaturo, um tanto poltrão. Hoje,
noventa por cento dos cubanos são republicanos por causa
de Kennedy, esse filho da mãe”.
O desastre da Baía dos Porcos também teve grande
impacto no Pentágono, em que as hesitações de Kennedy
foram vistas como um perigoso sinal enviado a Moscou da
fraqueza dos Estados Unidos. “Uma puxada de tapete”,
disse o general Lemnitzer, chefe do Estado-Maior, algo
“inacreditável... totalmente repreensível, quase criminoso”.
O general Lauris Norstad, comandante supremo das Forças
Aliadas na Europa, disse a um amigo que a invasão
fracassada havia sido a pior derrota americana “desde a
guerra de 1812”.
“O grande erro foi que eles não entenderam a tremenda
importância da operação nem os efeitos que teria sobre o
mundo”, disse o almirante Burke, em uma palestra no
Naval Institute,
mais de uma década depois, ainda furioso com Kennedy e
seu grupo de civis. “Eles não entenderam o poder dos
Estados Unidos e não souberam usá-lo. Para eles, tratava-
se de um jogo... eram pessoas inexperientes.”
“O senhor Kennedy”, acrescentou Burke, “era um
presidente muito ruim... Ele se deu o direito de pôr em
perigo a nação.”
O céu caiu sobre o governo Kennedy depois da crise
cubana e nunca mais se firmou. Cuba foi o Iraque daquela
época, nada mais que uma faixa de cana-de-açúcar
flutuando no Caribe, mas, para a elite da segurança
nacional que determinava tais coisas, era onde as forças do
bem e do mal se organizavam umas contra as outras, o
epicentro de uma batalha que logo chegaria a um clímax
literalmente apocalíptico. E em seu primeiro teste de
confrontação suprema, Kennedy foi julgado pelos chefes do
Exército e da inteligência como um elo fraco no topo da
cadeia de comando. Ele nunca conseguiria reconquistar
totalmente a confiança e lealdade deles.
 
O presidente Kennedy, por sua vez, sentia-se igualmente
distante de sua equipe de segurança nacional depois da
Baía dos Porcos. “Tenho que fazer algo a respeito desses
filhos da mãe da CIA”, disse, furioso. Ele também invectivou
os chefes do Estado-Maior, que, com suas fileiras de fitas
coloridas, se vangloriavam de toda a experiência militar:
“Aqueles filhos da puta, com toda aquela salada de frutas,
ficam aí sentados, acenando com a cabeça e dizendo o que
deveria dar certo”. Enquanto o presidente notoriamente
assumia a responsabilidade da debacle em público, os
chefes da CIA e do Pentágono sabiam que, em particular,
ele espalhava que eles eram os culpados. Ele disse a
assessores liberais, como Arthur Schlesinger Jr., que nunca
mais seria “intimidado por conselhos de militares”.
Semanas após o fiasco, enquanto jogava xadrez na
propriedade de sua família em Cape Cod com seu amigo
Red Fay, da Segunda Guerra Mundial, ao qual havia dado o
cargo de assistente do secretário da Marinha, Kennedy
ainda estava possesso. “Ninguém vai me obrigar a fazer
coisas que, a meu ver, não servem aos melhores interesses
do país”, disse ele, referindo-se às enormes pressões que
havia sofrido para intensificar a luta na Baía dos Porcos.
“Não vamos mergulhar em uma ação irresponsável apenas
porque um bando de fanáticos deste país coloca o suposto
orgulho nacional acima da razão nacional.”
Kennedy ficou ainda mais exaltado ao pensar na
carnificina que teria resultado de um ataque global do
Exército americano à ilha. “Você acha que vou carregar na
consciência a responsabilidade pela carnificina gratuita e
pelo assassinato de crianças iguais às nossas que vimos
[brincar] aqui esta noite? Você acha que vou provocar uma
troca de ataques nucleares — para quê? Porque fui
obrigado a fazer algo que não acreditava que fosse
adequado e justo? Bem, quem achar que sou assim, seja
você ou qualquer um, é louco.”
Em sua fúria, Kennedy ameaçou “quebrar a CIA em
milhares de pedaços e espalhá-los ao vento”. Ele não levou
adiante essa promessa, porém, após respeitar um intervalo
político, finalmente demitiu Dulles e Bissell. E logo depois
do fiasco de Cuba, quando os chefes do Estado-Maior o
pressionaram para responder ao avanço dos rebeldes
comunistas no Laos mediante a invasão do longínquo país
do Sudeste Asiático, o presidente não hesitou em rejeitar
esse conselho. “Depois da Baía dos Porcos, Kennedy sentia
desdém pelos chefes do Estado-Maior”, lembrou
Schlesinger antes de morrer, no começo de 2007, tomando
um drinque nos calmos e imponentes salões do New York’s
Century Club. “Lembro-me de ter entrado no escritório
dele no verão de 1961, onde ele me mostrou algumas
mensagens que recebera do general Lemnitzer, que na
época se encontrava no Laos, em uma viagem de inspeção.
E Kennedy disse: ‘Se não fosse pela Baía dos Porcos, eu
poderia ter ficado impressionado com isso’. Acredito que o
estatuto de herói de guerra de JFK lhe permitiu desafiar os
chefes do Estado-Maior. Ele os demitiu como a um bando
de velhos. Achava Lemnitzer um imbecil.”
Mas Kennedy estava absolutamente ciente dos
formidáveis poderes institucionais aos quais se opunha.
Enquanto ainda se recuperava da Baía dos Porcos, o
presidente levou suas preocupações a um velho amigo da
família, William O. Douglas, um membro liberal da
Suprema Corte. “O episódio o atordoava”, disse Douglas,
lembrando-se da conversa. “Ele tinha experimentado o
poder extremo desses grupos, as diferentes e insidiosas
influências da CIA e do Pentágono sobre a política civil, e
acredito que isso tenha despertado em sua mente o
seguinte espectro: será que Jack Kennedy, presidente dos
Estados Unidos, é forte o suficiente para de fato comandar
essas duas poderosas agências? Acredito que isso tenha
tido um efeito profundo... de fazê-lo acordar!”
Já que havia vencido a corrida à Casa Branca por uma
margem mínima, Kennedy pensava que seria politicamente
sensato manter em seu governo alguns ícones da era
Eisenhower, como Dulles, embora amigos como o jornalista
Ben Bradlee o aconselhassem a substituir o veterano
“chefão da inteligência americana”. No caso de Dulles, sua
permanência também pode ter sido uma recompensa por
sua discreta — e astuta — assistência política na campanha
de Kennedy. JFK “sucedeu no governo ao presidente
Eisenhower, um grande general, uma grande figura
militar... e manteve as mesmas pessoas que Eisenhower
escolhera para os cargos-chave”, lembrou-se Bobby
Kennedy, numa palestra de 1964. “Allen Dulles estava lá,
Lemnitzer estava lá, os mesmos chefes do Estado-Maior.
Ele não tentou remover nenhuma dessas pessoas... Tinham
experiência; tinham passado; obviamente, haviam
conquistado a confiança do seu predecessor. Então, achou
que podia confiar neles.”
Mas, quando entendeu que não era bem assim, Kennedy
deu um jeito de se livrar da velha guarda ou colocá-la de
lado. Depois do cataclismo de Cuba, JFK se afastou desses
“sábios” da segurança nacional e começou a se cercar de
assessores pessoais mais confiáveis, homens que haviam
lutado com ele nas trincheiras políticas e eram conhecidos
por sua intensa lealdade, assim como por sua paixão
liberal: Sorensen, O’Donnell, Salinger, Schlesinger,
Galbraith. Ele pediu a Sorensen que passasse a aconselhá-
lo sobre política internacional, embora o jovem assistente
nunca tivesse viajado para além das fronteiras do país.
Acima de tudo, o presidente se voltou para seu irmão. Na
manhã em que a missão em Cuba começou a fracassar,
John procurou Bobby na convenção dos editores de jornal
em Williamsburg, Virgínia, onde ia discursar, pedindo-lhe
com ar de urgência: “Volte para cá”. Assim como Sorensen,
Bobby não tinha experiência em política internacional, mas
se infiltraria no coração das resoluções acerca de
segurança nacional pelo resto da presidência de seu irmão.
Kennedy ofereceu ao irmão caçula a CIA, mas Bobby achou
que era um erro político. Contudo, ao mesmo tempo que
rejeitava o cargo de diretor da CIA, o procurador-geral
começou a se encarregar da supervisão da agência para
seu irmão. Nessa conjuntura, parecia que JFK estava
prestes a encarregar Bobby de todas as partes vitais de seu
governo, caso isso fosse possível.
Foi nesse ponto que a administração Kennedy começou a
se tornar “um negócio de família”, nas próprias palavras de
Peter Dale Scott, professor de Berkeley, com os dois
Kennedy no centro, cercados por um pequeno grupo de
homens que se consideravam seus irmãos de armas.
“Kennedy não conseguia penetrar na CIA, no Pentágono,
nem mesmo no Departamento de Estado. Em Washington,
não havia quase nenhum apoio às políticas dele. A
burocracia estava muito comprometida com a Guerra Fria”,
observou Scott.
Essa estreita relação fortaleceu os irmãos, gerando neles
a confiança de que podiam enfrentar um governo que, em
vários aspectos, mostrava-se hostil a seus planos. “Eram
totalmente leais um com o outro”, lembrou-se Fred Dutton,
que exerceu a função de secretário do gabinete de
Kennedy, em uma entrevista em 2005, pouco antes de
falecer. “Quase não precisavam se falar, pareciam saber o
que o outro estava pensando e fazendo. O único foco de
Bob era garantir que tudo funcionasse para seu irmão. Ele
lhe deu tudo. Encarregou-se de todas as tarefas
desagradáveis para Jack... Bob não se importava em lidar
com as intercorrências para seu irmão, encarregando-se
dos problemas. Ele queria ser o vilão.”
Os membros do gabinete sentiam-se excluídos dos
conciliábulos fraternais que não raro substituíam as
discussões formais, afirmou Dutton. “Os dois geralmente
tinham reuniões a sós, afastando-se para um canto da sala,
longe do resto do gabinete e da equipe. Durante uma crise
como a da Baía dos Porcos, você podia vê-los conversando
num canto. Existia um nível de entrosamento entre eles que
excluía até os principais colaboradores.”
No começo, Bobby trouxe uma energia de militante aos
conselhos sobre política internacional, especialmente nos
relativos a Cuba, uma demonstração de seu anticomunismo
juvenil e de seu profundo ressentimento contra a
humilhação que seu irmão sofrera nas mãos de Castro.
Uma análise retrospectiva do governo sobre a Baía dos
Porcos que Bobby elaborou com o general Maxwell Taylor
no final da primavera de 1961 afirmava que não era mais
possível “conviver a longo prazo com Castro como vizinho”,
e Bobby exigiu, em reuniões sobre Cuba, que se invocasse
o “terror do mundo” contra o ditador. Mas, com o correr do
tempo, ele acabaria por se deixar influenciar pela
personalidade e a filosofia mais temperada de seu irmão.
John Kennedy era mais visceralmente oposto à guerra do
que se reconhecia em alguns meios, em que ainda era
retratado como um veemente defensor da Guerra Fria, e
até como um precursor de Ronald Reagan. “Sou quase um
presidente da paz a qualquer preço”, confiou um dia a Bill
Walton.
“[JFK] trouxe à presidência um conhecimento da história
que muitos presidentes não tinham ao se tornar
presidentes”, lembrou-se Robert McNamara durante uma
retrospectiva do quadragésimo aniversário da
administração na Biblioteca Kennedy. “E acho que seu
ponto de vista era de que... a primeira responsabilidade do
presidente consiste em manter a nação fora da guerra na
medida do possível.”
Ainda que entre os conselheiros de política internacional
de Kennedy houvesse belicistas como Dean Acheson e Paul
Nitze, o que distinguia sua presidência de governos
anteriores à Guerra Fria era a surpreendente presença de
pacifistas como Sorensen e visionários globais como
Chester Bowles, que preconizava o alinhamento dos
Estados Unidos com o nacionalismo revolucionário que
varria o mundo em desenvolvimento. E era com essas vozes
de paz e progresso que JFK parecia estar mais sintonizado,
como Acheson descobriu durante a Crise de Berlim de
1961, quando o presidente rejeitou seus conselhos bélicos,
levando o velho e bigodudo secretário de Estado de Truman
a fazer comentários críticos: “Cavalheiros, vocês devem
encarar o fato. Esta nação está sem liderança”.
Depois que Bowles, um patrício liberal da ala Stevenson
do partido, tornou-se o número dois no Departamento de
Estado, não perdeu tempo e logo recrutou homens que
acreditavam em uma política internacional inovadora, entre
os quais o lendário jornalista da CBS Edward R. Murrow,
além de George Kennan e Roger Hilsman.
A onda de políticos progressistas que a nova administração
Kennedy trouxe a Washington abalou os centuriões da
velha ordem. J. Edgar Hoover tentou a qualquer custo
bloquear a nomeação de Murrow como chefe da Agência de
Informação dos Estados Unidos, remexendo até sua
infância para encontrar provas de subversão contra o
jornalista de televisão, que se opusera ao chefe do FBI em
seus programas televisivos, criticando os excessos do
anticomunismo de Joe McCarthy. Mas, finalmente, Murrow
foi confirmado pelo Senado, e com o apoio de Kennedy ele
logo começou a limpar a agência de sua propaganda linha-
dura da Guerra Fria e a reabilitar vítimas da lista negra da
era McCarthy, contratando-as para sua agência.
Conforme o que Murrow disse aos senadores durante seu
discurso de posse, a mensagem fundamental que Kennedy
queria passar ao mundo era de que “nós, como nação, não
somos alérgicos a mudanças e não temos nenhum desejo de
consagrar o status quo”. Quando o velho aliado de
McCarthy no senado, Bourke Hickenlooper, de Iowa,
apresentou os difamatórios documentários da CBS sobre
Murrow e perguntou por que não podíamos seguir o
exemplo soviético e tornar nossa propaganda mais atual, o
jornalista, embora conseguindo se controlar, retrucou:
“Porque vivemos numa sociedade livre e não poderíamos
convincentemente ‘contar a história americana’ se
escondêssemos todas as suas falhas”.
Para sua grande decepção, Murrow nunca se tornaria
mais do que um assessor de segundo escalão de Kennedy.
Mas o presidente ainda levava em conta a opinião dele nas
reuniões do Conselho de Segurança, onde era considerado
um aliado de JFK para se contrapor às propostas mais
alarmistas dos militares. Seus conselhos sobre a Baía dos
Porcos — ele fora um dos raros no círculo de Kennedy a
opor-se à operação, declarando que a missão era indigna
de uma grande potência e destinada a falhar — foram em
vão. Mas Kennedy se assegurou de que sua voz fosse
ouvida em outros assuntos, desde o controle de armas
nucleares até o Vietnã. O jovem franco-atirador da política
internacional Roger Hilsman considerava-o um “aliado
constante” no movimento que existia, dentro do governo de
Kennedy, para tirar a política dos Estados Unidos de sua
regimentada linha da Guerra Fria.
Nunca antes na Guerra Fria os corredores do poder de
Washington haviam visto homens como Sorensen, Bowles e
Murrow. A presença deles nas altas reuniões nacionais
sobre segurança, junto com o irmão boa-pinta do
presidente, era vista como uma afronta pelos chefes do
Exército e da espionagem, que se orgulhavam de terem
vencido uma guerra global contra as ditaduras fascistas e
agora estavam perseguindo uma vitória na Guerra Fria
contra as ditaduras comunistas. A elite da segurança
nacional via os reformadores de Kennedy como intrusos
inexperientes que não tinham o mesmo conhecimento que
eles da arena extremamente séria das hostilidades globais.
Um dos cruzados liberais da equipe Kennedy que atraía
as maiores suspeitas era Richard Goodwin, assessor da
Casa Branca, então com 31 anos, que havia saído do cargo
de redator-assistente dos discursos de Sorensen para o de
homem-chave do presidente para a América Latina.
Goodwin não tinha experiência em questões internacionais
ou em segurança nacional. Era apenas um jovem liberal de
Boston que compartilhava os instintos de reforma do
presidente no que dizia respeito à América Latina. Nos
meses que se seguiram à Baía dos Porcos, o presidente
Kennedy mostraria sua aversão às instituições da
segurança nacional ao nomear o liberal Goodwin seu
assessor-chefe para Cuba. A curta administração de
Goodwin na explosiva questão cubana é um capítulo
incrível e pouco conhecido da presidência de Kennedy. Ela
demonstrou com acuidade a ambivalência da abordagem de
Kennedy em relação ao regime de Castro. E logo provocou
um grave retrocesso.
 
Che Guevara estava no encalço de Dick Goodwin. O
ministro da Economia cubano, cujo carisma revolucionário
se igualava ao de Fidel Castro em pessoa, sabia onde o
jovem assessor de Kennedy estaria naquela noite — na
festa de aniversário de um diplomata que ia acontecer em
um pequeno apartamento de um tranquilo e escuro bairro
residencial de Montevidéu, capital do Uruguai. Guevara
chegou à festa do diplomata cerca de uma hora depois de
Goodwin, com dois guarda-costas, usando sua tradicional
farda verde-oliva, boina preta e botas de combate. Os
cubanos se aproximaram lentamente da mesa do bufê para
provar os pesados bolos cremosos que são uma
especialidade uruguaia. As mulheres interromperam o
tango para ver de perto o belo líder revolucionário
barbudo, algo a que ele já era acostumado. Contudo, como
Goodwin se lembrou depois: “Eu não tinha dúvida de que
ele tinha ido à festa para falar comigo. Se eu tivesse sido
mais sábio e experiente, provavelmente teria deixado o
lugar. Mas, que diabo, disse eu a mim mesmo, na mais pura
tradição do machismo estilo Kennedy, um americano não ia
fugir somente porque Che Guevara havia chegado”. Se
fosse criticado por ter tido um encontro com o inimigo,
raciocinou o assessor da Casa Branca, ainda poderia dizer
que fora “por acaso”. Mas, como admitiu Goodwin, o
verdadeiro motivo pelo qual ficou “foi a curiosidade em
relação a essa romântica figura da revolução. Eu queria
falar com ele”.
Guevara escolhera sua presa a dedo. Goodwin era um dos
jovens e progressistas homens da Nova Fronteira que
parecia estar aberto ao diálogo com o inimigo. Para os
defensores da linha dura de Washington, ele representava o
que havia de pior em um governo — um intelectual e
sonhador, produto da faculdade de direito de Harvard, que
havia rejeitado uma carreira promissora na advocacia para
derrubar moinhos de vento em nome do povo americano.
Na qualidade de investigador do Congresso, Goodwin havia
ajudado a tornar pública a fraude em um popular jogo
televisivo. Foi então que o igualmente idealista Ted
Sorensen o contratou para ser seu colaborador na função
de redator júnior de discursos para o senador John
Kennedy em sua corrida à presidência. Na Casa Branca,
Goodwin se especializou em assuntos relativos à América
Latina, ajudando JFK a desenvolver o corajoso programa da
Aliança para o Progresso, que prometia reformar a política
dos Estados Unidos para não mais promover oligarquias e
ditaduras militares e cuidar das populações mais pobres.
Produto de um bairro operário judeu de Boston, Goodwin,
com suas sobrancelhas largas e seu cabelo liso, trouxe uma
audácia étnica para as reuniões tradicionalmente WASP da
política internacional de Washington.
Quando os assessores de JFK que preconizavam uma
reforma da política latino-americana se tornaram objeto de
controvérsia, como foi o caso de Goodwin durante os
primeiros meses do governo, o presidente chegou a
defendê-los: “Minha experiência no governo”, disse
Kennedy durante uma coletiva de imprensa em junho de
1961, “é que, quando as coisas não geram controvérsia,
quando são magnificamente coordenadas e tudo o mais, é
porque nada está realmente acontecendo... Estamos
tentando fazer algo a respeito da América Latina e é
necessário que haja fermento. Se o fermento trouxer um
bom resultado, então terá valido a pena”.
Havia um forte cheiro de fermento no ar, naquela noite de
agosto de 1961 em Montevidéu. Com certeza, Guevara
sabia que era sua última chance de falar com Goodwin
antes que o jovem representante de Kennedy regressasse
aos EUA, depois de uma conferência com os ministros da
Economia da América Latina, em que a nova Aliança para o
Progresso havia sido calorosamente aprovada por todos os
representantes, com exceção de Che. Com cautela, os dois
homens haviam se evitado durante os doze dias da
conferência, que acontecia a cerca de 150 quilômetros da
desgastada Montevidéu, em um cassino restaurado no
balneário uruguaio de Punta del Este. Guevara havia
notado que Goodwin gostava de aliviar o tédio das reuniões
fumando charutos, e o desafiou por meio de um delegado
argentino: “Aposto que ele não ousaria fumar charutos
cubanos”. Quando Goodwin respondeu que com certeza o
faria, se pudesse encontrar alguns, o líder cubano
prontamente lhe mandou uma caixa de mogno polido,
enfeitada com uma chancela cubana no meio de um arco-
íris com as cores de Cuba, e repleto de cheirosos havanas.
Junto com o presente estava uma mensagem datilografada
de Guevara: “Já que não tenho um cartão pronto, tive que
escrever. Já que escrever a um inimigo é algo difícil, limito-
me a estender a mão”.
Tendo ocorrido apenas quatro meses depois da fracassada
invasão americana da Baía dos Porcos, era um gesto
notável por parte do líder revolucionário. Quando, no dia
seguinte, Guevara convidou Goodwin a se sentar com ele
para uma conversa informal, o assessor de Kennedy teve a
aprovação do chefe da delegação americana, o secretário
do Tesouro Douglas Dillon. Mas, no último dia da
conferência, Guevara — que, segundo a imprensa, havia
“roubado a cena” na conferência, pois sua apaixonada
oratória tirara facilmente o brilho dos eficientes esforços
de Dillon, o empolado ex-banqueiro de Wall Street — fez
uma violenta denúncia da Aliança para o Progresso.
Demonstrou, com certa razão, que o generoso programa de
Kennedy deveria ser creditado à Revolução Cubana, já que
os Estados Unidos não haviam se mostrado preocupados
com a pobreza na América Latina até que as tropas de
guerrilheiros de Castro e Guevara desfilassem
vitoriosamente em Havana. Então, denunciou a Aliança
como um esforço fútil para reformar as sociedades latino-
americanas porque “não se pode esperar que os
privilegiados façam uma revolução contra seus próprios
interesses”. A verdadeira mudança nos bairros e campos
que ainda pareciam medievais aconteceria somente por
meio de um levante armado dos oprimidos, como havia
acontecido em Cuba. Dillon logo respondeu, com duras
palavras de sua própria lavra, declarando que os Estados
Unidos esperavam ansiosamente “o dia em que o povo de
Cuba reconquistasse sua liberdade da dominação
estrangeira e do controle ao qual estava submetido”. Dillon
informou Goodwin que a reunião com Guevara estava
cancelada.
Contudo, Guevara não desistia tão facilmente. Agora,
Goodwin havia caído em uma armadilha nos estreitos
limites do apartamento de Montevidéu. Depois que o
revolucionário deixara claro que queria falar com Goodwin,
os dois homens foram apresentados. Goodwin lhe disse
imediatamente que ouviria com prazer o que ele tinha para
lhe dizer, mas que não tinha autoridade para qualquer tipo
de negociação. Guevara não se incomodou com isso, e eles
foram para uma pequena sala de estar em que podiam
conversar sem serem perturbados pela música que tocava
na festa. No começo, Guevara sentou-se no chão, logo
seguido por Goodwin, de maneira que Che não pudesse
“desproletarizar” o americano. Mas, quando os
representantes brasileiro e argentino, que agiam como
intermediários nessa reunião, insistiram em que os dois
homens se sentassem na sala, Guevara se acomodou em um
sofá, e Goodwin sentou-se diante dele, em uma pesada
cadeira estofada. No relatório confidencial sobre a reunião,
que Goodwin escreveu mais tarde, ele observou que “por
trás da barba, os traços de Che são bastante suaves, quase
femininos, e seu olhar é intenso. Ele tem um bom senso de
humor”.
O encontro entre Goodwin e Guevara foi carregado de
sentido político. Eles estavam sentados naquela sala, com
os joelhos quase se tocando. De um lado, estava o homem
cujo rosto intenso já alcançava o estatuto de ícone — um
homem que rejeitara os privilégios de sua educação em
Buenos Aires para se tornar médico dos necessitados e
desprezados, e em seguida, após observar em primeira mão
como a CIA destruíra o governo progressista e
democraticamente eleito da Guatemala, dedicar-se à
libertação armada da América Latina. Do outro lado, estava
um jovem americano idealista, que acreditava — assim
como o jovem presidente a quem servia, um homem que
também havia rompido com os estreitos interesses de suas
ricas origens — que as opressivas oligarquias que
dominavam a região podiam ser pacificamente
transformadas se as forças da esquerda democrática desses
países recebessem o apoio poderoso dos Estados Unidos.
Um era um lendário revolucionário. O outro havia
mergulhado na retórica revolucionária para dar aos
discursos e às políticas do presidente o mesmo senso de
paixão. “Somos a geração revolucionária em um mundo em
revolução”, dissera Goodwin com orgulho diante de jovens
voluntários do Corpo de Paz, o programa de assistência
internacional de Kennedy que inspirara semelhantes
esforços por parte de Fidel Castro.
Naquela noite, Guevara quebrou o gelo com uma mordaz
brincadeira, agradecendo ao governo de Goodwin pela Baía
dos Porcos, já que a surpreendente vitória cubana havia
ajudado a consolidar o controle do regime de Castro sobre
o país. Goodwin sugeriu que o governo de Guevara talvez
retribuísse a gentileza ao atacar a base militar americana
em Guantánamo, um ato de provocação que, como Che
sabia, levaria à invasão de seu país. De fato, como Che
havia precisamente enfatizado em seu discurso na
Conferência de Punta del Este, alguns representantes de
Washington queriam usar essa provocação como pretexto
para entrar em guerra. “Ah, não”, havia respondido
Guevara, rindo. “Nunca seríamos tão loucos.”
À medida que a tensão na sala se aliviava, Guevara
chegava ao ponto central da reunião. Ele percebia que um
verdadeiro entendimento entre os dois países era
impossível, mas vislumbrava a possibilidade de um modus
vivendi. Para alcançar esse estado de coexistência, Che
disse que seu governo gostaria de apresentar ao governo
de Kennedy duas das principais preocupações de Cuba. O
governo cubano concordaria em não firmar nenhuma
aliança política nem militar com Moscou, para assegurar a
Washington que, ao contrário do que se temia, Cuba não
iria se tornar o posto avançado dos soviéticos. Seu governo
também reconsideraria sua política não oficial de ajuda a
insurreições em outros países latino-americanos, política
que o governo de Kennedy denunciava como uma
“exportação da revolução”. Como contrapartida dessas
concessões, disse Guevara, os Estados Unidos prometeriam
não apoiar a queda do governo cubano pela força e
suspenderiam o embargo comercial que havia sido imposto
sobre o país.
Eram quase seis horas da manhã quando a conversa se
encerrou. Guevara e Goodwin se levantaram e apertaram-
se as mãos, prometendo não revelar o encontro para
ninguém senão seus respectivos dirigentes, Castro e
Kennedy. “Gostei bastante dele, de verdade”, lembrou-se
Goodwin anos depois, diante de um prato de massa, em um
de seus restaurantes favoritos em um pequeno shopping
center perto de sua casa em Concord, Massachusetts. “Nós
nos demos bem, conversamos durante a noite toda, até o
amanhecer. Ele esperava encontrar uma maneira de nossos
países conviverem; planejou tudo isso. Era um homem
muito honesto.” Depois de se despedirem naquela manhã,
ambos entraram na outra sala, em que alguns raros casais
ainda dançavam. O assessor de Kennedy se precipitou até
seu hotel e redigiu um relatório sobre essa notável
conversa, antes que o 707 presidencial que transportava a
delegação americana voasse de volta para a base aérea
Andrews.
Quando Goodwin voltou à Casa Branca e relatou a JFK
seu encontro com o mal-afamado Che Guevara, o
presidente não se mostrou aborrecido pelo ato de
diplomacia não autorizada de seu jovem assessor, mas
apenas curioso em relação ao carismático revolucionário e
ao que ele tinha para dizer. Enquanto falava com Goodwin,
Kennedy observou que ele segurava a caixa de charutos
cubanos de contrabando, já que eram proibidos por causa
do embargo americano. “São bons?”, perguntou o
presidente. “São os melhores”, respondeu Goodwin,
propondo no mesmo instante que Kennedy abrisse o
presente de Che e provasse um dos havanas. “Você deveria
ter fumado o primeiro”, disse Kennedy para Goodwin.
“Agora é tarde demais, senhor presidente”, respondeu ele.
Kennedy deu uma risada em que se sentia certo
constrangimento e continuou tragando o ilícito produto de
exportação cubano.
Kennedy pediu que Goodwin “elaborasse um relatório
completo e o enviasse a Rusk, Bundy e aos outros”.
Goodwin elaborou para o alto comando da política
internacional um relatório propositadamente prudente,
contudo ficava claro seu entusiasmo pela proposta de paz
de Che Guevara. E, ao que tudo indica, Che sentia o mesmo
ânimo em relação à reunião. Na manhã que se seguiu
àquela longa conversa, o diplomata argentino que havia
ajudado a organizar o encontro ligou para Goodwin e disse
que “Guevara havia achado a conversa bastante profícua,
dizendo-lhe que era muito mais fácil conversar com alguém
da nova geração”. Ele, sem dúvida, se referia ao patrão de
Goodwin, que, com sua jovem impaciência, costumava
passar por cima dos cautelosos e demorados canais
burocráticos do governo.
Goodwin mandou um segundo relatório para Kennedy
sobre a política em relação a Cuba logo após a conferência
de Punta del Este e sua extensa conversa com Che. “Não
faça de Cuba uma obsessão geopolítica”, avisou o assessor
a Kennedy, “isso apenas reaviva as paixões antiamericanas
na região e fortalece o poder de Castro”.
O grande ânimo que tomou conta da Casa Branca de
Kennedy em relação à iniciativa cubana de paz logo foi
freado pelos efeitos colaterais da reunião. Che era um
choque elétrico na política do hemisfério ocidental, uma
força explosiva que não somente podia provocar grandes
reviravoltas nas classes dirigentes da América Latina
dominadas pela ansiedade, como também convulsionar o
gigante no norte. Ao chegar a Washington, a notícia do
encontro entre Che e Goodwin provocou uma tempestade
política. Um congressista republicano denunciou a “reunião
supostamente casual” e acrescentou que o jovem assessor
de Kennedy era “um garoto brincando com fogo”. Goodwin
foi obrigado a se justificar diante de uma subcomissão do
Senado. Felizmente para o governo, esta era dirigida por
Wayne Morse, de Oregon, e a convocação de Goodwin logo
se tornou uma “agradável sessão”, segundo as palavras do
New York Times. Mas a direita não esqueceria o incidente,
e meses depois cães de guarda como Goldwater ainda
exigiam a cabeça de Goodwin. O senador conservador
agrupou o jovem assessor a outros membros do governo
notoriamente liberais, como Bowles, Stevenson, e
Schlesinger, exigindo que o presidente Kennedy se livrasse
dos homens que haviam sido “errados desde o início em
suas atitudes e recomendações para a política americana
durante a Guerra Fria”.
Os opositores de JFK da ala direita percebiam com
perspicácia que existia certa ambivalência no governo
quando se tratava de Cuba. Se alguém como Dick Goodwin
era o homem-chave da Casa Branca em relação à ilha, o
que isso queria dizer sobre a determinação anticastrista do
governo? A linha dura suspeitava que as palavras belicosas
dos irmãos Kennedy para os irmãos Castro fossem somente
isso — palavras. Secretamente, os Kennedy estavam se
preparando para conviver com os oponentes comunistas,
independentemente do tom cada vez mais inflamado de sua
retórica e do fato de Bobby exigir aos gritos da CIA que
desestabilizasse o regime de Castro.
Diversas crônicas sobre o governo Kennedy focam
inevitavelmente a “obsessão por Cuba”. Não se pode negar
que o governo revolucionário cubano tenha sido um grande
foco de atenção por parte dos irmãos. Porém, não se
tratava apenas de uma curiosidade obsessiva. John
Kennedy tinha uma curiosidade intelectual e até bem-
humorada com relação à experiência cubana e a seus
líderes que o levaria mais tarde a explorar aberturas na fria
muralha que havia sido erguida entre as duas nações. A
jogada de Guevara em agosto de 1961, em Montevidéu, se
mostraria prematura, mas não seria a última vez que o
presidente Kennedy consideraria jogar essa partida de
xadrez com Cuba. De fato, ele nunca descartou essa opção,
como suspeitavam seus críticos da ala direita. Montevidéu
tornou-se um tema recorrente de sua presidência — a
escapada informal, a corajosa tentativa de acabar com as
mórbidas e burocráticas forças do imobilismo da Guerra
Fria e construir um mundo menos perigoso.
No meio da tempestade Guevara, JFK manifestou certa
irritação em relação à aproximação de Goodwin com Cuba.
Muito embora Kennedy também fosse fascinado pelos
carismáticos líderes cubanos. A jornalista Laura Knebel,
que, assim como seu marido Fletcher, fez a cobertura da
Casa Branca de Kennedy, mas também da Revolução
Cubana para a revista Look, notou a obsessão pessoal de
JFK por Guevara. Knebel, uma das poucas jornalistas que
Kennedy respeitava, tinha uma relação espirituosa com ele.
Ela o sabatinava frequentemente sobre as políticas para a
América Latina, uma região que lhe interessava
especialmente. Ele lhe deu um puxão de orelha pelo que
acreditava ter sido uma matéria simpática demais sobre o
sedutor Guevara. “Quando eu conversava com Kennedy, ele
fazia perguntas sobre Guevara, e quando eu ia a Cuba,
Guevara fazia perguntas sobre Kennedy — como
imperialista, claro”, lembrou-se Knebel mais tarde. “Ambos
eram simpáticos, pragmáticos e muito inteligentes. Foi
quando ele me disse: ‘Algo me diz que você tem uma queda
por Che’. Isso me deixou péssima. Senti-me rebaixada.
Protestei. Ele não havia visto uma foto em que Che e eu
discutíamos durante a entrevista? ‘Sim’, respondeu o
presidente, ‘mas esse tipo de hostilidade frequentemente
leva a algo diferente’.”
O repórter Tad Szulc, do New York Times, outro
correspondente para a América Latina que podia se
aproximar com certa facilidade de Kennedy, também notou
a fascinação que JFK sentia em relação ao chefe de
Guevara, Fidel Castro. Essa fascinação era recíproca,
observou Szulc, que acabou conhecendo o líder cubano em
1986, ao escrever uma biografia sobre ele. “Ambos os
homens”, escreveu Szulc, “tinham mentes soberbas e visão
da história. Nunca se encontraram, mas eram fascinados
um pelo outro na qualidade de adversários e líderes
nacionais. Eu soube disso ao conversar sobre Castro com
Kennedy nos poucos anos em que estiveram
simultaneamente no poder... e conversei sobre Kennedy
com Castro cerca de vinte e cinco anos depois.”
Na qualidade de presidente, Kennedy se sentia
politicamente forçado a manter pressão sobre Castro, que a
linha dura da segurança nacional e a mídia (especialmente
as agressivas revistas Time e Life, de Henry Luce) haviam
conseguido transformar em um bicho-papão barbudo. Mas,
depois da Baía dos Porcos, tornou-se evidente que JFK
preferia brigar ideologicamente com Castro a pegar em
armas contra ele. Kennedy tinha confiança no fato de que
poderia competir com o carisma de Castro para conquistar
o coração e a mente do público da América Latina.
Com sua juventude, seu catolicismo, a aparência de um
astro de cinema e sua imagem de homem progressista, JFK
pensava poder suplantar até os atraentes Fidel e Che na
guerra das ideias, ao vender a reforma democrática como
alternativa à revolução armada. De fato, Kennedy teve êxito
em eletrizar a América Latina durante sua curta
presidência, na qual fez três viagens à região.
Inevitavelmente, grandes multidões gritavam em suas
aparições, mostrando uma adoração frenética que
amedrontava não somente Castro, como também os
condecorados generais e os ricos déspotas que, com
rigidez, cumprimentavam o presidente americano. Durante
a viagem de Kennedy a Bogotá, na Colômbia, em dezembro
de 1961, uma multidão de 500 mil pessoas — cerca da um
terço da população da cidade — tomou conta das ruas para
saudá-lo. Enquanto lá esteve, Kennedy criticou as ditaduras
de esquerda e de direita e declarou que seu programa da
Aliança para o Progresso podia ser executado somente
dentro do contexto de sociedades democráticas. Em um
jantar a convite do presidente da Colômbia, Kennedy
insistiu no fato de que a democracia tinha um “poder
incomparável” para reformar as sociedades, e que podia
atender “a novas necessidades sem violência, sem
repressão”.
Castro estava intrigado com a ofensiva de Kennedy na
América Latina e, anos depois, admitiu para Szulc que a
Aliança para o Progresso de JFK era uma “inteligente
estratégia” que almejava as mesmas metas que a primeira
fase da Revolução Cubana, entre as quais a reforma
agrária, a justiça social e uma melhor distribuição da
riqueza. Mas, assim como Guevara, ele acreditava que era
fadada ao fracasso porque as elites governantes da região
não permitiriam que houvesse uma verdadeira reforma. A
predição de Castro pareceu se confirmar durante os anos
Kennedy, quando as forças reacionárias responderam aos
ventos de mudança que a Aliança para o Progresso havia
ajudado a soprar no continente derrubando a democracia
na Argentina e no Peru (e mais tarde no Brasil). O governo
Kennedy tornou público seu descontentamento em relação
a esses golpes antidemocráticos, adiando o reconhecimento
do governo fantoche que havia substituído o presidente
Arturo Frondizi, em Buenos Aires, por cerca de três
semanas — mais do que a União Soviética esperara — e
impondo sanções econômicas, diplomáticas e militares
contra a junta militar que tomou o poder depois do golpe
de julho de 1962, no Peru. O New York Times declarou que
a resposta de Kennedy ao golpe peruano era “a mais
significativa mudança na política internacional dos Estados
Unidos para o hemisfério, desde o início da Aliança para o
Progresso, dezesseis meses antes”.
A ação de Kennedy colocou seu governo do lado da
reforma democrática numa região em que os Estados
Unidos historicamente sempre apoiaram a repressão.
Eduardo Frei, um dos últimos presidentes democratas do
Chile antes que seu país caísse na tirania militar em 1973,
expressou sua surpresa em relação à política progressista
de Kennedy em uma carta endereçada a Dick Goodwin, que
este mandou emoldurar e pendurou em seu escritório da
Casa Branca: “Os latino-americanos ficaram estupefatos
com esse jovem ianque tentando obrigá-los a concordar
com uma radical mudança social. Era como se as posições
mantidas por décadas tivessem sido revogadas”.
Segundo Goodwin, Kennedy levava a sério o projeto de
reforma da política dos Estados Unidos para a América
Latina. Logo depois de entrar na Casa Branca, Kennedy
chamou Goodwin para o Salão Oval, onde o assessor o
encontrou lendo com atenção telegramas de congratulação
enviados por líderes latino-americanos. “Tem até um
daquele safado do Somoza”, disse Kennedy, referindo-se ao
ditador com atitude de gângster da Nicarágua, “dizendo
que minha eleição lhe trouxe uma nova esperança para a
democracia de seu país. Escreva uma resposta dizendo que
também espero que haja democracia na Nicarágua. Isso
deve assustá-lo.”
Mais à frente na mesma conversa, Kennedy criticou a
política norte-americana para a América Latina com uma
verve apaixonada que poderia ter vindo de Castro ou
Guevara: “Não podemos aprovar cada ditador aventureiro
que nos diz ser anticomunista enquanto oprime seu próprio
povo. E o governo dos Estados Unidos não é representante
de negócios privados. Você sabe que no Chile as empresas
americanas de cobre controlam cerca de oitenta por cento
de toda a exportação? Não podemos aprovar isso. E não há
motivo para que seja assim. Todos esses povos querem ter
a chance de conseguir uma vida decente, e nós os deixamos
acreditar que estávamos do lado daqueles que os
humilham. Há uma revolução acontecendo naquela região,
e quero estar do lado certo. Droga, estamos do lado certo.
Mas precisamos fazê-los saber que as coisas mudaram”.
Contudo, como Goodwin descobriu, a burocracia da
política internacional de Kennedy não estava pronta para
as mudanças radicais no tratamento da América Latina que
ele tinha em mente.
O ex-conselheiro de Kennedy agora está no escritório de
sua casa de Concord, enquanto a neve cai suavemente lá
fora. Hoje seu cabelo é mais comprido, suas sobrancelhas
estão mais eriçadas que nunca. A sala está cheia de
lembranças de Kennedy. Ele pega um objeto, uma caixa
bem polida. Já não contém nenhum charuto de Che, mas
ele a guardou durante todos esses anos como lembrança de
outros tempos, quando tudo parecia possível.
Ao olhar para trás, Goodwin vê um vínculo entre Kennedy
e Guevara como “filhos dos anos 1960”: apesar de suas
evidentes diferenças políticas, ambos acreditavam que o
mundo pudesse mudar por meio de um heroico empenho.
“É por isso que, à medida que os tempos mudavam”,
escreveu ele sobre essa década em sua autobiografia,
Remembering America, líderes como esses “não teriam
sucessores. Não haveria lugar para românticos no
triunfante predomínio da burocracia.”
Goodwin disse isso na qualidade de jovem e progressista
assessor da Casa Branca; ele nunca sentiu antagonismo
pessoal por parte dos opositores linha-dura do governo,
“exceto quando tive que lidar com a América Latina —
então, houve aqueles caras da velha guarda da CIA que
estavam enlouquecendo. Eram verdadeiros combatentes da
Guerra Fria. Kennedy teve uma visão mais profunda de
nosso futuro e do hemisfério ocidental, de como construir
ali um sólido bastião da democracia. Mas eles estavam
lutando na Guerra Fria... estavam preocupados apenas com
indivíduos e regimes, se gostávamos deles ou não. E
qualquer um que parecesse socialista era visto como uma
ameaça, mas não para Kennedy. Ele queria se aliar à
esquerda democrática da América Latina, portanto, sua
abordagem era totalmente diferente”.
Dick Goodwin exerceu uma influência positiva nos
conselhos da Casa Branca sobre política internacional. Sua
sugestão de que o presidente Kennedy desarmasse a crise
de Cuba simplesmente ignorando Castro tornou-se um
sentimento prevalecente na Casa Branca nos meses que se
seguiram a Punta del Este. Em um relatório do dia 1o de
setembro de 1961, ele disse ao presidente que “nossa
postura pública em relação a Cuba deve ser tão tranquila
quanto possível”. Kennedy concordou. A ameaça castrista
deveria ser gerida por uma estratégia multilateral da
América Latina, que envolveria medidas econômicas e
diplomáticas — disse o presidente a um visitante, líder da
América do Sul —, em vez de ser transformada em um
confronto de altas cargas dramáticas de “Castro versus
Kennedy, porque um debate dessa natureza teria como
único efeito aumentar o prestígio de Castro”.
Enquanto o rebelde Goodwin esteve na Ala Oeste, o
presidente teve seguramente um parceiro em suas
incessantes batalhas contra a linha dura da política para a
América Latina. Mas, assim como para Chester Bowles, o
jovem assessor tornou-se cada vez mais alvo dos
conservadores e da própria burocracia da política
internacional de Kennedy, que se ressentia ao ver que
Goodwin pisava em sua área. O regime da Guerra Fria que
havia tomado conta de Washington depois da Segunda
Guerra Mundial, dominando as presidências não somente
do democrata Truman como também do republicano
Eisenhower, não estava preparado para ceder poder ao
novo governo de Kennedy. Isso foi dito com clareza à
equipe do novo presidente pelos maiores comandantes
militares da nação.
 
“Com certeza, não controlamos o Estado-Maior”, disse
Arthur Schlesinger ao ser questionado, perto do fim da
vida, sobre o alcance do poder do presidente Kennedy em
seu próprio governo. O eminente historiador, que
desempenhou os papéis de cronista da corte e itinerante
consciência liberal da Casa Branca sob Kennedy, falava com
voz fraca devido à idade. Mas, mesmo assim, suas palavras
davam arrepios, considerando-se os altos riscos de guerra
nuclear dos anos Kennedy.
Em uma entrevista publicada no Boston Globe em 1994,
Schlesinger falou sobre os receios de JFK em relação ao
Exército. “A preocupação de Kennedy não era que
Khruchov começasse algo, porém que algo desse errado,
como no filme Dr. Fantástico”, disse ele, referindo-se à
macabra sátira da Guerra Fria de Stanley Kubrick, em que
um furioso general anticomunista da Força Aérea
enlouquece e desencadeia a Terceira Guerra Mundial.
Assombrado pelo medo de uma guerra nuclear acidental,
Kennedy lutou para manter “o controle estreito e constante
[sobre o Exército]”. Mas não conseguiu totalmente.
As tensões entre o presidente Kennedy e o Estado-Maior
durante seu primeiro ano de mandato foram agravadas
pelos vigorosos esforços manifestados por seu secretário da
Defesa para ampliar seu controle sobre o “complexo
militar-industrial” — a cada vez mais poderosa “conjunção
de uma imensa organização militar com a já ampla
indústria de armamentos” sobre a qual Eisenhower havia
alertado, despedindo-se da nação com o que seria seu mais
famoso discurso. O velho general poderia ter agregado
belicosos membros do Congresso a esse nexo militar — e,
de fato, o rascunho original do seu discurso fazia referência
a um “complexo militar-industrial congressista” —, como
também às tentaculares organizações de extrema direita,
às associações de militares aposentados e aos
conglomerados da indústria da defesa, que havia surgido
durante a Guerra Fria, para pleitear o aumento dos gastos
em armamento e políticas beligerantes. Durante os oito
anos em que governou, Eisenhower lutou heroicamente
para restringir o orçamento desse complexo, apesar da
incessante pressão que este exercia. Mas fez pouco para
mudar as políticas da Guerra Fria que serviam de
combustível a esse fervor militar. Por outro lado, Kennedy
chegou ao cargo comprometendo-se a ampliar a defesa e,
ao mesmo tempo, promover uma desaceleração da Guerra
Fria. Ao injetar mais dinheiro no aparato militar-industrial,
ele o tornou ainda mais poderoso, complicando seus
esforços para frear a aceleração rumo à guerra.
Enquanto liderava uma intensificação do armamento, o
secretário da Defesa McNamara tentava impor controles
racionais sobre os gastos, trazendo uma filosofia gerencial
baseada na relação custo-benefício que adquirira como
executivo da Ford e que era então desconhecida no
Pentágono, onde os serviços militares aumentavam sem
controle os gastos e duplicavam os sistemas de defesa. Os
chefes militares, apoiados pela indústria da defesa e por
aliados do Congresso, empenhavam-se em resistir,
enquanto McNamara e seus jovens “craques” com
armadura de chifre tentavam controlar o processo de
gastos da Defesa.
A cultura bélica também se opunha violentamente aos
esforços de McNamara — e aos jovens intelectuais da
Defesa oriundos da Rand Corporation9 que ele trouxera
para o Pentágono — para transformar a estratégia nuclear
do país. Alarmados diante da maciça insistência do SIOP10
do Estado-Maior, a proposta militar que defendia um
ataque nuclear de alcance planetário em caso de guerra,
Kennedy e McNamara ordenaram a exploração de roteiros
de guerra nuclear limitada e procuraram impor um maior
controle civil sobre o amplo arsenal nuclear do país. “A
guerra na era nuclear”, disse Kennedy a seus conselheiros,
“era importante demais para ser deixada nas mãos de
generais”.
O general Curtis LeMay — o mastigador de charutos,
notório belicista e comandante da Força Aérea que serviria
de modelo ao ator Sterling Hayden para representar o
demente general Jack D. Ripper no filme Dr. Fantástico —
não escondeu seu ódio ao governo. “Todos os que vieram
com o governo Kennedy... eram as pessoas mais narcisistas
que já encontrei na vida”, disse raivosamente LeMay. “Não
tinham fé no Exército; não respeitavam os militares de
forma geral. Achavam que o método para resolver
problemas da escola de administração de Harvard poderia
solucionar qualquer questão no mundo... De fato, aquele
homem me disse: ‘Não, general, esse não é o sistema de
armamento que o senhor quer utilizar, e sim o que o senhor
precisa’. Esse homem ainda era um garoto enquanto eu já
estava no comando das tropas de combate. Ele não tinha
experiência nenhuma no uso de qualquer tipo de arma.”
Anos depois de ter deixado a Força Aérea, em uma
conferência na Lyndon Johnson Library, LeMay ainda
descarregava sua raiva em termos bastante violentos,
chamando a equipe de Kennedy de gentalha
“intransigente”, “vingativa”, moralmente corrupta, e que
LBJ deveria ter “esmagado”, ao tomar posse na Casa
Branca, “como baratas que eram”.
Apesar da reputação de “intransigente” da equipe de
Kennedy, LeMay não mostrou nenhum pudor em desafiar
publicamente a política de defesa do governo durante os
primeiros anos em que ocupou o cargo. Em julho, o chefe
da Força Aérea chocou a capital quando o colunista
Marquis Childs, do Washington Post, relatou que ele havia
previsto que uma guerra nuclear iria acontecer nas últimas
semanas. LeMay fez essa arrepiante declaração a uma
esposa de senador durante um jantar em Georgetown,
dizendo à mulher chocada que a guerra era “inevitável” e
que as principais cidades dos Estados Unidos, como
Washington, Nova York, Filadélfia, Los Angeles, Chicago e
Detroit seriam aniquiladas, da mesma forma que a maior
parte das cidades soviéticas. Ao ser interrogado pela
esposa do senador se havia alguma possibilidade de ela
fugir para se proteger junto com seus filhos e netos, LeMay
lhe respondeu que ela poderia tentar alguma região
deserta e árida do Oeste. Diante da indignação que tomou
conta de Washington, LeMay sentiu-se obrigado a negar a
história. Mas os responsáveis pelo governo Kennedy sabiam
que isso refletia a verdadeira opinião do general da Força
Aérea.
Anos depois, McNamara, já em idade avançada, refletiu
sobre o homem que comandou sua Força Aérea. Como
sempre, o ex-secretário da Defesa foi friamente racional em
seu julgamento sobre LeMay. Mas a descrição que fizera do
homem que havia dirigido a maior parte do arsenal nuclear
não era menos chocante em seu pragmatismo. McNamara
admitiu que um dos maiores chefes do Exército havia
aberta e firmemente preconizado uma guerra nuclear
preventiva para livrar o mundo da ameaça soviética.
“Claramente, LeMay tinha um ponto de vista sobre os
soviéticos diferente da maior parte de nós”, disse
McNamara. “O ponto de vista de LeMay era muito simples.
Ele achava que o Ocidente, especialmente os Estados
Unidos, estava prestes a entrar em uma guerra nuclear
com a União Soviética, e estava absolutamente certo disso.
Por conseguinte, ele acreditava que deveríamos lutar logo
em vez de esperar, para que tivéssemos uma vantagem
maior no poder nuclear, o que diminuiria as perdas da
nação.”
McNamara discordava de seu chefe da Força Aérea,
dizendo-lhe que, mesmo que os Estados Unidos tivessem
uma clara vantagem nuclear sobre a União Soviética, não
podiam ter certeza de que iam destruir a capacidade de
resposta do inimigo. “Naquela época acreditei, e acho que
eu estava certo, que não tínhamos capacidade para o
primeiro ataque. Não poderíamos lançar nossos cinco mil
mísseis e destruir parte sufuciente dos trezentos e
cinquenta mísseis deles de forma que tivéssemos certeza
de que os demais não pudessem nos infligir danos
inaceitáveis. Dessa forma, LeMay e eu nos opúnhamos de
maneira total. Eu lhe disse: ‘Veja, você provavelmente está
certo de que, se tivéssemos que entrar em guerra com a
União Soviética, teríamos menos perdas hoje do que se o
fizéssemos mais tarde. Então, pelo amor de Deus, vamos
tentar evitar isso’.”
McNamara deu um jeito de manter relações civilizadas
com LeMay, a quem servira como analista durante a
Segunda Guerra Mundial, quando o general começou a
ficar conhecido como um deus Xiva da guerra, destruindo
grande parte do Japão com sua infame campanha de
bombardeios. “Eu achava que ele era o comandante de
combate mais capacitado de todos os chefes militares que
conheci durante meus três anos de serviço na Segunda
Guerra Mundial”, disse McNamara. Mas outros membros
da equipe de segurança nacional de Kennedy haviam tido
encontros conflituosos com LeMay e os principais
comandantes da sua Força Aérea.
Carl Kaysen, uma das autoridades de Harvard que
trabalhou para a Casa Branca na qualidade de conselheiro,
lembrou-se de uma reunião especialmente tensa com o
duradouro sócio de LeMay, o general Thomas Power, do
Strategic Air Command [Comando Estratégico da Força
Aérea], o chamado SAC — um homem que o próprio LeMay
considerava “instável” e “sádico”. “Fui até o SAC para ter
uma reunião com Tom Power, com o [craque de McNamara]
Adam Yarmolinsky”, recordou Kaysen. “Ele estava se
comportando de maneira inacreditavelmente hostil
conosco. De fato, ao compararmos os relatórios depois,
tivemos a sensação de que talvez nunca fôssemos sair de
lá. Sua atitude era: ‘Que diabo civis como vocês estão
fazendo no SAC, falando sobre estratégia nuclear e criando
confusão — não é da sua conta’.”
O próprio Kennedy desprezava LeMay: “Não quero mais
ver esse homem perto de mim”, proferiu um dia, depois de
sair de uma reunião com o general. “Kennedy não confiava
em um imbecil como LeMay, já que podia derrubar pilares
de mármore”, declarou Charles Daly, um dos assessores
políticos de Kennedy na Casa Branca. Mas, em junho de
1961, Kennedy se sentiu politicamente obrigado a
promover LeMay no Estado-Maior como comandante da
Força Aérea. “Ele queria ser protegido à direita”, explicou
Kaysen. JFK sabia que, ao obrigar LeMay a se aposentar,
desencadearia protestos na Força Aérea e haveria mais um
general aposentado, no circuito político, prestes a
denunciar suas políticas “fracassadas”.
O general David Shoup, comandante do Corpo de
Fuzileiros Navais, era o único membro do Estado-Maior
com o qual Kennedy pôde construir uma relação razoável.
Poucos dias após ter promovido LeMay, Kennedy,
irremediavelmente distante dos principais chefes do
Exército, persuadiu Maxwell Taylor, o estrategista militar
rebelde que havia caído em desgraça durante o governo de
Eisenhower, a sair de seu afastamento e ocupar um cargo
criado sob medida para ele na Casa Branca, como
conselheiro militar. O Estado-Maior entendeu
imediatamente a jogada como o que de fato era — uma
tentativa de “foda-se” para que não o incomodassem mais.
 
No verão de 1961, Kennedy sentiu a pressão cada vez mais
forte dos chefes do Exército e da inteligência para que
considerasse a possibilidade de lançar um ataque nuclear
preventivo contra a União Soviética. O presidente foi
informado de que, longe de sofrer um “desequilíbrio em
termos de mísseis”, os Estados Unidos na verdade estavam
em vantagem em termos de mísseis nucleares terrestres.
Segundo uma estimativa que a Inteligência Nacional
divulgara naquele ano, os soviéticos tinham apenas quatro
mísseis balísticos intercontinentais prontos — todos em
baixo alerta, em um local de teste —, enquanto os Estados
Unidos tinham 185 ICBM (mísseis balísticos
intercontinentais) e mais de 3.400 bombas nucleares para
pronta entrega. A “margem” de superioridade nuclear
talvez pudesse ser reduzida à medida que a produção de
armas nucleares da União Soviética começasse a crescer.
Mas enquanto assim permanecia, Washington era um
celeiro de febre militar, o que explica os intempestivos
comentários de LeMay sobre a iminência de uma guerra
nuclear durante aquele jantar de julho.
No dia 20 daquele mês, em uma reunião do Conselho
Nacional de Segurança, o general Lemnitzer, chefe do
Estado-Maior, junto com Allen Dulles, que permaneceria no
comando da CIA até o fim do mesmo ano, apresentaram a
Kennedy um plano oficial para um ataque nuclear surpresa.
Lemnitzer, cujas habilidades intelectuais, segundo o
presidente, deixavam a desejar, apresentou um plano de
fim de mundo “como se fosse para uma turma do jardim de
infância”, segundo Schlesinger, e um Kennedy visivelmente
aborrecido se levantou no meio da reunião e foi embora. “E
chamamos a nós mesmos de raça humana”, JFK comentou
amargamente mais tarde para o secretário de Estado, Dean
Rusk.
A relação entre Kennedy e seu Estado-Maior “chegou a
definhar ainda mais” naquele mês, segundo as palavras do
correspondente militar do New York Times, Hanson
Baldwin, quando o presidente ordenou aos agentes do FBI
que “invadissem” os escritórios dos comandantes militares
do Pentágono para determinar a fonte de um vazamento de
informação para a imprensa sobre planos de contingência
militar para lidar com a crescente crise de Berlim. A ação
de Kennedy era “degradante”, queixaram-se os
comandantes junto a Baldwin, um de seus mais simpáticos
ouvintes junto à imprensa, enquanto previam que não
seriam responsabilizados pelo vazamento. Anos depois, em
uma conferência no U.S. Naval Institute, Baldwin declararia
também ter sido investigado pelo FBI durante a presidência
de Kennedy, quando Bobby despachou agentes para
investigar uma matéria que Baldwin escrevera sobre o
sistema de defesa antimísseis soviético. “Os Kennedy
fizeram uso da intimidação e da pressão para obrigar
pessoas a entrar na linha. Fizeram isso com frequência”,
disse Baldwin, refletindo um ponto de vista amplamente
adotado no meio militar que ele, como jornalista, cobria. “A
partir da observação que fiz sobre todos aqueles anos em
que tive que lidar com vários presidentes em Washington,
começando por FDR, os Kennedy foram os mais
retaliatórios e intransigentes.”
Na última semana de julho, Kennedy se encontrava preso
numa crescente tempestade, esbofeteado pelos ventos da
guerra tanto em casa — por seu próprio Exército — quanto
além-mar, em Berlim. “Naquela semana, o conflito nuclear
pairava no ar”, escreveu o historiador político James K.
Galbraith, da Universidade do Texas, filho de John Kenneth
Galbraith, em um revelador artigo sobre as pressões por
um ataque surpresa sofridas por Kennedy. Khruchov estava
intensificando a tensão sobre Berlim, a cidade dividida que
por muito tempo havia sido um ponto crítico da Guerra
Fria, ameaçando fechar o acesso entre o Estado satélite da
República Democrática Alemã e a Alemanha Ocidental. Os
generais de Kennedy e assessores linha-dura como
Acheson, que estavam convencidos de que a falta de
determinação do presidente na Baía dos Porcos havia
levado diretamente à sua humilhação perante Khruchov na
Cúpula de Viena, em junho, acharam que ele estava
correndo perigo de sofrer o mesmo tratamento em Berlim.
Insistiram para que ele tomasse uma posição de firmeza, e
Kennedy pediu a seus assessores que preparassem para
Berlim um cenário antevendo uma guerra nuclear limitada.
Mas no final JFK conseguiu lidar com a questão de Berlim
tão bem quanto mais tarde lidaria com outras
circunstâncias durante seu governo, evitando tanto uma
confrontação explosiva como uma incômoda capitulação,
sabendo combinar com destreza um discurso inflexível,
simbólicas medidas militares e uma diplomacia informal.
“Permitiu que o Muro de Berlim permanecesse intacto
quando construído em agosto de 1961, uma coluna
simbólica de soldados [americanos] foi mandada a Berlim
Ocidental, e um programa de abrigo antiatômico foi
elaborado nos Estados Unidos”, notou Galbraith. “Mas
[Kennedy] não provocou os soviéticos.” O Armagedom
nuclear de LeMay seria evitado — pelo menos até o
próximo confronto.
Como sempre, os militares ficaram insatisfeitos com a
moderação de Kennedy. O general Lucius Clay, herói do
Bloqueio de Berlim de 1948-49, que Kennedy nomeara para
ser seu principal enviado militar na cidade dividida durante
a última crise, parecia ansioso para desafiar a tensa, porém
pacífica, trégua que prevalecera em Berlim no final do ano.
Em outubro, Clay provocou uma estressante confrontação
com os russos no Muro de Berlim, a primeira vez na
história em que os tanques americanos e soviéticos ficaram
frente a frente. Valentin Falin, embaixador soviético na
Alemanha Ocidental, disse que mais tarde Moscou soube
que Clay havia ordenado aos comandantes dos tanques
americanos que derrubassem o Muro de Berlim — da
mesma maneira que antes os instruíra a treinar em uma
floresta dos arredores sem informar a Casa Branca. Se isso
tivesse acontecido, disse Falin, os tanques soviéticos teriam
respondido abrindo fogo, e nós teríamos ficado “mais perto
do que nunca da Terceira Guerra Mundial” — exatamente o
tipo de inferno acidental provocado por impulsivos generais
que Kennedy tanto temia.
No meio desse tenso confronto, Kennedy se sentiu
obrigado a acalmar não somente o orgulho dos soviéticos
como também o de seu comandante militar. “Sei que vocês
não se deixaram abalar”, disse para Clay por telefone. O
agressivo general não se acalmou com esse tapinha
presidencial nas costas: “Não estamos preocupados
conosco mesmos. Estamos preocupados com vocês em
Washington”.
No final, Kennedy conseguiu manobrar seu general,
dando secretamente instrução a Bobby, o “irmãozinho” a
quem Clay havia dito que poderia “não se submeter”, para
entrar informalmente em contato com seu amigo soviético
Georgi Bolshakov e trabalhar em uma retirada mútua dos
tanques “sem danos para o prestígio de nenhuma das
partes”.
 
Era a casca-grossa da Segunda Guerra Mundial — antigos
comandantes como Burke e LeMay, com os quais Kennedy
entrou violentamente em conflito durante o primeiro ano de
seu mandato na Casa Branca. Contudo, seus partidários em
Washington temiam que os problemas de Kennedy com o
Exército se agravassem. O senador J. William Fulbright, do
Arkansas, um dos mais próximos aliados de Kennedy em
Capitol Hill, estava entre os que viam com temor o
crescimento do que ele entendera como sendo uma cultura
militar politizada, da ala da extrema direita e
descaradamente insubordinada.
A doutrinação direitista do Exército encontrava suas
origens na era Eisenhower, como notou depois Joseph
Califano, assistente de McNamara, quando uma diretiva do
Conselho de Segurança Nacional de 1958 incentivou o
Exército a educar as tropas e o público sobre os perigos do
comunismo — “tarefa que muitos oficiais cumpriram com
gosto”. Ironicamente, observou Califano, Bobby Kennedy
teve um papel na divulgação dessa propaganda ofensiva,
quando atuou como conselheiro para a Comissão
McClellan, que reagiu à lavagem cerebral amplamente
difundida de prisioneiros de guerra americanos na Coreia
do Norte, apelando para uma doutrinação anticomunista
mais efetiva do Exército. Na época em que Kennedy chegou
à Casa Branca, havia uma grande agitação direitista no
Exército, com reuniões e conferências anticomunistas
organizadas tanto nas bases militares do país quanto além-
mar, e filmes e panfletos da extrema direita, elaborados por
grupos como a John Birch Society,11 difundidos nas
casernas.
A controvérsia sobre a politização do Exército foi revelada
publicamente durante a primavera, quando o Overseas
Weekly, jornal independente, popular junto aos soldados
baseados no estrangeiro por seu estilo de tabloide bastante
ousado, divulgou uma matéria a respeito dos ostensivos
esforços de doutrinação do major-general Edwin A. Walker,
comandante da 24ª Divisão de Infantaria, uma importante
divisão da linha de frente da Alemanha Ocidental. Walker,
herói da Segunda Guerra e da Guerra da Coreia, sempre
demonstrara ter um comportamento bastante excêntrico.
Foi voluntário para liderar unidades de tropas de
paraquedistas contra os nazistas sem nunca ter pulado de
um avião — “Como coloca esse negócio?”, perguntou um
Walker desconcertado a um subordinado, enquanto o avião
decolava para seu primeiro pulo de paraquedas. Mas a
Guerra da Coreia o colocou em conflito com as autoridades
civis, depois que se convenceu de que os representantes
eleitos da América não queriam nada mais do que um
“empate” com o comunismo internacional. Segregacionista
inflexível, ele acabou se desiludindo quando recebeu do
presidente Eisenhower a ordem de liderar uma unidade
armada para fazer cumprir a lei de integração nas escolas
de Little Rock, em 1957.
No ano seguinte, Walker integrou a fantasiosa John Birch
Society, de direita — cujo fundador, um confeiteiro, havia
notoriamente denunciado Eisenhower como sendo “um
dedicado e meticuloso agente da conspiração comunista”
—, e começou a divulgar a propaganda de Birch junto aos
homens sob seu comando. O general, eterno solteiro que
havia crescido em uma fazenda do Texas, teve dificuldade
para distinguir o liberalismo americano do comunismo
ateu. Entre os alvos de sua cólera, estavam Eleanor
Roosevelt, Adlai Stevenson, a revista Mad e a universidade
Harvard. O “general Walker”, comentou um ajudante,
“achava que Harvard era o lugar do mal, uma fábrica de
comunistas. Ele era excessivamente crítico em relação à
instituição”. Isso, com certeza, era mais uma das causas de
seu distanciamento da Casa Branca de Kennedy, que
praticamente garantia a contratação da elite da
universidade. Walker acreditava que o governo estava
repleto de “fracassados” da Ivy League e “comunistas
confirmados”, como Edward R. Murrow, cuja nomeação
para o cargo de diretor da Agência de Informação dos
Estados Unidos (USIA) levou o general a “quase ter um
acesso de fúria”, segundo a Newsweek.
Em abril, o Overseas Weekly relatou que Walker não
somente divulgara sua opinião ruim sobre os principais
liberais do país e os membros do governo Kennedy em
discursos para suas tropas, como também as instruíra a
votar usando um índice político preparado por um grupo
tão de ultradireita que não dera a nota máxima nem para
Barry Goldwater.12 Ao agir dessa forma, Walker infringiu
vários regulamentos do Exército e leis federais, entre os
quais o Hatch Act, que proíbe toda atividade política por
parte de empregados do governo. Em junho, Walker foi
deposto de suas funções e transferido para o quartel-
general do Exército na Europa, em Heidelberg — uma
sanção relativamente branda, se considerarmos as
violações que cometera. Mas a punição de Walker o
transformou no mesmo instante em um mártir nos círculos
ultradireitistas, fora e dentro do Exército.
A rixa política que se seguiu logo provou que a agitação
extremista de Walker tinha uma base de apoio
assustadoramente grande entre os oficiais do Exército,
onde Hanson Baldwin relatou que era visto como um
“soldado dos soldados”. Um capitão do Exército declarou,
aflito, ao New York Times: “Sinto que o general foi
crucificado. E acho que os homens sentem o mesmo”.
Revelou-se que o programa de doutrinação de Walker havia
recebido o apoio de ninguém menos que o general
Lemnitzer, o principal líder militar do país, que escreveu
em uma carta ao oficial ultradireitista que achava seus
esforços “muito interessantes e úteis”.
Enquanto o efetivo militar flexionava seus músculos
políticos, dois jovens assistentes legislativos do senador
Fulbright olhavam para a situação com crescente
apreensão. Viram os efeitos políticos da agitação da ala
direita no Arkansas, estado de origem do senador, onde os
oficiais do Exército haviam se juntado a fundamentalistas
cristãos em uma cruzada anticomunista cujos alvos eram os
políticos e as leis liberais considerados subversivos. Eles
olhavam além-mar, para os insubmissos generais direitistas
da França que, irados com a tentativa do presidente De
Gaulle de chegar a um acordo pacífico para resolver a
Guerra da Argélia, ameaçavam derrubá-lo. (Em setembro,
De Gaulle ia ser alvo de uma fracassada tentativa de
assassinato por parte de extremistas da direita.)
Perguntavam-se então se não haveria uma crescente
possibilidade de acontecer um golpe semelhante em
Washington.
Os dois assistentes levaram seus temores ao senador
Fulbright, que conversou com McNamara durante uma
festa, exortando-o a agir o quanto antes. Logo depois de ter
recebido um memorando sobre os perigos do crescimento
do militarismo que havia sido preparado pelos assistentes
de Fulbright, o secretário de Defesa publicou uma diretiva
que limitava a possibilidade de os oficiais do Exército
apoiarem causas direitistas em eventos públicos.
McNamara e Fulbright foram imediatamente denunciados
pelo senador Strom Thurmond, da Carolina do Sul, um
importante general do Exército da reserva e outros porta-
vozes no congresso do complexo militar-industrial.
Thurmond declarou que a diretiva de McNamara era uma
“covarde tentativa de intimidar os comandantes das Forças
Armadas dos Estados Unidos” e “constitui um sério golpe
contra a segurança da nação”.
Fulbright decidiu ficar de pé no Senado para responder às
acusações de Thurmond e passar sua mensagem sobre a
ameaça do militarismo ao povo americano. O homem que
crescera em uma fazenda de criação de porcos no Arkansas
para se tornar estudante bolsista de Rhodes, reitor de
universidade e diretor da poderosa Comissão de Relações
Internacionais do Senado havia sido considerado por
Kennedy um potencial secretário de Estado. De fato, o
brilhante e independente político — um dos poucos a ter
alertado o novo presidente contra a invasão da Baía dos
Porcos — poderia ter constado de uma sequência do livro
Política e coragem, de Kennedy, não fosse um resquício de
segregacionismo que trouxera de seu estado natal e que
lhe custou o cargo maior no Departamento de Estado.
Fulbright foi o único membro do Senado a votar contra o
financiamento da expedição de caça às bruxas de Joe
McCarthy no exacerbado ápice de sua inquisição.
No dia 2 de agosto, o alto e magricela Fulbright se
levantou e, com seu macio e arrastado sotaque da região de
Ozarks, ofereceu à nação uma lição de civismo da maior
importância no intuito de manter o Exército fora dos
assuntos políticos dentro de uma democracia. O discurso
de Fulbright relembrou um trecho do discurso de
despedida de Eisenhower em que ele alertava contra “o
aumento da influência injustificada... do complexo militar-
industrial”. Se o país autorizasse esse “desastroso
crescimento de um poder nas mãos erradas”, havia
declarado Ike, isso “ameaçaria nossa liberdade ou nosso
processo democrático”. Mas o próprio Eisenhower havia
ajudado a criar o Frankenstein de um Exército politizado
com sua diretiva de 1958 de doutrinação das tropas. Agora,
Fulbright estava dizendo aos seus compatriotas que estava
na hora de o Exército voltar à caserna e deixar a arena
política aos representantes eleitos.
Fulbright declarou que os oficiais do alto escalão do
Exército, inclusive os do National War College, estavam
mergulhados em uma propaganda produzida por grupos
ultradireitistas com a aprovação do Estado-Maior. Estavam
sendo doutrinados com uma mensagem que lhes “vendia”
que Washington estava solapando os esforços do Exército
para derrotar o comunismo. Eram informados de que o
programa legislativo nacional de Kennedy — “que
compreende a prorrogação do imposto de renda
progressivo, a expansão da previdência social
(especialmente os tratamentos médicos cobertos pela
previdência) e a ajuda federal à educação” — era uma das
frentes do ataque comunista contra a América.
“Se o Exército for infestado pelo vírus do radicalismo
direitista, o perigo merece toda a nossa atenção”, disse
Fulbright a seus colegas do Senado e ao público. “Se, por
meio do processo da educação do público pelo Exército,
crescer a exaltação de ambos os grupos, de fato o perigo é
grande.”
Ao chegar à conclusão de seu discurso, Fulbright ergueu
teatralmente o espectro de um golpe militar, invocando “a
revolta dos generais franceses como um exemplo de
máximo perigo”.
A câmara de eco de Washington não demorou a se apossar
do terrível aviso de Fulbright, e o colunista Marquis Childs
escreveu que “nos últimos anos, num país após outro, a
intervenção dos militares na política teve consequências
desastrosas... [Os oficiais do Exército] não têm o direito de
querer impor suas opiniões políticas às tropas que
comandam. Nem têm o direito de tentar compartilhar
opiniões políticas por meio de discursos que se opõem
diretamente às medidas tomadas pelo governo”. O
conhecido colunista Drew Pearson também disparou o
alarme, escrevendo que “alguns dos maiores oficiais do
Pentágono estavam se aliando a direitistas da indústria
para fomentar um tipo de neofascismo, apesar do fato de
estarem usando a farda de Tio Sam”.
Em resposta, Strom Thurmond pressionou a Comissão dos
Serviços Armados do Senado para que agendasse
audiências sobre o “amordaçamento do Exército”. Em
setembro, McNamara foi convocado perante a comissão;
Thurmond e seus colegas o pressionaram por seis horas
sobre sua censura aos oficiais militares. “O Exército é um
instrumento — não um modelador — da política nacional”,
lembrou o secretário da Defesa, de óculos e cabelo
ensebado, aos seus interrogadores do Senado, em seu
estilo extraordinariamente racional, à moda de Spock.
McNamara depôs entre as paredes revestidas de
mármore da Sala Caucus do Old Senate Office Building — a
mesma sala de audições que fora palco da queda de
McCarthy sete anos antes, durante as audiências do
Exército contra ele. Mas o fervor extremista que havia
tomado conta do recinto naquele dia mostrava claramente
que o espírito de McCarthy ainda continuava bem vivo em
Washington. Ao longo de seu depoimento, McNamara foi
vaiado pelos 250 espectadores presentes na sala, enquanto
Thurmond era aplaudido. Quando McNamara, exausto,
encerrou o depoimento, foi cercado por dúzias de donas de
casa suburbanas carregando cartazes de “Pare o
comunismo” que haviam sido reunidas em Capitol Hill para
apoiar a cruzada de Thurmond. Mais tarde, a Newsweek
relatou que “uma atraente mãe de quatro filhos com
vestido azul segurou McNamara enquanto ele guardava
documentos em sua pasta”, perguntando se ele havia lido a
literatura de propaganda “pró-azul”, digna do Dr.
Fantástico, do general Walker. Quando ele polidamente
murmurou que não, a mulher explodiu: “Você não leu! Por
quê? É a melhor declaração contra o comunismo. Acho que
nossas Forças Armadas deveriam ter acesso a esse
material”.
No mesmo mês, a Comissão dos Serviços Armados
obrigou McNamara a defender sua injunção contra o
ativismo político no Exército, o qual descaradamente
mostrou sua desconfiança em relação a essa ordem por
meio da encenação de outro espetáculo anticomunista. No
final de setembro, o Quarto Exército dos Estados Unidos
patrocinou um evento de propaganda de dois dias que
levou milhares de pessoas ao auditório municipal de San
Antonio, onde locutores reacionários, como o general A. C.
Wedemeyer, denunciaram o governo de Kennedy por
querer “apaziguar” a União Soviética e a igreja episcopal,
por apoiar o ativismo em prol dos direitos civis dos
Freedom Riders.13 
No mês seguinte, em resposta à rebelião de San Antonio e
outras reuniões anti-Kennedy organizadas pelo Exército,
McNamara se sentiu obrigado a promulgar outra interdição
de agitação política entre os militares. E mais uma vez a
Comissão dos Serviços Armados anunciou que submeteria a
medida repressiva de McNamara ao escrutínio do
Congresso.
O lobby da Guerra Fria era agressivo, com líderes do
Exército aposentados e outros ativistas ultradireitistas
pedindo com veemência o impeachment do presidente e de
outros importantes liberais, como o chefe de Justiça da
Suprema Corte Earl Warren. Um coronel aposentado da
Marinha foi além e pediu o enforcamento de Warren,
enquanto um general aposentado da mesma instituição
sugeriu a possibilidade de um golpe de Estado se os
“traidores” não pudessem ser derrotados.
Kennedy enfim se exasperou. Em outubro, enquanto
estava num almoço informal com um grupo de editores de
jornal do Texas na Casa Branca, ele foi confrontado sem
rodeio pelo editor reacionário do Dallas Morning News, E.
M. (Ted) Dealey. No momento em que o presidente
conversava à vontade com os presentes, o texano os
espantou ao arengar contra Kennedy, lendo uma declaração
de quinhentas palavras que tirara de repente de seu bolso,
e na qual repreendia o comandante em chefe como se fosse
um simples estagiário de jornal. “Podemos aniquilar a
Rússia e deveríamos deixar isso claro para o governo
soviético”, leu Dealey para Kennedy. Mas, infelizmente, ele
continuou: “A opinião geral do povo deste país é que você e
seu governo são fracos demais. Precisamos de um homem
que saiba dirigir as rédeas desta nação, e muitas pessoas
do Texas e do Sudoeste acham que você está dirigindo o
triciclo de Caroline”.14
Kennedy enrubesceu visivelmente e encarou Dealey com
olhar duro. “A diferença entre mim e você, senhor Dealey”,
respondeu rispidamente Kennedy, “é que eu fui eleito
presidente deste país e você não. Sou responsável pela vida
de cento e oitenta milhões de americanos, o que não é seu
caso... É mais fácil falar em guerras do que lutar nelas. Sou
tão duro quanto você — e não cheguei a ser eleito
presidente graças a julgamentos moderados.”
Kennedy havia demorado para reagir à ameaça da
extrema direita. Naquele mês de agosto, quando o assunto
da John Birch Society veio à tona em Hyannis Port, em uma
conversa com Gore Vidal entre canapés e vinho rosé, JFK
parecia descartar o perigo com leviandade. O presidente
encarou o “frenesi da ultradireita de maneira muito menos
séria do que eu”, observou Vidal. Mas, no final do ano, a
atitude de Kennedy não era mais complacente. Ele mandou
Bobby encontrar os irmãos Reuther — conversaram
durante um café da manhã sobre a maneira como os líderes
liberais do sindicato United Auto Workers podiam ajudar a
estruturar uma eficiente campanha midiática que se
contrapusesse ao trovão da direita. O presidente pediu
também que sua equipe começasse a lhe mandar relatórios
mensais sobre as atividades da extrema direita e ordenou
ao diretor do Internal Revenue Service [Departamento da
Receita Federal] que investigasse as organizações isentas
de impostos.
Contudo, Kennedy percebeu que, acima de tudo, estava
na hora de o presidente dos Estados Unidos falar por si. Ele
precisava viajar pelo país e explicar ao povo americano por
que suas pragmáticas políticas para livrar o país e o mundo
das garras mortais da Guerra Fria tinham mais sentido do
que a simplista e militarista abordagem da direita. Mais
uma vez Kennedy recorreu a Sorensen, cuja eloquência ele
sempre requisitava quando precisava replicar de forma
apaixonada a seus críticos e apelar para os melhores
instintos do povo americano. Naquele fim de ano, Kennedy
viajou bastante, fazendo vários discursos-chave sobre o
rumo que os Estados Unidos deveriam seguir para sair da
“longa e tenebrosa luta” da Guerra Fria. Suas viagens o
levariam de Chapel Hill, Carolina do Norte — junto ao
território de sua nêmesis senatorial Thurmond, da Carolina
do Sul — até Los Angeles, que então era um bastião de
fomento direitista e abrigava um quarto dos membros da
John Birch Society. Ao enfrentar diretamente seus críticos,
Kennedy seria forçado a esclarecer os ideais pelos quais
lutava e o papel que a América deveria ter em um mundo
em rápida mudança, em que “os heróis são removidos de
seus túmulos, a história está sendo reescrita, os nomes das
cidades mudam de repente”.
Depois de apanhar dos combatentes da Guerra Fria
durante cerca de um ano, Kennedy finalmente subiu no
ringue no fim de 1961 e começou a lutar pelo que
acreditava, explicando os atos de sua administração. A
batalha havia começado.
 
Era sábado à noite, dia 18 de novembro de 1961. No palco
do Hollywood Palladium, a cavernosa sala de jantar
dançante em que Lawrence Welk e seus Champagne Music
Makers costumavam animar os fins de semana, o
presidente dos Estados Unidos estava repreendendo seus
críticos. Para arrancar aplausos dos 2.500 democratas ali
reunidos, Kennedy, com enfáticos gestos, atacou as
“cruzadas da desconfiança” e as “vozes discordantes dos
extremistas” que estavam ecoando por todo o país. Durante
meses, o presidente havia sido forçado a ouvir uma
incessante algazarra — as queixas de “traição no alto
escalão” por parte da John Birch Society, cuja paranoia
havia encontrado terreno fértil em regiões com ampla
população fundamentalista, como a Bacia de Los Angeles;
as ruidosas queixas dos generais e almirantes sobre a
política “fracassada” de Kennedy; as acusações de fraqueza
e covardia feitas por parte de petulantes texanos como o
editor Dealey; os apelos de grupos de vigilantes, como os
Minutemen,15 para que os americanos se armassem na
espera do iminente dia em que Washington cairia nas mãos
dos comunistas. Agora Kennedy — de pé naquele palco com
revestimento dourado, diante de uma gigantesca
reprodução do selo presidencial — estava contra-atacando
toda essa loucura com um discurso que mirava os inimigos
fanáticos com precisão gélida.
Em momentos de alta tensão como a Guerra Fria, disse
Kennedy à audiência, “sempre houve aqueles à margem de
nossa sociedade que lutaram para escapar à sua própria
responsabilidade por meio de uma solução simplória, um
slogan chamativo, um bode expiatório conveniente”. No
atual “pico de perigo”, com o mundo refém de uma
constante ameaça nuclear, essa vertente paranoica da
política americana ressurgiu, observou Kennedy. “Homens
que não querem enfrentar o perigo que vem de fora estão
convictos de que o perigo vem de dentro. Eles olham com
suspeita para seus vizinhos e líderes. Pedem um ‘homem
que tome as rédeas’ porque não confiam no povo.
Encontram traição em nossas igrejas, em nossa Suprema
Corte, e até no tratamento de nossa água.” O último golpe
da faca presidencial era dirigido à exuberante teoria,
popular nos círculos ultradireitistas da época, de que a
fluoração da água era um complô comunista.
“Eles equiparam o Partido Democrata ao estado do bem-
estar social, o estado do bem-estar social ao socialismo, e o
socialismo ao comunismo. Eles rejeitam, com certa
sensatez, o fato de a política interferir no Exército, mas
desejam ansiosamente que o Exército se engaje na
política.”
Entretanto, como concluiu Kennedy, ele tinha confiança
no fato de que os americanos — “cujo bom senso básico...
sempre prevaleceu” — rejeitariam essas “sugestões de
medo e desconfiança”.
O arrebatador discurso de Kennedy — que, no dia
seguinte, o Los Angeles Times chamaria de “uma
desdenhosa salva de tiros” — foi ruidosamente saudado
pelos fiéis do Partido Democrata que lotaram o Palladium
naquela noite, entre os quais celebridades de Hollywood
como Frank Sinatra, Nat King Cole e Ralph Bellamy, que
ajudaram a entreter a noite. Mas, fora do Palladium, onde
estavam reunidas as paranoicas e barulhentas legiões que
Kennedy havia invectivado, a história era bem diferente.
Segundo as estimativas, cerca de três mil manifestantes de
direita — mais do que o número de partidários de Kennedy
reunidos dentro da sala — desfilavam dos dois lados da rua,
transbordando da calçada e atrapalhando o trânsito. Com
chapéus de papel vermelhos, brancos e azuis, gritavam
slogans anti-Kennedy, cantavam “God Bless America” e
carregavam cartazes em que se lia “Liberdade de
expressão para o Exército”, “O desarmamento é um
suicídio”, “Tirem os vermelhos do Departamento de
Estado”, e “Fora o comunismo”.
Kennedy, que havia sido escoltado até o Palladium horas
antes de falar, não viu o exército noturno que havia se
formado contra ele. Mas no dia seguinte seria obrigado a
enfrentar os fanáticos em um lugar incomum. Kennedy, que
gostava de se deleitar na atmosfera de sol e celebridade do
sul da Califórnia, acordou na manhã seguinte na suíte
presidencial do Beverly Hilton, esperando ter um domingo
relaxante. Durante a tarde, o presidente ia descer
vagarosamente o Wilshire Boulevard em um carro
conversível aberto, saudando pedestres boquiabertos. Seu
comboio — que consistia em apenas dois carros da polícia
(um na frente do conversível do presidente e outro atrás) e
um carro cheio de repórteres — seguia por Santa Monica
até seu destino, a casa de estilo espanhol à beira-mar de
sua irmã Pat e do marido dela, Peter Lawford. Lá, o
presidente iria se divertir nadando na piscina e jantando
com seus amigos de Hollywood, Angie Dickinson e a esposa
de Billy Wilder, um cardápio composto de vichyçoise,
pombos recheados com arroz selvagem, ervilhas e cebolas,
salada mista com molho italiano e, para encerrar, torta de
chocolate e café.
O domingo de Kennedy, contudo, não começou de
maneira tão suave. Naquela manhã, ele e seu velho
companheiro político Dave Powers estavam indo de carro
do Beverly Hilton à vizinha Church of the Good Shepherd,
no Santa Monica Boulevard. Após se acomodar em um
banco localizado dez fileiras à frente, Kennedy, assim como
os outros fiéis, logo ouviu um sermão do padre Alfred Kilp
sobre a necessidade de vigilância em um mundo perigoso.
A mensagem que o padre Kilp quis endereçar à audiência
presidencial ficou imediatamente clara. Os católicos tinham
orgulho de que ele fosse o primeiro membro de sua fé a
entrar na Casa Branca. Mas a igreja de Kennedy, com seu
forte legado anticomunista, também havia se tornado um
praça de armas para a John Birch Society. Robert Welch,
fundador do grupo, declarava que 40% de seus membros
eram católicos, e orgulhosamente exibia uma carta de
ninguém menos que o cardeal Cushing, o prelado favorito
da família Kennedy, elogiando Welch como um “dedicado
anticomunista”.
No seu sermão, o padre Kilp evocou a terrível visão de
uma América sob o domínio comunista — em que as escolas
católicas iam ser fechadas e as igrejas serviriam para “usos
profanos, como teatros ou até oficinas”.
“Estejam atentos, rezem e meditem”, aconselhou o padre
a seu rebanho, “porque, do contrário, vocês poderão
acordar e descobrir que se tornaram cidadãos de segunda
classe em uma nação satélite ou católicos espoliados”.
No dia seguinte ao sermão que Kennedy ouvira em sua
própria igreja sobre a necessidade de vigilância
anticomunista, ele sofreu uma forte resposta da própria
John Birch Society, cujos líderes haviam ficado feridos pelo
ataque frontal do presidente, que os chamara de bando de
fanáticos paranoicos. O violento discurso de Kennedy no
Hollywood Palladium fora “outro exemplo de conversa fiada
que dá sono”, declarou John Rousselot, congressista e
membro da John Birch Society, originário de San Gabriel.
“A única coisa da qual podemos ter certeza é que a
organizada e leviana esquerda vai proclamar que esse
discurso foi de grande ajuda para a boa diplomacia e a ‘paz
em nossa época’.”
A campanha antidireitista de Kennedy provocou também
uma resposta irada do senador Barry Goldwater, em torno
do qual um crescente movimento conservador estava se
unindo para fazer dele seu porta-bandeira contra Kennedy
em 1964. Os verdadeiros “radicais” da política americana,
retalhou Goldwater durante uma coletiva de imprensa em
Atlanta, estavam “na Casa Branca”. O arizoniano chamou
Kennedy de “líder de comboio” que “dirigia à esquerda o
tempo inteiro”.
As veementes declarações da direita, enquanto o avião de
Kennedy decolava do Aeroporto Internacional de Los
Angeles no domingo à noite para voltar a Washington,
demonstraram que ele havia atingido seus alvos. A
eloquente ofensiva de Kennedy no final de 1961 foi uma
virada em seu governo. Sua musculosa resposta às crenças
da extrema direita deu ao povo americano uma visão clara
do caminho pelo qual ele queria conduzir a nação: para
fora do lúgubre matagal da Guerra Fria.
O contra-ataque a seus oponentes da direita, que Kennedy
desferira de costa a costa, havia começado no dia 12 de
outubro com um discurso no Kenan Stadium, da
Universidade da Carolina do Norte, em que ele
menosprezou aqueles arruaceiros patriotas que
acreditavam que os desafios dos Estados Unidos no mundo
podiam ser resolvidos por meio de gabolices e slogans.
“Não devemos escolher entre o comunismo e a morte,
devemos ser livres e viver”, declarou Kennedy na conclusão
de seu discurso, fazendo alusão ao mórbido slogan então
usado pelos direitistas: “Prefiro morrer a me tornar
vermelho”.
Depois de Chapel Hill, Kennedy foi para o Oeste,
erguendo uma nova barreira contra a direita em Seattle, no
dia 16 de novembro, antes de seguir rumo ao Sul e à terra
de John Birch, Los Angeles, no mais espetacular confronto
de toda a sua turnê de discursos antidireitistas. Em sua fala
na Universidade de Washington, o presidente reiterou que
não havia nenhum sinal de “fraqueza” no fato de prevenir
uma guerra nuclear, e que os Estados Unidos mostravam
sua verdadeira força ao evitar utilizar seu poder militar até
que as outras saídas fossem esgotadas. E fez uma
surpreendente declaração, que parecia ser uma retratação
da postura agressiva que havia mostrado em seu discurso
de posse. Apesar de seu poder esmagador, disse ele, os
Estados Unidos não podiam atuar no papel de sentinela
global. “Precisamos enfrentar o fato de que os Estados
Unidos não são onipotentes nem oniscientes, que
representamos apenas seis por cento da população
mundial, que não podemos impor nossa vontade sobre os
demais noventa e quatro por cento, que não podemos lutar
contra todos os erros nem reverter todas as adversidades, e
que, portanto, não podemos ser a solução americana para
cada problema do mundo.” Para aqueles da direita que
acreditavam no poder divino e ilimitado dos Estados
Unidos, isso não foi nada menos do que um sacrilégio.
“Você deve ler o discurso da Universidade de
Washington”, disse seu coautor Ted Sorensen anos depois,
sentado no escritório de advocacia Paul, Weiss, com um
busto de bronze do homem a quem serviu sobre sua mesa
de trabalho. “Trata-se de um dos grandes discursos de
Kennedy sobre a política internacional, uma refutação
direta dos linhas-duras. Se Kennedy tivesse vivido, para
mim não há dúvida de que ele teria construído os
fundamentos da détente. A Guerra Fria teria acabado muito
antes do que realmente aconteceu.”
“Acho que meu irmão teve uma visão muito saudável do
poder deste país”, comentou Ted Kennedy anos depois da
morte de JFK. “Ele tinha noção do seu poder militar, mas
também de seu poder moral. E sabia como ambos podiam
ser usados, com um senso das proporções que é muito raro
de encontrar em jovem líderes. Você não vê esse tipo de
julgamento nem mesmo em pessoas mais velhas.”
 
***
 
Durante sua turnê de discursos pelo Oeste, JFK convidou
seu predecessor na Casa Branca a acompanhá-lo de
helicóptero em uma rápida ida ao Texas para comparecer
ao enterro de Sam Rayburn, lendário porta-voz da Câmara
dos Representantes. Kennedy e Eisenhower mais tarde
foram flagrados ao lado do aparelho na pista da Base Aérea
de Perrin, envolvidos em uma animada conversa. “Kennedy
fazia gestos repetidos com a mão esquerda e parecia
explicar algo ao general Eisenhower”, reportou depois a
Associated Press. “O general escutava com atenção e
acenou com a cabeça várias vezes.” Os dois homens então
apertaram-se as mãos antes ir embora.
Cinco dias depois, em 18 de novembro, o velho general
juntou sua voz influente à campanha de Kennedy contra “o
crescimento do extremismo” no país e a politização do
Exército. Durante uma entrevista concedida a Walter
Cronkite, da CBS News, o herói da Segunda Guerra
Mundial declarou que expressar opiniões “contrárias ao
presidente” era um “mau hábito; muito mau” por parte de
um oficial, mesmo que estivesse depondo em Capitol Hill.
“Não acredito que os Estados Unidos precisem de
superpatriotas”, declarou Eisenhower. “Precisamos do
patriotismo praticado de forma honesta por todos nós, e
não dessas pessoas que se julgam mais patriotas do que eu,
você ou qualquer outro.”
Mas os superpatriotas de Washington logo fizeram nova
demonstração de poder. Uma semana após Kennedy ter
regressado à capital vindo de Los Angeles, em uma troca
governamental que ficaria conhecida nos círculos de
Beltway16 como o “massacre do Dia de Ação de Graças”, o
presidente entregou a cabeça de seu mais eminente
estrategista liberal em termos de política internacional —
Chester Bowles — para os sedentos críticos da direita.
Bowles, como foi anunciado no dia 26 de novembro, tinha
sido afastado de suas funções de subsecretário de Estado e
nomeado para um papel apagado no governo, ou seja,
embaixador itinerante. O homem que se vira como um
contrapeso às forças do militarismo dentro do governo de
Kennedy, agora, para a alegria de seus oponentes, ia ser
despachado para longe do centro do poder — encontrando-
se literalmente a meio caminho do outro lado do mundo no
verão de 1963, quando foi nomeado embaixador na Índia. O
“radical” da política internacional, como ele descreveria a
si próprio, que havia incitado o presidente a abolir a CIA
depois do episódio da Baía dos Porcos, não incomodaria
mais seus inimigos durante o resto do mandato de Kennedy.
A velha guarda do Departamento de Estado, que havia
recuado diante dos esforços de Bowles para alinhar os
Estados Unidos com o fomento revolucionário que varria o
Terceiro Mundo, brindou à queda de Bowles. O problema
com Bowles, zombou um veterano diplomata, era que,
quando ele “via um bando de babuínos negros batendo
tambor, [ele] via um bando de George Washingtons”.
Durante uma comovente reunião no escritório de Bowles,
Sorensen disse a seu companheiro liberal unitarista que ele
era vítima do poderoso lobby da Guerra Fria de
Washington. Mas o número dois do Departamento de
Estado não foi ajudado por sua azeda relação com Bobby
Kennedy, que nunca perdoara Bowles por ter se recusado a
fazer campanha para seu irmão durante as primárias do
Wisconsin em 1960, além da aliança que este fizera com o
liberal Hubert Humphrey, o que Bobby considerou uma
tentativa covarde de se proteger depois do fiasco da Baía
dos Porcos.
Os dois homens também haviam entrado em conflito no
começo de junho, durante discussões sobre a maneira de
lidar com a rápida deterioração da situação na República
Dominicana, onde conspiradores logo assassinariam o feroz
ditador Rafael Trujillo, e os Kennedy ansiavam para ver a
nomeação de um governo próximo dos Estados Unidos. “O
tom da reunião [do Departamento de Estado no dia 1o de
junho] foi profundamente inquietante”, escreveria Bowles
mais tarde, em um relatório confidencial. “Bob Kennedy
procurava nitidamente uma desculpa para invadir a ilha.
Em determinado momento, ele sugeriu que poderíamos
explodir o consulado [americano] para ter o motivo... Todo
o espírito da reunião foi bastante angustiante e
preocupante, e saí de lá às oito da noite com a impressão
de que esse espírito, que eu vira demonstrado nessa
ocasião e em outras na Casa Branca por aqueles que eram
tão próximos do presidente, constituía um perigo futuro de
que essas pessoas, sem quase nenhuma experiência em
termos de política internacional, resolvessem agir de forma
precipitada, já que estavam interessadas na ação como um
fim, e que o diabo carregasse [os que restassem].” Quando
Bowles conseguiu impedir os planos de intervenção de
Bobby, o jovem Kennedy — ainda na sua fase exaltada,
especialmente quando se tratava da trama política do
Caribe — demitiu-o como se fosse um covarde desgraçado.
A queda de Bowles denunciou um elo fraco na presidência
de Kennedy. Os irmãos estavam tão ansiosos para provar
sua força que às vezes transformavam suas cortes liberais
em exemplos, em vez de enfrentar firmemente o
linchamento público. “Os anos McCarthy haviam martelado
na cabeça das tropas de Kennedy um sentimento de
inferioridade, insegurança e de que não eram merecedores
da confiança dos membros da elite”, refletiu Bowles mais
tarde. Eles precisavam do sangue de ovelhas sacrificadas
como Bowles para provar que podiam ser tão impiedosos
quanto os combatentes republicanos da Guerra Fria.
Era o próprio azar do presidente. “A inabilidade de
Kennedy em tirar o que havia de melhor em Bowles e se
aproveitar da sua sabedoria foi prejudicial a si mesmo”,
notou o assistente de JFK, Harris Wofford. “Ele precisava
mesmo de alguém próximo e que fosse um ponto básico de
referência moral.”
O “massacre do Dia de Ação de Graças” também fez outra
vítima liberal: Dick Goodwin. Kennedy cedeu diante da
pressão política, transferindo seu posto avançado em Cuba
para o Departamento de Estado, onde o “jovem judeu”,
segundo as próprias palavras de Goodwin, ficaria sob a
estreita supervisão dos WASPs. Os inimigos de Goodwin
exultaram com seu rebaixamento, declarando ao
Washington Daily News que um dos “maiores inoportunos”
da política na América Latina agora havia sido removido.
Kennedy continuaria a ligar para Goodwin com perguntas
sobre a política na América Latina, mas a relação havia
mudado. Goodwin sentia-se como um “amante rejeitado”,
banido para uma ala hostil do governo do presidente, onde
não ficaria por muito tempo. Mais tarde, ele escaparia para
um cargo mais hospitaleiro no Corpo de Paz, fundado por
Sargent Shriver, cunhado do presidente. E no dia 22 de
novembro de 1963, seria nomeado consultor especial de
artes — um cargo bem distante das reuniões de política
internacional nas quais poderia incomodar seus inimigos.
 
Robert Kennedy disse mais tarde que seu irmão avaliara
1961 como “um ano muito ruim”. Sua confiança na própria
equipe de segurança nacional havia sido abalada pela
humilhação em Cuba. De um lado, ele tinha sido intimidado
por Khruchov e, de outro, por seus próprios chefes
militares. O mundo havia estado à beira da extinção
durante a Crise de Berlim. “Mais uma vez estou fodido”,
desabafara Kennedy no exato momento em que a situação
global parecia pior que nunca, isto é, quando soube que os
soviéticos estavam retomando os testes com armas
nucleares. “Quero descer”, disse Kennedy depois de uma
reunião particularmente sombria que acontecera na Casa
Branca para discutir essas perturbadoras novidades.
“Descer do quê?”, perguntou-lhe Bobby.
“Do planeta.”
O presidente estava com um humor reflexivo na noite do
sábado que se seguira ao Dia de Ação de Graças. Passara o
feriado com a família e amigos em Hyannis Port. Depois de
ter trabalhado o dia inteiro sobre o próximo orçamento,
juntou-se ao grupo festivo na casa de seu pai situada na
propriedade da família, em que todos estavam reunidos
para o aperitivo e o jantar. Depois que os pratos foram
retirados, Kennedy sugeriu ao seu amigo Red Fay — que
ele nomeara secretário-assistente da Marinha, como
suspeitara justa e amargamente o almirante Burke, para
poder aproveitar sua animada companhia — que
entretivesse o grupo com uma interpretação de “Hooray for
Hollywood” que era sua marca registrada. Depois que o
“Velho Adorável”, como Kennedy costumava chamar o
amigo republicano, acabou a canção, Teddy — o melhor
cantor da família — entoou “Heart of My Heart”, e então foi
a vez da irmã Eunice se destacar. Ao final, todos insistiram
para que o presidente em pessoa os entretivesse. “Você
conhece ‘September Song’?”, perguntou Kennedy à esposa
de Teddy, Joan, que estava ao piano.
Era uma escolha estranha, considerando-se a alegria da
noite. Escrita por Kurt Weill — o compositor judeu alemão
que havia fugido dos nazistas em 1933, depois que seus
musicais vanguardistas despertaram a revolta dos fascistas
—, a canção era uma obra-prima da beleza melancólica.
Embora Weill a tivesse escrito para o musical
Knickerbocker Holiday, de 1938, numa tentativa de se
adaptar ao clima mais ligeiro dos palcos da Broadway,
“September Song” era banhada pelo desencanto da velha
Europa.
Joan tocou o conhecido tema da canção, e Jack começou a
cantar:
 
“Ah, é um longo tempo, muito longo, de maio a dezembro,
Mas os dias ficam mais curtos quando chega setembro;
Quando o clima do outono deixa as folhas em flamas,
Não há mais tempo para o jogo da espera.”
Um silêncio tomou conta da sala quando Kennedy
declamou os versos seguintes, em ritmo falado:
 
“Ah, os dias definham, tornando-se raros e preciosos,
Setembro, novembro!
E esses raros e preciosos dias, vou passá-los com você,
Esses preciosos dias, vou passá-los com você.”
 
No mês seguinte, o pequeno grupo de confidentes de
Kennedy tornou-se ainda menor, quando, seis dias antes do
Natal, seu pai sofreu um derrame enquanto jogava golfe em
Palm Beach. Era o golpe final desse terrível ano. O exímio
empresário — que havia mergulhado profundamente nos
mais altos e baixos enclaves do poder, frequentando de reis
a mafiosos — tinha colocado toda a sua incansável
motivação e devoção paternal a serviço dos filhos. Os fluxos
emocionais subiam e desciam de acordo com os de seu filho
na Casa Branca. Quando Jack caiu em prantos depois da
debacle da Baía dos Porcos, Joe passou a maior parte do dia
ao telefone com ele e Bobby. “No final, perguntei-lhe como
se sentia”, anotou mais tarde sua esposa Rose em seu
diário, “e ele disse: ‘Morrendo’ — o resultado de sua
tentativa para levantar o moral de Jack.” Agora, o antes
poderoso patriarca não podia mais oferecer conforto ou
conselhos ao filho, tendo sua fala ficado reduzida a uma
única palavra devido a essa fatalidade, a palavra “não”, que
ele proferia repetidamente, em tom de frustração.
Joe Kennedy sofreu um derrame cinco dias depois que J.
Edgar Hoover reportou a Bobby que os grampos do FBI
haviam gravado amargas queixas do chefão mafioso Sam
Giancana, de Chicago, que declarava ter sido traído pelos
Kennedy. O gângster fez referências provocativas a Joe
Kennedy e a um acordo que havia sido fechado com a Máfia
para que Chicago votasse em JFK em 1960. A fúria de
Giancana contra essa punhalada era vulcânica.
Considerando-se as inúmeras vezes em que seus filhos
procuraram seus conselhos, é bem provável que Bobby
tenha levado essa preocupante informação — que agora
estava nas mãos do chantagista Hoover — a seu pai. O
velho homem sabia que os chefes da Máfia podiam ser
inimigos impiedosos — assim como o dissimulado chefe do
FBI — para seus filhos, que já sofriam outras ameaças. O
estresse do pai deve ter sido terrível. E agora ele estava
incapacitado para ajudá-los.
“A tragédia foi que Joe sofreu um derrame”, disse Gore
Vidal. “Ele poderia ter resolvido o problema com a Máfia
em dois minutos.”
Vidal suspeitou por muito tempo que a Máfia tenha tido
um papel-chave nos acontecimentos de Dallas. “Durante
anos, vivi em uma casa no sul da Itália. Quando qualquer
chefe de polícia italiano chega a Palermo em um carro
aberto com sua esposa, eles atiram nele em um lugar
público para que todos possam ver, precisamente como
aconteceu em Dallas. Um assassinato típico da Máfia.”
Com seu pai incapacitado, coube a Bobby — o filho que
Joe considerava tão duro quanto ele — tentar proteger a
família. “Bobby é um cara duro, ele vai manter os Kennedy
juntos, pode apostar”, dissera uma vez o ancião.
Com os inimigos dos irmãos proliferando dos mais baixos
aos mais altos postos, a tarefa parecia desanimadora.
 
1 . Publicado no Brasil em 1964 pela editora Difusão Pan Americana. [N. T.]
2 . Ou “Dick, o traiçoeiro”, apelido dado a Richard Nixon por seus mais críticos
oponentes após a revelação do escândalo de Watergate. [N. T.]
3 . No dia 2 de agosto de 1943, o torpedeiro PT-109 da Marinha americana foi
afundado perto das ilhas Salomão por um contratorpedeiro japonês. O jovem
tenente John F. Kennedy, que estava a bordo do PT-109, arriscando sua
própria vida, salvou o resto da tripulação, tornando-se herói de guerra. [N. T.]
4 . Do inglês quaker, também são conhecidos como Sociedade Religiosa dos
Amigos. [N. T.]
5 . Registro oficial das pautas e debates do Congresso americano. [N. T.]
6 . A Ivy League [liga de hera] é o grupo formado por oito universidades
privadas de grande prestígio e das mais antigas dos Estados Unidos:
Harvard, Yale, Princeton, Pensilvânia, Colúmbia, Brown, Cornell e Dartmouth
College. Originalmente, designava uma liga esportiva formada por essas
universidades, cujos prédios se cobriam de hera. Hoje, essa denominação
tem conotação tanto de excelência acadêmica como de certo elitismo social.
[N. T.]
7 . Sigla em inglês para a expressão “white anglo-saxon and protestant”
[branco, anglo-saxão e protestante], frequentemente usada no sentido
pejorativo, referindo-se ao grupo de pessoas de ascendência europeia, em
especial britânica, que supostamente detém, ou já deteve, o poder
econômico, político e social nos Estados Unidos. [N. T.]
8 . No original, “monkey business”, um trocadilho que faz alusão à suposta
“selvageria” do país centro-americano. [N. E.]
9 . Instituição americana sem fins lucrativos, fundada em 1945 no intuito de
melhorar a política e o processo de decisão por meio de pesquisa e análise.
[N. T.]
10 . SIOP, ou Single Integrated Operational Plan [Plano Operacional Integrado
Único], é um plano estratégico que especifica como as armas nucleares dos
Estados Unidos devem ser utilizadas em caso de guerra nuclear. [N. T.]
11 . Associação anticomunista de extrema direita criada para fazer pressão
política contra reformas liberalizantes e a favor de medidas conservadoras.
Fundada em 1958 por Robert W. Welch Jr., foi nomeada em homenagem a um
oficial do Exército norte-americano e missionário da igreja Batista
assassinado em 1945 por membros do Partido Comunista Chinês. [N. E.]
12 . Barry Morris Goldwater (1909-98), senador ultraconservador pelo Arizona,
foi o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos em 1964. [N.
T.]
13 . Os “Viajantes da Liberdade” eram militantes do movimento pelos direitos
civis nos Estados Unidos que utilizavam ônibus interestaduais para verificar
a aplicação na prática da decisão da Suprema Corte que tornou ilegal a
segregação racial nos transportes públicos. [N. T.]
14 . Referindo-se a Caroline Bouvier Kennedy, filha de John F. Kennedy e
Jacqueline Bouvier Kennedy, nascida em 1957. [N. T.]
15 . Organização anticomunista criada na década de 1960 nos Estados Unidos.
[N. E.]
16 . Anel viário que envolve todo o distrito de Colúmbia, onde fica Washington,
além de partes dos estados vizinhos de Maryland e Virgínia. Usado como
metáfora para os círculos do poder. [N. T.]
 

3
1962

Robert Kennedy quase nunca gritava ou levantava a voz


quando se irritava. Mas não era difícil perceber quando
alguém não lhe agradava. “Se perdia a paciência, ele fixava
em você um olhar frio como gelo, e você sabia que estava
liquidado”, lembra Fred Dutton, que, tendo sido membro da
equipe dos Kennedy desde a corrida presidencial de 1960
até a campanha de RFK em 1968, o vira em vários estágios
de irritação.
Às 16 horas do dia 14 de maio de 1962, os olhos azuis do
procurador-geral se fixaram nos dois homens da CIA que
estavam sentados em seu espaçoso gabinete revestido de
nogueira no quinto andar do Departamento de Justiça. O
consultor jurídico da CIA, Lawrence Houston, e o coronel
Sheffield, chefe de segurança da agência, tinham sido
convocados por Kennedy para discutir uma questão muito
delicada. O procurador-geral queria saber por que a
agência estava tentando impedir o processo contra um
detetive particular apanhado no ano anterior grampeando o
telefone do quarto de hotel do comediante Dan Rowan, em
Las Vegas. O processo traria a público segredos de
segurança nacional, disseram os homens da CIA, porque o
tal detetive particular tinha sido contratado por um
intermediário da CIA, Robert Maheu, como um favor ao
chefão de Chicago, Sam Giancana, que suspeitava que
Rowan estivesse dormindo com sua namorada, a cantora
Phyllis McGuire. Por que razão Maheu estava interessado
em agradar Giancana? Porque, disseram os agentes da
inteligência, a CIA havia recrutado Giancana para
participar de um complô para assassinar Fidel Castro.
Foi nesse momento da reunião de meia hora que o olhar
de Robert Kennedy gelou e ele apertou o maxilar, dando
aos homens da CIA uma “nítida impressão de desagrado”.
Como investigador do Senado e, então, como procurador-
geral, Kennedy passara anos tentando chamar a atenção do
país para os perigos de uma associação cada vez maior
entre autoridades legítimas — sindicatos, corporações,
instituições políticas — e o crime organizado. Agora a CIA,
uma agência que ele e o irmão consideravam altamente
suspeita, lhe comunicava que estava envolvida numa
tentativa de assassinato, exatamente com os chefões da
Máfia que ele tentava levar aos tribunais. Kennedy fitou os
dois emissários da CIA, evidentemente constrangidos, com
um olhar duro. “Espero que, se um dia vocês voltarem a
fazer negócio com o crime organizado, com gângsteres”,
ele disse, num tom carregado de sarcasmo, “mantenham o
procurador-geral informado”.
Os homens da CIA garantiram a Kennedy que os complôs
da Máfia tinham terminado. No entanto, ainda que talvez
sem o conhecimento dos dois mensageiros da agência, as
intrigas de morte estavam bem vivas. Na verdade, mais ou
menos à mesma época em que Houston e Sheffield davam
garantias a Kennedy, o homem da CIA em Cuba, William
Harvey, tramava com um aliado de Giancana, Johnny
Rosselli, o assassinato do líder cubano.
Nos anos seguintes, funcionários da CIA e políticos que
faziam oposição aos Kennedy, insistiram em que a
indignação de Bobby fora uma encenação, pois ele tinha
total conhecimento de que a Máfia estava envolvida na
cruzada do governo contra Castro. Segundo a opinião de
muitos, Kennedy censurara a CIA porque queria estar
totalmente informado dos assuntos clandestinos da agência
no futuro, e não porque quisesse ver encerrados os
sinistros complôs contra Castro.
Mas Houston, que fora o portador de más notícias
naquela tarde e que estava em melhor situação de
interpretar a reação imediata do procurador-geral ao
esquema da Máfia, testemunhou mais tarde que “ficou com
a impressão, na época, de que [RFK] não tinha
conhecimento” do pacto secreto da CIA. Em depoimento à
Comissão Church, comissão do Senado constituída em 1975
para investigar o envolvimento da agência em complôs de
assassinato e outros negócios escusos, Houston afirmou
que “Kennedy estava indignado por ter sido colocado
naquela situação” pela CIA, pois fora obrigado a abandonar
um processo contra o crime organizado por causa das
intrigas da inteligência.
O braço direito de RFK no Departamento de Justiça, John
Seigenthaler, também acredita que a raiva de Kennedy
naquela tarde tenha sido genuína: “Lembro que, quando
descobriu a armação contra Castro, Bob ficou furioso”,
lembra Seigenthaler, ganhador do Pulitzer de jornalismo
pelo Nashville Tennessean e que trabalhou como assessor
administrativo do procurador-geral até meados de 1962.
“Quando os dois homens da CIA chegaram, levei-os ao
gabinete de Bob. Fiquei com a impressão de que a loucura
tinha cessado, e de que nada mais aconteceria no futuro
sem a aprovação do governo. Eu diria que Bob estava
furioso pra valer nessa reunião. Ele não estava fazendo
uma encenação para mim. Ele não queria constranger o
governo... Vocês estão falando sobre algo que deixaria Bob
furioso, e foi o que aconteceu quando ele descobriu. Não
importa o que se possa pensar sobre ele, vocês não
conhecem o homem se imaginam que ele faria isso. Isso
violava seus princípios. Ter conhecimento de uma
conspiração para assassinar Castro seria antiético, algo
que contrariava suas crenças mais fundamentais. Não creio
que exista alguma evidência disso, nem que vocês possam
encontrá-la.”
A reunião de Robert Kennedy com os dois homens da CIA
ainda está presente nos debates históricos sobre a
administração Kennedy. Ele teria mesmo ficado chocado e
enraivecido por causa dos negócios escusos da agência? Ou
o jovem Kennedy seria a força motriz por trás do complô do
governo contra Castro? Nas últimas quatro décadas, duas
facções opostas se dedicaram a analisar a questão: os
partidários de Kennedy de um lado e os defensores da CIA
do outro. O que está em jogo é nada menos que a posição
moral dos Kennedy perante a história, assim como a
reputação da agência de inteligência americana.
Outra questão crucial paira sobre o debate: os Kennedy
tinham total controle sobre seu aparato de inteligência?
Sim, os agentes da CIA e seus defensores na mídia há
muito insistem que os Kennedy não só controlavam a
agência, mas estavam tão obcecados com a perseguição a
Castro, o homem que havia humilhado os competitivos
irmãos no episódio da Baía dos Porcos, que chegaram ao
ponto de encorajar os agentes de inteligência a ultrapassar
os limites em sua perseguição ao líder cubano. Mas os
partidários dos Kennedy também têm insistido que os
irmãos não eram esse tipo de homens, capazes de usar
assassinos do submundo como agentes da política externa
dos Estados Unidos.
O debate começou quando Robert Kennedy ainda era vivo
e continuou muito tempo após a sua morte. Anos depois do
assassinato do jovem Kennedy, em 1968, Seigenthaler
compareceu a um jantar em Georgetown ao qual estava
presente a habitual mistura de jornalistas, políticos e
espiões. Um dos convidados era Richard Helms, o
burocrata que tinha emergido como homem forte da
agência logo depois da queda de Dulles e Bissell, mesmo
depois que JFK nomeou John McCone diretor da CIA. “Era
evidente que McCone estava por fora. Helms era quem
mandava na CIA”, concluiu Seigenthaler. “Qualquer coisa
que McCone tenha descoberto, foi por acaso.”
Durante a festa, Helms — um homem cortês e calculista
que, ao contrário de outros veteranos da CIA, nunca bebia
mais do que um martíni — se insinuou no grupo de
Seigenthaler. “Com seu jeito misterioso e egocêntrico, sem
dizer nada diretamente, Helms levantou o assunto dos
complôs contra Castro e acusou a administração Kennedy”,
lembra Seigenthaler. “Ele foi muito cauteloso, pois sabia
que eu era leal a Kennedy, mas foi astuto, dizendo coisas
como: ‘Os complôs contra Castro? Vocês não se meteriam
nessa’. Ele era sarcástico e dissimulado.”
Em 1975, Helms — a essa altura despachado para Teerã
como embaixador dos Estados Unidos, mas ainda guardião
dos segredos da CIA — tentou acusar diretamente o
falecido Bob Kennedy. Na época, notícias dos abusos
passados da CIA estavam vindo à tona no clima pós-
Watergate. Uma manhã, Helms convidou o secretário de
Estado, Henry Kissinger, para o café da manhã e deixou
claro a quem atribuiria a culpa se os investigadores do
governo chegassem perto demais dos segredos da agência:
“Helms disse que todas essas histórias eram apenas a
ponta do iceberg”, relatou Kissinger mais tarde ao
presidente Ford numa reunião de emergência no Salão
Oval. “Se eles viessem à tona, correria sangue. Por
exemplo, Robert Kennedy tramara pessoalmente o
assassinato de Castro.” A ameaça de Helms, que seu amigo
Kissinger estava ansioso para transmitir, pode ter ajudado
a garantir que a investigação da CIA, que mais tarde foi
aberta pela administração Ford sob a cautelosa presidência
do vice-presidente Nelson Rockefeller, não penetrasse
muito nas câmaras secretas da agência.
Os partidários de Kennedy, como Seigenthaler, tinham
uma visão muito diferente da relação entre os irmãos e sua
agência de inteligência. Não foram os Kennedy que
encorajaram as ações assassinas da agência contras
inimigos estrangeiros — foi a paixão descontrolada da CIA,
eles afirmam, que a levou para o mau caminho. “Eu achava,
e ainda acho, que a CIA sempre foi uma agência perigosa —
fazia o trabalho sujo por conta própria”, diz Seigenthaler
hoje, na típica fala arrastada do Tennessee. “O conceito de
negação plausível, segundo o qual a CIA agiu com o
consentimento tácito do presidente, deu a homens como
Helms a desculpa para fazer o que bem quisessem. Minha
impressão é de que a relação entre a CIA e a Casa Branca
na administração Kennedy não era saudável. O governo
estava numa posição muito vulnerável com alguém como
McCone à frente da agência. E Bob partilhava desse
sentimento — ele não tinha confiança de que John McCone
tivesse a mais tênue ideia do que a CIA estava fazendo.”
“Fomos apanhados na realidade da Guerra Fria, e a
agência, evidentemente, tinha um papel a desempenhar”,
prossegue Seigenthaler. “Mas não acho que os Kennedy
acreditassem poder confiar no que eles diziam... Estávamos
tentando encontrar uma maneira de sair da Guerra Fria,
mas a CIA com certeza não queria isso.”
A ligação entre Seigenthaler e Kennedy começou em
1957, quando ele tentou partilhar os resultados de sua
reportagem investigativa sobre negociatas que envolviam
sindicatos em Nashville com Bob, que à época ganhava
notoriedade como membro da Comissão McClellan, uma
comissão do Senado que tentava provar as incursões do
crime organizado na política e na economia dos Estados
Unidos. O cunhado de Bob, Sargent Shriver, arranjou um
encontro entre os dois em Nova York, onde Seigenthaler
presidia um seminário sobre jornalismo investigativo na
Universidade de Colúmbia. O jornalista chegou dez minutos
adiantado ao encontro, para ouvir do impetuoso Bobby —
vestido com um sobretudo e pronto para ir embora — a
acusação de estar atrasado e um insulto a sua origem
sulista. “Por que vocês, sulistas, estão sempre atrasados?”,
disse Kennedy, passando por Seigenthaler, não sem antes
lhe dizer que entrasse em contato com seu assessor.
Semanas depois, convocado ao gabinete de Bobby em
Washington, o repórter foi outra vez esnobado por RFK,
que dispensou sua ajuda. A essa altura, Seigenthaler já
tinha uma opinião sobre Kennedy: “Um riquinho idiota!”.
Três semanas mais tarde, Seigenthaler começou a mudar
de opinião. Uma tarde, enquanto trabalhava na redação do
Tennessean, recebeu um inesperado telefonema de
Kennedy. Pelos 45 minutos seguintes, Bob interrogou o
repórter investigativo com perguntas detalhadas sobre a
corrupção no Tennessee, deixando claro que tinha lido
todas as matérias que Seigenthaler havia escrito sobre o
assunto. Depois disse ao repórter que estava enviando dois
investigadores a Nashville no dia seguinte e queria saber
se o repórter poderia ajudá-los. Seigenthaler concordou.
“Desde então, fiquei cada vez mais impressionado com
Bob Kennedy e percebi que o rapazinho arrogante era um
grande cara, e nossa relação se tornou muito cordial”,
lembra Seigenthaler. “Quem poderia imaginar?”
Seigenthaler passara no teste de Kennedy. Agora podia se
juntar ao grupo dos irmãos, que incluía jornalistas como Ed
Guthman e Pierre Salinger, investigadores como Walt
Sheridan e correligionários políticos como Kenny O’Donnell
— homens cuja vida iria mudar para sempre, primeiro pelo
entusiasmo reformista de Bobby e depois pela missão
presidencial do irmão. Para Seigenthaler, a ligação com
RFK se aprofundou ainda mais quando ele pediu ao
jornalista que o ajudasse na elaboração de um relatório de
sua campanha contra o crime, que em 1960 se tornou o
best-seller The Enemy Within [O inimigo interno].
Seigenthaler mudou-se para Hickory Hill, a mansão de
Robert, onde editava o texto à medida que Bob lhe passava
as páginas manuscritas, e onde faziam longos passeios à
tarde. Foi durante esses passeios que Seigenthaler veio a
“conhecer Bob Kennedy melhor do que qualquer outra
pessoa que conheci em toda a minha vida”, ele lembrou
mais tarde. “Ele foi totalmente honesto comigo sobre tudo.”
À medida que Seigenthaler se aproximou mais de
Kennedy, sua primeira impressão de um principezinho
arrogante foi se dissipando. Os irmãos Kennedy poderiam
ter escolhido a vida ociosa de “filhinhos de papai”,
bronzeando-se ao sol em “alguma praia por aí”, mas
preferiram dedicar a vida ao serviço público. Estavam
dispostos a correr riscos para mudar os Estados Unidos. E
Seigenthaler decidiu que se aliaria a eles, fazendo “tudo o
que estivesse ao meu alcance para tornar Jack Kennedy
presidente”. E, mais tarde, correria riscos para servir Bob
Kennedy no Departamento de Justiça.
Em maio de 1961, durante a primeira crise de direitos
civis da administração — provocada por violentos ataques
ao ônibus que levava ativistas que viajavam pelo Alabama
—, Seigenthaler foi enviado pelo procurador-geral para
monitorar a situação. O governador do Alabama, John
Patterson, havia prometido a Seigenthaler que os ativistas
seriam protegidos, mas, quando o ônibus que os
transportava chegou a Montgomery, o comboio de carros
de polícia que o acompanhava de repente desapareceu, e
os ativistas foram deixados à mercê de uma multidão
ameaçadora, que empunhava correntes e cabos de
machado. O assessor de Kennedy, John Doar, relatou os
alarmantes acontecimentos ao procurador-geral de uma
cabine telefônica perto do terminal rodoviário de
Montgomery, onde os ativistas estavam sitiados. “Os
passageiros estão saindo”, disse a Bobby. Mas então sua
voz adquiriu um tom alarmado: “Oh, estão ocorrendo socos
e golpes. Um bando liderado por um homem com o rosto
ensanguentado os está espancando. É terrível. Não há
nenhum policial por aqui. As pessoas estão gritando:
‘Vamos pegá-los! Vamos pegá-los!’. É horrível.”
Seigenthaler não se conteve. Vendo uma garota ser
atingida no rosto e golpeada na cabeça quando tentava
fugir, ele foi em seu socorro. Ela o advertiu: “Vá embora,
senhor. Senão o senhor vai ser morto. Esta luta não é sua”.
Ele tentou empurrá-la para dentro do carro, mas foi
atingido por trás. Diante dos agentes do FBI que assistiam
a tudo, Seigenthaler caiu no chão, desacordado. Só foi
despertar num hospital de Montgomery.
Kennedy ficou furioso quando soube o que tinha
acontecido e se comoveu com a coragem do assessor. “Você
fez o que era certo”, disse Kennedy a Seigenthaler pelo
telefone do hospital. Ainda um pouco tonto, recuperando-se
no leito do hospital, o assessor murmurou: “Deixe-me lhe
dar um conselho. Nunca concorra a governador do
Alabama!”.
Foi Robert quem enfrentou as questões mais explosivas
da administração do irmão, da luta pelos direitos civis a
Cuba e ao crime organizado. Ele parecia estar sempre no
meio do fogo cruzado, assim como o seu grupo no
Departamento de Justiça. Mas, apesar de sua reputação de
combativo, essa não era a vida que RFK tinha imaginado
para si.
Quando o irmão, recém-eleito, lhe pediu para ser seu
procurador-geral, por pressão do pai, que, além de muito
astuto, tinha um forte sentimento de clã e queria, no mais
alto posto da justiça, alguém em quem o presidente
pudesse confiar cegamente, Bob a princípio resistiu. Estava
cansado de “caçar bandidos”, disse ao irmão. Não queria
passar o resto da vida fazendo isso. Estava pensando em
voltar a Massachusetts e fazer alguma coisa lá, talvez se
candidatar a governador ou ser presidente de uma
universidade. Numa fria manhã depois da eleição de Jack,
Bob levou Seigenthaler com ele à casa do irmão em
Georgetown, onde o informaria de sua decisão durante o
café da manhã de ovos com bacon. Mas, no final, ele
patrioticamente aceitou o cargo. “Preciso de você no
governo”, disse-lhe o irmão. E Seigenthaler sabia que assim
seria. O destino de Bobby estava determinado. Ele acabaria
fazendo exatamente o que queria evitar: caçar bandidos
pelo resto da vida.
 
Ninguém da geração de Robert Kennedy conheceu melhor
o lado escuro do poder americano do que ele. Como
observou Arthur Schlesinger, Robert sabia bem como o país
era governado — “as correntes subterrâneas por onde fluía
misteriosamente grande parte do poder americano: o FBI, a
CIA, os sindicatos desonestos e o crime organizado”. Tinha
aprendido a lição com o pai, que tentara controlar essas
correntes em benefício da família Kennedy. Tinha
aprendido como investigador do Senado dedicado a
combater o crime. Tinha aprendido como o diretor durão e
inflexível da campanha do irmão. E aprenderia, sobretudo,
como procurador-geral, quando suas cruzadas provocariam
a fúria desses poderes subterrâneos contra o governo
Kennedy.
O mais jovem dos Kennedy lançou-se nessas perigosas
batalhas com uma mistura de bravura, arrogância,
idealismo e fatalismo irlandês. “Você não terá nenhuma
dificuldade em descobrir quem são meus inimigos”, disse
ele a um repórter da Life em janeiro de 1962 com um
sorriso de satisfação. “Estão todos aí pela cidade.” Essa
bravata de Bobby lembrava sua infância, quando ele se
obrigava a enfrentar aquilo que mais temia. Como estivesse
demorando a aprender a nadar, ele se atirou de um veleiro
no mar de Nantucket Sound, decidido a afundar ou, enfim,
nadar. “Foi uma prova”, observou Jack perplexo, “de muita
coragem ou de nenhum juízo”.
Quando RFK se tornou procurador-geral, aos 35 anos,
ainda era, de certa forma, uma obra aberta. Antes que o
presidente eleito o levasse para fora da mansão de
Georgetown, diante de toda a imprensa reunida na N
Street, para ungi-lo como seu escolhido, teve que dizer ao
irmão que subisse para pentear o cabelo. Diante da bateria
de câmeras e ao lado do confiante irmão mais velho, Bob
parecia um estudante encabulado ganhando um prêmio que
não merecia.
Comparado ao controlado irmão mais velho, ele parecia
um caldeirão de paixões juvenis. Os que os conheciam bem,
como Charles Bartlett, não viam a sutileza de Jack em Bob.
As primeiras impressões de Ted Sorensen sobre o mais
jovem dos Kennedy não tinham nada de simpáticas:
“agressivo, intolerante, dogmático, um tanto superficial em
suas convicções... mais parecido com o pai do que com o
irmão”.
Aos treze anos, Bob tinha resumido sua personalidade
numa composição escolar que chamou de “Um retrato de
mim mesmo”: “Tenho um ótimo caráter, mas meu
temperamento não é tão bom”. A descrição se revelou
bastante acurada depois que Bob se tornou o segundo
homem mais poderoso de Washington. Até seus colegas
democratas o chamavam de “Raúl”, comparando-o com o
irmão mais novo de Castro responsável pelo cumprimento
das ordens de Fidel. Adlai Stevenson o intitulou “príncipe
negro”.
“A grande diferença entre Bob e John F. Kennedy naqueles
dias era que, para Bob, tudo era branco ou preto”, declarou
Pierre Salinger, lembrando os primeiros anos da saga
política dos irmãos. “Mas John tinha a facilidade de
perceber que nem tudo na vida era branco ou preto, e que
havia várias zonas cinzentas.”
Anos depois, refletindo sobre eles em sua sala no
Washington Post, Ben Bradlee, já aposentado, disse:
“Acredito que havia menos assuntos ocultos em Jack. Não
havia tumulto interior em Jack. Já Bob sempre foi um
cruzado, lutando contra aqueles que magoavam as pessoas
que ele amava”. O procurador-geral deu um sentido
messiânico à administração do irmão. Acreditando que os
homens perdem a vitalidade na meia-idade, RFK procurou
cercar-se no Departamento de Justiça de assessores tão
jovens e dedicados quanto ele. Ed Guthman lembra uma
reunião no amplo gabinete do procurador-geral numa tarde
no fim de 1961. Kennedy estava sentado em sua mesa
numa pose típica dele: sem paletó, com as mangas da
camisa dobradas e as pernas cruzadas numa postura
indiana. O sóbrio gabinete havia sido transformado num
salão colorido, com rabiscos impressionistas dos filhos nas
paredes, um agulhão-bandeira envernizado sobre o console
da lareira, ao lado da qual se via um tigre empalhado. A
coleção se completava com o negro e lento labrador de
mais de cinquenta quilos chamado Brumus, um animal “de
inteligência razoável e imenso amor pela humanidade”, nas
palavras do jornalista da revista Look, Fletcher Knebel, que
acrescentou que ele “babava em cima de todo mundo,
inclusive do dono, que não raro tinha que limpar os caros
ternos feitos sob medida em Nova York depois das alegres
salivações de Brumus”. Observando a equipe de Robert
reunida naquela tarde, Guthman constatou que, com 42
anos, ele era a pessoa mais velha na sala.
A jovem equipe de Kennedy correspondia a seu espírito
combativo, seu estilo administrativo franco e caloroso e
suas emoções transparentes. Aos olhos da maioria da
equipe, a paixão de Bobby fazia dele o homem de
temperamento certo para o papel de procurador-geral
justiceiro.
Mas uma pergunta ainda paira sobre o legado dos
Kennedy: esse fervor por justiça de RFK o teria levado,
assim como o governo do irmão, a extremos em sua
campanha contra o regime de Castro? Depois do fiasco da
Baía dos Porcos, o arguto e carismático ditador sem dúvida
se tornou uma obsessão dos irmãos Kennedy,
particularmente de Bobby, que recebeu a missão de
resolver o problema de Cuba. “O camarada barbudo”, como
ele se referia sarcasticamente ao presidente cubano, veio
juntar-se à sua lista de perseguidos, ao lado de outros
“tiranos”, como Jimmy Hoffa. O procurador-geral impôs à
cruzada contra Castro uma intensidade que não se via no
presidente, uma paixão que parecia ter origem no visceral
anticomunismo e catolicismo do irmão mais novo. Segundo
revisionistas anti-Kennedy, como o jornalista Seymour
Hersh, a missão de Bob estava clara: “assassinar Castro e
derrubar seu governo”.
Mas não havia prova irrefutável disso. Embora Bob
tivesse de fato pressionado os homens da CIA a derrubar o
governo cubano, o assassinato não estava entre as medidas
que recomendara à agência. Na verdade, a visão que os
Kennedy tinham do regime de Castro foi se tornando menos
radical à medida que o tempo passava. A administração
adotaria uma estratégia contraditória em relação ao regime
castrista, oferecendo não só golpes, mas também
recompensas à medida que os irmãos Kennedy tentavam
sair do clima de crise que caracterizou os dois primeiros
anos de governo. Dick Goodwin conta o que aconteceu num
dia de novembro de 1961 em que levou Ted Szulc, que
estava sendo considerado para um cargo na administração,
ao Salão Oval para se encontrar com o presidente Kennedy.
O presidente surpreendeu o repórter do New York Times ao
lhe perguntar: “O que você pensaria se soubesse que
ordenei o assassinato de Castro?”. O jornalista lhe disse
que não acreditava que os Estados Unidos estivessem
envolvidos numa coisa como essa. “Concordo totalmente
com você”, disse o presidente. Então revelou que sofria
forte pressão de dentro do governo para dar esse passo
extremo, e que estava “contente” que Szulc pensasse como
ele, porque acreditava que, por “razões morais”, os Estados
Unidos jamais deveriam recorrer a essa atitude criminosa.
Quanto à reação furiosa de Bob aos mensageiros da CIA
que o informaram dos esquemas da Máfia, os críticos dos
Kennedy afirmam que JFK encenou esse diálogo com Szulc
para ter uma cobertura, caso os complôs de assassinato
fossem revelados. Mas Goodwin não acredita nessa
hipótese. “Se Kennedy estivesse de fato envolvido numa
armação para matar Castro, dificilmente teria dito isso a
um repórter do New York Times que, no dia em que Castro
fosse morto, teria nas mãos a história mais sensacional do
mundo! Não podia entrar na sua cabeça nem descobrir
seus motivos, mas não acredito que alguém que conhecia
tão bem a mídia como Kennedy faria uma coisa dessas.”
Dias depois, quando Goodwin levantou o assunto da
conversa entre Kennedy e Szulc, o presidente reiterou sua
opinião: “Não podemos entrar nesse tipo de coisa ou
seremos todos alvos”.
Anos depois, em 1984, Szulc contou esse notável encontro
com Kennedy ao próprio Castro. O líder cubano o ouviu
com grande interesse e disse ao jornalista que isso
confirmava que Kennedy não tivera nada que ver com os
atentados da CIA contra sua vida. E revelou ainda que
estava convencido de que, se Kennedy tivesse sobrevivido,
eles acabariam resolvendo suas diferenças.
Mais recentemente, a viúva de Robert, Ethel, levantou o
assunto dos complôs de assassinato contra Castro durante
uma visita ao líder cubano em Havana. Ela esperou que o
tradutor saísse da sala antes de tocar no assunto. Fidel
finge não ser fluente em inglês, mas na verdade fala muito
bem a língua. Quando estavam sozinhos, Ethel se dirigiu a
Fidel sem intermediários: “Quero que saiba de uma coisa”,
disse, olhando para aquela figura alta e grisalha cuja
história estava tão entrelaçada com a de sua família. “Jack
e Bobby não tiveram nada a ver com os complôs para
assassiná-lo”, ela disse. Castro encarou-a nos olhos e disse:
“Eu sei”.
Mas se o presidente Kennedy pensou que tinha encerrado
a intriga do assassinato de Castro, não tinha a mesma
certeza em relação à CIA. “Com a CIA nunca se podia ter
certeza”, observou Goodwin. “Eles agiam por conta
própria.”
Goodwin se lembra da ira de Kennedy quando o informou
que a CIA tinha oferecido secretamente rifles a assassinos
que tramavam a morte do ditador da República
Dominicana, Rafael Trujillo. “Diga a eles que nada mais de
armas”, exclamou Kennedy. “Os Estados Unidos não vão se
envolver em nenhum assassinato. Gostaria de me livrar de
Trujillo, mas não desse jeito.” Mas foi esse o fim de Trujillo,
quando seu carro foi atingido por tiros num trecho deserto
de uma rodovia, no dia 30 de maio de 1961.
A desobediência da CIA à liderança de Kennedy era mais
evidente quando se tratava de Cuba. A agência se sentia
acossada por posições contraditórias dos irmãos: por um
lado, era instigada a apresentar resultados na campanha
secreta de sabotagem à ilha; por outro, era censurada
quando suas ações tinham resultados políticos adversos. Os
linhas-duras da agência e de outras partes do governo se
queixavam do que consideravam uma política de duas caras
de Kennedy.
Enquanto Robert lutava para resolver o problema de
Cuba, também se esforçava para controlar a CIA, a agência
que o irmão tinha prometido destruir, mas que a cada dia
se tornava mais poderosa em sua guerra secreta e
fartamente financiada contra Castro. A agência de
inteligência, que ainda se ressentia com a maneira como o
presidente lidara com o episódio da Baía dos Porcos, se
mostrava profundamente indignada com a intrusão do mais
novo dos irmãos na questão cubana e se irritava com sua
atuação, que os espiões consideravam teatral e muito
pouco eficiente. Ao mesmo tempo, o incansável RFK
atormentava os agentes da CIA para empreender mais
ações contra o regime cubano e, desafiando sua autoridade,
ele e o irmão estavam impondo estritos limites aos atos da
agência. Não era uma situação confortável. A relação entre
o mais jovem dos Kennedy e os czares da inteligência
estava cada vez mais envenenada. Nos últimos dias do
reinado Kennedy, a guerra entre os irmãos e seu regime de
segurança nacional era mais acirrada do que contra o
regime de Havana.
 
Na tentativa de tomar as rédeas de seu governo, os
Kennedy muitas vezes recorriam a uma figura
independente que operava fora dos canais burocráticos.
Quando Dick Goodman foi obrigado a deixar o posto de
comando em Cuba no fim de 1961, eles escolheram para
substituí-lo o lendário especialista em contrarrevolução,
Edward Lansdale. Em novembro de 1961, os Kennedy
concluíram que sua estratégia em relação a Havana não
estava funcionando. Castro parecia estar se firmando como
um ditador comunista controlado pelos soviéticos, com
ambições revolucionárias sobre o restante da América
Latina, e crescia a pressão política para que algo fosse feito
contra o seu regime. Nesse mês o presidente lançou uma
nova operação secreta, de codinome “Mongoose”, cujo
objetivo era derrubar o regime cubano de dentro,
instigando uma revolução cubana. “Minha ideia é agitar a
ilha com espionagem, sabotagem e desordens de todo o
tipo, operadas pelos próprios cubanos, com todos os
grupos, exceto os partidários de Batista e os comunistas”,
diziam as anotações de Robert Kennedy na reunião
realizada na Casa Branca no dia 3 de novembro, quando o
presidente autorizou a Operação Mongoose. “Não se sabe
se conseguiremos depor Castro, mas, a meu ver, não temos
nada a perder.”
Os Kennedy estavam convencidos de que o entusiasmado
Lansdale era o homem ideal para chefiar as operações da
Mongoose, e ele devia se reportar diretamente a Robert.
Um sujeito elegante com um bigode à la Errol Flynn, ele se
tornara uma celebridade da Guerra Fria nos anos 1950,
quando, quase sozinho, ajudou o líder filipino Ramón
Magsaysay a derrotar uma rebelião de esquerda e mais
tarde, criar e apoiar o regime de Ngo Dinh Diem no Vietnã
do Sul. A ousada estratégia contrarrevolucionária de
Lansdale, inspirada em sua experiência como homem de
propaganda na Califórnia, visava conquistar corações e
mentes das populações do Terceiro Mundo. Apesar da
negação de Graham Greene, comenta-se que Lansdale
inspirou o personagem Alden Pyle, o ingênuo bem-
intencionado de O americano tranquilo, de 1955, um
romance premonitório da malfadada incursão americana no
Vietnã. Mas Lansdale aceitou com orgulho que seu retrato
ficcional era Edwin Hillandale, o oficial militar que
protagoniza O americano feio, escrito por dois conhecidos
seus, William Lederer e Eugene Burdick. Embora mais
tarde o termo tenha se tornado sinônimo do americano
ignorante e culturalmente insensível no exterior, o
protagonista de O americano feio era na verdade simpático.
Como Lansdale, que se aventurava nas aldeias no meio da
selva para divertir os nativos com sua gaita, Hillandale
estava disposto a sujar as mãos no esforço
contrarrevolucionário, ao contrário dos “belos americanos”
baseados no exterior, que nunca abandonavam o conforto
de suas suítes nas embaixadas americanas e se mantinham
ignorantes dos costumes e condições de vida locais.
O livro se harmoniza com a filosofia da política externa de
Kennedy, cujos temas ele incorporou à sua campanha
presidencial em 1960. Lansdale mais tarde impressionou
Kennedy e o levou a vê-lo como a figura ideal para
enfrentar Castro, usando as mesmas táticas de guerrilha do
revolucionário para tentar derrubá-lo.
Há um aspecto romântico na lenda de Lansdale que atraiu
os Kennedy. Ele era corajoso, temerário e indiferente aos
protocolos burocráticos. Embora tivesse se alistado no
Exército Americano durante a Segunda Guerra Mundial,
mais tarde fora designado para o OSS1 e passou toda a sua
carreira no serviço público, flutuando entre o serviço de
inteligência e o serviço militar, onde tinha alcançado o
posto de brigadeiro-general do Exército. Isso deu a
Lansdale a reputação de ser independente tanto da CIA
quanto do Pentágono, que por sua vez não confiava
plenamente no militar. Os Kennedy perceberam que,
dirigida por Lansdale, a Operação Mongoose tinha
potencial para ignorar a hierarquia da CIA e do Estado-
Maior Conjunto,2 um objetivo óbvio dos Kennedy em
relação a Cuba. Lansdale aproveitou a falta de confiança de
RFK na elite da CIA em um memorando que enviou ao
procurador-geral depois que a Operação Mongoose foi
lançada, sugerindo que passassem por cima de “Dick
Bissell” e da “guarda palaciana da CIA” e trabalhassem com
um oficial do segundo escalão da agência, Jim Critchfield,
como agente de ligação com ela, um homem que Lansdale
julgava confiável.
O autônomo procurador-geral e seu igualmente
independente homem de frente em Cuba pareciam
pretender arrancar a ilha da esfera da burocracia nacional
de segurança e criar uma equipe própria para enfrentar o
problema. Em um memorando de 7 de dezembro de 1961,
Lansdale se queixava de que os ataques-surpresa da CIA a
Cuba — que com frequência utilizavam eLivross que não
satisfaziam os estritos critérios de Robert Kennedy, tendo
entre eles homens ligados a Batista e os gângsteres que o
apoiavam — estavam em descompasso com a filosofia da
Operação Mongoose, que determinava que expedições de
sabotagem só fossem realizadas quando ajudassem a
construir um movimento popular contra Castro dentro de
Cuba.
Lansdale invocou os ideais democráticos da Revolução
Americana para justificar a operação contra Castro. “Os
americanos já fizeram uma revolução bem-sucedida”,
escreveu Lansdale em um relatório do programa da
Operação Mongoose datado de 20 de fevereiro de 1962.
“Ela foi realizada de dentro para fora e teve sucesso porque
contou com ajuda política, econômica e militar das nações
que apoiavam nossa causa. Usando esse mesmo conceito
de revolução feita de dentro para fora, agora devemos
ajudar o povo cubano a derrotar a tirania e ganhar sua
liberdade.”
Mas, subjacente a esse novo marketing democrático, as
missões de Lansdale no exterior se encaixavam
perfeitamente no modelo imperialista. Nas Filipinas, ele
conseguiu fazer de Magsaysay um pelego corrupto,
espalhando uma mala cheia de dinheiro vivo da CIA para
garantir sua vitória nas eleições presidenciais de 1953 e
atacando-o quando o candidato tentou distribuir um
discurso escrito por um filipino em vez do discurso de um
de seus manipuladores americanos. O bruxo da
contrarrevolução se deliciava em contar como aterrorizara
os rebeldes comunistas e os obrigara a fugir de uma parte
da selva filipina fazendo os supersticiosos guerrilheiros
acreditarem que a região estava infestada de vampiros:
“Quando os huks vieram... o último homem [de sua
patrulha] foi silenciosamente agarrado pela patrulha [do
governo]. Quando os huks se afastaram, o homem
capturado foi morto, recebeu dois furos na garganta e foi
arrastado pelos calcanhares até perder todo o sangue. O
corpo foi devolvido à trilha. Ao retornar, os huks
encontraram o cadáver. A prova da existência de vampiros
era convincente. Os huks deserdaram da parte da selva que
estava em seu poder antes do anoitecer.”
A artimanha grotesca de Lansdale mais tarde ficou
conhecida nas Filipinas. Em 1986, um jornalista escreveu
que a lenda “faz os filipinos vomitarem. Lansdale jamais
ousaria profanar o corpo de um branco americano [...] ao
contrário dos filipinos, que são considerados esterco, uma
raça inferior cujos corpos podem ser profanados, ter todo o
sangue drenado e abandonados para apodrecer na selva.”
Lansdale nunca tentou algo tão horrível em Cuba. Mas
seu saco de ataques-surpresa, truques de propaganda e
armadilhas da guerra psicológica — inclusive um plano
para encenar a segunda vinda de Cristo ao fazer um
submarino norte-americano ao largo da costa de Cuba
lançar explosivos luminosos no céu, incitando os católicos
da ilha a se rebelar e derrubar Castro — fracassou
ridiculamente, sem pôr em risco o regime de Havana. Uma
coisa era afugentar rebeldes primitivos da selva filipina;
outra muito diferente era depor um homem brilhante e
carismático como Fidel Castro, cujo poder se tornava cada
vez mais popular graças a reformas sociais e a sua
sofisticada máquina repressiva.
Os homens da CIA odiavam Lansdale, a quem
consideravam “vigarista” e “místico”, temendo que ele
pudesse deixá-los de fora do caso de Cuba, que estava se
transformando na maior e mais fartamente financiada
frente de batalha da Guerra Fria. Eles conspiravam para
encontrar maneiras de derrotá-lo e ansiavam por apontar a
notável falta de resultados da Operação Mongoose.
Bob Kennedy foi obrigado a reconhecer os insucessos
dessa operação, mas levou adiante o programa por quase
todo o ano de 1962, até que a Crise dos Mísseis, em
outubro, tornou o fracasso evidente. A operação serviu aos
propósitos dos Kennedy naquele momento. Enquanto os
democratas caminhavam para as eleições parlamentares de
novembro, os irmãos se viam sob forte pressão para evitar
que Cuba se tornasse uma questão explosiva. Naquele ano,
as publicações de Luce, principais defensoras na mídia do
machismo da Guerra Fria, mantiveram um constante
ataque a Castro, a começar pela edição de 19 de janeiro da
revista Life, cujo editorial advertia JFK da necessidade de
empreender uma ação unilateral contra o “praça de armas
[do] imperialismo comunista” se nossos aliados latinos se
revelassem tímidos demais para agir. Enquanto isso, Barry
Goldwater anunciava “a política de impassibilidade em
relação a Cuba” e eLivross cubanos alarmados acusavam o
presidente Kennedy de estar tentando secretamente uma
coexistência com Castro. Como seu guardião político,
Bobby percebeu que a Mongoose pelo menos dera certa
desculpa ao presidente. Dava a impressão de que o governo
não estava ignorando Castro, como Goodwin tinha
aconselhado, mas assumindo a ofensiva.
Os Kennedy tinham consciência de que os apelos a uma
invasão militar de Cuba se tornariam mais fortes à medida
que as eleições de novembro se aproximassem. Enquanto o
almirante Burke se preparava para deixar a Marinha no
outono de 1961, facilitado pela administração que tinha
ofendido, JFK o convocou ao Salão Oval para interrogá-lo
sobre Cuba. O presidente com certeza percebeu que Burke
logo se tornaria um espinho político em seu flanco e queria
ouvir qual seria seu plano de ataque à ilha. “Ele me
perguntou se eu achava que devíamos invadir Cuba”,
lembrou Burke mais tarde. “Eu disse que sim. Ele
perguntou se podíamos vencer Cuba facilmente. Eu disse
que sim, mas que isso estava ficando cada vez mais difícil.
Ele perguntou o que eu achava que aconteceria se
atacássemos. Eu disse que seria uma confusão dos
infernos, mas que algum dia teríamos que fazer isso.” No
ano seguinte, Goldwater declarou que “alguma coisa
precisava ser feita sobre Cuba... se fosse necessário usar
nossa força militar, eu não hesitaria em usá-la”.
O presidente Kennedy não tinha a menor intenção de
invadir Cuba. Mas ele e o irmão sabiam que não fazer nada
naquele clima agitado da época seria um suicídio político.
Portanto, julgaram a opção intermediária, a Operação
Mongoose, a mais segura. Escolher um homem da
propaganda como Lansdale para dirigi-la fazia sentido. A
operação visava antes de tudo uma exibição, queixou-se o
homem de frente da CIA em Cuba, Bill Harvey. Como os
homens mais espertos da CIA sem dúvida perceberam, essa
era a questão. O show cubano de Lansdale tinha a intenção
de deslumbrar o povo americano. Isso lhe daria a certeza
de que algo estava sendo feito. As pesquisas de opinião
mostravam que o público — estimulado por uma mídia cuja
beligerância rivalizava com a das publicações Hearst na
época do “Lembrem-se do Maine!”3 — de fato desejava que
algo fosse feito. Mas, felizmente para os Kennedy, os
americanos logo pararam de querer a guerra. Assim, eles
mantiveram o Pentágono e a CIA sob controle, ao mesmo
tempo que acalmavam a vaga ansiedade do povo sobre
Cuba, molestando sem sucesso o regime de Castro.
Os homens da CIA e do Pentágono não eram tolos e não
se deram por vencidos. Sabiam que a Operação Mongoose
não tinha chance de sucesso e que uma invasão militar era
a única maneira de eliminar o “humilhante” posto avançado
do comunismo no Caribe, como dizia Goldwater. Pelo resto
do governo Kennedy, os chefes militares e os funcionários
da inteligência conspiraram para obrigar o presidente a dar
um passo drástico, como aconteceu no fracasso da Baía dos
Porcos. Sua raiva e sua frustração cresciam à medida que
os Kennedy continuavam rechaçando sua pressão
beligerante.
Em 18 de julho de 1962, o diretor da CIA, John McCone,
jantou com Bobby, aproveitando a ocasião para recomendar
uma ação contra Cuba. McCone já tinha advertido RFK de
que “Cuba era nosso problema mais grave. Ainda
acrescentei que, em minha opinião, Cuba era a chave para
toda a América Latina; se Cuba tivesse sucesso, podíamos
esperar a queda da maior parte da América Latina”.
Durante o jantar, o diretor da CIA reiterou essas opiniões.
Mas Kennedy não comprou o argumento de McCone. Bobby
sabia que a tentativa da Operação Mongoose fora
“decepcionante”, mas não estava convencido de que os
Estados Unidos deviam lançar todo o seu poderio militar
contra Havana. “Ele recomendou uma intensificação dos
esforços, mas parecia inclinado a deixar que a situação
‘piorasse’ antes de ordenar uma ação drástica”, escreveu o
decepcionado McCone mais tarde sobre o jantar.
Na guerra ideológica para definir a ação do governo
Kennedy, que irrompeu logo depois que o presidente foi
enterrado em Arlington e que continua até hoje, os homens
da segurança nacional insistiram que os irmãos Kennedy
tinham “perdido o controle” sobre Cuba, pressionando-os a
tomar medidas absurdas contra Castro, como a loucura da
Mongoose. Essa se tornou a versão mais comum da política
dos Kennedy em relação a Cuba em inúmeros livros,
programas de tevê e documentários: foi uma política
intempestiva, obsessiva, traiçoeira e até mesmo criminosa.
Mas essa não é uma imagem precisa da política de
Kennedy. O que na verdade aborrecia os homens da linha
dura da segurança nacional não era a “perda de controle”,
mas o fato de os Kennedy estarem “no controle”. Irritava-os
a maneira como Bob Kennedy e assessores excêntricos
como Lansdale investiam contra eles. E eles ficaram
furiosos com as restrições impostas às suas ambições
militares. Frustrados em sua campanha para declarar
guerra a Cuba, os responsáveis pelo serviço de inteligência
declararam guerra aos Kennedy, em especial ao
insuportável irmão mais novo encarregado de supervisioná-
los. E, sem comunicar o presidente ou o procurador-geral,
deram outro passo desastroso. Renovaram o sinistro
contrato com a Máfia para eliminar Fidel Castro.
 
Numa linda tarde de primavera, Cynthia Helms está
sentada no solário de sua confortável casa num bairro
arborizado de Washington, perto do Battery Kemble Park.
Está cercada de fotos de seu falecido marido, Richard, que
morreu dormindo em 2002, aos 89 anos. Há fotos
emolduradas de Helms com todos os presidentes a quem
ele serviu — com a notável exceção de Kennedy. Numa
certa altura do governo, o homem da CIA percebeu que não
tinha uma das “habituais” fotos autografadas de JFK e
telefonou a Kenny O’Donnell na Casa Branca para solicitar
uma. Mas, três dias depois, Kennedy foi assassinado.
Os cabelos de Cynthia Helms, que já foram de um
vermelho impressionante, agora estão brancos. Ela veste
uma roupa prática e discreta nessa tarde: uma blusa de
algodão leve e calças cor de canela. É uma mulher
inteligente, instruída, imperturbável. Numa mesinha lateral
há um exemplar do romance Sábado, de Ian McEwan.
Durante a Segunda Guerra Mundial ela serviu sua
Inglaterra natal no corpo feminino da Marinha Real
Britânica. Depois, casou-se com um cirurgião escocês e foi
“com ele diretamente para a Clínica Mayo, onde chorei
durante meses”, quando percebeu que tinha cometido um
erro. Teve quatro filhos, divorciou-se do marido e mudou-se
para Washington, onde conheceu Helms em uma festa na
embaixada do Líbano. Casou-se com ele em 1968. Ficou
casada com Helms pelo resto da vida, durante toda a sua
controversa carreira como diretor da CIA e, mais tarde,
embaixador no Irã — uma tarefa nada fácil. “Quase escrevi
um livro sobre as esposas da CIA”, ela diz. “Acho que elas
passaram tempos realmente difíceis. Você vai para um país
estrangeiro e seu marido fica a noite inteira fora, sem que
você saiba onde ele está. E não pode perguntar. Houve
muitos divórcios.”
Mas ela aprendeu a se adaptar aos hábitos do esposo.
Sabia quando pressioná-lo e quando não, como nos dias em
que ele chegava do escritório com o que ela chamava de
“ar oriental, totalmente impenetrável”. Nessas noites, era
melhor não fazer perguntas. O marido era “terrivelmente
discreto”. E beber não afrouxava sua língua, como
acontecia com muitos velhos companheiros da CIA que
adoravam uma boa dose de gim. “Ele só tomava um martíni
na sexta-feira à noite — um martíni”, ela diz. “Muito
disciplinado.”
Mas Helms não escondeu da mulher seus verdadeiros
sentimentos em relação a Robert Kennedy, embora o chefe
de espionagem já não trabalhasse para ele quando os dois
se conheceram, e embora Kennedy tenha morrido no ano
em que eles se casaram. “Meu marido não era
propriamente um admirador de Robert Kennedy”, diz
Cynthia Helms com sua moderação britânica. “Ele o achava
um obcecado por Cuba. Obcecado demais. Para as pessoas
do governo, foi muito difícil lidar com isso.” Helms também
achava que RFK era um impostor, diz a viúva. No fim da
vida, Kennedy foi muito admirado por ser um dos poucos
políticos brancos numa América racialmente dividida a
ultrapassar as linhas divisórias e dirigir-se a diferentes
públicos. Mas Helms não acreditava nisso. “Ele realmente
não sentia que Bobby fosse... como posso dizer? Ele achava
que seu interesse pelos direitos civis era político.”
Tão forte era o rancor dos chefões da CIA, como Helms,
contra Robert Kennedy, que sobreviveu à morte deles. A
repulsa aos Kennedy, a Bobby em particular, seria
canalizada pelos velhos associados de Helms, como o
veterano da CIA Sam Halpern, cujos comentários
depreciativos sobre Camelot foram amplamente citados nos
livros de história e documentários até sua morte, em 2005.
Richard Helms assumiu a CIA em fevereiro de 1962,
quando seu rival, Dick Bissell, finalmente foi exonerado
depois do episódio da Baía dos Porcos e Helms o substituiu
como chefe de operações secretas. Era o segundo cargo
mais importante da agência, mas Helms — que tinha
servido sob as ordens de Allen Dulles no OSS — tinha a
mesma atitude dominadora de seu antigo chefe, e logo
ofuscou o substituto de Dulles, John McCone, como
verdadeiro centro de poder em Langley. Pelo resto da
presidência de Kennedy, Helms foi a principal figura do
serviço de inteligência com quem Robert Kennedy se
relacionava. Enquanto Helms tratava McCone como um
inofensivo testa de ferro — um típico dirigente de cabelos
brancos e bem-vestido, “saído diretamente de um elenco de
Hollywood” —, considerava Bobby seu verdadeiro rival na
liderança da agência de espionagem.
Como a maioria dos escalões superiores da CIA, Helms
era produto da riqueza e da alta posição social dos WASP.
Neto de um
proeminente banqueiro internacional e filho de um
executivo da Alcoa, foi criado na Europa e educado ao lado
do futuro xá do Irã na Le Rosey School, na Suíça. Depois de
se formar no Williams College como “o mais apto para o
sucesso”, casou-se com a herdeira da fortuna da Barbasol,
mas essa primeira união terminou em divórcio. Ele tentou
fazer carreira no jornalismo, cujo ponto alto foi uma
entrevista com Hitler como jovem correspondente da
United Press em Berlim. Mas, quando estourou a Segunda
Guerra Mundial, foi recrutado para o mundo da
inteligência. Alto, bem-vestido, os finos cabelos penteados
para trás, Helms transpirava um ar extremamente
confiante. Era presença constante nos salões e quadras de
tênis de Georgetown, onde seduzia as companheiras de
jantar. “Tendo sido correspondente estrangeiro, ele observa
muito e é capaz de lembrar precisamente do que poucos
maridos americanos notam: que vestido cada mulher usava
para jantar e quem tinha a alça do vestido fora de lugar”,
observou o New York Times.
Helms via no mais jovem dos Kennedy um sagaz inimigo
político que precisava ser monitorado e controlado.
Irritava-o o fato de o procurador-geral meter o nariz nos
assuntos da agência e bombardeá-lo com ordens. Helms se
ofendera quando Kennedy o obrigara a dirigir da Virgínia
até Washington para comparecer às reuniões da Mongoose
todas as manhãs às 9h30. “Devido ao tempo que perdia na
viagem para chegar a Washington a essa hora”, ele mais
tarde reclamou, “parecia existir uma intenção disciplinar
nessa decisão.”
Helms descartou a tentativa de sabotagem da Mongoose,
considerando-a “nada mais que ninharias” contra Castro, e
se irritava com a “cobrança de resultados” de Kennedy.
Mais tarde, reclamou que, no reinado “implacável” de
Bobby, ele era perseguido. “Você teria adorado a
experiência de ter o descontrolado Kennedy no seu pé.”
RFK só tinha “uma leve ideia do que estava envolvido numa
operação secreta de inteligência”, concluiu Helms
amargamente. O chefe da espionagem estava diante de um
dilema: estava sendo inspecionado por um moleque
insolente que tinha uma linha direta com o irmão mais
velho na Casa Branca — e os dois pareciam determinados a
destruir a agência de inteligência que ele se dedicava a
proteger, deixando Castro em segurança no poder.
Robert tinha um desapreço similar por Dick Helms. “Eu
não confiava em Helms e acho que Bob também não”, disse
John Seigenthaler. “Bob fazia comentários depreciativos
sobre ele. Acho que os Kennedy se consideravam capazes
de estimular e renovar todas as agências do governo.
Talvez fosse uma utopia. Mas acho que Bob acreditava
nisso. Ele estava sacudindo tudo. Mas ainda havia alguns
lugares onde a burocracia era arraigada e impenetrável.
Bob não acreditava que houvesse uma maneira de romper a
crosta da CIA. Isso significava que eles não eram
confiáveis.”
Dick Helms era um burocrata que sabia conter seu
ressentimento amargo contra o bisbilhoteiro irmão do
presidente. Mas o homem que ele colocou à frente das
operações da agência em Cuba não tinha o mesmo talento
para a dissimulação. Bill Harvey era um intragável e mal-
humorado ex-agente do FBI, conhecido por se pavonear
com um revólver enfiado na cintura. Quando assumiu a
operação da CIA contra Cuba baseada em Miami, chamou-
a, à sua maneira tipicamente arrogante, “Força-Tarefa W”,
uma homenagem a William Walker, um mercenário do
século XIX que tomou a Nicarágua, fez dela seu império
particular e foi mais tarde executado por um pelotão de
fuzilamento hondurenho. De físico atarracado e olhos
esbugalhados devido a um distúrbio da tiroide, além de
beberrão, Harvey, apesar disso, tinha feito fama como chefe
de espionagem ousado na Berlim do pós-guerra por ter
cavado um túnel por baixo das linhas soviéticas para
espreitar o inimigo. (O fato de os russos terem descoberto o
túnel antes que algum revés significativo ocorresse não
manchou a reputação de Harvey numa Washington que, no
clima da Guerra Fria, estava ansiosa por heróis da
espionagem.) Quando JFK, que era deslumbrado por James
Bond, pediu para conhecer o agente da CIA que mais se
aproximava do 007, Lansdale levou Harvey à Casa Branca.
O perplexo presidente perguntou àquele agente cadeirudo,
de pé torto e a caminho da calvície, se tinha tanta sorte
com as mulheres quanto Bond.
Em particular, Harvey chamava os irmãos Kennedy de
“bichas”, mas reservava um ódio especial a Bobby, a quem
se referia sempre como “sacana”. Frequentemente
censurado pelo procurador-geral por fazer muito “barulho”
em seus ataques a Cuba, ele achava os Kennedy uns
covardes que na verdade não queriam depor Castro.
“Depois que Bill Harvey assumiu o controle, no início de
1962, só tivemos um pequeno sucesso [...] talvez tenhamos
desativado um transformador”, lembra Sam Halpern, que
foi assessor de Harvey na Força-Tarefa W. “Foi uma coisa
insignificante, mas que provocou manchetes em Cuba e em
Miami [...] O procurador-geral liga para Bill Harvey [...] Bill
leva uma bronca por telefone. Harvey diz ao procurador-
geral que as pessoas vão falar no assunto; que a notícia vai
estar no rádio, na televisão. Assim é a vida. Não se podem
esconder essas coisas.”
Com o tempo, Harvey foi ficando cada vez mais irritado
pela intromissão de Kennedy, e não teve medo de mostrar
isso. RFK e Lansdale, que Harvey e seus assessores
consideravam “malucos”, às vezes visitavam o quartel-
general da Força-Tarefa W, instalado nos antigos
alojamentos da Marinha no campus da Universidade de
Miami. Harvey deixava claro que eles não eram bem-
vindos. Durante uma dessas visitas à estação JM/WAVE,
codinome do centro de operações secretas contra Castro,
Kennedy retirou uma folha de papel do teletipo, mas
Harvey imediatamente a arrancou de sua mão. “O senhor
não tem o direito de ler isso”, ele rosnou em sua voz grave.
Em outra ocasião, Kennedy, impaciente, queixou-se de que
Harvey não estava infiltrando agentes suficientes em Cuba
e se ofereceu para treinar mais homens em sua
propriedade em Hickory Hill se necessário. “E o que o
senhor lhes ensinaria?”, perguntou Harvey. “A cuidar de
crianças?”
Nada do que os Kennedy tivessem feito, a não ser ordenar
uma invasão militar da ilha, teria agradado a diretores da
CIA como Helms e Harvey. Eles acreditavam, e tinham boas
razões para isso, que essa seria a única maneira de
derrotar o regime de Castro. Mas os Kennedy fariam pouco
mais do que inúteis exercícios de tiro, como disse Halpern
depreciativamente, e absurdos planos de golpe com a
colaboração de líderes eLivross que não tinham a menor
chance de depor Castro. Bobby tinha um fraco por esses
corajosos, porém iludidos, Dom Quixotes, enviando
funcionários da CIA com frequência para aconselhar-se
com esses conspiradores. E gostava especialmente dos
líderes eLivross que rejeitavam a ajuda da CIA e juravam
recuperar seu país por conta própria.
Um desses homens era Ernesto Betancourt, antigo
emissário do movimento revolucionário de Castro a
Washington que, através de Charles Bartlett, jornalista
amigo de JFK, tentara adverti-lo contra a malfadada missão
na Baía dos Porcos. Em 1962, Betancourt se envolveu com
um dos muitos grupos de eLivross cubanos que se
acreditavam capazes de depor Castro antes do Natal, o
ELC (Ejército Libertador de Cuba). No mês de setembro,
ele se encontrou com Bobby Kennedy, instigando o
procurador-geral com sua conversa de desencadear uma
rebelião popular em Cuba no fim do mês. Além disso, esse
feito extraordinário seria alcançado sem a CIA, uma
agência que, como revelou a Bobby, “relegara os cubanos à
condição de tolos, enquanto os americanos davam as
ordens”. Betancourt pintou um quadro de uma Cuba em
plena rebelião: os slogans do ELC pintados em todas as
paredes da ilha, pontes e fábricas destruídas, a milícia de
Castro sob fogo cruzado em todo o interior do país. Então
as guerrilhas de Betancourt desembarcariam nas praias
cubanas e se infiltrariam na ilha, para começar a coordenar
o ataque final a Havana. E dessa vez teriam sucesso, livres
da inepta liderança da CIA.
Kennedy imediatamente convocou Helms e lhe contou o
plano de Betancourt. Pode-se imaginar o prazer com que o
burocrata da CIA elogiou esse mais novo intento de Bobby
de “agir fora da estrutura” da agência para depor Castro.
Helms e Harvey logo se movimentaram para desmantelar o
plano, despachando um agente chamado Charles Ford para
avaliar a ideia genial de Betancourt e informar Kennedy de
sua inutilidade. Ford disse a RFK que, “na franca opinião
da CIA, havia uma mínima probabilidade de 15 mil pessoas
estarem prontas para empreender uma rebelião
minimamente bem-sucedida; que a CIA não acreditava que
tal rebelião iria ocorrer e que, se esse improvável
acontecimento chegasse a ocorrer, seria brutal e
totalmente reprimido”. Era uma avaliação dura, mas
precisa, e Kennedy foi obrigado a aceitar a lógica da
agência. Nesse ínterim, Ford comunicou seus superiores na
CIA de que um dos homens do ELC que cercavam
Betancourt ligara-se a um espião de Castro que fora
enviado aos Estados Unidos para infiltrar-se no grupo e
matar seus chefes. Isso confirmava a opinião de Harvey e
de Helms de que Kennedy não passava de um espião
amador, cujas trapalhadas só desviavam os profissionais do
trabalho verdadeiro.
Apesar do entusiasmo dos diretores da CIA por um ataque
militar a Cuba, os próprios analistas da agência não viam
com bons olhos a perspectiva de uma invasão. Em 10 de
abril de 1962, em memorando ao diretor McCone, Sherman
Kent, presidente da Board of National Estimates [Comissão
de Estimativas Nacionais] da CIA, traçou um quadro
preocupante do que poderia acontecer se as tropas norte-
americanas atacassem a ilha. Mais de quatro décadas
depois, o memorando de Kent ainda tem uma
surpreendente força reveladora.
A boa notícia, escreveu Kent a McCone, é que a
resistência inicial das forças de Castro se dissolveria dias
depois da invasão. A euforia reinaria quando Washington
prometesse devolver o controle da nação logo que possível
a um governo representativo do povo cubano. Mas depois a
situação se deterioraria rapidamente, previu Kent.
“Números substanciais” das forças castristas sobreviveriam
ao ataque inicial dos Estados Unidos e a “resistência das
guerrilhas continuaria” no interior do país. Grande parte da
população cubana apoiaria essa resistência contra o que
considerariam uma tentativa norte-americana de “voltar a
impor sobre o povo cubano o jugo do ‘imperialismo
ianque’”. O estabelecimento de um governo pró-Estados
Unidos seria “muito prejudicado pela persistência da
resistência terrorista clandestina nas cidades” e pelas
guerrilhas no interior. “A pacificação do país, na medida
necessária para permitir o desenvolvimento de um regime
[...] confiável, poderia ser muito retardada”, observou Kent.
Assim sendo, as forças militares dos Estados Unidos seriam
obrigadas a uma ação “prolongada” como forças de
ocupação, que se tornariam um alvo fácil para a violência
terrorista. Isso levaria os soldados americanos a tomar
“medidas arbitrárias contra a população em geral”,
aprofundando o ressentimento contra a ocupação norte-
americana e fomentando mais ainda a violência. Nessas
circunstâncias, o prestígio internacional dos Estados
Unidos seria abalado em consequência dessa ação militar
unilateral, isolando o país de seus aliados na OTAN e na
América Latina e aumentando a desconfiança do resto do
mundo.
Era um cenário de pesadelo, que se realizaria mais do que
uma vez na história recente da nação. Era precisamente
este o atoleiro que o presidente Kennedy temia e que o
enfrentaria se ouvisse os conselhos de seus diretores de
segurança nacional, primeiro em Cuba e mais tarde no
Vietnã.
Mas nem montes de documentos sobre a Guerra Fria,
como o memorando de Kent, conseguiriam aplacar o fervor
belicista contra Cuba no Pentágono e no quartel-general da
CIA. O Estado-Maior Conjunto continuou mantendo planos
para a eventualidade de uma invasão a Cuba, dos quais
nenhum tinha o mesmo final desastroso como o do cenário
traçado por Kent. Um dos mais insidiosos documentos já
produzidos pelo governo dos Estados Unidos foi
despachado pelo general Lemnitzer, presidente do Estado-
Maior, a Robert McNamara em 13 de março de 1962. O
memorando ultrassecreto, assinado pelos mais altos
comandantes militares do país, aconselhava enfaticamente
o governo a encenar vários incidentes chocantes para criar
um argumento favorável à invasão de Cuba. Entre esses
incidentes eram sugeridos falsos ataques à base militar
americana em Guantánamo e a países da América Latina
como República Dominicana, Haiti, Guatemala e
Nicarágua, que seriam atribuídos a Castro; bombardeios
simulados a aeronaves civis e militares dos Estados Unidos
(falsas “listas de vítimas publicadas nos jornais americanos
causariam uma providencial onda de indignação nacional”,
dizia o memorando); explosão de um navio americano na
baía de Guantánamo atribuída a Cuba, um incidente que o
memorando comparava à misteriosa explosão do
encouraçado Maine no porto de Havana em 1898, que
deflagrou a Guerra Hispano-Americana.
Mas a sugestão mais cruel era a de montar uma
campanha terrorista em Miami e outras cidades da Flórida,
“e até em Washington”, para criar uma revolta
internacional contra o regime castrista. Essa violenta
campanha seria dirigida contra os refugiados cubanos na
América, dizia o assustador memorando. “Poderíamos
fomentar tentativas contra a vida de refugiados cubanos
nos Estados Unidos, a ponto de causar ferimentos,
ocorrências que seriam amplamente divulgadas. A explosão
de algumas bombas de explosivo plástico em pontos bem
escolhidos, a prisão de agentes cubanos e a liberação de
documentos antecipadamente preparados que
substanciassem o envolvimento de Cuba também seriam
úteis para projetar a ideia de um governo irresponsável.”
Os chefes militares não esclareciam como suas bombas se
limitariam apenas a ferir, sem matar, suas vítimas
inocentes, e como podiam garantir que as únicas baixas
seriam de inocentes refugiados cubanos, e não de
americanos que estivessem próximos. Mas as forças
militares dos Estados Unidos há muito se mostravam
excessivamente confiantes de sua precisão.
Não há registro da resposta de McNamara a essa
proposta cínica de seus comandantes militares quando
Lemnitzer o encontrou naquela tarde de terça-feira. Mas o
plano sinistro, que recebeu o nome de Operação
Northwoods, não foi aprovado. Quando lhe perguntei sobre
Northwoods, McNamara disse: “Não tenho absolutamente
nenhuma lembrança dessa proposta. Mas com certeza eu a
teria rejeitado. [...] Não posso acreditar que alguém tenha
proposto tais atos de provocação em Miami. Que
estupidez!”.
Como o presidente, McNamara lembrou-se de Lemnitzer
com um desprezo indisfarçado. “A arrogância de
McNamara era impressionante”, disse um assessor de
Lemnitzer. “Ele deu ao general Lemnitzer muito pouca
consideração e o tratou como um colegial. O general quase
ficava em posição de sentido quando ele entrava na sala. Só
se ouvia ‘sim, senhor’, ‘não, senhor’.”
Lemnitzer também desagradava Jackie Kennedy. “Todos
nós tínhamos uma boa impressão dele até que ele cometeu
o erro de vir à Casa Branca em uma manhã de sábado
vestindo uma jaqueta esporte”, ela comentou com certo
desdém, enfatizando que não só a política, mas
principalmente as diferenças de classe e cultura separavam
a Casa Branca de Kennedy dos militares.
Lemnitzer, um ideólogo de extrema direita que aprovava a
doutrinação paranoica das tropas do Exército por parte do
general Edwin Walker, o que levantou suspeitas da
Comissão de Relações Internacionais do senador William
Fulbright, também desprezava o grupo dos Kennedy. Para
ele, o governo “estava enfraquecido não só pela
inexperiência, mas também pela arrogância de não
reconhecer suas próprias limitações. [...] O problema era
simplesmente que os civis não aceitavam as decisões
militares”.
No dia 16 de março, três dias depois de seu encontro com
McNamara, Lemnitzer foi convocado pelo presidente
Kennedy para uma reunião no Salão Oval para discutir uma
estratégia contra Cuba, à qual também compareceram
McCone, Bundy, Lansdale e Taylor. A certa altura, Lansdale
tomou a palavra, como sempre, para falar da melhoria das
condições para uma revolta popular em Cuba,
acrescentando que, uma vez que se iniciasse a gloriosa
revolução anticastrista, “precisamos estar prontos para
intervir com as forças dos Estados Unidos, se necessário”.
Isso provocou a imediata reação de Kennedy, sempre alerta
depois da Baía dos Porcos, contra a pressão de uma reação
militar em Cuba. O grupo não estava propondo que ele
autorizasse uma intervenção militar, estava? “Não”,
garantiram imediatamente Taylor e os outros.
Mas Lemnitzer não se conteve. Aproveitou o momento
para propor a Operação Northwoods. Ocultou do
presidente as ideias mais horrendas do plano, como
explodir pessoas nas ruas de Miami e na capital do país e
colocar a culpa em Castro. Mas informou Kennedy de que o
Estado-Maior “tinha planos de criar motivos plausíveis para
usar a força [contra Cuba] por conta de ataques a
aeronaves norte-americanas ou de uma ação cubana na
América Latina, o que exigiria uma retaliação”.
Kennedy não gostou. Segundo as anotações de Lansdale,
o presidente fixou em Lemnitzer um olhar duro e “disse,
diretamente, que o uso da força militar dos Estados Unidos
não estava em discussão”.
Apesar da reação fria do presidente, o chefe do Estado-
Maior insistiu numa campanha belicista. Cerca de um mês
depois desse encontro na Casa Branca, Lemnitzer reuniu
seus companheiros de armas no “tanque”, como era
chamada a sala de reuniões do Estado-Maior Conjunto. Sob
sua supervisão, eles elaboraram um memorando a
McNamara, insistindo “que o problema cubano seria
resolvido em um futuro próximo”. O memorando deixava
claro que isso jamais aconteceria se fosse necessário
esperar pela fantasiosa rebelião popular de Ed Lansdale.
Só havia uma maneira de fazer o trabalho direito: “O
Estado-Maior Conjunto recomenda que uma política
nacional de intervenção em Cuba seja adotada o quanto
antes pelos Estados Unidos”.
Lemnitzer estava abusando da paciência de Kennedy e de
McNamara. Depois da reunião do Conselho de Segurança
Nacional, em junho, o presidente chamou o general de lado
e lhe disse que pretendia enviá-lo para a Europa como novo
comandante supremo dos aliados na OTAN. Kennedy o
substituiria como chefe do Estado-Maior da nação por
Taylor, um homem bem mais fácil de lidar. Seria um
belicista a menos para incomodá-lo com relação à Cuba.
 
Quando Richard Helms percebeu que o presidente Kennedy
não ia usar a força militar contra Cuba, “o cavalheiresco
planejador de assassinatos”, como o chamou o biógrafo
Thomas Powers, tomou a decisão de reativar os complôs da
Máfia contra Fidel Castro. Sem notificar os irmãos Kennedy
e nem mesmo seu superior na CIA, John McCone, ele
simplesmente ordenou a seu homem em Cuba, Bill Harvey,
que renovasse o contrato contra Castro. Também frustrado
pelo o cuidado com que Kennedy lidava com o regime de
Havana, Harvey não perdeu tempo e restabeleceu o contato
com seu amigo Johnny Rosselli, emissário da Máfia.
Alguns dias antes que Lawrence Houston e Sheffield
Edwards garantissem a Bobby Kennedy que a colaboração
entre CIA e Máfia tinha sido extinta, Harvey entregava a
Rosselli pílulas envenenadas preparadas no laboratório da
CIA. Mas os conspiradores parecem ter decidido que matar
Castro com rifles de longo alcance durante uma de suas
aparições públicas tinha maiores chances de sucesso do
que uma tentativa de envenenamento. Assim, logo depois,
Harvey e Ted Shackley, chefe da estação JM/WAVE,
alugaram um furgão U-Haul, equiparam-no com rifles,
revólveres e explosivos e, uma noite, dirigiram-se a um
estacionamento escuro em Miami, onde Rosselli os
esperava. Os homens da CIA entregaram as chaves do
furgão ao mafioso, que por sua vez passou as armas a
representantes dos eLivross cubanos, homens com quem
ele já fazia negócios desde os gloriosos dias de Batista. A
trama de assassinato contra Castro — uma tríplice aliança
com a CIA no topo, secundada pela Máfia e por seus
cúmplices cubanos — entrava de novo em ação.
Dessa vez, Harvey deixou de fora o chefão de Chicago,
Sam Giancana, e o chefão da Flórida, Santo Trafficante,
que estiveram envolvidos no complô anterior da Máfia. Mas
achou que podia confiar em Rosselli, cujos contatos com a
CIA datavam dos anos 1950, na Guatemala, onde o
gângster se envolvera em intrigas políticas para defender
os controladores de jogo e os representantes das poderosas
empresas frutíferas. Rosselli era um operador discreto, um
elo bem azeitado entre o submundo do crime e o mundo do
poder visível. Os dois homens formavam uma dupla
estranha: de um lado, o mafioso bronzeado e bem-vestido,
com sapatos de couro de crocodilo e um relógio de dois mil
dólares, e do outro, o homem do governo, com sua cara de
sapo e seus desmazelados ternos marrons. Mas Harvey
estava convencido de que Rosselli não era apenas um
astuto rufião das ruas pobres de East Boston, e sim um
patriota americano. Deu a Rosselli a falsa identidade de um
coronel do Exército e lhe garantiu pleno acesso ao quartel-
general da JM/WAVE, onde o gângster se encontrava
diariamente com o assassino da CIA, David Morales.
Quando depôs na Comissão Church, Harvey ficou na
defensiva no momento em que o nome de Rosselli veio à
tona. “Eu não estava negociando com a Máfia
propriamente, desculpem-me dizê-lo”, declarou. “Eu estava
negociando, e só negociei, com um indivíduo que
supostamente tinha contatos com a Máfia. Ele é acusado,
embora não haja provas, de integrar a chamada família de
Chicago.” Harvey mais parecia um advogado de seu velho
amigo mafioso do que um homem do alto escalão da
inteligência dos Estados Unidos. Parecia à vontade no
mundo do crime. Bill Harvey era um “gângster”, na franca
avaliação de seu colega na CIA, John Whitten. O ex-senador
Gary Hart, um dos membros mais ativos da Comissão
Church, ainda se enerva com a facilidade que Harvey
cruzou a fronteira do mundo subterrâneo. “Ele se tornou o
melhor amigo de Rosselli, e chegaram a viajar juntos nas
férias”, lembrou Hart. “Acho isso bastante bizarro. [...] Não
gosto de agentes da CIA que fazem amizade com a Máfia.”
Quando criança, Sally Harvey, filha adotiva do espião,
aprendeu a chamar o gângster amigo do pai de “tio
Johnny”.
Em suas memórias de 2003, Helms parece ter atribuído a
culpa do acordo entre a CIA e a Máfia ao convenientemente
falecido Harvey. Helms afirmou ter ficado estupefato como
todo mundo quando ficou sabendo do complô. “Depois de
uma averiguação, eu disse a Bill Harvey — que concordou
— para acabar com isso”, escreveu Helms. Era uma
afirmação falsa do início ao fim, e Helms não ofereceu
qualquer fato que a comprovasse.
Não era a primeira vez que Helms culpava alguém. Em
1975, quando se apresentou à Comissão Rockefeller e
depois à Comissão Church para testemunhar sobre os
complôs contra Castro, ele tentou imputar a culpa, como
ameaçara fazer durante o café da manhã com seu amigo
Henry Kissinger, a Robert Kennedy. Helms foi bem tratado
pela comissão dirigida pelo republicano Rockefeller, na
qual muitos membros — como o general Lemnitzer —
estavam felizes de ouvir os Kennedy serem acusados de
traição no caso de Cuba. Mas o chefe do serviço secreto foi
submetido a um interrogatório impiedoso da Comissão
Church, controlada pelos democratas, e foi obrigado a
driblar as perguntas dos senadores.
Helms compareceu perante a comissão conduzida por
Frank Church, senador democrata de Idaho, numa abafada
tarde de julho. Seu depoimento, realizado numa sessão
fechada do Senado, foi uma obra-prima de subterfúgios,
insinuações e simulação. “Não quero que ninguém nesta
comissão pense que estou sendo evasivo”, declarou Helms
aos senadores. Mas era isso que ele estava sendo, fingindo
cooperar com os legisladores quando, na verdade, os
enredava com frases burocraticamente ambíguas.
“Nunca gostei de assassinatos”, garantiu Helms aos
senadores, numa alegação de superioridade moral. Eles
não podiam imaginar a forte pressão de Bobby Kennedy
para que a agência fizesse alguma coisa — qualquer coisa
— para se livrar de Castro.
“Como ele lhe telefonou repetidas vezes, alguma vez lhe
pediu para matar Castro?”, perguntou o senador Church
sem meias palavras. “Não”, admitiu Helms. Mas ele não
deixaria a resposta por aí. “Com essas palavras, não”,
arrematou. Nunca tinha recebido uma ordem direta de
Kennedy, isso era verdade, reconheceu Helms. Longe dele a
intenção de “pôr palavras na boca de um homem morto”.
Isso não seria “justo da minha parte”, ele disse. Entretanto,
na conversa com Kennedy, Helms ficou com a nítida
impressão de que “precisamos encontrar uma maneira [...]
de nos livrarmos desse indivíduo”. Helms apenas teve “a
sensação de que [Kennedy] não ficaria infeliz se [Castro]
desaparecesse de cena, fosse como fosse”.
O depoimento de Helms estava cheio de insinuações
sobre Robert Kennedy, mas nenhuma prova. Quando
pressionado pela comissão, ele admitiu que Kennedy foi
mantido na ignorância sobre as pílulas envenenadas e rifles
de Harvey, e que foi enganado pela CIA quando seus
emissários disseram ao procurador-geral que não havia
mais aliança com a Máfia. (O próprio Harvey reconheceu à
comissão do Senado que, se RFK quisesse matar Castro,
ele, Harvey, seria a última pessoa que Kennedy
encarregaria da operação.) Os complôs de morte da CIA
contra Castro foram anteriores ao governo Kennedy,
concluíram os investigadores do Senado, e continuaram
bem depois de seu mandato presidencial.
Quando sua defesa, baseada em “Bob me mandou fazer
isso”, começou a desmoronar, Helms recorreu ao plano B,
que aparentemente lançava a culpa em Harvey. Na
verdade, revelou Helms à Comissão Church, ele tinha
“dúvidas muito sérias sobre a conveniência” de todo o
esquema da Máfia. Mas Harvey “tentou me convencer de
que tinha servido ao FBI durante muito tempo”, e essa era
a maneira como os agentes “lidavam com essas questões e
por aí vai”. Além disso, ele jamais levara a sério o acordo
clandestino entre Harvey e Rosselli. “Pensei que Harvey
estivesse metido numa missão impossível, francamente.”
À medida que sua máscara de confiança começou a
murchar em função do interrogatório, Helms passou a
apontar o dedo para seu ex-chefe, John McCone. Admitiu
que ele e Harvey tinham decidido não revelar os complôs
contra Castro a McCone porque ele “estava assumindo um
novo cargo” e a intriga de assassinato “lhe pareceria muito
estranha”. Mas depois se contradisse ao afirmar que
McCone “estava envolvido nisso até o pescoço, como todo
mundo. Eu não tinha por que contestar sua integridade. No
entanto, não entendo como ele não ficou sabendo de
algumas dessas coisas que ele alega não saber”.
McCone não viu o lado negro da CIA porque não olhou
com atenção. Mas Helms também não queria que ele visse.
Era o principal segredo da agência, o refúgio sagrado ao
qual só Helms e alguns outros agentes do alto escalão,
cujos serviços de espionagem remontavam ao tempo do
OSS, tinham acesso. O mundo da inteligência era um
domínio à parte, com regras e códigos de comportamento
próprios. À sua maneira paternalista, Helms tentou explicar
isso aos senadores da Comissão Church. “Quando se
estabelecia um serviço clandestino [como o da] CIA”, ele
esclareceu, “estabelecia-se algo que era totalmente
diferente de qualquer outra coisa no governo dos Estados
Unidos. Se é certo ou errado fazer isso, o fato é que
funciona segundo regras diferentes [...] de qualquer outra
parte do governo.”
Quando McCone foi convocado a depor perante a
Comissão Church, foi colocado numa posição embaraçosa
ao admitir que não tinha controle sobre a agência que o
presidente Kennedy lhe confiara. JFK e o diretor da CIA só
ficaram sabendo da conspiração que envolvia a Máfia em
agosto de 1963, disse ele à comissão, quando leu a notícia
em um jornal de Chicago. Ele imediatamente confrontou
Helms com o relato do jornal, mas seu lugar-tenente lhe
garantiu em falso que o complô era um assunto velho. “Ele
disse com todas as letras que era algo que havia sido
cancelado em 1961, antes que eu assumisse o cargo”, disse
McCone.
Só em 1975, doze anos depois dessa conversa com Helms,
é que ele soube por um investigador da Comissão
Rockefeller que seu subalterno havia mentido e que os
complôs com a Máfia tinham continuado durante todo o seu
período à frente da CIA. “O fato de que isso tenha
acontecido é muito perturbador”, disse McCone à época.
“Porque dá certa credibilidade à acusação de que algumas
coisas na CIA passaram despercebidas e sem controle.”
Foi essa justamente a conclusão a que chegou a Comissão
Church quando apresentou seu relatório final em abril de
1976, concluindo que a CIA tinha agido como “um elefante
desgarrado”.
Uma suspeita preocupante dominou as audiências da
Comissão Church. Se a CIA era capaz de agir de mãos
dadas com os sanguinários assassinos da Máfia contra
Castro, do que mais a agência seria capaz? Por isso é que
os complôs contra Castro e as revelações da traição da CIA
contra outros chefes estrangeiros explodiram na mídia
nessa época e continuam a ecoar na consciência nacional
ainda hoje. Se homens com permissão ilimitada para agir,
como, segundo Helms, deviam ser os agentes da CIA, eram
deixados livres pelo mundo, então nada os impedia de
realizar suas façanhas suspeitas nos arredores de casa.
Durante sua aparição perante a comissão, Ted Sorensen
fez uma eloquente defesa do presidente Kennedy,
explicando por que ele nunca teria aprovado o “trabalho
sujo” da CIA. O assassinato, disse Sorensen aos senadores,
“era algo completamente contrário a seu caráter e sua
consciência, contrário a seu profundo respeito pela vida
humana e por seus adversários, contrário à sua insistência
por uma dimensão moral na política externa dos Estados
Unidos e sua preocupação com a reputação do país no
exterior, e contrário a seu pragmático reconhecimento de
que um precedente tão horrendo, e inevitavelmente
contraproducente, cometido por um país cujo chefe de
estado não podia deixar de ser vulnerável, só provocaria
represálias e instigaria hostilidade por parte de forças
antiamericanas, cuja existência nunca dependeu de um
único líder. Mais absurda ainda é a noção de que alguém
com sua experência teria conscientemente permitido o
emprego, para esses propósitos, dos mesmos elementos do
crime organizado que ele vinha combatendo há tantos
anos”. Foi uma declaração nobre da filosofia daquela
administração, uma afirmação de que o governo dos
Estados Unidos não devia recorrer aos meios da selva,
mesmo que seus inimigos o fizessem. Mas, como
reconheceu Sorensen, a ideia não era partilhada por todo o
contingente do governo Kennedy.
“Não acredito que o presidente tivesse conhecimento
total do que a CIA estava fazendo”, disse Sorensen à
comissão. Essa afirmação não virou manchete, mas era
uma descrição assustadoramente simples dos limites do
poder democrático. Por que Kennedy não conseguia
controlar sua agência de inteligência? Os senadores
queriam saber. “Se eu soubesse a resposta, o problema de
sua comissão seria muito mais simples”, ele respondeu.
Mas tentou desvendar o mistério para os senadores. “Acho
que era uma grande organização que durante muitos anos
se acostumou a operar com independência. Seus diretores
consideravam-se indivíduos muito sofisticados, com uma
compreensão da realidade universal que, segundo eles, não
era compartilhada pela Casa Branca nem pelo
Departamento de Estado.”
O aparato de inteligência de Kennedy resmungava contra
o seu comando, testemunhou Sorensen. “Enquanto o
presidente Kennedy esteve vivo, corriam na cidade relatos
de diretores da CIA duvidando de sua tenacidade, coragem
e capacidade de perceber todas as coisas difíceis que
precisavam ser feitas.”
Insatisfeitos com o comando de JFK, diretores da agência,
como Helms, simplesmente passaram a ignorá-lo.
Empreenderam ações drásticas contra Cuba sem informar
o presidente, seu irmão ou o chefe da CIA. Algumas dessas
ações foram descobertas por Kennedy, mas muitas outras
não. Algumas escaparam até à curiosidade da Comissão
Church e de outras comissões do Congresso que
exploraram as câmaras ocultas dos anos Kennedy. É
surpreendente o quanto esses incidentes ilustram o fato de
que a CIA havia se tornado insolente em sua política não
autorizada de “Guerra Fria”.
 
Em 22 de agosto de 1962, o SS Streatham Hill, navio de
carga britânico arrendado à União Soviética, conseguiu
chegar ao porto de San Juan de Porto Rico depois de ter
avariado sua hélice em um recife. O navio, que se dirigia
para a Rússia, carregava 80 mil sacas de açúcar cubano.
Para facilitar os reparos, mais de 14 mil sacas foram
descarregadas e depositadas num armazém sob custódia
dos Estados Unidos devido ao embargo aos produtos
cubanos. Enquanto o navio estava passando por reparos,
agentes da CIA se infiltraram no armazém e contaminaram
o açúcar com um emético. “Qualquer um que ingerisse o
açúcar teria passado muito mal”, afirmou mais tarde Carl
Kaysen, conselheiro de segurança nacional de Kennedy.
Kaysen descobriu a sabotagem da CIA quando
interceptou um cabograma que chegou às suas mãos por
acaso. Imediatamente, comunicou o presidente Kennedy,
que ficou furioso.
“Eu tinha acabado de ler uma resenha do livro de Tom
Powers em que ele dizia que os homens da CIA jamais
faziam algo que o presidente não quisesse que fosse feito”,
disse Kaysen. “Mas não é bem essa a minha opinião.”
Kaysen, economista político de Harvard, fora levado à
Casa Branca por seu ex-colega de universidade, McGeorge
Bundy. Sua maneira de pensar não era propriamente
amena — durante a Crise de Berlim de 1961, ajudou a
preparar um plano para uma limitação da guerra nucelar
que deixou Sorensen indignado. Ainda assim, envenenar
um carregamento de açúcar destinado a inocentes
consumidores russos era um ato altamente provocativo que
ultrapassava os limites do governo. O presidente concordou
enfaticamente.
“Kennedy ficou furioso e disse que o açúcar poderia
matar um doente, um idoso ou uma criança”, lembrou
Kaysen. O presidente imediatamente telefonou para
McCone em seu escritório em Langley e o chamou à Casa
Branca. Não se sabe se McCone autorizou o ato de
sabotagem, mas, seja como for, ele sabia que levaria uma
bronca pelo comportamento irresponsável de seus agentes.
A caminho do Salão Oval, o diretor da CIA interpelou
Kaysen, acusando-o de ter delatado a agência. “Por que
raios você está se metendo nesse negócio?”, descarregou
McCone.
“Mas depois que Kennedy lhe deu uma bronca, [McCone]
saiu do gabinete do presidente e pôs o braço ao redor de
meu ombro, como se fosse meu amigo”, lembrou Kaysen,
hoje professor do MIT.
Kennedy ordenou a McCone que fizesse o que fosse
necessário para impedir que o açúcar contaminado
chegasse à Rússia. William Sturbitts, agente da CIA
envolvido na sabotagem econômica a Cuba, mais tarde
declarou a um investigador da Comissão Rockefeller que os
Estados Unidos simplesmente fizeram que uma empresa
açucareira comprasse a carga dos russos. Mas, de acordo
com Kaysen, a carga contaminada foi descartada de uma
maneira mais dramática: os agentes da CIA voltaram a
infiltrar-se no armazém e puseram fogo nas sacas de
açúcar.
A CIA era capaz de insubordinação ainda mais grave em
sua luta secreta contra Castro. No mesmo mês em que a
carga do SS Streatham Hill foi envenenada sem
conhecimento do presidente, os irmãos Kennedy
despacharam um advogado de Nova York chamado James
Donovan a Havana para negociar a libertação de 1.113
prisioneiros da Baía dos Porcos que continuavam cativos de
Castro. Foi o início de uma iniciativa diplomática que
reabriria a possibilidade de um acordo de paz entre os dois
países, uma discussão que estava adormecida desde a
tempestade política de 1961 sobre o encontro entre
Goodwin e Guevara.
Bobby Kennedy escolheu Donovan como emissário dos
irmãos a Castro por causa de seu sucesso na negociação da
libertação de Francis Gary Powers, o piloto do U-2 que fora
derrubado pela União Soviética durante uma missão de
espionagem em 1960. Donovan tinha tido uma vida
movimentada como conselheiro do OSS durante a Segunda
Guerra Mundial e, mais tarde, como promotor no tribunal
de Nuremberg, em que apresentou provas fotográficas
chocantes dos crimes nazistas. Donovan (que não tinha
nenhum parentesco com o lendário coronel William “Wild
Bill” Donovan, fundador do OSS, mas gostava de brincar
que era seu filho ilegítimo) tinha o dom da eloquência
típico dos irlandeses e adorava provocar e filosofar
enquanto bebia e fumava. Nisso, era parecido com Fidel
Castro, um notívago que adorava trocar histórias e opiniões
até de madrugada. O volúvel líder cubano teria tirado
Donovan tarde da noite da casa decadente onde estava
hospedado fora de Havana e levado o americano para o
palácio presidencial, ou para o apartamento de uma
amante, onde os dois teriam conversado até de manhã.
Depois de meses de negociações, que se complicaram
muito em outubro de 1962 com a Crise dos Mísseis,
Donovan e Castro finalmente chegaram a um acordo para a
libertação dos prisioneiros em troca de 53 milhões de
dólares em alimentos, remédios e equipamentos.
Quando o último prisioneiro embarcou num avião numa
noite tropical de dezembro em Havana, o divertido
Donovan se virou para Castro — que estava no aeroporto,
cercado por assessores e membros da guarda nacional
munidos de metralhadoras — e brin-
cou que, considerando a quantidade de bens de consumo
americanos que tinha conseguido para o povo cubano,
estava pensando em aproveitar sua popularidade na ilha.
“Acho que nas próximas eleições vou voltar e concorrer
com você”, disse Donovan ao líder cubano, suficientemente
alto para ser ouvido por seu séquito, “e acho que posso
ganhar”. Castro digeriu isso, como lembrou Donovan mais
tarde. “Ele é um tremendo ator, vocês sabem. Olhou em
volta e, num tom de voz igualmente alto, disse: ‘Sabe,
doutor, que você pode estar certo? Por isso não vai haver
eleições’.”
Entusiasmado com o sucesso do acordo, Donovan
continuou viajando a Cuba para negociar a libertação de
outros prisioneiros de Castro, incluindo 22 cidadãos
americanos, entre os quais vários agentes da CIA. O
relacionamento entre os dois homens se tornou mais
caloroso. O animado Castro divertia Donovan em seu
palácio presidencial em Havana ou em sua casa de praia
em Varadero, e o levava a passeios ao redor da ilha,
inclusive à baía dos Porcos, onde o líder cubano lhe fez um
relato detalhado de como seu exército havia derrotado os
invasores. Castro convidou Donovan para assistir a três
jogos do campeonato de beisebol cubano e para expedições
de pesca em seu barco. Durante uma improvisada visita a
uma faculdade de medicina, Castro liderou trezentos
estudantes em uma saudação ao amigo americano: “Viva
Donovan!”.
Bobby Kennedy pediu a John Nolan, jovem advogado de
Washington que tinha trabalhado na campanha de 1960,
que acompanhasse Donovan em suas viagens a Cuba.
Kennedy confiava que Nolan, que mais tarde seria seu
assessor administrativo, seria seus olhos e ouvidos nessas
missões de alto risco. “Bob queria que eu acompanhasse
Donovan porque não gostava muito dele”, Nolan me disse.
“Os dois eram muito diferentes. Bob captava as coisas
rapidamente, era muito inteligente, às vezes brusco, e
muito orientado para a ação. Jim era muito filosófico —
gostava de se recostar em sua cadeira com um scotch e um
cigarro e analisar a situação. Bob não se sentia à vontade
com esse estilo.”
Nolan ficou aliviado ao descobrir que Castro era bastante
maleável, muito diferente da odiosa caricatura do líder
cubano na mídia americana. “Durante o período em que
estivemos lá com ele, Castro nunca foi irracional, beberrão
ou desonesto. Em seu relacionamento pessoal conosco
durante as negociações, sempre foi razoável e fácil de lidar.
Não houve explosões de raiva nem chiliques. Ele era um
tagarela. Podia começar à meia-noite ou a uma hora da
madrugada e passar a noite toda falando. Mas não
monopolizava a conversa. Fazia perguntas, ouvia as
respostas e dava sua opinião. Era fácil conversar com ele,
um bom papo.”
Donovan e Nolan logo perceberam que Castro estava
abrindo um campo de negociações diplomáticas mais amplo
do que simplesmente a libertação de prisioneiros: estava
interessado em explorar uma solução para o conflito
Estados Unidos-Cuba. De volta aos Estados Unidos em abril
de 1963, Nolan telefonou a RFK de Miami para lhe falar
sobre as intrigantes propostas de paz de Castro. Bob
mostrou grande curiosidade com relação ao homem que
dominava os dramas políticos de Washington. “O que você
acha?”, perguntou ele a Nolan. “Podemos fazer negócio
com esse sujeito?” O presidente também estava interessado
na mensagem que Castro tentava transmitir por meio de
Donovan e Nolan. JFK disse a seus conselheiros que
“devemos começar a pensar com mais flexibilidade”. Em
futuras negociações, ele não queria impor condições que
pudessem afastar Castro.
Jim Donovan acreditava que qualquer problema poderia
ser resolvido, desde que houvesse tempo e conversas
suficientes. Estava cada vez mais entusiasmado com a ideia
de poder mediar o conflito mais rancoroso do hemisfério.
“Naquela noite, antes de dormir, pensei que Jim devia se
ver como o homem que traria paz a Cuba e aos Estados
Unidos”, disse Nolan, lembrando-se de seu exuberante
parceiro que morreu em 1970, aos 53 anos. “Ele se
considerava um ‘metadiplomata’.”
Mas os velhos associados de Donovan no mundo da
inteligência não partilhavam desse entusiasmo em relação
a um embrionário acordo de paz com Cuba. A CIA tinha
total conhecimento das discussões de Donovan com Castro.
Depois de cada viagem a Cuba, ele e Nolan eram
interrogados por agentes em um “aparelho” secreto em
Miami. “Não sei o que a CIA pensava das conversações de
paz de Donovan”, disse Nolan. “Os agentes que nos
interrogavam eram simples burocratas, que apenas
tomavam nota enquanto Jim falava.” Mas, anos depois,
Nolan teve a oportunidade de saber de fato o que a agência
achava dessas iniciativas.
Em sua última viagem a Cuba, em abril de 1963, Donovan
e Nolan levaram um presente para Castro: um equipamento
de mergulho. “Sabíamos que Castro gostava de mergulhar,
e não sei se foi ideia de Jim ou sugestão de alguém da CIA,
mas um equipamento de mergulho foi comprado na
Abercrombie & Fitch em Nova York”, lembra Nolan. “Quem
o comprou foi um advogado da agência, que o despachou
para Donovan. Depois voamos para Havana e fomos para a
casa de praia de Castro em Varadero. No dia seguinte,
fomos com ele para a baía dos Porcos. Quando chegamos
lá, saímos no barco de Castro. Ele vestiu a roupa de
mergulho e pulou na água, onde arpoou uma meia dúzia de
peixes. Então saiu da água, livrou-se do equipamento e
fomos almoçar. Foi a última vez que vi o equipamento de
mergulho ou ouvi falar dele. Até que treze anos depois...
Um salto no tempo para as audiências da Comissão Church.
Você pode imaginar como me senti quando ouvi o noticiário
daquela noite.”
O que Nolan ouviu na tevê naquela noite de 1975 o deixou
estupefato e furioso. Entre os complôs concebidos pela CIA
para matar Castro, revelou a investigação do Senado, havia
um plano de presenteá-lo com uma roupa de mergulho
contaminada “com um fungo capaz de provocar uma
doença de pele crônica e incapacitante” e uma máscara de
mergulho “contaminada com bacilos da tuberculose”. O
bruxo da CIA especializado em envenenamento, dr. Sidney
Gottlieb, disse à comissão que o equipamento de mergulho
havia sido comprado e contaminado, mas que não sabia se
chegara a ser entregue.
Não se sabe ao certo se o equipamento que Donovan
entregou a Castro foi o que tinha sido preparado nos
laboratórios mortais da agência. Talvez fosse, e as toxinas
não tenham tido o efeito esperado. O porta-voz da CIA, Sam
Halpern, afirmou que o plano foi abortado porque Donovan
já tinha dado um equipamento a Castro por iniciativa
própria.
Mas Nolan estava convencido de que a CIA pretendia usá-
los, a ele e a Donovan — os dois homens que buscavam a
paz com Castro em nome do governo Kennedy —, para
matar o líder cubano. Depois de ouvir a notícia chocante
naquela noite de 1975, o ex-assessor de Kennedy pegou o
telefone para confrontar um funcionário da CIA que
conhecia. “Eu disse: ‘Você ouviu essa história que foi
revelada hoje nas audiências da Comissão Church?’, e ele
respondeu: ‘Não se preocupe, isso nunca aconteceu. Foi só
uma ideia maluca de algum sujeito da agência e não
resultou em nada’. E perguntei: ‘O que aconteceu com esse
sujeito?’, pensando que eles deviam tê-lo fuzilado. Mas ele
disse: ‘Nada aconteceu com ele, que não passava de um
esquilo no porão do laboratório’. Esse complô foi tramado
sem meu conhecimento ou de Jim Donovan. Evidentemente,
não faríamos parte de nada que fosse ferir Castro.”
Mas parece que a CIA não hesitaria em usar os dois
enviados de paz de Kennedy como assassinos involuntários.
Se o equipamento de mergulho que Donovan e Nolan
levaram a Cuba estava de fato contaminado, a agência
tinha mostrado total desconsideração tanto pela segurança
dos enviados quanto pela vida de Castro.
Donovan e Nolan podem ter sido tratados com total
descaso pela CIA, mas o homem a quem eles deviam
explicações — Robert Kennedy — foi tratado como um
inimigo, um líder hostil que devia ser mantido sob
constante vigilância. A agência achava que precisava
manter os olhos sobre o procurador-geral mesmo depois do
assassinato de seu irmão, quando seu poder diminuiu
muito. Em março de 1964, o chefe da estação JM/WAVE,
Ted Shackley, dirigiu um memorando a seu chefe na CIA,
Desmond Fitzgerald, vangloriando-se de seu sucesso ao ter
recrutado jornalistas de Miami para a CIA, entre eles Al
Burt, editor do Miami Herald para a América Latina. Era
essencial para a CIA contar com jornalistas como Burt,
escreveu Shackley, para garantir que a imensa estação
JM/WEAVE, o segundo maior centro de operações da
agência depois de seu quartel-general em Langley, atraísse
a atenção da mídia do sul da Flórida. Assessores de mídia
como Burt também davam à JM/WAVE “um canal dentro da
imprensa, que pode ser usado para trazer à tona certos
itens selecionados de propaganda”, além de servir como
informantes para a agência, observou Shackley.
Segundo ele, Burt poderia ser usado para passar
informações privilegiadas sobre Bobby Kennedy. Um dos
contatos de Burt, relatou Shackley, era um colega de
imprensa chamado Edmund Leahy, que Burt “considera [...]
particularmente interessante”. Isso porque Leahy, que era
correspondente do Miami Herald em Washington, era pai
de uma jovem chamada Jane, que “é secretária no gabinete
do procurador-geral Robert Kennedy!”.
Não há evidência de que Edmund Leahy ou sua filha Jane
tenham espionado Robert Kennedy para a CIA. Segundo
John Nolan, Leahy tinha um relacionamento amistoso com
Bobby, mas não era seu confidente — “apenas um dos mais
de cinquenta jornalistas de Washington que Bob conheceu
na época”. E Nolan, que fora supervisor de Jane quando
trabalhara como assessor administrativo do procurador-
geral, insistiu que ela jamais trairia Kennedy. “Posso
garantir que ela não foi uma fonte para o pai de alguma
informação que pudesse ser confidencial”, ele me disse.
“Ela era ardorosamente independente, alguém com quem
era difícil se entender. É impensável achar que ela
forneceria ao pai alguma informação privilegiada. Posso
imaginar sua reação se o pai lhe pedisse para descobrir o
que Bob estava fazendo em relação a Alpha 66.4 Ela lhe
daria uma pancada na cabeça.”
Shackley pode ter citado o nome de Ed Leahy em seu
memorando apenas para inflar sua reputação junto a seus
superiores no quartel-general da agência. Mas sua bravata
de ter uma possível fonte dentro do gabinete do
procurador-geral revela muita coisa sobre a atitude da CIA
em relação a Robert Kennedy. RFK ocupava o posto jurídico
mais alto da nação, e era irmão do presidente martirizado.
No entanto, a agência de inteligência o via como um alvo a
ser vigiado.
 
Eles o observaram enquanto nadava na piscina e brincava
no quintal com seus sete filhos. Vigiaram-no quando dirigia
sozinho seu conversível indo e voltando do trabalho.
Surpreenderam-se em descobrir que ele nunca andava com
guarda-costas. A CIA não era a única organização
interessada em manter Robert Kennedy sob vigilância. O
procurador-geral também estava sendo vigiado por agentes
da International Brotherhood of Teamsters, o maior e mais
poderoso sindicado do país. Assim como a CIA, os
caminhoneiros do Teamsters, sob a liderança de Jimmy
Hoffa, tinham feito uma sinistra aliança com o crime
organizado. Hoffa era o principal alvo da campanha de
Kennedy contra o crime desde as audiências da Comissão
Rackets do Senado, no fim da década de 1950. Agora Hoffa
e seu aliados mafiosos, furiosos pelas medidas cada vez
mais eficientes do procurador-geral contra eles, faziam dele
seu alvo.
Um dia de agosto de 1962, Hoffa estava conversando em
seu escritório no Palácio de Mármore, sede do Teamsters
em Washington, com um de seus correligionários, Ed
Partin, um ex-boxeador e ex-presidiário responsável pelo
sindicato em Baton Rouge. Hoffa, que mantinha seu
corpanzil em forma exercitando-se diariamente na
academia no subsolo do edifício, estava fervendo de raiva.
De repente, saltou de trás de sua imensa mesa e fez um
gesto para que Partin se juntasse a ele ao pé da grande
janela de seu escritório, de onde se avistava a cúpula do
Capitólio três quarteirões adiante. Hoffa perguntou ao
amigo se sabia alguma coisa sobre explosivos plásticos.
“Tenho que fazer alguma coisa com relação a esse filho da
puta do Bobby Kennedy. Ele tem que sumir”, rosnou ele.
Hoffa disse a Partin que estava pensando em duas
maneiras de eliminar o procurador: incendiar sua casa na
Virgínia ou matá-lo com um rifle de longo alcance enquanto
ele dirigia seu conversível. Hoffa parecia preferir a
primeira opção: alguém arremessaria explosivos plásticos
na casa de Kennedy depois que ele fosse dormir. “Você
sabe, o desgraçado não fica acordado até tarde”, observou.
“Tenho informações detalhadas sobre ele... sua casa não é
guardada.” Com o dedo, Hoffa desenhou um mapa da
propriedade de Kennedy para Partin. Se Kennedy
sobrevivesse à explosão incendiária, ele “e seus malditos
filhos” seriam consumidos pelas chamas, já que “a casa vai
pegar fogo depois da explosão”. A hipótese de usar um
atirador de tocaia aparentemente era seu plano B. O
momento perfeito para atirar em Kennedy, ele disse, seria
quando ele estivesse dirigindo seu carro conversível, de
preferência em algum lugar no Sul, onde o assassinato
poderia ser atribuído aos brancos racistas que se opunham
às políticas de direitos civis de Kennedy.
Mas Hoffa era esperto demais para levar a cabo um plano
tão arriscado. “Se a casa de Kennedy tivesse explodido
naquela época, [ou] se ele tivesse sido alvejado”, disse
Walter Sheridan, chefe do “Get Hoffa Squad” [Esquadrão
de Captura de Hoffa] no Departamento de Justiça, “um
nome ocuparia o primeiro lugar da lista de suspeitos em
questão de minutos: Jimmy Hoffa.” Mas o chefão do
Teamsters não sabia escolher seus confidentes. Ed Partin
logo se tornou informante do governo e contou aos
investigadores federais não só a ameaça de morte contra
Kennedy, como também sua tentativa de influenciar o júri
num julgamento em Nashville.
Kennedy usou a informação de manipulação do júri para
finalmente conseguir uma acusação contra o astuto líder do
Teamsters em 1963. Mas em setembro de 1962, quando
Sheridan relatou ao procurador-geral a ameaça de morte
de Hoffa, ele deu de ombros e subiu em seu conversível.
Sheridan por sua vez levou a ameaça mais a sério.
Quando Bobby estava viajando, Ethel às vezes pedia ao
assessor que fosse até sua casa para ter certeza de que a
família estava em segurança. Ethel e as crianças de quando
em quando avistavam grandes carros pretos, lotados de
homens corpulentos de terno preto, passando lentamente
pela rua em frente à casa. A família tinha recebido cartas e
telefonemas ameaçadores: “Sabemos em que escola seus
filhos estudam e como chegar lá”. “Você sabe o que o ácido
hidroclorídrico pode causar aos olhos?” “Bum!”
Bobby detestava a ideia de viver sob um manto protetor.
A porta da frente de Hickory Hill costumava ficar
entreaberta. O único sistema de alarme era o mata-burro
na entrada de carros, que fazia barulho sempre que um
carro passava sobre ele, e os latidos do peludo Brumus e o
som dos outros animais da família sempre que alguém
chegava. Uma placa no gramado da frente anunciava:
“Invasores serão devorados”. Mas o pior dano que Brumus
já tinha causado a alguém foram algumas mordidas nas
partes macias de convidados inocentes que passavam
correndo diante do pesadão terra-nova nos jogos de futebol
no quintal. Preocupado com a família, RFK vez ou outra
permitia que o marechal Jim McShane enviasse uma
patrulha para a Chain Bridge Road, onde ficava a casa. Mas
não tomou nenhuma precaução para se proteger
pessoalmente.
Há anos Kennedy vinha combatendo gângsteres,
chantagistas, assassinos de aluguel e extorsionários. Ele e
seus investigadores tinham sido ameaçados por um
exército de personagens perigosos. Mas Bobby tinha
desenvolvido uma sensação de invencibilidade que seus
inimigos achavam impressionante mesmo quando discutiam
sua morte. “Isso a gente tem que reconhecer no filho da
puta”, disse Hoffa a Partin — ele tinha coragem de andar
sem seguranças. Mas ninguém é invulnerável, como
perceberam os inimigos dos Kennedy. Nem mesmo os dois
homens mais poderosos do país.
Naquele mês de setembro, a cruzada contra o crime de
Bobby Kennedy atraiu o ódio mortal de dois outros homens
perigosos: Carlos Marcello, o poderoso chefão da Máfia
cujos domínios incluíam Nova Orleans e Dallas, e seu aliado
Santo Trafficante, o senhor do crime da Flórida, que tinha
unido forças com a CIA para assassinar Castro. Os dois
chefes da Máfia mantinham íntimas relações financeiras
com Hoffa, que transformara o fundo de pensão do
sindicato num banco dos mafiosos. Naquele mês, numa
reunião com os parceiros de negócios em sua fazenda
pantanosa na margem oeste do Mississípi, Marcello — que,
como Hoffa, era alvo da perseguição implacável do
Departamento de Justiça — teve um ataque de raiva
quando soube que Bobby Kennedy estava tentando deportá-
lo. Mas era o irmão de Bobby o objetivo do chefão mafioso:
“Como se diz na Sicília: quando quiser matar um cão, não
lhe corte o rabo; corte-lhe a cabeça. Se lhe cortar só o
rabo, o cão vai continuar mordendo você”. Marcello disse
aos visitantes que estava convencido de que o presidente
Kennedy devia morrer, mas seu assassinato tinha que ser
planejado de tal maneira que um “maníaco” levasse a culpa
— “como se faz na Sicília”.
Nesse mesmo mês, durante uma reunião com o rico
eLivros cubano José Aleman, no Scott Bryant Hotel, em
Miami, Trafficante se queixou da campanha de Kennedy
contra seu sócio Hoffa e garantiu a Aleman que os dias do
presidente Kennedy estavam contados. “Kennedy não vai
chegar até as eleições. Ele vai ser eliminado.”
Trafficante tinha operado o lucrativo mercado do pecado
na Havana pré-Castro em benefício de todas as famílias da
Máfia, até que foi preso pelo novo regime, que ameaçou
mandá-lo para o paredão de fuzilamento antes que seus
sócios no crime conseguissem subornar os funcionários
cubanos para libertá-lo. (Segundo alguns relatos, Jack Ruby
era um dos emissários da Máfia que despachavam o
dinheiro do suborno para Havana.) O advogado de
Trafficante, Frank Ragano, calculava que seu cliente tinha
perdido mais de 20 milhões de dólares quando o governo
revolucionário tomou os cassinos, hotéis e casas noturnas
da Máfia. Trafficante disse a seu advogado que a política
“mole” dos Kennedy em relação ao regime de Castro faria
com que a Máfia nunca mais pudesse reclamar seus bens
nos trópicos.
A fama de flagelo do submundo definiu o início de
carreira de Bobby. Mas anos mais tarde, no verão de 1975,
Richard Helms e seu ex — mas ainda leal — lugar-tenente
na CIA, Sam Halpern, tentaram demolir essa imagem. Em
depoimento à Comissão Church, os dois veteranos
contaram uma história assustadora, que pretendia virar de
cabeça para baixo a imagem de Bobby de cruzado contra o
crime. Segundo Helms e Halpern, Robert Kennedy
ordenara que a CIA o ajudasse a fazer contato com a Máfia
para verificar se a antiga rede mafiosa em Cuba poderia ser
reativada com a finalidade de trabalhar contra Castro, e até
matá-lo. Cumprindo a ordem de Kennedy, Helms e Halpern
teriam recrutado Charles Ford, o mesmo agente usado para
desmantelar o plano ilusório de Bobby de expulsar a CIA de
Cuba. Helms e Halpern declararam que pediram a Ford que
servisse de intermediário entre Kennedy e o submundo,
com o sonoro codinome de “Rocky Siscalini”.
Depois das audiências do Senado, Halpern continuou
espalhando essa história pela imprensa, inclusive ao
jornalista Seymour Hersh, que a relatou em seu livro O
lado negro de Camelot. “Não sei como Bobby Kennedy
concebeu isso”, disse Halpern a Hersh. “Por um lado, ele
parecia perseguir a Máfia para destruí-la; por outro, ele a
usava para obter informações sobre Cuba. Talvez tenha
feito um acordo com eles. Quem sabe?”
Hersh é um ganhador do Prêmio Pulitzer, um jornalista
cujas revelações sobre as atrocidades cometidas na Guerra
do Vietnã e sobre os abusos militares na prisão iraquiana
de Abu Ghraib, entre outras reportagens investigativas, lhe
valeram muito respeito. Mas no caso de O lado negro de
Camelot, ele se deixou enganar pela confiança que
depositou em fontes suspeitas como Halpern, um homem
que trabalhou com tanto empenho para destruir a imagem
dos Kennedy e defender a CIA, que essa parecia ser sua
missão. Numa entrevista honesta para a revista New York
em 2005, Hersh reconheceu que seu jornalismo dependia
muito de suas fontes no mundo da segurança nacional:
“Não trabalho com sujeitos de fora do sistema”, ele disse.
“Você entende isso, não? Não sou de fora do sistema.
Realmente não sou.” Nunca as limitações da prática
jornalística ficaram mais evidentes do que nesse livro sobre
os Kennedy. Como disse um crítico no Los Angeles Times, o
livro de Hersh “acabou revelando, infelizmente, mais as
deficiências do jornalismo investigativo do que as
deficiências de John F. Kennedy”.
Não foi fácil checar a história explosiva sobre RFK e
Charles Ford, porque ambos estavam mortos. E Halpern
não forneceu a Hersh nenhuma prova conclusiva. Mas
descobriu-se que Ford deixou uma declaração sobre o
assunto, um documento que parece ter escapado à atenção
de Hersh porque só veio a público depois que seu livro
tinha sido publicado — e esse documento contradiz de
maneira direta a história de Helms e Halpern. Em 19 de
setembro de 1975, Ford escreveu um memorando
confidencial para registro interno da CIA, detalhando o que
tinha declarado aos investigadores da Comissão Church
quando eles o tinham interrogado no dia anterior. “A
principal, se não única, preocupação dos investigadores [do
Senado] era saber se eu tinha sido orientado a iniciar
contatos com os membros do submundo dos EUA e quem
me mandara fazer isso”, escreveu Ford. “Mais uma vez,
expliquei que minha tarefa era muito mais ampla que isso,
e que nunca me mandaram fazer contato com o
submundo.” Ford acrescentou que os investigadores
estavam muito interessados em seus encontros com o
procurador-geral Kennedy, mas ele lhes explicou que essas
reuniões tinham como foco as tentativas de um grupo de
eLivross cubanos de fomentar uma rebelião anticastrista,
não os complôs de assassinato da Máfia. (Ford
provavelmente estava se referindo a seus encontros com
Kennedy, ocorridos em setembro de 1962, para esfriar o
plano quixotesco de derrubar Castro sem o envolvimento
da CIA.)
O memorando de Ford apresenta fortes indícios de que
Helms e Halpern fabricaram a história sobre Bobby
Kennedy e a Máfia. Não era Bobby que andava rastejando
pelo submundo, mas a Agência Central de Inteligência.
Funcionários como Helms e Halpern tentaram desviar a
indignação pública contra seu inconveniente conluio,
jogando a culpa no falecido procurador-geral. Foi uma
atitude particularmente suja e imoral porque Kennedy
tinha literalmente arriscado a vida para combater a Máfia.
A motivação primeira de Kennedy para acabar com o crime
organizado era o temor de que ele se imiscuísse no governo
e no mundo dos negócios, ameaçando corromper o contrato
social que mantinha a democracia americana. Não há
exemplo mais chocante disso do que a associação entre a
CIA e a Máfia. A cruzada contra o crime de Kennedy
ameaçava não só os feudos lucrativos de homens como
Hoffa, Marcello e Trafficante, mas as alianças suspeitas
como a que tinha Castro como alvo. Nenhum servidor
federal jamais tinha colocado o dedo no ninho de vespas de
seus perigosos adversários. Como Hoffa disse a Partin
naquele dia de verão em que lhe revelou suas intenções
assassinas, Bobby Kennedy “tem tantos inimigos que não
será possível saber quem cometeu o delito”.
Mesmo antes de se tornar procurador-geral, Kennedy
sabia que o poder americano estava cada vez mais
contaminado pelas forças do crime. Essa foi uma lição que
ele aprendeu quando, como jovem promotor na Comissão
Rackets do Senado, um homem da Máfia que estava sendo
interrogado lhe disse em tom desafiador: “O senhor não
pode tocar em mim. Tenho imunidade”. Quando Bobby lhe
perguntou: “Quem lhe deu imunidade?”, o gângster
respondeu: “A CIA. Estou trabalhando para eles, mas não
posso falar sobre isso. Ultrassecreto”. Quando Kennedy foi
checar a história do gângster, ficou indignado ao descobrir
que era verdadeira.
A CIA — assim como seu antecessor, o OSS, fizera —
vinha usando a Máfia para fazer seu trabalho sujo desde a
Segunda Guerra Mundial, quando o governo recrutou os
chefes mafiosos Meyer Lansky e Lucky Luciano para ajudar
a proteger o porto de Nova York contra a sabotagem
inimiga e fornecer informações com o auxílio de seus
contatos na Itália. Mais tarde, na Itália do pós-guerra, a
inteligência dos Estados Unidos usou Luciano e seu famoso
colega Vito Genovese para eliminar a ameaça comunista
naquele país.
Kennedy também confirmou a aliança entre o submundo e
a esfera oficial quando ilustres senadores e governadores
compareceram diante da sua comissão para argumentar a
favor dos déspotas do crime organizado, e quando
executivos de empresas incluídas entre as quinhentas da
revista Fortune confessaram, constrangidos, seus acordos
com gângsteres para garantir a paz no trabalho.
E Robert Kennedy aprendeu outra lição ao escavar a
história suja de chantagens nos Estados Unidos e topar
com o nome de seu próprio pai. Foram os empreendimentos
inescrupulosos de Jack P. Kennedy que tornaram possível a
sua carreira política, assim como a de seu irmão. A
escalada agressiva do pai em busca de riqueza e poder
ilustrava com dolorosa clareza que as famílias ambiciosas
que buscavam um lugar ao sol quase sempre tinham
começado seu percurso no submundo.
 
Quando se tornou promotor da Comissão sobre Atividades
Impróprias no Campo do Trabalho e da Administração,
Bobby Kennedy se viu cara a cara com um mundo que
poucos jovens de sua classe tiveram de enfrentar. Era
outono de 1956, e ele tinha apenas 29 anos. Seu trabalho
nessa comissão do Senado, mais conhecida como Comissão
Rackets ou Comissão McClellan, nome do senador
democrata do Arkansas que a presidia, levou Bobby para
um mundo clandestino de matadores frios, bandidos
sindicais, políticos desonestos, donas de bordel e
executivos de ternos listrados e segredos sórdidos. Mas
também o apresentou a corajosos líderes trabalhistas,
policiais e juízes incorruptíveis e heroicos repórteres de
jornal. Com um temperamento romântico e religioso,
Kennedy viu esse quadro de ambição e desordem não só
como uma luta pelo controle da economia do país, mas uma
batalha pela alma da nação. Bob não tinha vivido a
Segunda Guerra Mundial, cenário em que seus irmãos mais
velhos provaram sua coragem, mas essa se tornaria a sua
guerra.
Armado com uma equipe de 35 investigadores, 45
contadores, vinte estenógrafos e diversos funcionários —
mais de uma centena de pessoas ao todo —, Kennedy
dirigiu a maior força de investigação federal na colina do
Capitólio. Foi uma operação incansável. O jovem promotor
e seus investigadores não ficavam parados em seus
escritórios no subsolo do velho edifício do Senado.
Percorriam o país em busca de criminosos, assim como de
testemunhas honestas e evidências incriminadoras.
Na pista de um prisioneiro em Joliet, Bobby se viu
cavando numa fazenda de Illinois à procura do corpo de
uma jornalista que um prisioneiro afirmou ter sido morta
por gângsteres locais. Com ele estava um de seus
investigadores, Jim McShane, o ex-policial de Nova York
que nos anos seguintes seria convocado por Kennedy em
muitas ocasiões difíceis. Os dois homens cavaram sem
encontrar nada, encorajados pelo prisioneiro, que insistia
dizer a verdade: “Quero ter sífilis nos olhos, e que minha
mãe seja um prostituta, se ela não estiver enterrada aqui”,
ele declarou. Mais tarde Kennedy comentou ironicamente
que pouco sabia “sobre a mãe ou os olhos do sujeito, mas
Jim McShane e eu sabíamos, depois de horas cavando, que
o corpo da mulher não estava ali”. Quando o fazendeiro
cujo campo fora escavado pelos investigadores do Senado
apareceu de repente com seus três filhos grandalhões,
Kennedy e McShane bateram rapidamente em retirada.
Em outras ocasiões, McShane e seus colegas
investigadores ficaram na mira de armas. Kennedy recebeu
propostas de suborno. Um homem confundido com um de
seus espiões por pistoleiros do Teamsters, em Detroit, foi
pendurado pelos calcanhares do lado de fora de uma janela
do prédio do sindicato. Mas a máquina reformista seguia
em frente, desenterrando centenas de surpreendentes
histórias de corrupção, violência e abuso de poder.
Histórias de homens que tiveram o rosto deformado por
ácido ou pepino enfiado nos intestinos. Walter Sheridan —
o calmo e amistoso investigador que, segundo Bob, tinha
uma aparência “quase angelical” — impressionou o chefe
resolvendo o mistério do proprietário de uma empresa de
táxis de Indianápolis que desaparecera sem deixar
nenhuma pista. Nada além dos registros de suas últimas
chamadas telefônicas, que sua mulher entregou a Sheridan
quando ele bateu à sua porta. O telefonemas tinham sido
dados para Jimmy Hoffa e seus escudeiros.
Kennedy fez os personagens dessas histórias de violência
desfilarem no cenário nobre do Salão Caucus, no velho
edifício do Senado, para que os Estados Unidos pudessem
ver a podridão e a brutalidade que muitas vezes se
escondia sob os tronos do poder. Nesse salão decorado no
estilo belas-artes, outras investigações históricas tinham
ocorrido, entre elas a do desastre do Titanic e a do
escândalo Teapot Dome. Candelabros de cristal pendiam do
teto alto ricamente ornamentado. Foi ali, observou
Kennedy, “que a estrela do senador Joseph McCarthy
elevou-se e caiu”. O jovem promotor do Senado já tinha se
sentido atraído pela cruzada de McCarthy, mas agora havia
descoberto um “inimigo interno” que acreditava ser mais
ameaçador para o modo de vida americano e mais
merecedor de sua fúria do que o comunismo.
Sentado ao lado do presidente da comissão, John
McClellan — um homem calvo três décadas mais velho, que
falava no tom austero e profundo de um ministro sulista —,
Bobby Kennedy parecia um improvável exterminador do
crime. Tinha a boa aparência saudável e o tom agudo de
um garoto de Boston. Quando começou a interrogar os
homens de aparência rude que se sentavam a sua frente,
homens que tinham matado e destroçado por um pedaço
ilegal do sonho americano, eles acharam difícil levá-lo a
sério. Hoffa piscou para ele. Sam Giancana abriu um
sorrisinho irônico. Mas logo perceberam que eram o centro
da atenção de um homem ferozmente inteligente e
preparado com obstinação, que estava determinado a
provar que era mais durão que eles. Kennedy relatou o
confronto com esses homens em seu livro de 1960, The
Enemy Within, no qual acusa Hoffa de “personalizar” a
luta. Mas o próprio Kennedy tinha um olhar afiado como
navalha para os detalhes e bastante pessoal na descrição
de Hoffa e de outros chefões do crime. Hoffa e seus
capangas eram “quase sempre gordos e raivosos, ou
magros, frios e duros”, ele escreveu. “Têm o rosto calmo e
os olhos cruéis dos gângsteres; usam as mesmas roupas
caras, o anel de diamante, o relógio incrustado de pedras
preciosas, o perfume forte, doce e enjoativo.” Kennedy
voltou ao assunto do perfume desses homens, que lhe
parecia feminino, revelando que sua brutalidade era obra
de valentões exibicionistas, não de homens verdadeiros.
“Eu subia no elevador para a sala de audiências quando fui
quase derrubado por um forte perfume doce e enjoativo”,
escreveu Kennedy, ao descrever o encontro com um
capanga de Hoffa chamado Joey Glimco. “Tentei me
lembrar que senhora iria depor naquele dia, até que,
quando saí do elevador e caminhei ao lado de Glimco em
direção ao Salão Caucus, percebi que era ele a fonte de tão
opressivo odor.”
Kennedy parece ter pagado um preço por enfrentar esses
homens. Um dia, o famoso Joey Gallo, que controlava o
negócio de jukeboxes em Nova York, entrou no seu
escritório “vestido como um gângster de filme B de
Hollywood”. Todo de preto: camisa, calça e sobretudo.
Tinha os cabelos empastados de brilhantina cobrindo a
nuca. Inclinou-se e sentiu o carpete de Kennedy: “Perfeito
para um jogo de dados”.
Kennedy não achou graça. Sua comissão tinha ouvido o
depoimento de um distribuidor de jukeboxes que ousara
resistir ao sindicato de Gallo. Os capangas de Gallo
atacaram-no depois de uma reunião e partiram seu crânio
com barras de aço. O homem entrou se arrastando na sala
de audiência do Senado, “uma figura magra, pálida,
patética”, quase incapaz de falar.
Naquele dia, quando Gallo se aproximou para apertar a
mão de Kennedy, o jovem investigador disse: “Então você é
Joey Gallo, o rei das jukeboxes. Você não parece tão durão.
Eu mesmo gostaria de lutar com você”. O gângster objetou:
“Eu não luto”.
O irmão mais velho de Bobby escrevera um eminente livro
sobre a coragem dos políticos. Mas The Enemy Within foi
uma revelação muito mais corajosa do verdadeiro caráter
do autor do que Política e coragem em relação a JFK.
Enquanto John Kennedy registrava a bravura de homens
que ele admirava na história, Bobby escreveu sobre
homens que tinha enfrentado ou homens cujos atos
heroicos de vida e morte tinha defendido. Ele tinha descido
ao submundo que descrevia. Era parte da história.
A investigação dos chantagistas retratou tão bem a
personalidade de Bobby quanto a Segunda Guerra Mundial
o fez em relação a Jack. Quando Bobby convenceu o irmão
a juntar-se a ele na Comissão McClellan, para garantir um
equilíbrio político capaz de evitar que os senadores
republicanos declarassem aberta a temporada de caça às
organizações trabalhistas, isso proporcionou a JFK uma de
suas poucas demonstrações de verdadeira coragem
durante sua carreira no Senado. A experiência também
ajudou a moldar a presidência de Kennedy. Os jovens e
dedicados investigadores e relatores que Bobby reuniu em
sua comissão — O’Donnell, Salinger, Sheridan,
Seigenthaler, Guthman — se tornariam o núcleo da
administração Kennedy. Não foi à toa que JFK anunciou que
concorreria à presidência no Salão Caucus, onde ele e o
irmão tinham travado uma batalha contra o que Bobby
chamava de “conspiração do mal”.
Mas Joseph Kennedy temia que os dois filhos estivessem
cometendo um erro terrível. No fim de dezembro de 1956,
quando Bobby foi a Hyannis Port para celebrar o Natal com
a família, o pai o interrogou sobre as audiências dos
gângsteres sindicais, que estavam apenas começando. Jean,
a irmã de Bob, mais tarde contou que os dois discutiram
com uma violência que ela nunca vira entre eles. O pai
temia que as investigações de Bob prejudicassem as
chances presidenciais de Jack, jogando o movimento
trabalhista contra eles. Mas havia algo mais por trás dessa
briga sem precedentes entre pai e filho. Joe Kennedy estava
profundamente apreensivo sobre o rumo que o filho estava
tomando. Que demônios estaria Bob provocando ao bater
de frente com o submundo e seus anjos vingadores? “O
velho via nisso um perigo”, lembrou um antigo amigo da
família Kennedy, Lem Billings. “Ele achava Bobby um
ingênuo.”
Joe Kennedy amava os filhos mais do que qualquer coisa.
Sua presença dominadora na vida deles faz parte da
tradição americana. Mas bem menos apreciado é o amor
sempre vigilante do patriarca dos Kennedy. Sua atenção
paternal se irradia pelo turbilhão de cartas que ele
escreveu à prole, especialmente aos filhos homens,
enquanto viajava pelo mundo construindo seu império. Ele
os instruía em tudo, de boas maneiras e modo de vestir a
assuntos mundiais; confortava-os quando tinham saudade
de casa e se mostravam desanimados no internato;
inspirava-os com grandiosas visões do futuro se
trabalhassem duro. Joe Kennedy não foi apenas um pilar de
força masculina na vida dos filhos; foi também uma mãe
implicante e protetora, que constantemente infundia neles
sentimentos de orgulho familiar e amor-próprio.
“Depois de longa experiência em avaliar pessoas, sei
definitivamente que você tem as virtudes necessárias e
pode chegar longe”, Joe disse a Jack, então com dezessete
anos. Mas ele precisava se aplicar. Joe se preocupava
porque achava o filho um tanto relaxado na adolescência.
Bob, então com dezesseis anos, precisava de um tipo
diferente de amor paterno. Não tinha a confiança de Jack e
se preocupava demais. “Eu não ficaria tão decepcionado
com o time de futebol”, encorajou-o o pai. “Afinal, o
importante não é jogar no melhor time; é a oportunidade de
conhecer um monte de garotos legais e praticar o jogo em
equipe.”
Quando os irmãos Kennedy se preparavam para enfrentar
os reis do submundo, que, não sendo incomodados pelo
FBI, desfrutavam uma era de ouro na América do pós-
guerra, o Kennedy pai temia pela segurança dos filhos, e
por boas razões. Joe Kennedy conhecia esse tipo de
homens; tinha feito negócios com eles, e eles o tinham
ajudado a fazer fortuna com a distribuição de bebidas
alcoólicas durante e depois da lei seca. Ele sabia do que
eles eram capazes.
Kennedy era exatamente o tipo do capitalista predatório
que o filho convocava a depor na Comissão Rackets, um
empreendedor sagaz, acostumado a passar por cima da lei,
que aproveitava as oportunidades de negócios e parceiros
onde os encontrasse. Era um mestre em explorar as
fronteiras lucrativas da iniciativa empresarial americana,
de sua época de especulador na Wall Street a magnata do
cinema e contrabandista de uísque. Comerciar bebidas
alcoólicas durante os anos da lei seca proporcionava os
mesmos lucros que hoje se obtém com o tráfico de drogas.
Mas também significou fazer negócios com a Máfia, se
prezasse sua vida, e Kennedy foi direto ao topo para
garantir a segurança de seus negócios. Fez uma parceria
com Frank Costello, o “primeiro-ministro do submundo”,
que todos os dias, depois de deixar sua cobertura no
Central Park West, fazia a barba no salão do Waldorf-
Astoria Hotel. No final dos anos 1940, quando Jack iniciava
a carreira política que o pai o estimulara a seguir, Kennedy
tinha feito caixa com a venda de sua empresa de
distribuição de bebidas, Somerset Importers, ao gângster
de Nova Jersey, Longy Zwillman. Mas a mancha sobre o
nome Kennedy permaneceria indelével no folclore familiar.
“Sim, ele era amoral, com certeza”, observou o colunista
do New York Times, Arthur Krock, que Kennedy tratava
como se fosse um empregado da família. “Só um católico
romano pode explicar como ser amoral e continuar sendo
religioso. Ou seja, como manter uma apólice de seguro com
a divindade e ao mesmo tempo fazer todas essas outras
coisas. [...] Desde minha época de jovem repórter, nunca
tive nenhum idealismo sobre qualquer pessoa que se
envolva com a política ou grandes negócios. Portanto, não
fiquei nem um pouco chocado. Já esperava, e ainda espero,
que políticos e grandes homens de negócios não tenham
moral.” Mas Bobby Kennedy exigia dos homens públicos
padrões muito diferentes.
Algumas vezes, Joe Kennedy voou para Washington para
observar seus filhos confrontarem os mais infames
gângsteres e chantagistas do país na ornamentada sala de
audiências do Senado. Podemos imaginar seus sentimentos
contraditórios de orgulho e medo ao ver Jack e Bobby
baterem de frente com homens que ele conhecia de seu
secreto mundo de negócios. Os membros da comissão
notaram que, quando soube que o pai estaria presente,
Bobby demonstrou um nervosismo que nunca revelara ao
enfrentar os delinquentes. Quando o pai entrava no Salão
Caucus, com seus caros ternos feitos sob medida em Nova
York e seu chapéu de feltro de banqueiro, “Bob ficava um
pouco nervoso, um pouco tenso”, lembrou Ruth Watt,
secretária-chefe da Comissão McClellan. “Era muito forte a
influência paterna sobre todos os Kennedy. [Joe Kennedy]
era de fato uma pessoa muito forte. [...] Quando vinha à
cidade, todos ficavam agitados! Lembro que uma vez ele
chegou durante as audiências e ia voltar a Boston. Eles
acionaram a Eastern Airlines, o escritório de Jack Kennedy,
o SAC e quem mais houvesse para conseguir uma reserva
para ele voltar a Boston!”
Bobby tinha o maior respeito pelo pai. Mas, à medida que
se aprofundou na investigação, ignorando suas apaixonadas
objeções, correu o risco de uma ruptura edipiana que até
então os dois tinham conseguido evitar. Bobby era o filho
mais parecido com ele, Joe Kennedy sempre gostava de
dizer: “Ele odeia como eu”. Mas Jackie Kennedy, que se
tornou muito íntima do irmão mais jovem do marido,
achava que Bobby era “o menos parecido com o pai”. Rose
Kennedy via o lado devoto e sensível do filho. Não tão
emocionalmente efusiva quanto o marido com a prole, ela
ainda chamava Bobby de seu “queridinho”, mesmo quando
ele já estava com dezesseis anos. Em seu papel de flagelo
do crime organizado, Bobby tinha encontrado uma maneira
de combinar o temperamento severo do pai com a pureza
religiosa da mãe. Mas Joe Kennedy sabia que a missão do
filho era perigosa.
Ruth Watt era uma experiente assessora de Capitol Hill
cuja criteriosa capacidade administrativa ajudou a
assegurar que as audiências ocorressem sem percalços.
Mas quando alguns dos personagens mais ameaçadores se
apresentavam perante a comissão, ela ficava muito
nervosa. “O mais assustador”, segundo ela, era o chefão de
Nova York, Vito Genovese, que tinha alçado o topo da Máfia
pulando de assassinato em assassinato, obrigando o
contrabandista e velho parceiro de Joe Kennedy, Frank
Costello, a se aposentar. “Eu ficava de pé, atrás dos
senadores, durante os depoimentos, e vi que ele tinha os
olhos mais frios. Olhava direto através de você e dava
calafrios. Foi talvez o indivíduo mais frio que conheci.”
Com Bobby dirigindo o interrogatório das testemunhas,
as audiências eram alimentadas por um ódio incontido. Ele
queria que os Estados Unidos sentissem a mesma
indignação que ele sentia quando esses homens, que
preferiam as sombras do poder, eram interrogados sob as
luzes da tevê que enchiam o Salão Caucus. As audiências,
que duraram dois anos e meio e nas quais foram ouvidas
mais de 1.500 testemunhas, ofereceram ao jovem Kennedy
um palco nacional onde travar a guerra santa pela salvação
da alma americana. Nos dias em que bandidos famosos
eram escalados a comparecer perante a comissão, Bobby
fazia que o irmão estivesse presente. Ele já encenava a
campanha presidencial de JFK, e sabia que aqueles duelos
teatrais com os chefões do crime dariam mais fama
nacional ao irmão. Hoffa tinha prometido que, se Bob
achasse que ia usá-lo para eleger o irmão presidente, teria
que ser “sobre o meu cadáver”. Mas era precisamente isso
que o jovem Kennedy tinha em mente. “Dois irmãos
despenteados de Boston estão chamando a atenção em
Washington como jovens que podem ter uma grande
carreira pela frente”, informava o U.S. News & World
Report a seus leitores quando as audiências no Senado
ganharam as manchetes.
Nos dias em que o bem-apessoado e jovem senador
Kennedy entrava no Salão Caucus, uma faísca de excitação
percorria o ar. “Lembro que um dia [Jack] veio a uma
audiência, deve ter sido quando já se sabia que ele ia
concorrer à presidência, porque a imprensa o cercou”,
lembra Ruth Watt. “Ele ainda não tinha almoçado e [sua
secretária] Evelyn Lincoln trouxe seu almoço numa
bandeja, que ele levou para uma cabine telefônica para
tentar comer. A imprensa o cercou, e ele não conseguiu
comer. Tudo o que ele fazia virava notícia. Quando os
Kennedy estavam por perto, sentia-se no ar.”
As audiências também fizeram de Bob uma sensação da
mídia. Jack Paar apresentou-o efusivamente em seu Tonight
Show de 23 de julho de 1959 como “o mais corajoso e
admirável jovem que conheço”. Bobby, ainda
desacostumado ao brilho da mídia, mais parecia um rapaz
tímido, de olhos grandes e ombros caídos. No fim da
entrevista, o sincero Paar exclamou que seu convidado era
“como um bebê”. Mas naquela noite Bobby transformou-se
num promotor linha-dura quando começou a catalogar os
muitos crimes de Jimmy Hoffa e seus capangas. “Eles se
acham acima da lei”, disse Kennedy à plateia de Paar.
“Acham que podem subornar juízes e jurados. O senhor
Hoffa disse que todo homem tem seu preço. Este país não
poderá sobreviver se alguém como ele continuar operando.
No fim ele não vai vencer.”
Os refletores da Comissão McClellan atraíram muitas
figuras notórias. Entre eles estavam homens que eram
importantes na vida dos Kennedy, como os gângsteres
Carlos Marcello, Santo Trafficante e Sam Giancana — que
mais tarde se juntariam à guerra secreta contra Castro que
uniria a Máfia, a CIA e os eLivross cubanos. (Até o nome de
um rufião insignificante de Chicago, Jack Ruby, viria à tona
durante as longas audiências, ligado à intriga da Máfia em
Cuba.) Mas nenhuma testemunha encheu a sala de
audiências do Senado de mais tensão explosiva do que
Jimmy Hoffa. Os confrontos entre o líder do Teamsters e os
irmãos Kennedy foram épicos. Até o irmão mais velho e
mais frio pareceu absorver o ardor de Bobby quando
discutiu com Hoffa.
“Eu gostaria de dizer uma coisa, senador”, exclamou
Hoffa certa vez, a voz cheia de desprezo e provocação.
Desde que os Kennedy, em seu ódio por ele, tentavam
separá-lo do resto do movimento trabalhista para imputar-
lhe uma punição especial do governo federal, por que não
“explicitar isso na lei, eximindo todo mundo menos Hoffa?”.
JFK interrompeu-o, perdendo de repente a formalidade
habitual de senador. “Estamos eximindo todo mundo,
exceto os gângsteres, chantagistas e escroques”, gritou em
resposta, num acesso de raiva e nas vogais ásperas de
Boston.
Mas nada se comparou ao ódio e à fúria dos embates
entre Hoffa e Bobby Kennedy. Para RFK, o chefão
trabalhista representava o assustador elo entre os Estados
Unidos que a maioria das pessoas conhecia, o país de leis e
ideais, e o mundo onde prevaleciam os códigos da selva. Na
época em que compareceu perante a Comissão Rackets,
Hoffa ainda estava acumulando o tipo de poder que o faria
respeitado por editores de jornais, magnatas dos negócios,
senadores, governadores — até aspirantes a presidentes.
Sonhava com o dia em que dominaria um dos partidos
políticos — pouco importava se o Republicano ou o
Democrata. Como Robert Kennedy sabia, esse
impressionante poder nacional tinha sido construído com
sangue e corrupção.
No Salão Caucus, os dois homens se atacaram durante
horas, dia após dia. Barry Goldwater, que era membro da
comissão, ficou surpreso com a “raiva animal” entre eles.
“Éramos como pedra e aço”, disse Hoffa. “Toda vez que nos
enfrentávamos, fagulhas voavam.”
Na mesa de testemunhas, os olhos pequenos e brilhantes
de Hoffa faiscavam, revelando uma inteligência aguda.
Apesar dos ataques incessantes de Bobby e dos membros
da comissão, o carrancudo líder trabalhista nunca perdeu
terreno, escapulindo quando parecia estar acuado num
canto. Vez ou outra, Hoffa, cansado de esquivar-se dos
golpes, simplesmente atacava Kennedy com um epíteto.
“Você é doente. Esse é que é o seu problema: você é
doente.”
Os confrontos mais intensos entre Kennedy e Hoffa foram
silenciosos. Mais tarde, Kennedy descreveu a sinistra
maldade que exalava de Hoffa durante o combate: “No
mais notável de todos os meus debates com Jimmy Hoffa,
nem uma palavra foi dita. Chamei isso de ‘olhar’. Ocorria
com bastante frequência, mas a primeira vez que o notei foi
no último dia das audiências de 1957. Uma tarde, percebi
que ele me encarava do outro lado da mesa da promotoria
com uma expressão profunda, estranha, penetrante, de
intenso ódio. Suponho que eu tenha esclarecido que ele
seria objeto de uma contínua investigação — que não
estávamos brincando. Era o olhar de um homem obcecado
por sua hostilidade, que brotava em especial de seus olhos.
Houve momentos em que seu rosto parecia totalmente
petrificado com esse olhar de absoluta maldade. Podia
durar cinco minutos — como se ele achasse que, olhando-
me por tempo suficiente e com dureza suficiente, pudesse
me destruir. Às vezes ele parecia estar tão concentrado que
eu tinha que sorrir, e às vezes comentava sobre isso com o
promotor-assistente, sentado atrás de mim. Devia ficar
evidente para ele que estávamos comentando isso, mas sua
expressão não mudava.
“Durante as audiências de 1958, de vez em quando ele
dirigia o mesmo olhar raivoso para meu irmão. E, vez ou
outra, depois de um olhar particularmente mau, ele fazia a
coisa mais estranha: piscava para mim. Talvez um
psiquiatra reconhecesse os sintomas.”
Os dois eram opostos. Com seu corpo atarracado, os
cabelos mal cortados e empastados, ternos baratos de
gabardine e calças largas, Hoffa parecia o trabalhador
braçal que um dia fora. Nascido numa cidade remota de
Indiana — filho de um mineiro de carvão que morreu
quando Jimmy tinha sete anos, deixando a família sem um
tostão —, Hoffa lutou muito para chegar ao topo. Liderou
sua primeira greve aos dezessete anos, uma ação bem-
sucedida nas docas de Detroit. Para se igualar à força bruta
das empresas de transporte e armazenagem contra as
quais lutava, Hoffa tivera que usar os punhos, recorrendo a
gângsteres musculosos quando as batalhas trabalhistas
ficavam mais duras. Enquanto abria caminho nas fileiras do
Teamsters, usou a mesma força bruta para manter a
disciplina em seu sindicato. Os caminhoneiros e
empregados dos armazéns tinham Hoffa como herói. Mas
Bob o via como um traidor do movimento sindical, um
homem que vendera seu sindicato transferindo seu fundo
de pensão para gângsteres, fechando acordos suspeitos
com os empregadores e esmagando os dissidentes internos
com violência.
Hoffa, por sua vez, via os irmãos Kennedy como uns
“riquinhos mimados”, que nunca tiveram que trabalhar um
só dia na vida. Com um corte de cabelo juvenil, ternos bem-
cortados e sua aura de escolhidos, eles representavam tudo
que tinha sido negado a Hoffa. Desse poço profundo de
ressentimento de classe, ele atacava publicamente os
irmãos, considerando sua cruzada para limpar o movimento
sindical uma manobra para enfraquecer a organização dos
sindicatos. “Toda essa história sobre chantagistas é uma
cortina de fumaça para levar vocês de volta ao tempo em
que eles podiam descartá-los como lixo”, ele disse aos
membros do sindicato, acrescentando que, quando os
chefões ricaços usavam capangas como fura-greves,
ninguém reclamava, mas “agora que usamos alguns deles,
todo mundo grita”.
Mas, em certos aspectos, Hoffa e Kennedy eram muito
parecidos. Ambos eram guerreiros incansáveis, menos
interessados no prazer e no luxo do que em sua causa:
aumentar o poder do sindicato, no caso de um, e aumentar
o poder da família, no caso do outro. “Um sorvete no
sábado à noite era o estilo puritano de Hoffa”, lembrou o
advogado do sindicalista, Frank Ragano. “Ele sempre
pareceu deslocado em restaurantes de luxo e boates
elegantes, como se soubesse que suas roupas cafonas, suas
meias brancas, sua fala grosseira e seus erros de gramática
não o qualificassem a ser aceito nesses lugares.” Bobby
também era espartano de muitas maneiras. “Ele não tem o
mesmo interesse que o presidente em relacionamentos
sociais e intelectuais”, observava a matéria de capa da Life
em janeiro de 1962. “Ele não frequenta boates, teatro ou
grandes festas, e até as evita quando pode. Vez ou outra,
gosta de tomar um drinque ou fumar um charuto, mas para
seu prazer ele recorre ao sorvete de chocolate com
cobertura de chocolate e leite supergelado.”
Com a clareza brutal que só um inimigo incondicional
podia apresentar, Hoffa tinha outra característica que o
ligava a Bobby Kennedy. Lembrava seu pai. “Não sou um
anjo”, rosnou Hoffa. “Não peço desculpas. Pegue qualquer
setor e veja os problemas que eles enfrentam enquanto
estão crescendo — o que eles fizeram, com quem se
associaram, como cortaram caminho. O melhor exemplo é o
velho Kennedy.” Hoffa sabia que era assim que o mundo
real funcionava — homens poderosos a caminho do topo,
fossem eles magnatas que venceram por esforço próprio
como Joe Kennedy ou líderes sindicais como ele próprio,
todos tinham que “cortar caminho”. O arrogante “Bobo”,
como ele gostava de chamar Bobby, não entendia isso.
Ou talvez entendesse. Enquanto percorria os túneis da
corrupção americana, RFK descobriu provas do
envolvimento do pai com o submundo, de acordo com Barry
Goldwater, membro da Comissão Rackets. “Isso o deixou
arrasado”, disse.
Anos depois, Robert Lowell perguntou a Bobby que
personagem de Shakespeare ele gostaria de ser, e ele
escolheu Henrique V. Naturalmente. O jovem príncipe Hal,
o herdeiro do trono que se revolta contra as expectativas
da família, até que finalmente prova seu valor no campo de
batalha. Bobby usou o famoso discurso de Henrique antes
da Batalha de Agincourt para inspirar suas tropas no
Departamento de Justiça. Mas era do pai de Henrique que
ele queria falar naquela dia. Ele leu para Lowell a fala que
Henrique IV pronuncia à beira da morte, quando
tristemente pensa nos patriarcas do poder, esses “pais tolos
e cheios de preocupações, que deixaram que os
pensamentos lhes afugentassem o sono, os cuidados lhes
perturbassem o cérebro, o trabalho lhes fatigasse os
ossos”. E para quê? Só para legar aos filhos “montes de
ouro impuro, vindos de estranhos”.
“Henrique IV. Esse é meu pai”, disse Bobby a Lowell.
Era um legado que Robert Kennedy parecia determinado
a purificar. Se o pai tinha vendido a alma em troca de
fortuna e poder, ele redimiria o nome da família com seu
trabalho de justiceiro. Mesmo que isso significasse trair os
parceiros de Joe no mundo do crime.
 
Em 16 de agosto de 1962, J. Edgar Hoover, diretor do FBI,
enviou ao procurador-geral Kennedy um dos preocupantes
memorandos sobre sua família que ele adorava lhe esfregar
na cara de tempos em tempos. Eles geralmente tinham
alguma relação com os imprudentes relacionamentos
amorosos de Jack. Como um monstro repulsivo escondido
nos porões do castelo, Hoover vigiou atentamente as idas e
vindas amorosas do belo príncipe Kennedy ao longo dos
anos. Mas esse “memorando pessoal” dizia respeito ao pai
do procurador-geral e suas ligações com o crime
organizado. Joe Kennedy tinha bajulado o chefe do FBI
durante muitos anos, a ponto de lhe dizer em 1958, com
descarada lisonja, que o FBI era “o mais importante
organismo do governo, e você tem se revelado o melhor
servidor público que já conheci”. Kennedy tinha convencido
os filhos a manter o velho diretor no posto, calculando que
era melhor ter Hoover e seus arquivos secretos dentro do
governo do que fora. Era assim que o chefe do FBI
retribuía o favor, agora que o patriarca estava debilitado e
confinado a uma cadeira de rodas.
“Antes da última eleição presidencial”, dizia o
memorando, “Joseph P. Kennedy (pai do presidente John
Kennedy) recebeu a visita de muitos gângsteres com
negócios no jogo e fechou com eles um acordo que deu a
Peter Lawford, Frank Sinatra, Dean Martin e outros um
lucrativo estabelecimento do jogo, o Cal-Neva Hotel, em
Lake Tahoe. Consta que esses gângsteres se encontraram
com Joseph Kennedy no Cal-Neva, onde Kennedy estava
hospedado à época.”
Hoover poderia ter dito mais ao procurador-geral. Sabia
que, no esforço para garantir a vitória do filho na corrida
presidencial, o velho Joe tinha conversado com vários dos
maiores chefões da Máfia no país, entre eles alguns desses
que Bobby agora arrastava à Comissão Rackets. Uma
dessas reuniões ocorrera no restaurante de Felix Young no
auge da campanha de 1960. “Fiz a reserva, e foi como se
todos os principais gângsteres dos Estados Unidos
estivessem lá”, lembra Edna Daultyon, que na época
trabalhava como recepcionista do restaurante. “Não me
lembro de todos os nomes, mas lá estavam John Rosselli,
Carlos Marcello, de Nova Orleans, os dois irmãos de Dallas,
os chefões de Buffalo, da Califórnia e do Colorado. Eram
todos chefes, e não soldados. Fiquei surpresa de ver Joe
Kennedy correndo esse risco.”
Através de Frank Sinatra e outros intermediários,
Kennedy também fez acordos com os mafiosos para
conseguir votos nas cruciais primárias da Virgínia
Ocidental, onde o “dinheiro fácil” tradicionalmente
desempenhava um papel importante no resultado, e para
obter uma vitória esmagadora em Chicago (onde os redutos
da Máfia mais tarde garantiram oitenta por cento para
Kennedy), assegurando uma vitória democrata em Illinois
em novembro. Segundo uma testemunha, Kennedy chegou
a se encontrar pessoalmente com o chefão de Chicago, Sam
Giancana, na sala de um complacente juiz do condado de
Cook. Esse era exatamente o gângster com quem Bobby
tinha batido de frente alguns meses antes em uma
audiência da Comissão Rackets que ganhou as manchetes,
quando Bobby questionou a masculinidade do mafioso:
“Pensei que só menininhas dessem essas risadinhas, senhor
Giancana”.
Muito se tem escrito sobre a tentativa de Kennedy de
fraudar as eleições de 1960. Mas o que Joe Kennedy
aprendeu com sua experiência nas trincheiras da política e
dos negócios foi que a democracia americana não é o vaso
de cristal que nossos livros escolares fazem crer. Eleições
são frequentemente negociadas, votos são comprados,
roubados ou não contados. E em 1960, o resultado da
corrida presidencial dependeu em grande medida da
corrupção e da ajuda de chefões do submundo. Os rivais de
JFK também tinham o apoio dos bandidos — apesar das
súplicas do patriarca dos Kennedy, Marcello apoiou Lyndon
Johnson na convenção democrática e Nixon nas eleições
gerais, contribuindo com 500 mil dólares para a campanha
do candidato republicano. E Hoffa, como era de se esperar,
jogou todo o peso do Teamsters contra Kennedy, realizando
assembleias do sindicato por todo o país para pedir votos
para Nixon, e levantou outro meio milhão de dólares dos
senhores do crime. Em retribuição ao apoio de Hoffa, a
quem foi atribuída a adesão de Ohio ao Partido
Republicano, o vice-presidente intercedeu junto ao
procurador-geral de Eisenhower, general William Rogers,
para a suspensão de uma denúncia contra o chefe do
Teamsters.
Quando se trata de roubar votos, Kennedy com certeza
não foi o único na corrida presidencial de 1960. Como
descobriu o repórter político Theodore H. White quando
investigou o resultado da votação em Illinois, havia uma
boa razão para Nixon não ter contestado a contagem final
nesse estado: “Os republicanos roubaram tantos votos
quanto os democratas”. O prefeito de Chicago, Richard
Daley, sabia como o jogo era jogado: sua máquina
democrática tinha que roubar no mínimo tantos votos
quanto os republicanos tinham roubado no sul do estado,
onde tinham vencido. Daley rapidamente silenciou os
protestos republicanos sobre a votação de Chicago em
1960, desafiando os republicanos a apoiar uma recontagem
em todo o estado. “Ele os desafiou, dizendo que pagaria
metade do preço da recontagem estadual, e eles disseram:
‘Não, obrigado’.” O filho de Daley, Willian, recentemente
lembrou o fato com uma risada irônica. “Naquela época,
saindo do condado de Cook, era tudo zona rural, reduto dos
republicanos. E eles usaram cédulas de papel em vez das
velhas máquinas que usamos na cidade, e por isso tiveram
mais oportunidades de fraudar.”
Naturalmente, os políticos também não eram exemplos de
pureza em 2000, quando Bill Daley administrou a
campanha de Al Gore à presidência. Naquele ano, muitos
democratas desejaram que Daley e seu candidato tivessem
demonstrado o mesmo espírito combativo de seu pai e da
família Kennedy no sórdido espetáculo de recontagem dos
votos na Flórida, quando a máquina de Bush humilhou a
equipe de Gore, apegando-se orgulhosamente às regras do
pugilismo político.
A família Kennedy, ao contrário, sabia lutar para vencer. E
não tinha ilusões sobre a mal-afamada esperteza de
Richard Nixon. Os Kennedy estavam preparados para fazer
o que fosse necessário para anular as táticas de seu
oponente republicano.
A diferença entre John Kennedy e seus rivais é que,
depois da vitória nas eleições de 1960, uma competição
suja durante a qual ambas as campanhas recorreram a
medidas condenáveis, ele se recusou a pagar as dívidas
políticas que tinha contraído.
Não há evidências de que Bobby Kennedy tenha
participado com o pai das negociações desonestas que
ocorreram durante a campanha. Nem JFK tomou a frente
nesses acordos. O patriarca da família aparentemente
operou por sua conta e risco ao fazer contato com seus
velhos sócios no mundo do crime para ajudar a eleição do
filho. “Se Jack tivesse conhecimento de certos telefonemas
que o pai fez em seu nome para os chefes da Tammany
Hall5 durante a campanha de 1960, teria ficado com os
cabelos brancos”, disse Kenny O’Donnell mais tarde.
Entretanto, Jack e Bobby não eram ingênuos sobre o
caráter do pai. Eram ambos argutos demais para
desconhecer as alavancas que o patriarca estava utilizando
em benefício da campanha. Quando um amigo advertiu
JFK: “Você sabe que o velho o está prejudicando, não
sabe?”, ele respondeu: “Meu pai está trabalhando pelo
filho. Você quer que eu diga a meu pai para parar de
trabalhar por seu filho?”.
O que é certo é que, independentemente dos favores que
o pai tenha oferecido no submundo para retribuir quando o
filho assumisse o cargo, Robert Kennedy não hesitou nem
por um instante em perseguir os chefes da Máfia que
tinham se infiltrado na política americana. Pelo contrário, o
jovem procurador-geral desencadeou uma furiosa
campanha contra os senhores do crime. A mensagem era
clara: vocês podem ter dado dinheiro aos Kennedy, mas não
podem comprar os Kennedy.
Hoffa sentiu a aproximação do perigo logo depois da
eleição. Sabia que “estava mais enrascado do que nunca.
Ninguém precisava me dizer que [Bobby] ia vir atrás de
mim. Sabia que teria dias piores pela frente”.
Quando assumiu o Departamento de Justiça, Kennedy
revigorou a unidade de combate ao crime organizado e
criou uma força-tarefa sob o comando de Sheridan para
caçar Hoffa. Com isso, criava dificuldades para Hoover,
que, como todo mundo sabia, tinha negado a existência da
Máfia, provocando o deboche dos gângsteres, que
explicavam a sigla FBI: “Famous But Incompetent” [famoso
porém incompetente]. Quando Hoover se mostrou um
obstáculo ao combate de Kennedy ao crime, ele
simplesmente passou por cima do FBI, usando agentes do
Departamento do Tesouro, da Receita Federal e da Divisão
de Narcóticos como tropa de choque. Ofereceu prêmios de
incentivo aos jovens promotores de sua equipe que
descobrissem maneiras engenhosas de pôr os mafiosos e os
políticos corruptos na cadeia. O número de gângsteres
indiciados saltou de 121, em 1961, para 615, em 1962 — e
entre eles havia figuras notórias como Carlos Marcello,
Mickey Cohen, os capangas do Teamsters, Anthony
Provenzano e Joey Glimco, além do próprio Hoffa. O time
de Kennedy de exterminadores do crime também se
dedicou a uma incansável perseguição a Santo Trafficante e
Sam Giancana. O cerco estava se fechando tanto no
submundo que escutas telefônicas do FBI captaram
conversas dos gângsteres em que eles falavam em
abandonar sua linha de trabalho enquanto os Kennedy
estivessem no poder.
O procurador-geral parecia perseguir os gângsteres
ligados à família Kennedy com mais ardor. Ordenou aos
agentes do FBI que seguissem cada passo de Sam Giancana
— o que eles fizeram, perseguindo-o em restaurantes,
direcionando os holofotes para sua casa em Oak Park e
atrapalhando seu jogo de golfe. Mesmo quando o mafioso
teve um acesso de ira com seus perseguidores no
Aeroporto O’Hare, dizendo que “um dia desses vamos
contar tudo o que sabemos” sobre os Kennedy, o
procurador-geral não lhe deu trégua. Os assessores de
Kennedy flertavam com medidas autoritárias para derrubar
o chefão de Chicago.
“Um dia, meu chefe [na divisão criminal] Jack Miller me
chamou”, lembrou o ex-promotor do Departamento de
Justiça Ronald Goldfarb. “Ele me disse: ‘O que você acha
desta ideia? O grande júri convoca Giancana e nós lhe
oferecemos total imunidade por toda a vida, desde que ele
concorde em denunciar todos os crimes da Máfia. Como
provavelmente ele não vai poder fazer isso, nós o
colocamos na cadeia, mas a lei federal determina que uma
pessoa presa por desacato ao grande júri só pode ficar
presa por dezoito meses’. Mas ele tinha um plano: no dia
em que Giancana saísse da prisão, o grande júri o
convocaria novamente e lhe faria a mesma proposta. E
assim indefinidamente. Seria a prisão perpétua para Sam
Giancana! Então eu pensei: ‘Deus meu, eles estão mesmo
pensando em fazer isso. Vão pegar os chefes da Máfia um
por um e jogá-los na cadeia indefinidamente’. E agora
queriam saber se podiam fazer isso. Lembro-me de ter dito
a eles: ‘Sim, tecnicamente isso é possível. Mas seria uma
medida ultrajante. Seríamos vistos como fascistas
autoritários. Seria levar a letra da lei longe demais. Sou
fortemente contrário a essa medida’. Portanto, a ideia de
que perseguimos homens como Giancana porque sabíamos
que eles ajudaram a campanha de Kennedy, ou estavam
ligados a Sinatra, ou estavam ajudando a CIA a matar
Castro é um absurdo.”
Goldfarb, um jovem advogado formado em Yale, tinha
desafiado seus amigos liberais nova-iorquinos — que viam
com reservas a imagem agressiva de cumpridor da lei e da
ordem de RFK — para juntar-se à cruzada de Bobby. Em
pouco tempo, ficou fascinado pelo procurador-geral,
abraçando sua crença de não estarem caçando criminosos
comuns, mas homens “extremamente ricos e poderosos”,
que corrompiam o sistema americano — “perfeitos
bandidos”, na descrição de Goldfarb. “Eu admirava muito
Kennedy. Eu pensava: ‘Puxa, esse sujeito é absolutamente
correto, e nos apoia de todas as maneiras!’. Cada vez que
eu ganhava um processo, ele me convidava a um
restaurante. Era um cara muito legal. De uma integridade
incrível. Portanto, ninguém vai me dizer que ele nos fez
aceitar um acordo, ou capitular, ou seja o que for, porque
eu estava lá. Isso não aconteceu.”
Mas, mais recentemente, Goldfarb, que em 1995 publicou
um livro defendendo que JFK foi assassinado pela Máfia, já
duvida da coragem de Bob Kennedy. “Ele acendia velas
para dois santos. Pressionava os mafiosos mesmo depois
que sua família tinha usado seus favores”, me disse o ex-
promotor do Departamento de Justiça. “Como, em nome de
Deus, ele achava que ia sair dessa, não sei. Mas eles eram
os Kennedy, vinham de uma família cujo pai tinha feito tudo
o que fez, e tinham chegado ao topo. Eu não poderia dormir
à noite sabendo o que Bobby sabia. Mas essa gente é
diferente.”
Não foram só os sócios desagradáveis do pai que
complicaram o trabalho de Bobby Kennedy no
Departamento de Justiça, mas também seu irmão. Na tarde
de 22 de março de 1962, o sempre calculista Hoover
chegou à Casa Branca, onde foi cumprimentado pelo
presidente e sentou-se com ele para almoçar na sala de
jantar da residência oficial. Hoover disse a Kennedy que
tinha provas do caso indiscreto do presidente com uma
morena cheia de curvas chamada Judy Campbell, que fora
apresentada a JFK por Frank Sinatra. Hoover também
sabia que Kennedy partilhava sua amante com ninguém
menos que Sam Giancana. (Evidências recentes indicam
que Campbell pode ter sido posta no caminho de Kennedy
pela Máfia.) O sempre vigilante irmão do presidente
também sabia de tudo. Um de seus investigadores
descobrira o caso no mês anterior, quando seguia a pista
dos telefonemas dos gângsteres, e imediatamente contou
ao chefe, que informou o irmão. Mandar Hoover à Casa
Branca pode ter sido a maneira que Bobby encontrou de
mostrar ao irmão a necessidade urgente de romper essa
ligação, antes que ela se tornasse um escândalo capaz de
ameaçar a presidência.
Naquele verão, outra investigação do Departamento de
Justiça obrigou Bob a advertir o irmão a pôr fim a mais um
relacionamento arriscado, dessa vez com Sinatra. Um
jovem promotor da Flórida, Doug McMillan, que ingressara
havia pouco no Departamento de Justiça, tinha reunido um
dossiê sobre as ligações do submundo com o cantor, que
tinha ajudado a movimentar a indústria do entretenimento
em favor da candidatura de Kennedy e fora mestre de
cerimônias do baile inaugural de JFK. Consciente dessa
conexão com a família Kennedy, McMillan estava temeroso
de apresentar essas evidências ao chefe. Mas o procurador-
geral ouviu respeitosamente o jovem advogado e depois lhe
pediu que relatasse todos os detalhes num memorando, que
ele apresentou ao chefe em 3 de agosto de 1962. Pouco
depois, JFK, como todos sabem, rompeu relações com
Sinatra, provocando a ira do cantor. Quando o presidente
informou a Sinatra que não se hospedaria mais com ele em
Palm Springs durante as férias, o cantor teria pegado uma
marreta e destruído o heliporto que construíra para a visita
presidencial.
A fúria de Sinatra tinha sem dúvida um componente de
pânico. Ele tinha ajudado a recrutar os amigos do
submundo para a campanha de Kennedy, e agora a família
o punha de lado. “Eles o trataram como uma prostituta”,
disse Johnny Rosselli a Giancana por telefone. Esta era a
maneira como os Kennedy tratavam os amigos, ele disse:
“Você fode com eles, os paga e pronto”. Giancana vociferou
numa linguagem violenta contra Sinatra e seu fracasso em
fazer que os Kennedy honrassem o acordo que o velho Joe
teria feito com o submundo durante a corrida presidencial
de 1960. O cantor, que sabia que o ataque de Joe em
dezembro de 1961 tinha eliminado qualquer chance de uma
negociação entre a família e a Máfia, lamentou sua má
sorte. “Por que Joe foi ter aquele maldito derrame?”, seu
camareiro ouviu-o queixar-se.
Giancana mais tarde afirmou que a única coisa que salvou
a vida de Sinatra foi seu talento. O mafioso foi tomado por
um súbito sentimento de misericórdia pelos Olhos Azuis
durante um momento de pleno prazer sexual com a
namorada, a cantora Phyllis McGuire. Ele contou a um
sócio o que aconteceu naquela noite: “Estou trepando com
Phyllis e ouvindo Sinatra ao fundo, e o tempo todo dizia
para mim mesmo: ‘Meu Deus, como posso calar essa voz? É
o som mais belo do mundo’. Para sorte de Frank, sua voz
salvou sua vida”.
Rosselli também andava se sentindo enganado pelo
governo. Tinha oferecido seus serviços à CIA
gratuitamente, por dever patriótico. Mas Bobby Kennedy
não vira razão para honrar as dívidas da agência. “Aqui
estou eu, ajudando o governo, ajudando o país”, disse
Rosselli a um sócio de Las Vegas durante uma viagem de
avião a Washington em 1962, “e esse filho da puta me
apronta.”
 
Bobby Kennedy não se intimidou com essas ameaças do
submundo. O único obstáculo no seu caminho, até onde ele
sabia, era J. Edgar Hoover. Frustrados pelo boicote de
Hoover, Kennedy e sua equipe resolveram criar sua própria
força de investigação temporária. “O sentimento era muito
simples. Achávamos que não podíamos contar com a ajuda
do FBI em nenhuma ação importante, e, quando fazíamos
nossas solicitações, elas tinham que passar pelo filtro de
Hoover”, lembra John Cassidy, advogado que trabalhou na
divisão de Kennedy contra o crime organizado. “Pedíamos a
eles para interrogar uma testemunha ou um suspeito, e
eles nos faziam uma centena de perguntas, cuja maioria se
resumia a ‘por quê?’. Levamos muito tempo para andar
para a frente, até que resolvemos procurar investigadores
em outros lugares. Encontramos inspetores postais, o
pessoal da alfândega, da Receita Federal. Passamos por
cima do FBI porque eles não queriam fazer o que precisava
ser feito.”
De acordo com Ed Guthman, Kennedy tomou a mesma
iniciativa na defesa dos direitos civis quando percebeu que
o FBI também era imprestável nesse campo. O
Departamento de Justiça criou sua própria “unidade de
inteligência” no conflituoso Sul, disse o antigo assessor de
imprensa e confidente do procurador-geral. “Logo depois
do ataque aos Freedom Riders, no Alabama, soubemos que
o FBI tinha conhecimento de que a Klan ia atacar, mas eles
não fizeram nada nem avisaram ninguém. Sabíamos que
não podíamos contar com o FBI para enfrentar qualquer
crise que ocorresse no Sul. Então formamos nossa própria
unidade de inteligência.” Guthman me contou que o
Departamento de Justiça de Kennedy enviou vários jovens
promotores ao Sul para obter informações. “Outra parte de
nossa operação de inteligência era meu relacionamento
com a imprensa”, ele disse. “Os repórteres que cobriam as
lutas pelos direitos civis estavam por toda parte e me
contavam tudo o que sabiam.”
Ignorando o crime organizado e os direitos civis, dois
assuntos prioritários para RFK, Hoover continuou
insistindo em que o comunismo era a maior ameaça à
nação. Kennedy rejeitou essa ideia quando assumiu o
cargo, dizendo: “É absurdo perder tempo perseguindo o
Partido Comunista” quando a maior parte de seus
agremiados, cada vez mais escassos, era constituída por
agentes secretos do FBI.
A relutância de Hoover em perseguir a Máfia tem sido
atribuída ao seu protecionismo burocrático — um temor de
que a transferência de recursos do combate ao crime
comum para o campo mais complexo do crime organizado
resultasse em um número de prisões menos
impressionante, além de expor seus agentes ao sedutor
suborno da Máfia. Também foram oferecidas explicações
mais escandalosas. O lendário homem da lei não seria
imune à influência corruptora dos mafiosos, tendo se
associado com o gângster preferido de Joe Kennedy, Frank
Costello, e a outras figuras do submundo, que o ajudaram a
fazer fortuna fornecendo-lhe palpites de jogo. Outros
relatos sugerem que o eterno solteirão Hoover era vítima
de chantagem sexual por parte da Máfia.
O certo é que Hoover espionava os Kennedy com mais
prazer do que aos chefões do crime organizado. O
procurador-geral estava preso em um minueto maligno com
o chefe do FBI. Às vezes, Kennedy usava o exemplo do pai e
tentava vencê-lo com lisonjas. Outras vezes, RFK e seu
círculo mostravam seu desprezo por Hoover. Bobby e Ethel
ocasionalmente soltavam sua prole no gabinete do diretor,
onde as crianças se divertiam derrubando seus gigantescos
vasos de flores. “Meu pai nos mandava ao escritório de
Hoover para fazer bagunça, desarrumar os papéis sobre
sua mesa, irritá-lo bastante”, lembra Joseph Kennedy II, o
filho mais velho de RFK, com uma risada. “E Brumus, nosso
imenso terra-nova, invadia o escritório e babava em tudo”,
comentou sua irmã mais velha, Kathleen Kennedy
Townsend.
Hoover desconfiava que os Kennedy tramavam para
substituí-lo em seu segundo mandato, dar-lhe o
“tratamento MacArthur”6 e enviá-lo para horizontes
distantes. Mas ele tinha outros planos. Segundo William
Sullivan, o terceiro homem na hierarquia do FBI, Hoover
compilava toda a sujeira que pudesse encontrar sobre JFK,
“que o presidente, com sua ativa vida social, parecia mais
do que disposto a fornecer. [...] Eu tinha certeza de que ele
guardava tudo o que podia sobre Kennedy, e também sobre
Martin Luther King Jr., até que pudesse descarregar tudo
isso e destruir os dois. Guardava esse material explosivo
em seus arquivos pessoais, que enchiam quatro salas no
quinto andar do quartel-general”.
Analisando a administração Kennedy depois da morte do
irmão, Bobby disse ter percebido que o diretor do FBI era
um homem “perigoso”, uma “ameaça à democracia” e um
“chantagista contumaz”, cujo poder venenoso sobre
presidentes e outros políticos vinha de seus volumosos
arquivos secretos. Hoover “age de uma maneira estranha e
peculiar”, disse Kennedy em 1964, numa entrevista
extraordinariamente sincera, que só devia ser lida por
futuros historiadores. “Ele é um psicótico.” Mas, como
disse Bobby, ele e Jack pensavam “que podíamos controlá-
lo, “que podíamos lidar com [ele] no momento oportuno.
Era assim que encarávamos o problema”.
Os Kennedy achavam que podiam controlar Hoover,
sugeriu um membro da família, porque Jack, Bobby e seus
principais assessores conheciam sua vida secreta. Isso foi
confirmado por Kenny O’Donnell Jr., que afirmou que o pai
e os irmãos Kennedy sabiam que o chefe do FBI “usava
roupas suspeitas. Por isso eles estavam num impasse.
Sabiam muita coisa sobre Hoover, e Hoover achava que
sabia algo sobre eles”.
Ironicamente, o enrustido Hoover espalhou boatos sobre
o homossexualismo de Robert Kennedy. Aliado de Hoover,
Lyndon Johnson tentou tirar vantagem desses boatos na
convenção do Partido Democrata de 1960, quando
concorria com JFK pela indicação a presidente. Dias antes
da convenção, Theodore White recebeu um telefonema de
alguém que mais tarde se tornou alto funcionário no
governo Johnson. “Acho que você devia saber que John
Kennedy e Bobby Kennedy são bichas”, disse ele ao
jornalista. “Temos fotos de John Kennedy e Bobby Kennedy
vestidos de mulher em Las Vegas, numa grande festa de
homossexuais nesta primavera. Isso devia ir a público.” O
acusador prometeu entregar as provas a White em 24
horas, mas as fotos nunca chegaram.
A boa aparência e jovialidade dos irmãos Kennedy
provocaram ataques homofóbicos em muitos de seus
inimigos, inclusive no sexualmente reprimido Hoover. O
hedonista Jack e sua culta esposa não se constrangiam de
ter gays em seu círculo de amigos. E os que conheceram
Bobby logo perceberam a empatia sob sua aparência de
durão. A suavidade dos irmãos irritava profundamente seus
adversários linha-dura. Mas essa campanha de boatos
sobre os Kennedy, que eram evidentemente heterossexuais,
nunca deu em nada.
 
Em 2 de julho de 1962, o produtor Jerry Wald informou a
Bobby Kennedy que o roteiro baseado em The Enemy
Within estava pronto. O projeto, no qual Wald vinha
trabalhando há mais de um ano com o roteirista Budd
Schulberg, era muito caro a JFK. Os Kennedy tinham plena
consciência do magnetismo exercido pela tela de cinema.
Fora Sindicato de ladrões, o famoso filme de 1954 sobre o
reinado de terror da Máfia nas docas de Nova York, que
inspirara Bobby a lançar sua cruzada contra o crime
organizado. Quando Wald lhe mostrou a lista de possíveis
roteiristas para The Enemy Within, Kennedy não hesitou
em escolher Schulberg, que ganhara um Oscar por
Sindicato de ladrões. Num encontro com Kennedy em
Hickory Hill para discutir o projeto, Schulberg o ganhou ao
dizer que achava que The Enemy Within tratava de muito
mais do que apenas homens maus e sindicatos corruptos —
falava de “algo que no coração de nossa sociedade está
começando a apodrecer”. Era isso exatamente que o
reformista radical que havia em Kennedy esperava
transmitir com seu livro: que a corrupção ameaçava os
centros de poder americano. Explorando a magia de
Hollywood, Kennedy esperava que sua mensagem de
advertência finalmente chamasse a atenção do público.
O procurador-geral pediu a Sheridan e Guthman que
ajudassem Schulberg no roteiro. Paul Newman foi sondado
para fazer o papel de Bobby. Em julho de 1962, Schulberg
acreditava que The Enemy Within estava destinado a se
tornar “não apenas uma continuação de Sindicato de
ladrões, mas uma importante extensão desse filme em
escala nacional”. Então, onze dias depois de dizer a
Kennedy que as câmeras estavam prontas para rodar, Jerry
Wald morreu de um ataque do coração, aos 49 anos, em sua
casa em Beverly Hills. Schulberg temeu que o projeto
morresse com ele. Achava que o vibrante e independente
produtor — responsável por sucessos como A um passo da
eternidade, Caldeira do diabo, Paixões em fúria — era o
único em Hollywood com coragem e poder para fazer o
filme. Schulberg estava certo.
Depois da morte de Wald, um sindicalista mafioso fez uma
visita ao estúdio do produtor falecido, a Twentieth Century
Fox. Entrando de supetão no escritório do presidente do
estúdio, anunciou que, se a Fox levasse adiante o projeto,
seria vítima de problemas trabalhistas — os caminhoneiros
do Teamsters se recusariam a distribuir cópias do filme nos
cinemas, bombas de enxofre seriam lançadas nas salas
onde o filme fosse exibido. O estúdio abruptamente abortou
o projeto.
Kennedy convenceu Schulberg a produzir sozinho The
Enemy Within e começou a procurar financiamento. Mas os
dois logo descobriram a força do crime organizado em
Hollywood. Alguns estúdios eram diretamente controlados
pela Máfia, escreveu Schulberg mais tarde. “Claro, esses
estúdios rejeitaram [o filme] terminantemente.” A
Columbia Pictures, que tinha produzido Sindicato de
ladrões, mostrou algum interesse. Mas então recebeu um
aviso do advogado de Hoffa — uma carta
“preocupantemente distante da legalidade”, lembrou
Schulberg —, e uma reunião do estúdio para discutir o
filme foi cancelada sem mais nem menos. O elenco de
Schulberg foi contaminado pelo medo. Uma noite, um ator
apareceu bêbado na casa do roteirista e disse que tinha
medo de ser morto se aparecesse no filme.
The Enemy Within nunca chegou às telas. Schulberg era
considerado um príncipe em Hollywood. Filho do magnata
do cinema B. P. Schulberg, tinha escrito obras-primas de
Hollywood e ganhara um Oscar em 1955. Bobby Kennedy
era conhecido como o segundo homem mais poderoso do
país. E mesmo assim, não puderam vencer a oposição do
crime organizado. Foi uma lição e tanto sobre os bastidores
do poder americano.
 
***
 
O chefe do Estado-Maior Conjunto entrou no gabinete do
presidente às 19h59. Tinha sido chamado pelo seu superior,
mas era o general — com seu queixo duro, seus cabelos
grisalhos e suas estrelas de prata — que parecia a maior
autoridade na sala. Mesmo quando o presidente disse a ele
por que o tinha chamado à Casa Branca, sua confiança
pareceu intacta. O presidente tinha feito uma chocante
descoberta: o chefe de suas forças armadas estava
conspirando para derrubar seu governo e substituí-lo por
uma “maldita junta militar à maneira sul-americana”, nas
palavras do presidente. Ele confrontou o militar com provas
irrefutáveis de sua traição, mas o general não desmoronou
imediatamente. Atacou o presidente com ferocidade. “O
senhor perdeu o respeito do país”, ele disse. “Suas políticas
nos levaram à beira do desastre. A moral militar chegou ao
ponto mais baixo em trinta anos.” Em sua ânsia de fazer a
paz com a União Soviética, o presidente tinha agido de
maneira negligente, como um “menino ingênuo”.
O presidente ficou chocado com o desacato do general. O
complô tinha sido descoberto, mas o presidente ainda não
tinha certeza da vitória. Sabia que o poder das Forças
Armadas dos Estados Unidos vinha crescendo sem
resistência desde a Segunda Guerra Mundial. Sabia que o
general desfrutava de status de herói entre o povo
americano. Sabia que, depois de viver anos sob ameaça do
terror nuclear, o povo estava pronto para aceitar um
homem forte que lhe prometesse segurança. Quando as
pessoas “se sentem desamparadas, começam a se
encaminhar para os extremos”, tinha pensado alto o
presidente com seus assessores de maior confiança, assim
que soube do complô de golpe. “Olhem para a história... Joe
McCarthy, depois a Birch Society [...] O clima para a
democracia neste país nunca esteve pior [...] As pessoas
começam seriamente a procurar um super-homem.”
Depois do tenso confronto no Salão Oval, o general
finalmente concordou em apresentar sua renúncia. Em
troca, o presidente concordou em não tornar pública a
conspiração militar e permitir que seus mentores se
retirassem sem maiores sobressaltos para a vida civil. Foi
um acordo que, se por um lado revelou o temperamento
moderador e comedido do presidente democrata, talvez
também tenha demonstrado sua fraqueza política.
Na coletiva de imprensa realizada na Casa Branca para
anunciar a renúncia do general, o presidente negou os
boatos de uma tentativa de golpe. Não queria minar ainda
mais a confiança em seu governo. Os militares americanos
conhecem profundamente os princípios constitucionais,
disse o presidente aos repórteres, de modo que uma traição
está totalmente fora de cogitação de nosso oficialato.
“Estou certo de que o povo americano não acredita que
essa ideia tenha passado pela mente de qualquer oficial de
nossas Forças Armadas desde o dia em que esse país
nasceu”, disse o presidente, antes de dar por encerrada a
coletiva. “Vamos rezar para que nunca passe.” Para quem
sabia o quanto o país tinha chegado perto do abismo, a
demonstração de tranquilidade do presidente deve ter
parecido tristemente vazia.
Essas não são cenas da vida real da presidência de
Kennedy, mas cenas de ficção inspiradas pelo clima cada
vez mais ameaçador na capital. Elas ocorrem no final de
Sete dias de maio, um best-seller sobre um golpe militar
quase bem-sucedido. Escrito por dois jornalistas de
Washington, Fletcher Knebel e Charles W. Bailey, o livro,
com personagens superficiais e diálogos banais, não tem
valor literário. Mas seu clima sinistro tocou o sentimento
do público quando foi publicado, em setembro de 1962,
depois de quase dois anos de tensões entre civis e militares
na administração Kennedy. Knebel, correspondente da
revista Look na Casa Branca, declarou que teve a ideia
para Sete dias de maio depois de uma entrevista do chefe
das Forças Armadas, Curtis LeMay, que a certa altura
chocou o jornalista ao acusar, confidencialmente, o
presidente Kennedy de “covardia” no episódio da Baía dos
Porcos.
Knebel e seu coautor não expressavam apenas sua
preocupação — e a do público — em relação à estabilidade
da presidência de Kennedy. Canalizavam os temores dos
próprios irmãos Kennedy. Ambos eram assaltados pela
premonição de que seu governo terminaria de forma
violenta. Eles levantavam o assunto de um golpe ou
assassinato com estranha frequência durante seu breve
período no poder. Com certeza, nenhum governo
americano, com exceção talvez do de Abraham Lincoln,
fora tão cheio de insinuações sobre sua própria
mortalidade. No entanto, estranhamente, essa crônica
preocupação dos Kennedy recebeu pouca atenção nas
histórias escritas sobre seu governo.
JFK tinha o costume de assustar os amigos com a mórbida
expectativa de uma morte sangrenta. Um dia, estava
velejando em Palm Springs com Grant Stockdale, um velho
amigo que ele nomeara embaixador na Irlanda. JFK
começou a atirar com um rifle .22 no espaço vazio do
oceano e insistiu para que o amigo o acompanhasse.
Stockdale disse: “Nem pensar. Todo o Serviço Secreto à
nossa volta e eu com uma arma nas mãos?”. JFK então ficou
pensativo e disse: “Stock, você acha que serei
assassinado?”. O amigo apressou-se a tranquilizá-lo: “Nem
pense numa coisa dessas. É claro que não”.
Em várias ocasiões, Kennedy tocou no assunto com
Charlie Bartlett, e até chegou a discutir que tipo de
presidente Lyndon Johnson seria depois de sua partida
violenta. Um dia, os dois estavam viajando calmamente por
uma estrada da zona rural da Virgínia. De repente, um
carro passou em alta velocidade pela viatura do Serviço
Secreto que acompanhava o presidente, e então pelo carro
onde viajavam JFK e o amigo. “Ele ficou abalado com a
passagem desse carro”, lembra Bartlett. “‘Eles deviam tê-lo
parado... O Serviço Secreto deveria ter parado aquele
carro’, ele disse. Depois, chateado por ter mostrado
preocupação, disse: ‘Charlie, aquele homem podia ter
atirado em você’. Mas era algo que obviamente estava
apenas na sua cabeça.”
John Kennedy tinha nervos muito sensíveis no que dizia
respeito a política. Ele estava extremamente sintonizado
com os rumores que corriam em Washington. Assim
também estavam jornalistas como Knebel, que tinha acesso
fácil à Casa Branca. Knebel conhecia Kennedy desde seu
tempo no Congresso, quando percebeu que o fascinante
jovem político de Boston tinha um futuro promissor. “Ele
era notícia — tinha dinheiro, visibilidade, uma mulher
bonita e tudo o mais, você entende?”, disse Knebel mais
tarde. “Além disso, eu tinha uma forte sensação de que ele
ia longe, e por isso comecei a circular pelo seu gabinete.”
Knebel e a mulher, Laura Fletcher Knebel, que escrevia
para a revista Look, ficaram amigos de JFK. Uma vez,
depois de mostrar a Kennedy um perfil de 15 mil palavras
que tinha escrito para um livro sobre a corrida presidencial
que seria publicado em breve, Knebel foi duramente
contestado pelo candidato a respeito de um fato. Knebel
tinha escrito sobre um bem-documentado empréstimo que
Joe Kennedy tinha feito ao editor do Boston Post durante a
campanha de JFK ao Senado em 1952. Logo depois, o
editorial do Post retirou o apoio ao candidato republicano,
Henry Cabot Lodge, e passou a apoiar JFK.
“Da maneira como você escreve isso, sobre a eleição de
52, o leitor pode pensar que compramos o apoio do jornal”,
objetou Kennedy.
“Francamente, foi isso que eu quis dizer, porque acho que
foi isso o que aconteceu”, respondeu Knebel.
Os dois continuaram discutindo mais um tempo sobre a
maneira como Knebel enxergava o assunto, até que
Kennedy finalmente conseguiu que ele concordasse em
inserir uma negativa do homem que cuidava das finanças
da família, Stephen Smith. Resolvida a disputa, JFK levou
Knebel até a porta. Anos depois, o jornalista riu com a
lembrança do que Kennedy fez em seguida. “É um traço da
personalidade de Kennedy que os repórteres amavam e que
ao mesmo tempo os neutralizava.” Abrindo a porta para
Knebel, Kennedy disse: “Você sabe, tivemos que comprar
aquele maldito jornal ou eu teria perdido a eleição”.
“Era um cara muito astuto, você percebe?”, disse mais
tarde o jornalista, com admiração. “Aquela estranha,
irônica, quase mágica qualidade, ele tinha mesmo. Não era
algo criado pela imprensa ou fabricado. Era real.”
Knebel fez questão de entregar um exemplar de Sete dias
de maio a Kennedy antes que ele fosse publicado. JFK
devorou o livro, assim como o irmão e outros de seus
assessores e amigos. Depois, Kennedy entrou em contato
com o diretor de Hollywood John Frankenheimer, que
dirigira Sob o domínio do mal, que seria lançado em breve
— outro suspense sobre a Guerra Fria que JFK admirava —,
e encorajou-o a transformar Sete dias de maio em filme.
Assim começou um episódio pouco conhecido dos anos
Kennedy, quando o presidente apelou a seus amigos em
Hollywood para ajudá-lo a despertar a nação para a ameaça
da traição da extrema-direita.
O presidente queria enviar uma mensagem a seus
inimigos em Washington. “Kennedy queria que Sete dias de
maio fosse produzido como uma advertência aos generais”,
disse Arthur Schlesinger anos depois, diante de um copo de
Perrier com limão na sala de estar coberta de livros do
Century Club de Nova York. “O presidente disse que a
primeira coisa que ia dizer a seu sucessor era ‘Não confie
nos militares, nem mesmo em questões militares’.”
“O presidente Kennedy queria que Sete dias de maio
fosse feito. Pierre Salinger nos comunicou isso”, lembra-se
Frankenheimer. “O Pentágono não queria que ele fosse
feito. Kennedy disse que, se quiséssemos filmar na Casa
Branca, ele estaria convenientemente em Hyannis Port
naquele fim de semana.”
JFK também incentivou a produção de Sob o domínio do
mal, de Frankenheimer, estrelado pelo ex-amigo do
presidente, Frank Sinatra. Destinado a ser um clássico da
Guerra Fria, o filme de 1962 explorava a psicose política da
época. Em Sob o domínio do mal, comunistas que faziam
lavagem cerebral e conspiradores extremistas de direita,
igualmente amorais, unem forças para assassinar o
presidente e liquidar a democracia americana. Kennedy era
fã do best-seller de Richard Condon, de 1959, no qual o
filme se baseara. Quando a United Artists de repente
arrependeu-se de fazer o filme, temendo que ele pudesse
exacerbar as tensões da Guerra Fria, Sinatra convenceu
Kennedy a intervir junto ao estúdio. O presidente manteve
um interesse ativo na produção do filme. “Ele estava de
fato interessado no projeto”, lembrou Sinatra. Em 29 de
agosto de 1962, Kennedy promoveu uma sessão especial de
Sob o domínio do mal na Casa Branca.
John Kennedy se agarrava ao poder de sonho de
Hollywood para invocar os mais profundos medos e
esperanças do público. Como no projeto de The Enemy
Within, de Bobby, JFK mostrou sua habilidade de
comunicação junto a Hollywood para conseguir a realização
de Sete dias de maio. Mas também havia algo comovente
nesse apelo. O fato de o presidente dos Estados Unidos ter
recrutado o apoio de amigos do show business em sua luta
contra os militares ressalta o quanto ele devia se sentir
pressionado.
Frankenheimer e uma lista de celebridades liberais de
Hollywood responderam ao chamado do presidente. A
produtora de Kirk Douglas comprou os direitos do romance
antes mesmo de ele ser publicado e ele concordou em
coestrelar o filme com Burt Lancaster no papel do general
insurgente James Mattoon Scott, e Frederic March como
Jordan Lyman, o dirigente pacifista do livro. O
Departamento de Defesa “evitou” o projeto de Sete dias de
maio, contou Knebel mais tarde, depois que Frankenheimer
se recusou a submeter o roteiro (de Rod Serling, criador do
seriado de TV Além da Imaginação) à “consideração” dos
censores militares, que assim se referiam eufemisticamente
a seu trabalho. Mas, com o apoio de Kennedy,
Frankenheimer rodou cenas na Casa Branca e externas de
rebelião na Pennsylvania Avenue — batalhas entre
oponentes e apoiadores do “presidente Lyman”, numa
referência aos embates verdadeiros que rondavam a
administração Kennedy.
Meses depois, a revista Look publicou um ensaio
fotográfico
de Knebel sobre a realização de Sete dias de maio, que
incluía ce-
nas de carros do governo tombados e incendiados nas ruas
de Washington. O jornalista revelou a desenfreada
ansiedade que a produção do filme criou dentro do
governo: “No início das filmagens, os produtores do filme
receberam um telefonema de outro braço armado do
governo. O Serviço Secreto estava preocupado com uma
reportagem falsa segundo a qual o filme envolveria o
assassinato de um presidente”. Três dias depois da
publicação da revista, Kennedy foi morto. Um clima de
melancolia pairava sobre o filme quando ele finalmente foi
lançado, em fevereiro de 1964, ainda que na história os
bons vencessem.
No dia em que Kennedy foi assassinado, a Paramount
Pictures, distribuidora de Sete dias de maio, planejava
lançar um anúncio do filme usando uma citação de um dos
conspiradores militares fictícios: “Impeachment, maldição!
Há meios melhores de nos livrarmos dele”. O estúdio
desistiu do anúncio no último minuto, temendo que ele
fosse muito provocador, “evitando uma coincidência
constrangedora exatamente no dia em que o presidente foi
assassinado”, relatou mais tarde a revista Variety. Mas
vários comentaristas da mídia acharam o filme demasiado
inquietante. Um escritor do Los Angeles Herald-Examiner
questionou se filmes como Sete dias de maio deveriam ser
produzidos. Ele argumentou que produções como essa
prejudicam “a imagem americana no exterior”. Um
colunista do Los Angeles Times se sentiu obrigado a
tranquilizar seus leitores de que um golpe militar jamais
aconteceria nos Estados Unidos, citando ninguém menos
do que o almirante reformado Arleigh Burke para respaldar
sua opinião. Por outro lado, alguns congressistas, entre eles
Melvin Laird, futuro secretário da Defesa, solicitaram que o
filme fosse claramente rotulado de ficção antes de ser
exibido no exterior.
Sete dias de maio foi um dos vários filmes políticos
inquietantes lançados nos anos Kennedy, entre os quais há
Sob o domínio do mal, Dr. Fantástico e Limite de
segurança. Juntos, eles pintam um quadro tenso da
democracia americana “como uma arena perigosa”, na
observação do crítico J. Hoberman. “Filmados em preto e
branco e povoados de demagogos, incautos e traidores,
esses filmes eram noticiários delirantes que colocavam os
presidentes americanos e candidatos à presidência em
meio a um Armagedom público ou pessoal.” Em resumo,
Hollywood estava tentando dizer aos Estados Unidos algo
sobre a precária situação política do país. Como a maioria
da imprensa de Washington continuava mostrando-se
insensível às ameaçadoras tensões que se formavam na
capital da nação, “os noticiários delirantes” tinham que vir
da fábrica de sonhos do país.
Mais tarde, os críticos considerariam esses filmes obras-
primas da paranoia política. Mas Frankenheimer rejeitou
essa opinião numa entrevista que concedeu quase no fim da
vida. “A paranoia só existe se as circunstância são
totalmente falsas”, ele afirmou. Em sua opinião, os Estados
Unidos estavam repletos de circunstâncias perigosas
nesses anos. Como no caso de Sob o domínio do mal, ele
disse, a história “demonstrou incisivamente que existem
montes de complôs para assassinar presidentes e figuras
do alto escalão por interesses políticos.[...] Há certa
realidade grotesca em Sob o domínio do mal. E, no que diz
respeito a Sete dias de maio, sabemos que existe um grupo
explícito de militares que, a certa altura, gostaria de ter
derrubado o governo. [...] A extrema-direita tem sido muito,
muito eficiente em minar algumas coisas que poderiam ter
mudado o destino deste país”.
Frankenheimer nunca acreditou que um atirador solitário
tenha assassinado o presidente Kennedy, disse Evans
Frankenheimer, viúva do diretor que morreu em 2002. Ela
disse que o marido conversou sobre suas ideias a respeito
do assassinato com Bobby Kennedy, de quem se tornou
íntimo em 1968, quando filmava os anúncios de sua
campanha à presidência. Os dois acreditavam que outras
forças agiram em Dallas além de Oswald.
Quando o presidente Kennedy leu o exemplar de Sete dias
de maio que Knebel lhe enviara, no fim do verão de 1962,
estava confiante de que poderia impedir qualquer desastre
antes que ele atingisse o país. Um dia depois de ler o livro,
JFK saiu para velejar no Honey Fitz com seu velho
companheiro da Segunda Guerra, Red Fay. Como assessor
do secretário da Marinha, Fay funcionava como uma janela
para a hostil cultura militar. Ele também lera Sete dias de
maio e estava ansioso para ouvir a opinião do presidente
sobre o livro. Um golpe militar poderia acontecer de fato?
“É possível”, respondeu JFK num tom calmo. “Poderia
acontecer neste país, mas para isso as condições teriam
que ser perfeitas. Se, por exemplo, o país tivesse um
presidente jovem, que tivesse enfrentado um episódio como
o da Baía dos Porcos, haveria certa intranquilidade. Talvez
os militares o criticassem um pouco pelas costas, mas isso
não passaria da usual insatisfação militar com o governo
civil. Mas, se houvesse outra Baía dos Porcos, a reação do
país seria: ‘Será que ele não é jovem e inexperiente
demais?’. Os militares sentiriam que era praticamente um
dever patriótico preservar a integridade da nação, e só
Deus sabe que segmento da democracia eles estariam
defendendo se subvertessem um governo eleito.”
Por fim, disse o presidente, “se houvesse uma terceira
Baía dos Porcos, aí então um golpe poderia acontecer”. Ele
fez uma pausa, enquanto Fay absorvia esse cenário
assustador. “Mas não vai acontecer comigo”, acrescentou
Kennedy.
Semanas depois, porém, o governo Kennedy sofreria uma
crise atrás da outra. As duas crises aprofundaram as
fraturas que a Baía dos Porcos tinha causado ao governo.
Reforçaram a convicção, em certos setores de Washington,
de que estavam diante de um governo falido. E, como
Kennedy previu que aconteceria, agora havia quem se
sentisse no dever patriótico de fazer alguma coisa.
 
“Eu não vivia uma fase tão interessante desde a Baía dos
Porcos”, comentou o presidente Kennedy com ironia. Seu
irmão estava com um humor igualmente sarcástico. Era
quase meia-noite do dia 30 de setembro de 1962. Os
Kennedy estavam reunidos na Sala do Gabinete na Casa
Branca com vários de seus assessores mais próximos, entre
eles O’Donnell e Sorensen. Nervoso, o presidente
caminhava de um lado para o outro, enquanto Bobby não se
afastava do telefone conectado à Universidade do
Mississípi, onde uma revolta racial provocada pela chegada
de James Meredith — que seria o primeiro estudante negro
a se matricular na Universidade Ole Miss — ganhava corpo
e se transformava numa insurreição de todo o Sul contra o
governo federal.
À medida que a noite caminhava, Bobby continuou a
monitorar a situação por telefone, falando com seus dois
enviados ao palco da revolta, o general Nicholas
Katzenbach e Ed Guthman, que transmitiam relatos cada
vez mais nervosos de uma cabine telefônica do Lyceum, o
velho prédio da administração onde estavam escondidos.
Fora do prédio histórico — onde soldados confederados
feridos um dia foram tratados — ocorrera o que alguns
chamaram de a última batalha da Guerra Civil. Uma força
mista federal — formada por algumas poucas centenas de
soldados, guardas de prisão, patrulheiros de fronteira e
afins recrutados às pressas — tentava desesperadamente
conter mais de 2.500 estudantes, homens da Klan,
caçadores de esquilos e até policiais fora de serviço que,
armados de tijolos, canos de ferro, garrafas de Coca-Cola
cheias de gasolina e espingardas de caça, tentavam invadir
o Lyceum. Enquanto tentavam conter o ataque, as forças
federais ouviam os gritos sanguinários dos rebeldes para
“linchar o negro” encher a noite. Os soldados federais eram
na maioria sulistas, e não apoiavam a integração dos
negros nas escolas. Mas sob o comando de Jim McShane, o
irlandês preferido do procurador-geral, eles passaram a
defender resolutamente seu território durante o longo e
sangrento sítio, usando apenas bombas de gás
lacrimogêneo para afastar os revoltosos. Os soldados
cumpriam ordens estritas de não empunhar armas a menos
que a multidão estivesse prestes a agarrar Meredith, que
passava a noite, com estranha calma, num dormitório não
muito afastado do Lyceum.
“Fiquem perto de Meredith. Atirem em qualquer um que
puser a mão nele”, Robert Kennedy tinha determinado a
seus homens.
James Meredith, um excêntrico e visionário veterano da
Força Aérea de 28 anos, estava possuído por uma crença
quase religiosa em sua missão, que definia como uma
“responsabilidade divina” de pôr fim à “supremacia
branca” em seu Mississípi natal. Ele se inspirara a assumir
essa tarefa perigosa depois de ouvir o presidente Kennedy
defender a liberdade em seu discurso inaugural. Meredith
tinha a suprema tranquilidade de um homem que não se
importava se iria viver ou morrer nessa missão. Mas os
federais estavam desesperados para salvar a pele dele,
assim como a deles próprios. E, à medida que o suprimento
de bombas de gás baixava perigosamente, e os ataques à
sua frágil linha defensiva diante do Lyceum se tornavam
mais violentos, eles já não tinham certeza do sucesso.
Dentro do Lyceum, a cena era um pandemônio sangrento.
Um jovem soldado de Memphis tinha levado um tiro na
jugular e fora arrastado para dentro do prédio jorrando
sangue nas paredes e no chão. (Esse soldado, Graham E.
Same, chegou à beira da morte e voltou à vida quatro vezes
naquela noite, sobrevivendo milagrosamente.) Dezenas de
outros soldados com os membros quebrados e sangrando
foram estendidos no chão. Outros desmoronavam contra as
paredes manchadas de sangue, chorando dentro das
máscaras de gás. A essa altura da luta, não havia médicos e
faltavam suprimentos. Um franco-atirador atingia seguidas
vezes as janelas do Lyceum. Uma nuvem de gás
lacrimogêneo que pairava sobre a violenta batalha lá fora
começou a se deslocar para dentro do prédio.
Kenny O’Donnell, que a certa altura substituiu Bobby ao
telefone na Sala do Gabinete, estava chocado com o que
ouvia. “Guthman está tão assustado que nem consegue
falar. Sentimentos de impotência do outro lado do
telefone.” E esses eram homens que tinham suportado os
combates da Segunda Guerra Mundial.
“Como está a situação?”, perguntou o procurador-geral a
Guthman quando reassumiu seu posto ao telefone.
“Muito difícil”, respondeu ele. “Está parecendo o
Álamo.”7 
Pausa. Então Bob falou: “Bem, você sabe o que aconteceu
com aqueles caras, não sabe?”. Mais uma vez, o humor
negro irlandês. Esse diálogo seria muito citado em relatos
posteriores sobre a Batalha da Ole Miss, como uma
maneira de enfatizar o humor de Kennedy sob pressão.
De fato, houve vários momentos de humor de Kennedy
durante a longa noite. Mas o que se destaca quando se
ouve as gravações das conversas na Sala do Gabinete e no
Salão Oval, graças ao sistema de gravação secreto
instalado na Casa Branca pelo presidente, é a raiva cada
vez maior dos irmãos. Começou com a perplexidade deles
diante do ritmo do Exército, sua estranha lentidão para
prestar ajuda aos soldados federais ensanguentados e em
inferioridade numérica. Cresceu quando o general de olhar
enlouquecido, Edwin Walker — mais tarde aposentado
compulsoriamente —, surgiu sem mais nem menos na
cidade, vestido com um elegante terno preto e um chapéu
de caubói, e se postou no monumento aos confederados
que há no campus, onde ridicularizou o exército
desorganizado dos inimigos dos racistas. E ferveu quando
os oficiais do Exército apresentaram uma série de
desculpas para explicar por que as tropas se moviam tão
lentamente para evitar o linchamento de James Meredith e
o massacre da guarda federal. A pergunta que surge das
transcrições presidenciais é: por que os militares estavam
sendo tão indiferentes ao seu comandante em chefe?
“O general Walker esteve na cidade provocando as
pessoas”, contou Bobby Kennedy ao grupo reunido na Casa
Branca. “Bem, vamos ver se podemos prendê-lo”, disse ele
ao telefone que o ligava a Oxford, Mississípi. “Pode dizer ao
FBI que precisamos de um mandado de prisão?”
A menção ao rebelde general reformado provocou uma
forte reação do presidente. “O general Walker”, disse JFK
num tom de asco. “Imagine que esse filho da puta foi
comandante de uma divisão até o ano passado. E até então
vinha sendo promovido pelo Exército.”
O comentário do presidente despertou o fantasma de um
golpe de estado na mente de Sorensen. “O senhor leu Sete
dias de maio?”, perguntou ele ao presidente.
“Sim”, respondeu Kennedy.
“É muito interessante”, comentou Sorensen. “Eu o li de
cabo a rabo.”
Kennedy, que era um leitor voraz e sofisticado, então
submeteu o livro a uma aguda crítica literária. O romance
era prejudicado por “um horrível diálogo amadorístico”, e o
retrato do presidente era “vago demais”, mas o general
traidor causou uma forte impressão em Kennedy.
Seu irmão trouxe o grupo de volta à preocupante
realidade do general Walker. “Ele está incitando todo
mundo. Se ele os obrigar a marchar empunhando armas,
podemos ter uma batalha infernal.”
Mais tarde, relatos terríveis do banho de sangue no
Lyceum chegaram à Sala do Gabinete. Até o normalmente
calmo e controlado Nick Katzenbach — que pilotava um B-
26 que foi derrubado no Mediterrâneo em 1943 e passou o
resto da guerra num campo de prisioneiros dos alemães, de
onde fugiu duas vezes — estava começando a perder o
sangue-frio, exigindo saber quando o Exército iria resgatá-
los. Bobby Kennedy não podia lhe dizer. “Maldito Exército”,
amaldiçoou RFK quando já passavam catorze minutos da
meia-noite. “Eles não sabem nem dizer se os policiais
militares já partiram!”
Agora, mais de noventa minutos já tinham se passado
desde que o procurador-geral ordenara que tropas do 503o
Batalhão da Polícia Militar — a equipe do Exército
destinada ao combate de rebeliões — se mobilizassem de
Memphis para Oxford. Mas o secretário do Exército, Cyrus
Vance, e o general de divisão Creighton Abrams,
responsável pela operação militar (mais tarde comandante
da guerra no Vietnã), pareciam perplexos, sem saber
explicar o atraso dos soldados. O presidente bombardeou
Vance com no mínimo quinze telefonemas naquela noite,
tentando descobrir o que estava acontecendo com suas
tropas. O secretário do Exército, que sofria de uma ruptura
de disco, se deitou no chão enquanto o presidente o
repreendia. “Onde está o Exército?”, gritou Kennedy. “Onde
eles estão? Por que não se mobilizaram?”
Oficiais do Exército mais tarde explicaram que foi apenas
o mau planejamento, além da inexperiência do Exército em
operações internas desse tipo, que impediu que fosse
cumprido o desejo de Kennedy de evitar uma demonstração
sensacionalista de força militar no Sul. A frenética viagem
do 503o Batalhão naquela noite ofereceu o espetáculo
cômico dos oficiais do Exército, armados para a batalha,
percorrendo com seus jipes os postos de gasolina no
interior do país e pedindo mapas da rodovia Tennessee-
Mississsípi.
Henry Gallagher, um tenente de 23 anos que liderava um
comboio do Exército à Ole Miss, estava tão desesperado
para encontrar o caminho que ordenou que o motorista do
jipe raptasse um patrulheiro da Marinha com sotaque
sulista que parecia conhecer a região. “Eu disse que
éramos todos do Norte e não tínhamos a mínima ideia de
onde ficava a cidade de Oxford”, lembrou Gallagher. “Ele
não acreditou. ‘Senhor, não posso fazer isso. Estou de
serviço aqui nesta comporta. Meu capitão vai ficar louco,
sem saber onde estou.’ Eu disse que estávamos todos
sujeitos às ordens do presidente Kennedy e ele teria que
nos acompanhar. Fiz um sinal [para meu motorista]. Ele se
aproximou, prendeu o surpreso patrulheiro num abraço de
urso e colocou-o no banco de trás do jipe.”
Mas, na Sala do Gabinete, que pulsava com o nervosismo
de uma reunião de guerra, o desempenho desastrado do
Exército naquela noite parecia mais que uma comédia dos
erros. Dava a impressão de insubordinação. Foi assim que
as relações distantes entre a Casa Branca e o Pentágono se
arruinaram nesse momento da administração Kennedy.
Num clima de alta tensão, os irmãos Kennedy e seus
assessores sentiam algo de sinistro na incompetência
farsesca dos militares. Estavam ofendidos com a aparente
indiferença do Exército às ordens do presidente.
“Eu estarei fodido se o presidente dos Estados Unidos me
telefonar e disser: ‘Levanta a bunda daí’”, disse O’Donnell,
trazendo à tona o sangue irlandês. “Sim, eu pensaria que
eles estariam naquele maldito avião em cinco minutos.”
“Desconfio que Khruchov teria mobilizado suas tropas
com a devida rapidez”, ele acrescentou, com um amargo
sarcasmo.
JFK expressou mais uma vez seu desagrado em relação
aos militares: “Eles sempre nos vendem essa merda de
resposta instantânea, mas nunca funciona. Não admira que
seja tão difícil ganhar uma guerra”.
Robert Kennedy nunca vira o irmão tão furioso durante
seu governo — nem durante a humilhação da Baía dos
Porcos ou a reunião de cúpula de Viena, nem durante o
exasperante confronto com os soviéticos em Berlim ou as
tensas negociações sobre o Laos. “As pessoas estão
morrendo em Oxford!”, gritou JFK com o general Abrams.
“Esta é a pior coisa que vejo em quarenta e cinco anos.
Quero que o batalhão da polícia militar entre em ação.
Quero que você se dirija ao campus imediatamente.” Na
manhã seguinte, Bobby disse a um repórter que “a noite
passada foi a pior noite da minha vida”. Ele era o braço
direito do irmão na luta pelos direitos civis e deveria
controlar situações voláteis como essa. Mas a noite esteve
a ponto de explodir no mais terrível pesadelo da
presidência de Kennedy, um banho de sangue racial que
dividiria o país e prejudicaria a imagem dos Estados Unidos
no exterior como farol da liberdade.
O’Donnell mais tarde ofereceu um intrigante relato de
primeira mão sobre a sensação de calamidade que dominou
a Sala do Gabinete naquela noite enquanto o Mississípi
pegava fogo: “Estávamos em pânico com tudo aquilo,
[Meredith] poderia ser morto, as tropas federais podiam
ser atacadas, [seria] uma catástrofe política, além de uma
série de fatos devastadores para todos os envolvidos. [...]
As implicações tanto dentro quanto fora do país seriam
enormes. [...] Nick estava ao telefone em Oxford, e Bobby,
na Sala do Gabinete. O presidente andava de um lado para
o outro no recinto, ouvindo as conversas dos dois. Eu nunca
o vira tão perturbado. O presidente via a potencialidade do
problema, todas as implicações se as coisas dessem errado,
e o medo real de que fosse um banho de sangue. [...] O
presidente e o procurador-geral estavam, para dizer o
mínimo, descontentes com os militares. O presidente exigiu
que eles explicassem com detalhes, através de um
memorando, por que não tinham fornecido as informações
necessárias para um posicionamento estratégico. O
presidente estava lívido, totalmente lívido. [...] o ritmo da
violência aumentava de minuto a minuto em Oxford. Estava
claro que o pior cenário era agora uma realidade: os
federais seriam derrotados, enquanto Meredith e os
enviados do presidente — Nick e os outros — correriam
risco de vida. Era evidente que os federais estavam sendo
dominados e, àquela altura, muitos deles tinham sido
gravemente feridos.
“Agora o presidente não saía do telefone. Primeiro, tentou
receber respostas do Pentágono. Em pouco tempo,
exasperou-se com essa conversa, de modo que desligou e
ligou novamente para a base em Memphis para descobrir o
que estava acontecendo. Conseguiu falar com o general
[Abrams], que terminou assumindo que não tinham
preparado os helicópteros para ir a Oxford, que agora
estavam todos lá, mas que havia outro problema. O
presidente não imaginava que problema fosse esse. Bem, o
problema, como o general admitiu, era que eles não sabiam
ao certo para onde ir nem como chegar lá. O presidente
estava estupefato. Ficamos ali sentados, olhando uns para
os outros. Acreditava-se que as nossas eram as melhores
forças armadas do mundo. Eles explicaram ao presidente
que, quando traçaram aqueles planos e os resumiram para
o procurador-geral, acreditavam que a operação ocorreria
durante o dia. Agora, tratava-se de uma missão noturna, e
eles não sabiam se poderiam chegar lá de helicóptero e se
poderiam pousar. Quer dizer, estávamos ali sentados na
Sala do Gabinete da Casa Branca, e eles estavam dizendo
literalmente ao presidente: ‘Onde devemos pousar? Não
sabemos onde pousar’. Ele não conseguia acreditar.”
Durante a crise da Baía dos Porcos, o presidente Kennedy
tinha aprendido que não era seguro delegar a
responsabilidade por uma operação altamente arriscada à
CIA. Naquela noite do confronto na Ole Miss, ele e seus
assessores descobriram que não podiam confiar nos
militares para realizar nem mesmo uma operação
doméstica contra “umas poucas centenas de estudantes e
trabalhadores do campo”, nas palavras cáusticas de
Sorensen. Avaliando a cena desesperadora na Sala do
Gabinete, O’Donnell estava chocado com o grotesco
absurdo da situação: o presidente dos Estados Unidos
obrigado a fazer o papel de controlador de voo, informando
sua equipe onde pousar os helicópteros, e depois
telefonando para um simples sargento baseado em Oxford
para ter certeza de que haveria caminhões para transportar
as tropas quando elas pousassem. O sargento que estava
do outro lado da linha com o presidente revelou-se o militar
mais eficiente com quem Kennedy falou naquela noite. “O
presidente brincou que talvez devesse colocá-lo no
comando”, observou O’Donnell.
Só às 2h15 da madrugada — quando a primeira leva de
policiais militares bem armados finalmente chegou e
atravessou as chamas em direção ao Lyceum — que a sala
de guerra de Kennedy pôde relaxar. (Segundo certas
estimativas, as tropas começaram a chegar mais de três
horas depois do horário prometido pelo Exército. Mas
Robert Kennedy mais tarde calculou o atraso das forças
militares em mais de cinco horas.) Os federais soltaram um
rugido profundo. O suprimento de bombas de gás
lacrimogêneo estava esgotado e, se a ajuda demorasse
mais alguns minutos, a multidão rebelada teria invadido o
prédio. Os soldados ficaram aturdidos com a cena que
encontraram, digna de uma guerra infernal: carros
incendiados, tiroteio, feridos aos gritos. “Eu não conseguia
acreditar no que via”, lembrou o tenente John Migliore.
“Não era possível que aquele fosse o campus de uma
universidade nos Estados Unidos da América.” Mas o pior
já tinha passado. “Diante do poder militar, os revoltosos
começaram a se dispersar.”
Dois homens foram mortos — um repórter da agência
France-Press e um técnico de jukebox local —, e 166
federais foram feridos. Dezenas de soldados, estudantes e
revoltosos também não saíram ilesos da Batalha da Ole
Miss. Cerca de 300 pessoas foram presas, homens e
rapazes de todas as idades, vindos de todas as partes do
chamado “Sul profundo” e de lugares mais afastados, como
a Califórnia. Tinham acorrido à tranquila cidade
universitária em reposta à convocação racista de líderes
rebeldes como o general Walker, que os exortara a “trazer
suas bandeiras, suas barracas e suas panelas” e lutar pela
soberania sulista contra a tirania da miscigenação federal.
O gabinete do procurador-geral chegou a receber do FBI
um relatório sobre um segregacionista de Wisconsin que
planejava voar num avião militar fora de uso para a batalha
em Oxford.
A tempestade do Mississípi deixou outra nuvem de má
vontade e desconfiança sobre as relações entre a Casa
Branca e o Pentágono. O procurador-geral extravasou sua
raiva contra os militares perseguindo o general Walker com
a mesma ferocidade com que perseguia os gângsteres. Na
manhã seguinte à rebelião, Walker foi preso pelas forças
federais e levado a uma prisão psiquiátrica no Missouri,
onde foi submetido a exames antes de ser acusado de
insurreição. O New York Times observou que internar o
general num hospital de doenças mentais “foi considerado
incomum”. Mas Bobby Kennedy não estava em clima de
moderação. Convocou o assessor de Cy Vance, Joe Califano,
responsável no Pentágono pelo general fanático, e deixou
claro que sua tarefa era manter Walker atrás das grades.
“Não houve discussão sobre os direitos de Walker”,
lembrou Califano em suas memórias, “nenhuma referência
ao direito a fiança que era enfatizado no meu curso de
direito em Harvard. ‘Custe o que custar, precisamos mantê-
lo trancado naquele hospital’, foi a mensagem do
procurador-geral para mim. Eu sabia que Kennedy tinha
recriminado impiedosamente Vance por não ter garantido a
chegada das tropas a Oxford a tempo de evitar a violência.
Seu olhar gelado me dizia: ‘Talvez vocês, do Exército,
possam pelo menos fazer alguma coisa direito’.” Mas o
advogado de Walker apelou a seus simpatizantes de
extrema-direita no Congresso, chamando seu cliente de “o
primeiro prisioneiro político dos Estados Unidos”, e o
insurreto general foi libertado sete dias depois.
A crise da Ole Miss provocou uma ruptura permanente
entre a administração Kennedy e o Sul branco, uma fratura
política que os irmãos se esforçaram desesperadamente
para suturar, pelo menos até que JFK fosse reeleito. Mas,
quando os irmãos Kennedy finalmente foram dormir
naquela manhã de 1o de outubro, sabiam que tinham
chegado a um momento crítico da história. A velha coalizão
democrática não mais se manteria; era uma casa frágil que
logo tombaria.
“O presidente, furioso e atormentado, foi para casa cerca
de seis horas da manhã”, lembrou O’Donnell. “Fomos todos
para casa, inclusive Bobby e eu. Fomos para casa sabendo
que, pelo menos, tínhamos salvado a vida dos envolvidos —
mas, na verdade, qualquer cordialidade que tivesse existido
entre os estados do Sul e nós havia chegado ao fim. Não
haveria mais nenhum pretexto, e essa questão [a
integração] não seria, nem poderia ser adiada. [...] O
presidente, além de estar profundamente perturbado,
percebeu que não era mais possível ocultar aquele grande
problema nacional e tentar chegar a algum consenso com
os estados sulistas. Os sentimentos amargos decorrentes
daquele incidente transbordariam por um longo período.”
Criados no mundo privilegiado dos country clubs e
escolas particulares, os irmãos Kennedy demoraram a
perceber que o racismo arraigado teria que ser enfrentado
pelo governo para que a jornada americana pudesse
continuar. No início, viam as explosivas demandas de
igualdade racial como um problema político a ser resolvido
e não tanto como um imperativo moral. “O problema com o
seu pessoal”, disse Bobby de forma rabugenta e arrogante
ao advogado da NAACP8 [futuro membro da Suprema
Corte de Justiça] Thurgood Marshall, “é que vocês querem
ir depressa demais”. Durante o primeiro ano do governo de
JFK, Martin Luther King Jr. comentou que o presidente
Kennedy parecia apoiar intelectualmente o movimento
pelos direitos civis, mas que emocionalmente era
indiferente. “Estou convencido de que ele tem
entendimento e capacidade política, mas temo que lhe falte
paixão moral.” Mas pressionado pelo heroísmo dos
defensores dos direitos civis e pela justiça da causa, os
irmãos Kennedy — primeiro Bobby e depois o indiferente
Jack — começaram a mudar. Quando irrompeu a revolta na
Ole Miss, os Kennedy eram vistos no Sul branco como
líderes hostis, devido a seu apoio cada vez maior aos
direitos civis. “Se Khruchov estivesse concorrendo com
Kennedy aqui no Sul, ele o derrotaria”, queixou-se um
eleitor do Mississípi. “E se Bob Kennedy fosse o candidato,
a derrota para Khruchov seria pior ainda.”
Nos dias que se seguiram à sangrenta insurreição, o
procurador-geral ordenou aos jovens assessores do
Departamento de Justiça que perambulassem pelo campus
da Ole Miss e pela cidade de Oxford, e lhe relatassem o
clima de rescaldo do campo de batalha. Oxford era uma
cidade cultural, onde nasceu o ganhador do Prêmio Nobel
William Faulkner, que morrera no verão anterior, antes do
incêndio de sua majestosa casa de estilo grego, Rowan
Oak.
Antes de morrer, Faulkner tinha previsto algo parecido
com a insurreição na Ole Miss, ao escrever que os sulistas
iam preferir enfrentar “outra guerra civil, sabendo que iam
perder” do que aceitar o fim da segregação em suas
escolas. O sobrinho do escritor, Murray, liderou bravamente
a unidade local da Guarda Nacional durante a Batalha da
Ole Miss, correndo em auxílio dos federais apesar da
indignação de seus compatriotas sulistas, e a certa altura
apressou-se a socorrer com um pelotão uma igreja dos
negros que estava prestes a ser incendiada pelos sulistas.
Durante a rebelião, teve dois ossos quebrados quando um
tijolo voador atingiu seu braço.
Mas, mesmo entre as pessoas educadas de Oxford, os
sentimentos em relação aos Kennedy eram hostis.
Quando o procurador-geral telefonou ao capitão Falkner
(como o seu lado da família escrevia o nome) depois do
levante para cumprimentá-lo sobre “o trabalho benfeito”, a
reação foi muito diferente do orgulho militar. “Mais tarde
contei à tropa sobre o telefonema e a conversa”, lembrou
Falkner. “Em vez de ser um reforço moral, o cumprimento
teve um efeito adverso, tornando-os mais indignados do
que nunca.”
Os enviados de Robert Kennedy levaram do Mississípi
relatos e documentos preocupantes, artefatos racistas que
ele armazenou em seus arquivos no Departamento de
Justiça como a arqueologia de uma civilização perdida.
Grande parte deles revelava o medo sexual subjacente por
trás do furor anti-Meredith — o temor de que novos
estudantes negros viessem poluir a intocada magnólia
branca da feminilidade sulista. (O presidente ficou
“realmente enojado” com as fobias sexuais demonstradas
na Ole Miss, observou O’Donnell mais tarde.) Panfletos que
exibiam estudantes loiras nos braços de “animais” negros
grosseiramente caricaturados espalhavam-se pelo campus.
“Você gostaria que sua filha Branca, educada com todo o
refinamento, deixasse de ser Branca?”, dizia um desses
panfletos. “Faces rosadas não mais rosadas. Olhos azuis
nunca mais azuis. Sua mente sensível transformada na
mente de um macaco? Seu lindo corpo não mais belo, mas
negro e malcheiroso?” Outro panfleto exigia que Meredith
fosse isolado socialmente como “uma peça de mobília sem
nenhum valor”, enquanto os homens da Klan adotavam
uma abordagem mais direta, tramando raptá-lo e linchá-lo
na primeira oportunidade. O panfleto de um estudante, que
se intitulava Rebelde Secreto, atacava os irmãos Kennedy,
que chamava de “KKK — Kennedy Koon Keepers”,9
enquanto a Câmara de Comércio do Mississípi acusava o
governo de atos de “tirania”, responsável por “um dos mais
trágicos acontecimentos da história de [nosso] amado país
— forças federais contra um estado soberano... a educação
sob baionetas”. Uma inscrição de para-choque dizia: “Os
Irmãos Castro se mudaram para a Casa Branca”.
Um panfleto distribuído a soldados brancos baseados no
campus tentava provocar uma insurreição nas fileiras do
Exército. “Não seja enganado para lutar contra seus irmãos
americanos”, dizia o apelo às tropas. “KENNEDY pretende
destruir os ESTADOS UNIDOS porque é um doente
COMUNISTA. [...] Se você se unir a seus irmãos norte-
americanos aqui no Mississípi, nenhum poder na terra
poderá nos vencer. Juntos, com todos os outros BONS
NORTE-AMERICANOS, vamos tirar o VERMELHO JACK
KENNEDY e todos os outros políticos comunistas de seus
cargos e dar início à limpeza da MALDITA SUJEIRA
COMUNISTA da face da terra.” James Symington, que
tinha substituído John Seigenthaler como assessor
administrativo de RFK, foi um dos jovens auxiliares que
Kennedy despachou para a Ole Miss. Symington, filho do
senador Stuart Symington, do Missouri, chegou a Oxford
na manhã seguinte à rebelião num pequeno avião do
governo. “O soldado que me apanhou no aeroporto local me
disse para cobrir a cabeça com o casaco durante a viagem
até a cidade para o caso de um tijolo voar pela janela”,
lembrou Symington numa entrevista recente. O jovem
assessor de Kennedy interrogou dezenas de pessoas que
tinham sido presas durante a rebelião, além de pastores,
editores de jornal, juízes e outros dignitários locais. Os
testemunhos que ele recolheu no delta do Mississípi eram
inquietantes. Jovens rebeldes lhe contaram que não
queriam entrar no conflito, mas obedeciam a ordens de
seus pais ou pastores.
“Um pastor me levou à sua igreja”, disse Symington, “e
me disse: ‘Você representa a tirania’. Eu disse: ‘Como você
pode acreditar que pessoas negras que vivem no Mississípi
não tenham direitos?’. Ele respondeu: ‘Bem, é melhor ter
um monte de pequenas tiranias do que uma grande’.”
Outro ministro disse a Symington que instaladores de
linhas telefônicas tinham visto “homens acampados no
mato, aguardando que as tropas federais partissem para
apanhar Meredith”. (A ocupação militar de Oxford durou
cerca de dez meses. Um pequeno contingente de soldados
federais permaneceu no campus para proteger Meredith
durante seu curso de graduação.)
Mais tarde, Symington foi convidado a falar a um grupo
de alunos da Ole Miss. “Fui a uma casa pequena na cidade.
Levei meu violão para cantar algumas velhas canções
folclóricas, o que eu fazia naquela época. O jovem que me
recebeu à porta segurava um copo alto, desses que a gente
usa para beber leite, só que estava cheio de bourbon. ‘Que
tal um pouco de gelo aí?’, eu disse. ‘Aqui no Mississípi não
colocamos água em nossas bebidas’, ele respondeu.
“Fui até a cozinha e vi uma bandeja cheia de esquilos
pelados. Depois fui para a sala e toquei algumas canções ao
violão. Eles trouxeram os esquilos e me deram um para
comer. Um rapaz me disse: ‘Você tem que cravar seu garfo
bem aqui, como se fosse uma lagosta, e pegar a bolha
branca. Você sabe o que é isso, ianque?’.
“E eu disse: ‘Antes de mais nada, não sou um ianque. Sou
do Missouri, um estado vizinho. E acho que é o cérebro’.
“E eles gritaram: ‘Certo!’. Enfiei aquela coisa o mais
fundo que pude na garganta, para não vomitar, e engoli.
Eles gritaram e comemoraram.
“Continuamos bebendo bourbon e eles me disseram:
‘Você precisa entender que amamos nossos negros aqui no
Sul’. E eu disse: ‘Isso é ótimo. Então por que eles não
podem ir à escola com vocês?’. E eles disseram: ‘Não é
desse jeito que os amamos’.”
Alguém levou a Robert Kennedy uma lembrança da
Batalha da Ole Miss: um capacete branco dos federais que
tinha sido atingido por um projétil. Kennedy manteve o
capacete exposto em seu gabinete pelo resto de seu
mandato como procurador-geral, a título de lembrete do
que o governo estava enfrentando.
Quando chegou a vez de o presidente Kennedy
homenagear o heroísmo demonstrado em Oxford durante
aquela longa noite, ele não distribuiu citações de alguém
do Exército ou do FBI. Convidou cinco soldados das fileiras
das tropas federais. Durante uma cerimônia na Casa
Branca, Kennedy disse aos homens que, se eles não
tivessem mantido sua posição e James Meredith tivesse
sido linchado, “teria sido um golpe do qual os Estados
Unidos e o Mississípi não se recuperariam por muitos
anos”.
O governo Kennedy tirou duas inevitáveis conclusões do
episódio da Ole Miss: primeiro que não se podia confiar no
Exército dos Estados Unidos para enfrentar uma crise
interna, e segundo que o Sul era um território hostil. A
crise reavivou as dúvidas, no círculo mais próximo de JFK,
sobre sua capacidade de controlar seu próprio exército. E a
batalha travada em Oxford — com as imagens inquietantes
de tropas dos Estados Unidos em ação, não contra a Cuba
de Castro, mas contra o sul do país — incitou mais
comentários dos adversários de Kennedy sobre sua
capacidade de liderança.
James Meredith obrigara o presidente a enviar tropas
para o Sul pela primeira vez desde a Guerra Civil, para
proteger os direitos de negros americanos. “Eu não estava
lá como estudante. Estava lá como soldado”, declarou mais
tarde o destemido e messiânico Meredith. “Eu era um
general. Estava no comando de tudo.”
Eram muitos os defensores da velha ordem, não apenas
no Sul, mas entre os militares e a elite de Washington, que
consideraram a intervenção no Sul um uso impróprio das
Forças Armadas. Barry Goldwater condenou a exibição da
força militar como uma tentativa inconstitucional do
governo federal de ocupar as escolas. Candidatos
republicanos às futuras eleições parlamentares fizeram
questão de se apresentar no palco diante de bandeiras
confederadas, um claro símbolo da emergente maioria
GOP10 no Sul. O candidato republicano da Carolina do Sul
ao Senado comparou Kennedy a Hitler, afirmando que suas
ações na Ole Miss tinham “a marca de uma tentativa cruel
e premeditada de forçar o estado soberano do Mississípi à
submissão”. Quando a banda da escola secundária tocou
“Dixie”,11 o candidato ao Senado gritou: “Espero que esta
canção possa ser ouvida por todo o caminho de Oxford,
Mississípi, a Washington, DC!”.
A explosão de violência no Mississípi teria reverberado
ainda mais alto em Washington e por todo o país se outro
abalo, de magnitude ainda maior, não a tivesse feito
desaparecer rapidamente da primeira página dos jornais.
Essa crise emanou, mais uma vez, de Cuba.
 
***
 
Eram 9h45 da manhã de uma sexta-feira, 19 de outubro de
1962, quatro dias depois que um avião espião U-2 tinha
localizado bases de mísseis de médio alcance em
construção numa região remota no oeste de Cuba. Os
Estados Unidos e a União Soviética enfrentavam a primeira
semana da Crise dos Mísseis Cubanos, uma dança da morte
de treze dias que Arthur Schlesinger Jr. consideraria mais
tarde “o momento mais perigoso da história da
humanidade”. O presidente Kennedy se esforçava por dar
os passos certos nessa coreografia incerta, para que o
mundo não acabasse caindo no abismo nuclear. Ele e seus
dois conselheiros mais importantes, Bob Kennedy e Robert
McNamara, tentavam encaminhar o processo decisório
para um bloqueio naval a Cuba, interromper o envio de
carregamentos nucleares para a ilha e pressionar os
soviéticos a adotar uma solução pacífica para a crise. Mas
praticamente todo o aparato de segurança nacional
pressionava o presidente a empreender uma ação militar
contra a ilha. Liderando a reivindicação por uma reação
agressiva estavam os membro do Estado-Maior Conjunto,
que recomendavam ataques aéreos e a subsequente
invasão da ilha. Na manhã de 9 de outubro, os altos
comandantes militares do país lotaram a Sala do Gabinete
para convencer Kennedy a adotar essa posição. Nenhuma
reunião entre o chefe da nação e seus conselheiros de
segurança nacional tinha sido tão carregada de
consequências. E nenhuma reunião durante o governo
Kennedy ilustra de maneira mais dramática a divisão entre
o chefe de Estado e seus chefes militares.
Na reunião com o presidente estavam o chefe do Estado-
Maior Conjunto, Maxwell Taylor; o comandante da Força
Aérea, Curtis LeMay; o comandante das operações navais,
George Anderson; o comandante do Exército, Earle
Wheeler; e o comandante dos Fuzileiros Navais, David
Shoup; além de McNamara. Taylor era ostensivamente um
aliado de Kennedy, nomeado pelo presidente para injetar
alguma sofisticação intelectual no Pentágono. Shoup não
tinha as qualidades intelectuais de Taylor, mas também
tentou se posicionar como um dos homens do presidente,
alguém que tinha apoiado a eleição de JFK e se opusera ao
senador Strom Thurmond e às tentativas da extrema-direita
de doutrinar o Corpo dos Fuzileiros Navais. (“Eu não
precisava que Strom Thurmond e seus escudeiros me
dissessem o que os fuzileiros navais deviam ouvir sobre o
comunismo”, observou Shoup mais tarde. “Achei que isso
era ridículo.”) Mas Kennedy esperava ter problemas com o
rabugento Curtis LeMay, que defendia um ataque nuclear
preventivo à Rússia desde o início da década de 1950,
quando assumira o Comando Aéreo Estratégico. Para
LeMay, Cuba era uma “atração secundária” que devia ser
sumariamente “executada” pelos Estados Unidos. O
presidente também sabia que não podia contar com o apoio
de George Anderson, o alto, bem-apessoado comandante
naval, conhecido por instruir seus marinheiros a seguir um
caminho de limpeza moral. Anderson, cuja aparência lhe
valera o apelido de “Belo George”, tinha se revelado tão
cáustico quanto seu antecessor, Arleigh Burke,
questionando abertamente as tentativas de Kennedy e
McNamara de assumir o controle dos gastos de defesa e o
processo de aquisição de armas. E Wheeler ainda estava
ofendido pela furiosa bronca de JFK após o moroso
desempenho do Exército na Ole Miss.
LeMay estava acostumando a assumir o comando nas
reuniões do Estado-Maior. Com seu mau humor crônico, ele
se comportava como um buldogue marcando território.
Soprava a fumaça do charuto na cara de qualquer um que
discordasse dele e demonstrava seu aborrecimento e seu
desprezo deixando entreaberta a porta do banheiro
contíguo à sala de reuniões do Estado-Maior enquanto se
aliviava com ruidosa desinibição. Naquela manhã, o
comandante da Força Aérea usou o mesmo estilo de
confrontação com Kennedy na Sala do Gabinete. O ódio
entre os dois era total. Eles até já tinham entrado em
conflito sobre a crise numa reunião realizada na Casa
Branca um dia antes. Kennedy pedira a LeMay que fizesse
uma previsão da reação dos russos se os Estados Unidos
bombardeassem Cuba. “Eles não farão nada”, respondeu
LeMay. “O senhor está tentando me dizer que eles vão nos
deixar bombardear seus mísseis e matar um monte de
russos sem fazer nada?”, perguntou o presidente,
incrédulo. “Se eles não fizerem nada em Cuba, certamente
farão alguma coisa em Berlim.” JFK sempre se preocupava
com o fato de que um movimento no tabuleiro de xadrez da
Guerra Fria pudesse desencadear um contra-ataque em
outro lugar.
Depois da reunião, o presidente ainda não se conformava
com a previsão despreocupada do general. “Você pode
imaginar LeMay me dizendo uma coisa dessas?”, comentou
Kennedy com O’Donnell quando voltou a seu gabinete.
“Esses oficiais têm uma grande vantagem a seu favor. Se
acreditarmos no que eles nos dizem, e fizermos o que eles
querem, nenhum de nós estará vivo para lhes dizer que
estavam errados.”
Na reunião de sexta-feira, LeMay declarou sem rodeios
que “não temos escolha a não ser a ação militar direta”. E
repetiu obstinadamente sua previsão do dia anterior,
insistindo que não haveria reação dos soviéticos a um
ataque aéreo a Cuba. “Não acho que [os russos] adotem
alguma represália se lhes dissermos que a situação de
Berlim ficará como sempre foi. Se eles fizerem um
movimento, vamos lutar.” LeMay não fez esforço algum
para esconder sua aversão à estratégia de bloqueio de
Kennedy. Ela lhe lembrava a covardia de Neville
Chamberlain, resmungou. Com certeza, o general era
suficientemente esperto para saber o que estava fazendo
quando levantou o fantasma de Munique. Devia saber que
isso poria Kennedy na defensiva, com a lembrança do
vergonhoso desempenho do pai dele como embaixador em
Londres. O plano de bloqueio de Kennedy era “quase tão
ruim quanto a política de conciliação em Munique”, ele
disse, alfinetando o presidente.
Encorajados por LeMay, os outros comandantes aceitaram
seus argumentos, ecoando o apelo do comandante da Força
Aérea por uma imediata ação militar. “Enquanto a União
Soviética estiver apoiando Cuba, não vejo outra solução
para o problema cubano, a não ser uma solução militar”,
disse o almirante Anderson a Kennedy, num tom
professoral. Até Taylor e Shoup endossaram a posição
belicosa de LeMay. Mas Kennedy escapou à tentativa dos
comandantes de colocá-lo contra a parede. Quando Shoup
incoerentemente observou que a União Soviética já tinha
capacidade de atacar os Estados Unidos mesmo sem os
mísseis instalados em Cuba, Kennedy aproveitou a
oportunidade que o comentário lhe ofereceu. Talvez a
instalação dos novos mísseis não tivesse tanto poder
desestabilizador, sugeriu o presidente. Talvez não valesse a
pena correr o risco de uma guerra nuclear. “Não importa o
que eles coloquem lá, podemos viver hoje com isso [essa
ameaça]”, pensou alto o presidente.
Esse sentimento conciliatório provocou outra explosão de
LeMay. “Se os deixarmos lá”, espumou o general, o bloco
comunista exercerá “uma chantagem ameaçadora não só
sobre nós, mas sobre todos os países sul-americanos”.
Então o comandante da Força Aérea fez algo notável.
Decidiu violar os tradicionais limites entre militares e civis
e lançou uma ameaça política nada velada. Se o presidente
reagisse com fraqueza à provocação soviética em Cuba,
isso teria repercussões políticas no exterior, onde o
governo Kennedy seria visto como covarde. “E tenho
certeza de que muitos cidadãos pensariam o mesmo”,
acrescentou LeMay. Com suas íntimas ligações com os
congressistas militaristas e com a extrema-direita, LeMay
não deixou dúvidas sobre o dano político que podia causar
ao governo. “Em outras palavras, o senhor está numa
situação muito ruim no momento”, disse o general ao
presidente.
Foi um comentário desprezível — particularmente no
clima grave do momento — e Kennedy não o deixou passar.
“O que o senhor disse?”, reagiu ele.
“O senhor está numa situação muito ruim”, repetiu
LeMay, sustentando sua posição.
“E o senhor está comigo nessa”, replicou o presidente
com sarcasmo. Então Kennedy riu, uma risada tensa e
melancólica. “Pessoalmente”, acrescentou, desenganando
LeMay sobre a questão.
Ted Sorensen mais tarde expressou seu espanto diante do
comportamento provocador de LeMay na Sala do Gabinete
naquela manhã. “O que LeMay disse naquela reunião
poderia ter saído de Sete dias de maio”, exclamou
Sorensen em uma entrevista. “Dizer a Kennedy que aquilo
lhe lembrava Munique, que ele estava sendo muito mole, e
que o povo americano pensaria o mesmo! Foi isso que me
horrorizou: um general dizer ao presidente dos Estados
Unidos o que o povo pensava.”
Uma hora depois, Kennedy deixou a reunião, seguido por
McNamara. Era evidente que o confronto com seus mais
altos comandantes militares perturbara o comandante em
chefe. Mais tarde, ele disse a um assessor que o governo
precisava deixar claro ao Estado-Maior que não iniciaria
uma guerra sem sua aprovação, um temor crônico de JFK.
“Não quero que sejam disparadas armas nucleares sem
nosso conhecimento”, ele disse. “Não acho que possamos
aceitar a palavra dos comandantes.”
Kennedy tinha razão em duvidar da lealdade dos chefes
militares. Depois que ele e McNamara deixaram a Sala do
Gabinete naquela manhã, o sistema de gravação secreto
continuou a registrar a conversa dos chefes militares sem
que eles soubessem. Assim que o presidente e seu
secretário da Defesa saíram, os comandantes começaram a
condenar a cautelosa e gradual tomada de posição de
Kennedy frente à crise. Shoup, que se supunha leal a
Kennedy, tomou a dianteira do ataque raivoso, como se
quisesse mostrar a seus colegas militares onde residia
verdadeiramente sua lealdade. JFK sempre adotava uma
posição cuidadosa em “toda maldita crise”, disse ele aos
colegas num tom ressentido. Se eles “molengassem com os
mísseis, iam se ferrar”, ele praguejou.
“Com certeza”, apoiou LeMay.
“Vão se ferrar, se ferrar, se ferrar.”
Kennedy estava preocupado com “a ação política do
bloqueio”, concordou Wheeler, em vez de deixar que seus
chefes militares resolvessem o problema.
O desdém e a frustração dos comandantes militares em
relação ao presidente acabaram transbordando numa
torrente de “insubordinação”, como definiu Sorensen mais
tarde. “O que eles disseram sobre seu comandante em
chefe depois que ele saiu da sala foi vergonhoso”, ele disse.
Kennedy sabia que, a cada dia que passava, aumentavam
as pressões para uma solução militar. Quando saiu da Sala
do Gabinete naquela manhã, deu de cara com Sorensen,
que o presidente sabiamente tinha mantido afastado da
reunião para não provocar os chefes do Pentágono. “Ele
saiu furioso da reunião e disse: ‘Você e Bob precisam
chegar a um consenso sobre isso [o bloqueio]’. E,
apontando para a sala de reunião, disse: ‘Todos eles
querem a guerra’. Ele sentia que, com a pressão que vinha
daquela sala, o tempo ia se esgotar.”
À medida que a crise prosseguia, o homem da extrema-
direita de LeMay, Tommy Power — cujo temperamento
psicológico até LeMay reconhecia que “não era estável” —,
assumiu a responsabilidade de elevar o alerta do Comando
Aéreo Estratégico ao nível DEFCON-2, a um passo da
guerra nuclear. Evidentemente, o general Power pensava
saber, melhor que o presidente dos Estados Unidos, como
lidar com os russos. Para ter certeza de que Moscou
captara a mensagem, Power deliberadamente enviou o
alerta às claras, de modo que os soviéticos pudessem tomar
conhecimento dele imediatamente. Estaria a Casa Branca
consciente desse movimento do comandante das Forças
Aéreas do país, uma atitude típica do Dr. Fantástico? “Não,
não estávamos”, afirmou Sorensen categoricamente.
Só anos depois os integrantes sobreviventes do governo
Kennedy souberam o quanto foi perigosa a pressão dos
militares sobre JFK. Numa conferência realizada em
Havana em outubro de 2002 para marcar o 40o aniversário
da Crise dos Mísseis, ex-membros do governo Kennedy
ficaram estupefatos ao saber dos russos que as forças
nucelares russas estavam preparadas para o confronto. “O
Estado-Maior pressionava pela destruição dos mísseis por
meio de um ataque-surpresa”, lembrou Schlesinger, que
compareceu à conferência em Havana. “Mas, como
descobrimos na conferência, o Exército Soviético tinha
quarenta mil homens em Cuba, e não os dez ou doze mil
que esperávamos. E os comandantes soviéticos em Cuba
estavam equipados não só com mísseis estratégicos, como
também nucleares táticos, e tinham ordens de usá-los para
repelir uma invasão americana. Eu estava sentado ao lado
de Bob McNamara em Havana quando o general russo que
chefiava o contingente do Exército Vermelho em Cuba em
1962 de repente revelou isso. McNamara quase caiu da
cadeira. Não tínhamos ideia disso.”
A conferência de Havana, observou Sorensen, “me
lembrou, assim como a Arthur e a Bob McNamara, o
quanto o mundo esteve perto de um conflito nuclear que
muito rapidamente teria se transformado num holocausto
nuclear que deixaria ambos os países em ruínas, e, em
seguida, o mundo todo.” O Estado-Maior, continuou
Sorensen, “estava certo de que não havia nenhuma ogiva
nucelar em Cuba na época. Estava errado”. Se Kennedy
tivesse cedido à pressão, concluiu Sorensen tristemente, o
mundo teria sido reduzido a escombros.
“Não existe um período de teste quando se trata de armas
nucleares”, observou McNamara durante a conferência em
Havana. “Basta um erro, e nações são destruídas.”
Era disso que McNamara tentava convencer os
comandantes
militares à medida que a crise se desenrolava. Depois de
iniciado o bloqueio, Kennedy ordenou ao secretário da
Defesa que se mantivesse atento aos movimentos da
Marinha, para ter certeza de que os navios americanos não
fariam alguma coisa capaz de desencadear a Terceira
Guerra Mundial. Nenhum tiro devia mirar os navios
soviéticos sem a aprovação de McNamara. Mas o almirante
Anderson se revoltou contra a vigilância do secretário da
Defesa, confrontando McNamara no centro de comando no
Pentágono, onde o bloqueio era monitorado. Numa
explosão de cólera que seria dramatizada no filme Treze
dias que abalaram o mundo, de 2000, o almirante disse a
seu superior civil que não precisava de seu conselho sobre
a maneira de administrar o bloqueio, e que a Marinha vinha
realizando operações desse tipo desde a época da
Revolução. “Não ligo a mínima para o que John Paul Jones
teria feito”, respondeu McNamara, furioso. “Quero saber o
que você vai fazer — agora.” Anderson sugeriu que
McNamara saísse da sala: “Senhor secretário, volte a seu
gabinete que eu irei para o meu e tomarei conta das
coisas”.
“Aparentemente, foi um erro dizer algo assim a alguém
com a personalidade de McNamara”, comentou mais tarde
o insubordinado almirante. Assim que McNamara deixou a
sala, disse a seu assessor Roswell Gilpatric: “Este é o fim
de Anderson”.
Como os outros comandantes militares, Anderson estava
ansioso para usar a Crise dos Mísseis “para resolver o
problema cubano” invadindo a ilha. “Poderia haver muito
sangue, mas eu diria que com poucas baixas entre as forças
americanas”, notou o almirante numa entrevista concedida
em 1981 no Instituto Naval dos Estados Unidos. “Acho que
o povo cubano teria imediatamente aceitado nosso apoio, e
acho que poderíamos ter instalado um bom governo em
Cuba, e acho que, com as advertências apropriadas aos
russos e cuidado de nossa parte, não teria havido uma
confrontação militar entre as tropas russas que estavam lá
e as nossas, porque havia relativamente poucos russos lá.
Não acredito que, em nenhuma circunstância, eles teriam
usado aquelas armas de ataque contra os Estados Unidos
ou que haveria uma guerra nuclear.”
Anderson nunca teve a oportunidade de testar suas
teorias. Meses depois da Crise dos Mísseis, Kennedy e
McNamara conseguiram tirar Anderson do comando da
Marinha, despachando-o como embaixador para Portugal,
onde ele se tornaria íntimo do ditador Antonio Salazar, a
quem descreveu como “um homem extremamente polido,
decente e calmo”. Antes de deixar o Pentágono, Anderson
fez uma visita informal ao gabinete de McNamara, onde o
secretário da Defesa lhe estendeu a mão. O almirante, que
considerava McNamara um homem “vingativo” e “falso”,
recusou o cumprimento. “Estender-lhe a mão? Nunca.”
McNamara convidou-o a sentar-se para conversar. “Senhor
secretário, sua ideia de integridade está muito distante da
que aprendemos na escola militar”, disse-lhe o almirante
bruscamente durante uma longa conversa. “É a diferença
entre dia e noite.” De acordo com Anderson, McNamara
caiu no choro ao ouvir isso. Anos depois, ainda se podia
sentir o desprezo do almirante. Para ele, os civis Kennedy
não passavam de bebês chorões de terno.
O Estado-Maior não estava sozinho na tentativa de levar
os Estados Unidos à guerra por causa da instalação de
mísseis em Cuba. A CIA também se envolveu num jogo
perigoso durante a crise. O diretor da CIA, John McCone,
que foi o primeiro homem dentro do governo a informar
que os soviéticos estavam instalando mísseis na ilha
caribenha, não fazia segredo de que desejava uma guerra
para eliminar a nova ameaça. Nas semanas anteriores à
explosão da crise, a agência começou a pingar informações
sobre os mísseis a repórteres amigos, como Hal Hendrix,
do Miami News — que mais tarde ganhou um Pulitzer por
seus “furos” —, e o senador republicano Kenneth Keating,
de Nova York, que usou as dicas da inteligência para criar
embaraços ao governo Kennedy.
No auge da crise, o presidente Kennedy instruiu a CIA a
suspender imediatamente todas as incursões aéreas sobre
Cuba, para garantir que nenhuma fagulha proveniente das
operações secretas da agência desencadeasse uma
conflagração nuclear. Mais uma vez, a agência afirmou seu
direito de determinar sua política em relação a Cuba,
independentemente da vontade do presidente. Desafiando a
ordem de Kennedy, Bill Harvey mobilizou sessenta
comandos e os lançou sobre Cuba, antecipando a invasão
que a CIA esperava que ocorresse logo. Quando alguém na
estação JM/WAVE informou Robert Kennedy do ato
temerário, o procurador-geral ficou uma fera e, numa
reunião da Operação Mongoose, censurou o homem da CIA
por ter corrido o risco de desencadear a Terceira Guerra
Mundial. Sem demonstrar arrependimento, Harvey
retrucou que, se os Kennedy tivessem resolvido o problema
de Cuba no episódio da Baía dos Porcos, o país não estaria
metido nessa confusão. Furioso, o procurador-geral saiu da
sala. Anos depois, quando compareceu perante a Comissão
Church, o homem da CIA ainda menosprezava as
preocupações dos Kennedy, que para ele eram “cheios de
não me toques”.
Para os Kennedy, entretanto, foi mais uma demonstração
da natureza inescrupulosa da agência. “Naturalmente,
fiquei furioso”, disse Bobby mais tarde, lembrando o ato
provocativo de Harvey. Ele estava estupefato com a ação da
CIA, que poderia ter causado um apocalipse nuclear “por
conta de uma operação incompetente”.
Vendo o confronto entre Kennedy e Harvey, McCone
soube que a carreira de seu homem de frente em Cuba
tinha implodido. “Harvey se destruiu hoje”, disse o diretor
da CIA a um assessor. A “bronca” de Kennedy em Harvey
fora “tão forte”, segundo um memorando do FBI, “que
McCone achou melhor tirar Harvey de Washington por
alguns dias”. Mais tarde, Dick Helms veio em socorro de
Harvey, transferindo-o para um posto da agência em Roma,
onde ficaria fora da linha de fogo de Kennedy. O lendário
espião passou seu breve período de exílio em Roma e
depois foi chamado de volta ao quartel-general da CIA.
Antes de Harvey partir para a Itália, seus colegas lhe
ofereceram uma festa de despedida, na qual dramatizaram
a vida e a morte de Júlio César, com Harvey no papel
principal. Quando a apresentação terminou, alguém gritou:
“Quem foi Brutus?”. Harvey respondeu: “Bobby”, que ele
desde então passou a considerar “traiçoeiro”.
Sua carreira estava praticamente acabada. Mas, durante
seu declínio e queda na CIA, Harvey continuou em contato
com seu velho camarada da Máfia, Johnny Rosselli. Os dois
foram vistos juntos na Flórida, em Los Angeles e em
Washington, conferenciando diante de seus “refrescos”
habituais: martíni para o espião e Smirnoff on the rocks
para o gângster. Quando Harvey saiu da agência e abriu
uma firma de advocacia em Washington, Rosselli fez uma
visitinha ao velho amigo e lhe arranjou alguns negócios. O
espião aposentado se recusou a afastar-se do mafioso,
mesmo sob pressão da agência. Bill Harvey jamais se
desculpou pelo bizarro relacionamento. “Não importa como
ele tenha ganhado a vida no passado”, Harvey declarou
mais tarde aos investigadores do Senado, Johnny Rosselli
era um homem “íntegro até onde me dizia respeito”. O
gângster era leal e confiável “em seus acordos comigo”,
disse Harvey, que tinha “grande estima” por ele.
O isolamento do presidente Kennedy dentro de seu
próprio governo nunca ficou tão evidente como durante a
Crise dos Mísseis. Nas reuniões do ExCom (Comitê
Executivo do Conselho de Segurança Nacional), nas quais
Kennedy discutiu sua estratégia, o presidente só contou
com o apoio do irmão e de McNamara. Bobby, que tinha
amadurecido e se tornara um diplomata prudente e contido
naquela difícil situação, desempenhou um papel
fundamental. “Graças a Deus por Bobby”, Dave Powers
ouviu o presidente dizer numa manhã, quando o irmão
enfrentou outra tensa reunião do ExCom. A crise que
ameaçava a humanidade obrigou o jovem Kennedy a
enfrentar uma pergunta fundamental sobre o uso do poder
na era nuclear. “Em que circunstâncias, se é que elas
existem, um governo teria o direito moral de colocar seu
povo, e possivelmente todos os povos, sob ameaça de uma
destruição nuclear?”, ele se perguntava. Como observou
Schlesinger mais tarde, era uma pergunta que poucos
estadistas chegaram a levantar e que poucos filósofos
responderam.
Robert Kennedy foi o principal mensageiro do irmão nas
delicadas negociações que finalmente puseram fim à crise,
encontrando-se em segredo com Georgi Bolshakov, até que
os Kennedy perceberam que seu velho camarada soviético
fora usado por Moscou para enganá-los, e mais tarde,
encontrando-se com o embaixador Anatóli Dobrynin. Em
suas memórias, Nikita Khruchov faz um relato
surpreendente das conversas emocionais de RFK com
Dobrynin, nas quais Kennedy enfatizou que o governo do
irmão estava se tornando frágil à medida que a crise se
arrastava. Não foi a primeira vez no governo Kennedy que
Bobby transmitiu essa alarmante mensagem aos russos.
Mas, diante da gravidade do momento, Khruchov sentiu
que o apelo de Kennedy era especialmente urgente.
Depois que o procurador-geral fez uma visita informal à
embaixada soviética, Dobrynin relatou a Moscou que
“Robert Kennedy parecia exausto. Podia-se ver em seus
olhos que não dormia há dias. Ele mesmo disse que estava
fora de casa há seis dias e seis noites. ‘O presidente
enfrenta uma grave situação’, disse Robert Kennedy, ‘e não
sabe como sair dela. Estamos sob forte tensão. Na verdade,
estamos sendo pressionados por nossos militares para usar
a força contra Cuba. [...] O presidente Kennedy implora ao
primeiro-ministro Khruchov que aceite sua oferta e leve em
consideração as peculiaridades do sistema americano.
Embora pessoalmente o presidente não seja a favor de uma
guerra contra Cuba, uma irreversível cadeia de eventos
pode ocorrer contra a sua vontade. [...] Se a situação
continuar por muito tempo, o presidente não pode
assegurar que os militares não irão derrubá-lo e tomar o
poder. O Exército Americano pode escapar ao seu
controle”. Em outra ocasião, Khruchov escreveu que Bobby
Kennedy “estava quase chorando” quando telefonou a
Dobrynin. “Não vejo meus filhos há dias”, ele disse ao
embaixador soviético, “e o presidente também não vê os
dele. Passamos dia e noite na Casa Branca; não sei quanto
tempo mais poderemos resistir aos generais.”
Homens leais a Kennedy, como Schlesinger — que
considerava a maneira como os irmãos administravam a
crise certa e eficiente, o que em muitos aspectos era —,
sugerem que as súplicas emocionais de Bobby aos
soviéticos foram uma estratégia para ganhar vantagem nas
negociações. O presidente Kennedy nunca teve dúvidas em
enfrentar o Pentágono, observou Schlesinger
recentemente: “JFK tinha uma grande capacidade de
resistir às pressões dos militares. Ele simplesmente
pensava que estava certo. Falta de confiança nunca foi um
dos problemas de Jack Kennedy. Teríamos tido uma guerra
nuclear se Nixon fosse presidente durante a Crise dos
Mísseis. Mas a posição de herói de guerra de Kennedy lhe
permitia desafiar o Estado-Maior. Ele os via com desprezo,
como um bando de velhos”.
No entanto, reconheceu Schlesinger, Kennedy não tinha
total controle sobre seus chefes militares. Repetidas
referências a golpes e climas semelhantes a Sete dias de
maio, que transparecem nas transcrições e impressões
sobre a administração, deixam claro que JFK e seus
assessores mais próximos se preocupavam com a
estabilidade do governo.
E Khruchov também. “Por algum tempo, sentimos que
havia o perigo de que o presidente perdesse o controle
sobre os militares”, escreveu ele mais tarde, “e agora ele
mesmo admitia isso.” O medo de que Kennedy fosse
derrubado por um golpe, sugere Khruchov em suas
memórias, levou os soviéticos a fechar um acordo sobre os
mísseis com o presidente. “Percebemos, pelo tom da
mensagem, que a tensão nos Estados Unidos estava de fato
chegando a um ponto crítico.”
Treze dias depois que a crise começou, Khruchov
anunciou que ia retirar seus mísseis de Cuba. A decisão
soviética foi saudada como uma grande vitória americana,
uma demonstração do poder de decisão dos Estados
Unidos. Os Kennedy encorajaram esse ponto de vista na
mídia, embora tivessem feito concessões para pôr fim ao
confronto, concordando secretamente em retirar mísseis
envelhecidos de bases norte-americanas na Turquia e
prometendo não invadir Cuba. Essa última concessão foi
particularmente importante do ponto de vista soviético, já
que fora a ameaça militar a Cuba que induzira Khruchov a
instalar os mísseis ali. Washington mais tarde insistiria que
essa promessa não era compulsória, porque Castro se
recusara a permitir inspeções americanas em Cuba, para
ter certeza de que os mísseis tinham sido retirados.
Entretanto, Kennedy e futuros presidentes honraram a
promessa de não invasão. Isso garantiu a sobrevivência da
revolução cubana, e, embora Castro não visse as coisas
desse modo à época, Khruchov corretamente considerou
que fora “uma grande vitória” para a ilha.
Embora a ofensiva de mídia de Kennedy tenha conseguido
vender a história de que “o outro lado vacilara”, os radicais
em Washington encaravam a solução da crise de outra
maneira. Dias depois do anúncio de Khruchov, o presidente
convocou os membros do Estado-Maior ao Salão Oval para
lhes agradecer por seu papel na crise, um gesto
particularmente simpático considerando o atrito entre o
comandante em chefe e seus generais. Mas LeMay não
estava em clima de celebração. “É a pior derrota de nossa
história”, ele vociferou a Kennedy. “Devíamos invadir hoje!”
A raiva contra Kennedy se espalhara pelos escalões
superiores das Forças Armadas, que achavam que o
presidente perdera a oportunidade perfeita de desmantelar
o regime comunista em Cuba. “Tivemos a chance de
expulsar os comunistas de Cuba”, resmungou mais tarde
LeMay. “Mas o governo tremia de medo de que eles [os
russos] lançassem um míssil contra nós.”
Daniel Ellsberg, analista da defesa que mais tarde ficou
famoso por causa do vazamento de documentos secretos do
Pentágono, era consultor dos generais e coronéis da Força
Aérea sobre estratégia nuclear quando a crise dos mísseis
terminou. Ele ficou assustado com a “fúria” dentro da
Força Aérea depois do acordo entre Kennedy e Khruchov.
“Havia um clima de golpe nos círculos do Pentágono”,
lembrou Ellsberg. “Não que eu temesse que estivéssemos à
beira de um golpe. Eu só percebia que havia um sentimento
de ódio e raiva. O clima estava envenenado, envenenado.”
A CIA também tinha conhecimento de que a Crise dos
Mísseis fora um momento decisivo na relação com Cuba.
Quando Kennedy deu a Khruchov “garantias contra [a]
invasão de Cuba”, o agente da CIA George McManus
escreveu em um memorando de 5 de novembro:
“A Operação Mongoose morreu.” Mongoose sempre fora
apenas uma fachada, observou McManus, um subterfúgio
destinado a apagar “a mancha política que o presidente
herdara do fracasso na Baía dos Porcos”. Mas agora,
concluiu a CIA tristemente, o governo Kennedy abandonava
a pretensão de derrubar Castro.
Para esse militantes que faziam parte da força organizada
para destruir o regime comunista na ilha, a solução pacífica
da crise fora uma traição pior do que a Baía dos Porcos.
Eles sentiram o governo dos Estados Unidos na iminência
de lançar um ataque devastador a Cuba, e no final viram
Kennedy evitar um acerto de contas. Foi o mais perto que
eles chegaram de realizar seus sonhos políticos, e eles
foram esmagados. “Se já se falava em traição no caso da
Baía dos Porcos, isso foi ainda pior para nós, os
envolvidos”, disse Rafael Quintero, um dos sessenta
comandos recrutados por Harvey para desembarcar de
paraquedas em Cuba durante a crise.
Quando o ano de 1962 chegou ao fim, o mundo era um
lugar mais seguro. Aqueles treze dias e noites insones
valeram a John Kennedy um lugar de glória na história. “As
pessoas não pensam mais que uma guerra mundial entre
União Soviética e Estados Unidos era inevitável”, observou
Sorensen anos depois. O jovem presidente tinha superado
os mais graves perigos ocultos já enfrentados por um líder
americano, e conseguira evitar o impeachment e um golpe
de Estado, assim como uma aniquilação nuclear. Mais
tarde, houve uma mudança na situação do mundo, um
ponto de luz por entre as nuvens negras que pairaram
sobre o planeta desde o início da Guerra Fria. Exultantes
como quem consegue escapar por pouco da morte,
Kennedy e Khruchov sentiram-se estimulados a buscar a
paz com vigor renovado.
Kennedy e Khruchov tinham se aproximado durante os
treze dias e noites de provação, e até trocaram cartas
particulares e mensagens confidenciais. JFK ficou
especialmente tocado por uma carta, “um grito do
coração”, como o definiu um diplomata americano, na qual
Khruchov dizia que o povo russo não era formado de
“bárbaros” ou “lunáticos”, e queria viver tanto quanto o
povo americano. Portanto, cabia a Kennedy e a ele parar de
apertar o “nó da guerra” antes que ele ficasse tão apertado
que nenhum dos dois pudesse desatá-lo. Khruchov mais
tarde disse que criara um “profundo respeito” por Kennedy
durante a crise. “Ele não se amedrontou, nem foi
precipitado. [...] Mostrou verdadeira sabedoria e postura de
estadista quando deu as costas às forças da extrema-direita
que tentavam convencê-lo a empreender uma ação militar
contra Cuba.”
Houve mais compreensão do que nunca entre os dois
líderes. Mas ambos estavam cada vez mais afastados de
seus próprios governos. Quando Khruchov conseguiu
desviar o país para uma saída pacífica da crise, seus
conselheiros militares o “olhavam como se eu tivesse
perdido o juízo ou, o que era pior, fosse um traidor”. Mas o
líder soviético seguira seu curso sem concessões. “Que bem
me faria, na última hora de minha vida, saber que, mesmo
com nossa grande nação e os Estados Unidos em completa
ruína, a honra nacional da União Soviética permanecera
intacta?”
Foi um momento crucial na Guerra Fria, uma época em
que os chefes de duas forças nucleares viram-se
descompassados em relação a suas respectivas burocracias
nacionais de segurança. Khruchov tinha plena consciência
de que a história política soviética era uma épico de sangue
e traição, de saídas repentinas e violentas do palco. Mas ele
não era o único chefe de superpotência a temer por sua
segurança.
 
1 . Office of Strategics Services, agência de inteligência criada durante a
Segunda Guerra Mundial e precursora da CIA. [N. T.]
2 . O mais alto conselho militar do presidente dos Estados Unidos, que
compreende os comandantes do Exército, da Marinha, da Força Aérea e do
Corpo de Fuzileiros Navais. [N. T.]
3 . Referência ao episódio que deu origem à guerra dos Estados Unidos contra
a Espanha em 1898. O encouraçado Maine foi alvo de uma explosão na baía
de Havana. A imprensa americana imediatamente acusou pelo atentado os
espanhóis, que à época ainda colonizavam Cuba. Diante do desinteresse do
povo americano, William Randolph Hearst, à frente do New York Journal,
desencadeou uma campanha antiespanhola, clamando por vingança e
repetindo incansavelmente “Lembrem-se do Maine! Para o inferno a
Espanha!”. [N. T.]
4 . Grupo anticastrista originalmente criado por estudantes da Universidad de
La Habana. [N. T.]
5 . Sociedade política fundada em 1786 por membros do Partido Democrata dos
Estados Unidos e que deixou de existir na década de 1960, suspeita de usar
métodos ilegítimos para garantir o controle de postos políticos no estado de
Nova York. [N. T.]
6 . Expressão que remete ao general Douglas MacArthur, comandante das
Forças Aliadas na Segunda Guerra Mundial, e a sua posterior demissão do
comando militar (em 1951), após entrar em desacordo com o presidente
Harry Truman sobre ações militares durante a Guerra da Coreia. [N. T.]
7 . Referência à Batalha do Álamo, travada em 1823, quando o Texas ainda
pertencia ao México, entre forças mexicanas e rebeldes texanos sitiados no
Forte Álamo, na qual quase todos os rebeldes foram mortos. [N. T.]
8 . NAACP (National Association for the Advancement of Colored People),
Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor. [N. T.]
9 . Literalmente, “Kennedy Defensores do Descaramento”. [N. T.]
10 . Grand Old Party, apelido do Partido Republicano. [N. T.]
11 . Nome de uma famosa canção dos confederados sulistas na Guerra de
Secessão (1861-
-65). [N. T.]
 

4
1963

Um clamor estrondoso irrompeu da multidão quando o


glamoroso presidente e a primeira-dama adentraram o
Orange Bowl a bordo de um brilhante conversível branco.
Um mar de bandeiras cubanas e americanas se agitava
freneticamente nas tribunas do estádio. John F. Kennedy
atravessou energicamente o gramado até as fileiras de
homens com amassadas fardas cáqui, saudando-os e
apertando-lhes a mão. Alguns usavam bengalas, mas
permaneciam orgulhosamente eretos sob o ofuscante sol de
Miami. Era sábado de manhã, 29 de dezembro de 1962. Os
homens da Brigada 2506, sobreviventes da Baía dos Porcos
e das prisões de Castro, finalmente haviam sido libertados,
e Kennedy estava lá para recebê-los de volta em casa.
Vários dos conselheiros do presidente haviam-no alertado
com firmeza contra a ideia de comparecer à cerimônia do
Orange Bowl. Kenny O’Donnell foi um deles; ele estava
preocupado com as consequências políticas daquilo que
podia ser um evento emocionalmente volátil. “Não vá lá”,
disse a Kennedy, quando o presidente ligou da mansão da
família em Palm Beach, onde passara o Natal. “Depois de
tudo pelo que você passou com Castro, não pode
comparecer no Orange Bowl e pagar um tributo a esses
rebeldes. Isso vai parecer como se você estivesse
planejando dar o troco com uma nova invasão de Cuba.”
Mas Bobby — sempre mais exaltado que Jack no que dizia
respeito à questão de Cuba — convenceu seu irmão a
participar. Uma decisão que acabou se mostrando
desastrosa.
Quando um dos líderes da brigada, Erneido Oliva,
presenteou Kennedy com a bandeira que os rebeldes
haviam escondido ao serem presos, JFK, em geral
reservado, de repente perdeu sua ponderação.
“Comandante, posso lhe assegurar”, proclamou ele em tom
cada vez mais alto, “que essa bandeira irá voltar à sua
brigada na Havana livre.”
Todos os membros da brigada, mais de 1.100 homens,
aprumaram-se num instante, comemorando com vigor.
Gritos de “Guerra! Guerra!” e “Libertad! Libertad!”
varreram o estádio. Alguns rebeldes caíram em prantos.
Os conselheiros de Kennedy estavam pasmados. Goodwin,
que havia escrito o discurso do Orange Bowl, disse mais
tarde que JFK “saiu do roteiro [...], aquela frase sobre levar
de volta a bandeira para Cuba libertada não estava no
texto. Ele se deixou empolgar pelo momento”. Mas um
relatório da CIA, datado de 28 de dezembro de 1962, e que
acabou sendo divulgado, revela que a teatral cena da
bandeira havia sido cuidadosamente coreografada por
Bobby Kennedy de antemão, junto com os líderes eLivross.
Em todo caso, o apelo à guerra de JFK era o pior medo de
O’Donnell, e se tornava realidade. A erupção do presidente
parecia prometer que os Estados Unidos iam organizar
outra invasão à ilha. “Diplomaticamente, era a pior atitude
que um presidente dos Estados Unidos podia tomar
naquela época”, escreveu ele depois.
O próprio JFK percebeu seu erro. Alguns dias depois, ele
se encontrou com repórteres em sua casa de Palm Beach
para esclarecer a política em relação a Cuba. Seu governo
não tinha nenhuma intenção de apoiar uma nova invasão
nem de impor um novo regime a Cuba, deixou claro
Kennedy, a menos que Castro cometesse um ato grave de
agressão. Mais uma vez, o presidente havia soprado as
velas dos rebeldes cubanos, fazendo em seguida desinflar
suas alentadas esperanças. Era o mesmo padrão de
ambivalência que havia caraterizado a política do governo
desde a Baía dos Porcos. Os Kennedy tinham um discurso
firme em relação ao regime de Castro e exacerbavam as
paixões dos cubanos eLivross, mas logo puxavam
bruscamente as rédeas da guerra.
As atitudes antagônicas de Kennedy em relação a Cuba
tinham certa lógica política — a intensão era refrear as
ambições de Khruchov e Castro na América Latina e
desarmar as pressões direitistas em casa, e ao mesmo
tempo evitar o risco de guerra. Mas isso inflamou os
ânimos dentro da comunidade de cubanos eLivross, em que
o nome de Kennedy acabou virando sinônimo de traidor.
Uma violenta raiva começou a infectar os trópicos políticos
de Miami, um mundo sombrio em que alianças instáveis
entre eLivross, gângsteres e espiões fomentavam tortuosas
conspirações e sonhos de glória revolucionária. Durante a
participação de JFK no Orange Bowl, um assassino
potencial estava emboscado na multidão, carregando
dentro de uma bolsa de lona uma espingarda desmontada,
equipada com telescópio. O Serviço Secreto e a polícia de
Miami mais tarde receberam informações sobre o suspeito,
que foi descrito como um jovem e musculoso cubano, mas
foram incapazes de rastreá-lo.
No verão de 1963, o remoinho de intrigas no submundo
anticastrista estava chegando ao cume. A confusão reinava
enquanto os Kennedy tentavam impor seu controle sobre os
grupos de eLivross de ação orientada, como o Diretório
Revolucionário Estudantil (DRE) e o Alpha 66,1
incentivando ou não suas incursões contra Cuba, de acordo
com a política do momento. A CIA declarava que esses
grupos anticastristas estavam fora de controle, mas os
rebeldes eram muito dependentes do financiamento da
agência, e nunca houve certeza de que os frequentes
desrespeitos desses grupos à política de Kennedy não
tenham de fato sido instigados por espiões em Langley ou
Miami.
O DRE era um dos favoritos da CIA. Fundado em 1954
como um grupo de estudantes católicos contrários ao
ditador Batista, mais tarde orientou suas operações
secretas contra Castro, e transferiu sua sede para Miami
em 1960. O feito mais notório do grupo — um ataque
noturno em agosto de 1962, quando duas de suas lanchas
atiraram em direção a um hotel de Havana situado à beira-
mar, onde estava Castro — foi explicado pelo Departamento
de Estado como um livre ato de piratas executado sem o
conhecimento ou apoio do governo. Na verdade, o ousado
ataque havia sido cuidadosamente elaborado na base
JM/WAVE da CIA em Miami.
Foram dias estranhos, marcados pela emergência de
personagens misteriosos. Em agosto de 1963, o DRE se
envolveu com um enigmático jovem chamado Lee Harvey
Oswald. Ele se apresentou à célula do grupo em Nova
Orleans como simpatizante da causa anticastrista, mas
então se exibiu publicamente ao distribuir folhetos pró-
Castro e brigar com membros do DRE em via pública. Será
que o misterioso ex-soldado da Marinha, que havia
desertado para a União Soviética e posteriormente
regressado aos Estados Unidos com surpreendente
facilidade, era um aventureiro de esquerda — ou estava
interpretando um papel de clandestino junto ao DRE com o
apoio da CIA? Mais uma vez, a verdade era opaca.
O DRE não foi o único grupo de eLivross cubanos a cruzar
o caminho de Oswald naquele verão. De acordo com Angelo
Murgado, um veterano da Baía dos Porcos, ele e seus
companheiros eLivross não somente observaram as
suspeitas atividades de Oswald em Nova Orleans, em
agosto de 1963, como fizeram um relatório sobre ele para
Bobby Kennedy.
Murgado estava alinhado com a facção de eLivross
cubanos liderada por Manuel Artime, líder político da
brigada. Assim como Murgado, Artime havia lutado
brevemente ao lado de Castro, mas, na qualidade de um
devotado estudante de medicina treinado pelos jesuítas,
logo se afastara das iniciativas comunistas de Fidel e fugira
da ilha com a ajuda da CIA. Artime era um dirigente cheio
de artimanhas. Católico conservador, ele se estabeleceu
como o “queridinho” da CIA, construindo uma amizade
muito forte com o agente reacionário Howard Hunt. Porém,
mostrou tanta piedade liberal que também conquistou o
apoio de Kennedy, dizendo a um de seus companheiros de
liderança na brigada que “a única maneira de controlar os
comunistas em Cuba era com amor”, e declarando aos
representantes americanos que o governo que substituísse
Castro deveria abraçar reformas sociais para impedir uma
volta à crueldade medieval da era Batista. Artime tinha
acesso a Bobby Kennedy; encontrava-se com ele no seu
escritório de Washington e em Hickory Hill, a mansão da
família em Palm Beach. Um relatório secreto do
Departamento de Defesa sobre ele o descrevia como
alguém “inteligente, agressivo, enérgico, impetuoso e
dogmático” — um perfil bem parecido com o do
procurador-geral. Mas RFK nunca confiou totalmente em
Artime como confiara em Harry Ruiz Williams. Ele era
próximo demais da CIA. E, além disso, Artime só estava
interessado em si mesmo.
Segundo Murgado, ele participou com o grupo de Artime
de ataques apoiados pela CIA em Cuba, contaminando
campos de cana de açúcar e gado com toxinas. Alguns
veteranos da brigada entraram para o Exército americano,
mas Murgado escolheu se juntar à guerra secreta da CIA
em Havana. Treinado em métodos de coleta de informações
da inteligência, ele começou a detectar atividades suspeitas
entre alguns de seus companheiros eLivross em Miami, um
nível perigoso de fofocas relacionadas ao presidente
Kennedy. Levou sua preocupação a Artime, que a princípio
relutou em fazer qualquer coisa com medo de trair alguns
camaradas cubanos. Mas, disse Murgado, Artime terminou
concordando em agendar uma reunião com Bobby Kennedy
para que eles pudessem alertá-lo sobre as ameaças contra
seu irmão.
Hoje em dia, Murgado é um homem robusto e grisalho,
com quase 65 anos e uma personalidade animada e
eloquente. A história que ele relatou era temperada com
linguajar bem coloquial e o rico sabor do sotaque cubano.
Ele falou abertamente sobre suas interações com Bobby,
mas de repente se fechou diante de perguntas relativas aos
seus companheiros cubanos eLivross e ao assassinato de
JFK.
Murgado disse que ele e Artime se encontraram pela
primeira vez com Bobby na mansão de estilo mediterrâneo
coberta de telhas vermelhas dos Kennedy, no North Ocean
Boulevard, em Palm Beach. A única outra pessoa que
participou dessa reunião foi mais um veterano da Baía dos
Porcos associado a Artime e cujo nome era Manuel Reboso
(Artime morreu de câncer em 1977, e Reboso, segundo
informações, saiu dos Estados Unidos e não foi localizado).
No primeiro encontro, Murgado disse que estava surpreso
de ver a Rex, a nau capitânia da guerra secreta da CIA em
Cuba, ancorada nas águas do Atlântico, em frente à casa de
Kennedy. “Costumávamos carregar lanchas na Rex e, a três
milhas da costa cubana, colocá-las na água cheias de
homens prestes a atacar”, disse-me Murgado. “Perguntei
para Manolo [Artime], ‘Que diabo a Rex está fazendo na
frente da casa de Bobby?’” Para os eLivross, era mais uma
indicação do quanto RFK queria controlar a operação
cubana.
Durante a reunião, Murgado informou o procurador-geral
de sua preocupação em relação ao crescente sentimento
anti-Kennedy nos círculos de eLivross cubanos. “Eu lhe
disse que precisávamos ficar de olho nesse pessoal. Eu
estava com medo que um de nossos homens enlouquecesse.
E ele disse: ‘Você está tentando me dizer que pode vir
algum problema dos cubanos [anticastristas]?’. E eu lhe
disse: ‘Sim. Da mesma maneira que muitas pessoas estão
tentando atingir Castro, há muitas pessoas querendo
atingir o presidente dos Estados Unidos... Temos um monte
de filhos da puta enlouquecidos querendo derrubar
qualquer coisa’.”
Segundo Murgado, Artime tentou minimizar a ameaça,
mas Bobby o olhou com intensidade arrebatadora. “Ele era
um camicase fanático no que dizia respeito à proteção de
seu irmão. Dá até para dizer que era isso que o guiava.
Nada podia atingir o presidente se Bobby estivesse no meio
do caminho. Eu gostaria de ter tido um irmão com vinte por
cento do que Bobby sentia por Jack. Teria sido o cara mais
feliz do mundo. É por isso que eu gostava tanto dele. Até
hoje, agora mesmo, conversando com você sobre ele, fico
muito comovido. Os cubanos são extremamente
emocionais. Estamos falando de alguém com muita
convicção e muita raça.”
Murgado disse que Bobby lhe pediu que ficasse de olho
na alarmante atividade dos eLivross cubanos e lhe fizesse
relatórios. “Perguntamos: ‘Por que não conta ao presidente
e usa a CIA ou o FBI?’. E ele respondeu: ‘Não, não, não’ —
ele não confiava em nenhum desses órgãos. E não queria
preocupar seu irmão com essa situação. Então saímos da
CIA e fizemos isso pessoalmente junto com Bobby.” O
procurador-geral pagou as despesas de Murgado de seu
próprio bolso, segundo o veterano da Baía dos Porcos. “Ele
nos perguntava: ‘Quanto vocês gastaram?’. E dizíamos:
‘Oitenta e seis dólares e cinco centavos’.” Murgado não
conseguiu apresentar nenhuma prova desses pagamentos.
Mas montar operações privadas de inteligência foi uma
prática corrente de Bobby Kennedy durante toda a sua
carreira política.
No verão de 1963, o trabalho de vigilância de Murgado o
levou a Nova Orleans, onde se deparou com um curioso
gringo chamado Lee Harvey Oswald. Murgado e seus
companheiros observavam Oswald no dia em que ele
distribuiu sua propaganda pró-Castro na rua. Mais tarde,
encontraram pilhas dos panfletos de Oswald no escritório
de Carlos Bringuier, um dos representantes locais do DRE,
que havia disputado com Oswald para ver quem gritaria
mais alto e que, segundo o que a polícia de Nova Orleans
relatou, parecia ter sido uma situação encenada. (Bringuier
era um líder eLivros extremamente anti-Kennedy que havia
jurado desrespeitar as severas medidas tomadas pelo
governo contra os ataques de seu grupo em Cuba.)
A equipe de Murgado chegou à conclusão de que Oswald
era informante do FBI. “Ele era um peão em um jogo
controlado pelo que chamo de ‘governo invisível’.” Para
entender o sombrio jogo de Oswald, Murgado disse que
eles até pensaram em eliminá-lo para ver quem ia tomar
seu lugar nessa operação clandestina. Mas foram
convidados pelo FBI a deixar a cidade. “Estávamos prestes
a expurgar Oswald — você sabe, matar o filho da mãe —, e
o FBI nos impediu.”
Depois de regressar à Flórida, Murgado se encontrou de
novo com Bobby em sua casa de Palm Beach, onde lhe
apresentou um relatório sobre os alvos de sua vigilância,
inclusive o misterioso Oswald. Mostrou a Bobby fotos de
jornais em que Oswald distribuía seus panfletos pró-Castro.
Disse ao procurador-geral que, pelo que ele podia julgar,
Oswald estava ligado ao FBI. Bobby nunca ouvira falar de
Oswald, segundo Murgado, mas não parecia preocupado
com seu aparente papel no governo, e logo a conversa
rumou para outros assuntos. Murgado não voltaria a
pensar seriamente em Oswald até o dia 22 de novembro.
É incontestável que Murgado é uma figura muito
pitoresca. Declarou ter mudado seu nome para Angelo
Kennedy nos anos 1960, para homenagear o falecido
presidente a quem havia servido. Reconheceu que, depois
do assassinato de Kennedy, ele e o resto do grupo de
Manuel Artime tornaram-se tão cínicos em relação ao
governo dos Estados Unidos que continuaram a aceitar
subsídios da CIA para derrocar Castro enquanto faziam
contrabando de álcool, tabaco e armas a partir da
Nicarágua. (Apesar de haver relatórios mencionando o
contrário, ele insistiu em dizer que não faziam tráfico de
drogas.) Depois que sua carreira de “mercenário”, como
descreveu a si mesmo, chegou ao fim, Murgado trabalhou
como fiscal da cidade de Miami. Em 1999, foi preso por
receber propina em troca de favores de zoneamento, e mais
tarde reconheceu ser culpado dessas acusações. (Ele
fechou um acordo com os promotores que lhe permitiu
escapar da prisão.)
Todos esses fatos transformaram Murgado em uma figura
polêmica nos círculos que discutem o assassinato quando
ele de repente se tornou foco de todas as atenções em
2005, antes de rapidamente voltar às sombras. O
submundo anticastrista, de todo modo, nunca foi domínio
exclusivo de brilhantes cavalheiros. Teve uma boa cota de
heróis de reputação manchada e intrépidos trapaceiros,
como é comum em qualquer comunidade que viva à sombra
do império americano e que se sustente à base de sonhos
arruinados e impiedosas ambições. Apesar de seu passado
conturbado, a história de Murgado sobre Oswald e RFK
nunca foi contestada.
Se dermos créditos à história de Murgado, veremos nela
um significado histórico. Os pesquisadores do assassinato
por muito tempo especularam que Bobby já podia conhecer
o nome de Oswald quando este de repente estourou na
cena americana na tarde de 22 de novembro. Era o homem
a quem Bobby se referiu quando perguntou ao líder
anticastrista Harry Ruiz Williams naquela tarde: “Foi um de
vocês que fez isso?”. Será que RFK imediatamente associou
Oswald à guerra secreta contra Castro por causa do
relatório de espionagem de Murgado? Ou logo descartou
Oswald quando Murgado veio falar sobre esse assunto
porque, como sugeriram alguns pesquisadores, já havia
vinculado esse nome à guerra secreta do governo? A
história de Murgado pode fornecer uma importante pista
para o que Bobby compreendeu do crime. Pode ajudar a
explicar por que o irmão do presidente imediatamente
dirigiu suas suspeitas para o submundo anticastrista na
tarde de 22 de novembro.
 
A poucos dias de acabar o mês de novembro, os Kennedy
lutavam para controlar a proliferação de operações
relativas a Cuba. Algumas dessas atividades foram
condenadas pelo governo, outras não. Às vezes, um braço
do governo minava a política oficial. Às vezes, os próprios
Kennedy pareciam contraditórios, fazendo tanto planos de
contingência para outra invasão em Cuba, quanto abrindo
um canal secreto junto a Castro para negociar a paz.
Enquanto isso, a CIA seguia sua própria pauta, com um
repulsivo elenco que incluía mafiosos e eLivross
destemperados que davam pesadelos em Murgado. O
trabalho de Bobby consistia em permanecer no topo desse
sulfuroso miasma — tarefa que se tornou cada vez mais
urgente à medida que as ameaças contra seu irmão se
multiplicavam. Murgado acenou com a cabeça em sinal de
admiração ao se lembrar das assustadoras
responsabilidades que pareciam cair sobre os ombros de
Bobby. “Ele parecia ter vinte assuntos para resolver de uma
só vez. Não sei como um homem pode ter a capacidade de
lutar contra todas essas frentes ao mesmo tempo. Estava
além do meu entendimento.”
Em abril de 1963, dois anos depois da Baía dos Porcos, a
fervilhante frustração dos eLivross cubanos com o governo
Kennedy tornou-se pública quando José Miró Cardona,
distinto professor de direito em Havana que ocupara
brevemente o cargo de primeiro-ministro de Castro,
renunciou com alarde ao cargo de presidente do Conselho
Revolucionário Cubano baseado em Miami, uma coalisão
livre que servia de elo para os grupos de rebeldes
anticastristas. Miró apontou a repressão do governo contra
os ataques rebeldes em Cuba que se seguiram à Crise dos
Mísseis como a prova de que JFK havia fechado um acordo
com Khruchov para “coexistir” com Castro. Os Kennedy
haviam traído o movimento de libertação, e ele
enfaticamente declarou: “A luta por Cuba está em vias de
ser liquidada pelo governo [dos Estados Unidos]”.
No dia 5 de abril, dias antes de fazer sua tempestuosa
denúncia da política Kennedy, Miró havia visitado o
procurador-geral em seu escritório, onde ele o encontrara
em companhia de seu cachorrão babão e suas crianças
correndo por todo lado. O orgulhoso jurista de sessenta
anos disse a RFK que sua honra estava em jogo — ele havia
ficado ao lado dos Kennedy porque o presidente lhe
prometera, no ano anterior, que os Estados Unidos iam
desencadear uma invasão militar em Cuba, mas seu irmão
havia feito que ele se retraísse. Em toda a história de Cuba,
nenhum outro homem havia sido tão “insultado” quanto
ele, disse Miró a Bobby. Com larga testa, enormes óculos e
bigode grisalho, Miró projetava uma intensa aura
professoral. Ele passou quatro horas no escritório do
procurador-geral, apresentando sua causa com severidade.
Mas Kennedy não mudou de opinião. Disse a Miró que os
grupos eLivross não podiam continuar organizando ataques
em Cuba “bem debaixo de nosso nariz e sem nenhum
controle”. Para agravar a situação, disse o procurador-
geral, os grupos se vangloriavam de suas façanhas em
coletivas de imprensa. No que diz respeito à invasão militar
da ilha, continuou Bobby, Miró podia esquecê-la: “Doutor, já
o informamos desde o início que não haverá nenhum tipo
de invasão ou ação militar”.
Dois dias depois, Miró, ofendido, relatou a seu contato na
CIA o encontro com Kennedy. Depois de deixar o
Departamento de Justiça, disse o líder eLivros ao
representante da agência, ele desabafara tão amargamente
com um assistente de Kennedy que duvidava que “o
presidente ou o procurador-geral perdoassem o que [eu]
disse”. O governo tentou calar Miró antes que ele pudesse
disparar publicamente sua rajada anti-Kennedy. Prestes a ir
embora de Washington, o líder eLivros recebeu um
telefonema de um assessor da Casa Branca, ameaçando-o
de “ser taxado de traidor”, segundo um relatório da CIA,
que monitorava de perto a tempestade política. Mas Miró
retrucou orgulhosamente: “ele nunca seria um traidor dos
Estados Unidos porque não era cidadão americano e sua
primeira e única lealdade era a Cuba”.
A ruptura pública de Miró com o governo abriu as portas
para uma onda anti-Kennedy junto aos eLivross cubanos.
Desmond FitzGerald, o membro da CIA que havia
substituído Bill Harvey como responsável pelos assuntos da
ilha na agência, relatou ao diretor McCone, no dia 11 de
abril, que “parece haver um movimento dentro da brigada
cubana para organizar um pedido formal de devolução da
bandeira da brigada com a qual o presidente Kennedy foi
presenteado durante a cerimônia do Orange Bowl”. Isso
teria sido um constrangimento político prejudicial ao
governo, em um momento em que críticos republicanos,
como Richard Nixon, estavam repreendendo a Casa Branca
pelas reviravoltas da política em relação a Cuba. Sob o
presidente Kennedy, criticou Nixon naquele mês, havíamos
“prometido aos eLivross cubanos que sua bandeira seria
erguida em Havana, mas depois nos comprometemos a não
invadir”. O estandarte dos republicanos declarava estar na
hora de “fazer o necessário para remover o praça de armas
soviético instalado em Cuba”.
Bobby Kennedy manobrou em várias frentes para
desarmar essa bomba política. Trabalhou arduamente para
garantir que os veteranos cubanos, que ele chamava de
“creme de Cuba”, fossem amparados, recorrendo às suas
influências para que eles achassem trabalho e ajuda legal,
ou então trazendo os dois líderes eLivross para a
vizinhança, alugando casas para eles na estrada que levava
a Hickory Hill. Ele facilitou o ingresso de mais de duzentos
brigadistas no Exército americano, onde participaram de
um treinamento em Fort Benning, Geórgia, para o que eles
esperavam que fosse um ataque mais bem-sucedido a
Cuba. Explorou a possibilidade de criar uma unidade
especial do Corpo de Paz para eLivross cubanos e procurou
uma maneira de o governo incorporar outros em carreiras
de manutenção da ordem. As famílias dos membros da
brigada viam Bobby como seu assistente social. Em junho,
várias esposas de eLivross lhe escreveram para solicitar
ajuda na manutenção de subsídios previdenciários.
JFK era frio e calculista em sua maneira de lidar com a
política para Cuba, autorizando ataques à ilha quando
queria mandar um aviso especial a Moscou, e proibindo-os
quando queria melhorar suas relações com os soviéticos.
Ele tendia a olhar Cuba como um espetáculo secundário,
um simples peão no grande jogo de xadrez das
superpotências. Mas Bobby levava mais a sério a causa
apaixonada dos eLivross cubanos, desenvolvendo amizades
particularmente sólidas com os veteranos da brigada.
Sempre fascinado por homens cuja coragem havia sido
desafiada na batalha, RFK abraçou a causa de heróis como
Artime, Oliva e Williams. Ele horrorizava os esnobes
funcionários da CIA, como FitzGerald, que viam os eLivross
com desdém, convidando-os para se divertir em sua casa ou
para ir esquiar com sua família. “Sim, eu realmente acho
que ele sentia certa culpabilidade ou obrigação para com
eles”, disse John Nolan, o principal homem de Bobby para
Cuba. “Não era apenas por motivos políticos, embora ele
não fosse nem um pouco desinformado sobre isso. Acho
que ele se sentia em dívida para com eles. Procurava
tornar-se sempre disponível para os líderes da brigada,
independentemente do lugar ou do momento, fosse dia ou
noite.”
Embora as simpatias de Bobby fossem autênticas, ele
estava sempre alerta quanto à maneira como o
descontentamento político da brigada podia afetar seu
irmão. Em julho, o escritório do procurador-geral foi
informado de uma movimentação inquietante nos círculos
dos eLivross. Segundo um relatório confidencial do
Departamento de Estado enviado ao escritório de Kennedy
no dia 19 de julho de 1963, dois militantes, veteranos
ultradireitistas da Baía dos Porcos identificados somente
pelos sobrenomes, “Llaca” e “Andreu”, estavam
fomentando um audacioso estratagema para obrigar o
governo Kennedy a intervir em Cuba. (Deviam ser
provavelmente Enrique Orbiz Llaca e José Andreu Santos.)
Os dois tentavam “organizar um ataque de eLivross com a
finalidade de invadir uma cidade de Cuba, de preferência
alguma que tivesse pouca segurança, porém com uma
possante estação de rádio, e transmitir mensagens para a
Marinha americana, pedindo que viesse resgatá-los”. Se o
governo Kennedy não tivesse respondido enviando forças
militares, a rebelião teria sido derrotada, criando um
pesadelo político para a Casa Branca semelhante à
sangrenta repressão de Moscou contra a Insurreição
Húngara de 1956. Segundo o que o relatório apontava, essa
parecia ser uma meta real para os conspiradores. Depois
que os que lutavam pela liberdade tivessem se
transformado em mártires vítimas das forças de Castro,
“Kennedy, que não teria feito nada, seria acusado de ter
abandonado os rebeldes quando tinha um pretexto perfeito
para atacar. Resultado: JFK entraria na campanha eleitoral
de 1964 como um notório covarde e traidor de sua própria
palavra”.
O complô de Llaca e Andreu — que haviam boicotado a
cerimônia do Orange Bowl em protesto a JFK — já era
sinistro em seus próprios termos. Mas o que tornava o
esquema ainda mais desconcertante era a fonte de ajuda
dos dois eLivross. Llaca e Andreu eram “apoiados pelos
mesmos republicanos simpatizantes de John Birch que
participavam do movimento Goldwater”, segundo o
relatório do Departamento de Estado. Eram as mesmas
pessoas endinheiradas e influentes, destacava o relatório
mais adiante, que também apoiavam o Citizens Committee
for a Free Cuba.2 Esse grupo de propaganda anticastrista
foi fundado em 1962 por Paul Bethel, ex-diretor da Agência
de Informação americana em Cuba e amigo próximo de
David Atlee Phillips, o chefe da desinformação da agência
para o golpe da Guatemala e a Baía dos Porcos. Entre os
outros membros de destaque do grupo, estava a antiga bête
noire dos Kennedy, o almirante aposentado Arleigh Burke;
William Pawley, um empresário direitista de Miami
profundamente enfronhado no mundo da inteligência; o
jornalista de Miami, Hal Hendrix, que tinha vínculos com a
CIA; e a formidável Clare Boothe Luce — esposa do barão
da mídia Henry Luce, que publicava as revistas Time e Life,
jornalista, dramaturga, ex-embaixadora na Itália, e uma
mulher que também tinha estreitos vínculos com a agência
de inteligência.
Em outras palavras, o complô Llaca-Andreu representava
uma verdadeira tempestade política para os Kennedy, uma
perigosa convergência dos inimigos mais ferrenhos dos
irmãos — unindo o extremismo anticastrista, a riqueza da
ala direitista e a inteligência dos Estados Unidos para
abalar a Casa Branca. Não há registro da maneira como
Robert Kennedy respondeu a essa ameaça. Ao que tudo
indica, os dois eLivross nunca conseguiram tomar o
controle da cidade cubana. Essa, porém, não foi a única
iniciativa daquele verão para publicamente humilhar os
Kennedy. Nem foi o único complô envolvendo Pawley e os
Luce.
 
***
 
Em uma linda manhã de junho de 1963, o Flying Tiger II,
um iate de 65 pés pertencente a William Pawley, deixou seu
cais na elegante Sunset Island, na baía de Biscayne, em
Miami, rumo ao estreito da Flórida. Era o começo de uma
expedição de alto risco que, conforme esperavam seus
planejadores, ia prejudicar de tal maneira a presidência de
Kennedy que os eleitores decidiriam que ela não se
estenderia para além de 1964. A bordo do barco estava um
grupo de personalidades visceralmente anti-Kennedy que
mais tarde chamariam a atenção da Comissão Warren e de
outros investigadores do assassinato. Entre eles estavam
John Martino, ex-perito em segurança dos cassinos de
Havana controlados por Santo Trafficante que acabaria se
juntando a Johnny Rosselli para compor seus grupos de
matadores anticastristas; William “Rip” Robertson, um
veterano da CIA nas operações da Guatemala e da Baía dos
Porcos que havia transferido sua lealdade para o ditador
Somoza, na Nicarágua; e Eduardo Pérez, mais conhecido
como Eddie Bayo, um heroico guerrilheiro castrista que
havia se voltado contra a revolução, juntando-se ao violento
grupo de eLivross Alpha 66, um dos mais desafiadores
grupos anti-Kennedy.
Foram Bayo e Martino que deram o pontapé inicial à
expedição quando fizeram circular uma carta que
supostamente havia saído de modo clandestino dos meios
anticastristas de Cuba. A carta declarava que dois coronéis
soviéticos baseados em Cuba sabiam onde estavam
escondidas na ilha armas nucleares russas, em violação do
acordo firmado entre Kennedy e Khruchov durante a Crise
dos Mísseis. Os dois russos queriam desertar e obter asilo
nos Estados Unidos. Nos círculos direitistas americanos,
espalhavam-se rumores de uma traição soviética desde que
os líderes das duas superpotências haviam negociado o fim
da crise nuclear. Kennedy tinha certeza de que concorreria
à reeleição no ano seguinte usando o ato de glória
diplomática que havia afastado o mundo da beira do
precipício. E se seus inimigos políticos pudessem produzir
a prova chocante de que ele havia sido enganado pelos
soviéticos, tinha certeza de que o povo iria se voltar contra
sua presidência.
Logo que Bayo e Martino começaram a fazer circular a
carta, a maquinaria direitista anti-Kennedy entrou em ação.
Depois de ouvir a história, um jornalista conservador
chamado Nathaniel Weyl, que havia testemunhado contra
Alger Hiss3 no começo dos anos 1950, ligou para Jay
Sourwine, conselheiro-chefe da Comissão de Segurança
Interna do Senado. Era a notória comissão de caça às
bruxas presidida pelo senador James O. Eastland, o
poderoso racista do Mississípi que havia enfrentado os
Kennedy na questão Ole Miss. Se os dois desertores
soviéticos testemunhassem diante da comissão Eastland, o
governo seria obrigado a se defender em um tribunal
decididamente hostil. Mas o amigo de Weyl, o jornalista
conservador Ralph de Toledano, tinha uma ideia melhor.
Depois que Toledano conversou com Barry Goldwater, ficou
decidido que “os russos seriam imediatamente convidados
para o rancho de Goldwater no Arizona”, lembrou-se Weyl
mais tarde, “que [o senador] organizaria uma coletiva de
imprensa para que eles pudessem contar sua história ao
mundo, e que ele lhes daria dinheiro suficiente para que
pudessem começar uma vida nova nos Estados Unidos”.
O estratagema publicitário seria um surpreendente golpe
cruzado contra a presidência de Kennedy. O espetáculo
midiático não somente humilharia Kennedy perante os
olhos do país e do mundo, como impulsionaria a campanha
do homem que estava determinado a substituí-lo.
Para montar a expedição, os conspiradores recorreram ao
rico negociante de passado nebuloso, Bill Pawley. Pawley,
de 67 anos, havia levado o tipo de vida pitoresca que fez a
fama dos “antigos dime novels”,4 como decrito em seu
obituário posteriormente publicado  no New York Times,
combinando façanhas financeiras no além-mar com intrigas
de capa e espada. Depois de ter ganhado uma fortuna com
o boom imobiliário da Flórida nos anos 1920, Pawley criou
linhas aéreas em Cuba e na China, vendendo-as à Pan
American Airways. Na China, ele ajudou a organizar o
Flying Tigers, o lendário time de pilotos americanos que
lutou contra o Japão antes de Pearl Harbor. Depois da
guerra, interessou-se pela América Latina, comprando a
rede de ônibus de Havana e exercendo a função de
embaixador no Peru e no Brasil. Esse era seu currículo
oficial, mas o Pawley não oficial fazia parte da antiga rede
da CIA. Como amigo próximo de Allen Dulles, utilizou sua
cobertura diplomática e de homem de negócios para
executar tarefas clandestinas em nome da agência, tendo
um papel-chave no golpe da Guatemala e aconselhando o
presidente Eisenhower a aprovar o plano da Baía dos
Porcos.
Pawley era um ferrenho defensor do assassinato como
ferramenta de política internacional, especialmente quando
se tratava de Castro. Ele teria pagado o quanto fosse para
que alguém se aproximasse o suficiente do líder cubano e
conseguisse eliminá-lo, gabava-se em voz alta. Quando
Eisenhower o nomeou, em 1954, para fazer parte de uma
comissão de inquérito da CIA conhecida como Comissão
Doolittle, Pawley fez questão de que seu relatório final
desse a Dulles o poder total que o diretor da CIA queria
para conduzir a Guerra Fria do seu jeito. Diante de “um
inimigo implacável”, concluía o relatório, os Estados Unidos
deviam aprender a lutar de maneira ainda mais brutal que
seus oponentes. “Não existem regras nesse tipo de jogo”,
expunha a comissão, usando um linguajar que refletia a
visão em preto e branco do mundo de Pawley. O povo
americano podia não gostar disso, mas ia ter que se
acostumar com “essa filosofia fundamentalmente
repugnante”.
Anticomunista veemente, Pawley se insurgiu contra
supostos simpatizantes de Castro dentro do Departamento
de Estado, que ele culpava pela perda de Cuba. Dirigira a
campanha presidencial de Nixon na Flórida, depois de ter
trabalho junto com o vice-presidente em um plano secreto
de invasão da Ilha. Após o episódio da Baía dos Porcos,
culpou a “traição” do presidente Kennedy pelo desastre.
Posteriormente, Eisenhower organizou um encontro entre
JFK e Pawley para ver se as opiniões linha-dura de seu
antigo conselheiro podiam influenciar o jovem presidente.
O encontro — que aconteceu no Salão Oval no dia 9 de
maio de 1962 — foi um desastre. Kennedy começou
perguntando a Pawley o que ele deveria fazer em relação a
Cuba na sequência da Baía dos Porcos. “Acho que devemos
lançar dez mil fuzileiros navais nos arredores de Havana”,
respondeu o descarado magnata. Pawley conhecia uma
plantação de cana de açúcar na periferia da cidade “que
seria um excelente ponto de reunião”. Mais tarde, outra
atenciosa sugestão ocorreu ao veterano de Cuba, que a
enviou por carta à CIA: o presidente talvez quisesse
considerar a possibilidade de invadir um país soberano em
um dia em que convenientemente as Nações Unidas não
estivessem em sessão. Mais tarde ainda, Pawley se queixou
que Kennedy o desdenhara e nunca mais lhe pedira
conselhos, apesar das insistentes recomendações de
Eisenhower nesse sentido.
Mas Pawley continuou operando sua guerra particular
contra o regime de Castro. Depois de abortada a tentativa
do DRE de bombardear o líder cubano na praia do Hotel
Icar, o milionário soldado da fortuna adotou os ousados
jovens militantes. Até conseguiu convencer alguns dos ricos
defensores de suas causas a patrocinar a compra de
lanchas para o DRE, “de forma bem semelhante à maneira
como os estudantes católicos costumavam apadrinhar
órfãos estrangeiros que chamavam de ‘bebês pagãos’”,
segundo uma observação mordaz. Uma dessas mães
adotivas era Clare Boothe Luce, que se referia à tripulação
dos três homens que bancava como “meus jovens cubanos”,
levando-os a Nova York em várias ocasiões para cobri-los
de afeto materno. Mais tarde, Luce declarou que as
revelações anteriores a respeito dos mísseis russos
localizados em Cuba — que constrangeram politicamente o
governo Kennedy quando foram relatadas ao senador
Kenneth Keating, de Nova York — provinham dos jovens
rebeldes de suas lanchas. “A informação que trouxeram era
extremamente acurada”, declarou ela depois, com orgulho.
O arrogante Pawley trazia para suas operações
dissimuladas o mesmo sabor empresarial que levava a seus
vastos empreendimentos comerciais. Queria levar a cabo
missões de alto risco que a CIA, com a qual mantinha laços
estreitos, achava complicado assumir oficialmente. Era um
agente independente que tinha amigos na alta esfera da
“companhia”, à qual deixava a oportunidade de negar
qualquer responsabilidade. A pedido da CIA, ele tentara
convencer seu velho amigo Fulgencio Batista a deixar seu
palácio na hora em que os guerrilheiros de Castro se
aproximavam de Havana, em um último e desesperado
esforço para evitar a revolução, substituindo o desprezado
déspota por uma junta militar. Também fracassara ao
tentar persuadir o sanguinário Rafael Trujillo, da República
Dominicana, a fazer o mesmo em uma reunião noturna,
pouco antes de os assassinos armados pela CIA cuidarem
pessoalmente do assunto. Quando Pawley falou por telefone
com o senador Eastland, pedindo-lhe que organizasse a
missão secreta cubana com a qual os inimigos de JFK
esperavam acabar com a presidência, o milionário lhe disse
que teria que verificar com a CIA, e que aceitaria
empreender essa missão de alto risco somente depois de
obter a aprovação e a assistência da agência.
Pela primeira vez, o enérgico agente e elegante magnata
de cabelo grisalho e óculos estava a bordo do Flying Tiger
II, navegando por águas cubanas. Revistara cada homem
que subira no seu iate para garantir que não havia nenhum
agente duplo de Castro que pudesse sequestrar o barco.
Para ter certeza, manteve três homens da CIA a bordo
durante a viagem, com as armas apontadas para Bayo e seu
comando cubano.
Como no caso Llaca-Andreu, a missão Bayo-Pawley serviu
perfeitamente para unir aqueles que detestavam JFK. Além
dos homens da trindade anti-Kennedy — a CIA, a Máfia e o
submundo dos eLivross anticastristas —, havia dois
representantes das publicações de Luce, um repórter da
Life chamado Richard Billings e um fotógrafo freelancer
contratado pela revista (nenhum dos dois era conhecido
por seu fervor anti-Kennedy). Pawley estava incomodado
com a ideia de a imprensa acompanhar a viagem, mas seus
superiores no governo a aprovavam. Os patrocinadores da
expedição pensavam que uma divulgação em uma popular
revista ilustrada teria um enorme impacto político. E
segundo Weyl, eles estavam preocupados com o fato de que
Kennedy pudesse frustrar seus planos interceptando o iate
ou que os desertores russos desaparecessem, indo “para
um local desconhecido [...] por motivos de segurança
nacional”. Para garantir que Kennedy não estragasse seus
planos, lembrou-se Weyl, “os russos iam ser fotografados a
bordo por um fotógrafo da revista Life. Henry Luce poderia
ver que suas revelações haviam alcançado o mundo”.
Instalado no topo de seu império Time-Life, Luce era um
dos magnatas mais poderosos do país e um dos partidários
mais influentes do poder global dos Estados Unidos. Filho
de um missionário presbiteriano, ele acreditava que os
Estados Unidos tinham uma missão messiânica de salvar o
mundo por meio do capitalismo e dos valores norte-
americanos. “A missão de nossa nação é tornar os homens
livres”, declarava ele, uma filosofia que promovia com
ardor em suas publicações durante a Guerra Fria, que, a
seu ver, devia ser levada a cabo não somente para conter o
comunismo, como para erradicá-lo.
Apesar de suas gritantes diferenças sobre guerra e
intervenção, Luce e Joseph P. Kennedy compartilharam uma
duradoura amizade, “boa e sólida, que ambos os homens
apreciavam”, segundo as palavras do correspondente
político do grupo Time-Life, Hugh Sidey. Era o confortável
acordo entre dois homens poderosos e autodidatas que
fumavam juntos seus charutos, e que aparentemente não se
deixou abalar nem mesmo quando Kennedy dormiu com
Clare durante uma visita que os Luce fizeram à embaixada
dos Estados Unidos em Londres antes da guerra. Joe
Kennedy fora até o apartamento de Luce no Waldorf-Astoria
para assistir à indicação oficial de JFK para representar o
Partido Democrata. “Foi um momento marcante de minha
vida”, lembrou-se Luce mais tarde. “É incrível sentar com
um velho amigo e ver o filho dele aceitar a indicação para
concorrer a presidente dos Estados Unidos.”
Joe Kennedy não conseguiu convencê-lo a apoiar seu filho
na disputa à presidência, mas os Luce estiveram presentes
naquela tarde de janeiro de frio cortante, quando JFK fez
seu juramento. O chefão da imprensa ficou comovido ao
ouvir ecos de sua própria e exuberante teologia americana
no compromisso do novo presidente de que deveríamos
“nos opor a todos os inimigos para garantir a sobrevivência
e o sucesso da liberdade”. Sua esposa predisse que
Kennedy provaria ser um líder igual a Eisenhower, ainda
tendo como bônus o fato de ser muito mais bonito. “O clã
Kennedy é divertido e muito agradável aos olhos”,
comentou.
Mas os Luce ficaram decepcionados com Kennedy depois
da Baía dos Porcos, usando o púlpito de sua revista para
repreender com regularidade o governo por sua fraqueza
evidente. Usando a caneta contra o jovem presidente que
outrora havia apoiado, Clare o repreendeu declarando que
Cuba era uma questão “não somente de prestígio, mas
também de sobrevivência americana”. No verão de 1963,
as relações entre o figurão da Time-Life e o governo
Kennedy estavam tão desgastadas que JFK tentou
consertar as diferenças convidando os Luce para almoçar
na Casa Branca. Logo o clima da tarde azedou. Luce foi tão
insistente quanto a Kennedy entrar em guerra contra Cuba,
que o presidente acabou perdendo a paciência. Quando JFK
sugeriu que Luce era um belicista, o almoço terminou de
forma brusca. Os Luce se levantaram antes da sobremesa e
foram embora da Casa Branca.
Luce voltou diretamente para a sede da Time-Life, no
centro de Manhattan, onde organizou uma memorável
reunião como os principais membros da equipe editorial.
Disse a seus editores que não se podia contar com o
governo Kennedy para enfrentar o bastião do comunismo
no Caribe. A Time-Life o faria. O grupo empresarial
começou a enviar fundos para ataques anticastristas,
comprando histórias exclusivas sobre as escapadas e até
fornecendo seguro de vida para os comandos e os
correspondentes que acompanhavam os ataques. “Com
essa diretiva”, notaram ironicamente Warren Hinckle e
William Turner, autores de Deadly Secrets, livro de 1981
que desvendou a guerra secreta contra Castro, “Luce, o
grande inovador editorial, inventou uma nova forma de
jornalismo pela qual agora está sendo creditado... o
jornalismo paramilitar”. Mas o ataque de Bayo e Pawley,
para o qual Henry Luce contribuiu com 15 mil dólares (com
Pawley em pessoa acrescentando outros 22 mil), tinha uma
missão ainda mais inquietante. A meta era não somente
ferir o regime de Castro, como também derrubar a
presidência dos Estados Unidos. Se seu filho um dia
“mostrar algum sinal de fraqueza em relação à causa
anticomunista, ou, para ser mais preciso, qualquer titubeio
na defesa do progresso do mundo livre”, Luce um dia
avisara seu amigo Joe Kennedy, “então, com certeza,
estaremos contra ele”. O barão da imprensa agora estava
tornando real sua ameaça.
O fato de Luce, antigo amigo da família, querer participar
de um golpe tão extraordinário contra a presidência de
Kennedy mostra a que ponto haviam chegado as
divergências sobre seu governo nos círculos da elite do
país. As esporádicas tentativas do jovem presidente de
romper com o regime de Guerra Fria instituído no país
provocaram uma violenta reação na velha guarda, que
achava que Kennedy colocava o país em risco.
Assim como a iniciativa Llaca-Andreu, o esquema dos
desertores soviéticos provou ser um fracasso. Na noite de 8
de junho de 1963, o Flying Tiger II ancorou a dez milhas da
província Oriente, em Cuba. A cidade de Baracoa estava
“iluminada como uma igreja” no horizonte lúgubre,
lembrou-se Pawley mais tarde. Bayo e cerca de doze
homens do comando se amontoaram em uma lancha
carregada com armas fornecidas pela CIA que devia
despachá-los para a costa. Nunca mais se ouviu falar do
ataque. Pawley, que havia insistido com Bayo para que a
lancha não fosse carregada com tantos homens, concluiu
que o barco afundou antes de chegar à terra. Outros
pensam que os tripulantes foram capturados ou mortos
pelas forças castristas. De qualquer modo, nenhum
desertor soviético foi levado discretamente para fora de
Cuba. Mais tarde, alguns pesquisadores concluíram que a
história dos desertores era um ardil criado por Bayo e
Martino para encobrir a introdução de armas de alta
potência em Cuba com o objetivo de assassinar Castro.
Mas, no final da vida, Weyl insistiu que não fora esse o
caso. Quando foi abordado pelos conspiradores “para
encontrar um iate e resgatar os desertores”, anotou o
jornalista em sua biografia de 2003, eles sabiam que ele
“não tinha acesso a armas de fogo”. Procuraram-no por um
simples motivo: porque fazia parte da rede de propaganda
anti-Kennedy. Não havia qualquer dúvida em relação à
finalidade da missão fracassada, escreveu Weyl: era “para
derrotar Kennedy”.
Há uma curiosa nota final na história de William Pawley.
Anos mais tarde, o veterano aventureiro internacional
chegou a despertar suspeitas nos investigadores do
assassinato de Kennedy. Alguns chegaram a afirmar que
Pawley teria sido o típico agente independente que a CIA
subcontratava para uma “ação executiva”5 como a de
Dallas. Gaeton Fonzi — um investigador baseado na
Flórida, da Comissão Seleta da Câmara dos Representantes
sobre Assassinatos, que reabriu o caso Kennedy no final
dos anos 1970 — colocou Pawley no começo da lista de
pessoas que planejava entrevistar para o inquérito do
Congresso. Mas, no dia 7 de janeiro de 1977, uma semana
depois que Fonzi havia enviado sua lista de convocações
para a comissão, Pawley foi encontrado em sua mansão de
Sunset Island caído na cama, morto com um tiro no peito.
Os investigadores, que declararam que Pawley, de oitenta
anos, sofria de “distúrbios nervosos”, concluíram que ele
mesmo havia disparado a arma. Ele deixou uma breve
mensagem escrita à mão para sua esposa, Edna: “A dor é
maior do que o que posso suportar”.
 
Quando se tratava de Cuba, os Kennedy eram mestres na
arte do estratagema. Sua destreza era projetada para
manter a região de conflito do Caribe fora das manchetes e
assegurar que não se tornaria uma questão crítica na
futura disputa presidencial de 1964. Será que pretendiam
invadir Cuba mais uma vez antes da eleição e acabar de
uma vez por todas com Castro? O presidente desmentiu
veementemente essa ideia em público, mas ordenou em
segredo que o Pentágono e a CIA estivessem preparados
para essa invasão. Os Kennedy mantiveram um discurso
para os líderes cubanos eLivross, e o oposto para os outros.
Mesmo décadas depois, testemunhos contraditórios de
membros do governo e inextricáveis pistas de documentos
governamentais levaram os pesquisadores de Kennedy a
informações confusas e a conclusões contraditórias.
Em 2005, dois pesquisadores independentes, Lamar
Waldron e Thom Hartmann, publicaram um livro de 904
páginas em que sustentavam que o presidente Kennedy de
fato estava se preparando para derrubar Castro,
escolhendo até a data em que o complô iria acontecer — 1o
de dezembro de 1963. Segundo os autores, os Kennedy
estavam combinando com um alto oficial cubano a
organização de um golpe e em seguida a invasão da ilha
para garantir a posse de um regime amigo em Havana. O
livro, Ultimate Sacrifice [Sacrifício final], foi baseado em
dezessete anos de pesquisa exaustiva e continha muitas
joias que esclareciam a política do governo em relação ao
país caribenho e ao assassinato de JFK. Mas sua afirmação
de que Kennedy estava apoiando um plano de golpe, ou
invasão, poucos dias antes de ser assassinado, não
convence.
Os autores, entretanto, podem ser perdoados por suas
conclusões equivocadas. Ao longo de 1963, a política dos
Estados Unidos para Cuba foi coberta por neblina e
sombra. A confusão parecia ser o mote. Ao mesmo tempo
que Bobby dizia a José Miró que o governo não tinha
nenhuma intenção de invadir a ilha, alimentava as
esperanças dos líderes da brigada, Manuel Artime, Erneido
Oliva e Harry Ruiz-Williams, de que logo estariam em
Havana. Ele encorajou Artime a montar campos de
treinamento na Nicarágua com o apoio do ditador Somoza;
deixou Oliva acreditar que iria liderar a invasão,
comandando a unidade de veteranos treinados pelos
Estados Unidos em Fort Benning; e disse a Williams que
dirigiria o governo provisório pós-Castro, despertando
tanta ansiedade em seu amigo cubano que este começou a
montar seu gabinete de ministros.
Ao longo de 1963, Bobby se encontrou frequentemente
com os líderes eLivross. Estes costumavam telefonar tanto
para o procurador-geral que, em julho, ele pediu a eles que
parassem “por causa dos crescentes rumores que o ligavam
a certas iniciativas contra Cuba”, de acordo com um
relatório da CIA. RFK encontrou-se com Artime, Williams e
outros rebeldes até o dia 17 de novembro, e havia
programado novo encontro para o dia 21 ou 22 de
novembro, conforme um relatório do Exército.
Em janeiro de 1963, logo depois que Artime e Oliva foram
libertados por Castro, Bobby os convidou para ir a Hickory
Hill, onde assegurou a ambos os líderes eLivross “que o
governo estava engajado em libertar Cuba”, lembrou-se
Oliva. “Sentimos que dessa vez conseguiríamos a vitória.” É
por esse motivo que ele continuou acreditando nos
Kennedy, escreveu Oliva anos mais tarde, em um artigo em
que explicava por que entregara pessoalmente a sagrada
relíquia da brigada, a bandeira, ao presidente no Orange
Bowl. Oliva, ex-oficial do Exército cubano, era um dos
heróis da Baía dos Porcos. Liderou os 370 homens sob seu
comando com brilho e coragem, chegando a parar um
tanque Stalin, que vinha em direção à sua companhia, com
um canhão de 57mm. Após sua captura, Oliva recebeu na
cadeia uma visita noturna de Che Guevara. Os líderes
revolucionários cubanos não conseguiam entender por que
Oliva, o único líder negro da brigada, havia se juntado ao
ataque dos ianques contra sua nova e corajosa sociedade.
Por que deixara Cuba?, perguntou-lhe Che. Porque havia
sido tomada pelos comunistas. Estava com medo de ser
executado? “Sim”, respondeu Oliva. E também teve “medo
do dentista quando precisou arrancar quatro dentes”.
Oliva nunca duvidou que o presidente Kennedy estivesse
prestes a invadir Cuba, mesmo após ter sido informado do
acordo que JFK fizera com Khruchov posteriormente à
Crise dos Mísseis. “O presidente que havia falhado conosco
na Baía dos Porcos estava verdadeira e sinceramente
arrependido”, escreveu Oliva anos depois. Até o dia em que
JFK morreu, Oliva insistiu em dizer que o presidente estava
trabalhando para “retificar seu erro histórico e libertar
Cuba”.
Talvez Bobby Kennedy também acreditasse nisso. Talvez
imaginasse mesmo que a vitória finalmente reluziria sobre
esses líderes eLivross, aqueles cuja coragem e cujos
valores ele tanto admirava. Durante o ano de 1963, o
governo certamente estava se preparando para essa
eventualidade. Planos de contingência militar em Cuba
circularam entre os diferentes escritórios do governo,
documentos elaborados que simulavam como Washington
responderia caso tais ou tais fatos improváveis
acontecessem no país caribenho — ou em Berlim, ou no
Laos, já que JFK estava sempre preparado para ter de
invadir a ilha caso os soviéticos avançassem uma peça
ameaçadora no tabuleiro de xadrez das superpotências.
Porém, o mais provável é que o procurador-geral,
profundamente empático, não conseguisse contar a
verdade aos líderes rebeldes: os Kennedy não queriam
entrar em guerra para libertar a ilha. Joseph Califano
estava em um lugar de destaque e testemunhou os
torturantes esforços de Kennedy para acalmar os veteranos
da brigada. Na qualidade de jovem assessor especial do
secretário do Exército, Cyrus Vance era encarregado da
tarefa de integrar os combatentes da Baía dos Porcos no
Exército norte-americano. Califano estava preocupado com
a incapacidade de Kennedy de ser franco com os eLivross.
“Era inquietante, e complicava muito meu trabalho”,
escreveu ele em sua biografia de 2004. RFK “não conseguia
admitir para eles, e talvez nem para si mesmo, que os
Estados Unidos não pretendiam apoiar outra invasão”.
Kennedy se aproximou da verdade ao dizer a Harry
Williams que haveria um momento em que seus interesses
iriam divergir. “Chegaremos a um ponto em que os
interesses nacionais dos Estados Unidos e os interesses de
vocês, cubanos que querem voltar a seu país, não estarão
mais em acordo”, lembrou-se anos depois o líder eLivros
revelando a advertência do próprio Bobby. Foi a maneira
que Bobby escolheu para alertar o amigo, mas nada podia
minguar o otimismo de Williams em relação à iminente
libertação de sua terra natal.
Robert McNamara me confirmou que o presidente
Kennedy não tinha verdadeira intenção de invadir Cuba
depois da Crise dos Mísseis, apesar dos planos de
contingência e das operações de treinamento conduzidas
pelo Exército. Kennedy planejava invadir Cuba em 1963?
“Não, de jeito nenhum”, respondeu McNamara. “E
havíamos dado a garantia a Cuba e aos soviéticos [depois
da Crise dos Mísseis] de que não invadiríamos. Agora, essa
garantia estava vinculada ao acordo com Khruchov para
remover os mísseis, o que ele havia feito, mas, sob a
supervisão das Nações Unidas, o que ele não havia feito.
Assim, tecnicamente, sustentávamos que não havia
nenhuma garantia. Mas, de fato e na prática, ela existia.”
Dick Goodwin reiterou que Kennedy não desejava invadir
Cuba de forma alguma. Lançar tamanha operação em 1963,
insistiu ele, teria sido um ato imprudente e insensato, o tipo
de loucura que Jack não tinha estômago para aguentar
depois de suportar duas crises em Cuba em dois anos. “Por
que ele teria feito isso? Castro na verdade não era uma
ameaça para nós, já que os russos haviam retirado seus
mísseis. Acredito que a ideia de tentar derrubar Castro
pouco antes das eleições [de 1964] seria simplesmente
absurda. Qualquer coisa poderia dar errado. Teria sido um
risco imenso e desnecessário.”
Bobby Kennedy conseguiu manter vivas as esperanças de
Artime, Oliva e Williams, mas a CIA observava com
desconfiança como ele manipulava e alimentava os sonhos
dos rebeldes. O procurador-geral continuava a gritar com
os responsáveis da inteligência, exigindo que infligissem
maiores danos ao regime de Castro, mas eles sabiam que
os Kennedy não levavam a ideia aos extremos. Des
FitzGerald — o belo tenista e ex-advogado de Wall Street
que havia tomado o lugar do desgrenhado e bêbado Bill
Harvey — tinha uma relação menos envenenada com RFK.
Mas o destemido procurador-geral ainda lhe telefonava em
casa, repreendendo o autocrático aristocrata da CIA como
se fosse um mero garoto encarregado das toalhas em um
clube. Barbara Lawrence, enteada de FitzGerald ainda se
lembra muito bem das tensas ligações telefônicas que seu
padrasto recebia de  Bobby no fim de semana, na casa de
campo da Virgínia: “O telefone tocava, e era Robert
Kennedy. Lembro-me de uma cena em que meu padrasto
saiu da varanda fechada que tínhamos na fazenda, logo
depois de ter falado com Bobby, e ele estava exasperado”.
FitzGerald enfurecia-se com a forma como o irmão do
presidente controlava cada detalhe da política para Cuba, e
fazia seu próprio jogo secreto com os líderes eLivross de
sua preferência. O homem da CIA considerava ainda as
ações dos irmãos Kennedy em Cuba gestos chamativos que
talvez produzissem algumas faíscas e nada mais, como se
tentassem “amarrar uma pedra em um barbante para atirá-
la em cabos de alta-tensão”, comparou ele.
O exemplo mais extravagante de atuação anticastrista dos
Kennedy em 1963 foi a decisão de ajudar Artime a formar
seu exército particular. Os irmãos estavam preparados para
apoiar com generosidade líderes eLivross como Artime
desde que concordassem em montar suas operações fora
dos Estados Unidos, a uma distância suficientemente
grande de Washington. O governo fechou um acordo com
Somoza, da Nicarágua — o tirano que JFK havia
alegremente desdenhado perante Dick Goodwin logo
depois de tomar posse de seu cargo —, que autorizava
Artime a estabelecer campos de treinamento ali. Kennedy,
sem dúvida, percebia a ironia — e o cinismo — em se fazer
negócios com um notório ditador para se livrar de outro.
Mas a maior preocupação dos irmãos era conter o
problema dos eLivross cubanos, e o fato de enviar os
militantes para a América Central tinha alguma lógica
política.
A CIA percebeu o plano dos Kennedy e ficou irritada com
o fato de Artime, o queridinho da agência, não tê-lo notado.
À medida que Artime se tornava mais próximo de Bobby, a
CIA confiava menos nele. Os responsáveis pela operação
Cuba ficaram irritados ao ver o governo gastar dinheiro
com o exército particular de Artime, suspeitando que o
procurador-geral mais uma vez estava tentando deixar a
agência fora do assunto. Quando Artime, um homem jovem
e magro, de espessas sobrancelhas pretas e voz rouca,
visitou Washington, a CIA o colocou em uma casa em
Maryland com segurança e altamente grampeada. A
exótica namorada do líder dos rebeldes despertou as
suspeitas da agência — era uma bissexual que havia
frequentado a cama de Batista e de um ditador
venezuelano, e tirado a roupa para um ensaio pornográfico.
Langley se preocupava com o fato de que a animada vida
sexual de Artime pudesse comprometer sua reputação se
alguém divulgasse os detalhes sórdidos. E quem a agência
temia que tivesse o mesmo comportamento? Membros da
própria força-tarefa da CIA em Cuba, que se ressentiam da
posição privilegiada de Artime junto aos Kennedy.
Havia outro caso envolvendo sexo em Washington que os
dirigentes da CIA espreitavam avidamente por trás das
portas naquela época. Tratava-se de outro líder
sexualmente aventureiro cuja vida política e pessoal
interessava muito à agência: o presidente dos Estados
Unidos.
 
No dia 8 de março de 1963, o presidente e a primeira-dama
organizaram o que seria seu último jantar dançante na
Casa Branca. O convidado de honra era o presidente do
Banco Mundial, Eugene Black, o que era apenas uma
desculpa para que os Kennedy oferecessem uma grande
festa a seus amigos. Sem entender seu papel de cobertura,
Black convidou tanta gente que os Kennedy tiveram que
dizer aos seus próprios convidados para comer em outro
lugar e chegar somente a partir das 22h para dançar. Foi
então que a festa começou a ficar divertida. Ben Bradlee e
sua esposa, Tony, os quais certa vez Jackie havia chamado
de os melhores amigos do primeiro casal, aproximaram-se
de seus anfitriões no saguão do primeiro andar. “Ah, Tony,
você está resplandecente”, extasiou-se a primeira-dama
com sua voz sussurrante. “Meu busto é maior que o seu,
assim como minha cintura.” Os espíritos estavam animados
naquela noite — 33 garrafas de champanhe e seis garrafas
de bebidas mais revigorantes já haviam sido consumidas
pelos cerca de cem convidados, relatou JFK aos seus
amigos. (O presidente mantinha as contas porque
suspeitava que o estoque de bebidas alcoólicas da Casa
Branca estava sendo roubado.) Kennedy ostentava um
humor festivo naquela noite. Dando uma olhada no Salão
Azul iluminado por velas, onde acontecia o baile, ele
observou a luxuriosa diversidade de glamorosas convidadas
(que haviam sido “importadas de Nova York”, observou
Bradlee mais tarde) e suspirou: “Se você e eu pudéssemos
agir livremente, Benjy”.
Claro, Kennedy estava agindo livremente, embora depois
Bradlee tenha insistido em dizer que nunca soubera. E,
entre suas inúmeras amantes secretas, talvez a mais
intrigante tenha sido Mary Pinchot Meyer, irmã da mulher
de Bradlee. Meyer era uma parceira muito mais
impressionante que qualquer uma das garotas da Casa
Branca com as quais JFK se divertia, antes de descartá-las
sem mais cuidados, com uma facilidade digna do Rat
Pack.6 Loira de espírito livre, com cerca de quarenta anos,
ela era fruto da excêntrica família de sangue azul Pinchot.
Após se divorciar do inteligente e enérgico chefe de
propaganda da CIA, Cord Meyer, remodelou-se na boêmia
Georgetown, instalando-se como pintora em um ateliê
localizado atrás da casa dos Bradlee, na N Street.
Mary Meyer chegara à Casa Branca nessa fria noite de
inverno com seu estilo tipicamente pouco convencional,
destacando-se do mar de mulheres de longo por usar um
vestido de verão de chiffon que havia pertencido a sua avó.
Em determinado momento, Meyer desapareceu por tempo
suficiente para que as pessoas começassem a perguntar
“onde está Mary?”, lembrou-se sua irmã, Tony Bradlee.
Finalmente, seu acompanhante da noite, Blair Clark, antigo
colega de Harvard de JFK, foi procurá-la. Ao encontrar seu
par, constatou que seu rosto estava corado e o vestido,
molhado. “Ela estivera no primeiro andar com Jack, e
depois fora caminhar na neve”, lembrou-se Clarck. “E lá
estava eu, servindo de ‘álibi’ para Mary Meyer.”
A amante do presidente estava aborrecida e deixou a
festa cedo. Alguns especularam que Kennedy talvez tenha
tentado pôr um fim ao relacionamento. Bobby, o constante
vigia, deu um jeito de ela voltar para casa, levando-a até
uma limusine da Casa Branca e ajudando-a a se acomodar
no banco de trás. Mais cedo naquela noite, Adlai
Stevenson, o adversário liberal demasiadamente moderado
de JFK — um homem acostumado a ouvir confidências de
mulheres, enquanto seu rival mais jovem recebia outro tipo
de favores — ficou desconcertado quando Jackie, sua
vizinha na mesa de jantar, começou a compartilhar com ele
intimidades sobre seu casamento. “Não me importo com
quantas garotas Jack já dormiu”, disse ela, “desde que ele
saiba que está errado, e acredito que saiba. De qualquer
modo, isso acabou, por enquanto.”
Mas o caso de Kennedy com Mary Meyer não tinha
acabado. Ela continuou a ver o presidente na Casa Branca,
principalmente quando Jackie não estava, e em eventos
oportunos, como os salões de Georgetown organizados por
Joe Alsop. (Os arquivos da Casa Branca registram treze
visitas de Meyer em um período de dois anos.) Ao que tudo
indica, a relação começou no final de 1961 e durou até o
dia em que Kennedy morreu.
Eles se conheceram quando ambos estavam em um
colégio particular — o charmoso e magérrimo aluno de
último ano de Choate7 se intrometeu quando ela estava
dançando com seu namorado, William Attwood (que mais
tarde iria executar uma importante missão diplomática
para Kennedy), em um baile da escola em 1935.
Encontraram-se de novo em San Francisco depois da
Segunda Guerra Mundial, quando ela acompanhava o
marido na conferência de fundação das Nações Unidas, na
qual Kennedy estava trabalhando para os jornais de Hearst.
Ambos os homens se detestaram instantaneamente, uma
hostilidade que nunca desapareceu, mesmo quando os
Meyer se instalaram ao lado de Hickory Hill, mansão que
pertencera a Jack e sua noiva antes de a venderem a Bobby
e Ethel.
Cord e Mary Meyer formavam um trágico casal de
ricaços, saído diretamente das páginas de algum romance
de Scott Fitzgerald. Alto e muito bonito, aspirante a poeta
em Yale, Cord viu sua vida ruir durante a Segunda Guerra
Mundial, quando uma granada explodiu em sua trincheira,
em Guam, e os estilhaços atingiram seu rosto. Ele
sobreviveu, porém seu olho se transformou numa “geleia
inútil”, como escreveu mais tarde em “Waves of Darkness”,
um conto baseado em seu trauma de guerra que obteve o
prêmio O. Henry em 1946, na categoria de melhor obra
estreante. Depois de regressar da guerra, seu irmão gêmeo
foi morto na terrível Batalha de Okinawa. Meyer se
comprometeu a honrar “aqueles que morreram ao meu
lado” durante a guerra e “fazer com que o futuro pelo qual
morreram seja melhor do que o passado”.
Circunstâncias históricas para além de seu controle o
haviam ensinado a “destruir”, lamentava-se o sensível
jovem oficial da Marinha em seu diário durante a guerra.
Mas agora estava envolvido no movimento pela paz,
ajudando a organizar o Comitê dos Veteranos Americanos,8
a vertente liberal da Legião Americana,9 e se tornara
presidente do Movimento Federalista Mundial,10 que
preconizava um mundo sob o domínio racional e pacífico de
um único governo. De cabelo ondulado, dono de um sorriso
arrebatador e um rosto ainda mais marcante devido à
cicatriz de guerra, Meyer se tornou o ídolo dos
universitários liberais, que colocavam seu retrato na
parede dos dormitórios. Era um homem de futuro,
considerado um dos dez jovens de maior destaque dos
Estados Unidos pelos Jaycees.11 (Entre os dez estava
também um jovem congressista da Califórnia, Richard
Nixon.) E então, em 1951, ele de repente desapareceu da
cena pública. Havia entrado para a CIA.
Meyer sempre insistiu em dizer que não traíra seu
idealismo de juventude ao ingressar no sombrio submundo
da Guerra Fria. Apenas decidiu que enquanto as forças de
Stálin e da tirania comunista existissem a paz mundial não
seria possível. Segundo o que declarou a amigos, sua
cruzada continuava incólume, mesmo que agora estivesse
operando em segredo. Meyer fez parte de uma onda de
liberais idealistas e anticomunistas que ingressaram na CIA
após a Segunda Guerra Mundial. Ele subiria na hierarquia
até se tornar o segundo homem mais importante das
operações clandestinas da agência, chamada por seus
detratores de “departamento dos truques sujos”.
Entretanto, financiou em segredo sindicatos, grupos de
jovens, organizações de escritores e jornais literários —
uma missão que ele enxergava como a construção de um
bastião contra a ofensiva global da propaganda comunista.
O outrora promissor escritor, que de início pensou em
abandonar sua carreira na inteligência para se dedicar à
indústria editorial, deve ter tido certa satisfação ao
endossar o papel de patrocinador secreto. Mas quando sua
filantropia oculta veio à tona, no fim dos anos 1960, seus
detratores viram aí uma corrupção insidiosa da
infraestrutura liberal do país.
Cord Meyer nunca abandonou totalmente seu
temperamento criativo juvenil. Até mesmo sua amizade
com o macilento mestre das artes negras da CIA, o lendário
James Jesus Angleton — a pavorosa figura encarregada de
prevenir a agência contra qualquer infiltração comunista
—, fazia sentido nesse contexto. Eram os boêmios da
agência. Antes de alcançar sua alta posição dentro do
mundo da espionagem, Angleton, assim como Meyer, havia
sido um jovem poeta em Yale, editando a revista literária
Furioso, que publicava as obras de e.e. cummings e Ezra
Pound. O chefe da contraespionagem da CIA abordava seu
trabalho com excentricidade artística, tentando adivinhar
os estratagemas do mundo comunista a partir de seu
sepulcral escritório pesadamente decorado em Langley. Ele
saía de lá ao meio-dia para seu almoço rotineiro no Rive
Gauche de Georgetown, onde quase sempre se encontrava
com Meyer, passando a tarde à base de coquetéis, vinho
tinto e conhaque, como um libertino da Rive Gauche de
Paris. Não é surpreendente que Meyer, por suas tendências
visionárias e artísticas, tenha descoberto afinidades com
Angleton. O anglófilo, meio mexicano, chefe da espionagem
fazia parte da cultura WASP da CIA, mas a transcendia.
Com bochechas afundadas e olhos ardentes — um rosto
que sua própria mulher descrevia como uma emulação de
alguma obra de El Greco —, James Jesus Angleton parecia
um obcecado profeta da inteligência americana.
Apesar de Meyer insistir em dizer que não havia mudado
fundamentalmente, algo o havia endurecido por dentro,
ainda mais depois que ele e outros liberais da CIA se
tornaram alvo da caça às bruxas de McCarthy em 1953.
Allen Dulles o defendeu, salvando seu cargo, e ele foi
conduzido através de um burocrático processo de limpeza
por Richard Helms. Durante esse purgatório, Meyer
encontrou consolo na leitura de O processo, de Kafka. Mais
tarde, observou o biógrafo de Helms, Thomas Powers, “um
toque de aspereza e rigidez passou a permear o
pensamento político [de Meyer]; ele se tornou mais católico
que o papa, e pouco a pouco passou de um compromisso
com a paz e a amizade internacional a um fervor
anticomunista extremo”.
Meyer sentia-se cada vez mais sob o feitiço das sombrias
visões bizantinas de seu mentor da CIA, Angleton. “Cord
entrou para a agência com o frescor de um jovem idealista
e saiu como uma ferramenta desgastada de Angleton”,
observou Tom Braden, o primeiro chefe de Meyer na
inteligência. “Angleton era mestre nas artes obscuras. Ele
grampeava todos, inclusive a mim. O que Angleton
pensava, Cord pensava.”
Mary Meyer não estava feliz com a pessoa em que estava
se transformando o jovem reformador do mundo com quem
se casara. Nas festas de Georgetown, Cord Meyer se
tornou presença intimidadora e moralizante, fazendo que
os outros convidados se afastassem dele. Mesmo o
veemente anticomunista Joe Alsop o achava repulsivo,
descrevendo-o como “um homem brilhante mas
carrancudo, com certo talento para criar inimigos”. O casal
acabou se distanciando. Mary começou a ficar assustada
com os comentários de outras mulheres de membros da
CIA, que criticavam abertamente os métodos da agência.
Quando em 1956 seu filho Michael, de nove anos, morreu
atropelado por um carro na sinuosa estrada que passava
diante de sua casa em McLean, a relação do casal começou
a ruir. “Esse tipo de acontecimento pode fortalecer ou
arruinar um casamento de vez”, observou um amigo deles.
“Nesse caso, foi motivo de ruptura.”
Mary se divorciou de seu marido dois anos depois, uma
separação amarga na qual Cord “agiu como um corno do
século XVII”, segundo outro amigo, denunciando-a como
“uma mãe inapta” e comparando-a com “as prostitutas da
Babilônia”. Ela não demorou a seguir um rumo oposto ao
mundo rígido de ex-mulher em que vivia. Mergulhou na
cena artística de Washington, tendo um caso com um
artista mais jovem — o pintor abstrato em ascensão
Kenneth Noland — e abraçando um estilo de vida pré-
hippie que incluía um guarda-roupa repleto de blusas do
estilo camponês e meias-calças azuis, e um grupo de
terapia reichiana que prometia levar à iluminação por meio
da liberação orgástica.
É fácil entender por que JFK foi atraído por ela. A Mary
Meyer que entrou de novo em sua vida quando ele estava
na Casa Branca era a mesma beleza loira de brilhantes
olhos verde-azulados que encontrara na adolescência. Mas
agora a personalidade manhosa e espirituosa de Mary
possuía algo mais profundo, uma sabedoria prática e
irônica que deve ter combinado com seu sentido apurado
da tragédia absurda da vida. Ao contrário da maioria das
mulheres do círculo de Kennedy, inclusive a refinada Jackie,
Mary se sentia perfeitamente à vontade em uma sala cheia
de homens. Ela tinha senso de humor. “Quando ele estava
com ela, o resto do mundo podia ir para o inferno”,
observou o biógrafo de Kennedy, Herbert Parmet.
Embora Kennedy desfrutasse várias aventuras eróticas na
Casa Branca, observou James Angleton, com Mary as coisas
eram mais sérias. “Estavam apaixonados”, afirmou com
convicção o funcionário da espionagem. “Eles tinham algo
muito intenso entre si.” A esposa de Angleton, Cicely, era
amiga de Mary. Mas não foi por meio dela que essa
informação chegou até o marido. O espião tinha fontes mais
diretas, como ele mesmo declarou a jornalistas durante um
estranho período no final de sua vida em que fez muitas
confissões: ele pusera escutas nos telefones e cômodos da
casa de Mary em Georgetown. O voyeurismo de Angleton é
perturbador em vários aspectos. Há o alarmante espectro
de um oficial da CIA espiando a vida privada do presidente;
existe o lado assustadoramente perverso de espiar o quarto
da ex-mulher de um amigo próximo. E por fim existe outro
ângulo, que me foi sugerido por Ben Bradlee: “Acho que
[Angleton] talvez estivesse apaixonado por Mary. Eram
grandes, grandes amigos, e ele era um cara tedioso e
estranho, Jim”.
A bisbilhotice do funcionário da CIA pode ter sido
motivada por uma série inquietante de motivos ilícitos. Mas
o que importa aqui é o que ele descobriu sobre a relação
entre Kennedy e Mary Meyer, além de seus detalhes
eróticos. Mais tarde, Angleton iria declarar aos jornalistas
que os amantes usavam drogas, tendo fumado maconha e
até experimentado LSD. Segundo o espião, Meyer e
Kennedy tomaram uma dose pequena de alucinógeno,
depois do que, notou ele com tom de pudor incomodado,
“eles fizeram amor”.
A CIA não era avessa à experimentação de drogas. O
financiamento secreto, por parte da agência, de pesquisas
com o LSD em sujeitos voluntários ou não (dos quais ao
menos um se suicidou sob o efeito da droga), tem sido
considerado o desencadeador da contracultura dos anos
1960, a pior das consequências não intencionais. O
interesse da CIA pelas drogas psicodélicas se fundava no
seu possível uso militar; a agência estava curiosa quanto ao
potencial que o LSD podia ter para controlar a mente dos
inimigos. No entanto, Mary Meyer buscava algo bem
diferente nas drogas. Ela queria fazer que a estrutura do
poder de Washington trabalhasse em prol da paz mundial.
E não havia melhor lugar para começar essa ampla
transformação da consciência política da capital que com
seu poderoso amante.
Quando os czares da inteligência americana descobriram
as audaciosas experiências de Mary Meyer com o ácido, a
mente deles deve ter explodido. Ali estava a mais
contundente prova de que estavam lidando com uma
presidência aberrante. Kennedy não apenas recebia
injeções de estranhos coquetéis de medicamentos para
controlar a dor crônica nas costas e aumentar sua energia;
agora estava se submetendo à influência erótica da
peculiar ex-esposa de Cord Meyer, uma mulher que cada
vez mais parecia desequilibrada aos olhos de seus antigos
amigos da CIA, depois da morte de seu filho e do divórcio.
E a amante pouco convencional do presidente estava
envolvida em uma experiência de controle de mente
dirigida não contra o Krêmlin, mas à Casa Branca.
Para prosseguir com sua missão de paz psicodélica,
Meyer procurou a ajuda de Timothy Leary, o belo
trapaceiro bostoniano de origem irlandesa que começava a
ficar conhecido no país como principal defensor dos
poderes revolucionários do LSD. Quando ela se apresentou
em seu escritório do Centro de Pesquisa sobre a
Personalidade de Harvard, no verão de 1962, o professor
de psicologia de 41 anos ainda era apegado à
respeitabilidade acadêmica. Com exceção dos tênis
brancos, o homem de óculos e roupas de tweed ainda
aparentava, em todos os aspectos, ser um aspirante a
professor titular da Ivy League. Mas ele estava sendo
vigiado pelos supervisores mais conservadores de Harvard
— uma instituição que ele respeitava, mas que acabou
vendo como “a escola superior dos quinhentos executivos
da revista Fortune” — e também por seus rivais de
pesquisa sobre drogas em Langley. A atraente mulher de
meia-idade que, naquele dia, estava encostada de forma
provocadora contra sua porta era, assim como ele, uma
renegada — no seu caso, do mundo da CIA. E Leary — que
colecionava mulheres, celebridades e problemas — ficou
impressionado com o que viu: “Bela aparência. Lindas
sobrancelhas, penetrantes olhos verde-azulados, maçãs do
rosto bem desenhadas. Divertida, arrogante, aristocrática”.
Como ele escreveria mais tarde, ela o abordou com voz
fria: “Doutor Leary. Preciso falar com o senhor”. Entrou de
um jeito presunçoso em seu escritório e estendeu-lhe a
mão. “Sou Mary Pinchot. Venho de Washington para
conversar sobre algo muito importante. Quero aprender a
organizar uma sessão de LSD.”
Mary disse a Leary que tinha um amigo em Washington
“que é um homem muito importante”. Esse homem estava
curioso a respeito de suas experiências com o LSD e queria
experimentar a droga. Ela queria os conselhos de Leary
sobre a maneira de conduzi-lo através dessa viagem
psicodélica. Embora Mary não tivesse mencionado o nome
de seu poderoso amigo, não deixou dúvida nenhuma de
quem se tratava. “Ouvi Allen Ginsberg em programas de
rádio e televisão dizer que, se Khruchov e Kennedy
tomassem LSD juntos, acabariam com os conflitos
mundiais”, disse ela a Leary. “Não é essa a ideia — fazer
com que homens poderosos mudem de atitude?”
Leary concordou que valia a pena fazer uma tentativa.
“Veja o mundo”, disse ele. “As bombas nucleares estão
proliferando. Um número crescente de países é dirigido por
ditadores. Não há criatividade política. Está na hora de se
tentar algo, qualquer coisa nova e promissora.”
Durante o ano e meio seguinte, Mary continuou a entrar e
sair da vida de Leary, martelando sua cabeça sobre
protocolos para experiências com ácidos e solicitando
doses da droga para levar a Washington. Ironicamente,
Leary conhecera Cord, mas não Mary, na época em que, no
Comitê dos Veteranos Americanos, ambos os jovens
visionários haviam entrado em conflito. Leary ficou
surpreso com o fato de alguém com mente tão aberta
quanto Mary ter se casado com um homem cuja
personalidade ele achava intransigente. “Mary era muito
mais sociável, divertida e viva [do que Cord] — ele era uma
máquina monstruosa”, disse Leary mais tarde.
Na meia-idade, o ex-marido de Mary passou a aceitar com
amargura as terríveis realidades do mundo. “Você tem que
viver com o pesar”, disse Cord a um visitante em sua casa
de Georgetown, um domicílio que o visitante descreveu
como “notável por sua ordem digna de um museu”. Meyer
estava sentado no sofá, limpando seu cachimbo. “Qual foi a
observação de Carlyle? Acho que foi Carlyle”, perguntou-se
em voz alta. “Alguém lhe disse: ‘Eu aceito o universo’, e ele
respondeu: ‘É melhor que aceite mesmo’.”
Mas Mary não aceitava o universo. Ainda ardia na febre
utópica que ela e Cord sentiam em sua visionária
juventude. Ia usar o poder transcendente do sexo e das
drogas — os encantos mágicos que a emergente geração
dos anos 1960 achava capazes de mudar o mundo — para
enfeitiçar a estrutura do poder de Washington.
Até o entusiasta Leary achava a ambição de Mary
“assustadora”. Pode-se então imaginar como tudo isso
parecia alarmante para os responsáveis da inteligência que
estavam espionando Mary e observando seu caso com o
presidente.
No inverno de 1963, Mary pediu para ver Leary de novo,
encontrando-o em seu quarto do Ritz-Carlton Hotel, em
Boston. Visivelmente tensa, ela disse ao guru dos ácidos
que suas experiências com drogas em Washington estavam
progredindo sem percalços, mas que seu caso havia sido
“exposto publicamente”. Um de seus amigos, disse ela,
“havia ficado bêbado e falado em uma sala cheia de
jornalistas sobre seu namorado”. É possível que ela
estivesse se referindo ao notório incidente de janeiro de
1963, quando Phil Graham, o editor cada vez mais instável
do Washington Post, que mais tarde se suicidaria, pegou o
microfone em uma reunião da indústria jornalística no
Biltmore Hotel, em Phoenix, Arizona, e fez um discurso
incoerente durante o qual expôs o caso entre JFK e a
amante “favorita” do presidente, Mary Meyer. (Kennedy
despachou na mesma hora um avião da Força Aérea com o
psiquiatra de Graham a bordo para pegar o editor, que foi
sedado e ficou hospitalizado durante várias semanas.) A
bomba de Graham foi abafada, disse Mary a Leary. “Vi isso
centenas de vezes com políticos da mídia”, disse ela.
“Manipulação de notícias, informações ocultadas,
desinformação, truques sujos.”
A última vez que Leary viu Mary, lembrou-se ele, ela
estava profundamente consternada. Ela ligou para a casa
dele em Millbrook, no estado de Nova York, para onde ele
havia transferido sua pesquisa após sair de Harvard, e
pedira que fosse buscá-la na aldeia. Enquanto passeavam
de carro pela esplendorosa paisagem outonal, em que as
árvores brilhavam com o que Leary descreveu como uma
intensidade de “tecnicolor”, Mary lhe disse que suas
experiências com drogas em Washington haviam
fracassado. “Tudo estava indo tão bem. Tínhamos oito
mulheres inteligentes que estavam mudando a cabeça dos
homens mais poderosos de Washington. E então fomos
descobertas. Fui muito tola. Cometi um erro no
recrutamento. Uma mulher nos delatou. Estou com medo.”
Mary começou a chorar. Disse ao pesquisador de drogas
que ele precisava tomar muito cuidado. “Estou com medo
por você. Estou com medo por todos nós.” Leary pensou
que ela estivesse ficando paranoica. Ele estendeu a mão
para afagar o cabelo da mulher. Mas o alarme disparado
por ela começou a se infiltrar nele. Se ela aparecesse de
repente na casa dele, perguntou Mary, poderia se esconder
lá por algum tempo? Leary assegurou que sim. Então, ela
se despediu dele. E Leary nunca mais ouviu falar de Mary
Meyer.
Em 1965, após voltar de uma viagem ao redor do mundo,
Leary tentou encontrar sua velha amiga. Lembrando-se de
que Mary havia se formado no Vassar College, de Nova
York, ele ligou para o escritório dos alunos para saber do
paradeiro dela. A simpática secretária que atendeu a
ligação se tornou sombria ao ouvir Leary pronunciar o
nome de Mary. “Lamento dizer que ela, hã... faleceu”, disse
a Leary. “Acredito que tenha sido no outono do ano
passado.” Procurando como louco nos antigos recortes do
New York Times que recebia de um contato naquele jornal,
Leary começou a soluçar quando descobriu o que havia
acontecido. No último mês de outubro, enquanto passeava
pelo velho Chesapeake ao longo do canal de Ohio, em
Georgetown, Mary recebeu dois tiros, um na cabeça e
outro no coração. Não foram encontradas provas de que
Mary, que havia deixado sua bolsa em casa, tenha sido
roubada ou sofrido algum ataque sexual. Um suspeito foi
preso — um operário afro-americano de 25 anos chamado
Ray Crump Jr. Contudo, mais tarde Crump foi inocentado
do crime, que nunca foi solucionado.
O assassinato de Mary Meyer se tornaria uma das mais
desconcertantes e estranhas tramas secundárias do drama
Kennedy. Pesquisadores de assassinatos estudaram todas
as possibilidades ao redor do crime, procurando possíveis
vínculos entre os assassinatos dos dois amantes secretos. O
aparecimento espectral de James Angleton nessa história
de Meyer contribuiu muito para criar uma névoa de
suspeitas em torno do caso.
Depois do assassinato, Ben e Tony Bradlee receberam
uma ligação internacional urgente de uma amiga de Mary,
Anne Truitt, que lhes contou que ela mantinha um diário
com informações confidenciais. Mary havia solicitado que o
diário fosse destruído caso algo lhe acontecesse, relatou a
amiga. Quando os Bradlee foram procurar o diário,
primeiro na casa de Mary e depois em seu ateliê,
encontraram Angleton, um tanto embaraçado, também
aparentemente procurando as reveladoras confissões. Na
primeira vez, o espião — conhecido como “O Serralheiro”
nos círculos da CIA — estava dentro da casa de Mary,
fuçando em seus pertences. Na segunda vez, os Bradlee o
encontraram tentando arrombar a fechadura do ateliê de
Mary. O espião se esgueirou, sem dizer uma palavra sequer.
A história ficou ainda mais estranha no dia seguinte,
quando Tony Bradlee, após ter encontrado o diário e lido
sobre a relação de sua irmã com JFK, entregou-o a
Angleton para que ele dispusesse dele do jeito que achasse
melhor — como se a CIA fosse o único poder no mundo
capaz de destruir o documento. Mas Angleton não se desfez
do diário, e quando confessou isso a Tony, anos depois, ela
pediu que ele o devolvesse. Mais tarde, ela declarou tê-lo
queimado na lareira. “Ninguém sabe o que Angleton fez
com o diário enquanto esteve em posse dele, nem por que
não conseguiu seguir as instruções de Mary e Tony”,
escreveu Bradlee em sua biografia, de 1995, obra que
deixou mais perguntas em aberto do que ofereceu
respostas.
Em uma entrevista para seu livro, Bradlee foi vago sobre
o incidente Angleton, atribuindo a entrada ilegal do
funcionário da CIA e sua tentativa de arrombamento à sua
excentricidade e possível obsessão amorosa por Mary.
“Pensei que Jim fosse apenas como muitos outros homens
que tinham uma queda por Mary”, disse o lendário ex-
editor do Washington Post, sentado no seu escritório no
jornal, em que tem estatuto emérito. “Embora a ideia de vê-
lo como alguém apaixonado esteja além de minha
imaginação, especialmente com relação à Mary, que era
uma mulher muito atraente. E ele era tão esquisito! Parecia
estranho, fora de órbita. Sempre tramando algum tipo de
conspiração, quando não estava cuidando de suas
orquídeas. Era difícil ter uma conversa com ele. Aposto que
ainda existe um dúzia de cópias do diário de Mary em
algum lugar da CIA.” Bradlee negou que o diário contivesse
algum segredo sobre a CIA ou outra informação relevante
nas entrelinhas dos trechos sobre o caso com JFK. “Pensei
nisso ao escrever meu livro. Não acho que haja algo
escondido no fundo de minha mente que eu não tenha
dito.”
No enterro de Mary, na National Cathedral, em
Washington, Cord Meyer, de aspecto solene e resistente
como uma fortaleza, chorou sem controle. Durante a
cerimônia, foi consolado por seus dois maiores amigos na
CIA, Richard Helms e James Angleton, que se sentaram
junto com ele, um de cada lado, no banco da igreja. Um
relatório escrito na época por William Sullivan, o terceiro
homem na hierarquia do FBI, revelou que Helms e
Angleton “haviam estado muito envolvidos em assuntos
relativos à morte e ao enterro da senhora Mary Pinchot
Meyer”. Em uma entrevista dada anos depois à biógrafa de
Mary Meyer, Nina Burleigh, Helms não conseguiu se
lembrar por que motivo o falecimento de Mary Meyer
chamara tanto sua atenção.
Amigos de Mary disseram sentir que, de certa forma, seu
assassinato estava vinculado a sua relação com Kennedy,
mas não tinham prova disso. Durante os últimos meses de
sua vida, relatou sua biógrafa, Mary pareceu ser alvo de
uma inquietante vigilância, em que sua casa de
Georgetown foi arrombada mais de uma vez, até mesmo
quando ela e seus filhos estavam dormindo no primeiro
andar. “O que estão procurando na minha casa?”, queixara-
se várias vezes.
Em seu livro sobre o mundo repleto de intrigas de
Washington D.C., The Georgetown Ladies’ Social Club,
publicado em 2003, o autor C. David Heymann contou uma
história notável sobre a visita que fizera ao debilitado Cord
Meyer em uma casa de repouso de Washington, seis
semanas antes de ele falecer. Quem, segundo ele, havia
matado sua ex-esposa, perguntou Heyman a Meyer. “Os
mesmos filhos da puta que mataram John F. Kennedy”,
relatou com voz sibilante o homem da CIA, já muito doente.
Contudo, a credibilidade de alguns dos trabalhos anteriores
do autor fora contestada, e sua história sobre o último
testemunho de Meyer recebeu pouca atenção. A verdade
sobre o assassinato de Mary Meyer resta envolta na mesma
névoa que encobriu o falecimento de seu amante.
O que fica claro é que a vida pessoal de Mary Meyer
interessava muito à CIA, antes e depois de sua morte.
Angleton estava totalmente a par da extática influência que
ela exercia sobre o presidente. E acreditava que ela de fato
influenciava a política do governo, tentando levá-la para um
rumo mais pacifista. Em alguns círculos, isso fez que ela
fosse vigiada de perto. “Com sua combinação de
conhecimento e desdém pelas convenções, Mary Meyer se
tornou um tipo conhecido de fêmea, o da clássica mulher
perigosa”, escreveu Burleigh.
Mary Meyer era o vínculo de John Kennedy com um
futuro pós-Guerra Fria, que nenhum dos dois chegaria a
ver. Ela o conectou com a fantasmagoria de sexo, drogas e
exploração da mente que tomaria conta do final dos anos
1960. JFK, extremamente controlado, permitia-se apenas
provar amostras desses prazeres, mas com certeza isso foi
suficiente para dar calafrios no comando da segurança
nacional. Os oficiais da CIA estavam envolvidos em
pesquisas sobre drogas no intuito de tornar um inimigo
inofensivo. Preocupavam-se com o fato de Kennedy ficar
desarmado da mesma forma.
Uma amiga de Mary contou mais tarde a vez em que
levou meia dúzia de cigarros de maconha para a Casa
Branca, e Kennedy fumou três deles antes que produzissem
algum efeito. Fechando os olhos e deixando-se levar pela
fumaça, ele pensou como em um sonho: “Suponha que os
russos façam alguma coisa agora”. Os defensores da
Guerra Fria, que vigiavam as façanhas extracurriculares do
presidente, com certeza se faziam a mesma pergunta.
 
Como orador, John Kennedy ficou conhecido por dois
discursos — o famoso discurso de posse “Não perguntem”,
em que desafiou os americanos a alcançar novos patamares
no âmbito nacional, e o impressionante discurso “Ich bin
ein Berliner”,12 de junho de 1963, em que criticou um
sistema comunista que havia sido obrigado a confinar seu
próprio povo atrás de uma muralha. As imagens em vídeo
desses dois discursos-chave ficaram enraizadas na memória
nacional graças a inúmeras retransmissões.
Mas o maior momento de Kennedy como porta-voz de sua
nação aconteceu duas semanas antes da tumultuosa
aparição em Berlim, na manhã do dia 10 de junho, quando
ele fez um discurso de formatura na Universidade
Americana, em Washington. O Discurso de Paz, como ficou
conhecido, suscitou poucas reações naquele momento.
Contudo, continha uma das mensagens mais radicais já
proferidas por um presidente americano: é possível viver
pacificamente no mundo mesmo com os mais desafiadores
inimigos. Tratava-se de um conceito com profundas
implicações durante o ápice da Guerra Fria.
O presidente Kennedy apresentou suas declarações
visionárias em um palco enfeitado com bandeirolas
vermelhas, brancas e azuis, erguido no Reeves Athletic
Field da universidade. Olhando para a multidão reunida sob
um céu azul e sem nuvens, Kennedy escreveu uma nova
página da história ao propor o fim da Guerra Fria. Estava
na hora de os americanos e russos se livrarem do frio
controle do militarismo, disse ele. O público havia sido
doutrinado a acreditar que a paz era impossível, disse ele à
audiência, mas isso não era verdade. “Nossos problemas
foram criados pelo homem — portanto, podem ser
resolvidos por ele.” Durante a Guerra Fria, os discursos
políticos costumavam vilipendiar o inimigo comunista e
vangloriar o modo de viver americano. Porém, é notável
constatar que o discurso da universidade desafiou os
americanos, assim como os russos, a repensarem suas
atitudes em relação à paz e entre si. “Cada bacharel dessa
universidade, cada cidadão sensato que lamenta a guerra e
quer buscar a paz deve começar a olhar para si mesmo —
examinando sua própria atitude em relação às
possibilidades de paz, em relação à União Soviética, em
relação ao rumo da Guerra Fria e em direção à liberdade e
à paz aqui em nosso país”, declarou Kennedy. Seu apelo à
introspecção nacional sobre o grande conflito do momento
constituiu uma ruptura brusca com a retórica triunfalista
da época.
Então, Kennedy fez algo tão surpreendente quanto isso —
procurou humanizar os russos, os bichos-papões da Guerra
Fria. Os americanos podem “achar o comunismo
repugnante... mas nenhum governo ou sistema social é
demoníaco a ponto de seu povo ser considerado desprovido
de qualquer virtude”. Com essa declaração quebra-gelo,
Kennedy introduziu um trecho do discurso de arrebatadora
eloquência e empatia em relação ao povo russo — o inimigo
que toda uma geração de americanos havia sido ensinada a
temer e odiar — que hoje ainda tem o poder de inspirar.
Esse trecho acaba com cadência poética: “Todos nós
habitamos este pequeno planeta. Todos nós respiramos o
mesmo ar. Todos nós nutrimos esperanças quanto ao futuro
de nossos filhos. E todos nós somos mortais”.
O presidente concluiu o discurso esperando que os
Estados Unidos “nunca começassem uma guerra. Não
queremos uma guerra... Esta geração de americanos já
teve sua cota — mais do que sua cota — de guerra, ódio e
opressão”. Era uma contundente resposta aos membros
linha-dura de seu governo que preconizavam uma solução
militar preventiva para a Guerra Fria.
O Discurso de Paz provocou uma reação mista. Depois de
uma semana, havia suscitado apenas 896 cartas do público.
(Na mesma semana, a Casa Branca recebera mais de 28 mil
cartas em reação a uma notícia sobre os gastos do governo
com fretes.) Goldwater e outros republicanos de Capitol
Hill não deram muita atenção, descartando sucintamente —
e de forma previsível — o “tom mole” da declaração.
Moscou manifestou sua satisfação com o discurso,
autorizando que fosse transmitido na Rússia pela “Voz da
América” e reproduzindo o texto integral no jornal Izvéstia.
Contudo, onze dias após o discurso, Khruchov o usou para
ganhar pontos junto ao Comitê Central, espelhando-se de
forma estranha nos inimigos americanos de Kennedy ao
reduzir o apelo do presidente em favor da paz a uma
expressão de fraqueza. (No âmbito privado, entretanto, o
líder soviético o considerava “o melhor discurso feito por
um presidente desde Roosevelt”.)
O Discurso de Paz se tornou mais brilhante com o
decorrer do tempo, e o historiador Michael Beschloss
destacou “a fala lírica” como “de longe o melhor discurso
da vida de Kennedy”. Essa avaliação é compartilhada por
alguns dos últimos dignitários da administração. No fórum
“Recollecting JFK”, que aconteceu na Biblioteca Kennedy
em outubro de 2003, Robert McNamara ficou eufórico ao
evocar a declaração. “Deixem-me comentar esse discurso”,
disse à audiência. “A maior de parte de vocês, talvez todos,
nunca o leram, nem ouviram falar dele. Por favor, leiam-no.
É um dos grandes documentos do século XX.”
Em uma entrevista posterior, o ex-secretário da Defesa
refletiu sobre sua significação histórica. “O discurso da
Universidade Americana mostrou exatamente quais eram
as intenções de Kennedy”, disse-me McNamara, com voz
rouca devido à idade. “Se ele tivesse vivido, o mundo teria
sido diferente, tenho bastante certeza disso. Não tenho
certeza de que teríamos tido a détente mais cedo. Mas
tenho certeza de que o mundo teria sido menos perigoso.”
O decisivo discurso de Kennedy foi nada mais do que uma
tentativa de se acabar com a intimidação nuclear entre as
duas superpotências que mantinham o mundo sob seu jugo
havia mais de uma década, já que os soviéticos tinham
começado a testar bombas atômicas em 1949. Nos últimos
anos, tornou-se moda entre conservadores e liberais linha-
dura declarar que Kennedy foi um deles. Porém, o
inflamado discurso de Kennedy na Universidade Americana
mostra com clareza que ele não era mais um liberal da
Guerra Fria. “Não, Kennedy não era um defensor
reacionário da Guerra Fria”, comentou Ted Sorensen anos
depois. Era um pragmático, disse Sorensen, que sabia
profundamente o quanto a loucura dos homens podia levar
à tragédia. E estava determinado a desmilitarizar as
relações entre as potências nucleares antes que
acontecesse uma catástrofe.
Kennedy, homem realista, entendeu que a jornada para
acabar com a Guerra Fria ia se estender “por mil milhas”,
mas estava determinado a dar o primeiro passo. Embora
não tivesse ilusões em relação ao sistema soviético e suas
ambições, ele almejava romper com o exaltado feitiço da
demonologia anticomunista. Desde a Segunda Guerra
Mundial, os Estados Unidos haviam sido dominados por um
“establishment de guerra permanente”, nas palavras do
sociólogo anticonformista C. Wright Mills. Esse
establishment bélico — que incluía o poder executivo
militarizado e o setor corporativo, assim como a enorme
estrutura de defesa implementada no Pentágono —
justificava sua existência ao criar um contínuo e flutuante
estado de ansiedade e animosidade. “Pela primeira vez na
história americana, os homens nos altos cargos estão
falando sobre uma ‘situação crítica’ sem final previsível”,
escreveu Mills em sua duradoura obra de 1956, A elite do
poder. “Homens como esses são realistas loucos: em nome
do realismo, construíram uma realidade paranoica que lhes
é própria.” Mas a presidência de Kennedy tentou
abandonar esse reino do medo. A ousadia dessa tentativa
não foi apreciada em sua totalidade pelos historiadores.
O Discurso da Paz foi a obra-prima da criativa parceria
entre Kennedy e Sorensen. Aqui estava o coração do
governo posto a nu. O discurso nasceu das mais profundas
aspirações de Kennedy na qualidade de líder mundial — e
seu aguçado senso de timing político. Mas a linguagem
inflamada e utópica era de Sorensen. O historiador da
presidência, James MacGregor Burns, sugeria que os
líderes raramente alcançavam a grandeza sem levar suas
nações à guerra. Mas o que o discurso na Universidade
Americana propunha de forma eloquente era que uma
grande liderança na era nuclear vinha do fato de evitar a
guerra — uma espasmódica troca de fogo e veneno que
queria dizer “tudo aquilo que construímos, tudo por que
trabalhamos seria destruído nas primeiras vinte e quatro
horas”, como disse Kennedy à audiência naquela manhã.
No verão de 1963, JFK percebeu que a janela para um
progresso pacífico que se abrira depois da Crise dos
Mísseis de Cuba estava se fechando rápido, à medida que
os defensores da linha dura em Washington e Moscou
reafirmavam seu controle. Quando o papa João XXIII, que
havia ficado profundamente alarmado ao ver que a
humanidade ficara perto de sua própria extinção, chamou
Norman Cousins — editor da revista liberal Saturday
Review e ativista pela paz de longa data — para servir de
emissário informal entre o Vaticano, Washington e Moscou,
Kennedy não hesitou em conversar sobre estratégia com o
diplomata amador. Quando Cousins voltou de uma viagem à
Rússia — onde Khruchov divertira o emissário em seu
retiro no mar Negro, oferecendo-lhe rodadas de vodca e
jogando badminton com as duas filhas adolescentes de
Cousins —, JFK imediatamente quis ler seu relatório.
O presidente recebeu Cousins no Salão Oval, em que o
cidadão-diplomata se sentou em um amplo sofá enquanto
Kennedy lhe fazia perguntas. Fora, no gramado da Casa
Branca, músicos de colégio estavam se aquecendo para a
apresentação de um musical que havia sido organizada
pela primeira-dama. “Este é o departamento de Jackie, mas
Jackie não está aqui”, disse o presidente ao seu visitante,
em tom de desculpas. Bem à moda de Kennedy, o
presidente quis saber todos os detalhes pessoais do
encontro de Cousins e Khruchov. Sua casa de campo era
suntuosa? Com que energia o corpulento líder soviético
havia segurado a raquete durante a partida de badminton?
O editor de revista assegurou a Kennedy que seu homólogo
— apesar da idade, do físico e do considerável consumo de
vodca no almoço — havia jogado até que bem em uma
partida que nem o deixara “sem fôlego, nem corado”.
Então a conversa se desviou para assuntos mais
importantes. Cousins disse a JFK que Khruchov estava
ansioso para que fosse escrito um novo capítulo da relação
entre Estados Unidos e União Soviética. Ele concordou com
Kennedy que ambas as nações poderiam começar
assinando uma proibição dos testes de armas nucleares que
estavam espalhando veneno radioativo na terra. “Você quer
que eu aceite a boa-fé do presidente Kennedy?”, disse
Khruchov em determinado momento, sentando em uma
cadeira em frente a Cousins no terraço envidraçado de sua
datcha. “Tudo bem, aceito a boa-fé do presidente
Kennedy... Você quer que eu deixe todos os
desentendimentos de lado e recomece do zero? Tudo bem,
concordo em recomeçar do zero.”
Enquanto Cousins relatava sua conversa com o líder
soviético, Kennedy estava sentado tranquilamente em sua
cadeira de balanço com os olhos fixos no mensageiro da
paz. Embora Khruchov tivesse claramente expressado seu
desejo de avanço diplomático, continuou Cousins, ele
também enfatizou que se encontrava sob intensa pressão
política para manter uma postura pró-Guerra Fria. Isso
provocou uma resposta reveladora por parte de Kennedy.
“Uma das coisas irônicas sobre toda essa situação é que o
senhor Khruchov e eu ocupamos mais ou menos a mesma
posição política dentro do governo”, observou o presidente.
“Ele gostaria de evitar uma guerra nuclear, mas sofre dura
pressão de seus compatriotas linha-dura, que interpretam
cada passo nessa direção como uma conciliação. Tenho
problemas semelhantes. Entretanto, a falta de progresso
em direção aos acordos entre ambos os países fortalece o
grupo dos linhas-duras de ambos os lados, resultando no
fato de que esses grupos na União Soviética e nos Estados
Unidos se alimentam um do outro, cada um usando as
ações do outro para justificar sua própria posição.”
Quando Cousins sugeriu que Kennedy ultrapassasse esse
impasse com “uma nova e empolgante abordagem,
apelando para o fim da Guerra Fria e propondo um novo
começo das relações entre americanos e russos”, Kennedy
ficou perplexo. Ele pediu que Cousins conversasse sobre o
discurso com Sorensen, um adepto do unitarismo de quem
era amigo.
A ideia de que dois unitaristas antibelicistas estivessem
trabalhando em um discurso presidencial para redefinir as
relações entre Estados Unidos e União Soviética com
certeza teria perturbado o aparato da segurança nacional,
como Kennedy bem sabia. O presidente instruiu Sorensen
para manter o rascunho de seu trabalho em segredo e não
submetê-lo, como de costume, ao Pentágono, à CIA e ao
Departamento de Estado para que fizessem comentários.
Assim como as de Sorensen, as tendências pacifistas de
Cousins eram bem conhecidas. Ele era cofundador do
Comitê para uma Política Nuclear Sã (SANE)13 e tinha
tornado amplamente público o horror da guerra nuclear ao
trazer aos Estados Unidos 24 jovens japonesas que haviam
sobrevivido ao bombardeio de Hiroshima para que
recebessem tratamento médico. A versão final do discurso
da Universidade Americana refletia a filosofia unitária de
ambos os homens.
“A linguagem do discurso é unitária — como os trechos
que dizem que os problemas do homem são criados pelos
homens e podem ser resolvidos pelos homens”, disse
Sorensen, sentado no seu escritório de advocacia em Nova
York. Durante muito tempo Sorensen evitou declarar que
era autor dos discursos de Kennedy, mas sua verve criativa
no discurso da Universidade Americana é óbvia. “Não
quero retirar nada de JFK, mas esse discurso hoje
representa minha filosofia pessoal mais do que qualquer
outra coisa no mundo. É aquele do qual me sinto mais
orgulhoso.”
Enquanto Kennedy discursava naquela manhã, o cenário
internacional continuava tenso. Naquele mesmo dia, uma
delegação chinesa chegou a Moscou para apresentar uma
contundente exigência ao Krêmlin: que o oscilante
Khruchov parasse de implorar pela paz junto aos duvidosos
americanos e adotasse uma linha mais dura. Diante da
amarga e crescente ameaça de uma ruptura sino-soviética,
e ao mesmo tempo lutando para manter sua liderança
sobre o mundo comunista, Moscou iria privilegiar um pacto
com a China ou com os Estados Unidos?
Quando, perto do fim do discurso, Kennedy anunciou que
em breve teriam início em Moscou rodadas de conversa da
alta cúpula para chegar a um tratado que abrangesse a
proibição dos testes nucleares, prometendo que nesse
ínterim os Estados Unidos não iriam levar a cabo testes
nucleares na atmosfera enquanto outras nações também
não o fizessem, ele concretizou a empolgante proposta que
Cousins lhe sugerira de estourar o gargalo diplomático.
Deu certo. Menos de um mês depois, Kennedy e Khruchov
assinaram o Tratado sobre Proibição Parcial de Testes
Nucleares, que, como observou orgulhosamente Sorensen,
foi o primeiro grande acordo de controle de armas “nessa
terrível época conhecida como era nuclear” — e o primeiro
ato significativo de détente diplomática durante a Guerra
Fria. Foi o discurso da Universidade Americana que lançou
essas pombas no ar. Mas foram necessárias toda a
determinação e perspicácia política de Kennedy para
capitalizar o ímpeto do discurso e garantir o tratado.
Enquanto o emissário de Kennedy, Averill Harriman,
estava negociando o tratado em Moscou, no mês de julho,
ficou claro que seria impossível a meta original de proibir
tanto os testes subterrâneos como os atmosféricos. Os
responsáveis pelo governo sabiam que não conseguiriam
fazer o Senado aceitar uma proibição abrangente dos
testes se os soviéticos não concordassem em demonstrar
que não estavam trapaceando com testes subterrâneos, os
quais são difíceis de detectar, e não permitissem várias
inspeções no local. Mas os soviéticos insistiram em que
essas inspeções de seus equipamentos militares teriam de
ser estritamente limitadas, com receio de que espiões da
OTAN tirassem proveito disso para fins pessoais. O acordo
foi um Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares,
que focou apenas os testes atmosféricos, muito mais
simples de monitorar. Embora o tratado não tenha sido tão
abrangente quanto se esperava no início, ele já
representava um grande avanço na discussão quando foi
rubricado pelos negociadores na noite de 25 de julho. Na
noite anterior, Khruchov havia convidado Harriman a
compartilhar seu camarote na cerimônia de encerramento
de uma competição de atletismo entre Estados Unidos e
União Soviética. Enquanto a multidão ovacionava os dois
homens, Harriman, de aparência saudável e impecável,
olhou para seu gordo e calvo anfitrião — um homem de
modos rústicos e emoções pouco refinadas, que
denunciavam suas origens camponesas. Ele viu que os
olhos de Khruchov estavam cheios de lágrimas.
Kennedy sabia que mesmo uma proibição até mesmo
limitada dos testes nucleares enfrentaria severa oposição
política em casa. Os opositores do tratado inicialmente
foram pegos de surpresa pela velocidade com que o
governo negociou o acordo. Mas assim que este foi
rubricado eles entraram em ação. O presidente enfrentou o
grupo habitual de antagonistas. O principal porta-voz da
oposição era o dr. Edward Teller, físico nascido na Hungria
e conhecido como o “pai da bomba de hidrogênio”, que,
com seu forte sotaque do leste europeu e sobrancelhas
parecidas com as de Groucho Marx, tornara-se um dos mais
impetuosos advogados do militarismo americano. Teller se
prevaleceu de sua perícia para minimizar os perigos dos
testes na atmosfera, mas como Kennedy sabia, por parte de
seus conselheiros científicos, já havia sido detectado
estrôncio radioativo nos ossos e dentes de crianças
americanas. Atrás de Teller estava o poder lobista do
complexo militar-industrial, a rede muito bem financiada de
organizações de fabricantes de armas, associações de
oficiais militares aposentados e grupos de superpatriotas
de bandeira em punho que atacavam com regularidade as
políticas de Kennedy. Contudo, o que mais preocupava o
presidente eram as maquinações secretas dentro de seu
próprio governo.
Carl Kaysen, deputado e conselheiro de Segurança
Nacional de Kennedy, lembrou-se anos depois de uma das
mais assustadoras manobras do Pentágono durante o tenso
período da proibição de testes. Aconteceu enquanto o
governo ainda considerava a possibilidade de uma
proibição total, que incluiria o controle dos subterrâneos.
“Havia uma discussão tensa dentro do governo o fato de
podermos ou não detectar testes subterrâneos”, disse
Kaysen. “Eu era membro da equipe de Bundy14 que
interagia com o grupo de cientistas especialistas em
questões nucleares. Em determinado momento, tivemos
que consultar um homem chamado Carl Romney,
responsável pela operação da Força Aérea que monitorava
os testes subterrâneos. Ele controlava essas redes sísmicas
que tínhamos no Irã e no Paquistão, cuja finalidade era
sintonizar as explosões subterrâneas russas. Então, tentei
trazer Romney para a Casa Branca. Porém a Força Aérea o
escondeu! Literalmente! Isso foi muito parecido com o que
chamamos de motim. Depois de muitas tergiversações, ele
acabou saindo do buraco onde estava.”
Mais tarde, Kennedy ficou furioso ao saber que a CIA
estava tentando sabotar o tratado no Senado, em que o
acordo passava por um difícil processo de ratificação. O
presidente descobriu que McCone estava despachando
peritos nucleares da agência para convencer os senadores
de que não se podia confiar em Moscou para respeitar o
tratado. A relação entre JFK e o diretor da CIA nunca
melhorara depois da Crise dos Mísseis, quando McCone
marcou um ponto ao espalhar em toda Washington que ele
havia percebido a existência dos mísseis russos muito antes
que Kennedy resolvesse agir. Apesar dos esforços para
manter boas relações com Bobby, McCone também não
enganava o irmão do presidente. O procurador-geral estava
preocupado com o fato de que, com a proximidade das
eleições de 1964, McCone — republicano de longa data —
se tornasse um desleal quinta-coluna dentro do governo.
Dean Rusk aconselhou Kennedy a adiar o discurso sobre o
tratado até que tivesse consultado alguns senadores-chave.
Mas Kennedy sabia que a melhor maneira de influenciar o
Senado era com a mobilização do público. O presidente
apareceu diante das câmeras de TV na noite de 26 de julho,
um dia depois que o tratado tinha sido rubricado. “Estou
me dirigindo a vocês esta noite com esperança”, disse à
nação. Os Estados Unidos e a União Soviética estavam
presos na espiral sem fim e cada vez mais agourenta da
corrida armamentista, disse Kennedy. Mas, “ontem, um
feixe de luz atravessou a escuridão”. Ele exortou o Senado
a ratificar a proibição de testes de maneira que os Estados
Unidos pudessem “afastar-se das sombras da guerra e
procurar o caminho da paz”.
Kennedy percebeu que a ratificação do tratado ainda não
era certa. Soube que o volume de cartas enviadas ao
Congresso contra a proibição dos testes era quinze vezes
maior do que as cartas a favor. Anos de doutrinação da
Guerra Fria sobre os demoníacos russos não podiam ser
conjurados por um único discurso televisivo do presidente.
Mas Kennedy estava determinado a colocar tudo que tinha
na batalha para que o tratado vencesse. Ele chocou os
assessores da Casa Branca ao declarar que sacrificaria “de
bom grado” sua reeleição para salvar o acordo sobre as
armas. A batalha de dois meses que Kennedy travou em
prol do tratado é um exemplo de coragem presidencial. A
dura campanha, que destacou sua habilidade como
guerreiro político, demonstrou quanto um presidente pode
ganhar ao se dispor a perder tudo.
Logo depois de seu discurso na televisão, o presidente
começou a organizar sua própria rede para se contrapor à
ofensiva antitratado do complexo militar-industrial. Mais
uma vez, recorreu a Norman Cousins, pedindo-lhe que
ajudasse a organizar “rapidamente uma campanha para a
educação e a mobilização da opinião pública”. Usando seus
contatos no movimento pela paz, o combativo jornalista
logo juntou uma coalisão de cidadãos, composta de líderes
empresariais, sindicalistas, gente do meio artístico,
cientistas e religiosos para apoiar o tratado. Ao encontrar
Cousins e outros representantes da coalisão na Sala do
Gabinete, no dia 7 de agosto, Kennedy lhes disse que
enfrentavam uma formidável oposição dos militares. Os
generais simplesmente não queriam nenhum tipo de
limitação à força destruidora das armas nucleares, disse o
presidente. “De fato”, disse ao grupo, “alguns generais
acreditam que a única solução para qualquer situação de
crise é começar lançando grandes bombas.” Quando ele
desafiou esse raciocínio, perguntando “como bombardear
poderia resolver o problema”, disse Kennedy, os militares
haviam se  mostrado “muito menos confiantes ou
articulados”. A surpreendente revelação do presidente
sobre os impulsivos instintos do Pentágono com certeza
provou ao comitê de cidadãos a urgência de sua tarefa.
Antes que Cousins e seu grupo fossem embora, Kennedy
lhes assegurou que podiam chamá-lo para conversar
pessoalmente com qualquer pessoa ou organização que
achassem necessário. Cousins imediatamente usou a
palavra do presidente para organizar um encontro especial
entre JFK e os editores das maiores revistas femininas do
país. O ativista pela paz sagazmente reconheceu o enorme
poder potencial do voto das mulheres, as quais podiam ser
levadas a agir diante de preocupações vinculadas à saúde
do planeta e de seus filhos. Durante o encontro, o
presidente insistiu na importância da proibição dos testes
para a paz mundial, e seus comentários foram devidamente
impressos em todas as revistas femininas, que, como um
todo, tinham uma distribuição de 70 milhões de
exemplares. “Foi a primeira vez que influentes revistas
femininas se juntaram para um empreendimento editorial
dessa natureza”, comentou Cousins mais tarde — uma
prova de suas conexões com a imprensa e do charme
político de JFK.
Kennedy não se limitou a fazer uma campanha pública em
prol do tratado; operou com habilidade junto às alavancas
do poder nos bastidores. No momento em que o acordo
sobre armas ia ser apresentado ao Senado, o presidente
temeu que seu predecessor na Casa Branca — o velho
general cuja opinião sobre assuntos de guerra e paz ainda
tinha muito peso — pudesse torpedeá-lo. Eisenhower havia
manifestado sua oposição ao tratado, mas JFK tinha uma
carta na manga. Depois que Kennedy assumiu o cargo, uma
nova prova contra o chefe de gabinete de Eisenhower,
Sherman Adams, que apresentara sua demissão diante de
acusações de corrupção, chegou ao escritório do
procurador-geral. Bobby se ressentia dos ataques que seu
irmão sofrera de Ike, o qual havia lançado farpas do tipo:
“Li que a palavra ‘vitória’ foi apagada de alguns dicionários
da Nova Fronteira”. O suscetível procurador-geral não
estava disposto a poupar o antigo assessor de Eisenhower
do constrangimento de uma acusação da promotoria
federal. Mas Ike pediu ao líder republicano no Senado,
Everett Dirksen, que interviesse junto a JFK, pedindo-lhe
“como um favor pessoal” para encerrar o caso. “Ele terá
um cheque em branco da minha conta bancária se me fizer
esse favor”, teria dito Eisenhower. Apesar da furiosa
objeção de Bobby, o presidente aceitou. Agora JFK estava
cobrando sua retribuição.
Kennedy teve um encontro informal com Dirksen e deixou
claro para o influente republicano que gostaria que ele e
Eisenhower mudassem de opinião e apoiassem a proibição
de testes. “Senhor presidente, o senhor é muito duro na
negociação”, respondeu Dirksen. “Mas vou honrar meu
compromisso, e tenho certeza de que o general Eisenhower
fará o mesmo.”
Um clima de expectativa tomou conta do Senado quando
o legislador de Illinois, com seu habitual cabelo ondulado
branco-acinzentado e sua estrondeante voz de baixo,
caminhou até o centro do hemiciclo. Começou lendo um
texto preparado, confessando que as preocupações que
tivera em relação ao tratado eram improcedentes. Porém,
de repente, abaixou a mão que segurava o discurso e se
lançou em uma eloquente defesa improvisada do acordo
que era Dirksen puro e em seu esplendor. “A unidade da
superfície da terra de Deus se rompeu com o dispositivo
que o homem criou e que chamamos de arma nuclear... Ah,
que tragédia! Ah, que consternação! Ah, quanto sangue!
Ah, que aflição... um jovem presidente chama este tratado
de primeiro passo. Quero dar esse primeiro passo.” No
momento em que Dirksen modulou o tom para chegar à
conclusão, Kennedy soube que o tratado ia ser aprovado. A
vitória chegou no dia 24 de setembro de 1963, quando o
Senado, com surpreendente margem de 80 a 19, decidiu
ratificar o Tratado de Proibição Parcial dos Testes
Nucleares.
“Nenhuma outra vitória da Casa Branca deu maior
satisfação a Kennedy”, disse Sorensen mais tarde. Na
cerimônia de assinatura na Sala do Tratado, no terceiro
andar da Casa Branca, o presidente usou dezesseis canetas
para escrever seu nome no documento, entregando-as
como lembranças aos dignitários que lá estavam. Então,
pegou a última delas, mergulhou-a no tinteiro, e sublinhou
seu nome em negrito. “Esta é minha”, disse Kennedy com
um sorriso satisfeito, colocando a caneta no bolso.
 
No palco do saguão principal da Biblioteca Kennedy, os
fantasmas das presidências passadas tentam repartir a
culpa histórica pelo grande desastre imperial de suas
épocas, a Guerra do Vietnã. Eles estão rigidamente
sentados, lado a lado, esses representantes dos governos
Kennedy, Johnson e Nixon, no átrio de paredes cobertas de
vidro projetado por I. M. Pei, tendo como pano de fundo as
espumantes águas de Boston Harbor. Jack Valenti —
pequeno e jovial, sempre por dentro de Washington — está
lá para representar LBJ, do qual foi assessor especial;
Henry Kissinger — de olhar fulminante no alto de sua idade
— e Alexander Haig — com seu furtivo olhar de soslaio —
falam em nome de Nixon, cuja sombriamente astuta
Realpolitik eles ajudaram a modelar; e no fim da mesa está
rigidamente sentado Ted Sorensen, de óculos, um dos
últimos vínculos vivos com o santuário da Casa Branca de
Kennedy. Aos 77 anos, após sobreviver a um derrame,
Sorensen ainda é o vigilante guardião da chama de
Camelot. Porém, de vez em quando, seus olhos têm um
aspecto melancólico e distante, como naquela tarde.
Os ilustres participantes se reuniram nesse luminoso dia
26 de março para o fórum intitulado “O Vietnã e a
Presidência”. O evento — apresentado pela única herdeira
viva de JFK, Caroline Kennedy Schlossberg, sempre segura
de si — é semelhante a várias cerimônias da Biblioteca
Kennedy de que Sorensen participou. Contudo, a imagem
do governo Kennedy que emergiu durante essa conferência
de dois dias é, para Sorensen, claramente perturbadora. A
hipótese que subjaz é que Kennedy, Johnson e Nixon
carregam responsabilidades iguais pela guerra que arrasou
a Indochina e toda uma geração de americanos. Há um
continuum que vai dos escassos combates do período
Kennedy até o apocalipse que iria surgir no futuro. Pelo
menos, isso parece ser o consenso entre peritos, jornalistas
e oficiais que se reuniram na biblioteca, para o júbilo de
uma grande multidão e de telespectadores do canal C-
SPAN.15 Um simpático Jimmy Carter, exibido na ampla tela
de vídeo do saguão principal, ecoa o julgamento da
convenção: “Meu entendimento como jovem, não político —
eu então era apenas produtor de amendoim — era que o
compromisso de ir ao Vietnã basicamente havia sido
firmado pelo governo Kennedy... foi iniciado pelo presidente
Kennedy”.
De repente, os olhos de Sorensen se avivaram. Mais uma
vez, era ele que precisava restabelecer a verdade sobre a
presidência de Kennedy. Havia apenas 16 mil conselheiros
militares no Vietnã na época, e JFK nunca tivera a intenção
de ampliar o conflito, declarou ele; era um ponto menor
piscando na tela do governo. “O Vietnã não era uma
questão central para a política internacional da presidência
Kennedy”, diz ele à audiência da biblioteca. “Berlim, sim;
Cuba, a União Soviética — mas não o Vietnã. Naquela
época, o Vietnã representava uma insurreição de baixo
risco.” Kennedy enviou três missões ao Vietnã para
levantar fatos, precisou Sorensen, e as três lhe
aconselharam despachar divisões de combate e
bombardear o Vietnã do Norte. “JFK ouviu” seus
conselheiros linha-dura, “porém nunca fez o que queriam.”
Mas, mesmo lá, na Biblioteca Kennedy, com a filha do
presidente sentada na plateia, os argumentos de Sorensen
pareceram se perder. A conversa logo mudou de rumo.
Valenti, com os olhos úmidos, revelou o quanto LBJ se
sentia dilacerado por essa guerra. “Ele me disse que
mandar jovens à morte é igual a tomar fenol toda manhã.”
Kissinger descartou de maneira irascível uma questão de
um membro da audiência que perguntava se havia algo de
que o distinto estrategista de política internacional
quisesse se desculpar. “Não há motivo para crer que
alguém que faça esse tipo de pergunta tenha um nível
moral mais elevado de que o nosso”, entoou com sua voz
gutural de Jabba the Hut.16 Ele não precisava vir aqui hoje,
resmungou — foi apenas um favor que fez a Caroline
Kennedy e a sua família. No lugar dos tribunais por crimes
de guerra e das investigações do Congresso que nunca
seguiram as desastrosas aventuras dos Estados Unidos
durante a Guerra Fria, temos convenientes fóruns públicos
como este. E até mesmo este evento de restrito alcance
prova ser irritante para Kissinger.
Kennedy deve mesmo ser amalgamado a Nixon e Johnson,
com todo o sangue que estes têm nas mãos? A confusão
ainda parece reinar nos círculos dos historiadores. “Acho
que a questão de saber se Kennedy teria agido de forma
diferente de LBJ [no Vietnã] é algo que nunca será
consensual, mas intriga os biógrafos”, declarou seriamente
o pesquisador de Kennedy, Robert Dallek. Mas a verdade é
— graças ao trabalho de estudiosos como Peter Dale Scott,
John Newman, David Kaiser, Howard Jones, James K.
Galbraith e Gareth Porter — que hoje temos uma imagem
clara das intenções de Kennedy no Vietnã. A conclusiva
série de provas indica que JFK havia formalmente se
decidido pela retirada das tropas, um processo que ele
planejava começar por trazer de volta mil soldados em
dezembro de 1963 e terminar em 1965, depois que sua
reeleição lhe desse a cobertura política necessária para
completar o que ele sabia ser uma ação controversa.
De fato, o público americano só tomou conhecimento das
verdadeiras intenções de Kennedy em relação ao Vietnã
anos mais tarde, com as rememorações de membros do
governo como Kenny O’Donnell. Na primavera de 1963,
depois que o líder dos democratas no Senado, Mike
Mansfield, acabou dando a Kennedy uma opinião sem
rodeios sobre as fracas perspectivas de vitória no Vietnã,
JFK disse a O’Donnell que concordava que os Estados
Unidos deviam se retirar. Uma retirada imediata dos
americanos provocaria um “verdadeiro clamor dos
conservadores”, disse o presidente, então ele completaria a
saída das tropas somente após as eleições de 1964. Ele, no
entanto, estava disposto a aceitar os riscos, disse Kennedy
a O’Donnell: “Em 1965, vou me tornar um dos presidentes
mais impopulares da história. Serei conspurcado por todos
como um conciliador comunista. Mas pouco me importo. Se
eu tentasse sair totalmente do Vietnã agora, teríamos que
lidar com outra ameaça do tipo Joe McCarthy, então só
poderei fazer isso depois de ser reeleito. Quer dizer:
precisamos fazer de tudo para garantir que eu seja
reeleito”.
JFK manteve seus planos sobre o Vietnã ocultos de sua
burocracia encarregada da segurança nacional, que era a
favor da guerra — o confronto militar com o comunismo
que Kennedy havia incessantemente recusado aos seus
belicosos conselheiros em Cuba, Berlim e no Laos. Para
evitar uma confrontação com o lobby da guerra em
Washington — que, como Kennedy entendera, ainda era
uma necessidade nos Estados Unidos do começo dos anos
1960 —, ele evitou divulgar seus planos de retirada do
Vietnã. Como Gareth Porter destacou em seu importante
livro de 2005, Perils of Dominance, Kennedy operou em
“múltiplos níveis de desapontamento” em sua tomada de
decisão sobre o Vietnã, fazendo concessões menores aos
linhas-duras para evitar uma cisão interna de seu governo,
enquanto habilmente descartava pedidos de aumento da
intervenção militar e discretamente atirava um canal de
diplomacia secreto. Era uma brilhante dança de sombras
que conseguiu manter os Estados Unidos fora da guerra
enquanto Kennedy esteve vivo.
O único documento da Casa Branca que deu alguma
indicação dos planos de Kennedy para uma retirada
progressiva é o NSAM 263, emitido em 11 de outubro de
1963. Ele revela a intenção do presidente de trazer para
casa mil conselheiros militares no fim de 1963, porém
especifica que nenhum anúncio oficial devia ser feito sobre
essa iminente retirada. Como JFK deixou um rastro
indefinido de documentos, e um borrão de declarações
públicas ambíguas, seus sucessores pró-guerra não tiveram
dificuldade em tomar o controle de seu legado e apresentar
o inferno da selva como o resultado direto de sua política.
“O documento não prova que Kennedy estivera prestes a
sair de lá, porque ele não queria nem tocar no assunto
naquela época”, observou Daniel Ellsberg em uma
entrevista. “Ele não queria que os generais soubessem
disso. Contou a várias pessoas, porém nunca colocou isso
por escrito. Era compreensível, mas foi uma decisão errada
porque ele morreu e a guerra seguiu adiante.”
Kennedy deixou seus inimigos políticos no escuro ao
evitar fazer qualquer discurso público sobre o Vietnã
durante sua presidência. Mas, como observou Sorensen, é
possível encontrar os verdadeiros sentimentos de JFK sobre
guerras de libertação nacional ao ler dois discursos
surpreendentemente prescientes que ele proferiu no
Senado, um sobre o Vietnã e o outro sobre a Argélia. O
tema central desses dois discursos, que repercutiram no
establishment da política internacional de então, é o
mesmo: é loucura que as potências ocidentais queiram
resistir às crescentes aspirações das nações em
desenvolvimento. Kennedy, um dos presidentes que mais
viajara na história, havia visto de perto o sombrio destino
do colonialismo francês, durante uma viagem que fizera ao
Vietnã com Bobby, em 1951. No dia 6 de abril de 1954, o
jovem senador de Massachusetts se levantou e alertou o
presidente Eisenhower para não se deixar levar pelo
malfadado empreendimento da França: “Acredito
sinceramente que nenhuma assistência militar americana
na Indochina possa vencer um inimigo que está por toda
parte e, ao mesmo tempo, em lugar nenhum, um ‘inimigo
do povo’ que tem a simpatia e a ajuda secreta do povo”.
Essa é a mais sucinta das advertências sobre os perigos da
presunção imperialista já proferida por um líder americano.
E, ao contrário de alguns de seus sucessores na Casa
Branca, Kennedy seguiu claramente a percepção que tivera
quando jovem.
A maneira como Kennedy se esquivou em relação ao
Vietnã é típica de seu estilo presidencial. “Ele nunca
tomava uma decisão que não precisava tomar, até que
chegasse a hora de tomá-la”, diz Sorensen. Essa relutância
sem dúvida foi reforçada pela fratura que existia em seu
governo. Sendo o único homem a se opor consistentemente
ao aumento da presença militar no Vietnã, o presidente foi
obrigado a operar de maneira dissimulada, para evitar
isolamento total dentro de seu próprio governo. Na época
em que o Vietnã começou a alcançar um nível de crise no
final do governo Kennedy, muitos membros de sua
burocracia de segurança nacional — informados das
furtivas manobras do presidente para manter o país fora da
guerra — estavam em flagrante revolta contra ele. O
Pentágono e a CIA estavam conspirando para sabotar seu
plano de retirada das tropas. E até conselheiros de
confiança como Harriman, o magnata globe-trotter e amigo
de Moscou, com o qual Kennedy pensava poder contar para
ajudar a negociar um acordo sobre o Vietnã, estavam
descaradamente solapando suas iniciativas de paz.
À medida que a situação política do Vietnã se deteriorava
no final de 1963, os limites do estilo oblíquo de governar de
Kennedy ficavam aparentes. Frustrados pela crescente
instabilidade do regime de Diem no Vietnã do Sul, os
oficiais americanos estavam divididos entre apoiar o golpe
militar para substituí-lo ou não, enquanto Kennedy hesitava
sobre que decisão tomar nesse assunto. Em outubro, o
crescente conflito entre o embaixador Henry Cabot Lodge,
que apoiava o golpe, e o chefe do escritório da CIA em
Saigon, John Richardson, que apoiava o cada vez mais
autocrático presidente Ngo Dinh Diem, tornou-se público.
Richard Starnes, correspondente em Saigon dos jornais do
grupo Scripps-Howard, escreveu um notável artigo sobre a
desavença, citando “um oficial americano do alto escalão
aqui” que acusou a CIA de insubordinação. O oficial
acusara a agência de “malevolência” e disse que “não tinha
certeza de que a Casa Branca pudesse controlá-la por
muito mais tempo”. Então, acrescentou esta surpreendente
observação: “Se os Estados Unidos um dia sofrerem uma
[tentativa de golpe], ela virá da CIA, e não do Pentágono...
[A agência] representa um poder incrível e totalmente
imprevisível”. O surpreendente relato de Starnes levou o
sábio Arthur Krock, do New York Times, a aconselhar
Kennedy a tomar o controle de seu governo. “Trata-se de
um governo desordenado”, admoestou com severidade o
antigo defensor de JFK na imprensa em sua coluna do dia 3
de outubro. “E quanto mais o presidente tolerar isso, maior
se tornará [...] a impressão de que há um governo muito
indeciso em Washington.”
A imprevisibilidade da CIA no Vietnã levou até o
Congresso clamores para “deixar um feixe de luz
permanente sobre a cidadela do sigilo”, escreveu o
jornalista do New York Times, Ben Bagdikian, no mesmo
mês. Os executivos da inteligência, notou Bagdikian,
estavam horrorizados diante da possibilidade de o
Congresso examinar suas maquinações. Porém, não
sentiam medo. Durante o restante da Guerra Fria, e a
despeito de algumas incursões do Congresso, a CIA
continuou operando a maior parte do tempo sem ser
supervisionada.
A impressão de que o governo estava cada vez mais em
conflito consigo mesmo aumentou ainda mais no dia 1o de
novembro, quando militares golpistas sul-vietnamitas
retiraram Diem e seu irmão Nhu à força de uma igreja,
algemaram os dois homens e os jogaram na parte de trás
de um caminhão, onde foram esfaqueados antes de serem
mortos com um tiro na cabeça. (O golpe foi facilitado
quando a CIA retirou Richardson de Saigon, permitindo
que a agência colaborasse com os generais sul-vietnamitas
que estavam por trás do complô.) Kennedy não era
contrário a uma mudança de governo em Saigon, desde que
esta pudesse trazer certa estabilidade e facilitar a retirada
americana. Mas ele ficou horrorizado e deprimido diante da
sangrenta deposição do líder católico e de seu irmão,
exterminados como animais em um matadouro. Robert
McNamara, que estava com Kennedy quando este recebeu
a notícia do assassinato dos irmãos, comentou mais tarde
que nunca antes vira o presidente tão aborrecido: “Ele
literalmente ficou pálido”. Os assassinatos “mexeram com
ele de forma pessoal”, observou Michael Forrestal,
especialista sobre a atuação de Kennedy no Sudeste
Asiático. “Preocuparam-no pelo lado moral e religioso [e]
abalaram sua confiança... como se estivesse recebendo um
tipo de aviso sobre o Vietnã do Sul.”
O centro não estava apoiando John Kennedy nas últimas
semanas de sua vida. A violenta deposição de Diem não
somente exacerbou a impressão de caos no Vietnã, como
destacou os limites da habilidade de Kennedy para
controlar os eventos, tanto em Saigon como em
Washington. O presidente, que se orgulhava de seu domínio
da política internacional — um homem que havia recebido
os ensinamentos do velho Joe Kennedy, perito nas astutas
artes do poder —, sentiu que as rédeas estavam escapando
de suas mãos.
Depois de ser informado sobre Diem, JFK chamou Mary
Meyer — à qual recorria nos momentos de adversidade —,
pedindo que ela o encontrasse na Casa Branca durante a
tarde. Foi a última vez que se viram.
Ironicamente, o único conselheiro-chefe em matéria de
segurança nacional que apoiou o plano de Kennedy de
retirada do Vietnã foi o homem que ficaria para a história
como um dos mais criticados arquitetos da guerra, Robert
Strange McNamara. Depois de regressar de uma viagem ao
Vietnã em outubro para tentar levantar informações, o
secretário de Defesa encontrou-se com Kennedy na Casa
Branca e lhe disse: “Senhor presidente, acho que temos
como sair daquela área, e precisamos mostrar ao nosso
país o que isso significa”. Foi McNamara quem incentivou
Kennedy a retirar mil soldados no final daquele ano.
Porém, McNamara mudou repentinamente sua visão
sobre o Vietnã com o sucessor de Kennedy, realinhando-se
com a escalada da violência do governo Johnson. O jovem
prodígio, rei dos números, de óculos de metal e cabelo
brilhante e engomado, se tornaria um ícone do fracasso, o
maior símbolo da trágica loucura que é querer lutar contra
fervorosos guerreiros camponeses com a lógica fria de um
estatístico. Por que ele se permitiu ser o cérebro da guerra
sob o governo de LBJ após ter planejado a retirada das
tropas com JFK? “Ah, não quero falar sobre isso”, disse-me
McNamara com a voz autoritária e cortante de um CEO
encerrando um assunto desagradável durante uma reunião
de diretoria.
O cérebro da Guerra do Vietnã ressurgiu em 1995 como
crítico dessa mesma guerra, publicando um notável mea
culpa intitulado In Retrospect, seguido de The Fog of War,
um documentário de 2004, dirigido por Errol Morris e
premiado pela Academia de Artes e Ciências
Cinematográficas, no qual McNamara se esforçava para
dar sentido à sua vida e às lições que tanto lhe custaram.
No entanto, apesar do espírito confessional que adotou no
fim da vida, McNamara ainda era muito seletivo no que diz
respeito às suas revelações. Tratava-se de uma das mais
intrigantes personalidades que o mundo do poder
americano já produziu: nervos à flor da pele em um
momento e alguém totalmente reservado no seguinte.
McNamara declarou que ele e Curtis LeMay, sob cujas
ordens serviu durante a Segunda Guerra Mundial, podiam
ter sido indiciados por crimes de guerra se os Estados
Unidos não tivessem saído vitoriosos do conflito. E mesmo
assim continuava lealmente evitando perguntas sobre a
responsabilidade moral de Lyndon Johnson em relação ao
Vietnã. Podia falar com distanciamento clínico sobre a
morte em massa de civis, pela qual tinha responsabilidade
no Japão e no Vietnã, e então chorar com a lembrança da
morte de um aviador americano. Parecia ser ao mesmo
tempo o mais humano dos homens a ocupar um alto cargo
na máquina militar americana e o mais assustador.
Como notou de forma cáustica o almirante Anderson,
adversário de McNamara no Pentágono, o secretário de
Defesa chorava com facilidade — um traço de
personalidade que parece ter-se aprofundado com o
decorrer dos anos. Rememorando sua vida em The Fog of
War, as lembranças dos sete anos em que ocupou o cargo
de secretário de Defesa mexiam com McNamara. “Minha
esposa teve úlcera por causa disso, e também meu filho,
provavelmente”, disse à câmera. “Mas foram os melhores
anos de nossas vidas.” Enquanto falava, os olhos
lacrimejantes e a boca trêmula traíam um fluxo de emoções
sufocadas.
Se os anos que passou com Johnson assolaram sua
família, os anos ao lado de Kennedy foram claramente o
breve momento em que Robert McNamara brilhou. Ele
estava ajudando o jovem presidente a manter a paz no
mundo, ajudando-o a conter o leviatã militar do país dentro
de limites racionais. E então veio Dallas. Robert McNamara
iria passar da glória à infâmia. O homem que Kennedy
queria nomear secretário de Estado em seu segundo
mandato, coarquiteto de seus planos para a paz mundial,
iria entrar para a história como belicista. As lágrimas não
são apenas pelo falecido presidente — são também pelo
próprio McNamara, e pelo que ele perdeu.
Outros políticos linha-dura que serviram no governo
Kennedy, a começar por LBJ, declararam que houve uma
continuidade política quanto ao Vietnã entre os dois
governos democratas. McNamara poderia ter utilizado para
si a mesma argumentação. Porém, não o fez. Ele contou a
verdade em sua biografia — Kennedy pretendia sair do
Vietnã —, ainda que isso tenha feito que sua chocante
transformação de homem da paz em político linha-dura
parecesse bastante estranha. Claro, McNamara é
companheiro — ainda mantém a mesma lealdade a
Kennedy e Johnson. Mas há algo a mais em sua
necessidade de reestabelecer a verdade sobre JFK e o
Vietnã. Talvez estivesse tentando ser honesto com quem
ele, quando mais jovem, havia sido: o brilhante homem da
Nova Fronteira que ia tornar o mundo um lugar melhor e
mais seguro.
Kennedy não teria conseguido facilmente que os Estados
Unidos se retirassem do Vietnã, disse McNamara. Segundo
o antigo chefe do Pentágono, JFK não rejeitava as ideias da
Guerra Fria por completo; ainda acreditava na teoria do
dominó segundo a qual, se o Vietnã caísse nas mãos dos
comunistas, o colapso se estenderia a outras nações livres
da região. Mas, no final, disse McNamara, JFK teria levado
o país para longe do cataclismo. “Acredito que Kennedy
teria tido um enorme problema para decidir o que fazer,
porque ele acreditava na teoria do dominó. Contudo,
também acreditava, como declarou antes de morrer, que a
guerra era do Vietnã do Sul e que o povo de lá é quem
devia vencê-la — os Estados Unidos podiam ajudá-los, mas
não podíamos vencer a guerra por eles. Essas posições
podem ter sido contraditórias. Entretanto, no fim das
contas, acredito que ele teria considerado que a última —
não podíamos vencer a guerra por eles — prevalecia sobre
a teoria do dominó.”
“Ele manteve a paz.” Kennedy declarou várias vezes que
queria que esse fosse seu epitáfio. E, contra todas as
evidências, conseguiu fazer isso, constatou McNamara — o
homem que fracassara na mesma tarefa. No ambiente
perigosamente militarizado da Guerra Fria — e sob a
constante pressão dos generais, dos oficiais da CIA, dos
congressistas linha-dura e de seus próprios conselheiros
em segurança nacional —, Kennedy mais de uma vez
desanuviou o clima de guerra. “Acho que ele considerava
que a primeira responsabilidade de um presidente é manter
a nação fora da guerra enquanto for possível”, observou
McNamara no fórum Recollecting JFK. Kennedy manteve a
paz, insistiu seu chefe de Defesa, enquanto outras figuras
poderosas de Washington acreditavam que a guerra
nuclear com a União Soviética era inevitável. “Eles tinham
certeza disso.” Para o público, McNamara fez um retrato
sisudo da vida na Washington da Guerra Fria. Havia
homens no poder que acreditavam que os Estados Unidos
podiam reivindicar a vitória mesmo que o país perdesse 20
ou 30 milhões de pessoas. “Isso é totalmente absurdo”,
disse McNamara. “Para vocês, hoje, tenho certeza de que
parece absurdo. Mas vocês não tinham o poder durante
essa época de psicose maciça”, disse à audiência. “Vocês
não sabem como era. Você vivia a Guerra Fria vinte e
quatro horas por dia, trezentos e sessenta e cinco dias por
ano... Essa era nossa postura.” Mas Kennedy se opôs com
firmeza a esses loucos engodos. “E ele venceu. Evitamos
uma guerra nuclear. Chegamos perto, mas conseguimos
evitá-la.”
Então Kennedy morreu, e seus antagonistas tiveram a
guerra que queriam. Mas foi uma guerra menor, não aquela
desejada pelos generais, e o planeta sobreviveu. Ele e
Lyndon Johnson garantiram isso, disse McNamara. Ele,
com toda a razão, sentia uma profunda satisfação com isso.
Quando The Fog of War foi lançado, McNamara subiu ao
palco da faculdade em que estudara, a Universidade da
Califórnia, em Berkeley, para falar sobre as lições de paz e
guerra do filme. À medida que o público lotava o Zellerbach
Hall, um suspense tenso se elevava no ar. McNamara seria
bem recebido no seu antigo centro de protesto contra a
guerra, em que o público de cabelo grisalho ainda tinha
virulentas lembranças de seu papel no passado? Mas o
velho guerreiro não hesitou ao subir ao palco. Estava em
uma missão para confrontar seus fantasmas, disse seu filho
de meia-idade Craig, que viera de sua fazenda de nozes
orgânicas perto de Davis, Califórnia, para acompanhar o
pai naquela noite. Houve uma época em que a guerra
também os afastara.
O público de Berkeley foi, para a surpresa geral,
respeitoso. Aplaudiu as ardentes lamentações de
McNamara. “Nós, seres humanos, matamos cento e
sessenta milhões de outros humanos no século vinte!”,
exclamou. “É isso que queremos neste século? Acho que
não!” Mas profundos suspiros acolheram sua recusa de
criticar a Guerra do Iraque do governo Bush, mesmo que
antes ele tenha expressado, na imprensa canadense,
críticas pesadas a essa guerra “moralmente errada”. “Não
vou fazer declarações sobre o presidente Bush”, disse à
audiência. Era o leal governista de sempre.
Naquela noite, estava no auditório Daniel Ellsberg, o
antigo intelectual da Defesa que havia ousado desafiar as
autoridades ao divulgar os documentos do Pentágono, o
próprio relatório crítico do governo sobre a Guerra do
Vietnã. Esse não havia sido o caminho escolhido por
McNamara, o qual, na época, chamara Ellsberg de traidor.
Mas o próprio Ellsberg, que já manifestara recíproco
desdém por McNamara, agora tinha sentimentos mais
complexos em relação ao antigo chefe do Pentágono. Falou
sobre isso em sua casa nas colinas de East Bay antes do
evento.
“McNamara acredita que impediu Curtis LeMay e os
outros de fazerem em Hanói o que haviam feito em Tóquio
e Hiroshima durante a Segunda Guerra Mundial”, disse
Ellsberg. “E foi o que ele fez. É possível que ninguém mais
em sua posição pudesse ter impedido a Força Aérea
americana de bombardear ou atacar o Vietnã com armas
nucleares, transformando-o em uma grande área para
estacionamento, como queria LeMay. Então sim, é dessa
forma que McNamara consegue viver consigo mesmo —
muito facilmente: ‘Eu estava com o dedo no dique, sou o
garoto que impediu que esse desastre acontecesse.17
Ninguém mais poderia ter impedido o Estado-Maior de
obrigar Johnson a deixá-los de mãos livres em Hanói.
Trabalhei durantes meses e mesmo anos para evitar esse
holocausto, e ninguém poderia ter conseguido’. É um
argumento bastante forte para que ele tenha seu lugar na
história.”
Por sua vez, quando mais tarde McNamara soube que
Ellsberg estava entre o público de Berkeley, não pareceu
incomodado. “Eu não fazia ideia. Mas se tivesse sabido, não
teria ficado aborrecido.”
Pouco antes de morrer, McNamara tinha manchas na pele
e os ombros caídos. Diz que seu cérebro-computador
apresentava falhas de memória. Mas ele tinha a sabedoria
de um velho soldado. Ao olhar para trás, podia ver seus
erros fatais com a mesma clareza que os tinha visto antes
de cometê-los. Gostava de se referir àqueles dias citando os
“Quatro quartetos”, de T. S. Eliot:
 
O que chamamos o começo é muitas vezes o fim
E fazer um fim é fazer um começo...
Não deixaremos de explorar
E o fim de nosso explorar
Será chegar onde começamos
E conhecer o lugar pela primeira vez.
 
***
 
Lisa Howard estava esperando por Fidel. Era um ritual com
o qual os jornalistas estrangeiros — assim como os
dignitários de visita — estavam acostumados. A jornalista
do canal ABC tinha esperado meses até obter um visto para
entrar na ilha. Havia assiduamente utilizado seus contatos
no corpo diplomático, entre os quais o vice-premiê russo,
Anastás Mikoyan. Mas, no final, foi Jim Donovan, o
intermediário não oficial de Bobby Kennedy em Cuba, quem
obteve sua autorização de entrada. Howard chegou a
Havana no dia 1o de abril de 1963, hospedando-se no Hotel
Riviera, um luminoso prédio em estilo Miami que dominava
a beira-mar da cidade. E então ela esperou durante cerca
de três semanas, enquanto Castro analisava seu pedido de
entrevista para a televisão.
Aos 37 anos, Lisa Howard era uma anomalia para o
mundo dos noticiários televisivos da era Kennedy: uma
mulher sexy, com estilo e bem-vista em uma profissão que
era dominada quase exclusivamente por homens de meia-
idade bem-arrumados e de aparência sóbria. Howard fazia
parte de um grupo de mulheres âncoras de televisão no
começo dos anos 1960, que incluía Nancy Dickerson, da
NBC, e Nancy Clark, da CBS. Ex-atriz, ela deixara os
teatros off-Broadway e os folhetins televisivos — costumava
aparecer no programa The Edge of Night, da CBS, no final
dos anos 1950 — para se dedicar ao jornalismo com grande
determinação, depois de decidir que sua carreira de atriz
estava empacada. Como correspondente junto às Nações
Unidas para a Mutual Radio Network, conquistou a fama de
ser audaciosa ao se tornar a primeira jornalista americana
a conseguir entrevistar Khruchov. (Ela conseguiu ter acesso
ao líder soviético utilizando seus dons teatrais, esquivando-
se dos guardas do consulado russo em Nova York vestida
de arrumadeira e então abraçando Khruchov quando este
passou ao lado dela.) Contratada pela ABC em 1961 para
cobrir a reunião entre Kennedy e Khruchov em Viena, ela
continuou a se destacar graças aos seus retumbantes
golpes jornalísticos — anos antes da aparição de Barbara
Walters e de uma futura geração de mulheres ícones da
televisão —, e foi recompensada com seu próprio
programa, The News Hour with Lisa Howard.
A loira e atraente Howard, que a Newsweek dissera ser
“incrivelmente bonita”, tinha a intenção de utilizar o que
ela chamava de suas “vantagens naturais” para enfim
conseguir entrevistar Castro. Depois da meia-noite do dia
21 de abril, a jornalista foi acordada na cama do Hotel
Riviera por um amigo diplomata que lhe disse para descer
e ir encontrar Castro. Ela pôs um vestido de coquetel
marrom decotado e foi até o saguão, onde o líder cubano a
recebeu e a acompanhou até o clube noturno do hotel, onde
ficaram conversando até depois das cinco horas da manhã.
Castro se encantou com Howard. Pediu a um assessor que
tirasse fotos deles, usando uma câmera Polaroid que lhe
fora dada por seu velho amigo Donovan. Nas fotografias,
Howard, glamorosa e com os ombros nus, aparece sentada
confortavelmente ao lado de Castro, de farda, em uma
mesa de coquetel, olhando-o com brilhante intensidade.
Mais tarde, Castro concordou em ser entrevistado diante
da câmera por Howard, e a conversa de 45 minutos
aconteceu na suíte da cobertura situada no vigésimo andar
do hotel. A entrevista, a primeira que o líder cubano
concedera a uma rede de televisão americana desde 1959,
foi uma façanha e tanto para Howard e o canal ABC.
Depois de regressar aos Estados Unidos, Howard foi à
Casa Branca, onde Kennedy esperava curioso por seu
relato. Ela compartilhou com Kennedy, que estava faminto
por fofocas, os detalhes de seu encontro com Castro,
revelando inclusive que dormira com o líder cubano. “Ela
conversou com Jack sobre isso”, relatou mais tarde o amigo
de Howard, o igualmente sedutor Gore Vidal, “e mencionou
que Castro não retirara as botas. Jack gostava desse tipo de
detalhe”. Em seu diário, Howard escreveu que Castro “fez
amor de forma eficiente”.
Mas Howard tinha algo mais importante para dizer ao
presidente. Ela contou a Kennedy que Castro estava
claramente ansioso por abrir o diálogo com ele. A
jornalista, cujo caminho até Castro havia sido traçado por
Donovan, estava continuando a missão de paz que o
advogado começara no ano anterior.
Howard entregou a mesma mensagem à CIA quando
conversou sobre sua viagem a Cuba com responsáveis da
agência, uma prática habitual da Guerra Fria entre
jornalistas que voltavam de viagens a países comunistas.
Mas os oficiais da CIA não se mostraram tão entusiasmados
quanto o presidente com as notícias que ela trazia. Da
mesma forma que fizeram com a iniciativa de paz de
Donovan, os homens da agência agiram rapidamente para
curto-circuitar Howard. Num relatório do dia 2 de maio de
1963, McCone advertiu firmemente que “aquilo que Lisa
Howard relatava devia ser visto da forma mais limitada e
cautelosa possível” e “que, por enquanto, nenhum passo
adiante devia ser tomado sobre a questão da aproximação”.
Os membros linha-dura do governo até consideraram
tentar impedir a ABC de retransmitir a entrevista de
Howard. “A divulgação pública dessa entrevista nos
Estados Unidos reforçaria os argumentos dos grupos pela
‘paz’, dos pensadores ‘liberais’, dos comunistas e
simpatizantes, e dos políticos oportunistas que se opõem à
política atual dos Estados Unidos”, assim como ofereceria a
Castro uma audiência de costa a costa para sua “posição
razoável”, advertiu uma análise enviada ao conselheiro
sobre segurança nacional da Casa Branca, McGeorge
Bundy.
Os temores sobre o relatório eram fundados. Quando a
ABC retransmitiu a entrevista, no dia 10 de maio, Castro de
fato apareceu como alguém simpático e razoável.
Parabenizou o governo de Kennedy por ter “dado alguns
passos rumo à paz”, o que incluía ter tomado medidas
contra os ataques “piratas” em seu país, e deixou a porta
aberta para uma reconciliação com os Estados Unidos. No
entanto, com os membros linha-dura do governo impedindo
quaisquer avanços rumo à paz, a iniciativa de Howard logo
empacou.
Lisa Howard, no entanto, não desistia com facilidade. Ela
mostrou em sua missão em Cuba a mesma determinação
resoluta que tivera em outras façanhas jornalísticas.
Segundo a filha de Howard, Fritzi Lareau — que, na época,
era adolescente —, suas motivações eram amplamente
emocionais. “Ela sentia algo por Castro”, disse-me Lareau,
lembrando-se de sua mãe “extravagante” e “iconoclasta”.
Lareau se lembrou da mãe perguntando sem rodeios a seu
padrasto, o produtor de filmes Walter Lowendahl, se ela
devia ou não levar seu diafragma a Cuba antes de uma de
suas frequentes viagens à ilha. (Lowendahl disse que sim.
Segundo Lareau, seu padrasto não estava muito feliz com
as aventuras da esposa, mas o imigrante alemão  suportou
suas façanhas com equanimidade europeia.) “Ela gostava
de homens poderosos. E Fidel era muito macho. E, claro, a
missão de paz atiçava sua sensibilidade teatral, porque era
algo grande, que acontecia no palco mundial. Era algo
secreto e excitante.”
Em setembro, procurando reviver a iniciativa de paz,
Howard alistou seu amigo William Attwood, diplomata das
Nações Unidas e ex-jornalista que, assim como a âncora de
televisão, não tinha pudores em invadir o terreno da
política. Attwood, colega de JFK em Choate que sempre se
achara desbancado por Kennedy desde que este levou a
jovem Mary Pinchot (futura Meyer) a um baile da escola,
havia transitado entre o jornalismo e a política ao longo da
carreira. Em 1959, tirou uma licença da revista Look, da
qual era editor internacional, para escrever discursos para
Adlai Stevenson, entrando na equipe de Kennedy no ano
seguinte, durante a campanha presidencial. Depois de sua
eleição, Kennedy nomeou Attwood embaixador na Guiné,
que, na época, era vista como um importante campo de
batalha da Guerra Fria na África, e mais tarde o nomeou
substituto do embaixador Stevenson junto às Nações
Unidas.
Bill Attwood tinha sólidas raízes no establishment da
Costa Leste — desde Choate até Princeton e a inteligência
militar do Exército durante a Segunda Guerra Mundial
(mais tarde, tornou-se capitão na 13a Divisão
Aerotransportada) — e uma carreira no jornalismo
internacional e na diplomacia. Mas os anos que passara
além-mar lhe deram uma visão mais cética do que a de seus
contemporâneos da elite sobre a histeria americana da
Guerra Fria. Olhava com desdém a mentalidade “rampante
de estado policial” em Washington e chamava as secretas e
clandestinas atividades da CIA de “absurdas em geral”.
Quando Attwood entrevistou o jovem e vitorioso Castro em
1959 para a revista Look — atravessando Cuba de carro
junto dele, com a esposa do correspondente, Simone,
pressionada contra o colo de um guarda-costas armado —,
viu um herói trágico, e não um pária; um líder carismático
que poderia ter escolhido o Ocidente em vez do Oriente, se
Washington tivesse agido de outra forma.
Attwood sentia uma simpatia natural pelas vítimas da
injustiça social na América Latina, que finalmente reagiam
após anos de exploração. Entendia por que homens como
Fidel e Che haviam ficado contra os Estados Unidos. Mais
tarde, lembrou-se de uma história que Che lhe contara.
Quando o futuro revolucionário era jovem em Buenos Aires,
um navio da Marinha americana havia atracado no porto,
vomitando centenas de marinheiros. Um deles, um
americano “muito grande”, havia agarrado a namorada de
Che em um baile e, quando este reclamou, o homem
rosnou: “Sente-se e cale essa boca, seu negrinho”.
“Desde então”, notou Attwood, “a palavra ‘América’ fazia
que Che pensasse em uma enorme mão empurrando sua
cabeça e na palavra ‘negro’.” É quase sempre dessa
maneira que nascem as guerrilhas.
Quando Lisa Howard disse a Attwood que Castro gostaria
de restabelecer a comunicação com Kennedy e propôs
organizar um encontro informal em seu apartamento entre
ele e o representante de Cuba junto às Nações Unidas,
Carlos Lechuga, o diplomata aceitou com entusiasmo. Em
um relatório que escreveu para Stevenson e Averell
Harriman — que, pelo que soubera, era o melhor canal
para acessar Kennedy —, Attwood sugeriu que “temos algo
a ganhar e nada a perder ao descobrir se Castro quer
mesmo conversar”. Se a proposta de paz tivesse êxito,
observou o diplomata, “a questão cubana poderia ser
removida da pauta da campanha eleitoral de 1964”.
Stevenson estava intrigado. Mas “infelizmente”, avisou com
sabedoria, “a CIA ainda está encarregada de Cuba”.
Todavia, Stevenson levou a proposta a Kennedy, que o
autorizou a continuar o diálogo. Harriman, por sua vez,
declarou ser “suficientemente aventureiro” para gostar da
ideia, mas alertou Attwood para também obter a aprovação
de Bobby Kennedy, o homem-chave do governo em relação
a Cuba. Stevenson não estava gostando da ideia de
Attwood se encontrar com o procurador-geral, o qual ele
ainda considerava intransigente quanto à questão cubana.
Mas Attwood terminou ligando para o Departamento da
Justiça e marcando um encontro com RFK para o dia 24 de
setembro.
Na noite anterior àquela em que Attwood viajou para
Washington, Howard organizou um encontro entre ele e
Lechuga durante um coquetel no seu apartamento, em um
prédio de arenito vermelho situado na East 74th Street,
onde ela costumava receber pessoas como Che e Adlai
Stevenson, impressionando os convidados com o pé-direito
de cinco metros e meio, a coleção de antiguidades e as
janelas de vidro chumbado. Os dois diplomatas foram
discretamente para um canto da sala de estar, onde
Lechuga disse a Attwood que Castro havia lido o discurso
de Kennedy na Universidade Americana com grande
interesse. Attwood falou do tempo que passara com Fidel
em 1959, quando o líder cubano lhe transmitiu um recado
endereçado ao povo americano — “Vamos ser amigos” —
antes de encher o bolso de sua camisa com charutos e de
convidá-lo a voltar qualquer dia. Lechuga sugeriu que
Attwood respondesse ao convite de Castro e voltasse a
Havana para retomar a conversa.
No dia seguinte, Attwood relatou esses fatos a Bobby
Kennedy em seu escritório. Em vez de rejeitar a ideia da
aproximação, como Stevenson temia, Bobby respondeu com
simpatia. Pensou que seria arriscado demais se Attwood
visitasse Cuba, já que a notícia com certeza acabaria
vasando e provocando furor em Washington. Mas, mesmo
assim, sentiu que “valia a pena perseguir” o diálogo pela
paz, e sugeriu que conversas secretas com Castro
acontecessem em outro país, como o México, ou nas
Nações Unidas.
JFK foi ainda mais entusiasta da ideia. Em um encontro
na Casa Branca no dia 5 de novembro, Bundy disse a
Attwood que o presidente era “mais favorável a tentar uma
abertura junto a Cuba do que o Departamento de Estado, e
que a intenção era... bem, tirá-los do redil soviético e talvez
esquecer a Baía dos Porcos e, quem sabe, voltar à
normalidade”.
Mais uma vez, Kennedy era a pessoa com mais visão em
seu time de política internacional. Anos depois, seu amigo
de Hollywood, Milt Ebbins, confirmou que JFK pretendia
normalizar as relações com Cuba. “Ele teria reconhecido
Cuba”, disse Ebbins em uma entrevista para este livro. “Ele
me disse que, se fôssemos reconhecer Cuba, eles
comprariam nossas geladeiras e torradeiras, e logo
despachariam Castro.” O aliado de JFK, Red Fay, concordou
em dizer que Kennedy estava determinado a conseguir a
paz com Cuba. “Jack achava que, com os mísseis fora da
ilha, não havia motivo para que tivéssemos uma
confrontação com Cuba”, disse-me o antigo assistente do
secretário da Marinha em sua casa de Presidio Heights, um
bairro de San Francisco, sentado no meio de uma
miscelânea de objetos, entre lembranças de Kennedy e
artefatos náuticos. “Por causa disso, ele sentia que
podíamos resolver toda essa questão com Cuba e seguir em
frente.”
Em seus últimos dias de vida, Kennedy mandou duas
mensagens de paz para Castro. Uma foi proferida em um
discurso no dia 18 de novembro diante da Inter-American
Press Association, em Miami, quando o presidente declarou
que o único obstáculo à paz entre os Estados Unidos e
Cuba era o apoio de Havana às insurreições revolucionárias
em outros países da América Latina. “Isso, e apenas isso,
nos separa”, enfatizou Kennedy. “Enquanto essa situação
existir, nada é possível. Sem ela, tudo é possível.”
Schlesinger, que ajudou a escrever esse discurso, disse
mais tarde a Attwood que a finalidade era ajudar seus
esforços diplomáticos, assinalando que o presidente estava
realmente interessado em abrir um canal de conversas pela
paz com Castro.
Mas JFK sempre se sentia obrigado a brandir ao mesmo
tempo uma flecha e um ramo de oliveira quando falava em
público sobre Cuba. Isso ficou bastante visível em Miami,
viveiro de um fervor anticastrista. Fiel à estratégia de dois
gumes, o discurso de 18 de novembro carregava também
uma contundente retórica que reduzia o governo Castro a
“um pequeno grupo de conspiradores”, e declarava que,
“uma vez removido este grupo”, os Estados Unidos
garantiriam seu apoio à construção democrática e
progressista de Cuba. A Desmond FitzGerald se deve o
crédito de ter injetado essa linguagem militante no
discurso, e a CIA interpretou os comentários do presidente
dirigidos aos contatos na mídia simpatizantes à agência
como uma tirada para pegar Castro. “Kennedy convida
virtualmente a um golpe em Cuba”, retumbou o Dallas
Times Herald. E o íntimo da CIA, Hal Hendrix, do Miami
News, escreveu que o discurso de JFK “pode ter sido
elaborado para potenciais elementos dissidentes” no
governo de Castro. O fato de Schlesinger e FitzGerald
terem reivindicado os créditos do mesmo discurso
demonstra a que ponto a política do governo dos Estados
Unidos para Cuba era um campo de batalha entre facções
opostas.
Mas a CIA estava totalmente ciente da direção que
Kennedy queria seguir em relação a Cuba em seus últimos
dias. Sem que Lisa Howard e Bill Attwood soubessem
então, enquanto eles trabalhavam por telefone no
apartamento dela em prol do gesto de paz entre Castro e
Kennedy, a agência estava na escuta. Em uma ligação para
Havana, Howard foi grampeada descrevendo o entusiasmo
de Kennedy com a aproximação. A âncora não tinha noção
da onda de choque que estava causando nos saguões do
poder de Washington. “Mamãe era muito ingênua, ela era
inocente”, disse Lareau. “Ela de fato não entendia todas as
dinâmicas. Era como um elefante em uma loja de
porcelanas — simplesmente ia atrás do que queria, sem se
importar com as consequências.”
A agência estava determinada a fazer fracassar a
proposta secreta de paz do governo. Em uma reunião na
Casa Branca sobre Cuba no dia 5 de novembro, Helms
insistiu para que o governo colocasse um freio na iniciativa
de Attwood, propondo que se transformasse o cenário de
paz em “jogo de estratégia de guerra”, olhando a partir de
todos os ângulos possíveis antes de fazer algum contato
com Castro.
Apesar da resistência da agência, os esforços para a paz
seguiam em frente. Um segundo recado cordial de Kennedy
foi entregue pessoalmente a Castro pelo jornalista francês
Jean Daniel, editor da revista semanal socialista
L’Observateur, no dia em que o presidente foi assassinado.
Antes de viajar a Havana, Daniel teve um encontro com
Kennedy na Casa Branca, em que o presidente falou em
tom conciliador sobre Cuba. Parecendo mais um cruzado da
Aliança para o Progresso do que o invasor da Baía dos
Porcos, Kennedy disse a Daniel que a política americana
para Cuba durante a era Batista havia sido caracterizada
por “colonização econômica, humilhação e exploração”,
acrescentando que “teremos que pagar por esses pecados”.
Se Castro parasse de agir como agente de subversão da
União Soviética na América Latina, sugeriu Kennedy, os
Estados Unidos suspenderiam o bloqueio econômico
imposto a Cuba. Mais tarde, Daniel disse que o presidente
estava claramente “procurando uma saída” para o impasse
entre os dois países. Quando o jornalista francês encontrou
Castro, o líder cubano ficou fascinado com seu relatório
sobre a reunião da Casa Branca, pedindo-lhe para repetir a
declaração notavelmente honesta sobre a vergonhosa
política americana durante os anos Batista. “Ele entendeu
muitas coisas nos últimos meses”, refletiu Castro em voz
alta.
Porém, no exato dia em que Daniel estava levando a
mensagem conciliadora de JFK a Castro (e Kennedy estava
indo ao encontro de seu destino em Dallas), oficiais da CIA
estavam agindo em segredo para abortar as iniciativas de
paz. No dia 22 de novembro, em um surpreendente e
traiçoeiro ato de insubordinação — sem informar o
presidente, o procurador-geral ou o diretor da CIA —,
Richard Helms e Desmond FitzGerald fizeram que uma
caneta envenenada fosse entregue em Paris a um desleal
oficial militar cubano chamado Rolando Cubela para
assassinar Castro. Assim como o plano da agência para
matar o líder cubano com um equipamento de mergulho
contaminado, urdido durante a missão de paz de Donovan,
o complô Cubela foi claramente projetado para sabotar a
iniciativa Attwood-Howard. A CIA esperava que o
assassinato de Castro provocasse um golpe militar. Mas,
mesmo que o complô de Cubela fracassasse e se tornasse
público, com certeza ia amargar profundamente as relações
entre ambos os países.
A sombria intriga da agência confirmava o alerta que
Stevenson fizera a Attwood de que “a CIA estava
encarregada de Cuba”. De qualquer modo, como Attwood
notou anos depois com severidade, era assim que a
espionagem agia — “e que o presidente a quem prometera
servir fosse para o inferno”.
A CIA tentou incriminar Robert Kennedy pelo complô de
Cubela. Quando Cubela pediu que seus contatos na agência
encontrassem pessoalmente o irmão do presidente,
FitzGerald tomou a extraordinária iniciativa de voar até
Paris para, falsamente, assegurar ao assassino o apoio de
RFK. Ao encontrar Cubela, a quem fora dado o codinome
AM/LASH, em uma segura casa da CIA na cidade,
FitzGerald se apresentou como o “senador James Clark”,
um representante pessoal de Kennedy. Mas o irmão do
presidente não fazia ideia de que a CIA estava usando seu
nome. Helms e FitzGerald concordaram que seria
“totalmente desnecessário” informar Kennedy de seu
estratagema. Quando foi confrontado com provas de sua
fraude pela Comissão Church, nos anos 1970, Helms foi
obrigado a explicar por que não havia informado Kennedy.
“Não é que eu estivesse sendo esperto ou astuto, ou que eu
quisesse esconder algo”, insistiu Helms, embora fosse
precisamente isso o que ele estivera fazendo. “Apenas
pensei que era o tipo de coisa... que ele nos pedia para
fazer, então foi o que fomos fazer.” Mais tarde, o czar da
inteligência enfeitou sua mentira em uma entrevista
concedida ao jornalista Evan Thomas, indicando que
poupou Kennedy do encontro com Cubela pelo próprio bem
de RFK, porque o atrevido procurador-geral poderia ter
decidido voar até Paris para entregar em pessoa a “arma”
do assassinato. “Bobby não teria recuado [diante da
reunião com Cubela]”, disse Helms. “É bem provável que
fosse em pessoa.”
A CIA continuou tramando com Cubela até 1966, quando
este foi detido pela contraespionagem cubana e condenado
a trinta anos de cadeia. Mas, como se acabou verificando,
foi o assassinato de Kennedy, e não o de Castro, que pôs um
termo aos esforços de reconciliação entre os dois países.
Depois de Dallas, as conversas de bastidores de Attwood
logo perderam fôlego, e Castro voltou a usar a entrevista
com Lisa Howard para expressar seu contínuo interesse
pela paz. Mas, em janeiro, o governo Johnson pôs um termo
às conversas, para evitar entregar aos republicanos uma
pauta potencial de campanha durante as eleições de 1964.
Em um relatório escrito três dias antes do assassinato de
JFK, Gordon Chase, o ponta de lança da Casa Branca nas
negociações secretas, observou que “o presidente Kennedy
poderia ter se acertado com Castro e saído disso com um
mínimo de problemas internos, [mas] não tenho a mesma
certeza quanto ao presidente Johnson. Por um lado, um
novo presidente, que no seu passado nunca enfrentara com
sucesso Castro e os comunistas (como o presidente
Kennedy o fizera em outubro de 1962), correria certamente
mais riscos de ser acusado pelo povo americano de
‘molengão’”. Outro motivo pelo qual a aproximação com
Cuba agora seria “mais difícil”, notou Chase, era que o
presumido assassino de Kennedy, Lee Harvey Oswald,
“havia sido descrito como um tipo pró-castrista” — um
retrato de Oswald bastante promovido pela CIA e seus
grupos satélites na comunidade exilada cubana, como o
DRE, e que começou a ser difundido logo após o disparo na
Dealey Plaza.
Howard perseguiu obstinadamente sua “diplomacia de
cidadã” no começo de 1964, apesar do crescente desdém
em relação aos seus esforços manifestado pela Casa Branca
de Johnson e pela CIA, mas sua vida tomou um rumo
trágico. Em setembro, ela se lançou, com seu jeito
tipicamente teatral, na disputa ao Senado por Nova York,
que opunha Bobby Kennedy ao republicano no cargo,
Kenneth Keating. Juntando-se a outros conhecidos liberais
que nutriam ressentimentos contra Bobby, como Gore
Vidal, Howard formou um grupo chamado “Democratas por
Keating”, durante uma reunião em seu apartamento.
Ironicamente, Keating tinha tido um papel muito
beligerante em Cuba, incitando o governo Kennedy a
iniciar uma ação militar contra a ilha e depor Castro “como
um fantoche” da União Soviética depois que este tivesse
falado em prol da paz em sua primeira entrevista televisiva
com Howard. Howard, porém, frustrada com o fracasso de
sua negociação de paz em Cuba, curiosamente culpou
Bobby, embora este tivesse dado seu apoio ao esforço.
“Ela estava tentando conseguir a paz e estava convencida
de que Jack e Bobby queriam a guerra”, lembrou-se Vidal.
“Sentia-se muito ressentida e achava que era uma boa
oportunidade para castigar Bobby.” Os Kennedy não apenas
fizeram inimigos à direita com sua estratégia de mão dupla
com Cuba — também conseguiram afastar deles parte da
esquerda.
Logo depois de ter mergulhado na campanha para o
Senado, Howard foi demitida da ABC por seu partidarismo
público. Um executivo da rede de televisão disse com
rudeza ao New York Times: “Ela foi mandada embora. Não
se encaixa. É uma mulher problemática, simplesmente não
queremos que ela faça parte de nossa equipe”. A outrora
ambiciosa correspondente de TV sentiu-se ultrajada por
essa abrupta excomunhão das ondas eletromagnéticas.
Abriu um processo contra a ABC, declarando que havia sido
“afastada” por conta de suas atividades políticas. Sem sua
proeminente plataforma televisiva, Howard parecia
perdida. “Lisa Howard pleiteia para voltar a ser visível”,
destacava uma triste manchete do New York Times sobre a
história de seu processo judicial. Seu advogado disse ao
jornal que a compensação financeira não apagaria o
terrível dano que Howard vinha sofrendo por ter sido
privada de “sua exposição diária a sua audiência”.
Em abril de 1965, meses depois de ter sido demitida,
Howard entrou de penetra em uma reunião da Associação
de Correspondentes de Rádio e Televisão de Nova York,
que acontecia na sala de conferências da ABC e em que
Bobby Kennedy iria discursar. Enfrentou Kennedy durante
a reunião, questionando sua eficiência como líder político.
No dia seguinte, o diretor de relações públicas da ABC,
James C. Hagerty, sentiu-se obrigado a apresentar um
pedido de desculpas pelo comportamento de Howard em
uma carta endereçada a Kennedy: “O relatório da conduta
dela para com você, da forma como me foi apresentado,
enfureceu-me. Por isso, envio-lhe esta carta para expressar
meu profundo pesar, embora a sra. Howard não trabalhe
mais conosco — e isso é outra história... apenas lamento o
que aconteceu enquanto o senhor era recebido em nosso
escritório”. O próprio Kennedy não levou a história adiante
— pelo menos Howard não o acusara de ser o “cruel
Bobby”, como costumava fazer, zombou ele. “Meu próximo
slogan”, escreveu ele em resposta a Hagerty, “será:
‘Reeleja Robert F. Kennedy como senador — Ele é
ineficiente demais para ser cruel’. De qualquer modo,
obrigado por sua carta. Com os problemas que todos
enfrentamos”, acrescentou Bobby, ainda assombrado com o
que acontecera em Dallas, “Lisa Howard é bastante
irrelevante.”
“Em resumo, minha mãe estava tendo um colapso mental
naquela altura”, disse Lareau. “Havia perdido a coisa mais
importante em sua vida — a carreira, o cargo. Era uma
pessoa pública, exibicionista — adorava estar diante das
câmeras, no centro das atenções. Então, quando tudo isso
desapareceu, sentiu-se como se seu mundo inteiro tivesse
desmoronado.”
Sua mãe também sofria de uma dependência de soníferos
que começou durante sua primeira viagem a Cuba.
“Costumava ficar acordada a noite toda, esperando por
Castro; então não conseguia dormir no dia seguinte e
tomava sonífero.”
A derrocada de Howard continuou naquele verão, quando
ela sofreu um aborto. No dia 4 de julho, depois de ter tido
alta do hospital, foi de carro até uma farmácia em East
Hampton, onde estava passando o verão com o marido.
Falsificou uma receita de soníferos, colocando cem em vez
de dez, e logo tomou a maior parte dos barbitúricos com
refrigerante. A polícia a encontrou andando atordoada e
com os olhos vidrados no estacionamento da farmácia,
murmurando algo sobre um aborto. Levaram-na até um
hospital, porém ela perdeu a consciência e morreu antes
que chegassem lá. O médico que examinou o corpo
declarou que ela havia tomado soníferos em quantidade
suficiente para matar cinco pessoas. “Não era um pedido
de ajuda”, disse Lareau. “Ela estava determinada a
morrer.” Lisa Howard imprimiu a sua morte a mesma
agressividade com que procurou viver.
Ao contrário da carreira de sua amiga Lisa Howard, a de
Bill Attwood prosperou nos anos pós-Kennedy. Depois de
servir ao presidente Johnson como embaixador no Quênia,
ele voltou ao jornalismo, tornando-se, em 1966, editor-
chefe da Cowles Communications, que editava a revista
Look, e, em 1970, tornou-se presidente e editor de
Newsday. Mas, com o passar dos anos, Attwood ficou cada
vez mais atormentado com o assassinato de JFK. Começou
a se perguntar se haveria um vínculo entre os esforços
secretos de Kennedy pela paz com Cuba e sua morte. Em
outubro de 1975, escreveu uma carta ao senador Richard
Schweiker, da Pensilvânia, que, junto com outro membro da
Comissão Church, Gary Hart, do Colorado, havia
persuadido Frank Church a autorizá-los a formar uma
subcomissão para investigar o assassinato do presidente.
“Acho que a Comissão Warren é como um castelo de
cartas”, declarou Schweiker à imprensa naquela época.
“Vai desmoronar.” Em sua carta, Attwood disse a
Schweiker que, embora achasse “difícil desacreditar o
Relatório Warren”, tinha algumas suspeitas sobre o
possível envolvimento dos cubanos anticastristas no crime.
E incentivava Schweiker a tomar como motivo do crime a
negociação de bastidores que Kennedy abrira junto ao líder
cubano.
À medida que os anos passaram, as suspeitas de Attwood
se tornaram mais profundas. Ele manteve contato com
especialistas em conspiração. Conversou sobre o
assassinato com Castro durante uma viagem a Havana em
fevereiro de 1977, em que pretendia reativar a missão de
paz adormecida havia muito tempo, dessa vez em nome do
recém-eleito presidente Carter. Durante uma longa
conversa noturna no palácio presidencial, Castro disse a
Attwood que o discurso de Kennedy na Universidade
Americana mostrava que “ele teria sido um grande
presidente se tivesse vivido”. O líder cubano relembrou
então as conversas entre Attwood e seu representante nas
Nações Unidas, Lechuga. “Foi por isso que Kennedy foi
morto”, disse-lhe Castro, pondo a culpa em uma
“conspiração de elementos da ala direita que podiam ver
que a política dos Estados Unidos em Cuba e no Vietnã
estava prestes a mudar.”
Attwood estava começando a pensar o mesmo. Mais
tarde, deu uma entrevista esclarecedora a Anthony
Summers, ex-jornalista da BBC cujo livro de 1980 sobre o
assassinato, Conspiracy, foi um marco nas pesquisas sobre
Kennedy, pois aplicou pela primeira vez rigorosas técnicas
de reportagem para abordar o crime. Attwood disse a
Summers que suspeitava que as ligações telefônicas que
ele e Lisa Howard fizeram a Havana tinham sido
grampeadas pela CIA. Uma vez que o rumor sobre as
negociações secretas de Kennedy se espalhassem por toda
a agência, conjecturou Attwood, chegando até os
funcionários zelosos que trabalhavam com a convicção de
eLivross cubanos, os resultados seriam explosivos. “Se o
rumor de uma possível normalização das relações com
Cuba chegou até essas pessoas, posso entender por que
teriam reagido com violência”, disse Attwood, “isso era o
fim de seus sonhos de regressar a Cuba, e eles podem ter
sido levados a agir de forma imprevisível. Por exemplo,
assassinando o presidente.”
Arthur Schlesinger concordou com a avaliação de
Attwood, dizendo a Summers: “Sem dúvida, se o rumor
sobre as tentativas do presidente Kennedy vazou, pode ter
sido exatamente o tipo de coisa capaz de provocar uma
explosão de violência fanática. Para mim, essa possibilidade
não deve ser excluída”.
O fato de alguém com a importância de Attwood —
apoiado por alguém que estivera dentro do governo
Kennedy e era um dos maiores historiadores do país — ter
levantado questões tão provocativas sobre o assassinato
deveria ter sido manchete dos jornais. Mas as declarações
de Attwood sumiram rapidamente no buraco negro da
mídia, em que revelações sobre JFK eram rotineiramente
compiladas.
No entanto, no fim da vida, Attwood continuou falando
com a imprensa sobre suas suspeitas. “Pensávamos que
havia mais sobre Dallas do que nos havia sido contado”,
disse sua viúva, Simone, em uma entrevista.
Em janeiro de 1986, Attwood repetiu o que dissera a
Summers em uma conversa telefônica com o produtor de
TV britânico Richard Tomlinson, declarando que suspeitava
de “funcionários descontentes da CIA e eLivross cubanos”.
A “teoria” de Attwood, escreveu Tomlinson em suas notas
sobre a conversa, era “que as negociações secretas com
Cuba tinham sido a gota d’água para os conspiradores. Que
então decidiram matar Kennedy”. Seu “principal erro”,
comentou Attwood, havia sido “utilizar telefones que eram
grampeados pela CIA. Até esse momento, apenas seis
pessoas sabiam das negociações [de paz]”. Mas “havia
elementos dentro da CIA que eram violentamente opostos à
aproximação com Cuba”.
Nos Estados Unidos, a única pessoa que manifestou
interesse nas declarações provocativas de Attwood sobre o
assassinato de Kennedy foi alguém do Advocate, jornal de
sua cidade natal, New Canaan, em Connecticut. Attwood
compartilhou com ele suas sombrias especulações sobre
Dallas. “Eu soube que havia pessoas na agência — uma
delas trabalhou comigo mais tarde — que sentiam
profundamente que Kennedy as abandonaria ao normalizar
as relações com Cuba. Essas pessoas eram bastante
loucas”, disse Attwood, concluindo sua entrevista no jornal
local com uma exortação aos cidadãos para não
esquecerem o crime do século.
“Se não forem até o fundo dessas coisas, se deixarem do
jeito que está, então todos nós estaremos participando da
mascarada.”
Mas quando Attwood morreu do coração, em 1989, aos 69
anos, a verdade ainda estava fora de alcance, bem distante,
no frio e sombrio desconhecido.
 
1 . Organização terrorista contrarrevolucionária formada por eLivross cubanos
em Porto Rico em 1961. [N. T.]
2 . O Comitê de Cidadãos para Cuba Livre foi um grupo de pessoas que reuniu
dados sobre todos os aspectos da Revolução Cubana e publicou relatórios
com o intuito de influenciar a política americana para Cuba. [N. T.]
3 . Alger Hiss (1904-96) foi advogado e membro do governo dos Estados
Unidos. Acusado de ser espião soviético em 1948, foi declarado culpado de
perjúrio e condenado em 1950. [N. T.]
4 . Os dime novels [“romances de dez centavos”] eram obras de ficção muito
populares nos Estados Unidos, vendidas entre o fim do século XIX e o começo
do XX por um preço muito baixo. Esses romances eram considerados pelos
críticos literários da época como histórias de má qualidade, e o termo “dime
novel” acabou abrangendo todo tipo de romance sensacionalista,
independentemente do gênero de publicação. [N. T.]
5 . “Executive action”, nome dado pela CIA, desde os anos 1950, a operações
de assassinato. [N. T.]
6 . Grupo de artistas norte-americanos que nos anos 1960 reuniu
personalidades como Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr. e Peter
Lawford. O grupo apoiou abertamente a campanha presidencial de JFK e,
depois, o presidente eleito, até a expulsão de Peter Lawford do grupo, em
1962. [N. T.]
7 . The Choate Rosemary Hall é um colégio particular situado em Wallingford,
Connecticut. Entre seus alunos mais famosos, além de JFK, estão John Dos
Passos, Michael Douglas e Glenn Close. [N. T.]
8 . O American Veterans Committee foi criado em 1943. De tendência
abertamente liberal, até hoje luta em prol de várias causas focadas em
direitos e liberdades civis, na ajuda a veteranos de guerra e em assuntos
internacionais. [N. T.]
9 . A American Legion é uma organização de veteranos da guerra criada em
1919 e que ainda hoje conta com cerca de 3 milhões de membros. [N. T.]
10 . O Movimento Federalista Mundial foi criado em 1947 e preconiza uma
ordem mundial justa baseada na lei e sob a mediação das Nações Unidas.
Desde 1970, o MFM tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e
Social das Nações Unidas. [N. T.]
11 . A United States Junior Chamber (conhecida como os JCs ou Jaycees) é uma
organização com membros de 18 a 41 anos. Criada em 1920, promove
treinamentos nas áreas comercial e administrativa, além de oferecer serviços
comunitários. [N. T.]
12 . Frase em alemão cujo significado é “sou um berlinense”. [N. T.]
13 . O Committee for a Sane Nuclear Policy foi criado em 1957 como resposta à
corrida armamentista e às políticas de produção e teste de armas nucleares
desenvolvidas pelo governo do presidente Eisenhower. Após fundir-se com o
Nuclear Weapon Freeze Campaign (conhecido como FREEZE) em 1993, a
organização prosseguiu com suas atividades sob o nome de Peace Action. [N.
T.]
14 . De 1961 a 1963, Carl Kaysen (1920-2010) trabalhou diretamente sob as
ordens do conselheiro de Segurança Nacional McGeorge Bundy (1919-96), o
qual exerceu esse cargo de 1961 a 1966, sob as presidências de JFK e
Lyndon Johnson. [N. T.]
15 . C-SPAN é um canal de TV a cabo, criado em 1979, que transmite cobertura
de processos do governo federal e assuntos de interesse público. [N. T.]
16 . Personagem de Guerra nas estrelas, série criada por George Lucas. [N. T.]
17 . Referência ao popular romance escrito por Mary Mapes Dodge (1831-
1905), intitulado Hans Brinke, or the Silver Skates, em que um garoto tampa
a fissura de um dique com o dedo, salvando a Holanda da inundação. [N. T.]
 

5
Dallas

O presidente Kennedy parecia cansado e triste quando


subiu ao púlpito do espaçoso auditório do Departamento de
Estado no feriado de Halloween de 1963. Tinha bolsas
escuras sob os olhos e ombros caídos, como se sentisse dor
ou cansaço. Era a penúltima entrevista coletiva de seu
governo, ocasião em que em geral ele brilhava. Eram
oportunidades para o charmoso e hábil presidente se
mostrar, e ele fizera isso com frequência. Foram 64
entrevistas em seus 1.037 dias no cargo. Embora ele
estivesse invariavelmente bem preparado, sempre parecia
espontâneo e à vontade. Nunca dava sinais de esforço em
suas respostas fluentes e demonstrações de inteligência
vivaz. Numa dessas entrevistas, um repórter havia tentado
destruir sua autoconfiança. “O Comitê Republicano
Nacional adotou recentemente uma resolução em que
afirma que o senhor é um grande fracasso”, disse ele a
Kennedy. “Como se sente a respeito disso?” Com um tempo
típico de comédia, JFK esperou que as risadinhas nervosas
do auditório diminuíssem antes de responder: “Espero que
a resolução não tenha sido aprovada por unanimidade”.
Mas naquele 31 de outubro Kennedy parecia abatido. As
questões que lhe faziam demonstravam com clareza as
pressões a que ele estava submetido: quais eram suas
intenções no Vietnã? Os generais americanos no exterior
deviam ter autoridade para ordenar ataques nucleares,
como defendia o senador Goldwater? O presidente
esperava uma reação branca contra suas políticas de
direitos civis para os negros nas eleições municipais
seguintes, na Filadélfia? Era verdade que Castro capturara
vários agentes da CIA e estava ameaçando executá-los?
Uma repórter percebeu a falta de energia do presidente.
Ela o lembrou de que, depois do episódio da Baía dos
Porcos, ela lhe perguntara se gostava de ser presidente.
Agora, diante de seu estado de espírito sombrio, ela repetia
a pergunta. Era uma oportunidade de Kennedy exibir sua
inteligência, rechaçando a pergunta emocionalmente difícil
com um golpe de humor em seus opositores republicanos
ou com uma autoironia. Mas, em vez disso, ele se mostrou
mais filosófico. Numa voz estranhamente meditativa para
um homem prestes a anunciar sua intenção de candidatar-
se à reeleição, ele murmurou que achava seu trabalho
“gratificante”. E então invocou a sabedoria dos antigos
gregos, como seu irmão faria frequentemente depois de sua
morte. “Em outra oportunidade já dei a este grupo”, disse
Kennedy aos 304 repórteres reunidos no auditório, “a
definição de felicidade dos gregos, e vou dá-la novamente.
Trata-se de usarmos plenamente nossos poderes ao longo
de linhas de excelência. Descobri, portanto, que a
presidência oferece alguma felicidade.”
Não era uma vibrante aprovação do trabalho. Apesar do
tom solene, porém, Kennedy aguardava com ansiedade as
eleições de 1964. Previa que a corrida o colocaria contra
Goldwater, um homem com quem criara um relacionamento
amigável no Senado, mas que representava seu polo oposto
no espectro político. No outono de 1963, JFK escolheu um
tema de paz para sua campanha de reeleição. Sentia que o
povo americano, cansado de ser escravo do terror nuclear,
lhe agradeceria com a vitória. A campanha de 1964
ofereceria uma clara opção: a trégua da era Kennedy-
Khruchov versus a militância em favor da Guerra Fria da
extrema-direita. Nos últimos meses de vida, ele se sentia
cada vez mais confiante de que seria capaz de transmitir
sua mensagem de paz até mesmo para os redutos
republicanos.
Foi isso que ele fez em 26 de setembro, diante da
congregação de um tabernáculo mórmon em Salt Lake City,
em Utah, quando declarou que os Estados Unidos
precisavam aprender a viver num “mundo de diversidade”,
onde nenhum poder dominaria os assuntos globais.
“Precisamos, antes de mais nada, reconhecer que não
podemos recriar o mundo apenas com nosso comando”,
disse o presidente. “Quando não somos capazes de levar a
todo o nosso povo a plena cidadania, sem atos de violência,
entendemos o quanto é difícil controlar os acontecimentos
além de nossas fronteiras.” Para uma atônita imprensa de
Washington que cobria o discurso, o público conservador
vibrou e aplaudiu.
Apesar disso, Kennedy sabia que a campanha de 1964
seria disputadíssima. Tinha consciência de quão polarizado
se tornara o país em consequência de seu esforço de pôr
fim à Guerra Fria e à segregação racial. Devido à sua
política de direitos civis, o Sul estava em franca luta contra
a coalizão democrática que dominava a região desde o New
Deal.
Kennedy discursou na tevê em junho de 1963, para dizer
que a aprovação da legislação dos direitos civis no
Congresso era um ponto moral relevante para sua
administração. Foi o insulto máximo para a ordem sulista
tradicional, construída sobre a supremacia branca. O
presidente pediu a Sorensen que escrevesse o discurso
num impulso de momento, depois de assistir, na tevê do
Salão Oval, outro governador sulista — dessa vez do
Alabama, George Wallace — desafiar as ordens federais de
promover a integração racial na Universidade Dixie.
Girando em sua cadeira diante do televisor, Kennedy disse
ao assessor: “É melhor fazermos esse discurso esta noite”.
O autor dos pronunciamentos da Casa Branca teve duas
horas para redigir o discurso que faria história. “Foi difícil
ser moderado”, disse Sorensen. “Enquanto eu escrevia, o
presidente entrou na minha sala — acredito que tenha sido
a única vez, durante todo o seu governo, que ele entrou na
minha sala — e disse: ‘Como está indo?, ‘Não se preocupe’,
respondi. ‘Estou terminando de fazer algumas correções.’ E
ele disse: ‘Pensei que teria que falar em rede nacional, de
improviso’.”
O discurso de JFK sobre direitos civis, assim como seu
discurso pela paz no mesmo mês, definiu as diretrizes do
governo em relação aos assuntos urgentes do dia. “Temos
que enfrentar primordialmente uma questão moral”, ele
disse ao público americano, com uma comovente
simplicidade. “É um tema tão antigo quanto as Escrituras e
tão claro quanto a Constituição americana. O cerne da
questão é saber se vamos tratar nossos semelhantes
americanos como queremos ser tratados. Se um americano,
pelo fato de ter a pele negra, não pode comer num
restaurante aberto ao público, não pode mandar seus filhos
para a melhor escola pública, não pode escolher os
funcionários públicos que vão representá-lo, se, em suma,
não pode desfrutar da vida plena e livre que todos
queremos, quem entre nós gostaria de mudar a cor de sua
pele e se colocar em seu lugar?”
O presidente finalmente abandonava sua postura
cautelosa e pragmática em relação aos direitos civis — sua
estratégia para manter a velha coalizão do Partido
Democrata — e tratava o pecado original da nação com a
paixão que ele exigia. Mais uma vez, recorreu a Ted
Sorensen — o progressista político de Nebraska que na
juventude formara o Conselho de Ação Social Lincoln para
combater o racismo em sua cidade natal — para ajudá-lo a
encontrar as palavras certas para inspirar os melhores
anjos da natureza americana.
“Um século se passou desde que o presidente Lincoln
libertou os escravos, e no entanto seus herdeiros, seus
netos, não são totalmente livres. Eles ainda não foram
libertados dos laços da injustiça. Ainda não foram
libertados da opressão social e econômica. E esta nação,
apesar de todas as suas esperanças e pretensões, não será
plenamente livre até que todos os seus cidadãos o sejam.”
JFK disse ao irmão, que se tornara o maior defensor dos
direitos civis de seu governo, que temia que o discurso
fosse seu “canto do cisne político”. Porque tinha enfim
colocado sua eloquência a favor da causa dos direitos civis,
o presidente sabia que enfrentaria uma fuga em massa de
eleitores brancos, não só no Sul, como nas comunidades
étnicas que resistiam à integração no Norte. Uma pesquisa
de opinião do instituto Gallup realizada no início de
novembro apontou que a popularidade do presidente caíra
a 59%, depois de ter atingido 77% com a Crise dos Mísseis
cubanos. Líderes republicanos reunidos em Charleston, na
Carolina do Sul, no dia 9 de novembro, previram,
confiantes, que Goldwater arrebataria o Sul em 1964,
tirando até o Texas do lado democrata. No dia 18 de
novembro, George Wallace, que atacara teatralmente o
governo Kennedy nos degraus da Universidade do
Alabama, declarou a uma alegre plateia em Dallas que “o
povo americano salvará este país no ano que vem” ao tirar
Kennedy da Casa Branca. A imprensa já começava a
duvidar que a reeleição de Kennedy fosse uma aposta
certa, com a revista Look declarando que “JFK pode
perder” e a Time especulando que Barry Goldwater estava
em condição de disputar com Kennedy uma corrida corpo a
corpo de tirar o fôlego.
Kennedy podia perder a maior parte da antiga
Confederação e, ainda assim, vencer a eleição de 1964,
mas talvez não suportasse perder o Texas, onde tinha
vencido por estreita margem em 1960 com a ajuda de seu
astuto companheiro de chapa texano, Lyndon Johnson.
Precisava dos 24 votos do estado, e recorreria aos ricos
para o complexo jogo de xadrez que a campanha imputava.
Por isso, planejou uma viagem de dois dias a Dallas no fim
de novembro. A visita era uma necessidade política, mas
Kennedy e sua equipe a encaravam com apreensão. “É um
verdadeiro desastre”, disse Kenny O’Donnell ao assessor da
Casa Branca, Jerry Bruno, em outubro. O eleitorado branco
conservador do Texas tinha se manifestado abertamente
contra as políticas liberais de Kennedy. Uma disputa aberta
irrompera no Partido Democrata do estado entre o
governador conservador John Connally e o senador liberal
Ralph Yarborough. Connally, ex-secretário da Marinha de
Kennedy, já tomava o caminho que mais tarde o levaria ao
Partido Republicano. Temendo que o presidente minasse
suas chances de reeleição em 1964, Connally não fez
segredo de que se opunha à viagem.
Se Connally não podia evitar que JFK visitasse seu estado,
estava determinado a controlar seu itinerário,
acompanhando o presidente em encontros com
financiadores exclusivos e limitando sua exposição pública,
para que os demais democratas do Texas não pagassem por
uma previsível reação anti-Kennedy. Alto, bem-vestido e
abençoado com a aparência de um caubói herói das
matinês, Connally parecia talhado à imagem e semelhança
dos ricos fazendeiros e exploradores de petróleo aos quais
servia politicamente. Ele tentou intimidar o troncudo
Bruno, quando o emissário de Kennedy o encontrou no
palácio do governo para planejar a visita presidencial. Bem
mais alto que Bruno graças às botas de caubói, e cercado
de assessores, Connally começou a ditar o esquema para a
viagem de Kennedy. Se  o presidente não o aprovasse,
informou ele a Bruno, que ficasse em casa. “A certa altura”,
lembra Bruno, “eles trouxeram o almoço: um filé suculento
para Connally e um sanduíche para mim. E vou lhe dizer:
se você passou a maior parte de sua vida trabalhando com
as mãos, sabe bem o que eles estavam tentando me dizer
com uma atitude como aquela.”
Connally era firmemente contra um desfile presidencial
pelas ruas de Dallas, mas o populista Yarborough defendeu-
o com agressividade. “Yarborough, o ‘senador do povo’,
achava que a visita estava concentrada demais nos
endinheirados e não dava aos texanos comuns a
oportunidade de ver o presidente”, lembra o político texano
Ben Barnes, um protegido de Connally que o ajudou a
organizar a viagem. A Casa Branca ficou do lado de
Yarborough quanto ao desfile de carros e fez Connally
saber que lugar ocupava na cadeia de comando. “O
presidente não está vindo para se esconder”, disse
O’Donnell ao assessor de Johnson, Bill Moyers.
Em particular, porém, Yarborough e os assessores de
Kennedy nutriam profundas desconfianças em relação a
Dallas. A cidade era um vórtice de todas as paixões que
atormentavam a presidência de Kennedy. Quando o editor
do Dallas Morning News, Ted Dealey, insultou o presidente
cara a cara na Casa Branca, dizendo-lhe que ele não era “o
homem a cavalo” de que a nação precisava, mas um “bebê
num triciclo”, sabia que falava em nome da maioria de sua
cidade natal, aquela que dera a Nixon a maior votação de
todas as grandes cidades. Nos últimos dias da campanha,
até o texano Lyndon Johnson foi tomado de assalto, quando
ele e a mulher, Lady Bird, foram encurralados por um
grupo de direita, formado por mulheres de casacos de pele,
no saguão do Adolphus Hotel, o mais luxuoso da cidade.
Um mês antes da visita de Kennedy a Dallas, Adlai
Stevenson — cujo liberalismo e o cargo de embaixador da
ONU o tornavam o alvo favorito da extrema-direita — foi
vaiado num palco em Dallas e, ao sair do auditório,
enfrentou uma multidão que o atacou com cusparadas,
atingiu-o na cabeça com uma placa (na qual se lia “SE
VOCÊ PROCURA A PAZ, PEÇA A JESUS”) e chacoalhou seu
carro quando ele tentava escapar. “Por um ou dois minutos,
pensei que eles fossem virar o carro de cabeça para baixo”,
lembrou o magnata das lojas de departamentos Stanley
Marcus, que acompanhava Stevenson naquele dia. “Eu
disse ao motorista que forçasse a passagem... pusesse a
mão na buzina e saísse dali correndo, o que ele fez, e
felizmente não ferimos ninguém, [porque] estávamos
cercados e corríamos o risco iminente de ser massacrados.”
Dallas era a cidade do general aposentado Edwin Walker,
o apocalíptico “Soldado Cristão” que agitava seus
concidadãos com ataques à política externa “derrotista” de
Kennedy e sua agenda doméstica “socialista”. Segundo ele,
JFK estava transformando a águia americana em um “pato
morto”. De fato, Dallas era a meca dos anticomunistas,
herdeiros dos patriotas da Guerra Civil e cruzados cristãos.
Várias pessoas tentaram dissuadir JFK de ir a Dallas,
entre elas Billy Graham, a esposa de David Brinkley, Ann, e
Stanley Marcus. Em um voo para Little Rock, William
Fulbright — o homem que comandara o ataque no Senado à
alarmante politização dos militares — implorou ao
presidente que cancelasse a viagem, dizendo que Dallas
era “um lugar muito perigoso. Eu não iria. Não vá”. Mas
Kennedy estava determinado a ir. Quando Bobby e
O’Donnell leram a carta de um membro do Partido
Democrata no Texas implorando a JFK que ficasse longe de
Dallas devido à extrema animosidade da cidade contra ele,
não a transmitiram ao presidente. “Se eu tivesse sugerido
deixar de fora uma cidade tão grande e importante quanto
Dallas por causa da carta, o presidente pensaria que eu
tinha perdido o juízo”, observou O’Donnell mais tarde.
A decisão de percorrer as ruas de Dallas em carro aberto
seria mais tarde citada como um caso típico da lendária
imprudência dos Kennedy. O ato foi apontado como
exemplo da arrogância com que a família desafiava o
destino. Dizia-se que Joe Kennedy tinha criado os filhos
para serem homens audaciosos, doutrinando-os no mito da
invencibilidade. Mas JFK teria rejeitado energicamente
essa interpretação de sua decisão de ir a Dallas. Kennedy
havia muito deixara de acreditar na sublime
excepcionalidade de sua família. A Segunda Guerra
Mundial destruíra o mito familiar, escreveu o jovem JFK
numa carta reveladora de 1947 a Claiborne Pell. A guerra
tinha atacado “com violência” sua família, confidenciou ele
a Pell, levando a vida de seu irmão mais velho, de sua irmã
e de seu cunhado. “Isso deixou meu pai, meus irmãos e
irmãs e a mim atônitos, e sugou todo o oxigênio de nossas
presunçosas e confortáveis expectativas. Terminadas as
velhas batalhas, ainda temos muita confiança: a incrível
confiança dos Kennedy, que é a força principal de nossa
tribo. Mas nós, filhos e filhas, não possuímos mais aquela
confiança insensata, não comprovada e sem sentido a que
estávamos acostumados antes da guerra. Nosso pai tinha
nos preparado muito bem para parecer, a nós mesmos e aos
outros, imbatíveis e imortais — uma espécie de deuses.
Agora isso terminou. Agora, depois de tudo que
vivenciamos e perdemos na guerra, finalmente
compreendemos que não existe nada que não possa nos
acontecer. E é saudável saber disso.”
Foi o senso de dever político, e não a audácia, que
empurrou Kennedy para Dallas. Ele sabia que não havia
nada de inevitável em sua reeleição. Lyndon Johnson
acabaria enterrando Goldwater em 1964, mas sua vitória
esmagadora foi provocada pelo luto que sacudiu a nação
depois de Dallas. Kennedy sabia que a eleição seria
apertada. Se esperava ser reeleito, não podia evitar as
principais cidades do país, por mais hostis que fossem. Ele
se recusou a ceder qualquer parte do país a seus inimigos
da extrema-direita. Na verdade, planejava usar essa viagem
a Dallas para denunciar a ameaça do extremismo na vida
americana.
Era isso que Kennedy pretendia dizer à plateia do Dallas
Trade Mart no dia 22 de novembro de 1963: os americanos
precisavam deixar de ouvir as vozes do “absurdo” que
anunciavam que a “paz era sinal de fraqueza”. A maneira
mais eficiente de demonstrar a força dos Estados Unidos
não era brandindo armas e ameaçando os inimigos. Era
sendo fiel aos ideais democráticos do país, praticando “o
que ele prega sobre direitos iguais e justiça social” e
buscando a paz em vez de “ambições agressivas”. Kennedy
tinha sido aconselhado a não inflamar as paixões da ala
conservadora da cidade, mas estava irredutível. Se o
discurso inflamasse Ted Dealey, que fosse. Lendo uma cópia
do que seria proferido no Trade Mart, Robert MacNeil —
que cobria a visita a Dallas para a NBC News — se encheu
de orgulho, apesar de seu velho ceticismo jornalístico em
relação aos encantos sedutores de Kennedy. “Quando li,
senti a explosão da força intelectual e da racionalidade que
ele representava. Fiquei empolgado, e esperava o momento
em que ele lançaria seu bombardeio sobre os cidadãos de
Dallas.”
Ir a Dallas era uma missão arriscada, mas essencial, e o
presidente enfrentou-a plenamente. Não foi LBJ que coagiu
Kennedy a ir, como mais tarde afirmaram alguns detratores
de Johnson. Na verdade, Johnson apenas temia a reação
política contra o governo em seu estado natal, como a de
Connally. Levando os temas da Nova Fronteira — paz e
igualdade racial — a um estado da “Velha Fronteira”,
Kennedy pretendia aliciar o áspero eleitorado do Texas e
persuadi-lo de que suas políticas visavam seu melhor
interesse. O astuto presidente sabia que percorrer as ruas
de Dallas em carro aberto, mostrando o brilho do jovem
casal, era uma maneira de se ligar diretamente ao povo que
ele esperava conquistar com sua mensagem vibrante. O
heroísmo da missão de Kennedy se revelou em sua
percepção de que assumia não só um risco político, mas
também físico.
Kennedy enfrentou a ameaçadora atmosfera de Dallas de
maneira fatalista. Quando o jornal de Dealey vinculou um
cáustico anúncio contra Kennedy, na manhã de 22 de
novembro, ele deu de ombros, mas sabia que aquilo
perturbaria Jackie. Emoldurado por uma tarja preta, o
anúncio — que foi pago por um filho do barão do petróleo
H. L. Hunt, Nelson, e pelo futuro dono do Dallas Cowboys,
Bum Bright — acusava JFK de vender o país aos
comunistas. “Estamos entrando num território maluco”, ele
disse à mulher naquela manhã, antes do curto voo de Fort
Worth para Dallas. “Mas, Jackie, se alguém quiser atirar
contra mim de uma janela com um rifle, ninguém poderá
impedir. Portanto, por que se preocupar com isso?”
JFK, que muitas vezes levantou o tema do assassinato
durante seus agitados anos no cargo, parecia
particularmente preocupado com o fantasma do crime
durante a viagem ao Texas. E tinha boas razões pra isso.
Nas semanas que antecederam a visita a Dallas, ele foi
informado de dois sérios complôs contra ele: um em
Chicago e o outro em Tampa, Flórida. Hoje podemos
concluir que Kennedy estava, de fato, sendo caçado
obstinadamente nas últimas semanas de vida.
No sábado 2 de novembro, uma carreata que deveria
levar o presidente do Aeroporto O’Hare, de Chicago, ao
Soldier Field, onde ele assistiria a um jogo de futebol entre
o Exército e a Força Aérea na companhia do prefeito,
Richard Daley, foi subitamente cancelada depois que o FBI
informou o Serviço Secreto de um complô para matar o
presidente antes que ele chegasse a seu destino. A
conspiração, que foi detalhada no livro Ultimate Sacrifice,
de 2005, de autoria de dois pesquisadores de atentados,
Lamar Waldron e Thom Hartmann, envolvia um grupo de
quatro franco-atiradores (dos quais pelo menos dois eram
eLivross cubanos) e um bode expiatório chamado Thomas
Arthur Vallee, que tinha um perfil semelhante ao de Oswald
(um ex-fuzileiro naval com uma aparente afinidade com
armas e extremistas políticos). Kennedy sofreria uma
emboscada quando sua limusine fizesse um curva lenta e
fechada para sair  da via expressa em direção à Jackson
Street — semelhante à guinada de noventa graus que seu
carro teve que fazer para entrar na Elm Street, em Dallas,
pouco antes dos tiros —, passando por um alto armazém
onde Vallee trabalhava, não muito diferente do depósito de
livros escolares do Texas. Vallee, que foi preso pela polícia
de Chicago duas horas antes que o avião de Kennedy
pousasse em O’Hare, mais tarde alegou ter sido aliciado
por alguém que conhecia bem o seu passado, ou seja, sua
missão, designada pela CIA, “de treinar eLivross para
matar Castro”.
Mais tarde naquele mês, outro complô para matar
Kennedy foi revelado por agentes da lei em Tampa, onde,
em 18 de novembro, o presidente devia percorrer uma
grande distância em carreata, da base da Força Aérea até o
Arsenal da Guarda Nacional, onde faria um discurso, e
depois até o International Inn, onde faria um segundo
pronunciamento. “A tentativa de Tampa”, observaram
Waldron e Hartmann, que entrevistaram o ex-chefe de
polícia de Tampa, J. P. Mullins, e outros policiais sobre o
complô, “tinha ainda mais paralelos com Dallas do que a de
Chicago”. Um suspeito fundamental da armação de Tampa,
um eLivros cubano chamado Gilberto Lopez, parecia ter
sido feito no mesmo estranho molde de Oswald. Como o
assassino de Dallas, Lopez tinha desertado para a Rússia e
se fizera passar por membro pró-Castro do comitê Fair Play
for Cuba. Apesar do complô — que Waldron e Hartmann
afirmam ter sido abortado quando um de seus arquitetos, o
chefão da Máfia na Flórida, Santo Trafficante, foi avisado
de que tinha sido descoberto —, Kennedy não desistiu da
carreata. Até ficou de pé na limusine em movimento e
acenou para a multidão, para agonia dos agentes do
Serviço Secreto e dos policiais de Tampa designados para
protegê-lo. Kennedy não considerava o risco levianamente
— um funcionário da Flórida observou mais tarde que ele
estava sob evidente estresse aquele dia —, mas se recusou
a permitir que as ameaças cada vez mais fortes contra ele
impedissem outra carreata depois de Chicago e
restringissem seu contato com o povo americano. JFK
também tinha consciência da importância eleitoral da
Flórida, o único estado sulista, além do Texas, que ele
planejava conquistar em 1964.
No último mês de sua vida, John Kennedy parecia um
homem marcado, atado por um apertado laço de traição.
No fim de semana de 16 de novembro, quando o presidente
se transferiu para a mansão da família em Palm Beach para
trabalhar no discurso sobre seu gesto de boa vontade em
relação a Cuba que pretendia proferir em Miami, um
suspeito grupo de eLivross cubanos se mudou para a casa
vizinha. O grupo era liderado por um rico veterano do
episódio da Baía dos Porcos chamado Alberto Fowler, que
culpava o presidente pela derrota da brigada. Fowler mais
tarde contou ao New Orleans Times-Picayune que
simplesmente tentava aborrecer Kennedy tocando música
cubana em alto volume o dia todo. Mas seu aparente papel
como membro operativo da inteligência — depois de Dallas
ele tentou espalhar a falsa informação de que Oswald era
agente de Castro e mais tarde se infiltrou na investigação
do assassinato de JFK promovida por Jim Garrison em Nova
Orleans — indicava que havia um motivo mais preocupante
para seu súbito aparecimento na vizinhança dos Kennedy.
Robert Kennedy tinha conhecimento dos complôs de
Chicago e de Tampa. E, embora não haja evidências de que
ele soubesse da perseguição de Fowler, sabia da intriga
cada vez maior contra o irmão no mundo dos eLivross
cubanos. Bobby não era só o protetor de Jack, mas também
seu homem de frente na política. As duas funções devem tê-
lo preocupado de uma maneira particularmente inquietante
em novembro de 1963. Como o irmão, ele sabia o quanto a
viagem ao Texas era importante para suas ambições
políticas. Mas estava cada vez mais apreensivo em relação
à segurança de Jack, a ponto de começar a manobrar para
tirar as tarefas de proteção do presidente do Serviço
Secreto e colocá-las sob seu controle no gabinete do
procurador-geral. Como Kenny O’Donnell, o “terceiro irmão
Kennedy” no governo, Bobby não podia impedir a viagem
de Jack ao Texas. O que se esperava dos Kennedy é que
fossem corajosos para resistir às noites sombrias de maus
presságios. Mas Dallas preocupava Bobby. Talvez os dois
irmãos pressentissem o que vinha pela frente.
No dia 20 de novembro, Bobby completou 38 anos.
Mostrou um humor sombrio e amargo na festa-surpresa
que lhe ofereceram no Departamento de Justiça,
debochando de si mesmo por ser um obstáculo às chances
de reeleição do irmão. “Quem vocês acham que conquistou
o Sul para o presidente Kennedy?”, exclamou, como um
político num palanque, enquanto seus assessores baixaram
a cabeça, constrangidos. “Robert Kennedy, esse foi o cara!”
Por mais que trabalhasse como louco pelo irmão, isso
nunca era suficiente. Mais tarde naquele dia, lá estava ele
na Casa Branca, para a recepção anual ao Judiciário. Ali,
conversou com o irmão sobre sua viagem ao Texas. Por que
Jack saía em missões políticas como essa?, perguntou
Bobby. “Você é presidente e já tem obrigações suficientes”,
disse ele ao irmão. Havia um tom triste e melancólico nessa
queixa, mas ele sabia exatamente por que Jack tinha que ir.
JFK tentou arrancar o irmão desse estado de espírito.
“Mas, Bob, 64 está chegando e não posso esperar.”
Lembrou o que dissera lorde Tweedsmuir, o diplomata e
romancista escocês que ele gostava de citar: “A política é
uma aventura nobre”. Depois, deu um tapinha nas costas
do irmão e saiu da sala. Bobby nunca mais o viu.
 
Tendo sido criado numa pequena fazenda em Chandler, no
leste do Texas, Ralph Yarborough gostava de caçar. Mas,
sempre que penetrava na mata sozinho, era dominado pelo
medo. Era algo que ele trazia dos primórdios da juventude,
como lembrou anos mais tarde. Quando perseguia a presa
sob a cobertura sombria das árvores, sentia calafrios que
só cessavam quando finalmente chegava a céu aberto. A
mesma sensação de medo dominou Yarborough na tarde de
22 de novembro, quando atravessava o cânion sombrio do
centro de Dallas, dois carros atrás do presidente em sua
comitiva.
O senador estava apertado no banco traseiro do
conversível, entre o vice-presidente e sua esposa, Lady Bird
— uma proximidade que não agradava a nenhum dos dois
homens, que disputavam o feudo do Partido Democrático
do Texas. Lyndon Johnson ainda estava ressentido com
Yarborough por este ter levado a delegação do Texas na
convenção democrata de 1960 a apoiar Kennedy e não ele,
o filho predileto do estado. Desde então, Yarborough, com
boas razões, acusava a ala conservadora do Partido
Democrata no estado, formada por Johnson e Connally, de
tentar se vingar do desertor liberal. Quando o avião do
presidente pousou no Love Field, às 11h38 daquela manhã,
Kennedy — que tentava desesperadamente aplainar as
divergências durante a viagem — tinha determinado que
Yarborough desfilasse no carro de Johnson. O assessor da
Casa Branca, Larry O’Brien, cumpriu a ordem presidencial
empurrando Yarborough para dentro do carro e batendo a
porta para garantir que os dois políticos adversários
apresentassem uma imagem de harmonia ao povo de
Dallas. Assim que a carreata deixou o aeroporto,
percorrendo a Mockinbird Lane em direção ao centro da
cidade, o senador, que sabia usar seu charme quando
precisava, rapidamente assumiu o papel que se esperava
dele, acenando e gritando para o público nas ruas,
enquanto Johnson permanecia de cara amarrada a seu lado.
Quando o desfile começou a descer a Main Street, sob as
torres do centro empresarial de Dallas, seu estado de
espírito começou a mudar. O velho medo juvenil o dominou.
Na rua, a multidão — que agora, às 11h50, já era grande —
parecia cheia de energia, saudando ruidosamente o
presidente e a primeira-dama, que fazia sua primeira
viagem ao Texas. Mas o senador não gostou do que viu
quando seus olhos varreram as janelas de um edifício de
escritórios. Por trás delas, homens de negócios e suas
secretárias observavam a passagem dos carros em um
silêncio assustador. “Eles estavam ali, de pé, frios como
pedras, olhando para o presidente. E não diziam nada...
Olhei para o segundo e o terceiro andar e vi, por trás das
janelas, que as pessoas recuavam. [...] Elas olhavam para o
presidente, pelo menos me pareceu, com ódio. Fiquei ainda
mais apreensivo.” Entre os espectadores de cara fechada
do edifício estava Hunt, o ultradireitista magnata do
petróleo, que observava o presidente do sétimo andar do
Mercantile Building, ladeado por duas secretárias.
Yarborough temia que alguém atirasse um vaso de flores
ou algo que atingisse a primeira-dama. À medida que o
desfile presidencial descia lentamente pelo desfiladeiro
sombrio da Main Street, o senador ansiava chegar a um
espaço aberto, como acontecia em suas expedições pela
floresta, onde estariam a salvo.
Quando o cortejo chegou à ensolarada Dealey Plaza,
Yarborough soltou um suspiro de alívio. Era como chegar a
um campo aberto com seus cães quando tinha doze anos.
“‘Estou feliz de ver a luz do sol. Estou feliz por termos
passado’, pensei. Eu me senti seguro no momento em que
chegamos [lá]. Tudo tinha acabado.”
Mas quando os carros viraram à esquerda na Elm Street,
dirigindo-se para a via expressa que levava ao Dallas Trade
Mart, Yarborough ouviu um ruído que lhe trouxe de volta o
terror infantil. Dessa vez ele se sentia a caça, não o
caçador. Era indiscutivelmente o som de um tiro de rifle,
rapidamente seguido por outros disparos. O dia se
congelou. Então ele sentiu um cheiro de pólvora no ar
irrespirável.
Caçados, emboscados — foi dessa maneira que os
participantes da carreata descreveram seu sentimento
naquele dia. Estavam no meio do fogo cruzado. E a presa, o
presidente dos Estados Unidos, estava indefesa. Pelo resto
de sua vida, Yarborough procuraria a razão da peculiar
reação do Serviço Secreto naquele dia. “Lá estavam os
homens do Serviço Secreto ao redor do carro à minha
frente, parecendo um bando de idiotas”, ele criticou. “Não
fizeram nada. Ficaram ali parados, olhando ao redor.” Com
exceção do agente Clint Hill. Depois de se atirar sobre a
limusine presidencial quando ela acelerou rapidamente,
Hill bateu na traseira do carro. Yarborough nunca esqueceu
essa terrível visão. “Seu rosto revelava toda a sua angústia
e seu desespero.” Vendo isso, “eu soube que o presidente
tinha sido morto ou gravemente ferido”.
John F. Kennedy fora atingido ao meio-dia numa praça de
Dallas que levava o nome do pai do homem que o odiava,
Ted Dealey. Ávido leitor de história, Kennedy teria
apreciado a ironia.
Os americanos seriam invadidos por uma sensação de
horror da Dealey Plaza, quando uma gravação caseira do
assassinato, feita por um fabricante de roupas de Dallas de
59 anos que se chamava Abraham Zapruder, finalmente foi
retirada das cavernas da revista Life, onde tinha sido
guardada durante anos, e amplamente exibida. O
malfadado filme de 26 segundos dos momentos finais do
presidente — culminando num quadro repulsivo em que um
tiro atinge sua cabeça por trás, arrancando um fragmento
de seu crânio num jorro de sangue — vai castigar a alma
daqueles que lhe assistirem. O próprio Zapruder pagou um
preço terrível por ter sido testemunha ocular da história da
nação. Surpreendentemente, ele se manteve filmando o
terrível espetáculo que se desenrolava em detalhes diante
de sua câmera. Depois, desceu de seu posto de observação
— uma mureta de concreto na colina gramada de onde se
avistava a cena do crime — e voltou tropeçando para seu
escritório, gritando: “Eles o mataram, eles o mataram, eles
o mataram!”. Depois, sentou-se à sua mesa, soluçando.
Um pensamento terrível passou pela mente de Zapruder
quando viu o presidente ser assassinado diante de seus
olhos. “Percebi que haviam conspirado contra ele.” Sua
palavras — conjurando a imagem do homem mais poderoso
do país reduzido a uma submissão sangrenta por
assaltantes anônimos — ainda são profundamente
perturbadoras.
Zapruder, um imigrante judeu russo que chegou aos
Estados Unidos na adolescência, nunca se recuperou do
choque provocado pelo que viu através da lente de sua
filmadora Bell & Howell de 8 milímetros. Pelo resto da vida,
sofreu com pesadelos recorrentes. Quando foi convocado a
depor perante a Comissão Warren, em julho de 1964, caiu
no choro ao reviver aquela tarde. No fim de seu
depoimento, desculpou-se humildemente por sua explosão
emocional. “Estou envergonhado”, disse ele ao procurador
que tomava seu depoimento. “Não imaginava que fosse
desmoronar, e por um homem... mas foi uma coisa trágica
e, quando o senhor começou a me interrogar, vi a cena toda
de novo, e foi horrível... foi uma coisa horrível, eu amava o
presidente. E ver isso acontecer diante de meus olhos —
sua cabeça aberta por um tiro, como um cachorro — me
deixa uma impressão emocional muito, muito profunda. É
terrível.”
Wesley Liebeler — o assessor que foi tardiamente
despachado para tomar o depoimento de Zapruder — não
estava interessado em seu trauma. Tampouco estava
particularmente interessado na declaração de que os tiros
“vieram da direita, às minhas costas” — um lugar onde
muitas testemunhas e policiais que trabalhavam naquela
tarde suspeitaram que estaria localizado o atirador. A
Comissão Warren, que a princípio não planejava entrevistar
Zapruder, tratou-o como um recurso tardio. Mas seu filme
revelaria mais coisas sobre a morte de JFK do que o
relatório de 26 volumes enviado pelo presidente da
comissão, Earl Warren, ao presidente Johnson em 24 de
setembro de 1964. O filme de horror de Zapruder
sobreviveria até muito depois de sua morte, em 1970, como
um pungente testemunho de que o presidente Kennedy foi
atingido na Dealey Plaza por mais de um atirador — os
tiros partiram tanto da frente quanto de trás da limusine
presidencial.
Por mais terrível que seja, o filme de Zapruder não captou
todo o caos reinante na limusine presidencial durante a
explosão de violência na Plaza Dealey. Mas as viúvas dos
dois homens atingidos naquele dia — Jackie Kennedy e
Nellie Connally — contariam tudo o que tinham
testemunhado. Foi o relato lancinante de Jackie, feito ao
correspondente da revista Life, Theodore White, em uma
entrevista extraordinária concedida na propriedade da
família em Hyannis Port, uma semana depois de Dallas, que
mais vividamente transmitiu o horror de tudo. Esse
depoimento e a entrevista que ela concedeu a William
Manchester, o cronista do assassinato autorizado pela
família, seriam as duas únicas vezes em que ela falaria
publicamente sobre os acontecimentos de 22 de novembro
de 1963. Sentada num sofá, vestida de calça preta e
pulôver bege — seus olhos escuros “mais profundos que
lagos” —, ela contou sua indescritível história a White em
um tom extraordinariamente calmo. As palavras saíam
como se ela estivesse num transe. “Percebi que ia ouvir
mais do que queria”, escreveu White mais tarde — um
comentário estranho para um jornalista que acabara de
conseguir o furo de reportagem de sua carreira.
A empresa para a qual White trabalhava partilhou de sua
sensibilidade. Mais uma vez, a Life julgou necessário
suprimir um terrível documento da Dealey Plaza,
publicando uma versão expurgada da entrevista em sua
edição de 6 de dezembro de 1963. O breve artigo “Um
epílogo para o presidente Kennedy” se concentrava no
amor de JFK pelo musical Camelot, o que ajudou a
transformar sua história numa delicada lenda arturiana, em
vez da monstruosa história de crime e mistério que de fato
era. Faltava o testemunho ocular de uma mulher ainda
destruída pelo que tinha vivido apenas uma semana antes.
Mas três décadas mais tarde, depois da morte de
Jacqueline Kennedy Onassis, em 1994, a Biblioteca
Kennedy finalmente disponibilizou os “documentos
Camelot”, de White, inclusive suas observações escritas à
mão sobre a entrevista. Não obstante a passagem do
tempo, o relato de Jackie era ainda mais terrível. E a
cobertura da mídia sobre a revelação dos documentos era
decorosa, lançando um véu sobre os horrendos detalhes
que Jackie não pôde esquecer.
A carreata que partiu do aeroporto naquela tarde a fez
lembrar-se do cortejo tumultuado do primeiro casal pelas
ruas da Cidade do México no ano anterior, disse Jackie a
White. Fazia um calor de deserto, e o sol ofuscava seus
olhos. Jack pedira que ela não usasse óculos escuros por
temer que isso fizesse a primeira-dama parecer uma estrela
de cinema distante aos olhos do povo nas ruas de Dallas.
Ela atendeu de bom grado a seu pedido, sabendo o quanto
a viagem era importante para a carreira política do marido.
Depois do sofrimento provocado pela morte do filho recém-
nascido, Patrick, em agosto, o casal parecia mais cúmplice
do que em qualquer outra época. Jackie estava cada vez
mais cansada do circo político, mas desfilar ao lado do
marido naquele dia era uma expressão de seu amor. JFK,
que tinha grande prazer com o efeito eletrizante que a
mulher exercia sobre as multidões, apreciou
profundamente sua companhia naquela viagem. Mesmo
sem óculos escuros, o casal tinha um brilho estelar quando
acenava para a multidão barulhenta que se alinhava nas
ruas. Viajando no ônibus da imprensa, vários carros atrás
da limusine de Kennedy, Robert Donovan, diretor da
sucursal do Los Angeles Times em Washington, pensou que
“se Hollywood tivesse tentado escalar atores para
representar um presidente e sua esposa, jamais teria
imaginado um casal como o formado por John F. Kennedy e
Jacqueline Kennedy. Naquele dia, eram duas pessoas
glamorosas tendo uma recepção calorosa. De certo modo,
nunca houve na vida pública dos Kennedy um momento tão
alto quando aquele de Dallas”.
Nellie Connally estava aliviada e exultante diante da
recepção do povo. Quando o carro entrou lentamente na
Elm Street, ela se virou no banco extra onde viajava ao lado
do marido e sorriu alegremente para Kennedy: “Senhor
presidente, o senhor com certeza não pode dizer que Dallas
não o ama!”. Os olhos do presidente se arregalaram de
entusiasmo. Dallas o tinha surpreendido, pensou Nellie. E
então soou na praça o primeiro tiro.
A primeira bala atravessou o pescoço de Kennedy, e seus
braços se ergueram como se quisessem protegê-lo de mais
ferimentos. A esposa se virou para ele, e no momento em
que ela fez isso, outra bala estilhaçou sua cabeça. A
imagem do marido em seu último momento de vida ficou
gravada em sua memória. Ela se recordou com estranha
elegância da atitude do marido. “Sua última expressão foi
tão nítida! Ele tinha a mão erguida, e pude ver um pedaço
de seu crânio saindo para fora; era cor de carne, e não
branco. Ele mantinha a mão estendida — e pude ver
perfeitamente o fragmento se separando de sua cabeça;
então ele tombou no meu colo.”
Mais adiante na entrevista a White, Jackie voltou ao
momento da morte do marido. Era uma estranha
associação, mas o rosto de Jack tinha a mesma expressão
de atenção que ele mostrava nas entrevistas coletivas.
“Quando ele foi atingido, tinha uma expressão maravilhosa
no rosto. Sabe aquela expressão que ele exibia quando lhe
faziam uma pergunta sobre um dos milhões de
instrumentos que havia em um foguete? Pouco antes de
responder, ele parecia perplexo. E então desmoronou para
a frente.”
Agora o conteúdo do precioso crânio do marido estava
espalhado pelo carro. Respingou em todos os que estavam
na limusine. Nellie Connally sentiu como se estivesse sendo
marcada por uma “chuva quente”. Até os policiais
motorizados que vinham inutilmente atrás do veículo
presidencial foram atingidos pela matéria orgânica de
Kennedy.
A primeira-dama rasgou o ar com seus gritos frenéticos:
“Jack, Jack!”. E depois: “Mataram meu marido. O cérebro
dele está nas minhas mãos!”.
Nellie Connally não pôde lhe oferecer ajuda. Estava
curvada sobre o marido, que jorrava sangue através da
camisa. Apertando-o com força, Nellie salvou a vida do
marido ao bloquear o buraco em seu peito. “Meu Deus! Vão
matar todos nós!”, exclamou o governador antes de curvar-
se para a frente. Os Connally nunca deixaram de afirmar —
contrariando o Relatório Warren, que se esforçou por
limitar o número de tiros para fazê-los coerentes com a
tese de um atirador solitário — que a bala que rasgou as
costas do governador não foi uma das que atingiram o
presidente.
De repente, a primeira-dama, com a roupa rosa ensopada
do sangue do marido, subiu no porta-malas da limusine em
movimento. Precisava recuperar o fragmento do crânio de
Kennedy. Era a única maneira de salvá-lo, de torná-lo
inteiro novamente. Rapidamente, Clint Hill a empurrou de
volta para o carro, no exato momento em que ele partia em
velocidade para o Parkland Hospital. “Todos nos abaixamos
no carro, e eu continuei dizendo ‘Jack, Jack, Jack’, e alguém
gritava ‘Ele está morto! Ele está morto!’”, ela contou a
White. “Durante todo o trajeto para o hospital, fiquei
curvada sobre ele, perguntando ‘Jack, Jack, você me ouve?
Eu te amo, Jack’. Continuei segurando sua cabeça,
tentando manter o...” Ela não conseguiu terminar a frase.
No hospital, sentada no terrível Lincoln — “longo e negro
como um carro fúnebre”, nas palavras de Nellie —, Jackie
não conseguia soltar o marido ferido. “O assento estava
cheio de sangue e rosas vermelhas”, ela lembrou. Por toda
parte durante o trajeto, ela tinha recebido rosas amarelas
do Texas. Mas, no Love Field, tinham-na presenteado com
um buquê de rosas vermelhas. Os homens do Serviço
Secreto começaram a surgir de toda parte, gritando:
“Senhor presidente!”. Eles imploravam a Jackie que saísse
do carro. “Aqueles grandes médicos texanos diziam:
‘Senhora Kennedy, venha conosco’. Eles queriam me
afastar dele. Dave Powers veio correndo até mim; minhas
pernas, minhas mãos estavam cobertas com seu cérebro.
Quando Dave viu isso, começou a chorar. Daqui para baixo”
— e ela fez um gesto indicando a fronte do marido —, “sua
cabeça estava tão linda. Tentei pressionar o topo de sua
cabeça, talvez conseguisse mantê-la... Eu sabia que ele
estava morto”.
“Eles tentavam me pegar; tentavam me agarrar, mas eu
disse: ‘Não vou sair daqui’. Quando levaram Jack para
dentro, Hill atirou sua capa sobre a cabeça de Jack, [mas]
no momento não me parecia repulsivo — nada era repulsivo
para mim. E corri atrás daquele médico alto, corri atrás de
Jack coberto pela capa. Lembro-me daquele corredor
estreito. ‘Não vou abandoná-lo’, eu disse. ‘Não vou
abandoná-lo.’” Ela lembrou a penosa cirurgia nas costas
que quase o matara quando eles eram recém-casados. Ela
lhe prometera não sair do seu lado durante o
procedimento, mas tinham-no levado embora, e ela não o
vira por horas. “Eles jamais conseguiriam me manter longe
dele de novo”, disse ela a si mesma no Parkland Hospital.
O dr. Malcolm Perry, o cirurgião que operava seu marido
moribundo, não a queria dentro da sala de cirurgia, mas ela
entrou à força. “É meu marido, seu sangue, seu cérebro
cobrem meu corpo”, ela disse. Não houve nada que Perry e
os outros médicos pudessem fazer para salvá-lo. Um padre
foi convocado para os ritos finais. “Havia um lençol sobre
Jack que não chegava a cobrir seu pé, mais branco do que o
pano. Peguei seu pé e o beijei. Então puxei o lençol. Sua
boca era tão bonita, seus olhos estavam abertos. Eles
pegaram sua mão debaixo do lençol, e segurei sua mão o
tempo todo em que o padre rezou a extrema-unção.”
Nos meses que se seguiram a Dallas, profundamente
deprimida, Jackie procurou o conselho de um padre jesuíta
chamado Richard McSorley. Vinha sendo atormentada por
algo desde aquele dia, disse ela a McSorley. Seu marido de
fato já estava morto depois do segundo tiro fatal sem que
ela percebesse. “Se eu tivesse tido um minuto para dizer
adeus. Era tão difícil não ter dito adeus, não poder mais
dizer adeus.”
Mais tarde, no quente interior do Air Force One, que
Lyndon Johnson insistiu que ficasse na pista do Love Field
até que ele prestasse juramento como novo presidente dos
Estados Unidos, todo mundo a aconselhou a limpar o
sangue seco do marido do rosto. Um fotógrafo iria registrar
a histórica cerimônia, e Johnson queria ter Jackie a seu
lado. Ela se olhou no espelho. “Meu rosto estava todo
respingado de sangue. Limpei-o com um Kleenex.” Mas
imediatamente se arrependeu. “Um segundo depois, me
perguntei por que tinha limpado o sangue. Devia tê-lo
deixado como estava, para que eles vissem o que tinham
feito.” Foi o que ela disse a Bobby quando o encontrou mais
tarde. Eles deviam tê-la visto com o rosto e os cabelos
manchados de sangue quando a famosa foto foi batida no
Air Force One; sua aparência horrível os teria condenado
para sempre.
Viúva aos 34 anos, ela já se sentia desaparecendo da
história. As notas de White estão cheias dessa palavra. Ela
a repetiu muitas vezes durante a entrevista. “História”, ela
disse inexplicavelmente a certa altura, como se
descrevesse a si mesma, porque era isso que ela estava se
tornando. Quando o Air Force One cruzou o céu escuro em
direção a Washington, os acontecimentos já a varriam para
o passado. “Pensei que ninguém na verdade me queria ali.”
Por um breve momento, Jacqueline se imaginou no papel
de mensageira de uma tragédia grega. Foi assim que eles
mataram um rei! Foi assim que eles derramaram sua linda
mente em minhas mãos! Mas logo ela se transformou na
“Viúva Kennedy”, como ela própria ironizou sua imagem —,
a mulher estoica que ensinou a nação a chorar sua perda.
 
Nas horas caóticas depois da Dealey Plaza, o mundo foi
sacudido por uma comoção. Os líderes globais se
perguntavam se o assassinato do presidente dos Estados
Unidos significava o início de uma guerra nuclear. O recém-
empossado presidente não tinha certeza de poder controlar
a pressão que vinha de Dallas. Como seu antecessor, não
sentia ter pleno controle da máquina militar do país. Seria
um senhor da história ou sua vítima?, perguntava-se
Lyndon Johnson quando o Air Force One o transportava, ao
lado do corpo de Kennedy e seus assessores, de volta a
Washington.
Bill Moyers, o jovem protegido de Johnson, correu para
perto dele assim que soube do assassinato. Fretou uma
aeronave particular em Austin, onde supervisionava o
trecho final da viagem ao Texas, e voou para Dallas antes
que o avião presidencial decolasse. Cercado por homens
revoltados e confusos, leais a Kennedy, Johnson ficou
aliviado ao ver o rosto recém-barbeado do antigo
seminarista a bordo. Os dois texanos eram muito ligados
pelo que Moyers chamava de um “cordão umbilical” quase
familiar. Johnson — que sabia que o círculo de Kennedy
gostava do jovem texano, que na época servia no Corpo de
Paz de Sargent Shriver — precisava dele mais do que
nunca. Enquanto o avião ainda estava no ar, o novo
presidente recrutou-o como seu assessor especial.
Num determinado momento do voo, Moyers observou seu
velho mentor sentado sozinho, olhando atentamente as
nuvens que passavam pela janela. “Em que está pensando,
senhor presidente?”, perguntou Moyers. Johnson, amargo,
virou-se para ele e disse: “Eu me pergunto se os mísseis já
não estarão voando”. Moyers ficou estarrecido com o
comentário. Se os Estados Unidos estivessem lançando um
ataque nuclear, o novo presidente saberia. Mas, no calor
dos acontecimentos de Dallas, Johnson estava
evidentemente inseguro sobre quem governava o país.
“O pensamento de Johnson nesse momento só podia ser
que tinha havido um golpe, e que, assim que o avião
decolasse do Love Field para Washington, o país passaria
para as mãos dos que estavam prontos para apertar o
botão”, observou James K. Galbraith, historiador político e
professor da Escola de Políticas Públicas Lyndon B. Johnson
da Universidade do Texas, numa entrevista recente.
Galbraith, filho do falecido economista, acrescentou que
“Johnson sabia que esse era o momento de máxima
vantagem estratégica” para a linha dura da segurança
nacional, que ansiava por um confronto final com os
inimigos do país. Durante quase três anos, Kennedy e
McNamara tinham mantido afastados esses radicais
defensores da solução nuclear. Mas, com JFK fora da cadeia
de comando, não se sabia o que eles poderiam tentar.
Esses mesmos temores preocupavam os dois líderes
estrangeiros que provavelmente seriam atacados pelos
insanos guerreiros nucleares dos Estados Unidos. Em
Cuba, Fidel Castro almoçava com Jean Daniel, jornalista
francês que tinha levado propostas de paz do presidente
Kennedy, na casa do chefe cubano na praia de Varadero,
quando recebeu o relatório sobre Dallas. “São más
notícias”, repetiu três vezes Castro, estupefato, assim que
desligou o telefone.
Depois de uma longa e amarga disputa, Castro começara
a ver Kennedy como um agente de mudança. “Ele ainda
tem a possibilidade de se tornar, aos olhos da história, o
maior presidente dos Estados Unidos, o líder que
finalmente entende que pode haver uma coexistência
pacífica entre capitalistas e socialistas, mesmo nas
Américas”, disse Castro a Daniel em uma entrevista que
durou a noite toda, na véspera dos acontecimentos de
Dallas. “Então ele será um presidente ainda maior que
Lincoln. Sei por exemplo que, para Khruchov, Kennedy é
um homem com quem se pode conversar. Tirei essa
impressão de todas as conversas que tive com Khruchov.”
Então Castro irrompeu no que o visitante francês
descreveu como uma “risada ampla e infantil”, prometendo
ajudar Kennedy em sua campanha à reeleição. “Se estiver
com ele de novo, pode lhe dizer que estou disposto a
declarar Goldwater meu amigo se isso puder garantir a
reeleição de Kennedy!”
Mas, na tarde de 22 de novembro, enquanto Castro e
Daniel permaneciam ao lado do rádio ouvindo a NBC News,
que transmitia de Miami, o estado de espírito do líder
cubano tornou-se sombrio e preocupado. Quando a morte
de Kennedy foi confirmada, Castro se pôs de pé e disse:
“Tudo mudou”.
Depois, quando a rádio tocou “The Star-Spangled
Banner”,1 Castro, cercado por um grupo de preocupados
assessores, fez uma astuta previsão: “Você observe e veja,
eu os conheço, eles tentarão pôr a culpa em nós”. Mais
tarde, no carro de Castro, o rádio informou que Lee Harvey
Oswald, o assassino, era casado com uma russa. “Aí está.
Eu não falei? O próximo serei eu!”, disse o líder cubano.
Minutos depois, foi mesmo a sua vez. A rádio americana
informava que Oswald era admirador de Castro e
pertencera ao comitê Fair Play for Cuba. A princípio, ele
tentou desprezar a informação, afirmando que não passava
de um “instrumento de propaganda. É terrível. Mas, você
sabe, tenho certeza de que tudo isso logo vai acabar. São
muitas políticas conflitantes nos Estados Unidos para que
uma única seja capaz de se impor universalmente por
muito tempo”.
Mas, quando o rádio confirmou que o assassino de
Kennedy era um “marxista pró-Castro” e o tom da
reportagem foi se tornando cada vez mais agressivo, Castro
perdeu a calma. Começou a interrogar Daniel sobre o que
ele sabia do novo presidente americano. Quais eram as
relações de Johnson com Kennedy? E com Khruchov? Qual
fora sua posição no episódio da Baía dos Porcos? E então,
“finalmente e mais importante”, lembrou Daniel, Castro lhe
perguntou: “Que autoridade ele exerce sobre a CIA?”. Era
uma pergunta que Lyndon Johnson também estava se
fazendo.
Enquanto isso, em Moscou, o robusto líder soviético, que
a princípio tentara intimidar o jovem presidente americano
— e mais tarde, depois de avaliar o homem, estabelecera
com ele uma atitude mutuamente respeitosa pela paz
mundial —, estava arrasado. Ao ouvir as notícias sobre os
acontecimentos de Dallas, Khruchov chorou no Krêmlin.
Recebeu a notícia como “um golpe pessoal”, disse um
assessor. Durante vários dias, foi incapaz de desempenhar
suas funções. Khruchov estava convencido de que Kennedy
fora morto por forças militaristas empenhadas em sabotar
os esforços dos dois líderes por uma trégua. Será que agora
eles lançariam um ataque nuclear sobre a União Soviética?
Seria o líder soviético derrubado pela linha dura dentro de
seu próprio governo?
“Khruchov precisava de Kennedy e achava que Kennedy
precisava dele”, observou o biógrafo de Khruchov, William
Taubman. Juntos, eles tentavam afastar os dois países do
risco nuclear e chegar a uma nova harmonia mundial. Até o
sujeito mais durão do governo, Bobby Kennedy, esperava
ansiosamente uma segunda conferência de cúpula, na qual
— diferentemente da postura agressiva de Viena — os dois
líderes pudessem “sentar-se com calma e conversar sobre
tudo”. Agora, o parceiro essencial de Khruchov havia
desaparecido.
Na recepção oferecida pela Casa Branca aos dignitários
estrangeiros que compareceram ao funeral de Kennedy, os
convidados ficaram surpresos ao ver que a viúva do
presidente descia para cumprimentá-los, apesar de tudo
por que tinha passado. Do outro lado, o representante
russo, Anastás Mikoyan, aproximou-se de Jackie
visivelmente trêmulo. Ela segurou as mãos dele nas suas e,
numa voz que revelava profunda emoção, disse: “Por favor,
diga ao seu presidente que sei que ele e meu marido
trabalhavam juntos pela paz mundial, e agora ele e o
senhor devem levar adiante o trabalho de meu marido”. O
velho bolchevique piscou e tomou o rosto da primeira-dama
nas mãos.
Uma semana depois, Jackie Kennedy deu continuidade ao
comentário que fizera a Mikoyan escrevendo uma carta a
Khruchov, para deixar claro que ele entendera sua
mensagem. O dia do funeral tinha sido tão “horrível”,
explicou Jackie na carta, que ela não sabia se estava lúcida
o suficiente na breve conversa com seu representante.
Disse a Khruchov que seu falecido marido o considerava
uma força pela paz. E então fez uma reveladora referência
aos obstáculos que Kennedy tinha enfrentado em busca de
uma trégua na Guerra Fira — um esforço que certamente
teria sido bem recebido pelo líder russo, que enfrentava
oposição semelhante no seu país. “O perigo que perturbava
meu marido era que a guerra fosse iniciada não pelas
principais figuras, mas pelas menores”, escreveu a sra.
Kennedy. “Enquanto as principais figuras compreendem a
necessidade de autocontrole e moderação, as menores são
às vezes movidas por medo e orgulho. Que no futuro as
figuras principais possam obrigar as menores a se
sentarem à mesa de negociações antes de iniciarem a
luta!”
A carta de Jackie pareceu reforçar a mensagem
confidencial que ela e Bobby enviaram ao líder soviético
naquela semana por meio de seu amigo Bill Walton: o
presidente Kennedy fora vítima de uma conspiração de
homens de mente estreita.
Depois da morte de Kennedy, os dias de Khruchov no
cargo estavam contados. Em outubro de 1964, menos de
um ano depois do assassinato do presidente americano, o
líder soviético foi deposto num movimento tramado por seu
mais frio e menos imaginativo rival, Leonid Brejnev.
Ironicamente, foi um golpe sem derramamento de sangue.
Vivendo seus últimos anos eLivros em seu próprio país,
isolado num chalé de madeira às margens do rio Istra,
Khruchov buscava sua glasnost pessoal. Amargurado, ele
se queixava de que o regime de Brejnev estava revertendo
suas reformas. Ouvindo a BBC e a Voz da América num
velho rádio Zenith de ondas curtas que recebera anos antes
de um empresário americano, ele se sentia cada dia mais
impaciente com a propaganda opressiva da mídia soviética.
“Isso é tudo lixo!”, desabafou ele, folheando o Pravda. Leu
um exemplar clandestino do Doutor Jivago e lamentou que
os censores de seu governo o tivessem proibido. “Eu devia
tê-lo lido”, disse. Denunciou a prisão dos escritores
soviéticos dissidentes e manifestou sua indignação em
relação à invasão da Tchecoslováquia em 1968: “Que tipo
de socialismo é esse? Que merda de socialismo é esse que
precisa manter as pessoas acorrentadas?”.
Mais para o fim da vida, Khruchov começou a trabalhar
em suas memórias. Quando a notícia chegou a Moscou, o
Politburo exigiu que ele parasse imediatamente de escrever
e entregasse o que já tinha escrito ao Comitê Central. Ele
desafiou a ordem e, depois de terminar o manuscrito, como
um escritor dissidente, logo o contrabandeou para o
Ocidente, onde foi publicado. No livro, intitulado Khruchov
— Memórias, o autocrata aposentado lembra com saudade
seus dias com Kennedy, que elogia como um “verdadeiro
estadista”, apesar de sua juventude. Se Kennedy tivesse
vivido, ele escreve, os dois poderiam ter trazido a paz ao
mundo.
No dia 11 de setembro de 1971, menos de um ano depois
de suas memórias serem publicadas nos Estados Unidos,
Khruchov morreu de um colapso cardíaco. O Comitê
Central decretou que não haveria homenagens nem funeral
formal na Praça Vermelha. Seu corpo foi velado em um
sombrio edifício de tijolos vermelhos e enterrado em
silêncio num canto remoto de um cemitério de Moscou
vizinho a um convento do século XVI. Só um pequeno grupo
de pessoas teve permissão para atravessar as fileiras de
policiais, que as fotografaram quando entraram no
cemitério. Só quatro anos depois, sua família teve
permissão de erigir um monumento em seu túmulo.
 
Nas semanas seguintes a Dallas, enquanto os chefes
políticos e os serviços de inteligência de todo o mundo
lutavam para entender o assassinato, o mesmo fazia Robert
Kennedy. Não era uma luta apenas política, mas
profundamente emocional. À medida que os dias passavam,
sua urgência em descobrir o mistério diminuiu. Dominado
pela enormidade de sua perda, Robert viu seu entusiasmo
investigativo minguar. O irmão ocupava o centro de sua
órbita, e seu sol tinha caído do céu. Mesmo que o
assassinato de Jack fosse solucionado, isso não o traria de
volta. Então, à medida que Robert Kennedy lentamente
emergia do luto, sua busca de justiça renascia.
Não foi fácil para Robert Kennedy carregar o fardo dessa
missão. Às vezes, ele não queria enfrentar a verdade.
Suspeitava de que a conspiração envolvesse elementos de
seu governo e percebeu que seguir essa pista tenebrosa
podia dividir o país. Também temia que a busca trouxesse à
luz os erros fatais do irmão — e revelasse que suas paixões
tinham provocado a violência que o matara. E, finalmente,
sabia que a busca o submeteria a um perigo mortal. Mas,
no fim, Bob não pôde se furtar a perseguir a verdade.
 
1 . Hino dos Estados Unidos da América. [N. T.]
 

6
A terrível graça de Deus

Em momentos de crise nacional, o desejo das pessoas de se


unir e depositar sua confiança nos líderes da nação pode
ser surpreendentemente poderoso. Esse era o humor do
país nos dias e semanas que se seguiram a Dallas. O
governo declarou que a calamidade que havia assolado o
país era obra de um desajustado, e que sua chocante
eliminação, dois dias depois, era obra de outro indivíduo
perturbado. A imprensa logo apoiou essa versão. Inculcou-
se no público que o único mistério em jogo era o da alma
humana. O que levou Lee Harvey Oswald a matar o
presidente — o homem cuja atuação em relação aos
direitos civis ele teria admirado — foi um segredo que ele
levou para o túmulo.
É preciso ter certo temperamento para desafiar um
consenso nacional com a força quase compulsória que a
teoria do atirador solitário teve depois do assassinato de
Kennedy. Uma autossatisfação aguerrida e um
egocentrismo sem charme certamente são ingredientes
essenciais a esse temperamento. E eram essas as
características que definiam um combativo advogado de
Nova York de 36 anos chamado Mark Lane. Ele se tornaria
o primeiro americano a se contrapor à opinião oficial ao
declarar que Oswald havia sido arrastado para a infâmia
sem ter tido um julgamento honesto e que “o assassino do
presidente Kennedy permanecia impune”.
Menos de um mês depois do assassinato, no dia 19 de
dezembro de 1963, na edição semanal de um jornal de
esquerda chamado Guardian, Lane publicou uma violenta
crítica de dez mil palavras que apontava inquietantes furos
na versão oficial do crime. O advogado destacou uma lista
de fatos incômodos sobre o caso, vários dos quais
acabariam se tornando a base para pesquisas sobre a
conspiração durante as décadas seguintes. Como podia
Oswald ter sido um atirador solitário, mirando a traseira do
carro do presidente de sua posição elevada no Texas School
Book Depository, quando os médicos do Parkland Hospital
declararam que uma das balas atingiu Kennedy na
garganta? Como podia um atirador, usando uma
rudimentar espingarda de ferrolho que comprara por 12,78
dólares, atingir o alvo com três tiros em menos de seis
segundos — façanha que nem mesmo o exímio atirador que
liderava a National Rifle Association era capaz de realizar?
Por que motivo o suposto esquerdista Oswald ia matar um
presidente que estava determinado a melhorar as relações
com a União Soviética — o homem que Fidel Castro
acreditava poder se tornar “o maior presidente dos Estados
Unidos”?
Apesar do caráter marginal do Guardian — ao qual Lane
teve que levar seu artigo após ter sido recusado por
publicações americanas mais importantes, entre as quais
Life, Look, Saturday Evening Post, a revista Nation, e Fact
(“a revista da controvérsia”) —, sua matéria gerou
comoção. Quando a tiragem se esgotou nas bancas de
jornal, o Guardian imprimiu milhares de novos exemplares
da matéria em formato de panfleto. Ignorado pela mídia
americana, Lane encontrou uma audiência entusiasta na
imprensa europeia. Também criou um Comitê Civil de
Inquérito, que começou a entrevistar testemunhas da
Dealey Plaza, e alugou um teatro em Nova York, onde todas
as noites, durante meses, ele apresentou seus argumentos
contra a teoria do atirador solitário.
No dia 14 de janeiro de 1964, a mãe de Oswald,
Marguerite, contratou Lane para representar seu filho
perante a Comissão Warren. Retratada pela mídia como
uma figura exaurida pela dor, Marguerite, uma
rechonchuda mulher de meia-idade, insistiu em
testemunhar que seu filho era “agente da inteligência”
americana e havia sido “pago para assumir a culpa” pelo
assassinato. Ao se apresentar pessoalmente perante a
Comissão, Lane insistiu para que a sessão fosse pública —
a única vez que a comissão reservada o fez — e o confronto
foi veemente. “Tivemos pouquíssimos problemas de
qualquer natureza” durante as audiências, lembrou-se mais
tarde o presidente da comissão e presidente da Suprema
Corte dos Estados Unidos, Earl Warren, “exceto por parte
de um homem chamado Mark Lane. Foi o único a tratar a
comissão com desdém”.
Lane tivera algum contato com os irmãos Kennedy
durante a campanha eleitoral de 1960, quando concorreu
com êxito a uma vaga, no final da lista democrata, para
uma cadeira da Assembleia de Nova York. O jovem
advogado fazia parte de um movimento de reforma que
estava tentando arrancar o controle da cidade, governada
pelo Partido Democrata, da corrupta Tammany Hall.1
Quando Bobby se encontrou com o grupo na suíte de
Kennedy, no Carlyle Hotel, chocou os liberais do West Side
ao lhes dizer, sem rodeios, que sua virtuosa luta para
limpar a política da cidade de Nova York não era tão
importante quanto conseguir que seu irmão fosse eleito
presidente. “Desde que ele seja eleito, não estamos nem aí
se o sangue correr pelas ruas de Nova York”, informou-lhes
Bobby. Logo depois, os reformistas se manifestaram contra
o que achavam um escândalo. Mas Lane não compartilhava
essa indignação. “Bobby podia ter falta de tato, cortesia e
educação”, concedeu ele. “Contudo, sua honestidade era
admirável.”
Bobby não sentia a mesma admiração por Lane. Apesar
da fama de pragmático, Kennedy frequentemente se
irritava com personalidades ásperas. “Apenas, não gostava
dele”, lembrou-se o assessor de Kennedy, Frank
Mankiewicz. “Lamento mesmo que Mark Lane tenha
embarcado [no inquérito sobre o assassinato] tão
rapidamente. Ele deu às coisas uma cor estranha,
suspeita.”
Em janeiro de 1964, Bobby voltou ao que agora era seu
triste cargo no Departamento de Justiça. Sua equipe para
execução de leis estava à deriva sem sua direção enérgica.
“Precisamos de você”, disse-lhe Walter Sheridan. “Sim, eu
sei”, respondera Bobby, “mas ainda não me sinto pronto.”
Mais tarde, no mesmo mês, seus amigos no governo
organizaram uma viagem oficial de Kennedy à Indonésia,
para que ele esquecesse sua perda. A viagem restaurou
brevemente sua capacidade de decisão. Mas Dallas
ressurgiu assim que ele voltou. Entre as primeiras pessoas
que ligaram para ele depois que chegou a Washington
estava Mark Lane.
“Eu disse: ‘Gostaria de vê-lo’”, lembrou-se Lane. “Ele
respondeu: ‘Tudo bem. Almoço, amanhã?’. Eu disse: ‘Está
bem’. E então ele disse: ‘Mas você não vai falar sobre
aquilo, certo?’.” Kennedy ainda não conseguia dar ao
assassinato seu verdadeiro nome.
A fama de Lane como pesquisador do assassinato já
estava crescendo e ele sabia exatamente o que “aquilo”
queria dizer. “Sim, é sobre aquilo que quero falar com
você”, disse Lane a RFK. E então o advogado cometeu o
erro de lançar uma carta explosiva demais para Kennedy.
Ele disse a Bobby: “Você sabe que tem uma obrigação...”.
Antes que pudesse acabar a frase, Kennedy o cortou
rispidamente. “Não venha me dizer quais são as minhas
obrigações para com minha família.” A conversa derrapou
para uma abrupta conclusão. “Se essa é a única coisa sobre
a qual quer falar, Mark”, disse Bobby, “então não vamos
nos encontrar.” Os dois nunca mais se falaram.
A gélida conversa entre Kennedy e Lane preparou o
terreno para a difícil e inconstante relação que RFK
manteve nos anos seguintes com os pesquisadores do
assassinato. Bobby não podia se limitar a seguir com suas
atividades, e, às vezes, contatava-os pessoalmente. Mas não
era raro se aborrecer com eles por sua personalidade,
frequentemente indelicada ou excêntrica, e parecia ficar
aliviado ao encontrar uma desculpa para demiti-los do
trabalho de investigação, fosse qual fosse a validade dessa
decisão. A própria existência deles o envergonhava e
incomodava, porque as investigações eram públicas,
enquanto ele se sentia obrigado a seguir suas próprias
pesquisas na maior privacidade.
Nos cinzentos e apagados meses que se seguiram à morte
de seu irmão, Bobby não sentiu vontade de enfrentar o que
havia acontecido em Dallas. Seu acesso de paixão
investigativa de novembro logo se esgotou, tendo sido
substituído por um paralisante sentimento de perda.
Mesmo assim, os amigos de Kennedy se acharam obrigados
a chamar sua atenção para as informações a respeito do
crime. Em dezembro, Arthur Schlesinger ficou
suficientemente impressionado com uma sóbria e
meticulosa dissecação da teoria do atirador solitário,
publicada no New Republic dois dias após a publicação da
matéria de Lane, que mandou um exemplar a Bobby.
Intitulado “Sementes da dúvida”, o artigo — escrito pelos
estudiosos Jack Minnis e Staughton Lynd — levantava
muitas das questões de Lane sobre o caso, porém sem seus
floreios retóricos. Vários cidadãos preocupados também
escreveram para o escritório de Kennedy expressando seu
temor de uma conspiração. “Para parafrasear Shakespeare,
há algo de podre em Dallas”, declarou o professor de
psicologia da Universidade de Illinois e antigo presidente
da American Psychological Association, Charles E. Osgood,
em uma carta endereçada ao procurador-geral.
Em março, Kennedy foi exortado a entrar em contato com
dois jornalistas cujo trabalho sobre o caso estava
começando a atrair o mesmo tipo de atenção chamativa
que o de Lane — a colunista de fofocas e celebridades
Dorothy Kilgallen e um jornalista americano baseado em
Paris chamado Thomas Buchanan. Escrevendo na revista
semanal francesa L’Express, Buchanan havia causado
comoção ao declarar que o presidente Kennedy fora vítima
de um complô da extrema-direita. Seus artigos na L’Express
viriam a se tornar a base do primeiro livro sobre a
conspiração, Who Killed Kennedy?,2 publicado em maio por
uma editora britânica.
Os artigos de Buchanan faziam parte de uma onda de
matérias da imprensa europeia que questionavam em tom
mordaz a versão oficial do falecimento de Kennedy.
Enquanto a imprensa americana aceitava as explicações
reconfortantes de oficiais de Washington, as publicações do
velho continente clamavam que algo sombrio e fétido havia
acontecido em Dallas. Como escreveu Raymond Cartier na
Paris-Match, o equivalente francês da revista Life, “A
Europa, em sua quase totalidade, rejeita” a versão oficial
do crime. “Os europeus estão convencidos de que o drama
de Dallas esconde um mistério que, se for descoberto, irá
desonrar os Estados Unidos e abalar suas bases.”
Buchanan alegou que Oswald era um agente de baixo
escalão da CIA que havia sido assistido por outros no
crime. O insignificante escroque que o despachou para o
outro mundo, Jack Ruby, era mais um conspirador
conhecido de Oswald. O motivo do assassinato, segundo
Buchanan, foi interromper a crescente détente entre
Washington e Moscou, que ameaçava as indústrias do
armamento das quais os conspiradores dependiam.
“Acredito que [Kennedy] tenha vivido para algo, e acho que
morreu por algo”, concluiu Buchanan em seu livro. “Todo
homem pode ser medido pelo número de seus inimigos. A
lista daqueles que odiavam Kennedy no dia em que ele
morreu o honra. Nunca devemos esquecer que ele foi até
Dallas para combater esses homens, para dizer ao povo
daquela cidade, à nação e ao mundo que a paz não é um
sinal de fraqueza.”
Assim como Mark Lane, que foi ridicularizado pela
imprensa americana e chamado de paranoico (enquanto
seu telefone e seu escritório estavam sendo grampeados
pelo FBI), Buchanan recebeu um tratamento nada ameno
em seu país natal. O colunista do Washington Post
Chalmers Roberts avisou seus leitores que Buchanan havia
sido demitido em 1948 do cargo de repórter do Washington
Star após ter confessado ser membro do Partido
Comunista. (Colocado na lista negra em casa, Buchanan
havia sido obrigado a procurar emprego além-mar.) “Diante
disso, é absurdo chamar Buchanan, um notório ex-
comunista que hoje está morando em Paris, de ‘rival’ de
sete distintos americanos encabeçados pelo chefe de
Justiça dos Estados Unidos”, desdenhou Roberts. Mas isso
explicava o dilema diante do qual se encontrava então a
Comissão Warren, lamentou o colunista, depois que
Buchanan “plantou a semente da dúvida sobre o
assassinato”.
Entretanto, Ben Bradlee, o amigo de JFK que ia tomar
posse do jornal de Roberts no ano seguinte, via Buchanan
com outros olhos. No dia 9 de março de 1964, Bradlee ligou
para Bobby Kennedy no Departamento de Justiça, falando
com sua eficiente secretária, Angie Novello, a qual lhe
disse que o procurador-geral estava passando o dia em
Nova York. Bradlee deixou um recado, incentivando Bobby
a se encontrar com Buchanan, que estava de passagem nos
Estados Unidos. Buchanan era “um dos escritores mais
articulados sobre o assassinato”, segundo o recado que
Novello transmitiu a Kennedy, e “está muito ansioso para
encontrá-lo sem ter que ir ao FBI”. Novello perguntou a
Bradlee se Buchanan “tinha alguma informação” para
Kennedy “e Ben disse que sim, mas que também queria
informações” por parte do procurador-geral.
Aparentemente, Bobby não encontrou Buchanan. Em vez
disso, ele o encaminhou para seu irmão Ted, que o
direcionou para Nick Katzenbach, o membro do
Departamento de Justiça a quem RFK havia pedido que
servisse de intermediário — mais precisamente, de
observador — com a Comissão Warren. Katzenbach esteve
com Buchanan por uma hora e em seguida o encaminhou
para um membro da comissão, que pegou o material do
jornalista, jogando-o no limbo dos volumosos arquivos da
comissão.
No exato dia em que Bradlee tentava organizar uma
reunião entre RFK e Buchanan, Pierre Salinger estava
intervindo junto a Kennedy em nome de Dorothy Kilgallen.
“[Salinger] diz que Kilgallen ligou para ele para conseguir
uma reunião com você”, dizia um recado telefônico para
Bobby, porque “ela tem informações que quer lhe dar”.
Não existem provas de que Kennedy e Kilgallen tenham
se encontrado para falar sobre Dallas. Porém, a colunista
do jornal de Hearts — conhecida por milhares de pessoas
por seus incríveis furos jornalísticos, assim como por sua
participação regular como convidada do jogo televisivo de
domingo à noite What’s My Line? — estava remexendo
cada vez mais no assassinato. Kilgallen ia se tornar uma
pedra no sapato da Comissão Warren, divulgando sem
autorização o testemunho de Ruby — que expunha a
qualidade pobre do interrogatório do júri, levando o FBI a
investigá-la — e mais tarde conseguindo uma entrevista,
dentro da cadeia, com o assassino de Oswald. Ela entrou
em contato com Mark Lane, que começou a fornecer à
colunista contundentes elementos de sua investigação.
Quando Lane se referia à cobertura que Kilgallen fizera do
assassinato em suas palestras, o público reagia com
escárnio à menção do nome da rainha das fofocas.
Contudo, ele admirava sua coragem — era a única
jornalista de destaque no país a querer cuidar do caso,
declarou Lane.
Depois de sua entrevista exclusiva com Ruby, Kilgallen
começou a dizer a amigos que ia “revelar a verdadeira
história” do assassinato de Kennedy, que ia dar “o maior
furo do século”. Porém, nunca revelou em sua coluna de
jornal o que Ruby — a única figura-chave do caso que se
encontrava detida — lhe dissera. Ao que tudo indica, estava
guardando o furo para o livro que pretendia publicar —
uma coleção de histórias policiais intitulada Murder One —,
a fim de garantir o sucesso de vendas. Mas o livro nunca foi
publicado. No dia 8 de novembro de 1965, Kilgallen foi
encontrada morta em sua casa no Upper East Side, vítima
do que a polícia qualificou como overdose de álcool e
calmantes. O rascunho do capítulo sobre Jack Ruby e as
notas que escrevera nunca foram encontrados. A história
de Kilgallen se tornaria uma misteriosa nota de rodapé nas
conclusões sobre Dallas. Para alguns, representou o
aspecto profundamente sinistro do caso, e mostrava até
onde os conspiradores eram capazes de ir para acobertar
seu crime. Para outros, era apenas mais uma espalhafatosa
teoria criada pelos fanáticos da conspiração, um chamativo
carnaval povoado por revendedores de fofocas viciados em
bebida e remédios, como Kilgallen.
Se Bobby evitou investigadores controversos, como Lane,
Buchanan e Kilgallen, nos meses que se seguiram ao
assassinato, não ignorou as suspeitas destes sobre o crime.
Porém, estava determinado a manter em sigilo suas
próprias investigações em Dallas. Foi visto fazendo longas
caminhadas em um parque de Washington com Allen
Dulles, o ex-diretor da CIA que havia regressado do exílio
imposto pelo presidente Kennedy e que voltara para se
tornar uma força dominante na Comissão Warren. Contudo,
Bobby nunca revelou sobre o que os dois conversavam
durante esses longos encontros.  O veterano da CIA, Sam
Halpern, mais tarde disse aos repórteres do Washington
Post, Walter Pincus e George Lardner, que RFK também
recrutou secretamente um mafioso do norte do estado de
Nova York para investigar o assassinato de seu irmão. Mas
o falecido Halpern era uma fonte pouco confiável sobre os
Kennedy, um daqueles empregados da CIA ávido para
retratar os irmãos da maneira menos lisonjeira possível. E
a ideia de que Bobby, acima de qualquer outra pessoa,
tenha se associado a mafiosos é uma maneira
particularmente horrível de querer manchar sua imagem.
Contudo, RFK obviamente estava no limite emocional nos
primeiros meses depois de Dallas, um tipo de estado de
espírito deprimido em que um homem se sente obrigado a
tomar decisões extraordinárias. Um dia, Bobby chegou até
a organizar um encontro secreto com o homem que ele
considerava o inimigo público número um.
 
Em uma manhã de março de 1964, bem cedo, o agente do
Serviço Secreto Mike Howard e seu parceiro tiveram a
surpresa de se encontrar com o procurador-geral Robert
Kennedy. Howard era um dos agentes designados para
proteger Jackie Kennedy nos meses que se seguiram a
Dallas. Sua movimentada carreira também incluiu
supervisionar a etapa Fort Worth da viagem de JFK ao
Texas e, mais tarde, manter Marina Oswald e seus filhos
sob proteção durante a semana que se seguiu ao
assassinato, no motel Six Flags, nos arredores de Dallas.
Anos depois, Howard serviria de guarda-costas ao ex-
presidente Johnson quando este se aposentou em seu
rancho do Texas. Durante a época em que serviu à ex-
primeira-dama, o agente de vez em quando cumpria o turno
da noite. Sentado do lado de fora do quarto, podia ouvir
Jackie gritar em pesadelos.
Em uma manhã, por volta das sete horas, e depois de
outro serviço noturno — dessa vez em Wexford, a mansão
de fim de semana que Jackie havia mandado construir na
área rural da Virgínia durante o último ano de vida de JFK
—, Howard e seu parceiro estavam indo embora quando
depararam com Bobby Kennedy na cozinha, tomando café.
“Vocês vão passar por Dulles?”, perguntou Kennedy aos
agentes do Serviço Secreto. Como Howard dissesse que
sim, ele perguntou se podia pegar uma carona.
Howard se perguntou por que o procurador-geral não
estava acompanhado de homens do FBI para cuidar de seu
transporte. Porém, mais tarde soube que J. Edgar Hoover,
que outrora fizera questão de colocar carros à disposição
de Kennedy, havia cortado todas as mordomias do
procurador-geral depois do assassinato de seu irmão. Como
Howard logo descobriu, naquela manhã Bobby não queria
apenas uma carona. Também queria a intimidante presença
de homens do Serviço Secreto.
Bobby perguntou aos agentes se podiam parar no
Aeroporto de Dulles a caminho de Washington, levando-os
para um ponto remoto da área reservada à decolagem de
aviões privados. “Preciso que me levem até a pista, e
gostaria que ficassem comigo”, disse Kennedy, e ambos os
agentes concordaram. Estacionaram o carro, e RFK foi em
direção a um pequeno avião situado a pouco menos de
50 metros, seguido por Howard e seu parceiro. A cerca de
doze metros do avião, Bobby se virou para os agentes e
disse: “Senhores, fiquem aqui”. Enquanto Kennedy se
aproximava, um homem pequeno saiu do avião seguido por
dois gigantescos acólitos. Os agentes do Serviço Secreto o
reconheceram imediatamente: Jimmy Hoffa. Para a
surpresa dos agentes, Kennedy e Hoffa se cumprimentaram
e começaram a conversar; o procurador-geral mostrava um
documento para o líder sindical e Hoffa confirmava ou
negava com a cabeça. Enquanto os dois se falavam,
Howard e seu parceiro observaram cautelosamente os
guarda-costas de Hoffa. “Um parecia jogador do Green Bay
Packers”,3 lembrou-se Howard, “e o outro usava óculos
escuros e não havia dúvida alguma do que carregava
debaixo de cada braço — estava armado.”
Howard e seu parceiro não conseguiam acreditar no que
testemunhavam. “Não esperávamos de jeito nenhum por
algo como aquilo”, disse ele. “Isso não fazia parte de nossa
rotina. Nem deveríamos ter estado lá!”
“Podíamos ouvir Bobby e Hoffa conversando, mas não
conseguíamos entender o que diziam. Porém, o que nos
preocupava era o que ia acontecer. Pelo menos uma vez,
Hoffa havia claramente dito que mataria o filho da puta se
tivesse a chance. Posso lhe garantir que de repente não
senti sono nenhum. Estávamos bem acordados, porque não
sabíamos se ia haver um tiroteio ou não.”
Mais tarde, enquanto Kennedy e os homens do Serviço
Secreto voltavam para Washington, não houve conversa no
carro. “Ele não falou nenhuma palavra sequer a respeito
disso — nada”, lembrou-se Howard. E os homens do
Serviço Secreto eram suficientemente profissionais para
não fazer perguntas sobre o extraordinário encontro. “Não
era o tipo de coisa que se devia fazer.”
Por que Kennedy se encontrou com seu inimigo de longa
data nesse dia? O Departamento de Justiça finalmente
conseguira uma condenação do escorregadio Hoffa,
acusado de fraude por um júri de Nashville, e no mês
seguinte o órgão ia de novo processar o chefe do Teamsters
por ter desfalcado o Central States Pension Fund4 do
sindicato em vinte milhões de dólares. Isso pode ter sido o
objeto da conversa matinal dos dois homens na pista de
aterrissagem. Contudo, o jornalista investigativo Gus Russo
especulou que Dallas também pode ter entrado na pauta.
Talvez Kennedy quisesse “olhar nos olhos de Hoffa
enquanto lhe perguntava se ele tinha algo a ver com o
assassinato de seu irmão — como fizera, entre outros, com
John McCone, da CIA”.
Por muito tempo, os pesquisadores do assassinato ficaram
perplexos tentando entender por que Kennedy não havia
usado o formidável poder do Departamento de Justiça para
investigar a morte de seu irmão. Se havia alguém
realmente motivado e com meios para resolver o crime, era
o procurador-geral dos Estados Unidos. A inércia de
Kennedy em parte se explica pela debilitante depressão
que tomou conta dele nos meses seguintes a Dallas. Porém,
outra explicação é sugerida pela notável história de
Howard. Quando Kennedy conseguiu canalizar energias
para procurar pistas sobre o caso de seu irmão, não pôde
contar com o aparelho de investigação do governo. O poder
oficial de Kennedy começou a enfraquecer no exato
instante em que seu irmão foi morto. Em março de 1964, já
estava tão enfraquecido que não pôde contar com o FBI
para protegê-lo durante um encontro extremamente tenso
com seu maior alvo criminal. Há algo profundamente
pungente no fato de o procurador-geral dos Estados Unidos
ser levado a aguardar na cozinha de sua cunhada na
esperança de pegar emprestada a proteção que ela tinha
do Serviço Secreto.
Cada vez mais marginalizado por Lyndon Johnson — um
homem que ele via como usurpador e que, por sua vez, o
encarava com altas doses de desconfiança — e o cortesão
malevolente do novo presidente, Hoover, em 1964 Kennedy
estava sem poder para organizar uma verdadeira
investigação do assassinato, mesmo que o quisesse. Foi o
chefe do FBI que manobrou rapidamente para trazer a
investigação para seu controle, ignorando o procurador-
geral nesse processo.
O desdém de Hoover pela autoridade de Kennedy se
tornou tão gritante depois de Dallas, que Ed Guthman, o
inflexível jornalista que ainda servia como assessor de
imprensa ao procurador-geral, enfrentou com veemência o
diretor-suplente de Hoover, Cartha DeLoach, durante um
almoço no início de março. Guthman sentia-se ultrajado
pela maneira como Hoover e sua laia — antes “mesmo que
o corpo do presidente tivesse esfriado” — começaram a
esnobar o procurador-geral, comunicando-se diretamente
com o novo ocupante da Casa Branca e alimentando a
paranoia desenfreada de LBJ com histórias sobre a
deslealdade de Bobby. “Isso me tirou do sério. Quero dizer,
que droga!, ser passado para trás por alguém como
Hoover”, disse-me Guthman mais tarde. “Assim que o
presidente Kennedy foi morto, Bob Kennedy também
poderia deixar de existir, na opinião dele.”
Naquela tarde, depois de uma troca inicial de
amenidades, o tom do almoço logo se tornou mais
veemente. Guthman era irredutível em sua avaliação sobre
o comportamento do diretor do FBI: “bostinha” e
“afeminado”. Com certeza, as palavras inflamaram a
hipersensibilidade de Hoover quando “Deke” DeLoach as
relatou devidamente ao seu chefe — um homem de “ego
monstruoso”, nas próprias palavras do suplente de diretor,
que dirigia o FBI como “O Grande e Poderoso Oz”.5 
Hoover e seus homens estavam claramente fazendo o
possível para “consolidar [sua] posição junto ao presidente
Johnson”, observou Guthman, “e fizeram de tudo, de tudo
mesmo, para mantê-la” contra Kennedy. Em um momento
em que Bobby mal conseguia funcionar, perdido na neblina
de sua dor, Guthman achou o comportamento do czar do
FBI “cruel e desnecessário... não tínhamos ilusão nenhuma
sobre o que havia ocorrido ou quais mudanças no poder
[haviam acontecido]”. Entretanto, Hoover precisava
lembrar a Kennedy sua queda, para punir o jovem — que já
fora chamado de segunda pessoa mais importante em
Washington —, por conta de seu breve domínio sobre ele.
Em outra época Kennedy teria enfrentado Hoover
diretamente. Porém, nos últimos meses que passou no
Departamento de Justiça, dormindo e se alimentando de
forma intermitente, parecia diminuir até fisicamente diante
dos olhos de seus amigos e colegas. Bobby começou a usar
as antigas roupas de JFK, porém, ao se cobrir com a
confortável jaqueta de couro de piloto de bombardeiro de
seu irmão, ele parecia um garoto perdido. “Para mim, ele
parecia apenas um homem sentindo uma dor intensa”,
disse seu amigo, John Seigenthaler, depois de ir até
Washington para ver como Bobby estava. “Para mim, era
um homem ferido, quer dizer, até mesmo fisicamente
ferido.”
Bobby Kennedy outrora investira na fortaleza burocrática
de Washington como um ardente revolucionário,
determinado a inflamar o governo com um senso de missão
Kennedy. O procurador-geral “costumava ser um rebelde, e
o país se beneficiava de sua rebeldia”, disse Edward R.
Murrow sobre Bobby em uma melancólica nota de
agradecimento após receber um par de abotoaduras, que
foram dadas aos membros principais do governo Kennedy
no Natal de 1963. Porém, sem sua inspiradora liderança, as
cruzadas de Kennedy no Departamento de Justiça
começaram a perder o fervor e alguns de seus jovens
promotores acabaram por se distanciar.
Quando Bob Blakey — que havia servido em sua força-
tarefa contra o crime organizado e um dia teria um papel-
chave na reabertura do caso de seu irmão — foi até o
escritório de Kennedy para se despedir, ficou espantado
diante da transformação pela qual seu outrora dinâmico
chefe havia passado. “Ele parecia arrasado. Sempre tivera
aquele olhar penetrante — quando ele olhava para você,
não tinha como ignorar. No dia em que entrei em seu
escritório, ele estava brincando distraidamente com seu
grande cachorro, Brumus. Olhou-me com ar ausente. Em
lugar de seu costumeiro aperto vigoroso de mão, sua mão
pendia como um pedaço de carne.”
Para amigos como Seigenthaler, era como se a dor
debilitante de Kennedy depois de Dallas tivesse sido
intensificada por outra coisa, um assombroso sentimento
de remorso. Era como se, de certo modo, ele se sentisse
responsável pela morte do irmão. “Isso deve ter constituído
parte de sua agonia”, observou Blakey. “Essa sensação
terrível — será que algo que fiz, ou que não consegui
impedir, voltou-se contra o presidente?” Esperava-se que
ele fosse o guardião insone de seu irmão, mas ele havia
fracassado.
Sem dúvida, havia algo mais que pesava sobre Kennedy
naqueles meses sombrios, outro motivo pelo qual ele
parecia paralisado, incapaz de enfrentar a verdade sobre o
assassinato de seu irmão. A provocativa revista mensal The
Minority of One, que era editada pelo brilhante
sobrevivente de Auschwitz de origem polonesa Menachem
Arnoni, foi a primeira a especular sobre isso.
The Minority of One, entre cujos patrocinadores estavam
Albert Schweitzer, Bertrand Russell e Linus Pauling, não
desmentia seu desafiador lema: “O mensário independente
para uma alternativa americana dedicada à erradicação de
quaisquer restrições de pensamento”. Seu fundador,
conhecido por seus leitores como M. S. Arnoni, dirigia a
revista com a destemida desenvoltura de quem “vivera mil
vidas, e... morrera mil mortes”, como ele mesmo declarou
em um discurso no campus de Berkeley, em que falou ao
público usando o uniforme listrado dos prisioneiros dos
campos de concentração nazistas. Com sua trágica visão de
mundo europeia, Arnoni denunciava os perigos do
militarismo e a ameaça de uma nova e definitiva guerra
mundial, mostrando uma paixão e acuidade intelectual
raramente vistas na imprensa americana. Muito antes que
Walter Cronkite assinalasse o distanciamento da corrente
principal da mídia em relação à Guerra do Vietnã, The
Minority of One já denunciava o conflito como um desastre
moral. E enquanto o resto da imprensa estava se
precipitando para encerrar o caso do assassinato do
presidente Kennedy, Arnoni insistia em levantar perguntas
afiadas e perturbadoras sobre a versão oficial, publicando o
trabalho de pioneiros dissidentes na abordagem de Dallas,
como Lane, Sylvia Meagher e Vincent Salandria. As
dissecações mensais, cuidadosamente documentadas do
Relatório Warren, e as intrigantes explorações das
identidades de Oswald e Ruby chamariam a atenção de
homens do círculo de Bobby, que liam o jornal e com ele se
identificavam.
O ensaio mais assustador já publicado por Arnoni sobre o
assassinato pode ter sido aquele que ele mesmo escreveu
no número publicado em janeiro de 1964. Na matéria —
com chamada na capa, “Quem matou quem e por quê?
Sombrias considerações acerca de eventos sombrios” —
Arnoni levantou a aterradora possibilidade de que o
assassinato de Kennedy tivesse sido reflexo de uma
mudança de regime instigada no alto escalão do governo.
Aprofundando-se em sua matéria, Arnoni fez outra
inquietante conjectura — que talvez mais tarde explicasse a
paralisia de Bobby depois de Dallas. “Não se pode em
absoluto descartar a possibilidade de que importantes
homens em Washington saibam a identidade dos
conspiradores, ou pelo menos de alguns deles, e que esses
conspiradores sejam tão poderosos que a prudência mande
não identificá-los publicamente”, sugeriu Arnoni. “Vamos
fazer a ‘fantástica’ suposição de que o presidente Lyndon
Johnson e o procurador-geral Robert F. Kennedy saibam ou
acreditem que o assassinato tenha sido planejado por um
grupo de oficiais do alto escalão que faria qualquer coisa
para pôr fim às negociações entre os Estados Unidos e a
União Soviética. Por mais forte que seja seu desejo de
vingar John F. Kennedy, que opção lhes resta? O fato de se
oporem a tão formidáveis conspiradores poderia
desencadear uma desastrosa série de acontecimentos.
Poderia levar a tropas americanas atirando contra tropas
americanas. Poderia levar à tomada de poder por um grupo
de militares. Para evitar tamanhas catástrofes, talvez seja
prudente fingir a maior ignorância, na esperança de que os
conspiradores sejam removidos discretamente pelo poder,
mais tarde, um a um.”
Essa parece ser uma leitura muito intuitiva da mente de
Robert Kennedy naquela época. Tão logo RFK concluiu que
seu irmão havia sido vítima de um complô de alto nível — o
que ele comunicou a membros de sua família e ao governo
soviético poucos dias depois do assassinato —, o próximo
pensamento que deve ter ocorrido a um patriota tão
convicto quanto Bobby, alguém que havia dedicado a vida
ao serviço de seu país, deve ter sido suficiente para lhe
provocar uma parada cardíaca. Se nessa altura eu fizer
algo contra os conspiradores, com falta de controle sobre a
máquina do governo, isso pode desencadear um inferno
americano. De fato, é exatamente o que Kennedy mais
tarde sugeriu a um velho amigo da família. “Se o povo
americano soubesse a verdade sobre Dallas”, disse-lhe
Kennedy, “haveria sangue nas ruas.”
Outrora Bobby fora conhecido por seu zelo na promotoria.
Mas agora, emocional e politicamente incapaz de levar os
assassinos de seu próprio irmão à justiça, ele parecia vazio,
levando os dias apaticamente. Em sua tristeza, cada vez
mais profunda, procurava conselhos — não de um analista,
mas do jeito irlandês, de um padre. Preocupado com o
estado mental de Jackie, Kennedy havia recrutado seu
velho amigo, o padre Richard McSorley, jesuíta liberal e
professor de teologia na Universidade de Georgetown, para
conversar com ela, sob a desculpa de lhe dar aulas de tênis
na quadra do jardim de Hickory Hill. Jackie confiou ao
padre que estava sendo assombrada pela ideia do suicídio.
Seria punida no além se cometesse esse pecado mortal?,
perguntou ela a McSorley. “Você acha que Deus me
separaria de meu marido se eu me matasse? É tão difícil
aguentar. Às vezes, sinto que estou enlouquecendo. Por que
Deus não entende que eu simplesmente quero estar junto
dele?”
Bobby também queria confortar sua cunhada, mas a única
coisa que podia oferecer era um conselho estoico. “O pesar
é uma forma de autopiedade”, disse-lhe ele. “Precisamos
seguir adiante.” Também repreendeu seus colegas do
Departamento de Justiça por seu abatimento. “Robert
Kennedy derrota o desespero”, proclamava a manchete de
um artigo publicado no New York Times no dia 9 de janeiro
de 1964, por seu amigo Anthony Lewis — como se ao dizer
isso na imprensa Bobby pudesse fazer com que fosse
verdade. Mas o padre McSorley percebeu que não era
apenas Jackie que precisava desesperadamente de ajuda.
Em uma carta que escreveu no começo do verão de 1964,
McSorley consolou Bobby por sua perda insubstituível:
“Sua dor é tão profunda quanto seu amor. Por ter estado
tão próximo dele, você recebeu o impacto de sua rara
personalidade mais plenamente que os outros. O amor de
seu irmão foi inspiração de contato constante, diário e
pessoal”. Mas então ele incentivou Bobby a transformar a
dor em ação, a erguer a bandeira tombada do irmão. “Vejo
em você o espirito gêmeo [de Jack]”, escreveu o padre.
“Ninguém está em melhor posição que você para liderar
aqueles cujo coração se inflamou com sua chama.”
Demoraria até que Kennedy estivesse pronto para
retomar a missão de seu irmão. O homem de ação
encontrou conforto na literatura e na filosofia. Dessa vez,
foi Jackie quem ajudou a guiá-lo, dando-lhe um exemplar de
The Greek Way, um clássico menor de 1930, escrito pela
diretora de escola aposentada Edith Hamilton, que exaltava
a antiga glória de Atenas. Kennedy devorou o livro durante
uma viagem que fez com Jackie e um pequeno grupo de
familiares e amigos até a ilha de Antígua, em março de
1964, confinando-se no seu quarto de uma vila emprestada,
à beira-mar, para lê-lo e sublinhar trechos diversos. A
tragédia de Atenas — seu reinado de 150 anos como berço
da democracia e da arte, antes de sucumbir às corrupções
do império — deve ter ecoado nos melancólicos
pensamentos de Bobby sobre os perigos de uma vida
dedicada à política. E ele levou muito a sério o antigo
conselho dos grandes trágicos que Edith Hamilton
celebrava, especialmente Ésquilo — o poeta que fora
soldado, herói de Maratona, um homem cuja sabedoria
nasceu dos cruéis conflitos da vida. Kennedy encontrou um
conforto especial nestas linhas do dramaturgo. Elas o
guiariam através de seus dias mais sombrios: “Quem
aprende precisa sofrer. E mesmo em nosso sono a dor que
não se pode esquecer cai, gota a gota, sobre o coração, e
para nosso desespero, contra nossa vontade, vem a nós a
sabedoria pela sublime graça de Deus”.
 
No começo de 1964, Bobby organizou um último encontro
em Miami com Angelo Murgado e seus compadres, Manuel
Artime e Manuel Reboso. Kennedy estava encerrando suas
relações com os cubanos. A despedida de Kennedy e sua
equipe de espiões cubanos foi bastante dolorosa, lembrou-
se Murgado. “Sentamo-nos com ele, e, gente, foi muito
emocionante. Todo mundo chorava. Demoramos cinco
minutos para nos recompor. Você deveria tê-lo visto, Jesus
Cristo! Ele havia perdido peso. Estava sofrendo tanto. Viera
para falar sobre o que havia acontecido e se despedir. E
essa foi a última vez que nos falamos.”
Murgado disse que ele e seus colegas não falaram o nome
do homem cuja presença espectral pairava sobre a reunião,
Lee Harvey Oswald — o homem que Kennedy, meses antes,
dissera-lhes que era seguro ignorar, já que parecia estar
sob as ordens do FBI. “Para que cutucar a ferida, se você
me entende? Ele se despediu, e foi isso.”
Murgado e seus aliados pró-Kennedy na comunidade
cubana haviam ficado espantados no dia 22 de novembro
quando o homem que haviam seguido em Nova Orleans de
repente fora identificado como suspeito do assassinato do
presidente. “Quando isso aconteceu, ficamos apavorados.”
Depois, ele e seus companheiros eLivross se reuniram para
tentar dar sentido aos eventos de Dallas. Logo chegaram à
conclusão de que o crime era obra de seu empregador, a
CIA. “Quando a coisa aconteceu, sentamos e conversamos.
Então entendemos: ‘Meu Deus, fomos usados que nem
papel higiênico. Quem pode estar por trás de tudo isso?’. E
sabíamos que o complô podia vir apenas de uma fonte — a
CIA. Todos nós acreditamos na mesma coisa. Era uma
operação altamente sofisticada. Veja bem, foram tão bons
no que fizeram que, até hoje, ninguém sabe ao certo o que
aconteceu. Existe apenas um órgão que poderia conseguir
um troço desses. Foi a CIA, porém não sozinha. Foi a CIA e
mais algo acima dela.”
Murgado utiliza a expressão “governo invisível” para
descrever a fonte superior do complô. Acredita que esses
altos oficiais tenham eliminado Kennedy porque ele havia
rompido com a Guerra Fria: “JFK era outra vítima da Baía
dos Porcos... estava à frente de seu tempo”.
Murgado, no entanto, não quis especular o nome das
pessoas que podem ter sido envolvidas na conspiração,
especialmente o de outros eLivross cubanos. “Qualquer
coisa que queira saber sobre mim, relacionada a Bobby, vou
lhe contar. O resto, pode esquecer. Porque isso provocaria
um monte de problemas. E lembre-se, no meio cubano,
você não cria um monte de problemas.”
De qualquer modo, disse Murgado, é tarde demais —
aqueles que poderiam esclarecer o complô se foram há
muito tempo. “Todos morreram — e os outros
desapareceram. E eu respeito isso. Você desaparece e eu
respeito isso. Não vou trazer ninguém das sombras para
revelar a verdade.” Murgado até duvida que os americanos
queiram a verdade. “Sabe aquela frase do filme? É a
melhor frase que já ouvi a respeito deste país: ‘Você não
quer a verdade, não consegue lidar com a verdade’.”
Nos meses que se seguiram a Dallas, Kennedy parecia
ansioso para se distanciar de Cuba, o campo de batalha que
outrora tanto absorvera sua agressiva energia. Também era
a caldeira de intrigas que ele associava ao assassinato de
seu irmão. Evocando lembranças sobre o governo Kennedy
durante um jantar com Bill Moyers, na primavera de 1968,
pouco antes de seu próprio assassinato, um melancólico
Bobby comentou que “às vezes se perguntava se não havia
pagado um preço muito alto por ter sido mais enérgico do
que sábio a respeito de muitas coisas, especialmente
Cuba”.
Logo após o assassinato de Kennedy, a CIA e seus
agregados cubanos começaram a difundir
sistematicamente a ideia de que o regime de Castro estava
por trás do violento ataque contra a presidência americana.
O próprio Robert Kennedy foi alvo dessa campanha de
desinformação. No dia 27 de novembro de 1963, alguém
que se identificava como Mario del Rosario Molina enviou
um carta a Kennedy de Havana, informando-lhe que um
agente de Castro nos Estados Unidos, chamado Pedro
Charles, havia pagado sete mil dólares a Oswald para
assassinar seu irmão. “Pedro Charles chegou a um acordo
com Lee Harvey Oswald, exímio atirador, para que o
presidente fosse morto e se desencadeasse um escândalo
internacional de maneira que a culpa recaísse sobre os
racistas e a extrema-direita do estado do Texas”, dizia a
carta. O misterioso comunicado tinha todas as
características de uma campanha de propaganda
anticastrista da CIA, e fracassou ao tentar convencer Bobby
de que o líder cubano estava por trás do assassinato.
Mais importante, Lyndon Johnson também resistiu às
intensas pressões vindas de dentro do governo, lutando
para não ser forçado a declarar guerra contra Havana. LBJ
agiu rapidamente para desarmar a bomba-relógio de Cuba,
suspendendo os ataques patrocinados pela CIA contra a
ilha em janeiro e deixando claro para Erneido Oliva que
não haveria invasão apoiada pelos Estados Unidos por
parte dos veteranos da Baía dos Porcos. A pedido de
Johnson, Bobby Kennedy acompanhava Oliva à Casa Branca
no dia em que LBJ deu as más notícias. O presidente queria
deixar claro que as vagas promessas que Kennedy fizera,
de libertar Cuba, não procediam mais. Durante um abrupto
encontro de dezesseis minutos na biblioteca da Casa
Branca, lembrou-se Oliva, Johnson “me disse com todas as
letras que meu programa com os cubanos precisava ser
encerrado. Bobby não disse nada. Você sabe que eles não
se entendiam muito. [Bobby] me contou antes que tinha
tentado convencê-lo [...] mas ele não tentou convencer o
presidente dos Estados Unidos na minha frente. Apenas
ficou escutando, a cabeça inclinada, bastante triste”.
Mas a CIA ia manifestar sua indiferença à liderança de
Johnson, da mesma forma que fizera com Kennedy,
continuando a patrocinar ataques não autorizados e
tentativas de assassinato contra Castro. Em fevereiro, a
agência já havia voltado a praticar seu velho jogo, tentando
forjar desculpas para invadir a ilha. Dessa vez, estava
reativando um esquema dos últimos dias do governo
Kennedy.
No dia 19 de novembro, três dias antes de ser
assassinado, o presidente Kennedy ficou surpreso quando
Richard Helms abriu uma bolsa de viagem de lona no Salão
Oval e sacou uma pistola automática. Segundo Helms, a
arma viera de um esconderijo cubano encontrado em uma
praia da Venezuela — uma contundente prova dos esforços
de Castro para subverter os governos vizinhos: estava na
hora de endurecer o tom contra ele. Mas Kennedy parecia
mais preocupado com o fato de que, tranquilamente, um
oficial da CIA pudesse ter introduzido uma arma
automática no Salão Oval sem ter sido impedido pelos
guardas do Serviço Secreto. “Isso me dá certa sensação de
confiança”, disse ele ironicamente a Helms.
Após a morte de Kennedy, a CIA retomou o esquema de
envio de armas à Venezuela na esperança de provocar uma
cisão entre Cuba e a Organização dos Estados Americanos
e assim criar um pretexto para a guerra. A agência estava
tendo dificuldades para defender sua posição, até junto à
sua própria burocracia, em que um dos oficiais mais tarde
declarou “não estar muito impressionado pelas provas”,
que lhe pareciam ter sido “fabricadas”.
No dia 28 de fevereiro de 1964, Des FitzGerald foi visitar
Bobby Kennedy em seu escritório para lhe mostrar um
exemplar do “Documento Espectro” — o último cenário da
CIA para a guerra contra Castro — na esperança de
conseguir seu apoio. FitzGerald não tinha nenhuma
obrigação de procurar a aprovação de Kennedy naquele
dia, já que o novo presidente havia retirado Cuba do campo
de ação de RFK, mas John McCone sugerira a visita, sem
dúvida como uma cortesia em relação ao homem que
outrora liderara a cruzada do governo contra Castro.
Enquanto o procurador-geral examinava atentamente o
“Documento Espectro”, logo ficou claro que ele não estava
mais interessado nas intrigas anticastristas. Surpreendeu
FitzGerald ao lhe perguntar se o Conselho de Estimativas
Nacionais “já havia chamado sua atenção sobre a questão
de se os Estados Unidos podiam conviver com Castro”.
Obviamente, a resposta era não — e a agência agora não
pretendia mudar. E LBJ — para a satisfação da CIA —
deixara claro que concordava com a agência, recusando-se
a levar em frente as negociações secretas pela paz
iniciadas por JFK nos últimos meses de vida.
FitzGerald, contudo, achou Kennedy estranhamente
insistente. “[Kennedy] se perguntou se não seria uma boa
ideia fazer isso [a avaliação da paz]”, notou FitzGerald mais
tarde em seu relatório sobre o encontro. Não, respondeu
categoricamente FitzGerald ao procurador-geral, não era
uma boa ideia explorar a opção de paz com Havana.
É triste observar esse retrato pós-Dallas de Robert
Kennedy, derrotado e impotente. Aqui está ele, diante de
um oficial da CIA que outrora fizera tremer, e a única coisa
que pode fazer agora é sugerir que a agência mude
completamente sua atitude em relação a Cuba. Ao voltar a
Langley, FitzGerald e seus colegas com certeza se
regozijaram da queda de seu rude supervisor. As suspeitas
que Kennedy manifestava sobre o envolvimento da CIA no
assassinato de seu irmão devem ter feito dessas reuniões
verdadeiras torturas para ele.
Kennedy não suspeitava de FitzGerald em particular. De
fato, aparentemente o oficial da CIA compartilhava as
dúvidas de RFK sobre a teoria do atirador solitário. Ao ver
TV com sua esposa na manhã de 24 de novembro, quando
Ruby de repente surgiu diante das câmeras e atirou em
Oswald, FitzGerald começou a chorar. “Agora nunca
saberemos”, disse ele. Quando FitzGerald morreu de
ataque cardíaco durante uma partida de tênis em julho de
1967, Bobby Kennedy esteve entre aqueles que
compareceram ao enterro.
Nos meses seguintes ao episódio de Dallas, Kennedy
também parece ter mantido uma relação polida com o
diretor da CIA, John McCone, o qual telefonava com
frequência a Bobby no Departamento de Justiça,
convidando ele e sua esposa Ethel para jantar em casa.
Mas não era esse o caso com relação a outros empregados
da CIA.
Assim como McCone, Dick Helms — o verdadeiro poder
dentro da agência — também se esforçou para manter
contatos estreitos com Kennedy, oferecendo-se para
informá-lo de assuntos da inteligência, embora Johnson
tivesse ordenado a McCone que avisasse Kennedy de que
não mais poderia gozar do mesmo acesso à inteligência no
novo governo. No dia 22 de janeiro de 1964, Helms
escreveu um recado afetuoso a Kennedy, anexando um
tributo a JFK que fora escrito por um editor do London
Sunday Telegraph. No dia 4 de março de 1964, Helms
telefonou para Kennedy, congratulando-o pela condenação
de Hoffa e marcando um encontro para a semana seguinte,
sem especificar o motivo. O chefe de espionagem iria
telefonar para o escritório de Kennedy dizendo querer vê-lo
pelo menos mais duas vezes antes que RFK deixasse o
cargo de procurador-geral, em agosto. Não se sabe
exatamente por que Helms manteve a relação com o
enfraquecido procurador-geral; certamente não por alguma
afeição que pudesse sentir por ele. Helms temera e
destratara Kennedy quando este reinara sobre a agência.
O astuto executivo de Washington deve ter querido
manter um inimigo por perto. Helms não tinha nenhum
interesse em fazer amizade ou consolar Kennedy, disse o
assistente de RFK, John Nolan, que observou que o oficial
da CIA continuou a cortejar Kennedy quando este se tornou
senador. “Dick Helms não era alguém afetuoso ou
carinhoso. Era um perfeito burocrata, e nesse sentido um
especialista nos jogos de poder de Washington... Ligar para
Bob Kennedy todas as manhãs... era sua maneira de bajulá-
lo ou de manter uma relação de troca de favores com ele.”
Bobby não sentia nenhuma simpatia por Helms. No dia
seguinte ao assassinato, o suplente de diretor da CIA
escreveu à mão uma carta de condolências para Kennedy
com papel de carta de sua casa. “Não há nada que eu possa
dizer que não tenha sido dito melhor por vários outros”,
escreveu Helms. “Quando você me mandou ver o
presidente terça-feira de tarde [para conversar sobre as
armas cubanas supostamente encontradas na Venezuela],
ele nunca parecera estar melhor, mais confiante ou mais no
controle das esmagadoras forças que o cercavam. Essa
sexta-feira me atingiu pessoalmente. A sra. Helms e eu
gostaríamos de expressar nosso mais profundo pesar e
sinceras condolências a você e a sua família. Rezamos para
que você continue provendo-nos com sua liderança. Com
respeito e pesar, Dick Helms.” A carta de Helms era
redigida com destreza — até em sua (tudo, menos sincera)
“prece” para que Bobby permanecesse acima da CIA. Mas,
aparentemente, não comoveu Kennedy. “Caro Dick”,
respondeu sumariamente duas semanas depois: “Quero
agradecer-lhe”. As cartas de condolências enviadas por um
grande número de outros simpatizantes — Kirk Douglas,
Hugh Downs e até o embaixador soviético Dobrynin —
suscitaram respostas mais calorosas de Bobby.
Como Hoover fez com o FBI, Dick Helms — trabalhando
com seu antigo mentor Allen Dulles — assegurou-se de que
a CIA não fosse atingida pelas investigações da Comissão
Warren. Dulles era o membro mais diligente da comissão.
“Não acho que Dulles tenha perdido uma reunião sequer”,
lembrou-se Warren mais tarde. Mark Lane comentou que a
comissão sobre o assassinato deveria ter se chamado
“Comissão Dulles”. O ex-chefe da CIA havia feito lobby
persistente para conseguir ser nomeado no júri. Não
perdeu tempo, estabelecendo-se como jogador principal,
desviando habilmente as investigações da agência de
espionagem e levando os demais jurados em direção à tese
do atirador solitário. Ninguém da grande imprensa
comentou a surpreendente ironia que levara o homem cuja
carreira havia sido encerrada pelo presidente Kennedy a
liderar o inquérito sobre sua morte. Depois de ser forçado a
um exílio político por JFK em 1962, o amargo Dulles
encontrou dificuldade para se adaptar à vida fora do
acachapante poder central de Washington. “Ele tinha muita
dificuldade para relaxar”, observou James Angleton, que
fazia questão de visitar seu ex-colega duas ou três vezes
por semana em casa. O serviço na comissão ressuscitou
Dulles. Embora não estivesse mais na folha de pagamento
da CIA, ele trabalhava em segredo para a agência dentro
da comissão, repassando informações para Angleton, com
quem continuava conversando com regularidade.
Enquanto isso, Helms agia rapidamente para limitar a
investigação do assassinato pela CIA, tirando o caso das
mãos do brilhante e impetuoso agente a quem
originalmente este havia sido confiado — um respeitado
veterano de operações secretas de 43 anos chamado John
Whitten — para confiá-lo ao sinistro mago Angleton. Helms
afastou Whitten da investigação em uma reunião de 6 de
dezembro de 1963, depois que o consciencioso agente
acabou por se queixar de que as informações sobre Oswald
— sobre o qual a CIA mantinha arquivos havia pelo menos
três anos — e suas atividades relacionadas a Cuba tinham
sido retiradas dele. Com Whitten fora de circulação, a
investigação da agência sobre o assassinato de Kennedy
logo ficou atolada nos nebulosos pântanos de Angleton,
onde ele e seus bruxos da contraespionagem se
empenhavam muito para traçar uma conexão entre Dallas e
Moscou.
Angleton, cuja unidade estava encarregada de monitorar
trânsfugas para a União Soviética como Oswald, elaborou
teorias intrincadas sobre o suposto papel do ex-fuzileiro
naval na KGB. Mas Bobby Kennedy e sua equipe do
Departamento de Justiça não acreditaram nas teorias do
espião. “O homem mais estranho que eu já encontrei — ele
me dava arrepios”, disse Nick Katzenbach, que conversara
com Angleton várias vezes. Angleton era conhecido por
detestar o presidente Kennedy, que ele chegou a considerar
— em sua paranoia alimentada pelo álcool — um agente da
União Soviética. Se os soviéticos tivessem lançado seus
mísseis nucleares, resmungou ele para alguns repórteres
no final da carreira, os Kennedy “teriam sido salvos em seu
luxuoso bunker, provavelmente assistindo à Terceira
Guerra Mundial pela televisão, [enquanto] o resto de nós
teria queimado no inferno”.
Anos depois, quando o recém-nomeado diretor da CIA
William Colby estava prestes a demitir Angleton em um
arrebatador esforço para expurgar a agência de seus
pecados passados, o decaído chefe da espionagem fez um
estranho e desenvolto comentário, aparentemente
vinculado ao assassinato de Kennedy. Em dezembro de
1974, perseguido pelo obstinado Seymour Hersh, que então
investigava as operações internas ilegais da CIA para o
New York Times, Angleton de repente deixou escapar
diante do repórter: “Uma mansão tem vários cômodos...
não sei quem acertou John”. O que esse comentário
codificado queria dizer? “Eu o estaria enganando
totalmente se lhe afirmasse que sabia de que porra se
tratava”, declarou Hersh. “Mas meu instinto sobre isso diz
que ele estava basicamente pondo [a culpa] em outra
pessoa dentro da CIA, e o objetivo dessa conversa foi me
convencer a ir atrás de outra pessoa, e não dele. E também
que ele era um velho chato totalmente maluco.”
Em maio de 1978, John Whitten ressurgiu na investigação
sobre Kennedy, apresentando-se perante a Comissão
Reservada da Câmara dos Representantes sobre
Assassinatos6 para falar sobre sua investigação abortada.
Testemunhando por sete horas em sessão secreta, usando
seu antigo codinome da CIA, “John Scelso”, o ex-agente —
que então morava na Áustria, onde havia se refugiado do
mundo da espionagem para cantar com a Associação Coral
Masculina de Viena — apresentou um inquietante retrato
das maquinações de seus antigos chefes, Dick Helms e Jim
Angleton. Helms escondeu dele os complôs da CIA para
assassinar Castro, disse Whitten aos dois investigadores da
comissão que o estavam interrogando. Se tivesse sabido,
testemunhou Whitten, ele teria concentrado sua atenção
sobre o escritório da CIA em Miami e conduzido uma
investigação completa de suas atividades. Ele declarou aos
investigadores do Congresso que havia ficado surpreso ao
saber que Helms escolhera Bill Harvey — um “cara violento
que, a meu ver, é muito perigoso” — para dirigir a operação
de assassinato contra o líder cubano. Quando Harvey
trouxe o mafioso Johnny Rosselli, acrescentou Whitten, o
aspecto sinistro do esquema ficou mais evidente. “A simples
ideia de que Helms tenha confiado em Harvey a ponto de
deixá-lo contratar um criminoso que fosse capaz de matar
alguém constitui uma violação de cada preceito
operacional, cada fragmento de experiência operacional,
cada consideração ética.” Além do mais, declarou Whitten,
o fato de Helms ter escondido o plano de assassinato de
Castro da Comissão Warren era “um ato moralmente muito
repreensível”. É evidente que ele havia feito isso “porque
percebeu que perderia seu cargo e provocaria uma crise
dentro da agência”.
Então Whitten ouviu uma pergunta ainda mais explosiva:
poderia Harvey ter sido envolvido no assassinato do
presidente Kennedy? Sua resposta elíptica foi digna de um
espião de longa data. “Era jovem demais para ter
assassinado McKinley e Lincoln”, disse Whitten.
Whitten também apresentou uma perturbadora imagem
de Angleton. Via-o como psicologicamente doente, achando
sua “compreensão da natureza humana... sua avaliação das
pessoas, algo muito precário”. Então houve outra pergunta
incisiva: Angleton tinha conexões com o crime organizado?
Dessa vez a resposta de Whitten foi categórica: “Sim”.
Angleton havia protegido seus cúmplices da máfia em
investigações federais, acrescentou o ex-agente da CIA, e
os usara para operações em Cuba.
Se John Whitten e sua equipe de trinta agentes tivessem
sido autorizados a continuar a investigação da CIA sobre o
assassinato de Kennedy, a Comissão Warren teria ficado
profundamente esclarecida por seu trabalho. Mas Richard
Helms e James Angleton se asseguraram de que isso não
aconteceria. “Whitten foi um raro herói da CIA na história
do assassinato de Kennedy, um homem cuja odisseia
pessoal é um pungente mas inquietante lembrete de que as
investigações, em uma tragédia nacional, podem ser
comprometidas logo no início”, observou o repórter
Jefferson Morley, do Washington Post. Sem unidade de
investigação própria, a Comissão Warren dependia
totalmente das informações fornecidas por Hoover no FBI e
por Helms e Angleton na CIA. A comissão se vangloriava de
poder contar com os nomes mais distintos de Washington —
a começar pelo chefe da Suprema Corte de Justiça, Earl
Warren —, mas sua missão estava comprometida desde o
início por sua fraqueza como ferramenta de investigação. O
júri, escolhido a dedo, ia se tornar o impotente peão de
duas agências que Robert Kennedy considerava inimigas
políticas mortais.
 
“Nick, o que faço?”, escreveu Bobby com sua letra fechada
e minúscula na carta que recebera de Earl Warren no dia
12 de junho de 1964. Há certa lamentação na pergunta de
Kennedy, que era endereçada a seu suplente, Nicholas
Katzenbach, o homem ao qual pedira para cuidar dos
assuntos relacionados à Comissão Warren no Departamento
de Justiça. Kennedy estava diante de um dilema. Até agora
havia se recusado a testemunhar perante a Comissão
Warren, mas então o presidente — um homem que ele
respeitava muito — escrevera para lhe dizer que, antes que
o júri encerrasse suas investigações, era necessário ouvir
diretamente o procurador-geral. “Diante das alegações
amplamente difundidas sobre esse assunto”, escreveu
Warren, “a Comissão gostaria de confirmar em particular
se você tem alguma informação sugerindo que o
assassinato do presidente Kennedy tenha sido causado por
uma conspiração nacional ou estrangeira. Não é necessário
dizer, se tiver qualquer sugestão a fazer em relação à
investigação dessas alegações, ou outra fase qualquer do
trabalho da Comissão, que estaremos prontos para agir em
função disso.”
Kennedy havia dito claramente a Katzenbach que não
queria ter nada a ver com a Comissão Warren. “Ele disse
que não estava nem aí para a investigação”, lembrou-se o
antigo assistente de Kennedy. “‘Que diferença isso faz?
Meu irmão está morto.’ Foi isso que ele me disse.” Mas,
como Katzenbach suspeitava, essa não era bem a história
da verdadeira recusa de Bobby a cooperar com a comissão.
Kennedy não estava pronto para revelar publicamente o
que sabia, e certamente não perante a Comissão Warren —
um júri que, apesar de sua augusta composição, estava sob
o controle de seus inimigos políticos no FBI e na CIA. No
verdadeiro estilo Kennedy, ele queria controlar as
investigações sobre o crime — não apenas garantir sua
autenticidade, mas garantir o legado de seu irmão e seu
próprio futuro político. Bobby sabia que, se a guerra
secreta do governo Kennedy contra Castro — uma guerra
que a princípio ele havia supervisionado — fosse anunciada
como sendo o motivo do complô contra seu irmão, a
imagem da família ficaria muito abalada.
Assim como outras pessoas próximas de Kennedy,
Katzenbach sentia-se atormentado por sentimentos de
culpa em relação a Dallas. “Eu achava que Bobby estava
preocupado com a existência de algum tipo de conspiração
e que fosse culpa dele”, disse Katzenbach, sentado no
confortável escritório de sua casa nos arredores de
Princeton, Nova Jersey. “Acho que a ideia de que ele possa
ter sido responsável pela morte de seu irmão era a pior
ideia imaginável. Talvez tenha ficado preocupado com a
possibilidade de que, de certo modo, a investigação
apontasse para ele.”
Os inimigos políticos de Kennedy — entre os quais Lyndon
Johnson — rapidamente souberam utilizar seu sentimento
de culpa de acordo com seus interesses. Nos dias que se
seguiram ao assassinato, LBJ — irritado com Kennedy por
causa de uma série de atitudes de menosprezo, reais e
imaginárias, entre elas uma ocasião em que este passou
por ele sem cumprimentá-lo ao ir abraçar Jackie quando o
Air Force One voltou a Washington — fez comentários
incendiários para ex-assistentes de JFK, sabendo que esses
iam relatá-los a Bobby, sugerindo que os próprios Kennedy
eram responsáveis pelo terrível destino de Jack. “Vou lhe
dizer por que Kennedy morreu”, disse Johnson ao
funcionário da Casa Branca Ralph Dungan. “Castigo
divino... castigo divino. Ele matou Diem e então teve o
mesmo fim.”  A acusação não era verdadeira — JFK havia
hesitado em relação à decisão de apoiar o golpe de Saigon,
e havia ficado chocado diante de seu sangrento desfecho
—, mas era uma flecha habilmente apontada para um
homem atormentado pela ideia de que ele e seu irmão
haviam sido “mais enérgicos que sábios quanto a uma série
de coisas”.
Agora Earl Warren pedia que Bobby resolvesse suas
questões interiores sobre o assassinato e contasse tudo o
que sabia sobre Dallas. Mas ele simplesmente não podia
fazer isso. Então recorreu a Katzenbach para tirá-lo dessa
situação.
Mais tarde, os pesquisadores da conspiração iriam culpar
o suplente do procurador-geral por ter tido um papel-chave
no encobrimento do assassinato pelo governo. “O público
deve estar satisfeito com o fato de Oswald ter sido o
assassino; que ele não tinha cúmplices foragidos... [e] que
as especulações sobre sua motivação precisavam ser
descartadas”, escreveu Katzenbach em um relatório pós-
assassinato, o qual seria amplamente apontado como uma
prova de sua cumplicidade no encobrimento. Porém, Nick
Katzenbach era leal a Kennedy — um homem ao qual Bobby
recorrera várias vezes no calor da batalha, notadamente na
terrível noite da Ole Miss —, e nos traumáticos dias que se
seguiram a Dallas ele essencialmente fez o que pediu seu
chefe.
Katzenbach elaborou um acordo entre Kennedy, Warren e
o conselheiro-chefe da comissão, Lee Rankin. Em troca de
ser dispensado de testemunhar perante a comissão, Bobby
ia assinar uma carta escrita pelo advogado da Comissão
Warren, Howard Willens, mencionando: “Quero declarar
definitivamente que não conheço nenhuma prova crível
para sustentar as alegações de que o assassinato do
presidente Kennedy tenha sido causado por uma
conspiração nacional ou estrangeira”. Após hesitar por
várias semanas, finalmente Kennedy assinou a carta,
embora soubesse que não dizia a verdade, a qual foi
entregue a Willens no dia 4 de agosto.
O pacto feito por Robert Kennedy foi fatídico, já que ele
assinou um documento oficial em que endossava o
Relatório Warren — um documento que, com o decorrer do
tempo, seria amplamente condenado como uma
monumental fraude do governo. Pelo resto da vida, Bobby
seria obrigado a defender em público a versão oficial do
assassinato de seu irmão — uma encruzilhada que o
deixaria cada vez mais atormentado, já que acreditava que
a tese do atirador solitário era falsa.
Robert Kennedy fez sua primeira declaração pública
sobre quem era responsável pelo assassinato de seu irmão
durante uma viagem à Polônia, em junho de 1964. Apesar
da fria recepção das autoridades comunistas, Bobby e Ethel
receberam estrondosas aclamações por parte do povo
polonês. Na praça central de Cracóvia, antiga cidade
universitária, uma multidão de jovens se agrupou em volta
do carro, jogando flores e cantando “Sto Lat” [“Que possa
viver cem anos!”], enquanto os Kennedy respondiam com
“Quando olhos poloneses sorriem”,7 versão improvisada de
uma das canções favoritas da família. A emocionada
multidão polonesa — que irritou representantes do governo
tanto em Varsóvia quanto em Washington — foi o primeiro
sinal do culto a Kennedy que estava prestes a varrer o
mundo. Bobby, deprimido havia muito tempo, reviveu
diante da multidão, subindo com Ethel no teto do carro do
embaixador americano, amassando-o (para o desespero do
recatado diplomata), e apertando as mãos que se erguiam
em sua direção.
Mais tarde, em um debate público em Cracóvia, um
nervoso líder estudantil polonês de 25 anos fez o seguinte
pedido a Bobby. “Sempre respeitamos consideravelmente o
presidente Kennedy e estamos muito interessados em
conhecer sua versão da morte dele”, disse o jovem.
“Esperamos que nos perdoe por fazer um pedido tão direto,
mas gostaríamos de verdade de ter a sua opinião.”
Kennedy pareceu muito à vontade com a proposta,
chamando-a de “questão apropriada que merece uma
resposta”. Disse ao público que o assassinato de seu irmão
era o feito de um “marginal” solitário chamado Oswald, que
fora motivado por uma vaga insatisfação “com o governo e
nosso modo de viver”, mais do que por causa de uma
ideologia específica. “Não há dúvida de que ele tenha feito
isso sozinho e por conta própria. Não era membro de
nenhuma organização de extrema-direita. Era comunista
convicto, mas os próprios comunistas não tinham nada a
ver com ele. A meu ver, a ideologia não motivou seu ato. Foi
o ato solitário de um indivíduo protestando contra a
sociedade.”
Kennedy parecia assinalar às autoridades americanas que
não havia motivo para que ficassem preocupadas — ele ia
seguir a linha do governo, uma história oficial que
pretendia combater os medos do público mais do que
exumar a verdade.
Contudo, três meses depois, no dia 28 de setembro de
1964, quando Earl Warren apresentou o volumoso relatório
da comissão ao presidente Johnson na Casa Branca,
Kennedy não pôde mostrar o mesmo entusiasmo. Bobby,
que então estava em campanha eleitoral para o Senado em
Nova York, divulgou uma breve declaração sobre o
Relatório Warren, repetindo os comentários que fizera na
Polônia e declarando que estava “totalmente satisfeito com
o fato de a comissão ter investigado todas as direções e
examinado cada evidência do crime”. Entretanto, Kennedy
se sentiu obrigado a acrescentar o seguinte aviso: “Não li o
relatório, nem pretendo fazê-lo”. Isso se tornaria parte de
sua resposta obrigatória sobre o assunto todas as vezes que
fosse questionado a esse respeito, um tipo de válvula de
escape que seria importante no futuro quando ele quisesse
fazer suas próprias investigações.
A publicação do Relatório Warren pareceu ter
assombrado Kennedy. Ele cancelou suas aparições
marcadas em Manhattan para a campanha naquela manhã,
tomado pelo que os assessores chamariam de “penosas
lembranças” provocadas pelo relatório, e se fechou a portas
trancadas com Jackie. Durante a tarde, enquanto voava até
o norte do estado para um comício em Ithaca, ele pareceu
“subjugado”, segundo o New York Times, sentado sozinho
no avião e olhando pela janela. Mais tarde, “ele sorriu
languidamente durante seu discurso, ao qual faltava
garra”, relatou o Times.
Kennedy estava encurralado em uma posição impossível.
Em particular, rejeitava com desdém o Relatório Warren
como sendo nada mais do que um exercício de relações
públicas destinado a tranquilizar o público. Mas, como
nessa altura ele não queria criticá-lo publicamente, era
obrigado a apoiá-lo. Dar sua aprovação ao relatório foi a
maneira que encontrou de evitar qualquer nova
investigação da imprensa sobre o assassinato. Vocês
conhecem minha posição, vamos em frente. Em 1964, ele
não tinha nenhuma condição política — ou emocional — de
fazer algo além disso. “Em público, ele sempre ficou do
lado da Comissão Warren — pensava que politicamente era
o que devia fazer”, disse seu assistente, Frank Mankiewicz,
que sabia que reservadamente Kennedy manifestava um
ponto de vista diferente sobre Dallas. “Ele não queria falar
sobre isso. Acho que estava fisicamente incapacitado para
isso.”
O Relatório Warren foi elogiado por todos na imprensa
americana, o New York Times e o Washington Post inclusive
dando um tom eufórico a suas reportagens. Ao escrever no
Post, Robert J. Donovan o aclamou como uma “obra-prima
de seu gênero”.
“Esse relatório tem selo de honestidade, autenticidade e
realidade”, derramou-se o correspondente do Post. “Com
certeza, convencerá os homens de razão, para além de
qualquer dúvida razoável, de que Lee Harvey Oswald, um
descontente com questionável sanidade, tenha assassinado
o presidente John F. Kennedy sozinho, agindo por sua
própria iniciativa.”
Ambos os jornais se esforçaram para assegurar a seus
leitores, com uma metralhada de artigos, que o relatório,
de uma vez por todas, “põe fim a todas as teorias de
complô”, como anunciou de forma definitiva a manchete do
Post.
Ironicamente, a cobertura da imprensa sobre a
publicação do Relatório Warren seguiu a tendência
estabelecida sete meses antes pelo repórter do New York
Times, Anthony Lewis, que era próximo de Bobby. A
apresentação favorável ao relatório — que começou com
uma matéria de uma página publicada no dia 1º de junho,
quase quatro meses antes da divulgação do documento —
refletia a própria posição pública de Kennedy sobre as
considerações da comissão. Fazia parte de um padrão que
começou logo depois de Dallas e segue até hoje, no qual
amigos de RFK — fora o senso de lealdade para com o
homem a quem eles obviamente se reportavam sobre o
assassinato — seguiam suas declarações públicas sobre o
crime. Seu mantra se tornou o deles: Marginal solitário...
nada vai trazê-lo de volta... há algo mórbido no fato de se
torturar com o passado. Obviamente, a tragédia é que —
sem que a maior parte de seus amigos soubesse — Robert
Kennedy de fato achava algo bem diferente. Na verdade,
ele era um dos primeiros — entre os mais ferrenhos — a
acreditar em uma conspiração.
Sem saber disso, Lewis tomou a iniciativa de derrubar as
teorias de conspiração, citando em detalhes membros
anônimos da Comissão Warren em sua matéria antecipada
sobre as investigações, os quais prediziam que o relatório
final ia silenciar os críticos para sempre. A matéria de
Lewis destacou Thomas Buchanan e Mark Lane, que suas
fontes na comissão pareciam querer especialmente
descreditar. O relatório ia “explodir de uma vez” com as
teorias desses homens, disseram ao solidário Lewis.
Com o decorrer dos anos, Lewis continuou a menosprezar
as críticas contra o Relatório Warren, embora parecesse
estar menos certo de suas convicções. Mais tarde, ele
confiou a repórteres do Village Voice que sua cobertura da
Comissão Warren havia sido influenciada pela ligação
estreita que tinha com a família Kennedy — em especial
com Bobby Kennedy —, o que tornou o assunto “muito
penoso para mim, pessoalmente. Com o decorrer dos anos,
senti que eu não queria estar envolvido como perito dos
prós ou dos contras. Talvez, com tudo que aconteceu,
Vietnã e Watergate, os repórteres de hoje tivessem
mostrado mais resistência”.
Em seu entusiasmo para aceitar o Relatório Warren, a
imprensa deixou de descobrir que entre os mais
importantes críticos do estudo estavam alguns de seus
próprios autores, entre os quais os senadores Richard
Russell e John Cooper, e o banqueiro e diplomata John
McCloy, cujo ilustre currículo lhe valia o apelido criado pela
mídia de “presidente do establishment da Costa Leste”.
Esses três membros da comissão expressavam profundo
ceticismo quanto à teoria da bala única — a precária tese
de que JFK e o governador Connally teriam sido atingidos
pela mesma “bala mágica”, e a qual sustentava toda a
proposição de que houvera apenas um atirador. Russell,
contudo, foi quem especialmente manifestou incômodo
quando a comissão procurou uma ilusória unanimidade de
opinião.
LBJ havia obrigado o relutante Russell a entrar na
Comissão Warren, sentindo que seu velho mentor do
Senado iria trazer prestígio ao júri e confiando que ele
seria capaz de trabalhar sem alardes com a CIA, já que
Russell era um dos senadores responsáveis por
supervisionar a agência. “Você é meu homem [naquela
comissão]... ponto final”, declarou Johnson, encerrando as
negociações com o venerável senador da Geórgia. Mas
Russell ficaria incomodado com seu serviço na comissão
pelo resto da vida. Entrou nela acreditando que os tiros da
Dealey Plaza resultavam de uma conspiração, e saiu de lá
com a mesma suspeita, apesar das tranquilizadoras
conclusões do júri.
À medida que a comissão caminhava rumo a sua meta de
relatório unânime, Russell se distanciava. Durante uma
sessão executiva de 18 de setembro, dez dias antes que o
relatório final fosse publicado, o senador obrigou a
comissão a incluir uma retratação declarando que a
possibilidade de que Oswald tivesse cúmplices “não podia
ser rejeitada categoricamente”. Sem que Russell tivesse
sido informado, o conselheiro-chefe Lee Rankin mais tarde
apagou a retratação dos registros da comissão, para
remover qualquer sinal de discórdia dentro do júri. Mas o
legislador se manteve fiel às suas suspeitas. Em janeiro de
1970, sofrendo do câncer de pulmão que iria matá-lo menos
de um ano depois, Russell deu uma última entrevista à Cox
Television, baseada em Atlanta, na qual expôs suas dúvidas
sobre o Relatório Warren. Ele “nunca acreditou que Lee
Harvey Oswald tivesse assassinado o presidente Kennedy
sem pelo menos ter recebido algum apoio de outros”, disse
Russell. “E é o que a maioria da comissão queria descobrir.
Acho que alguém mais trabalhou com ele no
planejamento.”
 
***
 
Talvez o cético mais surpreendente em relação ao Relatório
Warren tenha sido o homem que convocou a comissão,
levando-a à sua tranquilizadora conclusão — ninguém
menos que o presidente Lyndon Johnson. Trabalhando em
estreita colaboração com J. Edgar Hoover — junto ao qual,
com o decorrer do tempo, desenvolvera uma relação
pragmática e que servia aos interesses de ambos —, LBJ
havia se empenhado na solução do caso. “A coisa com que
mais me preocupo [...] é que publiquemos algo que possa
convencer o público de que Oswald era o verdadeiro
assassino”, disse Hoover a Johnson em uma conversa
telefônica dois dias após o assassinato, e que também
correspondia aos sentimentos do novo presidente.
Mas, em particular, Lyndon Johnson estava obcecado por
Dallas. Logo depois do assassinato, quando ainda estava no
Parkland Hospital, LBJ começou a especular sobre uma
conspiração, e manteve suas suspeitas até morrer. Com o
decorrer dos anos, mudou de opinião sobre os culpados do
assassinato, às vezes dirigindo suas suspeitas a Cuba, às
vezes à CIA, de acordo com a pessoa para a qual
expressava seus pensamentos. Parecia haver alguma
estratégia por trás de suas especulações.
Deke DeLoach, o intermediário entre Hoover e a Casa
Branca, afastou os sombrios pensamentos do presidente
como parte de seu trabalho para convencer que o Relatório
Warren estava certo. Mas Dick Helms, outra testemunha
das receosas divagações de Johnson, talvez tenha feito uma
leitura mais acurada do presidente: estava dando linha e
queria ver quem morderia a isca. “Eu não sei se [ao falar
sobre uma conspiração] ele se comportava apenas como
um pescador que dá uma pequena puxada no anzol para
ver se algum peixe vai morder, ou se ele realmente
acreditava nisso”, comentou o chefe da espionagem. A
relação entre os dois todo-poderosos era cercada de
segredos. Em 1966, Johnson finalmente atribuiu a Helms o
cargo principal da CIA que este cobiçava havia muito
tempo. Contudo, parecia existir pouca confiança entre eles.
Quando Johnson perguntou a Helms se a CIA havia
conspirado para assassinar dirigentes estrangeiros, o
oficial negou categoricamente. Helms acreditava que
certos assuntos estavam acima do cargo de presidente.
As suspeitas de Johnson sobre a morte de Kennedy
sempre pareceram misturadas ao temor por sua própria
segurança. No Parkland Hospital, ele pediu ao assessor de
imprensa da Casa Branca, Malcolm Kilduff, que adiasse o
anúncio da morte de Kennedy até que ele tivesse voltado a
bordo do Air Force One. “Não sabemos se há uma
conspiração mundial, se estão atrás de mim também como
estavam atrás do presidente Kennedy”, disse a Kilduff. Mais
tarde, no avião presidencial, o medo de Johnson se
transformou por alguns instantes em pânico verdadeiro. Ao
procurar LBJ para obter sua autorização para decolar, o
brigadeiro Godfrey McHugh, assessor da Força Aérea de
Kennedy, achou-o “escondido no toalete... murmurando:
‘Conspiração, conspiração, estão atrás de nós todos!’.”
Depois de se mudar para a Casa Branca, Johnson
mostrou-se de novo agitado ao ver o tapete vermelho-
sangue que Jackie havia mandado colocar no Salão Oval
antes da viagem a Dallas. “Isso lhe recordava que o
presidente havia sido assassinado, e ele mandou trocar o
tapete por um com o selo da presidência”, lembrou-se
DeLoach. Johnson não confiava no Serviço Secreto para
proteger sua vida depois de Dallas, e exigiu que o FBI
cuidasse de sua segurança mesmo que isso não fizesse
parte de suas atribuições oficiais. “Para ser honesto, Mike”,
disse LBJ ao líder da maioria no Senado, Mike Mansfield,
em uma conversa telefônica de setembro de 1964 gravada
pelo sistema de escuta do Salão Oval, “— e não quero que
isso seja contado a ninguém —, a meu ver, é mais provável
que eles provoquem a minha morte do que me protejam.”
DeLoach simpatizou com as preocupações sobre
segurança de Johnson, porém rejeitou educadamente seu
pedido. “Ele não era covarde”, insistiu o oficial do FBI,
embora fosse exatamente o que Bobby Kennedy achasse
dele desde que testemunhara o vacilante depoimento de
Johnson durante a Crise dos Mísseis de Cuba. “O
presidente era um homem muito corajoso. Era muito forte,
mas queria essa proteção complementar [...]. Por exemplo,
ele me chamava, pedindo que eu colocasse um agente do
FBI no Air Force One em quase todas as viagens. Muitas
vezes, ele queria que eu fosse pessoalmente, eu não podia
abandonar minhas responsabilidades para cuidar dessas
missões e, diplomaticamente, eu o avisei disso.”
De vez em quando, Johnson preocupava DeLoach ao
voltar a falar sobre a violenta morte de Kennedy e as
especulações sobre “quem pode ter feito isso”. O homem
do FBI fazia o possível para assegurá-lo de que seu temor
de uma conspiração era infundado. “Ele perguntou se podia
ter sido a CIA, e eu disse: ‘Não, senhor’. E ele mesmo não
acreditava nisso, estava apenas especulando. ‘Podia ter
sido Castro? Podia ter sido a União Soviética?’ E eu
respondia que não, que a investigação havia sido muito
cuidadosa, e que a Comissão Warren havia confirmado as
conclusões do FBI de que não existia conspiração e que
aquilo fora feito por Lee Harvey Oswald — e só por
Oswald.”
Mesmo assim, o homem de Hoover na Casa Branca não
conseguiu acalmar o presidente. Depois que Johnson saiu
do cargo, em 1969, já quase destruído, os historiadores
iriam concluir que ele havia sido vítima da Guerra do
Vietnã. Mas, como observou Max Holland, um estudioso
perito nas gravações de LBJ na Casa Branca, “o assassinato
pesou nele tanto quanto a guerra”. De volta a seu rancho
no Texas, bebendo e fumando muito apesar dos problemas
no coração, Johnson continuou especulando sobre o
sombrio trauma que lhe dera como terrível presente a
presidência dos Estados Unidos. Em uma entrevista de
1969 com Walter Cronkite, da CBS, ele levantou a
possibilidade de uma conspiração internacional, mas logo
tentou engavetar essa ideia perturbadora, pressionando a
CBS para fazer cortes na entrevista por motivos de
“segurança nacional”. Mesmo assim, Johnson não
conseguia conter seus pensamentos inquietantes.
Um dia, descansando na piscina de seu rancho, ele voltou
a falar sobre Dallas com o guarda do Serviço Secreto Mike
Howard, por saber que este tinha algumas conexões com o
caso.
“O que acha desse Oswald?”, perguntou Johnson a
Howard.
O homem do Serviço Secreto respondeu ao ex-presidente
no melhor estilo oficial: era um “jovem perturbado que
tinha delírios de grandeza”.
“Então, você acha que ele agiu sozinho?”, perguntou LBJ.
“Com certeza”, disse Howard.
Johnson semicerrou os olhos sob o sol ao olhar para o
agente. “Hã, hã.” Foi tudo o que disse.
Historiadores consideravam que não se devia dar muita
importância às sombrias especulações de Lyndon Johnson
sobre Dallas, já que sua mente era tomada de tendências
conspiratórias. Porém, ele não era o único, nos círculos do
poder em Washington, a ter suspeitas. Um dos fatos mais
surpreendentes e pouco conhecidos sobre esse capítulo da
história americana é perceber quantos na elite política
acreditavam que Kennedy havia sido vítima de uma
conspiração. Enquanto os membros da classe dirigente do
país — a começar pelo presidente Johnson — cochichavam
entre si sobre uma conspiração, esses mesmos líderes
trabalhavam sem trégua e em colaboração com a mídia
para acalmar os temores do público.
As suspeitas de LBJ sobre o envolvimento do regime de
Castro em Dallas foram alimentadas por McCone e Helms,
ambos da CIA. Contudo, não se sabe com certeza se ele
acreditou neles. Abe Fortas — o assessor jurídico de
confiança a quem Johnson pediu que examinasse
cuidadosamente o Relatório Warren e lhe fizesse um
resumo — estava entre os que no círculo íntimo do
presidente tentavam jogar panos frios sobre essa teoria. A
CIA e o embaixador dos Estados Unidos no México, Thomas
Mann — um simpatizante linha-dura da Guerra Fria que
vinha da United Fruit Company, ligada à CIA —,
começaram a tentar convencer LBJ, logo após o
assassinato, da veracidade da história segundo a qual
Oswald era agente de Castro. Mas Hoover, que Johnson
considerava uma fonte mais confiável da inteligência,
informou ao presidente que as provas fotográficas e de
áudio que a CIA estava utilizando para comprovar que
Oswald havia visitado as embaixadas cubana e soviética na
Cidade do México haviam se revelado falsas — uma
preocupante informação que, como ambos os homens com
certeza reconheceram, apontava diretamente para a
própria CIA.
Johnson tinha consciência de que estava sendo
empurrado para uma guerra contra Cuba por forças de
dentro de seu próprio governo. A Comissão Warren ia se
tornar sua maneira de evitar o confronto militar que, como
ele sabia, poderia levar à guerra nuclear. Como se sabe,
Johnson quebrou a resistência de Earl Warren em aceitar a
presidência da comissão anunciando uma visão
cataclísmica do futuro, caso a histeria sobre o “complô
vermelho” não fosse combatida — sua descrição de um
mundo em chamas com quarenta milhões de pessoas
mortas levou o magistrado de 72 anos às lágrimas. Não se
tratava, porém, de outra atuação melodramática de Lyndon
Johnson. O presidente de fato acreditava que existia esse
risco.
“Depois de ouvir as conversas que Johnson teve com
Warren e Russell, você acaba percebendo que a comissão
não foi criada para procurar a verdade sobre o
assassinato”, comenta James Galbraith, historiador político,
na Escola de Assuntos Públicos Lyndon B. Johnson da
Universidade do Texas. “Mesmo assim, tinha um objetivo
muito alto, que era proteger Johnson da extrema-direita,
impedir que ele se visse precipitado em uma guerra
nuclear. Foi um risco assombroso que muitas noites
impediu Johnson de dormir enquanto durou sua
presidência.”
Lyndon Johnson era um mestre do poder de Washington,
astuto demais para não perceber o empenho das forças
obscuras que o haviam levado a ocupar a Casa Branca. A
sombra que pairava sobre sua ascensão ao glorioso cargo o
incomodaria para sempre. Robert Kennedy não foi a única
pessoa a ficar atormentada em Washington depois do
assassinato. “Johnson também sentia o peso de muitos
sentimentos de culpa”, observou Katzenbach. Para
começar, o odioso crime que havia acontecido em sua
cidade natal. “Entre todos os lugares do mundo”, comentou
Katzenbach. “Johnson sabia que era o tipo de coisa que
dava vazão a qualquer rumor.”
Robert Kennedy e Lyndon Johnson eram lendários
antagonistas. Eles se evitavam com desconfiança, cheios de
emoções feridas e ressentimento acachapante. Mas
ironicamente compartilhavam as mesmas suspeitas quanto
aos acontecimentos de Dallas. A única maneira de extrair a
verdade do governo teria sido que essas duas formidáveis
personalidades juntassem suas forças para exigi-la. Mas,
considerando-se a falta de química e a predileção que
ambos tinham pelo segredo, era pedir o impossível.
Os irmãos de armas de Kennedy, sob a liderança de
Bobby, também permaneciam em silêncio em relação a
Dallas. Viam RFK como o futuro rei, convencidos de que
sua sucessão era inevitável. Enquanto isso, esperavam.
Sempre esperavam por Bobby.
 
Nos bastidores do estúdio do Channel 9, em Los Angeles,
Arthur Schlesinger estava sendo demaquilado depois da
entrevista que concedera ao âncora do canal local, Stan
Bohrman, para seu programa de entrevistas da tarde.
Bohrman perguntara a Schlesinger se ele aceitaria
encontrar um pesquisador de Los Angeles chamado Ray
Marcus, que havia trazido algumas provas relativas ao
assassinato para lhe mostrar. Era 1967, e as teorias de
conspiração sobre Dallas começavam a aparecer. O próprio
Schlesinger por muito tempo se mostrara cético em relação
à conclusão da Comissão Warren de um atirador solitário, e
até pedira a reabertura do caso. Mas não se juntara ao
grupo dos que acreditavam em uma conspiração. Mesmo
assim, o historiador da corte de Kennedy concordou em
encontrar Marcus, que estava esperando para vê-lo em
uma sala adjacente.
Ray Marcus, que na época tinha quarenta anos, era uma
figura respeitada entre os críticos da Comissão Warren.
Dirigira um pequeno negócio, distribuindo cartazes de
“Proibido pisar na grama” e outros do tipo para varejistas,
mas resolveu deixá-lo nas mãos de um sócio de confiança,
consagrando bastante tempo ao caso. Nas décadas
seguintes, cidadãos dedicados como Marcus iriam se tornar
blogueiros especializados no grande mistério do
assassinato. Alguns eram delirantes — ou até totalmente
malucos — em sua devoção ao caso; outros, como Marcus,
tinham bases sólidas. Ele havia descido até a “toca do
coelho”, como alguns pesquisadores chamaram o labirinto
de sua obsessão, desde o primeiro dia. “Sempre fui
repórter, e estava grudado na tela da televisão no dia 22 de
novembro”, lembrou-se ele. “Quando começaram a dizer
que Oswald havia agido sozinho, eu soube que estavam
mentindo ou dizendo algo que ainda não podia ser provado
naquele momento.”
Trabalhando na época pré-internet, Marcus produziu
monografias sérias e bem documentadas sobre o
assassinato, que ele próprio publicou e distribuiu. Também
examinou de perto o Relatório Warren e as provas
fotográficas da Dealey Plaza, recortando imagens do filme
de Zapruder que foram publicadas na revista Life e
transformando-as em uma apresentação fotográfica de um
metro e vinte para demonstrar graficamente que JFK havia
recebido tiros de mais de uma direção.
Assim como outros críticos do assassinato, Marcus estava
atormentado pela ideia de que o povo americano tivesse
sido enganado pelo governo, pelo sistema judiciário e pela
mídia. O Relatório Warren, declarou ele na época, era “o
documento mais maciçamente fraudulento já entregue a
uma sociedade livre”. Marcus reconheceu que sua análise
fotográfica podia ser “completamente não científica.
Porém, minha resposta aos que dizem ‘você não é perito’ é
‘onde estão os peritos?’”.
Marcus achava importante que os cortesões do presidente
Kennedy vissem suas provas fotográficas, e se esforçou
para contatá-los. Quando Bohrman, que conhecia seu
trabalho, propôs-se a apresentá-lo a Arthur Schlesinger, ele
não desperdiçou a chance.
Mas quando Schlesinger entrou nos bastidores do
Channel 9, não estava preparado para o que veria. Depois
de apertar a mão do historiador, Marcus dirigiu sua
atenção para a apresentação de fotografias que ele havia
organizado em uma mesa. Entre as ampliações, estava a
famosa imagem 313, em que o crânio do presidente
Kennedy explode em um halo de sangue. Schlesinger ficou
visivelmente pálido ao olhar para as fotos. Imediatamente,
desviou o olhar. “Não posso olhar e não vou olhar”, disse
ele. Isso pôs fim à conversa. Schlesinger saiu do estúdio, e
Marcus nunca mais o viu.
“Não posso olhar e não vou olhar” — era o resumo
perfeito da atitude em relação ao horror de Dallas que se
difundira no círculo de Kennedy. Muitos dos homens do
presidente tinham dúvidas em relação ao Relatório Warren,
mas não conseguiam demonstrar coragem política e
emocional para abraçar o caso. Em vez disso, esperavam
por Bobby. E enquanto esperavam, refletiam sobre o
indescritível crime.
Courtney Evans, o agente do FBI que tinha a tarefa não
invejável de servir de intermediário entre RFK e Hoover,
lembrou-se das intensas conversas sobre Dallas que
ocorreram na confraria do Departamento de Justiça de
Kennedy. Evans estava inclinado a acreditar que Oswald
havia agido sozinho, mas nem todos concordavam. “Ainda
acredito que Oswald tenha sido o assassino, um homem
que havia sucumbido à influência de certos grupos e
ideias”, disse Evans. “Com a velha turma do Departamento
de Justiça — Katzenbach, Ramsey Clark — costumávamos
falar sobre isso, o assunto sempre vinha à tona toda vez
que nos encontrávamos. Havia uma ambivalência dentro do
grupo sobre quem seria responsável pelo assassinato. Mas,
de fato, não havia como provar que tinha sido uma
conspiração.”
Por que a elite do Departamento de Justiça — os jovens e
agressivos promotores, antigos jornalistas investigativos e
homens leais do FBI como Evans — não usou seu
formidável talento para resolver o caso? Evans disse que
estava sendo restringido por seu chefe. “Hoover me deixou
o mais longe possível da Comissão Warren. Assegurou-se
de que eu estivesse ocupado com outras tarefas. Claro,
nada por escrito — as coisas eram expressas verbalmente,
de maneira sutil.”
Evans era um dos poucos homens do FBI que havia
claramente transferido sua lealdade para os Kennedy.
“Senti que os Kennedy estavam tentando fazer um trabalho
maravilhoso pelo país”, disse ele. “O presidente Kennedy
acreditava que devíamos mudar o rumo da nação.”
Contudo, depois da posse de LBJ, percebendo que não tinha
futuro no FBI de Johnson, Evans se demitiu de suas funções
junto ao governo. “Sem dúvida, eu estava desiludido com
Hoover e o birô. Ele teria me mandado para Anchorage.
Era evidente que eu não estava indo a lugar nenhum dentro
do FBI. Publicara-se que Hoover sabia que Kennedy ia
substituí-lo no segundo mandato — talvez ele tenha
descontado em mim.”
Apesar das bem conhecidas tensões entre RFK e Hoover,
a equipe do procurador-geral contava com o FBI para
investigar o assassinato. Segundo o antigo promotor contra
o crime organizado, Ronald Goldfarb, nem mesmo Ruby,
que tinha vínculos com a máfia, parecia preocupado com
isso. “Você precisa voltar àquela época”, disse ele. “Era um
momento em que acreditávamos no governo, antes do
Watergate e toda aquela coisa.” E assim como todo mundo
no círculo de Kennedy, os promotores de Bobby seguiam
seu comando. “Lembro-me de pessoas dizendo: ‘Quem tem
mais motivos do que Robert Kennedy para pegar o
assassino de seu irmão?’”, lembrou-se Goldfarb.
Para sua equipe do Departamento de Justiça, parecia que
Bobby havia delegado a investigação do assassinato a
Herbert “Jack” Miller, o chefe da Divisão Criminal do
departamento. Porém, Miller insistia em dizer que “Bob não
nos pediu nada — ele sabia muito bem que íamos cuidar do
assunto”. Miller disse que ele e sua equipe investigaram a
possível conexão da Máfia com Dallas. “Vasculhamos todas
as possibilidades, mas não encontramos nenhuma prova.”
Alguns promotores de Kennedy se perguntavam por que
Miller estava tomando a liderança da investigação. Ele não
parecia ser o tipo de buldogue que Bobby poria para farejar
as sarjetas — e as suítes — do país para encontrar os
assassinos de seu irmão. Republicano de longa data, Miller
havia sido extirpado por Bobby do rico mundo do direito
empresarial de Washington devido a sua experiência
profissional, que incluía desavenças com o Teamsters.
Depois de sua passagem pelo Departamento de Justiça,
Miller retomaria suas lucrativas atividades jurídicas,
representando clientes tão importantes quanto Richard
Nixon, para o qual obteve um indulto presidencial.
“Se Bobby quisesse saber a verdade, sei quem ele teria
escolhido”, disse Goldfarb. “Teria escolhido Walter
Sheridan. Porque confiava nele, era um homem forte e eles
se conheciam havia muito tempo.”
O que Goldfarb e outros advogados do Departamento de
Justiça não sabiam era que Kennedy de fato havia pedido a
Sheridan — em segredo — que investigasse o crime. Mas os
dois amigos próximos estavam esperando o momento certo,
até que Kennedy tivesse o poder político para fazer uma
investigação oficial.
Já que Bobby mantinha caladas suas suspeitas sobre
Dallas, seu círculo de colegas e amigos só podia elaborar
opiniões próprias sobre o crime. James Symington, ex-
assistente administrativo de Kennedy, estava trabalhando
no escritório de advocacia de Abe Fortas, em Washington,
na época do assassinato. Fortas, que havia sido
encarregado da revisão do Relatório Warren por seu amigo
de longa data e cliente Lyndon Johnson, delegou a tarefa a
seu jovem colaborador, jogando o maciço volume sobre sua
mesa com um baque. “Nunca falei com Bob sobre o
assassinato”, disse-me Symington. “Eu não fazia parte de
seu círculo íntimo. Porém, tive que ler o Relatório Warren
inteiro antes que fosse publicado, e, para mim, parecia ser
um esforço de pessoas que estavam ansiosas para encerrar
o caso sem examinar todos os cantos e recantos. Era longo
e pomposo, e focava principalmente o passado de Oswald,
mostrando que ele havia agido sozinho. Porém, nunca
cheguei a pensar que... que ele agira sozinho. Pela maneira
como as balas atingiram Kennedy e porque para mim a
motivação de Oswald não estava clara. Por que diabo ele
faria aquilo? Nunca foi apurado. E havia a situação
totalmente inacreditável de que Jack Ruby teria se
aproximado dele na delegacia para matá-lo. Como se
quisesse se assegurar que ele nunca ia falar. Havia coisas
demais sem explicação.”
Nick Katzenbach é um dos veteranos do Departamento de
Justiça que defendeu constantemente o Relatório Warren
no decorrer dos anos. “Acho que a Comissão Warren
verificou as informações”, disse-me ele quando o
entrevistei. “Não tenho dúvida nenhuma.” Contudo, até
Katzenbach concorda que existem falhas na investigação
oficial. Em seu testemunho de 1978 perante a Comissão
Reservada da Câmara dos Representantes sobre
Assassinatos, criticou duramente a maneira como a CIA e o
FBI haviam manipulado a comissão. “Cooperação?”, riu
amargamente em determinado momento. “Não acredito
que o termo seja apropriado. É inacreditável ver quantas
coisas esconderam da comissão.” Katzenbach ficou pasmo
ao ver como Allen Dulles — sobre o qual disse que era
“obviamente o espião da CIA na comissão” — escondeu
informações cruciais do júri de dignitários, como, por
exemplo, os complôs entre a CIA e a Máfia. No que diz
respeito ao papel do FBI na investigação, Katzenbach
testemunhou que “Hoover estava impossível naquela
época. Seu verdadeiro talento consistia em passar por cima
das pessoas e esconder informações valiosas para o
processo”. Hoje, Katzenbach até supõe que Oswald possa
ter sido apoiado por outros. “Tenho tanta certeza quanto é
possível de que não houve outro tiro”, disse-me ele,
caracterizando de “idiotices”, as opiniões contrárias. “Mas
não é idiotice especular que havia alguém por trás de
Oswald... Eu quase apostaria nos cubanos [anticastristas].
Se eu tivesse que escolher, apontaria uma dessas três
possibilidades”, disse ele, referindo-se à CIA, à Máfia e aos
eLivross cubanos. “Eu diria que os cubanos eram
provavelmente os que tinham o pior conceito.”
A dúvida e a confusão sobre o assassinato também
reinavam nos círculos de Kennedy fora do Departamento de
Justiça. Em uma entrevista para um jornal, o ex-assessor de
imprensa da Casa Branca, Malcolm Kilduff, assentou sua
respeitabilidade ao seguir a linha obrigatória de ataques
violentos às teorias de conspiração, qualificando-as de
“lixo”, porém expressou profundo ceticismo sobre a bala
mágica do Relatório Warren. Fred Dutton, secretário de
gabinete de JFK e mais tarde diretor da campanha de
bastidores de RFK na disputa presidencial de 1968, disse-
me pouco tempo antes de morrer, em 2005, que concordava
com a descrição que Bobby fizera do Relatório Warren
como um trabalho de relações públicas. Dutton tinha
certeza de que “havia mais fatos para o processo do que
obtivemos, e não sei o que eram”. Segundo seus filhos,
Larry O’Brien — o astuto intermediário de JFK no
Congresso — e o prefeito de Chicago Richard Daley —
importante aliado político de Kennedy — também
suspeitavam que tivesse havido uma conspiração. “Eu
considero meu pai como um dos que tinham bastantes
suspeitas da versão Warren”, revelou Bill Daley.
Entretanto, nenhum antigo oficial do governo Kennedy
criou um escândalo público sobre Dallas. Acabou se
tornando claro que, para quem quisesse manter sua boa
reputação nos círculos social e político de Washington, não
era uma atitude inteligente dizer algo impensado sobre o
assassinato. Essa posição política era expressa como a
coisa certa para o bem do país, para ajudá-lo a seguir em
frente. “Acho que ele aceitou o Relatório Warren, mas será
que acreditava nele? Essa é outra questão”, disse Carol
Bundy, filha do falecido William Bundy, parte da fraternal
dupla de intelectuais bem-nascidos que eram conselheiros
em política internacional do presidente Kennedy. “Acho que
ele pensou que era para o bem da nação: é o que
deduzimos, e agora precisamos seguir adiante. Quando eu
tocava no assunto, ele dizia que havia certamente muitas
provas que não conhecíamos, mas isso não queria dizer
necessariamente que se tratasse de um complô. A questão
era estabilizar o país depois do assassinato: vamos em
frente com a carruagem do Estado.”
Apesar de seus vínculos afetivos com a família Kennedy,
Robert McNamara seguiu a mesma atitude prática de
outras figuras do establishment, como Bundy. Será que o
Relatório Warren estava certo? “Bem, você sabe, a resposta
é que não me esforcei para tentar descobrir”, informou-me
McNamara. “A resposta é que acredito que é a [explicação]
mais provável. Simplesmente não sei.” Em seguida, ele riu
— um riso estranho, incomodado. Então, para ele, o caso
estava encerrado? “Sabe, foi uma perda terrível. Acho que
hoje o mundo seria diferente se os dois Kennedy não
tivessem sido assassinados. Porém, aconteceu. Não há nada
que eu possa fazer a respeito disso.”
Arthur Schlesinger teve mais dificuldade para conter seus
sentimentos sobre o assunto. Apesar de ter declarado a
Marcus que não queria mais voltar a tudo aquilo, ele o fez
várias vezes no decorrer dos anos. Conversou com Bobby a
respeito disso; havia lido livros sobre o assassinato. Anos
depois, até aprovou de forma ponderada um dos melhores
livros sobre o assunto, Conspiracy (mais tarde, reeditado
sob o título Not in Your Lifetime), do jornalista investigativo
Anthony Summers. Mas, em público, ele se contentava em
se declarar “agnóstico” sobre se Oswald havia agido
sozinho ou não. Foi uma posição que até sua própria esposa
achou inadequada. Durante uma conferência em Havana
em março de 2001 para comemorar o quadragésimo
aniversário do episódio da Baía dos Porcos, o produtor de
filmes e ex-redator de discursos Eric Hamburg sentou-se ao
lado da esposa de Schlesinger, Alexandra. Em determinado
momento, ela surpreendeu Hamburg ao se debruçar e
olhar para seu exemplar de “ZR”: O rifle que matou
Kennedy, um livro sobre a conspiração Kennedy escrito
pela jornalista brasileira Claudia Furiati que se apoiou
bastante nos arquivos da inteligência cubana. “Eu tinha um
exemplar”, disse ela, “mas o perdi. Tenho certeza de que
esse livro está certo. Tenho convicção absoluta de que
houve uma conspiração.” Então Alexandra Schlesinger
acenou com a cabeça em direção a seu marido e sussurrou
em tom confidencial: “Ele é agnóstico, mas eu não”.
Não obstante, a esposa de Schlesinger deixou claro que
tinha problemas com uma das acusações de Furiati — sua
alegação, atribuída ao Departamento de Segurança do
Estado de Cuba, de que Richard Helms era “o principal
autor” do complô de assassinato. “Não posso acreditar no
trecho sobre Dick Helms”, disse ela para Hamburg. “Era
um de nossos amigos. Jogávamos tênis com ele.”
A imbricação das relações entre o círculo dos Kennedy
com o grupo da CIA de Georgetown impediu que muitos
deles dessem esse formidável salto e concluíssem que o
assassinato de JFK era resultado de — assim como o de
Júlio César — fogo amigo. Alguns dos homens de Kennedy,
entre os quais Schlesinger, conheciam oficiais da CIA, como
Helms, desde a época em que haviam estado juntos na
OSS. Alguns tomavam martíni com eles nos salões de Joe
Alsop. Outros jogavam tênis com eles. Ou então eram
vizinhos.
Marie Ridder, amiga de longa data de Kennedy — que
participara de festas em Georgetown com o jovem Jack
antes que ele se casasse (“Sou a única pessoa que
conheço”, graceja ela, “que saiu com Jack e a quem ele não
fez nenhuma proposta!”) —, está entre os que não
conseguem suspeitar da CIA. Corajosa ex-repórter do jornal
Knight-Ridder e viúva do editor Walter Ridder, Marie
Ridder vive hoje uma aposentadoria ativa em uma casa de
madeira banhada de sol, situada em um verdejante
penhasco que domina o rio Potomac. Ela me recebeu
vestindo calça e blusa amassadas, acabando de voltar do
jardim, e me ofereceu uma sopa fria de azedinha, além de
hambúrgueres, no pátio atrás de sua casa, relembrando-se
dos Kennedy e de seus velhos amigos de Georgetown.
“Claro, Jim Angleton era um tipo de gênio do mal”,
comentou Ridder em determinado momento. “Mesmo assim
não acho que ele tenha se envolvido no assassinato do
presidente. Com certeza, não. Ele era dono desse terreno
aí”, disse, mostrando uma casa com um luxuriante jardim
ao lado. “Era um jardineiro fabuloso. E, me desculpe, mas
alguém que seja exímio jardineiro não vai assassinar um
presidente.”
E Helms? “Helms era um homem muito doce e bem-
intencionado”, disse Ridder. “Ele não teria participado de
uma conspiração de assassinato”, acrescentou, ignorando
seu confesso papel nos complôs contra Castro.
Com outros íntimos de Kennedy, o mesmo assunto do
assassinato é um campo minado emocional que deve ser
atravessado com cautela. Quando o crime entrou na pauta,
Theodore Sorensen logo deixou claro que ainda era
doloroso demais para que ele pudesse pensar nisso, mesmo
quarenta anos depois. O entrevistador não podia insistir
sem se sentir sádico. Os chamados “homens da Nova
Fronteira”, como Sorensen, estão hoje no outono da vida;
eles tiveram uma vida longa, repleta de acontecimentos.
Porém, nada os nutriu com tamanho senso de propósito
quanto o tempo que passaram com Jack e Bobby Kennedy.
Seus olhos se encheram de lágrimas no momento em que
reviveram aqueles dias, quando eram os jovens escolhidos
e estavam mudando o mundo, antes que algo fosse
arrancado de seu coração.
Assim como Schlesinger, Sorensen se disse “agnóstico”
em relação a Dallas. “Nunca vi prova formal que
contradissesse a conclusão da Comissão Warren de que
Oswald agira sozinho”, disse-me ele, deixando claro que
preferia mudar de assunto.
Sorensen parecia sentir o peso da carga de melancolia da
história. Ele sabia que John F. Kennedy vivera por um
propósito; mas não conseguia acreditar que ele havia
morrido por um. “É muito doloroso. Veja bem, existem
emoções em ambos os lados. Se eu tivesse como saber que
alguém que foi meu amigo durante onze anos morreu como
um mártir por uma causa, que houve uma razão, algum
propósito para sua morte — e que não foi apenas um
atirador de elite maluco —, então acho que o mundo inteiro
se sentiria melhor. O valente John F. Kennedy, com suas
posições ousadas, foi até o Texas sabendo que era um
território hostil, e acabou sendo morto. Porém, acho que,
por enquanto, isso não passa de uma extravagante teoria, e
mesmo que ela seja reconfortante, não vou abraçá-la,
porque não existem provas disso.”
Mas Kenny O’Donnell — o vigilante cão de guarda de
Kennedy, o assistente politicamente astuto da Casa Branca
que tinha a maior influência sobre o presidente — viu
evidências de uma conspiração. Ele viu o que aconteceu em
Dallas com seus próprios olhos, e isso iria atormentá-lo
pelo resto da vida. Entre todas as histórias de irmandade
de Kennedy, a de Kenny O’Donnell parece ser a mais triste.
 
Kenny O’Donnell e seu velho amigo da máfia irlandesa,
Dave Powers, foram testemunhas oculares da história no
dia 22 de novembro de 1963. Vindo imediatamente atrás da
limusine presidencial, no carro de apoio do Serviço
Secreto, os dois homens viram tudo o que aconteceu
naquele dia. Antes que o comboio começasse a se mover,
JFK — como sempre atento aos detalhes políticos — lhes
pediu que ficassem no carro seguinte ao dele para poderem
observar as reações da multidão em relação a ele e Jackie.
Ambos os homens nunca esqueceram o que viram naquela
tarde. Quando os tiros foram disparados, Powers deixou
escapar: “Kenny, acho que o presidente foi atingido”.
O’Donnell fez um rápido sinal da cruz. Enquanto os dois
homens olhavam atentamente para o homem que haviam
amado e servido desde que era um delgado jovem
candidato ao Congresso, um último tiro “arrancou a lateral
da sua cabeça”, lembrou-se O’Donnell mais tarde. “Vimos
pedaços de ossos, tecido cerebral e tufos de seu cabelo
ruivo voarem pelo ar. O impacto o levantou e o sacudiu
flacidamente, como se ele fosse um boneco de pano, e
então ele desapareceu de nossa vista, estendido no assento
traseiro do carro. Eu disse a Dave: ‘Ele está morto’.”
O’Donnell e Powers, ambos veteranos da Segunda Guerra
Mundial, ouviram com clareza pelo menos dois tiros vindos
da pequena colina coberta de grama situada em frente ao
carro. Porém, quando mais tarde contaram isso ao FBI,
foram informados de que deviam estar enganados. Foram
pressionados a mudar sua história porque, do contrário,
poderia ser muito prejudicial para o país. Assim, O’Donnell
mudou seu depoimento para que se adequasse à versão
oficial, testemunhando perante a Comissão Warren que os
tiros haviam vindo “da traseira à direita” — a direção do
School Book Depository. Powers, contudo, não conseguiu
modificar totalmente sua versão. Embora os empregados da
Comissão Warren que pegaram seu depoimento tenham
tentado interrompê-lo várias vezes, Powers insistiu em
dizer que “tinha a fugaz impressão de que o barulho
parecia vir da frente” assim como de trás — o que
provavelmente explica por que Powers não foi convidado a
testemunhar perante a comissão, como foi o mais ameno
O’Donnell.
Cinco anos depois do assassinato, O’Donnell confessou ao
seu amigo, o congressista de Boston (e futuro presidente da
Câmara dos Representantes) Tip O’Neill, o que havia
obedientemente escondido do público — que ouvira dois
tiros vindos de trás da cerca da pequena colina coberta de
grama. O’Neill, que estava jantando com O’Donnell e
algumas outras pessoas no Jimmy’s Harborside Restaurant,
em Boston, ficou pasmo. “Não foi isso que você contou à
Comissão Warren”, disse ele.
“Está certo”, respondeu O’Donnell. “Eu disse ao FBI o
que eu havia ouvido, mas eles disseram que isso não podia
ter acontecido dessa maneira e que eu devia estar
imaginando coisas. Então, testemunhei do jeito que eles
queriam. Não quero provocar mais dor nem problemas à
família.”
“Não posso acreditar”, disse O’Neill. “Eu não teria feito
isso nem em um milhão de anos. Teria dito a verdade.”
“Tip, você tem que entender. A família — todos queriam
que essa coisa ficasse para trás.”
Pela versão de O’Neill — e a de Dave Powers, que sugeriu
que Hoover em pessoa havia pressionado O’Donnell para
que este mudasse seu depoimento —, fica claro que o FBI
teve um papel-chave nessa fatídica distorção do relatório.
Mas é igualmente óbvio que O’Donnell também respondia a
sinais da família Kennedy, e isso só podia querer dizer seu
amigo próximo Bobby, o homem com quem sua vida e sua
carreira haviam se entrelaçado completamente desde que
eram colegas de quarto em Harvard. O’Donnell, que era
como um irmão para Bobby, extremamente leal, nunca teria
mudado sua história sem primeiro verificar essa
possibilidade com Kennedy. E Bobby fora claro ao dizer que
não estava pronto para questionar em público a versão
oficial do assassinato.
Independentemente dos motivos que o levaram a
esconder a verdade sobre Dallas, a decisão tomada por
O’Donnell pesou muito sobre ele. Os Kennedy haviam sido
sua vida. Duro, taciturno e extremamente dedicado, ele
passara inúmeras horas na Casa Branca. Mas ria diante da
ideia de que isso fosse um sacrifício. “Trabalho difícil, o
cacete! Foi o melhor trabalho que já tive”, disse ele. Agora
o homem que servira havia desaparecido. Ele queria que as
balas o tivessem atingido, disse à sua esposa. E, em vez de
ajudar a levar os assassinos à Justiça, estava enganando o
país. “O assassinato foi o fim de sua vida”, disse-me seu
filho, Kenny Jr. “Nunca mais ele foi o mesmo. Nenhum dos
homens de Kennedy foi o mesmo. Mas ele ainda mais que
os outros.”
O’Donnell também revelou a seu filho o que havia
realmente testemunhado na Dealey Plaza. “Ele disse que
houve tiros vindos de duas direções diferentes”, lembrou-se
o filho de O’Donnell. E, diante dele, seu pai se queixou
amargamente de sua experiência com a Comissão Warren.
“Vou lhe contar agora mesmo”, disse ele, “eles não queriam
saber”. O’Donnell chamou o inquérito de “a investigação
mais inútil que já vira”. Pegando os registros de seu
testemunho para mostrá-los a Kenny Jr., apontou para um
trecho com desgosto e disse: “Veja, isso é ridículo — nem
estavam procurando uma resposta para isso”. O’Donnell
pode também ter sentido desgosto com sua própria atuação
perante a comissão.
Nos meses que se seguiram a Dallas, O’Donnell se
dedicou a ajudar Jackie. Desde o assassinato, os dois
haviam se aproximado como velhos soldados. Enquanto
voavam de volta para Washington naquele dia, os dois
estavam manchados com o sangue de Jack. Kenny e Bobby
encontraram conforto ao reunir amigos na casa da viúva,
em Georgetown, e diverti-la com antigas histórias sobre
Jack.
O’Donnell, entretanto, não conseguia deixar Dallas para
trás. O que ele e Dave Powers haviam testemunhado
naquele dia continuava a remexer suas entranhas.
O’Donnell sentiu acessos de náusea durante os seis meses
seguintes. Powers começou a sofrer de violentas
enxaquecas. A dor ficava localizada na mesma parte do
crânio em que vira a bala atingir a cabeça de seu amigo.
Ele não conseguia tirar o “repugnante som” de sua cabeça
— como “uma grapefruit se esmagando contra uma
parede”.
O’Donnell começou a beber. Quando os amigos o
aconselhavam a ir devagar com a bebida, o homem cujo
apelido era “A Cobra” os encarava com olhar frio e dizia:
“Vão para o inferno e cuidem de sua própria vida”. Mas ele
ouviu quando Jackie e Bobby o obrigaram a se sentar e
conversaram com ele. “Deu certo”, observou sua filha,
Helen. “Ele parecia querer voltar a ter a companhia dos
homens.”
Kenny O’Donnell nunca se recuperou totalmente. “Ele
viveu o resto da vida com o coração pesado”, disse seu
filho. Duas vezes concorreu à indicação do Partido
Democrata para governador de Massachusetts, em 1966 e
1970; porém, seu talento político era o de homem dos
bastidores, não de candidato, e ele perdeu ambas as vezes.
O assassinato de Bobby foi o golpe final. Kenny Jr. estava
com seu pai na noite em que ouviu a notícia. Seu pai
acabara de falar com Bobby por telefone sobre os
resultados da primária na Califórnia. “Acabou”, disse-lhe
seu pai após saber que a história havia se repetido. “Foi
tudo que ele disse”, lembrou-se Kenny Jr. “Esse foi o fim
absoluto.”
Quando O’Donnell morreu, em um hospital de Boston, em
setembro de 1977, aos 53 anos, sua família solicitou que a
causa da morte não fosse divulgada, e a imprensa relatou
que ele havia morrido de uma doença do fígado. Não havia
mais Bobby para lhe dizer que largasse a garrafa. Seu
serviço fúnebre se deu na St. Matthews Cathedral, onde ele
escoltara o caixão de Jack catorze anos antes, caminhando
lentamente pela Connecticut Avenue a partir da Casa
Branca. Em um velório que aconteceu depois, no
Mayflower Hotel, um político de Boston rememorou seu
falecido amigo. Sem os Kennedy, disse ele, “O’Donnell era a
música sem a harpa”.
 
***
 
Mais uma vez, Ed Guthman estava preocupado com a vida
de seu amigo, Bob Kennedy. Era final de 1964. A campanha
de Kennedy para o Senado estava em andamento, e em
todo lugar a que ia, o candidato encontrava profundos
motivos para se emocionar. As pessoas se amontoavam
contra as barreiras da polícia, tentando tocá-lo. Brancos e
negros; jovens e idosos; homens e mulheres. Era um apreço
que ultrapassava os limites da política. Os americanos
precisavam sentir que nem toda a esperança havia morrido
no dia 22 de novembro. Aqui estava ele em carne e osso,
uma lembrança viva de que o sonho de Kennedy não havia
morrido. Depois de longos meses de luto, quando não havia
mais certezas em relação ao país, a simples visão de Bobby
despertava explosões de euforia.
Mas Guthman sabia que as paixões em relação a Bobby
eram ambivalentes. Enquanto ele seguia rumo à campanha
de Nova York, menos um guerreiro feliz do que um pálido
penitente, Bobby também rememorava lúgubres
pensamentos. Guthman, que havia deixado o Departamento
de Justiça para trabalhar na campanha para o Senado,
ouviu falar das constantes ameaças de morte. O FBI ligava
quase todas as manhãs com um novo alerta sobre o destino
da campanha naquele dia. As ameaças eram reais? Hoover
não estava exagerando as ameaças para interromper a
campanha ou fazer que seu birô parecesse mais vigilante
do que era na proteção de seu companheiro de armas?
Guthman levou as ameaças tão a sério que conversou com
Jim King, o detetive do Departamento de Polícia de Nova
York que viajava com a campanha. Ambos os homens
sabiam que era inútil avisar Bobby; ele nunca deixaria que
precauções de segurança ditassem os rumos de sua
campanha. As pessoas precisavam tocar nele; ele precisava
tocar as pessoas. Era a única coisa que parecia revivê-lo.
No dia 29 de setembro, a campanha passou por
Rochester. Era a cidade natal de seu adversário
republicano, o senador Kenneth Keating, que pleiteava a
reeleição, mas, como sempre, a multidão para Kennedy era
grande. Mesmo assim, Guthman percebeu que havia algo
mais tenebroso.
Mais cedo, naquele dia, um homem com espingarda, que
havia perguntado sobre a rota do comboio de Kennedy, foi
detido pela polícia. (Soltaram-no depois que ele os
convenceu de que era um caçador e estava regressando à
casa, depois de passar na loja de armas, e estava tentando
evitar o cortejo.) Mas Kennedy fez o que sempre fazia — foi
visitar os bairros mais pobres e tomados pelo crime, entre
os quais o gueto que havia sido cenário de tumultos em
julho. Subiu no capô do carro para falar diante da multidão
tensa e elétrica — sozinho, sem guardas. Em Rochester, ele
lembrou às pessoas o que os Estados Unidos deveriam
representar.
Era o dia seguinte à publicação do Relatório Warren, mas
Bobby saiu da melancolia em que havia mergulhado
quando, em uma coletiva de imprensa, pediram-lhe que
explicasse as diferenças entre sua política internacional e a
de seu oponente. Keating tinha uma agradável aparência
paternal, de rosto vermelho e cabelo branco, com fama de
progressista em termos de direitos civis. Porém, tivera um
papel provocativo durante a Crise dos Mísseis de Cuba,
usando informações que vazaram da CIA para incitar os
Kennedy a adotarem uma postura combativa. Naquele dia,
Bobby disse à imprensa que apoiava uma forte presença
militar. Mas, acrescentou em seguida, imediatamente que a
façanha militar americana devia ser acompanhada de
“força interna e sabedoria, e assim evitar o uso dessa força
militar de maneira precipitada e indiscriminada”. Ele disse
que no fim o comunismo seria derrotado unicamente “por
meio de práticos programas progressistas para varrer a
pobreza, a miséria e o descontentamento graças aos quais
ele cresce”. E sugeriu que a verdadeira segurança nacional
resultaria de um forte apoio às Nações Unidas — “a
experiência mais nobre da humanidade” — e do fato de
tirar dois bilhões de pobres de seu miserável destino. Por
fim, declarou que os Estados Unidos obteriam o respeito do
mundo somente se pusessem em prática, em casa, o que
vinham pregando, defendendo princípios democráticos e
trabalhando em prol da igualdade racial.
“Não podemos esperar que um africano acredite que
somos a favor da igualdade e da dignidade do homem
quando seu próprio embaixador não é servido em nossos
restaurantes. Não podemos esperar que países com níveis
de vida muito inferiores respeitem nossa crença na
dignidade do homem se eles respeitam seus idosos e nós
negligenciamos os nossos. Não podemos esperar que
outras nações se juntem a nós para combater a pobreza se,
em meio a uma riqueza sem precedentes, seis milhões de
famílias vivem na pobreza.”
Ao dar vazão àqueles ideais da Nova Fronteira, RFK
despertou do abatimento que sentira na véspera, como se
tivesse sido reerguido pela crescente retórica de Jack. Mas
se Bobby estava conjurando o espírito do irmão, Guthman
estava preocupado em manter esse Kennedy, que respirava
e vivia, a salvo de qualquer dano físico. “Eu estava com ele
naquele dia em Rochester”, lembrou-se ele, “e, para mim,
era uma situação perigosa. Então fui ver os fotógrafos que
estavam cobrindo a campanha e pedi que eles se juntassem
em volta dele, para lhe darem alguma proteção.”
Considerando-se o clima político de hoje, é surpreendente
que um grupo de profissionais da mídia tenha concordado
em fazer isso — colocar-se na linha de fogo por um
candidato. Mas foi exatamente o que os fotógrafos fizeram,
disse Guthman. “Veja bem, muitas pessoas teriam levado
um tiro por Bob Kennedy a qualquer momento.” Guthman
também teria feito isso? “Com certeza, sem hesitar.”
A campanha de 1964 de Robert Kennedy para o Senado
seguiu adiante carregada por uma onda de sentimento
popular, um anseio que, como ele percebeu, tinha mais a
ver com seu irmão do que com ele. Depois de um agitado
dia de campanha, Guthman exultou com a clamorosa
recepção que Kennedy tivera. “Nunca vi multidões como as
que você está tendo, elas só podem ser um bom presságio”,
disse ele a Bobby.
Kennedy então olhou para Guthman com expressão
melancólica. “Você não sabe?”, disse ele. “Estão aqui por
ele... estão aqui por ele.”
A disputa pelo Senado foi o primeiro passo decisivo de
Kennedy para sua estratégia de reconquista da Casa
Branca, onde, como havia jurado, ia prosseguir com as
políticas de seu irmão. Mas o coração de Bobby não estava
na campanha. Ele anunciara sua candidatura ao Senado no
último momento, no dia 25 de agosto, após declarar dois
meses antes que não pretendia concorrer. Sua decisão
resultou de um exaustivo processo em que ele primeiro
considerou concorrer ao cargo de governador de
Massachusetts (rejeitando finalmente essa opção pelo fato
de que estaria pisando em território de seu irmão Teddy),
deixando-se então incentivar por partidários a concorrer ao
cargo de vice-presidente de Lyndon Johnson. Ambos os
homens sabiam que seria algo desastroso, e LBJ convocou
Kennedy à Casa Branca no dia 29 de julho para conhecer
sua decisão oficial. O encontro foi profundamente estranho
para ambos. Como Bobby contou mais tarde a Kenny
O’Donnell, Johnson lhe disse que “queria um vice-
presidente que pudesse ajudar o país, ajudar o partido, e
assisti-lo... e concluiu que eu não podia ser essa pessoa”.
Kennedy, que sabia que Johnson precisava estabelecer uma
base política independente, aceitou a decisão com
tranquilidade. “Ah, mas que diabo!”, disse rindo, depois de
contar aos seus colegas do Departamento de Justiça o que
havia acontecido. “Vamos formar nosso próprio país.” A
partir daí, Bobby e seu círculo iam ser o “governo no
exílio”, como gracejou primorosamente Ethel.
O estatuto de azarão de Kennedy foi destacado durante a
convenção do Partido Democrata no final de agosto. Bobby
anunciou sua candidatura ao Senado um dia antes que a
convenção começasse, em Atlantic City, mas Johnson tinha
tanto medo que seu rival suscitasse uma debandada de
delegados com sua indicação para vice-presidente — ou até
presidente — que tomou a iniciativa sem precedentes de
mandar o FBI colocar Kennedy sob vigilância. Cartha
DeLoach e uma equipe de trinta homens do birô se
espalharam por toda Atlantic City para monitorar cada
movimento do procurador-geral dos Estados Unidos — o
homem que, oficialmente, ainda era o chefe deles. Os
espiões do FBI, que exibiam falsos crachás da NBC News e
outras diversas credenciais falsas, tinham instruções
especiais para vasculhar qualquer contato entre Kennedy e
Martin Luther King Jr. — uma combinação carismática que
poderia ter arrebatado o salão da convenção. O chefe de
gabinete de Johnson, Marvin Watson, até instruiu o ex-
assessor de JFK, Jerry Bruno, a vigiar Bobby. “Não vamos
deixar Bobby e Jackie Kennedy roubar essa convenção”,
disse-lhe Watson. Bruno, leal a Kennedy, ficou surpreso com
a ordem. Ele não ia desgrudar de RFK durante a
convenção, mas como amigo e não como espião.
Johnson não precisava se preocupar. Bobby estava em um
estado tão frágil durante a convenção, em que o fantasma
de seu irmão pairava em todo lugar, que nunca poderia ter
fomentado uma rebelião política. Quando subiu ao palco
para apresentar um filme em homenagem a JFK — com um
discurso que o nervoso Johnson havia reagendado, tirando-
o do começo da convenção para reduzir seu impacto —,
Kennedy foi recebido com enorme ovação. Permaneceu de
pé no pódio, recebendo incessantes ondas de aclamação
durante 22 longos minutos. “Senhor presidente”, começou,
quando os aplausos finalmente diminuíram. Mas então
ecoaram de volta, vindos de um novo canto do cavernoso
salão. Usando o mesmo terno e gravata pretos que vestia
quase continuamente desde o assassinato, segurou as
lágrimas enquanto olhava para a multidão que o
ovacionava. Seus olhos, vermelhos e brilhantes à luz dos
refletores, mostravam toda a dor dos últimos nove meses.
Só então ele começou o discurso. E não havia nada de
político nele — nada sobre as forças que haviam derrubado
seu irmão. Contudo, até suas sentimentais referências ao
presidente falecido seriam interpretadas por seus inimigos
do campo de Johnson como ataques políticos. “Quando ele
vier a morrer,/corte-o e divida-o em pequenas estrelas”,
disse Bobby, citando Romeu e Julieta, de Shakespeare —
um acréscimo a seu discurso sugerido por Jackie. “E ele a
face do céu fará tão bela/ que apaixonado o mundo vai se
mostrar da morte/ sem que o sol esplendoroso continue a
cultuar.” Os partidários do espalhafatoso texano
rapidamente se ofenderam. Outros observadores
interpretaram a longa ovação a Kennedy como uma
bofetada nos dirigentes do partido. Mas assim que
terminou seu discurso, Bobby simplesmente saiu do salão
de convenção pela saída de emergência, e lá ficou sentado,
soluçando, durante quinze minutos.
Ele fora educado acreditando que “os Kennedy não
choram”, repassando esse estoicismo para seus próprios
filhos. Porém, descobriu que era difícil seguir essa filosofia
de vida durante a campanha para o Senado, mesmo em
público. Na Universidade Columbia, um estudante o
submeteu a uma terrível pergunta. Ele acreditava nas
conclusões do Relatório Warren sobre o atirador solitário?
Durante vários minutos, Kennedy ficou mudo, enquanto o
público murmurava nervosamente. Por fim, ele respondeu
com irritação: “Já dei minha opinião sobre isso”. Mas,
enquanto começava a repetir o que havia dito meses antes
na Polônia, de repente a voz de Kennedy rachou. Ele baixou
a cabeça, e lágrimas começaram a correr por seu rosto. O
homem que seus colegas achavam incrivelmente honesto
não conseguia repetir algo em que não acreditava.
Com Kennedy incapaz de se livrar de sua dor, sua
inconstante campanha estava fadada ao fracasso. Paul
Corbin — o impiedoso operador político que alguns
chamavam de “o lado obscuro de Bobby” — foi o único com
coragem para enfrentá-lo. “Saia desse torpor”, disse,
repreendendo seu chefe. “Santo Deus, Bob, seja você
mesmo. Mantenha-se firme. Você está vivo. Seu irmão
morreu.”
“Era doloroso observá-lo durante a campanha eleitoral —
estava deprimido e o público podia sentir isso”, rememorou
Justin Feldman, o democrata reformista que foi o primeiro
a sugerir que Bobby concorresse a uma vaga como senador
de Nova York e que mais tarde trabalhou como
coordenador de sua campanha. Feldman o incentivou a
atacar Keating, porém Bobby não tinha estômago para isso.
“Ele me disse: ‘Bem, ele não foi tão ruim como senador, não
é? Todo mundo diz que sou implacável’.”
Então, no momento em que Keating parecia se aproximar
da vitória, ele cometeu um “erro fatal”, disse Feldman. E
isso fez que Bobby finalmente despertasse. No final de
setembro, ao tentar criar uma ruptura entre Kennedy e os
eleitores judeus, Keating desenterrou as velhas acusações
de conciliação com os nazistas que haviam assombrado a
família Kennedy. Sugeriu que, como procurador-geral e
para agradar a seu pai, Kennedy havia resolvido um caso
que datava da Segunda Guerra Mundial em favor de uma
empresa química que tinha vínculos com os nazistas.
Bobby, o protetor da família, ficou escandalizado ao ver que
Keating havia utilizado essa tática. Perdera um irmão e um
cunhado na guerra, lembrou aos eleitores. Sem dizer que
sua família acabara de sacrificar outro filho pelo país.
“Bobby enlouqueceu”, disse Feldman. “Parou de achar que
Keating era uma força benigna na política. Denunciou as
acusações como uma ultrajante demagogia. Foi aí que
Bobby entrou na campanha.”
No final, Kennedy venceu com uma diferença de mais de
700 mil votos. Para isso ele precisou do apoio do sucessor
de seu irmão, que obtivera no estado dois milhões de votos
a mais que Bobby. Ao ser congratulado por seu guarda-
costas, Bill Barry, durante a estrondosa festa da noite das
eleições, Bobby disse: “Se meu irmão estivesse vivo, eu não
estaria aqui. Eu preferia que fosse assim”. Mais tarde,
presenciando a cerimônia de posse de Johnson com seu
velho amigo Joe Tydings — que também havia sido eleito
para o Senado por Maryland —, Bobby ficou em lágrimas
ao ver a cerimônia que deveria ter acontecido no final do
mandato de seu irmão. “Choramos juntos silenciosamente
quando LBJ prestou juramento”, disse Tydings, “quando,
como você sabe, o presidente Kennedy é que deveria estar
lá”.
 
Ao contrário de seu irmão Ted, o dia a dia do Senado não
comprometia o interesse de Robert Kennedy. Porém, ele
rapidamente encarou o Senado como uma plataforma para
destacar as questões nacionais e internacionais que
considerava primordiais. “Ele achava arcaica a maneira
como o Senado funcionava”, lembrou-se Pierre Salinger.
“Ele não via a casa como um verdadeiro lugar para agir. E
acho que andava meio impaciente com isso... eu ia lá e
ficava quatro ou cinco horas no meu escritório. Ele passava
a maior parte do tempo conversando com pessoas sobre
problemas que não eram diretamente relacionados com
suas atribuições no Senado.” Kennedy se encontrou com
dignitários estrangeiros que Salinger lhe apresentara,
como os políticos franceses Pierre Mendès France e
François Mitterrand. E conversava sobre os intratáveis
problemas da pobreza com ativistas do Mississípi ou das
reservas indígenas.
Sem alarde, Bobby também começou a demonstrar um
interesse renovado pelo assassinato de seu irmão. No dia
16 de novembro de 1964, pouco tempo depois de ter se
tornado senador, RFK voou até a Cidade do México e
discursou em uma cerimônia de inauguração de um projeto
de alojamento para operários que levava o nome do
presidente Kennedy. Durante uma coletiva de imprensa, de
novo foi questionado sobre o Relatório Warren, e mais uma
vez o apoiou — mas acrescentando um intrigante
complemento: acreditava em sua veracidade “até onde a
investigação tinha ido”.
Embora tivesse que comparecer a uma série de eventos
durante a visita de dois dias, além de jantar com o
embaixador dos Estados Unidos, Fulton Freeman, no
elegante San Angel Inn, Kennedy deixou claro para os
membros da embaixada que também queria ter momentos
de privacidade durante a estada no México. Mas o senador
dos Estados Unidos não pôde escapar à supervisão oficial.
Documentos do governo mexicano divulgados
posteriormente mostram que RFK estava sob vigilância da
Dirección Federal de Seguridad, uma espécie de FBI do
México — uma agência com vínculos estreitos com o
escritório da CIA na Cidade do México. O chefe do
escritório da CIA, Winston Scott, que foi informado sobre
as idas e vindas de Bobby durante a visita, soube que o
senador estava reunindo informações sobre Lee Harvey
Oswald durante sua estada. Scott mencionou em um
relatório para os arquivos da agência que a dramaturga
Elena Garro de Paz, esposa do romancista Octavio Paz,
fazia parte daqueles que estavam tentando repassar
informações sobre Oswald para Kennedy durante aqueles
dias.
A Cidade do México foi um dos mais intrigantes capítulos
da obscura vida de Oswald antes de ele colidir com Dallas.
O suposto assassino solitário havia viajado por lá no final
de setembro de 1963, segundo a CIA, para obter um visto
da embaixada cubana. Porém, como Hoover informara a
LBJ, a prova sugerindo que Oswald estava querendo visitar
Cuba com urgência aparentemente foi falsificada pela CIA.
Oswald era objeto de uma operação da espionagem dos
Estados Unidos ou de uma operação cubana? O Relatório
Warren havia deixado sem resposta questões prementes
como a ida de Oswald à Cidade do México. Bobby estava
interessado em descobrir mais sobre essa misteriosa
viagem durante sua própria visita.
Nos meses que se seguiram a sua eleição, Kennedy
também roubou tempo de suas tarefas no Senado para se
encontrar e corresponder com pesquisadores do
assassinato. Em agosto de 1965, Ray Marcus enviou a
Kennedy um pacote com suas provas fotográficas da Dealey
Plaza. Em sua carta, Marcus pediu desculpas por enviar ao
senador um material que, com certeza, lhe causaria uma
“angústia pessoal”, mas disse que se sentia na “primordial
obrigação” de chamar a atenção de Kennedy para essa
prova da existência de uma conspiração. Para a surpresa do
pesquisador, Bobby respondeu em uma carta datada de 16
de setembro. “Quero que saiba que seu interesse é
apreciado”, escreveu Kennedy.
Bobby também concordou em se encontrar no seu
escritório do Senado com Penn Jones Jr., um combativo
editor do Texas que havia transformado o pequeno jornal
de sua cidade, o Midlothian Mirror, em um fórum sobre o
escândalo do assassinato. Jones — valente ex-campeão de
boxe da Universidade do Texas e herói da Segunda Guerra
Mundial — entendeu que havia algo absurdo no fato de um
jornal de uma cidade rural se preocupar com o crime
político do século. Mas já que a grande mídia não estava se
encarregando disso, ele se recusou a ficar placidamente de
braços cruzados. Convenceu-se de que o assassinato de JFK
era um “golpe de Estado” que envolvia o Estado-Maior e a
CIA. Intrigado pelo silêncio de Bobby, Jones decidiu ir a
Washington e apresentar sua pesquisa ao senador,
incentivando-o a se expressar sobre o caso. Ao receber o
editor em seu escritório, Kennedy lhe disse: “Pois bem, vou
ouvir o que tem a dizer”. Depois, Bobby autografou o
exemplar de Jones de Política e coragem, ao lado da
dedicatória que JFK em pessoa fizera no livro durante sua
viagem ao Texas. Robert pediu então ao seu motorista que
levasse Jones até a sepultura de seu irmão em Arlington,
que o editor queria visitar antes de regressar para sua
casa.
Em seu discurso na convenção democrata de 1964, RFK
havia incentivado os delegados a não serem atraídos pelas
névoas do passado, mas a “olharem para a frente” como o
fazia o presidente Kennedy. Uma vez, Bobby repreendeu
Jackie, que mergulhara no trabalho da Biblioteca Kennedy,
dizendo-lhe que era mórbido se torturar com o passado.
Mas Bobby também não conseguia esquecer. “O senador
ainda está assombrado por lembranças”, observou um
repórter do New York Times em junho de 1965,
descrevendo um canto do escritório de Capitol Hill como
“um pequeno santuário ao presidente Kennedy — fotos,
livros, a imagem restaurada de um líder falecido”.
Aonde ia, Bobby carregava o antigo sobretudo de Jack.
“Ele dificilmente o usava, mas sempre o levava consigo”,
lembrou-se seu assistente, Ronnie Eldridge. “Sempre
esquecia o maldito sobretudo, levava-o consigo e o deixava
em qualquer lugar. Então, sempre estávamos correndo de
cá para lá, procurando o casaco.”
Uma amiga de Bobby, Marie Ridder, especulou que seu
interesse contínuo pelo assassinato fazia parte de sua
incapacidade de se livrar do passado e aceitar a morte de
seu irmão. “Pergunto-me como posso formular isso”, disse
ela. “Meu primeiro marido foi morto durante a Segunda
Guerra Mundial, na Batalha das Ardenas. Fui à Alemanha
logo depois da guerra, e costumava olhar para todos os
soldados na esperança de que Ben estivesse no meio deles.
Quero dizer, eu sabia perfeitamente que ele não estava lá.
Eu sabia disso. Eu havia recebido as roupas dele. Mas
emocionalmente não conseguia deixá-lo ir embora. Acho
que é o paralelo mais próximo [da crença de Bobby em uma
conspiração]... Não é racional, mas entendo por que ele
achava isso.”
Os homens aos quais Kennedy confiava suas suspeitas
sobre Dallas, no entanto, não as viam como irracionais.
 
“Sabemos que a CIA estava envolvida, e a Máfia. Todos nós
sabemos disso.” Dick Goodwin está falando por telefone de
sua casa em Concord. Seu tom de voz é direto. “Mas como
vinculá-los ao assassinato, não sei.” Goodwin suspeita de
uma conspiração para assassinar JFK há mais de quatro
décadas. Mas quem precisamente esteve envolvido e como
o complô foi levado adiante são questões cruciais que
permanecem um mistério para ele. Goodwin nunca
investigou o caso pessoalmente. Como outros membros do
círculo íntimo de Kennedy, esperava que Bobby o fizesse. E
até hoje continua convencido de que RFK teria feito isso se
tivesse conseguido voltar à Casa Branca. “Qualquer que
fosse a maneira que escolhesse, ele teria tentado descobrir
se havia algo mais, uma vez que tivesse o poder para
realmente obter as informações. Essa sempre foi minha
suposição.”
Goodwin era das raras pessoas com quem Bobby
conversava sobre suas suspeitas a respeito de Dallas. Para
que Kennedy aceitasse conversar, era necessário o
interlocutor ser alguém de confiança — e alguém com a
tempestuosa personalidade de Goodwin. Aconteceu na
noite de 25 de julho de 1966, no apartamento do 14o andar
de Kennedy no UN Plaza que dominava o East River, aonde
Goodwin voltara com ele para passar a noite depois de um
jantar. Quando permanecia em Nova York, Bobby ficava em
sua suíte de seis cômodos na luxuosa torre de vidro em que
também moravam Truman Capote e Johnny Carson, e que
parecia ser mais um hotel que um lar.
Goodwin não pertencia aos irmãos de armas que Bobby
havia recrutado para o governo Kennedy, e ambos os
homens não tinham sido especialmente próximos durante a
presidência de Kennedy. Depois de Dallas, houve certa
tensão entre eles quando Goodwin aceitou a proposta de
LBJ e trabalhou para o novo presidente como redator de
discursos e conselheiro para direitos civis. Goodwin sentiu-
se obrigado a defender suas decisões em uma carta
endereçada a Bobby, argumentando que ao continuar nas
suas funções ele seria capaz de proteger o legado de JFK.
“Sinto firmemente que estou cumprindo uma tarefa —
mesmo que pequena — não somente para o presidente e
toda a nação, como para seu irmão, que eu idolatrava”,
escreveu ele. Goodwin ficou perplexo diante da relutante
resposta de Bobby: “Eu esperava que não fosse [aceitar o
cargo]. Mas imagino que tinha que fazer isso. Afinal de
contas, se um de nós tiver como impedir que ele
bombardeie a Costa Rica, ou algo parecido, então temos
que fazer isso”.
Contudo, com o decorrer do tempo, Goodwin desenvolveu
sentimentos mais amigáveis por Bobby. Pouco tempo antes
de se juntar à equipe de Johnson na Casa Branca, ele
participou de uma recepção da embaixada da Venezuela em
que assistiu a um breve discurso de Kennedy de
agradecimento ao governo venezuelano por sua
contribuição para a Biblioteca Kennedy. “É estranho — ele
não tem a profundidade intelectual de seu irmão”, rabiscou
Goodwin mais tarde em suas notas sobre a noite — uma
perspectiva que mais tarde mudaria. “Mas ele tem uma
percepção das necessidades e do estado de espírito de
outras pessoas que poucos políticos têm. Estou
constantemente revendo a minha opinião sobre RFK. Afinal
de contas, ele está onde está somente por uma questão de
nascimento. Ele tem uma grande tendência a dividir o
mundo entre os bons e os maus. No entanto, tem
entendimento intuitivo das complexidades e sutilezas das
motivações alheias. Sua fraqueza provavelmente está no
fato de ele agir com pressa, a partir de emoções — de ter
uma resposta por demais emotiva aos eventos, embora seja
muito bom quando tem tempo para refletir.”
Era uma descrição que, em alguns aspectos, combinava
com o próprio Goodwin. E em julho de 1966, ambos os
homens estavam conversando alta noite no apartamento de
Bobby, com as luzes dos extensos bairros limítrofes de
Nova York cintilando ao longe. Agora eram amigos. Mais
tarde, Goodwin disse que havia sido a amizade mais
próxima que já tivera com políticos — “de fato, a amizade
mais importante que já tive”.
Na véspera, Goodwin havia sacudido a capital ao escrever
no Washington Post uma elogiosa resenha sobre a
sistemática crítica que Edward Jay Epstein fazia do
Relatório Warren em Inquest.8 O livro de Epstein foi um
marco no caso do assassinato. Como outros críticos do
Relatório Warren, ele achou o estudo do júri
profundamente equivocado e pouco convincente. Mas
Epstein, que havia escrito o livro como tese de mestrado na
Universidade Cornell, optou por uma abordagem enxuta e
meticulosa, procurando evitar o que ele considerava as
armadilhas de outros comentários sobre o Relatório
Warren, os quais ele caracterizava como trabalhos de “fé
cega” ou de “demonologia” conspiratória. Em sua resenha,
Goodwin escreveu que Epstein apresentava seu caso “com
uma lógica e um tom discreto que já abalaram as
convicções de muitos homens responsáveis”. O antigo
assistente de Kennedy então jogou uma bomba. Requereu
que uma comissão independente revisasse o trabalho do
Relatório Warren, e, caso este fosse julgado incompleto,
que fosse feita uma nova investigação do assassinato do
presidente. O New York Times, perplexo, observou que
Goodwin era “o primeiro membro do círculo íntimo do
falecido presidente a sugerir em público uma reavaliação
oficial do Relatório Warren”.
Não fora a primeira vez que Goodwin manifestara suas
opiniões sobre o assassinato. Mais para o início daquele
ano, em março, ele havia enviado a Kennedy uma
solicitação, perguntando se ele poderia ajudá-lo a obter um
exemplar de uma carta de 33 páginas escrita por Jack Ruby
e que havia sido vendida em um leilão em Nova York. “P.S.”,
escrevera no final da carta, conhecendo a sensibilidade
exacerbada de Bobby com relação ao assunto. “Não se
preocupe — não estou escrevendo nada sobre o assunto.”
Mas o livro de Epstein levou Goodwin a expressar seu
ponto de vista. Na noite que se seguiu à publicação da
resenha no Post, Goodwin estava impaciente para
conversar com Bobby sobre seus prementes temores em
relação à investigação do governo. Tomando um drinque na
sala de estar de Kennedy, ele começou sua análise do livro
de Epstein. Como sempre, Bobby se protegeu atrás do
silêncio, fazendo girar o uísque no copo e olhando para o
chão enquanto Goodwin falava. Ao final, ele levantou a
cabeça e disse: “Desculpe, Dick, mas não consigo prestar
atenção nisso”.
Goodwin sabia perfeitamente até que ponto o assunto era
doloroso para Bobby. A maior parte dos amigos de RFK
teria parado assim que visse a expressão angustiada de seu
rosto. Mas Goodwin resolveu pressioná-lo. “Acho que
deveríamos ter nosso próprio investigador — alguém com
absoluta lealdade e discrição.”
De repente, Kennedy prestou atenção. Goodwin estava na
direção certa. Era precisamente o que ele estava
contemplando. “Você deveria experimentar Carmine
Bellino”, disse Bobby. “É o melhor do país.”
Era uma sugestão reveladora. Assim como Walt Sheridan,
Bellino era um membro-chave da equipe de investigação de
elite que Kennedy havia reunido durante o inquérito sobre
extorsões do Senado,9 e mais tarde havia mantido na trilha
de Hoffa, no Departamento de Justiça. Porém eram homens
de Bobby, não de Goodwin. Não havia jeito de Goodwin
começar uma investigação sem o aval de Bobby. Ambos os
homens sabiam isso. Goodwin entendeu que era a maneira
de Kennedy dizer: Vamos deixar o assunto de lado por
enquanto. Você sabe que cuidará da investigação quando
for o momento. Mas, por enquanto, precisamos aguardar. A
conversa mudou para outros assuntos — a Guerra do
Vietnã, os direitos civis, a luta contra a pobreza e se os
americanos eram egoístas demais para abraçá-la. (Com a
liderança certa, Bobby pensou que poderiam ser
devidamente motivados).
Quando os dois homens finalmente se levantaram das
poltronas às 2h30 da manhã e entraram no corredor que
levava aos quartos, Bobby de repente parou. “Sobre aquela
outra coisa”, começou ele sem poder olhar Goodwin nos
olhos. Seu amigo imediatamente soube o que ele queria
dizer. “Nunca pensei que fossem os cubanos. Se alguém
esteve envolvido nisso, foi o crime organizado. Mas não há
nada que eu possa fazer a esse respeito. Não agora.”
Em sua autobiografia, Goodwin escreveu que ele e
Kennedy nunca mais conversaram sobre o assassinato. Mas
Adam Walinsky lembrou-se de outros momentos em que
Goodwin tocara no assunto na presença de Bobby. Walinsky
era um jovem formado em direito que servira por um breve
período no Departamento de Justiça de Kennedy antes de
trabalhar em seu escritório do Senado como assistente
legislativo. Com sua atitude ríspida, inteligência afiada e
certa ternura, Walinsky rapidamente conquistou o senador,
que confiava em seu esperto jovem assistente para mantê-
lo a par das mais importantes novidades em termos de
livros, artigos e ideais. “Eu era seu criado intelectual”,
disse Walinsky, sorrindo, em uma entrevista anos mais
tarde.
Walinsky compartilhava o ceticismo de Goodwin quanto
ao Relatório Warren, cuja teoria balística ele achava
“completamente distorcida e estranha”. Mas a exemplo de
seu chefe aprendeu a manter suas suspeitas sobre Dallas
para si. No entanto, Goodwin “falava abertamente sobre o
assassinato”, disse Walinsky, lançando-se em uma imitação
de sua inconfundível maneira de falar para dentro. “‘Foi a
CIA, a Máfia...’ O senador estava no escritório ou por aí.
Mas sempre era extremamente cuidadoso. Uma das coisas
que se aprendia ao lidar com Kennedy era como ser sério.
Pessoas sérias, quando se deparam com algo assim... não
especulam em voz alta. Podem até fazer uma pergunta. E
só. É uma questão de disciplina mental.”
Kennedy tinha certeza de que, até que vencesse a disputa
pela Casa Branca, não podia fazer nada para resolver o
assassinato de seu irmão. Mas Bobby sabia que, mesmo
estando lá, sua tarefa seria assustadora. “Ele tinha uma
compreensão exata da dificuldade desse tipo de
investigação, mesmo que você tenha o poder da
presidência”, disse Walinsky. “Se há algo por trás disso,
você não consegue descobri-lo a menos que seja o
presidente dos Estados Unidos. E mesmo assim talvez não
consiga, mas é a única chance.”
Então Kennedy esperou o momento certo, a oportunidade
para voltar ao poder. Mas, enquanto isso, os eventos
começaram a ultrapassá-lo. Em 1967, uma decisiva maioria
de americanos — sessenta por cento — acreditava que o
assassinato do presidente Kennedy era fruto de uma
conspiração. A opinião pública havia mudado
significativamente desde a publicação do Relatório Warren,
quando apenas 31% do país suspeitavam da existência de
um complô. Isso se devia em grande parte aos incansáveis
críticos do assassinato, cujo volumoso trabalho obrigou a
equipe de Kennedy a ficar acordada. “Estávamos
mergulhados nisso”, lembrou-se Walinsky. “Você não
imagina a quantidade de material que havia. Eu tinha uma
grande prateleira cheia de material. Mas nunca
conversamos a respeito. Nunca.” Todos no escritório de
Kennedy conheciam a meta número um: que ele fosse eleito
presidente. Até lá, nada era possível.
Mesmo assim, RFK se sentiu cada vez mais pressionado
para fazer comentários sobre o Relatório Warren. Uma
resenha do livro de Epstein do London Observer,
reproduzida em 13 de agosto de 1966 no San Francisco
Chronicle, comentava enfaticamente: “Por quanto tempo a
herança política do presidente morto consegue manter uma
atitude até evasiva?, talvez hoje essa seja a mais intrigante
pergunta da política americana”.
Bobby estava se fazendo a mesma pergunta. Em outubro
de 1966, bebendo de madrugada com Arthur Schlesinger
no P.J. Clarke’s, seu bar predileto em Nova York, RFK se
perguntou “quanto tempo ele ia continuar a evitar fazer
comentários sobre o Relatório [Warren]”, afirmou
Schlesinger mais tarde. Bobby acreditava que o documento
oficial era um “trabalho fraco”, observou o historiador, mas
ainda assim “não queria criticá-lo, e com isso remexer todo
esse assunto trágico”.
O silêncio de Kennedy sobre o crime foi utilizado pelos
defensores do Relatório Warren para rechaçar as críticas.
Com certeza, se o próprio irmão do presidente — o maior
homem da lei do país na época — não fazia nada para
continuar o caso, era porque não devia haver nada mesmo,
diziam. Deve ter sido particularmente irritante para Bobby
ouvir um dos conselheiros do presidente Johnson, John P.
Roche, professor licenciado da Universidade Brandeis que
atuava como “intelectual a domicílio” de LBJ na Casa
Branca, denunciar os pesquisadores da conspiração como
“paranoicos marginais” em uma carta bastante divulgada
pelo London Times Literary Supplement, argumentando
que o apoio de RFK ao Relatório Warren era prova de sua
validade.
Se tivesse sido informado de sua existência, Kennedy
teria achado ainda mais grotesco um documento secreto da
CIA que recomendava usar seu silêncio sobre o Relatório
Warren para rebater as críticas. A nota de janeiro de 1967
— que foi distribuída aos contatos da CIA na mídia: New
York Times, CBS, NBC, ABC e outros — sugeria meios de
“combater e desabonar as alegações dos teóricos da
conspiração”, cujo crescente impacto sobre a opinião
pública nacional e internacional alarmava a agência.
“Insinuações desse tipo afetam [...] a reputação do governo
americano”, dizia a nota com gravidade — assim como a da
própria CIA. “Os teóricos da conspiração mais de uma vez
criaram desconfiança em relação à nossa organização, por
exemplo, ao alegar falsamente que Lee Harvey Oswald
trabalhava para nós.” A nota listava uma série de
argumentos que podiam ser usados por jornalistas pró-CIA
para derrubar o trabalho dos autores sobre a conspiração.
Entre eles: “Notem que Robert Kennedy, procurador-geral
na época e irmão de John F. Kennedy, seria o último homem
a tolerar e ocultar uma conspiração”.
Pelo menos um dos amigos de Bobby na imprensa, o
produtor do noticiário televisivo da CBS Don Hewitt, reuniu
coragem para confrontá-lo com a crescente controvérsia
sobre o assassinato. Hewitt — que produzira os lendários
debates Kennedy-Nixon em 1960 e mais tarde criara o 60
Minutes — uma manhã estava bebendo chá gelado com
Kennedy no quintal da mansão de Hickory Hill quando
decidiu, “mais com as entranhas do que com a cabeça,
fazer-lhe aquela pergunta, aquela que vale um milhão de
dólares: ‘Bobby, você realmente acha que foi Lee Harvey
Oswald sozinho que matou seu irmão?’.
“Ele descartou a pergunta com uma indiferença quase
estudada”, lembrou-se Hewitt depois, dando ao homem de
televisão seu costumeiro argumento para interromper a
conversa. “Que diferença isso faz? Não vai trazê-lo de
volta.”
O esperto jornalista sabia quando estava sendo enganado.
“Nunca achei que Bobby acreditasse em ‘que diferença isso
faz’. Sempre acreditei que ele sabia algo que não queria
compartilhar comigo ou qualquer outra pessoa.”
O próprio Hewitt chegou a suspeitar que JFK tivesse sido
vítima de uma conspiração — por causa de “coisas que
aprendi desde então”, disse-me ele anos mais tarde. “Assim
como Lee Harvey Oswald e Jack Ruby não eram estranhos
um para o outro. Ruby era um tipo de gângster a quem o
tio de Oswald pediu que cuidasse de seu sobrinho. Sempre
acreditei que Ruby tinha ido à delegacia com a missão de
garantir que Oswald não falasse... Muitas coisas [sobre o
caso] simplesmente não se encaixavam.”
O veterano produtor especula que “membros insatisfeitos
da CIA” possam estar por trás do assassinato. “Ouvi de
parte daqueles espiões da Casa Branca que a verdadeira
bronca que eles tinham contra Jack Kennedy vinha do fato
de ele ter recusado a ajuda da Força Aérea para seus
camaradas da Baía dos Porcos, e talvez alguém tenha
decidido acertar as contas por causa disso. Essa é a minha
melhor teoria.” Sem que Hewitt o soubesse naquela época,
Bobby estava pensando de forma bastante similar.
Hewitt tinha certeza de que Kennedy teria ido atrás dos
assassinos de seu irmão para se vingar no momento
apropriado. “Bobby era implacável em sua perseguição
contra o crime”, disse ele. “Quando ele me disse que não
fazia diferença, não pude deixar de pensar: ‘Bobby, você
está mentindo para mim’.”
Em 1967, um espalhafatoso espetáculo jurídico faria que
Kennedy mais do que nunca tivesse dificuldade em
permanecer calado.
 
1 . Sobre a organização, conferir nota 4 do Capítulo 3.
2 . O livro de Thomas Buchanan foi publicado no Brasil em 1964 sob o título
Quem matou Kennedy?, pela editora Civilização Brasileira. [N. T.]
3 . Time de futebol americano da cidade de Green Bay, no Wisconsin. [N. T.]
4 . Fundo de pensão do Teamsters, sindicato de caminhoneiros. [N. T.]
5 . Apelido dado ao Mágico de Oz, personagem da série de livros do escritor
americano Lyman Frank Baum (1856-1919). [N. T.]
6 . A United States House of Representative Select Committee on
Assassinations foi criada em 1976 para investigar os assassinatos de John
Kennedy e Martin Luther King, e a tentativa de assassinato do governador do
Alabama, George Wallace, quando candidato à eleição presidencial de 1972.
[N. T.]
7 . Versão da canção “When Irish Eyes are Smiling” [Quando olhos irlandeses
sorriem], composta em 1912 para o musical The Isle O’Dreams e, até hoje,
muito popular na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. [N. T.]
8 . Livro publicado no Brasil em 1967, pela editora Edinova, sob o título O
relatório do medo. [N. T.]
9 . A Comissão Reservada do Senado dos Estados Unidos sobre Atividades
Ilícitas no Setor Laboral e Patronal (United States Senate Select Committee
on Improper Activities in Labor and Management) foi criada em janeiro de
1957 e dissolvida em março de 1960. Tinha por finalidade analisar as
atividades criminosas ou consideradas ilícitas na área das relações entre
empregadores e empregados. [N. T.]
 

7
Nova Orleans

Na qualidade de senador júnior1 pelo estado de Nova York,


Robert Kennedy continuou a recorrer aos serviços dos
membros da máfia irlandesa que serviam a ele e seu irmão
havia muito tempo, como o assessor político Joe Dolan.
Contudo, sua equipe do Senado também incluía novos
rostos — homens que não eram irlandeses de Boston nem
intelectuais de Harvard. Um dia, durante uma reunião em
seu escritório de Capitol Hill, Kennedy observou os homens
presentes: Frank Mankiewicz, Adam Walinsky, Peter
Edelman e Jeff Greenfield. Não havia nenhum católico entre
eles. “Senhores, vocês se deram conta de que sou o único
aqui que irá para o céu?”, comentou friamente.
Ele inspirava intensa devoção dentro de sua equipe. Era
duro, mas tinha uma sofrida vulnerabilidade; era exigente,
mas sabia retribuir a lealdade que reivindicava. À sua
exímia percepção da política americana se unia uma visão
esclarecida das possibilidades oferecidas pelo país que seus
assessores consideravam única e envolvente.
Mankiewicz — que começara a trabalhar como assessor
de imprensa de Kennedy aos 42 anos, tornando-se então
um dos membros mais velhos da equipe — foi impactado
pelo charme de Kennedy pela primeira vez durante a
reunião do Departamento de Estado em que Bobby falou
sobre sua futura viagem à América Latina. Naquela época,
Mankiewicz chefiava a divisão do Corpo da Paz da América
Latina. Abandonara uma promissora carreira em um
escritório de advocacia de Hollywood para se juntar à Nova
Fronteira de JFK. “Minha esposa, Holly, e eu decidimos que
se eu ficasse no escritório, daqui a dez anos teríamos uma
maravilhosa casa e muito dinheiro, mas ninguém se
preocuparia em saber se estávamos vivos ou mortos, exceto
talvez nossas mães”, lembrou-se Mankiewicz mais tarde.
Depois da morte de JFK, Mankiewicz permaneceu no novo
governo, mas seu coração continuava dedicado à causa de
Kennedy. Na reunião do Departamento de Estado, RFK e a
equipe para a América Latina do presidente Johnson —
chefiada por um irascível burocrata chamado Jack Vaughn
— olhavam friamente de um lado para outro da mesa de
conferência. Bobby queria saber o que tinha que dizer ao
chegar ao Brasil e ser questionado sobre o brutal golpe
militar apoiado pela CIA que, havia pouco, destituíra o
governo eleito do país. O funcionário responsável pelo
Brasil, após consultar um documento, respondeu: “Você
poderia dizer ‘embora lamentemos que uma grande
potência tenha decidido suspender temporariamente as
liberdades democráticas...’”. Kennedy prontamente cortou
a ladainha do burocrata: “Eu não falo desse jeito”, disse
com firmeza.
Mankiewicz, que se aproximara da esquerda por causa de
sua experiência na América Latina, ficou impressionado
com a recusa de Kennedy em seguir à risca a linha do
governo. No Corpo de Paz, encontrara jovens voluntários
que sempre ficavam a favor de mudanças sociais nas
sociedades atrasadas às quais eram enviados a trabalho.
“Porém, todas as vezes que os povos na América Latina
tentavam imitar a Revolução Americana”, observou
Mankiewicz, “o governo dos Estados Unidos tentava imitar
Jorge III, da Inglaterra.2 Isso fez que eu radicalizasse
minhas opiniões.” Agora, sentado diante dele, estava um
líder político que compartilhava sua opinião sobre o papel
que os Estados Unidos deviam desempenhar nos países do
Terceiro Mundo assolados pela pobreza. Logo depois da
reunião do Departamento de Estado, Mankiewicz se tornou
assessor de imprensa de Kennedy.
Mankiewicz, calvo e com roupas amarrotadas, tinha uma
experiência pessoal pouco comum para um assessor do
Senado. Vinha de uma lendária família de Hollywood. Seu
tio, o roteirista e diretor Joseph Mankiewicz, ganhara um
Oscar pelo filme All About Eve [A malvada] e produzira
clássicos como The Philadelphia Story [Núpcias de
escândalo] e Woman of the Year [A mulher do dia]. Seu pai,
Herman, por sua vez, ganhou um Oscar pelo roteiro de
Citizen Kane [Cidadão Kane]. Herman Mankiewicz se
instalara no Oeste para fazer fortuna depois de trabalhar
como crítico de teatro para The New Yorker. “Há como
ganhar milhões aqui, e os únicos que podem competir com
vocês são uns idiotas”, informou seu amigo e colega, o
jornalista Ben Hecht, por telegrama. “Não conte isso a
ninguém.” Conhecido pela embriaguez e pela agressividade
com os patrões, Mankiewicz procurou refúgio dos grandes
aborrecimentos da indústria do cinema recriando a antiga
mesa-redonda do Algonquin Hotel3, de Nova York, em sua
casa de Beverly Hills. Famosos como Scott e Zelda
Fitzgerald, os irmãos Marx, Greta Garbo, James Thurber e
Orson Welles fizeram parte da infância do jovem Frank.
“Ninguém discordaria se você dissesse que meu pai era
um homem autodestrutivo”, comentou Mankiewicz mais
tarde. Para garantir que o roteirista terminasse a obra-
prima que faria que ambos se tornassem lendas, Cidadão
Kane, o diretor Orson Welles com frequência trancava seu
sedento coescritor em uma casa na deprimente e desértica
cidade de Victorville. Mesmo assim, Mankiewicz pai
ensinou ao filho os valores que iriam aproximá-lo de Robert
Kennedy. “Era um jogador, e possivelmente um alcoólatra,
mas isso não é pecado”, disse Frank sobre seu pai. “Ele
nunca roubou os pobres, nunca demitiu ninguém na
véspera do Natal. Era um homem bom. Acima de tudo, ele
era cheio de graça e fúria. Eu o achava um pai incrível. Ele
me ensinou o que é importante. Eu acreditava nele. E ainda
acredito.”
Com Kennedy, Mankiewicz ia sonhar com maneiras de
mudar o país, e já que Kennedy era amplamente visto como
herdeiro do trono, sempre existia a esperança de que as
coisas se tornassem reais. “Como senador, Bobby tinha
uma noção cada vez mais profunda de que a questão racial
e a pobreza estavam dilacerando o país, e de que, dessa
forma, esses problemas podiam nos destruir”, disse
Mankiewicz mais tarde. Estava sentado em seu escritório
no sexto andar do edifício Watergate, com vista para o rio
Potomac. Agora, com mais de 85 anos, ele usa aparelho
auditivo em ambos os ouvidos; de cabelo mais grisalho e
porte rechonchudo, ele bufa enquanto levanta o corpo de
sua cadeira giratória. Contudo, ainda trabalha todos os dias
como lobista em Washington, tendo o cargo de vice-
presidente da Hill & Knowlton, a poderosa empresa de
relações públicas. É o trabalho mais duradouro que já teve,
mas ele sabe que, quando morrer, as manchetes vão
identificá-lo como “assessor de Kennedy”, e isso não o
incomoda. Nas paredes, junto a um cartaz de Cidadão Kane
e de outros filmes escritos por seu pai, estão lembranças
emolduradas de seus anos com Bobby, entre as quais uma
citação de Camus que era uma das favoritas de Kennedy:
“Eu gostaria de poder amar meu país e ao mesmo tempo
amar a justiça”.
“De vez em quando, no final do expediente no Senado,
quando Bobby não precisava ir correndo para outro lugar,
nós entrávamos em seu escritório, onde nos sentávamos
para conversar”, continuou Mankiewicz. “Ele costumava
perguntar: ‘Quais são as novidades, Frank? O que está
lendo, Adam? Peter, quem atualmente está fazendo o
melhor trabalho sobre educação?’. Lembro-me de quando
os confrontos raciais tomaram conta de Newark e Detroit, e
LBJ requereu um dia de luto — como se isso pudesse
resolver algo. E nós lhe perguntamos: ‘Se você fosse
presidente, o que faria?’.
“Ele pensou um pouco e disse: ‘Eu chamaria os dirigentes
das três redes de TV para explicar o terrível problema que
isso representa para o país, e diria que eles deveriam
consagrar um mês inteiro de programação do horário
nobre a mostrar o que é ser negro nos Estados Unidos, o
que é viver com duas ou três gerações de pobreza, o que é
ter um irmão primeiro colocado na escola e mesmo assim
não conseguir emprego, o que é acordar de manhã e ver
ratos em volta do berço do filho’. Disse que era possível
mostrar tudo isso graficamente na televisão, e que poderia
ajudar a mudar as coisas.”
Embora Mankiewicz não tivesse sido um dos irmãos de
armas de Kennedy no Departamento de Justiça, ele logo se
estabeleceu como um dos membros de confiança de seu
círculo íntimo. O californiano era o tipo de homem com o
qual Bobby sentia que podia contar, por sua devida
combinação de cérebro, entranhas e coração. Apesar de
seu passado privilegiado, Mankiewicz havia servido como
soldado de infantaria na Europa durante a Segunda Guerra
Mundial. “Lá, poucas pessoas eram de Beverly Hills”,
comentou. Mais tarde, trabalhou por algum tempo como
jornalista antes de estudar direito em Berkeley e se tornar
advogado da indústria do divertimento. Kennedy confiava
nos instintos sagazes de seu assessor de imprensa.
Quando a controvérsia a respeito do assassinato de
Kennedy alcançou seu auge, no começo de 1967, no
momento em que surgiu a notícia de que o procurador
distrital de Nova Orleans, Jim Garrison, estava reabrindo a
investigação, Mankiewicz foi dos poucos aos quais Kennedy
recorreu para ajudá-lo a obter um melhor entendimento do
caso. Em um dia em que atravessavam juntos o saguão de
um aeroporto, Kennedy e Mankiewicz foram confrontados
ao onipresente rosto de Jim Garrison — cujos olhos bem
separados brilhavam com intensidade messiânica — nas
prateleiras de uma banca de jornal. Bobby apontou para as
capas das revistas e perguntou ao seu assessor: “Esse cara
conseguiu algo?”.
“Não tenho certeza de que ele tenha conseguido algo,
mas com certeza deve haver algo por aí”, respondeu
Mankiewicz. O assessor de Kennedy nunca aceitara o
Relatório Warren. “Eu não acreditava que alguém que tinha
largado o colégio pudesse ter planejado tudo isso.”
“Quero que investigue isso, leia tudo que puder”,
Kennedy instruiu Mankiewicz. “E se chegar a um ponto em
que eu deva fazer algo, pode me contar o que preciso
saber.”
Mankiewicz se tornou “um fissurado pelo assassinato”,
lembrou-se ele mais tarde, mergulhando em pilhas de livros
e monografias sobre o assunto e questionando
pesquisadores como Ray Marcus, que trouxera grandes
ampliações de suas fotos da Dealey Plaza para a casa de
Mankiewicz, em Maryland. “Cheguei à conclusão de que
havia um tipo de conspiração, que provavelmente envolvia
a Máfia, eLivross cubanos anticastristas e talvez até
agentes duplos da CIA”, disse Mankiewicz. “Várias vezes
levei essas reflexões a Bobby. Disse-lhe quem eu achava
que estava envolvido. Mas era como se ele não pudesse se
concentrar nisso. Ficava com aquela aparência de
sofrimento, ou melhor, de entorpecimento no rosto. Isso
simplesmente o dilacerava.”
As conclusões de Mankiewicz sobre o assassinato
refletiam as do próprio Kennedy. O fato de ouvi-las da boca
de um assessor de confiança devia torná-las verdadeiras
demais para Bobby. E, mais uma vez, devem ter feito que
ele fosse tomado por um paralisante sentimento de culpa,
já que a conspiração descrita por seu assessor havia
brotado bem nos grupos que ele supostamente controlava
para seu irmão. Estava claro que a perspectiva de enfrentar
essa conspiração, com suas poderosas conexões
governamentais, paralisava Kennedy.
Em público, Kennedy continuava evitando perguntas
sobre o assassinato com fria determinação. Joe McGinnis,
na época colunista do Philadelphia Inquirer, observou o
senador durante um desses estranhos e dolorosos
momentos, em dezembro de 1966. Depois de um longo dia
visitando centros de luta contra a pobreza, Kennedy estava
esperando na plataforma da estação North Philadelphia o
trem para voltar a Nova York. Como sempre, não havia
guarda-costas para barrar abordagens, fossem amigáveis
ou ameaçadoras. Era apenas Bobby, esperando sem
sobretudo na gélida plataforma, tentando ajeitar o cabelo
desarrumado pelo vento. “Ele parecia pequeno e denotava
sentir frio e, por alguns segundos, ser um garotinho
perdido”, observou McGinnis. De repente, o repórter de
rádio avançou em direção ao pequeno círculo em torno de
Bobby e, depois de trocar algumas amenidades com
Kennedy, preparou-se para a questão inevitável. McGinnis
sabia como era, e que “isso fazia que você quisesse ir
embora porque você sabia que o que estava prestes a
acontecer era horrível”.
Respirando profundamente, o jornalista começou:
“Senador, com todas as recentes críticas em relação à
Comissão Warren...”.
Kennedy o interrompeu imediatamente. “Não falo sobre
isso.” Sua voz, dura e contundente, teria silenciado os
jornalistas mais persistentes. Enquanto rechaçava a
pergunta, os músculos de seu rosto crispado tremeram
visivelmente. Mas, para a aversão de quem estava
presenciando a cena, o radialista persistiu. Era seu
trabalho, e ele era determinado.
“Sei que não falou sobre isso no passado, mas nosso
promotor público, Arlen Specter...” O repórter não
conseguiu ir além de citar o nome do ex-advogado da
Comissão Warren (e futuro senador da Pensilvânia) que
ajudara a elaborar a teoria da bala mágica. De novo,
Kennedy cortou o jornalista. “Eu já disse que não falo sobre
isso. Em hipótese alguma.” E dessa vez sua voz estava
carregada de tanta raiva mal reprimida que o obstinado
repórter se calou.
Todos abaixaram a cabeça, olhando para os sapatos, até
que o trem “misericordiosamente” aparecesse, lembrou-se
McGinnis. E então, ao dar um passo adiante para subir no
vagão, Kennedy fez uma coisa para tirar o repórter do
buraco para onde o havia banido, “e mesmo assim”,
observou McGinnis, “ele deve ter querido colocar o
radialista nos trilhos para que o trem passasse sobre sua
boca”. Kennedy estendeu a mão em direção ao homem e,
olhando-o bem nos olhos, disse: “Adeus. Foi um prazer
conhecê-lo”.
Para McGinnis, o gesto de partida de Kennedy “refletia
uma incrível classe”. Mas, com certeza, era mais do que
isso. Era a maneira de Kennedy de reconhecer que o
repórter não estava sendo inconveniente. A imprensa e o
público tinham o direito de saber mais sobre a morte de
seu irmão. Ele apenas não podia ajudá-los, por enquanto.
 
Entre aqueles eletrizados pela investigação de Garrison em
Nova Orleans, estava um escritor de mente inquieta
chamado Chandler Brossard, literato autodidata e
jornalista que escrevera romances então na moda, como
Who Walk in Darkness, cuja trama se passava em
Greenwich Village, mas que pagava aluguel com o trabalho
de redator em revistas como The New Yorker, Time e
Coronet. Em 1967, Brossard, que na época trabalhava na
revista Look como editor sênior, convenceu seu chefe —
William Attwood, o qual havia sido contratado como editor-
chefe de Look no ano anterior — a se encontrar com
Garrison no escritório da revista em Nova York. Attwood,
antigo colega de primária de JFK e intermediário secreto
com Castro nos últimos dias do governo, naquela altura já
havia começado a ter suas próprias suspeitas sobre os
eventos de Dallas. Ele concordou em encontrar o
procurador de Nova Orleans e Brossard, e a conversa dos
três sobre o caso se estendeu noite afora, com jantar e
bebidas, acabando somente por volta de uma da manhã. Ao
se despedir de Garrison, Attwood estava tão excitado com a
suspeita de conspiração do procurador que ligou para
Bobby do Clube da Imprensa de Nova York, onde havia
jantado naquela noite.
Assim como todos no círculo de Kennedy, Bill Attwood
estava esperando que Bobby Kennedy fizesse algo para
finalmente resolver o assassinato de seu irmão. “Bill achava
Bobby um homem muito forte”, lembrou-se sua viúva,
Simone. “Uma das coisas que ele pensava sobre o
assassinato era que, se alguém sabia o que estava
acontecendo, esse alguém era Bobby. Aquele Bobby estava
por dentro das coisas e não ficava parado, dizendo: ‘É
assim que as coisas são, e precisamos aceitar a versão
oficial’.”
Attwood, um homem que Bobby respeitava por seus
serviços diplomáticos durante o governo Kennedy, contou a
Bobby que Garrison tinha uma pista. O editor utilizara todo
o peso da Look, uma vigorosa revista ilustrada cujo impacto
nacional só ficava atrás do da Life, para seguir a
investigação de Garrison. Ele estimulou fortemente
Kennedy a se comprometer a reabrir o caso. Em resposta,
Bobby disse a Attwood que concordava com o fato de seu
irmão ter sido vítima de uma conspiração. “Mas não posso
fazer nada até que controlemos a Casa Branca”, disse-lhe
Kennedy. Logo depois de desligar, Attwood sofreu um grave
ataque cardíaco e foi levado de madrugada para o St.
Vincent’s Hospital. Três meses foram necessários para que
ele se recuperasse e pudesse voltar a trabalhar. A revista
Look nunca acompanhou as investigações de Garrison.
“Não posso fazer nada até que controlemos a Casa
Branca.” Essa se tornou a resposta padrão de Bobby
àqueles de seu círculo que o incentivavam a se pronunciar
sobre a controvérsia do assassinato. Porém, à medida que o
Relatório Warren ia sendo cada vez mais atacado, entre
1966 e 1967, Kennedy tinha mais dificuldade para manter
essa postura. A opinião pública estava adiantada em
relação ao seu calendário presidencial.
Naquela época, as dissensões sobre o Relatório Warren
chegavam a envolver os círculos da elite. Em fevereiro de
1966, um pesquisador independente de Nova York chamado
Charles E. Stanton tomou a iniciativa de enviar uma
pesquisa sumária sobre o assassinato a um amplo leque de
proeminentes personalidades nos Estados Unidos e no
exterior. O questionário — que perguntava se os
entrevistados acreditavam no Relatório Warren ou se
suspeitavam que o governo tivesse suprimido provas de
uma conspiração — era acompanhado por uma carta em
tom sincero que apelava para o senso de história dos
destinatários. Em sua carta, ele confessava que um “íntimo
de Kennedy” o havia repreendido, criticando sua pesquisa
por ser “de mau gosto, para não dizer mórbida”. Mas “não
seria instigante ler as reações dos contemporâneos de
Abraham Lincoln — Disraeli, Karl Marx, Mark Twain, Júlio
Verne, Garibaldi, Oscar Wilde — e o que eles achavam do
desastroso assassinato?”, argumentou Stanton.
O pesquisador enviou mais de 300 questionários entre
fevereiro de 1966 e janeiro de 1968, que foram
endereçados a um grupo político bastante heterogêneo, de
Fidel Castro a Francisco Franco. Vários — entre os quais
sumidades da mídia americana como Walter Cronkite e Eric
Sevareid, e potentados políticos como J. Edgar Hoover, os
senadores Barry Goldwater e William Fulbright, e o
advogado Roy Cohn —, como era previsível, se esquivaram
das perguntas de Stanton. Contudo, as respostas que
Stanton recebeu forneceram um esclarecedor instantâneo
sobre a confusão que havia tomado conta da elite em
relação ao assassinato de Kennedy. Stanton nunca publicou
os resultados de seu trabalho, mas as respostas escritas à
mão por esses famosos contemporâneos de JFK — hoje
conservadas na Biblioteca Kennedy — são de leitura
fascinante.
Entre os que endossaram a versão do governo sobre o
assassinato estavam Pierre Salinger (que mudaria de
opinião mais tarde), os jornalistas Harrison Salisbury e
Stewart Alsop, o magnata do cinema Dore Schary, os
poetas Richard Wilbur e Carl Sandburg, o historiador
James MacGregor Burns, os intelectuais politicamente
divergentes William F. Buckley e Dwight Macdonald, e o
líder socialista Norman Thomas. O pesquisador também
obteve resposta de dois dos principais arquitetos
responsáveis pelo desastre de Kennedy na Baía dos Porcos,
os antigos agentes da CIA Allen Dulles e Richard Bissell.
Como era de se prever, Dulles expressou sua indefectível
confiança na investigação do governo que ele mesmo havia
conduzido à sua previsível conclusão. Mas a pesquisa sobre
o assassinato claramente irritou Bissel, que não pôde evitar
escrever em letras grandes e em negrito na seção
reservada a comentários: “Quem se importa? Vamos
reservar nossa inteligência — se tivermos alguma — para
outros assuntos”.
Ironicamente, juntando sua aprovação do Relatório
Warren à dos dois homens da CIA contra os quais ele e seu
irmão haviam lutado, estava o senador Robert Kennedy. “O
Relatório Warren foi preparado por pessoas bastante
competentes e respeitadas e é resultado de um estudo
intenso; temos todos os motivos para confiar em suas
conclusões”, dizia a resposta no papel timbrado de
Kennedy no Senado. De maneira ainda mais irônica, a
resposta de Bobby foi escrita em nome dele por seu
assessor Joe Dolan, um homem que manifestava suspeitas
ainda maiores que as de Bobby com relação a Dallas.
A lista daqueles que acreditavam que Kennedy havia sido
vítima de um complô também era expressiva: os poetas
Robert Graves, Allen Ginsberg, Thomas Merton e Kenneth
Rexroth; os romancistas Terry Southern, Katherine Anne
Porter, Irving Wallace e Ray Bradbury; o dramaturgo Paddy
Chayevsky; o sociólogo Andrew Hacker; o jornalista e
emissário da paz de Kennedy, Norman Cousins; o
aventureiro norueguês Thor Heyerdahl, da famosa
expedição do barco Kon-Tiki; os estudiosos britânicos
Arnold Toynbee, Bertrand Russell e Hugh Trevor-Roper.
Um dos mais apaixonados comentários manuscritos era o
de Southern, cujo roteiro para Dr. Fantástico havia sido
inspirado nos militaristas do dia do Juízo Final contra os
quais JFK havia lutado: “O absurdo do Relatório Warren é
algo patente e arrasador”, escreveu ele com fúria no fim do
questionário. “Basta dar uma olhada em qualquer um dos
26 volumes para descobrir de uma só vez o tamanho da
farsa, da incógnita e da bobagem que é. O mais
impressionante é sua insultante ingenuidade. É como se
eles imaginassem que NINGUÉM nos Estados Unidos se
dará o trabalho de olhar a versão integral.”
Como a liderança política e a mídia jornalística do país se
recusavam a exumar o caso JFK, coube a algumas
celebridades intrépidas o papel de falar abertamente sobre
o mistério que assombrava os Estados Unidos. Em junho de
1967, no palco do lendário Festival Pop de Monterey, David
Crosby, dos Byrds, espantou o público, assim como seus
colegas de banda, ao fazer uma chocante declaração sobre
o assassinato de JFK: “O presidente Kennedy não foi morto
por um único homem — ele recebeu tiros vindos de várias
direções. A verdade foi omitida. Vocês precisam saber isso.
Este é o seu país”.
O comediante Mort Sahl se destacou como o maior crítico
do Relatório Warren na indústria do entretenimento,
colocando sua carreira em risco ao transformar seu popular
número em um clube noturno em permanente crítica à
investigação oficial, e declarando que JFK havia sido vítima
de um complô do governo. Kennedy era “o único presidente
que já se opusera” ao complexo de segurança nacional,
disse Sahl a um jornal alternativo em março de 1968. “E
veja o que levou por seus esforços.” No palco, ele apontava
para fragilidades na operação de encobrimento do governo,
lendo em tom mordaz trechos dos 26 volumes do Relatório
Warren, empilhados ao seu redor como adereços de palco.
A outrora lucrativa carreira de Sahl começou a definhar, e
sua renda anual despencou de 1 milhão de dólares para 13
mil. “O fato de eu usar o assassinato de Kennedy fez que as
pessoas me acusassem de não ser mais engraçado nem
querido. Para o mundo do entretenimento, trata-se de um
dos maiores crimes”, disse ele. Sahl havia escapado dos
processos judiciais por obscenidade e das drogas que
arruinaram a carreira do comediante Lenny Bruce, o qual
havia começado com ele no início dos anos 1960 nos clubes
noturnos de San Francisco, entre os quais o hungry i.
Porém, agora seus amigos o alertavam sobre o fato de que
sua “obsessão” pelo caso Kennedy o levaria ao fim. Mas ele
não conseguia se conter.
Sahl havia colaborado escrevendo piadas para JFK
durante sua campanha de 1960, mas se afastara dos
partidários de Kennedy depois da eleição, quando voltou a
seu papel de sátíro político e começou a alfinetar o novo
presidente. O velho Joe Kennedy achava que ou você era a
favor da família ou era contra. E não riu quando Sahl lhe
enviou o seguinte telegrama: “Você não perdeu um filho.
Você ganhou um país”. Jack, porém, era diferente. Sabia rir
de si mesmo. Sahl admirava sua graça e seu humor. Achava
que o discurso pela paz da Universidade Americana deveria
ser ensinado nas escolas. Tinha convicção de que o
assassinato era “o mais infame acontecimento de nossa
vida”. Esse tipo de coisa não podia acontecer nos Estados
Unidos. E onde estavam os cães de guarda da imprensa
americana? Ele estava revoltado com o sentimentalismo
excessivo em torno da morte de Kennedy, a maneira como
Walter Cronkite havia levado a nação a uma orgia de
“choro público”. Ficou irado ao ver que a imprensa aceitava
passivamente o Relatório Warren: “Hitler disse que sempre
soubera que era possível comprar a imprensa. O que ele
não sabia era que o preço era tão baixo”. Quando Jim
Garrison anunciou que estava reabrindo o caso, Sahl foi até
Nova Orleans e se propôs a ajudá-lo. Enfim alguém se
mexia para resolver o crime do século.
No final de 1966, o establishment da mídia não podia
mais se contentar com a versão oficial. Envergonhada pelo
crescente agito cultural em torno do assassinato de
Kennedy — e incentivada pelo sucesso de livros sobre a
conspiração de autores como Mark Lane, Edward Jay
Epstein e Josiah Thompson, professor de filosofia da
Universidade Haverford, cujo livro Six Seconds in Dallas
apresentava de maneira elaborada a hipótese de que
houvera três assassinos e, pelo menos, quatro balas na
Dealey Plaza —, a mídia finalmente começou a manifestar
ceticismo em relação ao Relatório Warren.
No dia 25 de novembro de 1966, a revista Life perguntou:
“Será que Oswald agiu sozinho?”, em uma notável matéria
de capa que sugeria que não. O relatório era obra de um
grupo que incluía o professor Thompson, de Haverford.
Essa matéria foi uma surpreendente virada para as
publicações de Luce, que haviam tido um papel-chave no
encobrimento do crime ao comprar o filme original de
Zapruder para impedir sua divulgação. Esse ato ultrajante
— que havia sido ordenado pelo editor de Life, C. D.
Jackson, que, assim como seu patrão Henry Luce, era um
ardoroso anticomunista com profundos vínculos com a CIA
— permitiu que a revista distorcesse de forma reiterada o
que o filme de Zapruder escancarava, publicando imagens
e legendas que levavam o público a crer que JFK havia sido
atingindo por tiros vindos somente de trás. Porém, no final
de 1966, Jackson já havia morrido e Luce estava no fim da
vida, e as falhas cada vez mais evidentes do Relatório
Warren levaram a revista Life a mudar de direção.
No mês seguinte, o New York Times anunciou sem alarde
que estava criando uma força-tarefa para investigar o
assassinato. A equipe era liderada por Harrison Salisbury,
então editorialista do periódico e quem anunciou que seus
repórteres iam “vasculhar todas as zonas de dúvida com a
meta de eliminá-las”. Até a revista The Saturday Evening
Post — vitrine dos valores tipicamente americanos
retratados por Norman Rockwell4 — foi levada a declarar
que havia “algo podre” em Dallas, publicando na capa um
trecho do livro de Thompson com a retumbante manchete:
“Três assassinos mataram Kennedy”. Um editorial
complementar declarava: “Acreditamos que o mistério
Kennedy não tenha sido resolvido, que o caso não esteja
encerrado”.
Todas essas marolas de atividade em torno do assassinato
de Kennedy seriam engolidas em 1967 pela onda maior da
investigação de Jim Garrison. Era um estrondeante
espetáculo midiático que varria tudo que se apresentava à
sua frente. A investigação trouxe à luz um colorido leque de
personagens — entre os quais, mercenários da CIA,
violentos refugiados cubanos, vigaristas e, claro, Clay
Shaw, o elegante empresário gay com relações com a
espionagem e que se tornou figura central do caso de
Garrison.
Robert Kennedy havia esperado calmamente até estar em
condições de conquistar a Casa Branca — uma corrida que,
naquele momento, ele planejava fazer em 1972, depois que
Lyndon Johnson tivesse completado seu segundo mandato
pleno. Então RFK ia utilizar os poderes do governo federal
para sua caça aos assassinos do irmão. Entretanto, ele não
havia contado com Jim Garrison. A barulhenta investigação
do procurador obrigou Bobby a sair da concha em que
estava, levando-o a buscar sentido na cavalgada de
Garrison — e a tomar iniciativas para não ser ultrapassado
por ela.
 
Foi preciso um homem com a bravura de Jim Garrison para
ser o primeiro magistrado do país a reabrir a investigação
sobre o assassinato de JFK. Conhecido em Nova Orleans
como o “Jovial Gigante Verde”, devido a seu enorme
tamanho — cerca de dois metros de altura e 110 quilos — e
sua personalidade comunicativa, ele chamava a atenção
nessa vistosa cidade. Quando começou sua carreira de
jurista, Garrison apresentava um currículo incomum, mas
isso não era problema em Big Easy.5 Seu pai era um
personagem questionável que havia sido preso por furto e
vendia bebida alcoólica proibida aos índios. Durante a
Segunda Guerra Mundial, Garrison serviu com distinção
como piloto de combate na Europa. Porém, quando foi
chamado de volta à ativa durante a Guerra da Coreia,
estava sofrendo de ansiedade e ficou isento por motivos
psiquiátricos. Entrou para o FBI, mas saiu abruptamente
menos de quatro meses depois. Após ser eleito procurador
distrital, ficou conhecido por carregar uma pistola e
organizar batidas, amplamente divulgadas, nos inferninhos
da Bourbon Street. Não obstante, era um notório
mulherengo com propensão para os prazeres oferecidos no
Bairro Francês.
Em março de 1962, Garrison usou suas conexões políticas
da Louisiana para obter uma audiência junto ao fulgurante
novo presidente dos Estados Unidos. Em vez de levar sua
esposa, Liz, consigo até Washington, ele viajou com sua
amante do momento, uma aeromoça chamada Judy
Chambers. Na noite anterior ao encontro com JFK, o
procurador distrital, notório farrista, e sua acompanhante
se divertiram tanto que ele não acordou a tempo para a
reunião na Casa Branca. Contudo, Garrison conseguiu se
recompor para um encontro com Bobby Kennedy no
Departamento de Justiça às 13h30. Se JFK tivesse
descoberto o motivo pelo qual Garrison faltou ao encontro,
certamente teria achado graça. Mas Bobby, que nunca
colocava o prazer antes do dever, não escondeu sua
irritação com Garrison. Quando o procurador distrital
voltou a Nova Orleans, um amigo lhe perguntou como havia
sido sua viagem. “Bem, encontrei Bobby”, respondeu
Garrison. Então, foi obrigado a explicar por que havia
perdido a reunião com o presidente. Mas ele não parecia
tão arrependido. “Sempre é possível marcar um encontro
com o presidente”, disse Garrison ao amigo. “Mas nem
sempre se consegue uma mulher tão gostosa!”
Garrison era “exibicionista”, como ele mesmo se gabava
junto à imprensa, mas não um fanfarrão. Assim como
grande parte dos americanos, ele havia aceitado a versão
do governo sobre o assassinato até um dia de novembro de
1966, quando o respeitável senador Russell Long, da
Louisiana, com quem viajou de avião até Nova York, fez
alguns comentários perturbadores sobre o Relatório
Warren. “Esses caras da Comissão Warren estavam
totalmente errados”, disse a Garrison o senador Long,
encarregado de garantir o comparecimento dos membros
da maioria às sessões do Congresso. “Não há como um
único homem ter atirado desse jeito contra Jack Kennedy.”
Os comentários do senador Long impuseram a Garrison a
missão de descobrir a verdade sobre o que acontecera com
JFK nas ruas de Dallas. “Para mim”, disse ele, “foi o fim da
ingenuidade”.
Depois de examinar o volumoso Relatório Warren — um
estudo que, como ele ficou convencido, havia sido projetado
para “tranquilizar a opinião pública americana” — e o
trabalho de importantes pesquisadores sobre a
conspiração, Garrison chegou à conclusão de que Kennedy
havia sido vítima de um complô muito bem organizado e
com raízes em Nova Orleans, onde Lee Harvey Oswald
passara o verão anterior ao assassinato. Apesar de sua
fama de cidade tropical com tolerância serena, Nova
Orleans era um celeiro de extremismo anti-Kennedy. O
próprio JFK confiara ao congressista Hale Boggs, enquanto
esperava o fim da chuva no abrigo dos jogadores em um
jogo de abertura da temporada de beisebol em abril de
1962, que temia fazer uma nova viagem a Nova Orleans por
causa das violentas paixões contra ele que existiam lá.
“Não tenho certeza de querer ir”, disse o presidente a
Boggs. “Recebi relatórios que dizem que as coisas estão tão
tensas lá que algo poderia acontecer.”
Enquanto Garrison dava início à investigação dos vínculos
entre Oswald e oponentes locais de Kennedy, ele reparou o
estranho escritório situado no número 544 da Camp Street,
onde o ex-agente do FBI e fanático extremista Guy Banister
e seu excêntrico sócio David Ferrie supervisionavam um
agitado núcleo de atividades anticastristas do qual fizera
parte o jovem detido pelo assassinato de Kennedy. O
procurador chegou à conclusão de que Oswald era um peão
de um complô mais complexo, incriminado como marxista
pró-Castro para que levasse a culpa sozinho. Os
verdadeiros cérebros da conspiração, concluiu ele, se
encontravam na CIA e no Pentágono. “O presidente
Kennedy foi assassinado por um motivo”, Garrison começou
a dizer à imprensa. “Porque estava trabalhando pela
reconciliação com a [União Soviética] e com a Cuba de
Castro... O presidente Kennedy morreu porque queria a
paz.”
Garrison concluiu que os Estados Unidos estavam sendo
dominados pelo complexo militar-industrial sobre o qual
Eisenhower havia alertado. “De maneira absolutamente
verdadeira e aterrorizante, nosso governo é a CIA e o
Pentágono, com o Congresso reduzido a um clube de
debates”, declarou ele em 1968. “Aprendi o suficiente sobre
as maquinações da CIA no último ano para saber que isto
aqui não é mais a América dos sonhos na qual eu
acreditava... Sempre tive um tipo de confiança imutável na
integridade básica do meu governo, independentemente
dos erros políticos que ele pudesse cometer. Mas entendi
que, em Washington, para alguns, enganar e manipular
fazem parte das prerrogativas naturais do ofício. Uma vez
Huey Long disse: ‘O fascismo chegará aos Estados Unidos
em nome do antifascismo’. Baseado em minha experiência,
receio que esse fascismo chegue aqui em nome da
segurança nacional”.
Guy Banister morrera de ataque cardíaco em 1964, de
maneira que David Ferrie se tornou o principal suspeito de
Garrison. Ferrie, piloto e mercenário, fora demitido da
Eastern Airlines depois de ter sido detido sob a acusação
de manter relações sexuais com garotos. Ferrie conhecia
Oswald desde a época em que era um jovem cadete na
Patrulha Aérea Civil, onde o homem mais velho atuava
como instrutor. Ferrie entrou no sombrio mundo do
aventureirismo anticomunista, em que espiões, gângsteres
e eLivross cubanos se misturavam. Como Edward Jay
Epstein observou com pertinência, ele “era estranho,
mesmo para os padrões mais descontraídos do Bairro
Francês”. Vítima de uma doença que o fizera perder a
pilosidade, Ferrie usava perucas ruivas caseiras e mal-
ajeitadas, e passava lápis para esconder a falta de
sobrancelha, o que dava ao seu rosto a aparência de uma
“máscara mórbida do Dia das Bruxas”, segundo a avaliação
de Garrison. Seu imundo e periclitante apartamento estava
repleto de gaiolas com camundongos que chiavam e que ele
usava em experiências sobre câncer, para encontrar uma
maneira de injetar a doença em Castro, segundo o que
dissera a algumas pessoas.
Primeiro, Garrison convocou Ferrie para um
interrogatório alguns dias depois do assassinato, ao ser
informado de que este fizera uma misteriosa viagem até o
Texas no dia do crime. Estava prestes a levar Ferrie
perante um júri em fevereiro de 1967 quando sua
investigação vazou na imprensa, e Ferrie de repente se
encontrou em meio a uma tempestade midiática. Embora o
suspeito de Garrison fosse cada vez mais o centro das
atenções do público, o procurador distrital decidiu adiar
seu comparecimento, aparentemente para poder interrogá-
lo um pouco mais. Foi uma decisão fatídica. No exato
momento em que Garrison dizia a sua equipe para “ficar
fria, segurar as pontas e esperar um pouco mais”, recebeu
uma ligação telefônica informando-o de que Ferrie havia
sido encontrado morto em seu apartamento. O médico-
legista concluiu que o homem de 48 anos havia morrido de
causas naturais — Ferrie sofria de hipertensão, e alguns de
seus amigos especularam que ele tivera uma hemorragia
cerebral fatal causada pelo estresse da investigação de
Garrison. Porém, o procurador nunca deixou de suspeitar
de que fosse suicídio ou assassinato. Segundo ele, Ferrie
fora vítima de forças muito maiores que ele, e havia sido
“varrido pelos vendavais da história”.
Naquele momento, o procurador distrital de Nova Orleans
estava no meio de uma tempestade, um furacão político e
midiático jamais visto naquela cidade. Centenas de
repórteres e equipes de filmagem do mundo todo cercavam
seu escritório. A Casa Branca, o Departamento de Justiça, o
FBI e a CIA seguiam de perto sua investigação
subfinanciada. Com a morte de Ferrie, o suspeito-chave de
Garrison havia desaparecido, e de repente havia uma
grande falha em seu caso. Mas o procurador estava
montando em um animal selvagem, e em vez de se livrar da
bufante fera à qual estava amarrado, ele se manteve firme
e declarou que tinha um novo suspeito.
Em março de 1967, Garrison anunciou que havia
prendido um líder cívico chamado Clay Shaw pelo
assassinato de John F. Kennedy. A estupefata cidade
conhecia Shaw como o respeitado fundador da
International Trade Mart. Porém, para Garrison, ele era um
empresário internacional vinculado à CIA e — como David
Ferrie, um homem que Shaw conhecera nos círculos gays
— fora um dos mentores de Oswald em Nova Orleans. A
investigação de Garrison sugou virtualmente toda a
atividade sobre JFK para dentro de seu turbilhão. Entre os
milhões de americanos fascinados pelo caso, estava Robert
F. Kennedy.
 
Uma noite, logo depois da morte de David Ferrie, tocou o
telefone na casa do dr. Nicholas Chetta, o médico-legista de
Nova Orleans que havia dirigido a autópsia do homem que
tinha se encontrado no centro do furacão Garrison. Foi
Nicky Jr., o filho adolescente de Chetta, que atendeu a
chamada, cada vez mais aborrecido por conta das
incessantes ligações da imprensa provocadas pela súbita
morte de Ferrie. Garrison não era o único a achar essa
morte suspeita.
“Olá, sou Robert Kennedy”, disse o homem ao telefone.
“Eu poderia falar com o doutor Chetta?”
“Claro, e eu sou o Cavaleiro Solitário”, respondeu o filho
do médico, que não estava a fim de trotes, antes de bater o
telefone no gancho.
Logo depois, o telefone tocou de novo. “Sou Robert
Kennedy e insisto em falar com o doutor Chetta.” Dessa vez
o garoto passou o telefone para seu pai, que conversou em
voz baixa com Kennedy durante alguns minutos. O senador
queria verificar se o suspeito-chave de Garrison não havia
sido vítima de um crime.
Enquanto Garrison soltava rojões, Bobby Kennedy tomava
providências para verificar a validade de sua investigação.
Kennedy recorreu ao seu costumeiro método de utilizar
terceiros para verificar o andamento dos trabalhos em
Nova Orleans. Entre os que ele utilizou para obter
informações estava seu velho amigo e ex-assessor de
imprensa Ed Guthman. Depois de deixar o Departamento
de Justiça em agosto de 1964, pouco antes da saída de seu
chefe, Guthman havia voltado à atividade jornalística como
editor nacional do Los Angeles Times. Ao ser entrevistado
para este livro, Guthman insistiu em dizer que Kennedy não
lhe pediu que investigasse Garrison. Afirmou que foi ele
mesmo quem decidiu colocar cinco de seus melhores
repórteres no caso. Por iniciativa própria, viajara até Nova
Orleans para investigar a história, convidando Garrison e
um de seus investigadores — um detetive particular
chamado Louis Gurvich — para almoçar. Apesar da
insistência de Guthman em dizer que suas motivações na
época eram puramente jornalísticas, os homens supuseram
que ele estivesse cumprindo uma missão para Kennedy.
“Ele certamente estava avaliando nosso quociente
intelectual para Bobby”, disse Gurvich naquela época.
“Bobby sempre desconfiou dos críticos malucos [da versão
oficial do assassinato].”
A equipe de repórteres de Guthman chegou a Nova
Orleans logo depois que o caso de Garrison foi levado a
público, e permaneceu na cidade até que a história
chegasse ao fim. Logo, os jornalistas manifestaram certo
desdém em relação ao procurador e a seu caso, depois de
entrevistar fontes como a irmã de Jack Ruby, que
encontraram no sul da Califórnia; Perry Russo, de 25 anos,
o bonito estagiário na área de seguros, que se
autodescrevia como “aberração sexual” e que havia se
tornado testemunha vedete de Garrison, após este ter
vinculado Ferrie, Oswald e Shaw ao complô contra JFK; e,
mais importante, o irmão de Gurvich e seu parceiro de
investigação, William, que havia se tornado um dos mais
virulentos críticos de Garrison depois de brigar com ele a
respeito do caso. Uma vez informado por William Gurvich
das inúmeras histórias sobre as excentricidades de
Garrison, um jornalista do Times submeteu a Guthman uma
raivosa nota em que dizia: “Se não fosse tão terrivelmente
séria devido ao prejuízo que está causando a pessoas
inocentes, [a investigação de Garrison] seria cômica,
burlesca”.
Os repórteres de Guthman o convenceram de que
Garrison era “um impostor”. Ao relembrar o caso anos mais
tarde, ele disse: “Eu mandei para lá alguns de nossos
melhores homens, principalmente de nosso escritório de
Washington, grandes repórteres como Jack Nelson. E eu
também fui até lá. Mas todos da minha equipe concluíram
que não havia nada. E eram ótimos repórteres”.
Mais tarde, Guthman se encontrou com Kennedy em
Washington e lhe contou o que a equipe do Los Angeles
Times havia concluído sobre Garrison. “Falei com Bob. Ele
queria saber o que havíamos encontrado e eu lhe contei.
Então ele aceitou nossas conclusões. Meu sentimento era
de que existia a possibilidade [de uma conspiração], mas
que Garrison não tinha provas.”
Entretanto, o homem que teve o maior impacto sobre a
opinião de Kennedy em relação à investigação de Nova
Orleans foi Walter Sheridan. O antigo chefe do esquadrão
“Vamos Pegar Hoffa” de RFK no Departamento de Justiça
teve um papel central, embora pouco conhecido, na secreta
busca de Kennedy pela verdade sobre Dallas. Não havia
outra pessoa em seu círculo íntimo de quem Bobby
dependesse mais para ajudá-lo a desenterrar toda a
história do que acontecera a seu irmão. A opinião de
Sheridan sobre Garrison certamente teria enorme peso
sobre Kennedy. Uma vez, Robert confiou ao jornalista Jack
Newfield, de Nova York — havia se aproximado do senador
ao fazer uma reportagem sobre ele —, que “havia
encarregado Goodwin, Mankiewicz e Sheridan de cuidar de
diferentes aspectos do assassinato”. E Newfield sabia que o
homem-chave entre os três era Walt Sheridan. Era aquele
que, segundo os familiares de Kennedy, um dia iria liderar
os trabalhos para desvendar o caso.
A profunda confiança e afeição de Kennedy para com
Sheridan havia se construído durante a longa batalha de
ambos para colocar Jimmy Hoffa atrás das grades.
Sheridan era um homem magro e de voz suave, mas —
assim como Bobby — capaz de se tornar feroz e implacável
ao caçar corruptos como Hoffa, homem que ambos
qualificavam de “maligno”. Kennedy e Sheridan
compartilhavam uma visão de mundo em branco e preto,
enraizada em sua fé católica, quando juntaram forças nos
anos 1950. Estavam determinados a limpar o governo — o
qual, assim como a igreja, eles acreditavam que devesse
atender os necessitados e sofredores — da podridão moral
que, segundo temiam, havia se espalhado até os mais altos
escalões de Washington. “Precisamos despertar entusiasmo
pelo que é bom, certo e justo”, disse Sheridan à Adoration
Society, um grupo católico de Utica, sua cidade natal no
estado de Nova York, em 1960. “Está na hora de
reafirmarmos a obstinação básica e a convicção moral que
levaram nosso país à sua posição de grandeza.” A cruzada
do Departamento de Justiça de Bobby contra o crime
organizado iria se tornar o veículo de Sheridan para a
renovação moral da nação. A cruzada levaria ambos os
homens para os cantos mais sombrios do poder americano,
expondo-os e às suas famílias a riscos frequentes, e
finalmente unindo-os como soldados que compartilham a
mesma trincheira encharcada de sangue.
Sheridan era amado “como um irmão e um membro da
família”, lembrou-se Teddy Kennedy. Ele e Bobby, que
haviam nascido no mesmo dia, comemoravam o aniversário
juntos. Ele e sua família eram frequentemente convidados
em Hickory Hill, onde, apesar de seu físico pouco
impressionante, Sheridan participava com entusiasmo das
rudes e anárquicas partidas de futebol de Kennedy, quase
sofrendo uma concussão na vez em que, em um ataque, sua
cabeça bateu na do ex-jogador de futebol americano Byron
“Whizzer” White. A esposa de Sheridan, Nancy, também
gostava de Bobby, que com frequência convidava os cinco
filhos dos Sheridan para festas no pátio do Departamento
de Justiça e discursou na formatura de segundo grau de
sua filha.
E foi também ao confiável Walt Sheridan que Kennedy
recorreu imediatamente no dia 22 de novembro de 1963,
enviando-o a Dallas para descobrir o que pudesse. Desde o
começo, nenhum dos homens confiava no FBI para
investigar o crime. No início de sua carreira, Sheridan
havia passado quatro anos com o FBI, recrutando
comunistas como agentes secretos. Acabou saindo,
insatisfeito com o extremismo de Hoover. “Eu era um
verdadeiro liberal, e o FBI é uma organização direitista”,
explicou ele mais tarde. Acusou abertamente o chefe do
FBI de ser “um tanto ditador e um tanto filho da puta”.
Depois que se desligou, os demais agentes do FBI foram
avisados para não ter contato com ele. Hoover deve ter
ficado irritado quando o nome de Sheridan começou a ser
citado na imprensa como possível substituto do velho
“ditador” no segundo mandato de Kennedy. Quando
Sheridan, em menos de 48 horas após o assassinato de
Kennedy, descobriu provas de que Jack Ruby recebera um
“monte de dinheiro” de um sócio de Hoffa, o FBI não
manifestou nenhum interesse em perseguir esse indício
tentador.
Sheridan e Bobby Kennedy rapidamente chegaram à
mesma conclusão: JFK havia sido vítima de uma poderosa
conspiração. Mas, pelo resto de sua vida, Sheridan
permaneceu cauteloso em seus comentários públicos sobre
o assassinato. Outro traço que os Kennedy valorizavam
profundamente no investigador era sua discrição.
Submarinista durante a Segunda Guerra Mundial, Sheridan
sabia como “transitar debaixo d’água”, notou um dos
assistentes de Kennedy. “Quer se tratasse de negócios ou
prazer, os segredos estavam protegidos com Walter”,
elogiou Teddy Kennedy no enterro de Sheridan, em 1995.
“Quer estivesse trabalhando em uma investigação ou
planejando uma festa, nada nunca vazava. Nesse ponto,
todos nós concordamos — Walter Sheridan não abria a
boca.”
Mesmo assim, Sheridan compartilhou uma informação
essencial com sua esposa — ele e Bobby estavam
determinados a desvendar o assassinato do presidente
Kennedy. Quando a contatei para este livro, a princípio
Nancy Sheridan se mostrou, assim como seu falecido
marido se mostrara, reticente a falar sobre o assassinato.
Porém, aos poucos, durante cinco entrevistas diferentes,
concedidas em um período de dois anos, ela revelou um
pouco mais sobre a colaboração dos dois homens no caso.
A viúva de Sheridan declarou que Walt e Bobby
procuraram pistas nos anos que se seguiram a Dallas e
planejavam reabrir o caso se Kennedy conquistasse a
presidência. “Continuaram trabalhando no caso depois que
Bobby saiu do Departamento de Justiça. Eles procuravam
provas juntos”, disse ela, sentada em sua modesta casa
térrea em um subúrbio de Maryland. Falava com suavidade
e hesitação, escolhendo cuidadosamente as palavras.
Embora Nancy Sheridan soubesse que seu marido estava
trabalhando naquele caso extremamente delicado com
Kennedy, Walt nunca lhe contou o que haviam descoberto.
“Ele não me contou nada específico”, disse ela. “Isso teria
sido uma enorme responsabilidade, um terrível fardo para
sua família.”
“Você quer dizer que ele não queria pôr em risco sua
família?”, perguntei.
“Sim.”
Em uma entrevista posterior, ela reiterou essa afirmação.
“Eu disse a nossos filhos: ‘Seja o que for que Walt soubesse
sobre o que havia acontecido em Dallas, ele o levou
consigo’. Nunca iria colocar tamanha responsabilidade
sobre a sua família.”
Mais uma vez, procurando ter certeza do que ela estava
falando, perguntei: “Por que ele não queria pôr sua família
em risco?”.
“Bem”, respondeu ela, “teria sido uma responsabilidade
terrível para qualquer pessoa, você não acha?”
Sheridan havia registrado por escrito suas reflexões sobre
o caso?
“Não, ele não registrou isso por escrito.”
Em fevereiro de 1965, Sheridan deixou a equipe de
Kennedy para seguir uma carreira de jornalista
investigativo, sendo contratado como produtor pela NBC
News. “Quero acertar as pessoas bem no meio dos olhos.
Quero falar sobre coisas que ainda não foram abordadas”,
anunciou ele. Antes que começasse em sua nova função, fez
um acordo com RFK, comprometendo-se a não falar de
Dallas na NBC. Eles iam esperar até poderem reabrir o
caso juntos. “Quando Walt recebeu essa proposta de
trabalho na NBC”, lembrou-se Nancy, “ele procurou Bob e
disse: ‘É o que vou fazer, o que acha disso?’. E a decisão
que tomaram foi que a única coisa que Walt não ia fazer
para a NBC era investigar o assassinato. Isso porque
estavam trabalhando juntos no assunto.”
Dois anos depois, a investigação de Garrison estourou na
imprensa. Kennedy e Sheridan estavam ansiosos para
descobrir que provas tinha o procurador distrital. Bobby
disse a Arthur Schlesinger que achava que Garrison podia
ter algo relevante. Mas Sheridan, que havia decidido ir a
Nova Orleans para verificar a investigação, logo chegou a
uma conclusão diferente, colocando os partidários de
Kennedy em rota de colisão com os de Garrison.
Assim como Guthman, Sheridan insistiu em dizer que não
ia a Nova Orleans a pedido de Kennedy. Mas, assim que
chegou lá, começou a fornecer informações sobre a
investigação para seu antigo patrão. Os contundentes
relatórios de Sheridan sobre Garrison iriam fazer que
Kennedy ficasse contra o procurador, e seu mordaz
programa especial na NBC — A Conspiração JFK: O Caso
de Jim Garrison — faria que a imprensa criticasse
violentamente o homem da lei de Nova Orleans.
Segundo Nancy Sheridan, seu marido decidiu que Jim
Garrison era “uma fraude — um homem desonesto, moral e
intelectualmente”, nas primeiras 24 horas após sua
chegada a Nova Orleans. “Ele falou com um número
suficiente de pessoas para dizer que o homem era louco —
e desonesto”, lembrou-se ela. Assim como para a equipe do
Los Angeles Times, de Guthman, Bill Gurvich, desertor do
campo de Garrison, foi a principal fonte de Sheridan
quando ele formou sua terrível opinião a respeito do
procurador. Depois de abandonar o campo de Garrison,
Gurvich seria descrito na imprensa como o investigador-
chefe do procurador distrital. Mas o próprio Garrison iria
demitir Gurvich das funções de motorista e fotógrafo,
mostrando que se tratava de uma das várias pessoas a
passar por sua incoerente e desorganizada operação, que
logo se povoou de personalidades exuberantes vindas de
todas as regiões do país, incluindo informantes da CIA e do
FBI.
Sheridan julgou o descontente empregado de Garrison
suficientemente importante para agendar uma reunião
entre ele e Kennedy em Hickory Hill, no dia 8 de junho de
1967. A conversa, de noventa minutos, prosseguiu na
corrida de táxi até o aeroporto e acabou com os dois
homens sentados em uma esteira de bagagens. Mais tarde,
Gurvich explicou que havia encontrado Kennedy porque
estava preocupado com o fato de ele poder pensar “que de
fato havia algo em Nova Orleans que pudesse deixá-lo
exageradamente otimista e esperançoso” com relação à
investigação do assassinato de seu irmão. Na conversa, o
investigador disse francamente a Kennedy: “Senador, o
senhor Garrison nunca esclarecerá a morte de seu irmão”.
“Então, por que ele está fazendo isso?”, perguntou-lhe
Kennedy.
“Não sei”, respondeu Gurvich. “Eu gostaria de saber.”
Walt Sheridan tinha sua própria explicação sobre o circo
midiático montado por Garrison. Achava que o procurador
distrital estava tentando desviar as atenções do chefão da
máfia de Nova Orleans, Carlos Marcello, e de seu contador,
Jimmy Hoffa — ambos os homens estavam no topo da lista
de suspeitos do assassinato estabelecida por Sheridan, o
qual acreditava que Garrison estava na folha de pagamento
de Marcello. Por que outro motivo o procurador não
perseguiu o gângster, que tinha mais ligações com David
Ferrie do que Clay Shaw? Na época do assassinato, Ferrie e
Banister estavam investigando Marcello sobre o processo
de deportação  que o Departamento de Justiça de Bobby
Kennedy havia aberto contra o chefe da Máfia. A Ferrie
também foi atribuído o fato de ter trazido Marcello da
Guatemala, depois que os homens de Kennedy o prenderam
em circuntstâncias duvidosas e o deportaram em 1961.
Mas, curiosamente, Jim Garrison nunca se preocupou em
investigar as conexões de Marcello com Dallas, uma cidade
que estava sob seu domínio criminal e cujo subchefe local
da Máfia — Joseph Campisi — foi a primeira pessoa a
visitar Jack Ruby na cadeia. Como Ferrie e Banister
também trabalhavam para a CIA, a agência que segundo
ele havia fomentado o complô, Garrison escolheu focar
apenas esse aspecto do currículo dos dois homens.
Durante os anos em que atuou como procurador distrital,
Garrison deu um salvo-conduto a Carlos Marcello,
chegando ao ponto de insistir na tese de que o mafioso, que
se autoproclamava vendedor de tomates, era “um
respeitável negociante”. Em sua biografia, de 1988,
Garrison escreveu que nunca encontrou “provas de que
[Marcello] tenha sido o pivô da Máfia como dizia o
Departamento de Justiça”. Reconheceu que a Máfia às
vezes agia como parceira secreta da CIA, mas o único papel
significativo que, segundo ele, a Máfia teve em Dallas foi o
de ser um conveniente bode expiatório para a agência de
espionagem. Kennedy tinha um entendimento mais astuto
da maneira como o poder funcionava no país; reconhecia
que instituições como a CIA às vezes ficavam tão
imiscuidas com o submundo do crime, que era difícil
diferenciá-las no nível operacional.
Sheridan sentiu que suas suspeitas em relação a Garrison
haviam sido confirmadas no final de junho de 1967, quando
— bloqueado no que agora havia se tornado uma briga
abertamente pública com o produtor da NBC — o
procurador distrital deixou vazar para a imprensa a
informação de que estava investigando Ed Partin como
possível envolvido no assassinato de Kennedy. Partin, o
líder rebelde da filial do sindicato Teamsters em Baton
Rouge, havia sido testemunha-chave no processo Kennedy-
Sheridan contra Jimmy Hoffa. Depois de Hoffa ter sido
finalmente condenado e mandado para a cadeia em março
de 1967, o Teamsters e seus aliados do crime organizado
começaram a usar todo tipo de influência para pressionar
Partin no sentido de mudar de lado e ajudar a libertar
Hoffa. Sheridan concluiu imediatamente que o furo
midiático de Garrison sobre Partin era o último passo nessa
campanha em prol de Hoffa. Para Walt Sheridan e Bobby
Kennedy — que haviam dedicado grande parte de sua vida
profissional a caçar Hoffa — existiam poucas outras
ofensivas que eles levavam mais a sério do que a tentativa
de obter a revisão da condenação duramente conquistada
do chefão do Teamsters.
Apenas outra manobra de Garrison podia deixar Sheridan
e Kennedy ainda mais preocupados: direcionar sua
investigação para as escuras águas dos núcleos
anticastristas, que haviam sido supervisionados por Bobby,
e investigar a maneira como estes podiam ter se voltado
contra JFK em Dallas. Era precisamente o que Garrison
estava começando a fazer, o que deve ter deixado Kennedy
horrorizado. O procurador começou a vasculhar o campo
minado de Cuba, para ver se Oswald fizera parte de um
complô para matar Castro e se a operação havia sido
aprovada pelo procurador-geral Kennedy. Mesmo
assumindo que RFK tivesse aprovado os esquemas de
assassinato de Castro, existiam coisas suficientes nas
catacumbas de Cuba para assombrar Bobby desde o
momento em que os tiros haviam sido disparados na Dealey
Plaza. Esse ângulo da investigação de Garrison só pode ter
acentuado os sentimentos de culpa de Kennedy e seu medo
de que o caso de Nova Orleans explodisse em sua cara.
Em maio de 1967, Sheridan — que havia descoberto a
alarmante linha de investigação de Garrison — tomou a
extraordinária iniciativa de se aproximar da CIA para ver
se a agência queria cooperar com sua investigação do
procurador distrital na NBC. No dia 8 de maio, Richard H.
Lansdale, advogado da agência, revelou em uma nota que
havia sido abordado por um representante de Sheridan — o
advogado Herbert “Jack” Miller, de Washington, antigo
chefe da Divisão Criminal do Departamento de Justiça de
Kennedy. Miller disse ao conselheiro da CIA que Sheridan
soubera que Garrison estava tentando desenvolver uma
tese “explosiva” sobre Oswald. O procurador estava
tentando provar que o assassino presumido “era um agente
da CIA, profundamente anticomunista, recrutado pela
agência para uma operação aprovada por Robert Kennedy
para matar Castro. Quando Oswald matou o presidente
Kennedy, segundo a tese, foi necessário apresentar o
assassino como comunista para encobertar o plano
original”. Três dias depois, Lansdale relatou que Miller o
contatara de novo em nome de Sheridan, dizendo-lhe que
Sheridan “havia manifestado a vontade, se não o desejo, de
se encontrar com a CIA sob as condições que propusermos.
Ele apresentaria a maneira como entende os esquemas e as
intenções de Garrison, e ouviria o que estamos a fim de
dizer. Isso faria parte do pano de fundo do próximo
programa da NBC”.
O fato de que o assessor de Kennedy e a CIA — com sua
longa e sombria história de relações hostis — tenham
conversado sobre a possibilidade de juntar suas forças
contra Garrison mostra o quanto ambas as partes estavam
preocupadas com o que acontecia em Nova Orleans. A
agência tomou medidas agressivas para se infiltrar na
investigação de Garrison e interrompê-la. E durante o
processo de Clay Shaw — que, como Dick Helms mais tarde
admitiu, trabalhava para a CIA, fornecendo informações
sobre empresários que no exterior viajavam para trás da
Cortina de Ferro — o diretor da CIA perguntou
repetidamente a seus suplentes mais próximos se “estamos
dando [à equipe de defesa de Shaw] toda a ajuda que
precisa?”.
Mas Sheridan teve um impacto muito mais prejudicial
sobre a investigação de Garrison quando a NBC difundiu
seu programa especial de uma hora de duração, no dia 19
de junho de 1967. O programa atacou com violência o
procurador distrital por fabricar às pressas um processo
capenga contra Shaw, subornando, intimidando e
manipulando testemunhas. Os resultados do caos do
procurador Garrison, concluiu o apresentador do
programa, “podem ter prejudicado reputações, espalhado
medo e suspeitas, e, pior que tudo, explorado a dor e as
dúvidas da nação em relação à morte do presidente
Kennedy”. O programa da NBC foi um golpe devastador, e
marcou uma virada na sorte de Garrison. Depois das
acusações de Sheridan, a imagem pública do procurador
distrital começou a mudar de cruzado para louco.
Garrison, ferido, exigiu — e conseguiu — tempo igual na
NBC para se defender. Porém, também ele reforçou sua
imagem de descontrolado déspota de fundo de quintal ao
inverter os papéis com Sheridan, acusando-o de suborno de
testemunhas. (Mais tarde as acusações foram
abandonadas.) Os Sheridan temiam que o procurador
distrital mandasse Walt para a cadeia de forma que
pudesse “machucá-lo fisicamente”, como disse Nancy.
Kennedy se precipitou na defesa de Sheridan, declarando
que “seus vínculos pessoais com o presidente Kennedy,
assim como sua própria integridade, asseguram que ele,
como qualquer outro homem, quer descobrir a verdade
sobre os eventos de novembro de 1963”.
Nesse momento, RFK estava inclinado a se opor a
Garrison. Quando soube que Mort Sahl havia conseguido
uma participação do procurador distrital no programa
Tonight Show, de Johnny Carson, Kennedy tentou
convencer, sem sucesso, Carson a anular o convite. O
jornalista político Jeff Greenfield,6 da CNN, então jovem
assistente de Kennedy, lembra-se de ter entrado no
escritório do Senado e ouvido Bobby tentando convencer
Carlson por telefone. “Ele estava dizendo a Carlson que
Garrison só falava besteiras. Bobby dizia: ‘Não acredite
nele. Se eu achasse que há algo em tudo isso, eu teria
agido. Você não acha que eu teria me empenhado com toda
a força?’.” Carlson manteve a entrevista, porém suas
perguntas — que Sheridan ajudou a formular — foram
surpreendentemente hostis e levaram vários
telespectadores a se queixar. Contudo, Garrison atuou
como o astuto advogado de tribunal que era, tirando
habilmente a entrevista das mãos de Carlson e levantando
suas próprias e provocantes questões sobre o assassinato.
O apresentador de TV ficou tão aborrecido que mais tarde
descontou em Sahl, banindo o comediante de seu
programa.
Pelo resto da vida, Garrison e Sheridan iam se enxergar
com venenoso desdém. Até hoje, entre os partidários de
Garrison, o nome de Walter Sheridan provoca reações
furiosas. Eles o acusam de ter obedecido à CIA quando
esteve em Nova Orleans. Os partidários de Sheridan, por
sua vez, acusam o procurador distrital de Nova Orleans de
ter sido um demagogo corrupto. Na verdade, não é tão fácil
rotular nem um nem outro.
Não há dúvida de que Sheridan tenha atuado em nome de
Kennedy, e não como agente da inteligência, quando foi até
Nova Orleans. Sua lealdade — desde a época em que
trabalhou nas investigações de corrupção para Bobby, no
final dos anos 1950, até o capítulo final de sua carreira, nos
anos 1980, quando atuou como investigador do Senado
para Teddy Kennedy — foi inquestionavelmente dirigida à
família Kennedy. Walt Sheridan dedicou uma devoção
religiosa à causa Kennedy, do tipo que ele não poderia ter
oferecido a nenhum outro chefe. Jack Kennedy “pedia o
melhor de todos nós, e nós lhe dávamos com entusiasmo”,
disse ele uma vez, rememorando seus anos de serviço no
governo de JFK. “A política voltou a ser uma profissão
nobre, como na Grécia antiga.” Ele manteve essa visão dos
anos Kennedy por toda a vida. Na mente de Sheridan,
Bobby apenas elevou a missão a um patamar mais alto.
É verdade que Sheridan tinha um passado de espionagem
quando veio trabalhar para Bobby Kennedy. Depois de
deixar o FBI, em 1954, ele recebeu uma habilitação de
segurança para entrar na CIA. Em vez disso, decidiu
trabalhar para a Agência de Segurança Nacional, mas
apenas três anos depois deixou essa organização — um
labirinto secreto dedicado a decifrar códigos estrangeiros
— porque, segundo ele, “eu me sentia apartado do mundo”.
Não existem provas de que Sheridan tenha continuado a
ter um papel de espião durante sua carreira com os
Kennedy. Nancy Sheridan disse que seu marido
compartilhava as suspeitas de Bobby sobre a CIA. “Eles não
confiavam na agência”, revelou ela.
É fácil entender por que a abordagem que Sheridan fez
junto à agência no meio de sua pesquisa sobre Garrison
desperta a desconfiança de seus críticos. Porém, a CIA, que
após ouvir Sheridan ordenara uma verificação de seus
antecedentes, desconfiava dele tanto quanto ele mesmo
desconfiava da agência. Os funcionários de Langley podem
ter temido que Sheridan e Kennedy não estivessem
investigando Garrison, e sim tentando descobrir o que a
agência sabia sobre o assassinato. De qualquer modo, o
incidente revela mais sobre a desconfiança mútua de
ambas as partes em relação a Garrison do que sobre a
maneira como cada um confiava no outro. E não existem
provas de que Sheridan e os representantes da agência de
fato tenham juntado forças contra o procurador distrital.
Walt Sheridan foi a Nova Orleans por motivos que não
tinham nada a ver com a inteligência dos Estados Unidos.
Foi até lá para avaliar a investigação de Garrison, e então
— após logo decidir que se tratava de uma ameaça para os
interesses políticos de Bobby Kennedy e suas futuras
chances de reabrir o caso — para sabotá-lo.
Se Sheridan não era espião, Jim Garrison também não era
um simples peão do crime organizado. Ele fechava os olhos
quando se tratava de Carlos Marcello. E com certeza não
era o brilhante cavaleiro retratado por Kevin Costner no
filme JFK, de Oliver Stone. Mas Garrison era mais heroico
do que Sheridan acreditava.
Para o incorruptível caçador de criminosos de Bobby,
Garrison exalava um odor repelente e mofado devido a sua
disposição de tolerar as façanhas ilegais de homens como
Marcello. Mas Sheridan foi rápido demais ao descartar
toda a iniciativa de Garrison por causa disso. Afinal de
contas, o procurador estava em seu ambiente, a estufa de
Nova Orleans, onde eram raros os funcionários públicos
que não precisavam trocar de camisa de vez em quando
para se manterem limpos. Apesar disso, a indignação de
Garrison em relação à falta de solução do crime do
presidente era genuína. E isso envergonhou os numerosos
funcionários públicos de Washington que, pelo fato de se
encontrarem em uma posição mais elevada em relação ao
crime, haviam escolhido não fazer nada.
Garrison também pode ter errado feio ao escolher como
alvo Clay Shaw, depois da morte de duas figuras centrais
nesse caso, Guy Banister e David Ferrie. Porém, como a
Comissão Reservada da Câmara dos Representantes sobre
Assassinatos confirmaria na década seguinte, o procurador
de Nova Orleans tivera êxito ao pôr em evidência um
aspecto crucial da conspiração: um mundo de zelosos
conspiradores da CIA, expatriados cubanos, militantes da
extrema-direita e mercenários, no qual o presidente
Kennedy era visto como traidor.
Há algo trágico na vendeta que ocorreu entre Jim
Garrison e Walter Sheridan. Esses dois homens certamente
sabiam mais do que qualquer outra pessoa no país, além
dos próprios conspiradores, sobre o complô que havia
derrubado JFK. Mas, assim como os herdeiros rivais do
legado de Kennedy — RFK e LBJ —, foram destinados a se
enfrentar em vez de cooperar entre si. Não existiam dois
homens mais diferentes — um grande, dono de uma voz
forte e atrevido; o outro, esbelto, calado e circunspecto.
Garrison era um homem de enorme apetite e ambição;
Sheridan, um devoto homem de família e honesto servidor
público que havia fundido seus próprios sonhos aos de
Robert Kennedy. Mas não foram suas destoantes
personalidades que os levaram a lados opostos. Foi a
necessidade de Kennedy de controlar a investigação do
assassinato de seu irmão. Mesmo sem seus evidentes
defeitos, Garrison ia ser inaceitável para Bobby. Quando se
tratava de resolver o crime, RFK confiava apenas em si e
em alguns poucos homens, como Sheridan, que o serviam.
 
Uma noite, enquanto trabalhava como consultor de
comunicação voluntário de Jim Garrison, Mort Sahl foi
convidado para um jantar em Washington por seu amigo,
David Brinkley, âncora da NBC News. Sahl ficou sentado ao
lado de Bob McNamara, enquanto sua esposa, China,
sentava-se ao lado de Bobby Kennedy, que estava nervoso.
Todos evitavam tocar no assunto que estava pairando no ar.
“A conversa era tão inócua que precisávamos nos esforçar”,
lembrou-se Sahl. “O tempo era um assunto recorrente, e
ninguém tomava posição nem sobre isso.” Ethel Kennedy
finalmente rompeu o clima tenso ao ficar bêbada e dançar
sobre a mesa. “Ethel, por favor, minha carreira”, irrompeu
Bobby.
Finalmente, às 23h, Sahl deixou o jantar para se
apresentar em um clube noturno, deixando sua esposa com
Kennedy, o qual, muito inquieto, rasgava guardanapos em
tiras e fazia pirâmides com o papel. Foi apenas depois da
saída de Sahl que Bobby se acalmou e questionou China, de
maneira indireta, sobre a controversa virada da carreira de
seu marido. Por que Mort havia sido demitido de seu
programa popular em um canal de TV de Los Angeles?,
perguntou-lhe Kennedy. Ele já sabia a resposta — Sahl
havia sido escorraçado por falar demais sobre o assassinato
de seu irmão. Por fim, depois de deixar Bobby pressioná-la
uns instantes para obter informações, China, com a língua
afiada, o interrompeu: “Ele esteve ao seu lado durante duas
horas. Por que não perguntou a ele?”.
Sahl estava exasperado pela reticência de Bobby Kennedy
e de seu círculo em enfrentar publicamente o assunto pelo
qual ele estava sacrificando sua própria carreira. Em outra
ocasião, ao acompanhar a esposa de John Chancellor, o
âncora da NBC, que foi a trabalho, naquela noite, a um
jantar na Casa Branca, o comediante deu de cara com a
esposa de Ted Kennedy, Joan. Quando ele lhe disse que
Bobby o havia convidado para ir até seu escritório do
Senado no dia seguinte, ela balbuciou: “Ah, então ele não
está mais zangado com você?”.
“Zangado com quê?”, exclamou Sahl. “Estou destruindo
minha carreira para descobrir quem matou o irmão dele!”
No dia seguinte, quando o comediante o visitou em seu
escritório de Capitol Hill, mais uma vez Bobby fez questão
de não tocar no assunto. Kennedy queria saber qual era a
opinião dominante sobre LBJ nos campi universitários em
que Sahl se apresentava com frequência. “Eles o odeiam”,
disse Sahl.
“Está provavelmente na hora de alguém fazer algo”,
comentou Bobby indiretamente.
Sahl foi direto ao ponto: “Talvez você tenha que salvar o
país”.
Era a próxima disputa presidencial que preocupava
Kennedy. E seus planos para o futuro dependiam de sua
posse na Casa Branca.
Segundo Sahl e Mark Lane, que também havia ido até
Nova Orleans para trabalhar no caso, os assessores de
Kennedy e Garrison enviavam ocasionalmente mensagens
secretas um ao outro, apesar da terrível hostilidade
existente entre eles. Isso estava longe de ser um acordo
formal entre Garrison e Sheridan, e, de fato, parece ter
consistido principalmente em fofocas e informações
incompletas transmitidas para os dois lados por um
exuberante intermediário chamado Jones Harris. Nova-
iorquino cujo círculo social em parte coincidia com o dos
Kennedy, Harris se tornou um obstinado pesquisador do
assassinato em Dallas, viajando até a Dealey Plaza e mais
tarde a Nova Orleans. Filho ilegítimo do produtor da
Broadway Jed Harris e da atriz Ruth Gordon, Harris tinha
humor ácido e estilo teatral, aparecendo no escritório de
Garrison de chapéu de palha, o qual ele raramente tirava,
mesmo em ambientes fechados. Ele havia namorado a
secretária da Casa Branca encarregada da agenda de
Jackie (e amante de JFK), Pamela Turnure, e participara de
festas em Newport com o grupo dos Kennedy quando JFK
ainda era vivo — uma vez ele disse a Jackie que seu
glamoroso marido deveria trabalhar no cinema e deixar
Peter Lawford governar o país. Garrison achava Harris
curioso, e o nova-iorquino se tornou um dos membros do
exuberante círculo em torno do procurador.
Fazendo traslados entre Nova York e Nova Orleans,
Harris passava informações sobre a investigação de
Garrison a membros do clã Kennedy como Steve Smith —
marido da irmã de Bobby, Jean, e encarregado das finanças
da família —, com o qual ele se encontrava por acaso em
bares de Washington como o P. J. Clarke’s. Harris então
levava de volta mensagens do círculo Kennedy para
Garrison.
Segundo Sahl, a mensagem de Bobby era sempre a
mesma: “Preciso esperar tomar posse da Casa Branca.
Então, vou pegar os caras que mataram Jack”. Talvez isso
tenha sido a maneira que Bobby encontrou para avisar
Garrison de que estava na hora de ele se retirar — ele ia
assumir a investigação. Garrison, por sua vez, disse a Sahl
que Bobby não ia viver o suficiente para vencer as eleições.
O procurador enviou uma mensagem de volta para Kennedy
dizendo que sua única chance consistia em falar sobre a
conspiração que havia matado seu irmão, de tal forma que
talvez seus inimigos pensassem duas vezes antes de fazer
algo contra ele. Mas, segundo Sahl, o conselho não foi bem
recebido por Bobby. A mensagem de resposta transmitida
por Harris foi: “O que acha que vamos fazer: ouvir as
pessoas de Washington que sempre trabalharam com os
Kennedy, ou um comediante de clube noturno e um xerife
pobretão do Sul?”.
Sahl meneia a cabeça. “Acho que hoje ele não estaria
debaixo de uma chama eterna se tivesse nos ouvido.”
Até mesmo no ápice de sua briga com Sheridan, Garrison
nunca dirigiu sua fúria contra Bobby Kennedy. O único
comentário público contundente que fez sobre Bobby veio
depois que o procurador distrital decretou a prisão de
Sheridan, quando Kennedy se precipitou para defender o
amigo. Bobby não queria que os “verdadeiros assassinos”
fossem pegos, comentou acidamente Garrison, porque “isso
ia interferir em sua carreira política”.
Na intimidade, com os membros de sua equipe, Garrison,
aflito e confuso, questionava em voz alta a estranha
leniência do círculo dos irmãos Kennedy. Uma vez, o
procurador se virou para Sahl, o único membro da equipe
que já se encontrara com os Kennedy, e em tom de “enorme
frustração” lhe perguntou: “Você os conheceu — que tipo
de amigos esses caras tinham?”.
“Se alguém tivesse matado meu irmão”, acrescentou
Garrison, “eu estaria em uma alameda esperando por ele
com uma faca, e não sentado no Centro Kennedy, assistindo
a um balé ao lado dele.”
Sahl também tinha uma visão muito crítica da mesa-
redonda de Camelot e de sua incapacidade de perseguir os
assassinos de seu líder. A velha turma de Kennedy estava
muito preocupada em não ser mais convidada para festas
caso criasse problemas, escarneceu o comediante. “Mesmo
que a festa fosse uma grande comemoração funerária.”
Até a viúva do presidente — de início tão determinada em
sua fúria contra os desprezíveis assassinos de seu marido
— havia ficado calada. Um dia, ao caminhar na Madison
Avenue perto da 74th Street, Sahl se deparou com Jackie,
que estava olhando as vitrines de lojas e de galerias de arte
da vizinhança. Seus olhos se encontraram. Ela sabia o que
Sahl havia feito por seu falecido marido. “Olá”, disse Sahl.
“Sei, sei, sei”, murmurou Jackie, afastando-se rapidamente.
 
No final, o processo de Jim Garrison contra Clay Shaw
provocou exatamente o que Kennedy e Sheridan temiam.
Contaminou a investigação do assassinato de JFK por anos
a fio.
Após deliberar por menos de uma hora, o júri voltou à
sala de audiências de Nova Orleans logo depois da meia-
noite, no dia 1º de março de 1969, e declarou que Shaw era
inocente. Enquanto os jurados deixavam claro que não
aprovavam o Relatório Warren — as provas gráficas, como
o filme de Zapruder que Garrison mostrara várias vezes
durante as audiências, impressionaram-nos fortemente —,
eles explicaram que o procurador distrital havia fracassado
ao apresentar um caso pouco sólido contra Shaw. Para a
mídia, contudo, o veredicto era uma retumbante
justificação da teoria do atirador solitário. Por pelo menos
mais uma década, até que o Congresso finalmente
reabrisse o caso, as pesquisas sobre o assassinato de John
F. Kennedy seriam impregnadas de cultismo ou
contrassenso por conta do espetacular fracasso judicial de
Garrison. Até alguns dos mais importantes críticos do
assassinato, que originalmente apoiavam Garrison, como
Harold Weisberg, no final acabaram se voltando contra ele
com amargor.
“Que a justiça seja feita, nem que caia o céu”, vibrara
Garrison. E, de fato, o céu desmoronou sobre ele depois do
colapso de sua investigação. Embora tivesse sobrepujado
as tentativas de colocá-lo na cadeia por corrupção e de tirá-
lo do cargo público, Garrison nunca mais escreveu sobre o
auge da história como o fizera durante os dois anos de sua
investigação sobre Kennedy.
Na época da queda de Garrison, Robert Kennedy já havia
morrido. E Walter Sheridan nunca iria completar a missão
de levar os assassinos de JFK perante a justiça. Com o
decorrer dos anos, Sheridan evitou falar do assassinato.
“Ele era quem guardava as confidências, a esfinge dos
segredos”, comentou o jornalista Jack Newfield, que tentou
sem sucesso convencer Sheridan a participar de seu
documentário de 1992, Frontline, sobre o envolvimento da
Máfia no assassinato de Kennedy. Em público, Sheridan
declarava acreditar na teoria do atirador solitário, mas
claramente não queria se estender sobre o assunto. “Se
tivesse havido uma conspiração, eu é que a haveria
descoberto”, disse ele ao jornalista investigativo Dan
Moldea, autor de um livro sobre Jimmy Hoffa. Entretanto,
confidencialmente, ele reconhecia que podia haver algum
fundamento nas suspeitas de Moldea sobre o líder do
Teamsters e os chefes da Máfia, Marcello e Trafficante.
Ao crescerem, alguns dos filhos de Sheridan tiveram
dificuldade em aceitar que seu pai tivesse aprovado
laconicamente o Relatório Warren. Walt Jr., que se lembra
de ter brincado em Hickory Hill e Hyannis Port quando
criança, começou a suspeitar que havia mais por trás do
crime do que Oswald, e desejou ter ouvido a opinião de seu
pai. “Para mim foi o grande assunto político da minha vida,
a maior pergunta que até hoje fica sem resposta”, disse ele.
“Acredito que aquele foi o dia em que a música morreu.”7
Todas as vezes em que Walt Jr. perguntou ao seu pai se
ele acreditava mesmo na teoria do atirador solitário,
Sheridan insistiu em dizer que sim. Pouco tempo antes de
morrer, no entanto, Sheridan finalmente disse a seu filho
aquilo em que ele de fato acreditava. Estavam sentados na
sala de estar de Sheridan depois do jantar, quando Walt Jr.
voltou mais uma vez à velha pergunta.
“Não é realista pensar que outra coisa estava
acontecendo em Dallas além de Oswald?”, perguntou a seu
pai.
Fez-se uma pausa, e então Sheridan disse simplesmente:
“Sim”.
“Para mim, foi uma vitória muito importante, depois de
todos esses anos, ouvir meu pai finalmente dizer isso em
voz alta. Porque eu sempre soube que havia algo mais. E
quando ele falou isso, nem respondi; encostei-me na
cadeira e disse a mim mesmo: ‘Graças a Deus’.”
Walter Sheridan morreu de câncer no pulmão em janeiro
de 1995, aos 69 anos. Seu obituário citou sua longa e bem-
sucedida carreira como investigador, um verdadeiro
cruzado para o povo americano, inclusive em sua batalha
contra a corrupção do Teamsters, os abusos da indústria
farmacêutica, as perigosas condições de trabalho nas minas
e a exploração dos trabalhadores rurais. Os elogios
fúnebres destacaram sua devoção à família e suas fortes
convicções. “Ele tinha um coração tão grande quanto a sua
habilidade, e não houve ninguém com tanta coragem e
dedicação quanto ele pelo interesse público”, disse Ted
Kennedy. “De certa forma, Bobby viveu para mim através
de Walter. Durante os quase vinte anos em que trabalhou
comigo no Senado, nunca me encontrei com Walter,
conversei com Walter e ri com Walter sem pensar em
Bobby.”
Apesar de suas numerosas realizações, antes de morrer
Sheridan ficou muito deprimido por sua incapacidade em
resolver o caso Kennedy. Jack Newfield, que permaneceu
em contato com Sheridan, usou a palavra “suicida” para
descrever seu estado de espírito perto do fim da vida.
Quando perguntei a Nancy Sheridan se era verdade que
Walt havia se tornado depressivo, esperei que ela, para
proteger a memória do marido, negasse. Porém, ela disse:
“Sim, é verdade. Ele era muito próximo de Bobby. Nutria
sentimentos muito fortes em relação a ele. E acredito que
os dois tenham solucionado o caso. Mas Walt nunca esteve
em posição de fazer algo depois da morte de Bob”.
Por que Sheridan não continuou a investigação depois
que Bobby morreu? “Ele não tinha mandato nem poder
para fazer algo”, disse Nancy. “E havia prometido a Bob
que não faria nada sem ele. Então, ele honrou esse acordo
mesmo depois que Bob se foi.” Mesmo morto, Kennedy era
o homem que os outros seguiam.
 
1 . Uma vez que cada estado norte-americano elege dois senadores, costuma-se
distingui-los entre seniores e juniores de acordo com o tempo contínuo em
que se mantêm no cargo. Embora não haja qualquer diferença constitucional
entre eles no que diz respeito a direitos e deveres, o regimento interno do
Senado dá mais poder aos seniores. [N. E.]
2 . Jorge III (1738-1820) era o rei da Grã-Bretanha durante a Guerra de
Independência dos Estados Unidos (1775-83). [N. T.]
3 . Referência ao pessoal que se reunia em volta de uma refinada mesa redonda
do restaurante do Algonquin Hotel de Nova York, onde se encontraram,
durante décadas, na primeira metade do século XX, a nata bem-nascida, os
intelectuais e o meio artístico da cidade. [N. T.]
4 . O pintor Norman Rockwell (1894-1978) ilustrou a capa da revista durante
quatro décadas. Seu estilo se caracteriza pela reprodução meticulosa de
cenas comuns da vida nos Estados Unidos. [N. T.]
5 . Apelido de Nova Orleans. [N. T.]
6 . Jeff Greenfield deixou a rede CNN em 2007, ano de publicação deste livro
nos Estados Unidos. [N. T.]
7 . “The day the music died”, no texto original, citando a letra da canção
“American Pie”, de Don McLean. [N. T.]
 

8
A paixão de Robert Kennedy

Certa noite, no final da primavera de 1966, o assistente de


Kennedy, John Nolan — que estava em Joanesburgo
ajudando a organizar a viagem histórica do senador à
África do Sul que estava por vir —, chegou à casa do
jogador de tênis sul-africano Abe Siegel e, enquanto o
visitava, seu carro foi arrombado e a maleta na qual estava
seu passaporte foi roubada.
“Isso assustou muito Siegel e sua esposa”, lembrou-se
Nolan. “Eles acharam que era a polícia secreta sul-
africana.” A viagem de Bobby, que estava agendada para
junho, era fonte de crescentes tensões dentro do regime de
apartheid, que temia que a chegada do senador americano
provocasse uma onda de reações contra a política racista.
Porém, não era apenas o governo sul-africano que estava
espionando os planos de viagem de Kennedy. Seu próprio
governo também lhe seguia os passos. Apesar do bárbaro
tratamento do regime contra a população não branca,
Pretória era vista por Washington como um importante
aliado na Guerra Fria. Mais uma vez, os opositores políticos
de Kennedy pensavam que sua diplomacia independente
estava comprometendo os interesses dos Estados Unidos
em termos de segurança.
Apesar da reação de seus anfitriões, Nolan não ficou tão
irritado com o roubo de seus pertences até voltar para
Washington. “Tive um pouco de dificuldade em obter um
novo passaporte e tudo o mais, mas afinal conseguimos
pegar o voo, conforme agendado”, disse Nolan. Quando ele
se apresentou no escritório de Kennedy para fazer seu
relatório, o senador lhe fez perguntas sobre o carro
arrombado, questionando se notas confidenciais sobre a
viagem também haviam sido roubadas. Nolan, que não
contara a Kennedy sobre o roubo, ficou surpreso.
“Como soube disso?”, perguntou ele.
“Dick Helms me ligou”, respondeu Kennedy. “Ele o seguiu
dia após dia, vigiou cada passo que você deu na África do
Sul.”
Para Nolan, o estreito monitoramento que Helms fizera de
sua viagem era mais um exemplo da maneira como o chefe
do Serviço Secreto tentava ser bem-visto pelos VIPs de
Washington, mostrando que estava sempre “atento”. Mas
Helms, que logo seria promovido a diretor da CIA pelo
presidente Johnson, também trazia outro recado para
Kennedy: a agência o está vigiando.
Nos últimos anos de vida, Bobby Kennedy ficou cada vez
mais distante da elite política de Washington. Seu
crescente compromisso com uma nova América multirracial
— que fez dele um aliado de Martin Luther King Jr. em sua
cruzada — era sinal de preocupação para J. Edgar Hoover,
que via ambos os homens como perigosos. E sua crítica da
política internacional americana, que se tornou mais
ardente à medida que a guerra no Sudeste Asiático se
alastrava, atraiu o olhar maligno da Casa Branca e da CIA,
que começou a espionar Kennedy como se ele fosse um
agente estrangeiro hostil.
Quando Kennedy e sua pequena comitiva — Ethel, Angie
Novello e Adam Walinsky — finalmente chegaram a
Joanesburgo, no dia 4 de junho de 1966, o regime — que
dera um jeito de adiar a viagem por cinco meses — o
recebeu com desdém gélido, declarando que não autorizava
que a viagem do senador “se transformasse em
estratagema publicitário... uma espécie de preparativo para
a futura eleição presidencial”. Mas, quando Kennedy
desembarcou do avião pouco antes da meia-noite e saiu do
aeroporto, foi recebido por uma ruidosa multidão de jovens
que gritava seu nome e terminou arrancando as
abotoaduras de suas mangas.
Durante sua odisseia pela África do Sul, Kennedy
enfrentou diretamente a base moral do apartheid. Sem se
deixar intimidar pelo regime que o vigiava friamente, ele
denunciou a brutal opressão dos cidadãos negros e
conclamou seu amplo público universitário branco a ter
coragem para derrubar o cruel sistema de segregação
racial. Em um discurso sublime e inspirador na
Universidade da Cidade do Cabo, em 6 de junho — discurso
que, segundo Schlesinger, foi o melhor da vida de Kennedy
—, o senador relembrou à sua audiência que a história deve
seguir adiante por meio de inúmeros pequenos atos de
heroísmo. “Todas as vezes que um homem se levanta por
um ideal, ou age para ampliar muitos outros, ou luta contra
a injustiça, ele projeta uma pequena onda de esperança, e,
ao se cruzarem a partir de milhões de diferentes centros de
energia e audácia, essas ondas constroem uma corrente
que pode derrubar os mais poderosos muros da opressão e
da resistência.” O discurso, que havia sido escrito para
Kennedy por Walinsky e Goodwin, mais tarde seria
cinzelado em sua lápide, em Arlington.
Em um jantar com um grupo de políticos, grandes
empresários e editores de jornais em Pretória, Kennedy
abriu fogo. Como ele podia atacar a África do Sul quando
esse país era um aliado tão leal na luta mundial contra o
comunismo? Mas lutar contra uma forma de tirania não
justificava a existência de outra, respondeu Kennedy. “O
que quer dizer ser contra o comunismo se nosso próprio
sistema nega o valor do indivíduo e dá todo o poder ao
governo — da mesma maneira que o fazem os comunistas?”
A Guerra Fria havia muito tempo fornecia um pretexto para
que os despóticos aliados dos Estados Unidos maltratassem
sua própria população. Mas Kennedy declarava que esses
dias precisavam acabar.
Em todo lugar aonde ia, o senador desafiava seus
anfitriões brancos ao questionar suas mais profundas
convicções. Na Universidade de Natal, em Durban, uma
pessoa do público observou que a igreja à qual pertencia a
maior parte da população branca ensinava que a
inferioridade negra existia por decreto divino. “Mas,
suponha que Deus seja negro”, respondeu Kennedy. Seu
comentário foi recebido por um silêncio estupefato. Depois
disso, ao voltar ao seu hotel, Kennedy cruzou com um
grupo de negros sul-africanos e juntou-se a eles para
cantar o comovente hino americano dos direitos civis, “We
Shall Overcome”.
À medida que o cortejo de Kennedy atravessava a África
do Sul, ele criou suas próprias e cada vez maiores ondas de
esperança. No começo, “suas únicas plateias eram os
estudantes”, observou Walinsky. “Mas então, em algum
momento, quando a coisa começou a se espalhar... houve
milhares de cidadãos comuns... pulando, empurrando e
aclamando, e era realmente fantástico.” Em Soweto, o
crescente gueto negro que Kennedy havia chamado de
“triste campo de concentração”, ele atravessou multidões
que o aclamavam e cantavam, subiu os degraus de uma
igreja e sobre o teto de um carro para falar com as pessoas.
Visitou líderes da oposição confinados em casa, entre os
quais o veterano chefe Albert Luthuli, para o qual mostrou
uma gravação do marcante discurso de JFK sobre direitos
civis de 1963.
O regime de Pretória ficou muito aliviado quando chegou
a hora de Kennedy partir. O senador também percebeu o
fervor revolucionário que sua viagem havia desencadeado.
Enquanto seu avião decolava, Kennedy observou com um
sorriso irônico: “Se tivéssemos ficado mais dois dias,
poderíamos ter tomado o país”.
Durante os anos em que passou no Senado, Robert
Kennedy se incumbiu de uma importante missão — a
elaboração de uma política internacional independente. Ele
pretendia mostrar ao mundo que havia um outro país — os
Estados Unidos alinhados com os ideais de seu irmão, e não
apenas a política do governo Johnson. Enquanto a imagem
dos Estados Unidos se tornava crescentemente negativa no
estrangeiro, onde o país era visto como cada vez mais
militarizado e governado por interesses mercantis,
Kennedy lutou para conseguir uma paz diferente com o
restante do mundo. Ao tentar evitar uma ruptura
traumática com Johnson, RFK foi obrigado a levar esse
recado com destreza diplomática. Mas sua mensagem ao
mundo, especialmente aos países em que os sentimentos
antiamericanos estavam crescendo, era clara: “tenham
coragem”. Houve um tempo em que os Estados Unidos
apoiaram a negociação, não a guerra; as reformas sociais,
não a opressão. E isso vai acontecer de novo. A mensagem
tinha peso, já que Kennedy não era um simples senador.
Era o herdeiro de seu irmão mártir; uma aura de justa
ascensão pairava sobre ele.
O primeiro sinal claro da política internacional divergente
de Kennedy apareceu em abril de 1965, quando Johnson
respondeu à crescente esquerda na República Dominicana
tomando a empobrecida ilha com 22 mil fuzileiros navais. A
autoritária ação de LBJ havia sido provocada pela CIA, que
transmitira informações falsas e mensagens inflamadas
sobre degolações públicas e outros relatórios não
averiguados sobre o caos comunista. Kennedy considerou a
invasão americana “ultrajante” e foi denunciá-la perante o
Senado. Não há dúvida de que Johnson achou o veemente
protesto de Kennedy amargamente irônico, vindo de um
homem que já liderara a guerra secreta contra Castro. Mas
naquela época Kennedy havia suavizado tanto sua opinião
sobre Cuba que nem se preocupava mais com os contínuos
esforços de Castro para armar outros revolucionários
latinos. As armas cubanas não eram mais um problema na
mente de Bobby, disse Walinsky — agora era a condição
medieval das sociedades latinas. “Quero dizer, droga,
qualquer um pode conseguir armas — a questão é o que as
pessoas querem fazer com elas. Acho que ele sentia que, se
as pessoas quisessem realmente derrubar o governo, então
iam fazê-lo com ou sem armas.”
Ao olhar hoje para a evolução política de Kennedy,
Walinsky insiste no fato de que a crescente simpatia de
RFK por Che Guevara e sua missão revolucionária foi
amplamente exagerada pelos escritores de esquerda.
“Houve em tudo isso certo romantismo — pessoas que o
trataram como se ele tivesse sido um tipo de Che sem
barba. É uma grande bobagem. Não consigo expressar
minha aversão diante desse tipo de visão.” Ainda que
Kennedy em pessoa chamasse Guevara de “herói
revolucionário”. E quando, em outubro de 1967, doente e
exausto, Che foi perseguido e morto na selva da Bolívia por
caçadores liderados pela CIA, os quais deceparam suas
mãos e o enterraram em uma valeta não marcada para que
seu túmulo não se tornasse um santuário, Ethel foi levada a
lamentar sua morte em uma festa de Washington.
Assim como para Che e outros ícones dos anos 1960,
durante décadas se desenrolou uma batalha para definir a
identidade política de Kennedy. Walinsky — que mais tarde
ia ser associado a assuntos conservadores como a reforma
da previdência social e o treinamento da polícia — está
entre os que enfatizaram os valores mais tradicionais de
Kennedy, entre os quais sua devoção à família, ao país e à
religião. Ele destaca o fato de Kennedy também ter se
tornado cada vez mais crítico do Estado-providência,
denunciando a maneira como a burocratização da vida
moderna havia roubado o poder do indivíduo e da família.
Porém, como reconhece Walinsky, não se trata apenas de
uma crítica conservadora — foi uma crítica radical, também
abraçada dos anos 1960 pela Nova Esquerda, que
procurava dar poder às comunidades, e não ao governo
federal. (Embora alguns liberais esbravejassem em relação
a isso, até o fervor de RFK pela lei e a ordem quando
investigador do Senado e procurador-geral tinha um foco
progressista, ao escolher como alvo os políticos corruptos,
os líderes de sindicatos e os gângsteres que roubavam os
trabalhadores americanos.) Uma coisa está clara, ao olhar
para a aclamada odisseia política de Kennedy nos anos
1960. A mensagem de autodeterminação e dignidade
humana que ele trouxe a seus compatriotas — assim como
para os cidadãos dos países que visitou — era
inegavelmente radical. Na atmosfera altamente polarizada
da época, Kennedy tinha um impacto eletrizante — e
perigoso.
Isso ficou demonstrado durante a tumultuosa viagem de
três semanas pela África do Sul que RFK fez em novembro
de 1965. Kennedy disse que sua viagem a Peru, Brasil,
Argentina e Chile foi motivada por sua preocupação de que
a Aliança para o Progresso — que ele via como uma parte
importante do legado de seu irmão — fosse aniquilada pelo
novo governo. Logo depois do assassinato de JFK, Johnson
promoveu Thomas Mann — o embaixador linha-dura no
México que tentara vincular Oswald a uma conspiração
comunista — ao cargo de encarregado para assuntos da
América Latina no Departamento de Justiça. Mann
rapidamente voltou sua atenção à Aliança, a peça central
da política de reforma da América Latina de Kennedy,
começando a transformá-la em uma ferramenta para as
empresas americanas. Tom Mann era o tipo de
“colonialista” que acredita que os “nativos [...] precisam
saber quem é o chefe” e “que acha que o principal trabalho
dos Estados Unidos na América Latina é tornar o mundo
mais seguro para a W.R. Grace and Company”, lamentou
Dick Goodwin após saber da nomeação. Mann em pessoa
resumiu desta forma sua filosofia anos depois: “Nunca
acreditei que devêssemos competir com os
revolucionários”. Porém, era exatamente o que os Kennedy
tinham em mente quando lançaram a Aliança. Iam tentar
roubar o trovão dos comunistas, oferecendo à oprimida
América Latina não somente ajuda, mas uma visão
empolgante da democracia.
A paixão política mostrada por Kennedy na América do
Sul — e mais tarde na África do Sul — repercutiu no mundo
todo. Essas duas memoráveis viagens ajudaram a preparar
o terreno para o que seria a mais heroica expedição de
Robert Kennedy, a campanha presidencial de 1968.
A comitiva de Kennedy — que incluía Ethel, Walinsky,
Goodwin e John Seigenthaler — começou sua viagem
chegando a Lima em 10 de novembro de 1965. Os membros
da embaixada americana imediatamente quiseram levar o
senador para a recepção a caráter que estava sendo
oferecida ao Rei da Bélgica. “Robert F. Kennedy não tem
casaca”, disse um assistente ao pessoal da embaixada.
Em vez disso, Kennedy se encontrou com estudantes em
uma universidade local, onde rapidamente chegou ao
subversivo tema de sua viagem. “A responsabilidade de
nosso tempo”, disse-lhes ele, “é nada menos que uma
revolução.” Esse cataclismo, disse Kennedy, será “pacífico,
se formos suficientemente sábios; humano, se formos
cuidadosos; bem-sucedido, se tivermos sorte. Mas uma
revolução virá, quer queiramos ou não”. Então, como se
quisesse sublinhar o motivo pelo qual essa ampla mudança
era inevitável, Kennedy se atirou aos mais profundos
pontos de miséria de Lima, as inúmeras barriadas
construídas nos morros de barro vermelho da cidade, em
que ele atravessou imundos córregos de esgoto para
brincar com as inúmeras crianças seminuas que se
agrupavam fora de seus barracos de terra. Kennedy ficou
chocado ao descobrir que as favelas não tinham água
corrente porque a ajuda americana ao Peru havia sido
suspensa depois que o governo peruano tinha entrado em
conflito com a filial local da Standard Oil. “O que a ajuda
tem a ver com os lucros de uma empresa?”, perguntou
Kennedy, furioso, ao desamparado representante da
embaixada. “Você está me dizendo que não podemos
conseguir uma caixa d’água para essas pessoas por causa
de uma disputa por petróleo?”
Ele seguiu com esse comportamento explosivo padrão em
todos os países que visitou — fazendo discursos
provocativos para públicos de universidades, visitando
favelas e latifúndios, em que as condições semifeudais do
continente eram abertamente chocantes, e batendo de
frente com os governadores locais e representantes
americanos nas suntuosas recepções em sua homenagem.
“Vocês não percebem que estão abrindo caminho para sua
própria destruição?!”, disse categoricamente a um
representante de uma empresa brasileira de produção de
cana-de-açúcar, depois de ser informado sobre as condições
de trabalho semiescravo dos cortadores de cana.
As monstruosas disparidades existentes nas sociedades
latino-americanas começaram a irritar Kennedy e seu
grupo. Uma noite — depois de voltar dos Andes, onde as
outrora orgulhosas cidadelas incas eram agora tomadas por
crianças com barriga inchada pela fome — o senador foi
convidado por um amigo do presidente Fernando Belaúnde
Terry para ir à sua luxuosa propriedade. Para os padrões da
América Latina, Belaúnde era considerado um reformista
no estilo de Kennedy. Porém, seu amigo era um dos mais
ricos latifundiários do país, e quando Bobby e seu grupo
entraram na mansão aristocrática, passando pelo grande
saguão ao lado de guardas armados, ficaram assombrados
pela opulência à mostra. “É uma visão da qual nunca vou
me esquecer”, lembrou-se Walinsky. “A sala tinha cerca de
trinta metros de comprimento e um pé-direito equivalente a
três andares. Era a sala de estar. E havia uma lareira tão
grande que oito homens podiam ficar de pé nela... Acima da
lareira havia a cabeça de um elefante, e de cada lado dela,
uma cabeça de rinoceronte e uma de hipopótamo. E ao
longo das paredes... estavam penduradas [mais] cabeças de
animais. Devia haver no mínimo mil dessas cabeças. E
também uma mesa muito longa, com talvez vinte e cinco
cadeiras, todas forradas com pele de zebra. Os cinzeiros
eram feitos com garras de leopardo. Quero dizer, não havia
nada naquela sala que não fosse parte de um animal morto.
E um armário com trinta ou quarenta armas. E todos nós
ficamos perplexos, sem palavras. E quase fiquei louco
porque cada cabeça pendurada na minha frente se
transformava na cabeça de um daqueles índios, porque,
claro, era a mesma coisa.”
No pátio de trás, havia um vasto museu privado repleto
de tesouros saqueados da civilização inca, salas e salas com
vitrines repletas de objetos de ouro, medalhas, facas,
escudos. Era assim que a riqueza da população nativa do
Peru havia desaparecido — enterrada no pátio de um
homem podre de rico.
O crescente sentimento de ultraje de Kennedy começou a
focalizar os presunçosos generais latino-americanos, com
suas fileiras de medalhas concedidas por si mesmos, que
agiam como mandantes desses regimes corruptos. “Ele
tinha profunda desconfiança e aversão por militares em
geral”, observou Walinsky, “e especialmente por esse tipo
de militar repressor que existia na América Latina.”
Kennedy achava intolerável ver os soldados de olhar vazio
com as armas sinistramente apontadas em todas as ruas.
Quando as multidões se agrupavam em torno de RFK, os
soldados sempre empurravam as pessoas ou batiam nelas
com a coronha das armas. Uma vez, exasperada, Ethel deu
um soco no estômago de um policial do lado de fora de uma
recepção onde as pessoas eram tratadas com brutalidade.
Kennedy também dirigiu sua ira contra os representantes
americanos que apoiavam o sistema explorador — um
sistema graças ao qual as corporações americanas
obtinham grandes lucros. “Quero dizer, na América Latina,
basicamente se tratava de um tipo de cabala entre o
Departamento de Estado de Johnson [...] e essas empresas
para saquear os países com os quais estavam fazendo
negócios”, disse Walinsky, refletindo a atitude de Kennedy.
O senador sabia que estava sendo cuidadosamente
monitorado por seu próprio governo durante a viagem. Nas
reuniões na embaixada americana, ele se divertia
chamando os agentes da CIA na sala para que se
identificassem. Uma vez, em Recife, no Brasil, um homem
chegou a levantar a mão. “Totalmente louco”, proferiu
Walinsky, que compartilhava o desagrado de Kennedy pelos
representantes locais da agência. Kennedy repudiava os
homens da CIA que encontrava durante a viagem por
serem “simplesmente horríveis e idiotas”.
O agente da CIA em Recife tentou amedrontar Kennedy
para que não aparecesse em uma universidade local,
dizendo-lhe que a multidão era “perigosa demais, muito
esquerdista”. A polícia acabara de prender três estudantes
que teriam tramado jogar ácido no rosto do senador
americano — ainda que a credibilidade dessa acusação
oficial sempre fosse questionável durante a nova ditadura
militar do Brasil. Kennedy descartou os avisos do homem
da CIA. O público acabou se mostrando “o mais ameno tipo
de estudantes do mundo, e noventa por cento deles eram
garotas”, lembrou-se Walinsky.
Kennedy não foi recebido como libertário em toda a
América Latina. Em alguns lugares, seu nome era
associado somente à Baía dos Porcos e às tentativas de
assassinato contra Castro. “Estou cansado desses latino-
americanos me atacando por ter ido atrás de Castro”,
queixou-se ele para Goodwin. “A verdade é que fui eu quem
salvou sua vida.” Kennedy ainda não sabia do empenho
contínuo da CIA para matar o líder cubano, que persistia,
muito depois que ele e seu irmão pensaram ter posto um
fim nos complôs.
Na Universidade de Concepción, no Chile, uma centena
de estudantes comunistas em meio ao público o vaiou,
cuspindo em sua cara e jogando ovos nele. Não o
acertaram, porém seus assistentes não tiveram tanta sorte.
“Se esses garotos quiserem ser jovens revolucionários”,
disse ele a Seigenthaler quando saíram da barreira, “vão
precisar melhorar a mira”.
No entanto, em todos os outros lugares a que ele foi, as
multidões exultaram ao receber Kennedy. Mais tarde, nas
ruas de Concepción, o número de pessoas que se
agruparam em torno dele cresceu tanto que ele subiu no
teto de um carro da polícia e cantou “The Battle Hymn of
the Republic”1 para acalmá-las. Elas lançaram pétalas de
flores em sua direção em Linares, também no Chile, e ele
recebeu uma ovação de pé de cem mil pessoas em uma
partida de futebol no Rio. Não era simplesmente sua
reforma matizada de catolicismo que conectava Kennedy às
multidões da América do Sul, disse Walinsky — era mais
sua origem irlandesa. Isso tinha a ver “com toda a história
dos Kennedy e dos Fitzgerald [...] com toda essa coisa
sobre o que havia acontecido na Irlanda e a luta para
conseguir ser alguém em Boston”, disse ele. Era uma
herança que havia impedido que os jovens Kennedy “se
tornassem um bando de ricos arrogantes”, disse Walinsky.
“Entender, nas entranhas, o que é ter sido pobre e ter que
lutar para vencer.”
Assim como fez na África do Sul, Kennedy percebeu que
podia sacudir as sociedades sul-americanas que visitou.
“Ele realmente concebia tudo isso como um tipo de política
internacional com a qual tentava proporcionar mudanças
na política desses países”, disse Walinsky. “Você pode
pensar que se trata de uma grande manifestação de
arrogância, mas de fato ele tinha potencial para fazer isso
e, até certo ponto, foi provavelmente o que fez.”
Mas Kennedy sabia que seu poder vinha do legado de seu
irmão, e ele só poderia completar a missão de JFK se
envolvendo no crescente turbilhão político ao voltar para
casa. O fantasma de seu irmão esteve por todos lugares
que visitou na América do Sul, desde o momento em que
aterrissou em Lima até o fim da viagem. Ao sair do avião
com Bobby em Lima — sob as extáticas aclamações de
“Viva Kennedy!” —, Dick Goodwin deixou cair sua
bagagem, abalado pelo melancólico eco do passado,
quando ouvira o mesmo clamor em outra visita de Kennedy.
Dessa vez as aclamações eram apropriadas, pensou
Goodwin; afinal de contas, Bobby tinha o mesmo
sobrenome; “porém, não era por causa dele que estavam
gritando; mas porque ele era o herdeiro sanguíneo de
alguém que admiravam e quase reverenciavam”.
No Brasil, no dia 22 de novembro, no momento em que se
completava o terceiro aniversário da morte de seu irmão,
Bobby teve um dia pesaroso. Com lágrimas nos olhos, ele
colocou uma coroa de flores em um busto de JFK na cidade
de Natal, e chorou abertamente em Salvador quando jovens
mulheres, em um centro para mães solteiras, cantaram
“God bless America”. Ele disse a um grupo de crianças
descalças, em um centro comunitário com o nome de JFK,
que seu irmão gostava muito de crianças e, com voz suave,
pediu que elas fizessem um favor ao presidente falecido.
“Fiquem na escola, estudem muito, estudem enquanto for
possível, e então trabalhem para sua cidade e para o
Brasil.”
Se Bobby vinha sendo assombrado pelo passado, também
se preocupava com o futuro. Ele sabia o que o esperava
quando fosse enfrentar o caldeirão político em casa.
Sentado no terraço de um café no Rio, dois dias depois do
horrível aniversário fúnebre, Kennedy levou um susto e se
levantou da cadeira ao ouvir o explosivo estalo de um
escapamento de carro. Percebendo que não se tratava de
um disparo de arma, voltou a se sentar, porém sem que seu
rosto mostrasse qualquer sinal de alívio. “Mais cedo ou
mais tarde”, disse ao seu companheiro. “Mais cedo ou mais
tarde.”
Bobby e seus conselheiros queriam esperar até 1972 para
lançar sua inevitável campanha à presidência, depois que
Lyndon tivesse finalizado seu segundo mandato e que o
caminho à Casa Branca estivesse desobstruído. Mas, de
novo, a história não ia esperar por Robert Kennedy.
 
Por volta das 16h30 do dia 6 de fevereiro de 1967, uma
gélida tarde de inverno em Washington, Bobby Kennedy
chegou à Casa Branca para uma reunião sobre a Guerra do
Vietnã com o presidente Johnson. O fato de voltar à Casa
Branca sempre fazia Kennedy se sentir tomado por um
desconcertante sentimento de melancolia. Porém, dessa
vez, ele ia se sentir mais agitado do que sombrio. Kennedy
acabara de regressar de uma viagem à Europa, durante a
qual encontrara o presidente francês Charles de Gaulle,
crítico ferrenho da guerra, e o diplomata francês
encarregado dos assuntos asiáticos, o qual transmitiu a
Kennedy um significativo recado de Hanói, um aceno em
direção à paz. Se o governo Johnson prorrogasse a
suspensão dos bombardeios que havia pouco anunciara,
ouviu Kennedy, o governo do Vietnã do Norte estaria
disposto a negociar com os Estados Unidos. Kennedy
estava querendo entregar essa mensagem diretamente a
Johnson, e agendou uma reunião na Casa Branca assim que
chegou a Washington.
Mas Johnson não estava interessado em ouvir falar de
conversas sobre a paz — especialmente por parte de um
emissário como Kennedy. As perambulações globais de seu
rival político em busca de uma política internacional para
os Estados Unidos, diferente da empreendida pelo atual
governo, já bastavam. Mas se intrometer na Guerra do
Vietnã — que então se tornara a maior agonia da vida de
Lyndon Johnson — era mais do que o presidente podia
aguentar. Mais uma vez, Kennedy parecia estar atuando
como se fosse o presidente, tratando Johnson como não
mais que um intruso na Casa Branca. LBJ permaneceu em
silêncio enquanto Bobby lhe apresentava o recado de Hanói
e suas próprias sugestões a respeito da maneira como
Johnson poderia finalmente acabar com a guerra. O
senador falou em pôr fim aos bombardeios americanos e
em um cessar-fogo monitorado internacionalmente e
acompanhado de negociações. Mas, assim que Kennedy
parou de falar, Johnson exclamou: “Bem, quero que saiba
que não vou seguir nenhuma dessas sugestões porque
vamos vencer a guerra, e todos os seus mensageiros da paz
estarão mortos daqui a seis meses”. Era um duro tapa na
cara. Kennedy sabia que LBJ queria dizer mortos
politicamente. Mas ficou enfurecido com o insultante
comentário. “Não tenho que aceitar isso de você”, retrucou
Kennedy, levantando-se. De volta ao seu escritório, ele
disse a seus assessores: “O que acabei de presenciar é
simplesmente inacreditável... Vocês sabem o que esse cara
disse? Esse maravilhoso ser humano que é o presidente dos
Estados Unidos?”. Mais tarde, ele relatou a Jack Newfield
que Johnson havia sido “muito agressivo... Estava gritando
e parecia muito instável”.
A transbordante represa de ressentimento mútuo e
hostilidade que Robert Kennedy e Lyndon Johnson haviam
lutado durante anos para conter — por suas próprias
motivações políticas — estava prestes a rebentar.
Envolvidos havia muito tempo em uma guerra política
secreta, ambos os homens agora estavam a ponto de levar
a briga às ruas. Essa batalha épica era alimentada por
inúmeras queixas pessoais e políticas. Mas no centro
estava o eterno ódio entre dois aspirantes ao mesmo trono.
Para Bobby, o homem errado estava sentado lá. Era simples
assim. Deveria ser Jack. E, se não fosse o seu irmão, então
deveria ser ele. Ninguém mais podia se encarregar do
legado Kennedy. Menos ainda o vociferante texano que
havia estabelecido residência na Casa Branca. “Quando
esse cara olha para mim”, queixou-se Johnson a John
Connally, falando de Kennedy, “ele me olha como se
estivesse vendo por um buraco através de mim, como se eu
fosse um espião ou algo parecido.”
Aos olhos de Bobby, Johnson havia pegado o sonho de
esperança e liberdade de JFK, que por algum tempo
transformara os Estados Unidos em farol do mundo, e o
arrastava pela lama da República Dominicana e do Vietnã.
E, para Johnson, RFK era um arrogante jovem príncipe
cujas aventuras diplomáticas garantiam o conforto e o bem-
estar dos inimigos.
LBJ disse indiretamente à imprensa que Kennedy não era
muito mais do que um crédulo comunista que havia se
deixado usar na “ofensiva da guerra psicológica” de Hanói.
E uma semana depois do encontro na Casa Branca, Johnson
fez com que o mundo soubesse o que ele achava da
iniciativa de paz de Kennedy ao retomar os bombardeios no
Vietnã do Norte. Kennedy disse a seu assistente Peter
Edelman “que Lyndon Johnson era tão louco que seria
literalmente capaz de prorrogar a guerra só porque Bobby
Kennedy era contra”.
Depois do ácido encontro na Casa Branca, Kennedy ficou
inconformado. Não via mais razões para abrandar suas
críticas contra a política de Johnson no Vietnã. Bobby
começou a entrar em contato com líderes de movimentos
contra a guerra, tais como Tom Hayden e Staughton Lynd
(o professor universitário que havia escrito um dos
primeiros artigos criticando a teoria do assassino solitário).
Kennedy — que havia pouco lera o livro dos dois homens
sobre a viagem que tinham feito a Hanói, The Other Side —
pediu a Jack Newfield, que o havia incentivado a falar com
Hayden, que organizasse um encontro. Para se esquivar do
inevitável alvoroço por parte dos críticos pró-guerra,
Kennedy pediu aos dois homens que entrassem
discretamente em seu apartamento de Nova York no
começo da tarde de 13 de fevereiro. Foi um encontro muito
tranquilo. Em determinado momento, Bobby, ao notar uma
espessa faixa de neblina subindo o East River, levantou-se
para telefonar a Con Edison e se queixar da poluição
gerada pela central elétrica da 14th Street. A conversa
sobre a guerra foi interrompida de novo quando o jovem
filho de Lynd derrubou refrigerante no carpete. “Não se
preocupe com isso”, disse Bobby, sintonizado, como
sempre, com os sentimentos das crianças. “Isso faz com
que os pelos cresçam melhor.” Foi o sentimento profundo
gerado por essa conversa, mais do que qualquer coisa que
tenha sido dita, que permaneceu nos três homens.
Aqui estava o membro mais celebrado do Senado
americano, um homem com enormes expectativas políticas
sobre os ombros, e ele estava se encontrando com dois
ativistas que não somente pertenciam à ala radical do
movimento contra a guerra, como também haviam viajado
até a capital do inimigo. Era o tipo de risco que nenhum
outro político americano que almejasse a Casa Branca teria
ousado assumir. Mas isso mostrava o quanto Robert
Kennedy havia se afastado do peso da tradição política.
Enquanto o país se dividia em relação à guerra e aos
conflitos raciais, e enquanto ruíam as certezas em sua vida,
Kennedy se mantinha num embalo de tirar o fôlego.
No dia 2 de março de 1967, ele fez um discurso sobre o
Vietnã perante o Senado que se mostrou um divisor de
águas. Todos em Washington estavam esperando seu
ataque contra Johnson. Naquela manhã — depois de Bobby
ter ficado acordado até as três da manhã para polir seu
discurso com Goodwin, Walinsky e Mankiewicz —, Ethel o
cumprimentou na cozinha de Hickory Hill: “Ave, César”.
Kennedy havia atravessado seu próprio Rubicão.2 Agora
estava a caminho da toca do leão em Capitol Hill. O
discurso, que pedia a cessação dos bombardeios e a
negociação do fim da guerra, era repleto do lindo linguajar
de Goodwin e Walinsky. Embora a guerra fosse distante e
não afetasse diretamente a maior parte dos americanos,
Kennedy pediu aos seus compatriotas que imaginassem os
horrores que estavam acontecendo no Vietnã em nome
deles. A guerra, disse ele, era “o vazio momento de medo
assombroso quando uma mãe e seu filho veem a morte pelo
fogo vindo de inimagináveis máquinas mandadas por um
país que mal conhecem”. Quem eram os Estados Unidos
para brincar de Deus dessa forma? Quem eram os
americanos para “assumir o papel de um anjo vingador que
espalha morte e destruição” do alto?
O próprio Walinsky achava que o discurso não ia
suficientemente longe, que falhava ao não questionar “as
premissas básicas da guerra, ou a lógica do governo”.
Edelman, outro jovem pacifista do escritório de Kennedy, o
chamou de “piegas”. Mesmo assim, era suficiente para
inflamar os belicistas de Washington. Richard Nixon disse
que o discurso de Kennedy teria “o efeito de prolongar a
guerra ao encorajar o inimigo”. Barry Goldwater acusou
Kennedy de estar fora de controle. “Trata-se de outro caso
em que ele meteu os pés pelas mãos. E se ele não parar, vai
acabar se ferindo.”
Johnson estava enfurecido com o ataque explícito que
Kennedy fizera à sua maneira de lidar com a guerra,
acusando Bobby de querer um “acordo desonroso”. Muitos
integrantes do círculo do senador pensaram que LBJ estava
se vingando ao deixar vazar uma história explosiva para o
colunista Jack Anderson, daquelas que atingiam
diretamente o ponto mais sensível de Bobby. No dia 3 de
março, um dia após o discurso de Kennedy, Anderson
escreveu: “O presidente Johnson está sentado sobre uma
bomba atômica política, um dossiê não oficial segundo o
qual o senador Robert Kennedy teria autorizado um complô
de assassinato [contra Fidel Castro] que poderia ter se
voltado contra seu falecido irmão”. A história do colunista
tinha tão pouco fundamento que o Washington Post e o
New York Post a descartaram. Porém, LBJ tentou
transformá-la em caso federal ao pressionar o procurador-
geral Ramsey Clark para que fizesse uma investigação, e
Dick Helms para que preparasse um relatório completo da
CIA sobre as acusações.
Por não ser um simples amador quando se tratava de
jogar na arena de Washington, Kennedy imediatamente
tomou iniciativas para dar um fim à história. Ele solicitou
um exemplar do relatório do FBI sobre a reunião no
Departamento de Justiça de 1962 em que a CIA o informou
pela primeira vez dos complôs da Máfia, para provar que
sua reação havia sido fulminante. E então telefonou para
Helms, convidando-o para almoçar. Não há registro do que
os dois conversaram naquele encontro de 4 de março. Mas
pode-se pensar que não foi apenas uma agradável conversa
para relembrar os velhos tempos. Ambos os homens tinham
um ódio mal reprimido um do outro, e devem certamente
ter se esforçado para chegar a um acordo. O que se sabe é
que, no dia 10 de maio, quando Helms apresentou a
Johnson, na Casa Branca, o relatório interno da CIA sobre
os complôs de assassinato contra Castro, ele não colocou a
culpa em Robert Kennedy.
LBJ sabia que Bobby Kennedy era um formidável
adversário político. No decorrer dos anos, Kennedy havia
juntado uma ampla quantidade de informações sobre as
corruptas transações de Johnson. Não há dúvida de que
RFK se preparou para usar esse arsenal envenenado caso a
batalha política entre eles se inflamasse. Foi isso que fez de
Robert Kennedy uma força rara e poderosa na política
americana — era um homem que podia recorrer aos mais
altos instintos da natureza humana, mas que também sabia
lutar com os punhos.
Dessa vez, Kennedy e Johnson lutaram, cada um tentando
parar o outro. Duas semanas depois da publicação da
coluna de Anderson, Bobby fez um discurso curiosamente
efusivo sobre LBJ em uma festa para arrecadar fundos para
o Partido Democrata, chamando-o de “excelente
presidente”. E Johnson nunca mais utilizou a bomba de
Cuba contra Kennedy.
Mas, à medida que os meses passavam, tornou-se claro
que Kennedy e Johnson estavam se dirigindo para um
confronto político definitivo. À medida que Bobby se
aproximava de momento de enfrentar Johnson na disputa
para a presidência, ele entendeu que precisava estar
preparado para uma das mais violentas campanhas da
história americana.
Era uma decisão dolorosa. A maior parte da velha guarda
do governo Kennedy — como Sorensen, Schlesinger e
Dutton — alertou-o para que não entrasse na campanha de
1968, temendo que ele dividisse o Partido Democrata e, a
longo prazo, arruinasse suas chances de chegar à Casa
Branca. A imprensa de Washington era hostil,
interpretando sua crescente oposição à guerra como uma
vendeta pessoal contra Johnson. Ao concorrer, não somente
Kennedy iria romper radicalmente com uma tradição ao
enfrentar o atual presidente em seu próprio partido, como
também iria, final e irrevogavelmente, virar as costas ao
governo de seu irmão, já que os legisladores-chave que
defendiam a guerra eram vestígios dos anos Kennedy —
McNamara, Bundy, Rusk, Rostow. Mas entrar na campanha
também seria a única maneira de redimir o legado de seu
irmão, ao mostrar ao país — e ao mundo — que a
desastrosa política de Guerra Fria de Johnson era uma
violação dos ideais de JFK.
Bobby estava preso no turbilhão das paixões políticas em
torno da guerra, dividido entre dois lados. Seus jovens
assistentes e os líderes contra a guerra suplicavam que ele
enfrentasse Johnson, dizendo-lhe que o destino da nação
estava em suas mãos. Mas ele ainda hesitava. Sabia que, ao
entrar na campanha, arriscava tudo.
Durante todo esse tormento com Johnson e a guerra,
houve um alto funcionário do governo de quem Kennedy
ficou próximo — Bob McNamara. Era uma relação que
desconcertava muito os jovens agitadores de sua equipe,
como Walinsky, que olhavam com desdém o principal
arquiteto intelectual da guerra, um homem que, segundo
Walinsky, havia sacrificado sua consciência em nome da
lealdade burocrática. Enquanto a guerra se agravava e
Johnson mantinha a promessa de que havia uma luz no fim
do túnel, McNamara foi ficando cada vez mais
desencantado. Ainda assim, ele continuava a enviar tropas
e ampliar a campanha de bombardeios.
Mesmo nos últimos momentos de McNamara no cargo —
quando LBJ se preparava para tirar o cada vez mais
atormentado secretário de Defesa do Pentágono e recolocá-
lo no Banco Mundial —, Kennedy esperava que ele fosse
rejeitar o prêmio de consolação de Johnson e romper
publicamente com o presidente a respeito da guerra.
Kennedy sabia que, se McNamara se juntasse a ele contra a
guerra, isso teria um impacto maior sobre o establishment
político. Kennedy se encontrou com McNamara depois que
sua saída do governo foi anunciada. E Edelman pensou que
seu chefe fosse pressionar o outrora todo-poderoso czar da
Defesa a concorrer com ele em uma campanha presidencial
contra a guerra.
Em vez disso, McNamara — o companheiro de sempre —
fez o que Johnson lhe pedira, trocou um poderoso cargo de
Washington por outro. Durante sua coletiva de imprensa na
despedida, segurando as lágrimas, ele defendeu Johnson.
“Muitos nesta sala acreditam que Johnson seja rude,
mesquinho, vingativo, maquinador, mentiroso. Talvez, de
vez em quando, ele tenha mostrado cada uma dessas
características. Porém, ele é mais, muito mais do que isso.”
Walinsky ficou enojado. “Quer dizer, o país está
desmoronando por causa da guerra que ele em boa parte
começou e esteve dirigindo o tempo todo — e então, de
repente, ele simplesmente se afasta, sem dizer outra
palavra. Desculpe-me?” Em resposta, Walinsky escreveu
uma contundente análise da relação Johnson-McNamara,
que, segundo o que sugeria, tinha uma perversa
caraterística senhor-escravo. Intitulado “Caesar’s Meat” [a
carne de César], o ensaio foi amplamente divulgado dentro
do círculo Kennedy, onde Ethel fazia parte daqueles que se
divertiam com sua perspicácia. McNamara fizera uma
escolha, escreveu Walinsky. “De uma dúzia de maneiras, ele
poderia ter preservado sua dignidade e liberdade; não
somente a liberdade de falar sobre a guerra, agora ou mais
tarde, não somente a liberdade de se juntar a Robert
Kennedy, se essa fosse sua escolha; mas sua liberdade
como homem, de se libertar da manipulação, de se libertar
da dominação de um homem mais baixo e mesquinho. Em
vez disso, ele escolheu a submissão.”
Ao subjugar o espírito de McNamara, continuou Walinsky,
LBJ estava enviando uma mensagem a Kennedy: “Você quer
me enfrentar? Então observe cuidadosamente o que estou
prestes a fazer. Vou pegar esse homem — com tudo o que
significa, tudo o que ele é, seu poder, sua habilidade e seu
caráter — vou pegar esse homem e reduzi-lo a nada. Vou
atingir sua espinha e quebrá-la, e ele vai dizer ‘obrigado,
senhor’.”
O próprio Kennedy não ouvira nenhuma crítica sobre
McNamara. Quando um jovem redator de discursos
chamado Phil Mandelkorn, que acabara de se juntar à
equipe do senador, quis apresentar uma nota a Kennedy em
que o aconselhava a se distanciar de McNamara “porque a
história ia mostrar que ele é culpado pela morte de uma
terrível quantidade de pessoas”, prontamente ouviu que
Kennedy e McNamara eram amigos e que o senador não
precisava de conselhos não solicitados. O membro da
equipe que enviou o recado a Mandelkorn — Walinsky —
certamente deve ter ouvido a mesma coisa.
Para Bobby, McNamara ainda carregava a aura dos anos
com Jack. Para ele, o secretário da Defesa sempre seria o
imponente intelectual que resistira aos generais, o homem
que ficou ao lado dos irmãos Kennedy durante a Crise dos
Mísseis de Cuba e ajudou a manter um mundo, que estava
girando rumo ao nada, dentro do controle seguro de sua
lógica humana. Depois que Jack se fora,  Bobby escrevera
uma carta a McNamara: “Caro Bob, gostaria que você
soubesse que não quero estar em Washington enquanto
você não for secretário da Defesa ou até algo mais. É você
que faz a diferença para todos nós”. Embora ele soubesse a
que ponto a relação entre Johnson e Kennedy estava
envenenada, McNamara continuou a frequentar Bobby e
sua família e a compartilhar com ele suas crescentes
dúvidas sobre o Vietnã.
Mas agora Bobby estava sozinho. O ex-secretário da
Defesa não ia pôr em risco seu prestígio juntando-se à
rebelde campanha de Kennedy. Mesmo assim, McNamara
ia fazer um gesto menor no interesse de Kennedy. Quase no
final da campanha de Bobby, pouco antes que terminasse
daquela forma violenta, McNamara concordou em aparecer
em um programa de TV para apoiar Bobby. Na propaganda,
o ex-secretário da Defesa elogiou a atuação racional de
RFK durante a Crise dos Mísseis de Cuba. “Eu não era
estúpido”, disse McNamara, rememorando sua decisão de
ajudar Kennedy. “Eu sabia que isso seria visto como uma
violação política de minha posição no Banco Mundial. E de
fato eu tive todo tipo de problemas no banco por ter feito
isso — houve telefonemas pedindo minha renúncia e coisas
parecidas. Mas segui adiante e fiz o que fiz. E graças a
Deus eu o fiz. Isso foi filmado no começo de maio de 1968.
E, claro, ele foi assassinado pouco tempo depois. Eu teria
me sentido muito mal se eu não tivesse feito isso.”
 
Ele se encontrava na ricamente decorada sala de conclave
do Old Senate Office Building naquela manhã de sábado de
março de 1968 — a mesma sala em que seu irmão havia
anunciado, oito anos antes, que ia concorrer à presidência
americana. “Eu não rejeito levianamente os perigos e as
dificuldades de enfrentar um presidente em exercício”,
declarou Robert Kennedy, acompanhado de rostos
familiares de campanhas passadas. “Mas não se trata de
tempos comuns, nem de uma eleição comum. O que está
em jogo não é a liderança de nosso partido nem de nosso
país. É nosso direito à liderança moral deste planeta.”
E então começou uma das mais terríveis e mais lindas
jornadas da história política americana — a paixão de
Robert Kennedy. Ele enxergou sua corrida à presidência de
maneira missionária: achou que a salvação dos Estados
Unidos estava em jogo. Mas houve quase uma desabusada
resignação em sua decisão de finalmente entrar naquela
batalha épica.
Foi a ofensiva do Tet, no final de janeiro de 1968, e a
quase virada do senador Eugene McCarthy sobre o
presidente Johnson na primária de New Hampshire, de 12
de março, que finalmente levaram Kennedy a entrar na
corrida. O impetuoso ataque dos vietcongues contra os
bastiões americanos, previsto para coincidir com o novo
ano lunar do país, expôs de forma dramática as vazias
promessas do governo Johnson de que a vitória era
iminente. E o surpreendente resultado de McCarthy na
primeira primária democrata expôs a fraqueza política do
presidente. Com a Casa Branca de Johnson invariavelmente
associada a sua desastrosa conduta no Vietnã, e outro
dissidente democrata ameaçando roubar sua base
antiguerra, Kennedy não podia mais se manter de lado.
Não houve euforia em torno do anúncio de RFK. Ele
estava entrando tarde na corrida, e, quando de fato entrou,
McCarthy já havia recuperado boa parte da energia rebelde
que existia no partido com sua “cruzada das crianças”
contra Johnson, focada nos jovens. O campo de McCarthy
sentiu amargamente a repentina intrusão de outro
glamoroso rival. O establishment pró-Johnson do partido
democrata também ficou alarmado e furioso com a
participação de Kennedy. E os especialistas políticos foram
profundamente céticos em relação a suas motivações. No
momento em que anunciava sua intimidante vontade de
ocupar o mais alto cargo, Robert Kennedy parecia mais
isolado do que nunca. Até mesmo alguns de seus
partidários-chave, como Dick Goodwin, estavam faltando,
depois de se juntarem à campanha de McCarthy, frustrados
diante da hesitação de Bobby.
E então um terrível ar de perigo pairou sobre seu
anúncio: a candidatura presidencial em 1968 não era
apenas politicamente arriscada, era fisicamente perigosa.
Kennedy sabia quantos inimigos mortais tinha, sabia que os
homens que haviam organizado o assassinato de seu irmão
ainda estavam livres. Em Dallas, ele ficara surpreso com o
fato de eles não o terem matado no lugar de Jack. Desde
então, ele acabou sendo alvo de inúmeras ameaças de
morte.
Poucos dias depois do anúncio de RFK, Jackie Kennedy
teve uma conversa particular com Arthur Schlesinger
durante uma festa em Nova York. “Você sabe o que acho
que vai acontecer com  Bobby? A mesma coisa que
aconteceu com Jack.” De fato, comentou ela, Bobby
provocara mais ódio entre seus inimigos do que Jack. “Eu já
disse isso a Bobby”, disse ela, mas ele ignorou seus
temores.
Depois de assistir ao anúncio de Kennedy na TV de um
quarto de hotel em Portland, Oregon, onde estava fazendo
campanha pela nomeação republicana, Richard Nixon
desligou o aparelho e ficou olhando para a tela vazia por
um bom tempo. Finalmente, ele falou, meneando a cabeça.
“Acabamos de ver o despertar de forças terríveis”, disse
aos quatro ou cinco assistentes que estavam no quarto.
“Algo ruim vai sair disso.” E fez um gesto com a mão em
direção à tela. “Deus sabe aonde isso vai levar.”
Em uma reunião de representantes do FBI organizada
logo que a campanha de Kennedy levantou voo, Clyde
Tolson — amigo íntimo e assistente de longa data de
Hoover — chocou o grupo ao cuspir seu ódio contra Bobby.
“Espero que alguém atinja e mate o filho da puta.”
Kennedy sentiu o perigo, mas mergulhou na campanha
sem proteção contra a frenética energia das multidões ou
qualquer outra coisa que estivesse à espreita, prestes a
atingi-lo. “Viver cada dia é como uma roleta-russa”, disse
ele a Newfield. Ele se afeiçoara à máxima de Emerson,
copiando-a em seu caderno e sublinhando-a: “Faça aquilo
que tem medo de fazer”.
Embora o establishment estivesse profundamente
desconfiado em relação a Kennedy, as multidões que se
apressavam pelas ruas e lotavam auditórios para vê-lo,
quando ele levou sua campanha para o Meio-Oeste e até a
Costa Oeste naquela primavera, ficavam desesperadas para
tocá-lo. Era mais um êxtase religioso do que uma
celebração política. Elas o agarravam, arrancavam-lhe
cabelos e roupas, e até tiraram os sapatos de seus pés.
Depois de anos de morte, tumultos e guerra, elas queriam
voltar a ter esperança.
JFK, com o corpo sempre contraído na expectativa da dor,
havia recuado diante da balbúrdia da campanha. Ele não
gostava de ser agarrado e abraçado. Mas Bobby exultava
com isso. Sua dor era de outro tipo. E ele se sentia
libertado pelo aperto da multidão. Mostrava as marcas de
arranhões, os lábios rachados, as mangas da camisa
rasgadas como um flagelo sagrado. Enquanto mergulhava
nas ruidosas e agitadas multidões que inevitavelmente o
recebiam — nesse coração ferido da democracia americana
—, às vezes Kennedy mostrava um ar aflito. Porém, nunca
recuou diante do público. Ele sabia que essa corrente de
energia popular que o cercava era a única força capaz de
derrotar a máquina política erguida contra ele.
Seus assistentes viviam com medo dos riscos físicos que
ele corria. Um dia, nos arredores de Sacramento, Kennedy
subiu em uma escada dentro de um shopping para
discursar diante de uma ampla e ruidosa multidão. Seus
discursos nunca eram galvanizantes, no velho estilo de
Boston; eram mais pausados e reflexivos. Mas ele sabia
como tocar o lado emotivo de seu público, e naquele dia ele
tocou no coração da turbulenta multidão ao evocar as
tragédias pessoais da guerra. “Quem entre esses jovens
corajosos que estão morrendo nos arrozais do Vietnã
poderia ter escrito uma sinfonia?”, disse com voz calma.
“Quem entre eles poderia ter escrito um lindo poema ou
descoberto a cura do câncer? Quem deles poderia ter
jogado na World Series ou nos ter feito rir em um palco, ou
ajudado a construir uma ponte ou uma universidade? Quem
deles poderia ter ensinado uma criança a ler? É nossa
responsabilidade deixar esses homens viverem.”
O eloquente discurso suscitou uma grande e demorada
onda de aplausos. Porém, depois, enquanto Kennedy se
dirigia para a saída do shopping, a multidão “de repente se
tornou algo vivo e perigoso”, nas palavras de um repórter
presente no local. Procurando abrir caminho no meio da
multidão que surgia, Kennedy teve que se abaixar para
resgatar uma criança que havia sido projetada ao chão.
Quando finalmente alcançou seu carro conversível e subiu
no porta-malas, ele quase foi arrancado do carro. O guarda-
costas de Kennedy, Bill Barry, ex-astro de futebol
universitário e agente do FBI, caiu de joelhos, passando os
fortes braços em volta da cintura de Bobby para evitar que
ele fosse engolido pela multidão.
Naquele dia, Barry era a única proteção de Kennedy,
assim como fora durante a maior parte de sua tumultuosa
campanha. “Eu gostava muito dele como ser humano, por
suas qualidades”, disse Barry mais tarde. “Eu queria que
ele se tornasse presidente dos Estados Unidos pelo bem de
meus filhos e das futuras gerações. Para mim, não era
apenas um trabalho. Era algo para o qual a vida havia me
qualificado. Era o meu talento de malabarista.” O candidato
deixara claro para sua equipe que não haveria cordões de
guardas em torno dele, nenhuma barreira entre ele e as
multidões. O pobre Barry era a única pessoa encarregada
da segurança em tempo integral de Kennedy. E isso iria
atormentar Barry pelo resto da vida.
Os mais próximos confidentes políticos de Kennedy lhe
disseram que Bill Barry não era suficiente — que ele
precisava de mais proteção. Ed Guthman, como sempre,
era um deles. Tirando uma folga do Los Angeles Times, foi
até Indiana para observar a campanha das primárias
durante alguns dias. “Fiquei abismado com o que vi, não
havia nenhuma segurança”, disse-me Guthman. “Chamei
Bobby e ele disse: ‘Vamos dar uma volta’. Bem, eu sabia o
que isso queria dizer. Na manhã seguinte, levantamos às
seis da manhã e fomos dar uma volta em um campo atrás
do motel onde eles todos estavam hospedados. E eu lhe
disse: ‘Estive observando na noite passada, Bob — você não
tem muita proteção’. E ele respondeu: ‘Ah, não quero ter
um monte de policiais ao meu redor’. Falei: ‘Vamos deixar
de lado o fato de você ter mulher e dez filhos, com o décimo
primeiro a caminho — você é muito importante para este
país’. Mas ele não fez nada.”
No começo de abril de 1968, a campanha de Kennedy
focou uma série de grandes comícios em Indianápolis para
dar o impulso necessário à importante eleição primária de
Indiana. Enquanto um assessor encarregado das viagens
cuidava dos preparativos para as futuras aparições de
Bobby na cidade, alguns documentos federais mais tarde
revelaram que ele estava sendo espionado pelo FBI. No dia
3 de abril, um funcionário do birô, encarregado do
escritório local, escreveu sinistramente em uma nota que
“os comícios de Kennedy agendados para o dia 4 de abril
em Indianápolis podem sofrer algum tipo de violência
apenas para incomodar o senador Kennedy”. O documento,
muito grifado — e que foi obtido pelo estudioso Joseph A.
Palermo graças à Lei de Liberdade da Informação3 —,
sugere que a campanha de Kennedy era alvo, por parte do
sempre bem documentado FBI, de táticas sujas iguais às
usadas contra a organização de Martin Luther King e
outros grupos de ativistas.
Porém, foi uma calamidade muito maior que interrompeu
os planos da campanha de Kennedy em Indianápolis. Na
hora em que seu avião pousou na cidade aquela noite, o
candidato foi informado de que o reverendo King havia
morrido, depois de receber na mandíbula um tiro de um
atirador de tocaia enquanto estava na varanda de um motel
de Memphis. King havia ido a Memphis para liderar uma
marcha de greve dos garis negros, como parte de sua
crescente campanha para vincular o problema racial ao
problema da exploração econômica.
Quando Kennedy recebeu a notícia, ele estava se
dirigindo para um dos mais pobres bairros negros de
Indiánapolis, aonde ia formalmente inaugurar o escritório
principal de “Kennedy for President” no estado durante um
comício ao ar livre. O chefe da polícia o alertou para não ir
até o gueto. A morte de King provocara violentos tumultos
que estavam se espalhando por todo o país, inclusive pela
capital da nação, onde chamas iluminavam o céu a poucos
quarteirões do Capitólio. Mas Kennedy insistiu em manter o
comício. Quando chegou ao seu destino, estava escuro e
frio. Ele atravessou a multidão e subiu na plataforma de um
caminhão iluminado por holofotes que criavam um brilho
lúgubre e tremulante ao forte vento. Naquela noite, foi
Kennedy que trouxe a terrível notícia às pessoas — a
multidão respondeu com um enorme gemido como se
tivesse sido socada no ventre. E foi ele que as consolou. Ele
era o único líder branco do país a quem eles permitiam
fazer isso.
Naquela noite não houve discurso — quando um
assistente se precipitou para ele de antemão com um papel
resumindo os pontos do discurso, Kennedy amassou as
anotações, colocando-as no bolso. Ele falou com o coração,
lentamente e com voz suave, como se os estivesse
reconfortando em uma sala de estar depois de ter dado a
notícia de que um ente querido havia morrido. E eles
escutaram calmamente na triste noite porque, como ele
lhes lembrou, ele também sofrera a perda de um ente
querido.
“Para aqueles entre vocês que são negros e tentados a
sentir ódio e desconfiança contra todos os brancos diante
da injustiça desse ato, posso apenas dizer que também
tenho o mesmo tipo de sentimento em meu coração. Um
membro de minha família foi assassinado, porém foi morto
por um homem branco. Mas precisamos nos esforçar para
entender, para superar esses tempos bastante difíceis.” Era
a primeira vez que Kennedy citava a morte de seu irmão
em um discurso público nos Estados Unidos. E então ele
compartilhou com a multidão a forma como aprendera a
suportar o insuportável. Citando o trecho de Ésquilo que
sabia de cor, ele lhes lembrou o que já sabiam, que apenas
o tempo ia transformar seu pesar em algo maior: “E mesmo
no nosso sono a dor que não pode esquecer cai, gota a
gota, sobre o coração, e para nosso desespero, contra
nossa vontade, vem a nós a sabedoria pela sublime graça
de Deus”. Finalmente, ele os incentivou a não revidar com
ódio, mas a honrar a mensagem de paz de King. “O que
precisamos nos Estados Unidos não é da divisão; o que
precisamos nos Estados Unidos não é do ódio; o que
precisamos não é da violência ou da anarquia; mas de amor
e sabedoria, de compaixão uns com os outros, e de um
sentimento de justiça em relação àqueles que ainda estão
sofrendo em nosso país, sejam brancos ou negros.”
Ao contrário de várias outras cidades americanas,
Indianápolis não pegou fogo naquela noite. A multidão o
escutou porque sabia que não eram apenas palavras, que
Bobby ia continuar a cruzada de King.
Porém, o próprio Kennedy sabia quanto sua tarefa era
impossível, quanto o país estava fraturado e sangrando.
Uma noite depois da morte de King, Bobby chegou à casa
de Pierre Salinger em Los Angeles, bem no alto de
Coldwater Canyon. Em determinado momento daquela
noite, o filho de dezesseis anos de Salinger, Stephen, ficou
sozinho com Kennedy, e o adolescente colocou uma de suas
canções preferidas na vitrola da sala de estar para Bobby. A
canção era “7 O’Clock News/Silent Night”, de Simon &
Garfunkel, uma contundente justaposição de terríveis
manchetes de noticiário com a tranquilizadora melodia de
uma canção natalina. Enquanto o rádio anunciava
rapidamente uma sinistra lista de notícias — Vietnã, lutas
pelos direitos civis, massacres, overdose de celebridades —
a dupla cantava suavemente “Tudo está tranquilo, tudo
está radiante”.4 Enquanto a canção tocava na sala de estar
de Salinger, Kennedy, calado, olhava pela janela as
cintilantes luzes de San Fernando Valley, abaixo. “Depois
que a canção terminou, Bobby virou a cabeça”, disse o filho
de Salinger, relembrando-se desse momento anos depois.
“E seus olhos estavam cheios de lágrimas. Ele não disse
nada.”
 
“Queremos saber quem matou o presidente Kennedy!”,
gritou uma jovem mulher na multidão. Outros estudantes
seguiram seu apelo, gritando: “Abram os arquivos!”. Bobby
primeiro tentou ignorá-los, mas finalmente cedeu. “O
comportamento de vocês não me deixa outra opção”, disse,
um tanto irritado. “Vamos lá, façam suas perguntas.”
Era 25 de março de 1968, uma tórrida tarde no campus
da Universidade Estadual de San Fernando Valley, em
Northridge, Califórnia. Kennedy acabara de fazer um
discurso de campanha diante de uma tumultuosa multidão
de 12 mil pessoas, que lotava o campus e até havia subido
nos telhados para ouvi-lo. Porém, depois, durante as
perguntas, ele finalmente foi confrontado com a
atormentadora questão que, como ele sabia,
inevitavelmente surgiria assim que ele entrasse na
campanha. Se fosse eleito presidente, ele iria reabrir as
investigações sobre a morte de seu irmão?
Durante anos ele havia aprovado publicamente o
Relatório Warren, enquanto perseguia sua própria
investigação privada. Mas Kennedy detestava a sorrateira
mentira na vida política — enxergando LBJ como um de
seus piores perpetradores — e o crescente “rompimento de
credibilidade” entre aqueles que ocupavam o poder e o
público. Na disputa de 1968, ele claramente achava difícil
continuar a enganar o público com relação a sua
verdadeira opinião sobre a investigação Warren. Mas então
ele percebeu exatamente como seriam explosivas as
reações se as manchetes de repente ecoassem “Kennedy
Rejeita o Relatório Warren”. Não somente isso faria com
que o assassinato se tornasse a questão principal da
campanha — em vez do Vietnã e das crescentes fraturas
sociais do país — como poderia colocar Kennedy ainda mais
em perigo no decorrer da corrida eleitoral. A questão do
assassinato era um dilema crescente para Bobby, que havia
prometido tornar sua campanha mais agressiva à medida
que a disputa progredisse.
Quando, de repente, ele ficou diante desse problema
levantado por estudantes agitadores no campus da
Universidade Estadual de San Fernando, Kennedy parecia
pronto para enfrentá-lo, e sua resposta foi sutil e
surpreendentemente diferente da resposta padrão do
passado. De fato, ele adotou um meio-termo, aprovando
mais uma vez o Relatório Warren (embora com certa
hesitação dessa vez), enquanto ao mesmo tempo deixava a
porta aberta para reabrir o caso. Rick Tuttle, um jovem
coordenador de campanha que estava sentado logo atrás
do candidato naquele dia, relembrou-se mais tarde da
atitude de Kennedy no momento em que respondia à
pergunta carregada de significado emocional e político:
“Lembro-me de que suas mãos tremiam levemente, o que
acontecia com frequência quando Kennedy discursava, pois
havia uma leve tensão. Mas lembro-me também de ter dito
a mim mesmo: ‘Ele se preparou para essa pergunta’.
Lembro-me de que ele se saiu bem. Não esqueça — naquela
altura, já havíamos ultrapassado o período de luto, e ele
estava concorrendo a presidente, havia entrado nesse
mundo. Ele estava preparado para lidar com isso. Não era
mais uma daquelas épocas em que ele gaguejava muito ou
se sentia destroçado, pesaroso”.
O que Kennedy disse precisamente naquele dia, como foi
registrado por um repórter da rádio KLAC de Los Angeles,
foi o seguinte: “Vocês queriam me perguntar algo sobre os
arquivos. Tenho certeza, como já disse antes, que os
arquivos vão ser abertos”. A multidão respondeu vibrando e
aplaudindo. “Posso apenas dizer”, prosseguiu Kennedy, “e
já respondi a essa pergunta antes, que não há ninguém
mais interessado em todo esse assunto, em saber quem foi
responsável pela... pela... morte do presidente Kennedy do
que eu. Vi todas as questões nos arquivos. Se eu me tornar
presidente dos Estados Unidos, não vou... não vou reabrir...
o Relatório da Comissão Warren. Acho... eu apoio o
Relatório da Comissão Warren. Vi os arquivos, os arquivos
estarão disponíveis no momento adequado.” Diante dessa
declaração, a multidão de novo reagiu com ruidosa
vibração.
A declaração de Kennedy era de difícil equilíbrio. Sua
resposta era tão cuidadosamente elaborada que alguns
pesquisadores do assassinato mais tarde concluíram que se
tratava simplesmente de outro exemplo da curiosa recusa
de Bobby em promover uma nova investigação. Mas não foi
assim que os estudantes ouviram a resposta de Robert
Kennedy naquela tarde. Eles foram levados a ovacioná-lo
porque ele concordava em que os arquivos do governo
sobre o assassinato fossem abertos — e abrir os arquivos
queria dizer reabrir o caso. Quando ouviram Kennedy se
comprometer com o fato de que a prova de investigação do
governo “ficaria disponível no momento adequado”, para
eles isso quis dizer: quando Bobby se tornasse presidente.
Os estudantes que ovacionaram Kennedy não foram os
únicos a interpretar sua resposta dessa maneira. Também
foi o caso de seu assessor de imprensa, Frank Mankiewicz,
um homem que controlava de perto tudo o que o candidato
dizia em público e a quem Kennedy pedira que reunisse
informações sobre o assassinato para uma futura
investigação. Em resumo, Mankiewicz era a pessoa ideal
para ler corretamente as nuances da resposta de Bobby —
e para entender o significado do que ele dissera. Para
Mankiewicz, não havia dúvida: Kennedy estava apelando
para a futura reabertura do caso de assassinato de seu
irmão. “Lembro-me que fiquei surpreso com a resposta”,
disse Mankiewicz. “Era como se de repente ele estivesse
deixando escapar a verdade, ou era uma maneira de
impedir qualquer outro questionamento. Sabe, ‘Sim, vamos
reabrir o caso. Agora, vamos seguir adiante’.”
No mês seguinte, Kennedy falou de forma esclarecedora
sobre seus futuros planos de investigação, dessa vez diante
de alguns grupo de assistentes de campanha, em seu
quarto do Fairmont Hotel, em San Francisco. Era tarde na
noite de 19 de abril, e Kennedy acabara de voltar de um
agitado discurso na Universidade de San Francisco, em que
um pequeno grupo de radicais antiguerra o havia acusado,
gritando: “Vitória para os vietcongues” e chamando-o de
“porco fascista”. Relaxando em seu quarto de hotel,
Kennedy estava com um humor instável, querendo falar
sobre o estado caótico da nação e seus planos para
restaurar o bom senso no país se ele chegasse à Casa
Branca. Estimulado pelo humor expansivo de Kennedy, um
de seus assistentes tomou coragem para lhe fazer uma
pergunta sobre o assassinato de seu irmão. Richard Lubic,
um consultor de mídia da campanha que estava no hotel,
mais tarde escreveu uma nota sobre o que Kennedy havia
respondido: “Caso eu seja eleito, vou querer reabrir a
Comissão Warren”.
 
***
 
No momento em que sua campanha chegava às decisivas
primárias da Califórnia, Bobby Kennedy estava começando
a lutar contra uma série de grandes problemas que ele
sabia que iria enfrentar uma vez presidente. Um deles era
a CIA. “O que ele iria fazer com a agência?”, perguntou-se
um dia em voz alta, no avião da campanha, com Pete
Hamill, um dos jornalistas que se tornou tão próximo de
Kennedy que passou a escrever discursos para ele. “Preciso
decidir se elimino o braço operacional da agência ou que
diabo faço com ele”, disse Kennedy a Hamill. “Não
podemos ter esses caubóis soltos por aí, atirando nas
pessoas e fazendo um monte de coisas não autorizadas.”
Fred Dutton, o veterano político que havia servido de
diretor informal da campanha de Kennedy, mais tarde
confirmou que o candidato estava começando a enfrentar a
questão da CIA. Kennedy achava que a agência “estava fora
de controle”, disse Dutton. “A CIA ia ser assunto de
conversas” durante a corrida eleitoral, disse o assessor de
Kennedy — “apenas seu descontentamento com ela”. Mas
os abusos da agência nunca se tornaram pauta de
campanha. “Minha reação na época foi: vamos ganhar a
campanha e nos preocupar com esse problema depois”,
disse Dutton.
A épica batalha de Kennedy pela presidência estava
chegando à Califórnia. Ele vencera suas primeiras
primárias, em Indiana e Nebraska, mas a campanha estava
longe de ser a “máquina bem lubrificada” que Richard
Reeves retratara na revista do New York Times. Ela
avançava com uma instável estrutura organizacional
improvisada e com energia espontânea. Não havia uma
mão segura para dirigi-la, como houvera na corrida
eleitoral de JFK em 1960. “Bobby não tinha um Bobby”,
disse Edelman.
As fraquezas da campanha foram expostas no dia 28 de
maio, quando Kennedy perdeu as primárias de Oregon
contra McCarthy — a primeira derrota eleitoral já sofrida
por um Kennedy. Se também perdesse na Califórnia na
semana seguinte, seria provavelmente o fim de sua
campanha.
Kennedy estava travando uma difícil guerra em duas
frentes, lutando não somente contra o candidato rival da
paz como também contra a escolha do establishment do
partido, o insosso e afável Hubert Humphrey, cuja posição
de favorito estava assegurada pelo processo secreto de
seleção de candidatos que ainda operava em 1968.
Humphrey, vice-presidente de LBJ, de fato havia entrado na
campanha como suplente pró-guerra de Johnson. No dia 31
de março, Johnson surpreendera a nação ao anunciar que
não ia concorrer à eleição presidencial. O líder ferido não
podia correr o risco de sofrer uma derrota contra seu
inimigo de longa data. Porém, a rivalidade entre Johnson e
Kennedy continuava como um teatro de sombras com a
entrada de Humphrey na disputa. Embora tivesse
prometido ficar neutro na competição democrata, LBJ
trabalhava com Humphrey em segredo para prejudicar
Kennedy sempre que podia. Relutante em testar sua
popularidade contra a de Kennedy nas primárias,
Humphrey usou a máquina partidária para conseguir
delegados enquanto substitutos tomavam seu lugar nos
escrutínios dos estados. (Na Califórnia, o substituto de
Humphrey era o procurador-geral do estado, Tom Lynch.)
Enquanto isso, McCarthy lutava com veemência. Apesar
de sua vitória em Oregon — onde a população suburbana
branca se identificava com o charme cerebral do ex-
professor —, até McCarthy, excêntrico e reservado, sabia
que suas chances de ganhar a indicação eram remotas. Em
vez disso, ele parecia cada vez mais disposto a estragar as
chances de Kennedy. McCarthy, depois de ter assumido o
risco inicial de enfrentar Johnson, nunca se desfizera do
ressentimento que sentia pelo fato de Kennedy também ter
entrado na disputa eleitoral.
À medida que a campanha na Califórnia esquentava, as
campanhas de Humphrey e McCarthy pareciam estar
unidas para tirar Kennedy da disputa. Os vínculos entre
elas começaram a se firmar quando um antigo funcionário
da CIA chamado Thomas Finney, que era próximo de
Humphrey, assumiu o cargo de diretor de campanha de
McCarthy nas últimas semanas da campanha no Oregon. O
repentino surgimento de Finney como chefe de campanha
de McCarthy — e relatórios demonstrando que os
partidários de Humphrey haviam encaminhado 50 mil
dólares a McCarthy — levou alguns membros da equipe do
candidato da paz a pedir demissão em protesto. É possível
que a CIA e o establishment do Partido Democrata tenham
trabalhado pela divisão do voto pacifista para conseguir a
indicação de Humphrey. Porém, o próprio McCarthy era
surpreendentemente popular nos círculos da CIA, em que
Kennedy era odiado e havia um crescente
descontentamento em relação à guerra, considerada por
alguns funcionários da inteligência como prejudicial aos
interesses da segurança nacional. Dick Helms — que
avisara o presidente Johnson em um relatório secreto de
1967 que a CIA acreditava que ele podia se retirar do
Vietnã sem danos permanentes para os Estados Unidos —
era um dos simpatizantes de McCarthy no alto escalão da
agência. Com o decorrer dos anos, escreveu Helms em sua
biografia, ele e o senador de Minnesota “almoçaram
ocasionalmente e se encontraram nos habituais eventos de
Washington, ou como convidados do camarote de Jack Kent
Cooke em partidas de futebol. McCarthy sempre era uma
boa companhia, inteligente e espirituoso”.
Ainda se recuperando de uma derrota no Oregon e
encurralado na Califórnia pelos dois rivais democratas,
RFK estava enfrentando um desastre político. Se sua
campanha fracassasse na Costa Oeste, não somente seria
uma humilhação pessoal, como também o fim da cruzada
nacional de Bobby para reviver o sonho dos Kennedy. Mas a
Califórnia não era o Oregon. Ali vivia uma grande
quantidade de operários brancos e eleitores negros e
hispânicos, que eram sua base. Também era um estado
supermidiatizado e deslumbrado com sua própria aura
estrelada. E nas semanas anteriores às primárias da
Califórnia de 4 de junho, os partidários de Kennedy
despertaram. Enquanto percorria de alto a baixo o estado
do tamanho de uma nação, trabalhando dezessete horas
por dia, Kennedy era cercado por multidões ruidosas. Na
enorme cidade rural de Fresno, no Central Valley, a
multidão derrubou as barreiras no aeroporto, quando ele
saiu do avião, engolfando-o. “Toquei nele. Toquei nele!”,
gritou uma garota. “Vou ficar uma semana sem lavar a
mão!”
Seus comboios através das ruas da Califórnia foram
manifestações de extática democracia. No momento em
que seu carro conversível de campanha completava o lento
e sinuoso percurso em meio às multidões em histeria, sua
camisa saiu da calça, grudando em suas costas por causa
do suor, enquanto seus antebraços ficaram arranhados,
sangrando, e suas abotoaduras e o prendedor de gravata
PT-1095 desapareceram. Porém, o espírito do candidato
rejuvenesceu.
Nos bairros negros de South Central Los Angeles, as
adolescentes corriam ao lado do carro, tentando alcançar
suas mãos estendidas para fora, enquanto Bill Barry se
agachava ao lado dele, segurando o corpo leve de Bobby
com todas as suas forças. As mulheres se precipitavam
para fora das casas e dos salões de beleza com bobes na
cabeça, e os homens saíam correndo dos bares — todos
queriam vê-lo, chamá-lo, tocá-lo. Os jornalistas que
acompanhavam o candidato no carro observavam,
incrédulos, a explosiva energia que ele despertava. “Esse é
o meu povo”, disse Kennedy. Era a disputa eleitoral de sua
vida, e Kennedy estava colocando sua própria alma nela. As
pessoas nas ruas respondiam com um fervor que parecia
uma fome selvagem.
Kennedy era recebido com a mesma frenética celebração
nos bairros latinos, em que as multidões gritavam “viva
Bobby!” e grupos de mariachis faziam serenatas com
coloridas versões do tema populista de Woody Guthrie
“This Land Is Your Land”. O grande número de eleitores
mexicano-americanos do estado estava sendo mobilizado
pelo sindicato United Farm Workers, cujo carismático líder,
César Chávez, era devotado a Kennedy desde quando o
senador havia abraçado a causa do UFW.6 Em 1966,
Kennedy promovera audiências na Califórnia em nome do
sindicato, cuja pacífica liderança católica e a árdua luta
contra a indústria do agronegócio do estado haviam tocado
profundamente o senso de justiça do senador. Este levara
xerifes locais antissindicais perante o júri — o tipo de
homens da lei caipiras que vinham fustigando os
trabalhadores rurais da Califórnia desde a época de As
vinhas da ira7 —, submetendo-os ao mesmo tipo de
interrogatório que os gângsteres outrora haviam sofrido
nas mãos de Kennedy, sugerindo causticamente que lessem
a Constituição dos Estados Unidos antes de prender
ilegalmente outros membros do UFW.
Grande parte do movimento sindical estava sob o controle
de líderes pró-guerra que apoiavam firmemente Humphrey.
Mas membros do UFW se espalharam por todo o estado
para apoiar Bobby, inclusive o próprio Chávez, que — ainda
debilitado devido a uma longa greve de fome em protesto
contra as condições dos trabalhadores rurais — empenhou-
se tanto para apoiar Kennedy que teve que ficar de cama
durante o ano seguinte. Toda essa campanha do sindicato
ia ser decisiva para Bobby. “Era uma manifestação de
respeito, admiração e amor”, disse Chávez. Kennedy havia
ajudado os trabalhadores rurais quando eles mais
precisavam — e agora eles iriam retribuir.
Nos últimos dias da campanha, Kennedy estava tão
esgotado que parecia dormir em pé nos eventos. Em uma
viagem de avião até Los Angeles, o candidato agarrou Jack
Newfield enquanto ele percorria o corredor com um
bloody-mary na mão, convidando-o a se sentar em uma
poltrona vazia na sua frente. Ele queria conversar sobre
Bob Dylan, cujas músicas Newfield lhe havia
insistentemente recomendado. Kennedy tinha dificuldade
em ouvir a voz de Dylan, que achava chorosa. Porém,
depois de ouvir Bobby Darin, cujo estilo vocal era mais de
seu gosto, cantar “Blowin’ in the Wind” em um comício da
campanha, de repente ele se sentiu curioso em relação ao
compositor. “Você acha que pode me apresentar a Dylan?”,
perguntou para Newfield. Ao conversar de forma tão
próxima no avião, o jornalista ficou surpreso diante da
aparência extenuada de Kennedy: “Seu rosto parecia o de
um velho; tinha rugas que eu não havia visto antes. Os
olhos estavam inchados e vermelhos, e afundados na
cavidade orbital. As mãos tremiam, como acontecia com
frequência quando ele falava em público”.
O dia 3 de junho, o último da campanha, foi o mais
cansativo de todos, com uma maratona de doze horas que
levou Kennedy de Los Angeles a San Francisco e Long
Beach, passando por Watts, e então para San Diego para
um comício de noite e finalmente de volta a Los Angeles.
Em San Francisco, ele passou por Chinatown, como
sempre, em um carro aberto, de maneira que as pessoas
pudessem vê-lo. “Ele sentia que precisava andar de
conversível porque seu irmão havia sido morto em um
conversível”, observou Newfield. Quando uma rajada de
bombinhas de repente irrompeu no ar, tão violenta quanto
um tiro, Ethel — grávida do último filho deles — se deitou
em posição fetal no banco do carro, tremendo visivelmente.
“Eu estava andando ao lado do carro”, lembrou-se John
Seigenthaler, que havia tirado uma folga do Nashville
Tennessean para ajudar a campanha de seu velho amigo.
“Vi um verdadeiro terror nos olhos de Ethel. Também eu
fiquei totalmente aterrorizado.” Mas Bobby permaneceu
ereto, acenando, recusando-se a mostrar medo.
No momento em que chegaram a Long Beach, Kennedy
estava bêbado de cansaço, tropeçando quase
inconscientemente em seu discurso. Quando voltou ao
carro, Fred Dutton disse algo óbvio: “Você teve um
pequeno problema com seu discurso desta vez”. Kennedy
confessou que não estava se sentindo bem, algo que
normalmente ele teria escondido de sua equipe.
O evento final desse longo dia de viagens foi um comício
no El Cortez Hotel, em San Diego. Havia tantas pessoas
que foi necessário dividi-las em dois grupos, e Kennedy foi
obrigado a fazer dois discursos, um atrás do outro. Depois
do primeiro, ele saiu do palco e desmoronou em uma
cadeira, colocando o rosto nas mãos. Bill Barry e Rafer
Johnson, o ex-atleta olímpico que estava ajudando como
guarda-costas voluntário, levaram Bobby, que estava
sofrendo, para o toalete masculino. Ele não vomitou,
insistiu mais tarde para Dutton, apenas ficou tonto por
alguns minutos. “Eu só fiquei sem energia”, disse ele. Mas
se recompôs mais uma vez para voltar ao palco e fazer o
último discurso da campanha. E então acabou. O destino
político de Kennedy estava nas mãos do povo da Califórnia.
 
No dia da eleição, Kennedy estava descansando na casa de
praia de John Frankenheimer, em Malibu, com Ethel e seis
de seus filhos. Os filmes sobre a Guerra Fria do diretor, Sob
o domínio do mal e Sete dias em maio, haviam sido
considerados por JFK mensagens de alerta contra os
impulsos totalitários de Washington. E quando Bobby
entrou na disputa presidencial, Frankenheimer se declarou
voluntário para dirigir suas aparições televisivas, tentando
retratar a eletricidade da campanha ao seguir o candidato
com sua câmera. Os dois homens se aproximaram durante
a corrida eleitoral, e Frankenheimer até conseguiu que
Bobby lhe falasse sobre suas suspeitas em relação a Dallas.
Mas quando o diretor tocou cuidadosamente em um dos
aspectos do caso — os vínculos entre Joe Kennedy e o crime
organizado e como a Máfia podia ter se sentido traída pela
família — Bobby deixou claro que esse assunto estava
extrapolando os limites. Frankenheimer era
suficientemente sensível para não insistir, e Kennedy se
sentiu bastante confortável com o diretor para aceitar seu
convite e usar a casa de praia como retiro longe do tumulto
da campanha.
Nove dias antes do dia da eleição, Kennedy havia
relaxado no domingo de tarde na casa de Frankenheimer
com um grupo de partidários do mundo do entretenimento
que incluía Warren Beatty, Shirley MacLaine, Burt
Bacharach, Angie Dickinson e Jean Seberg. Enquanto
falava com Kennedy, o marido de Seberg, o escritor francês
Romain Gary, de repente exclamou o que todos achavam
terrível demais mencionar: “Você sabe, não sabe, que
alguém está tentando matá-lo?”. A sala caiu no silêncio.
Mas Kennedy, de sunga e sentado com as pernas cruzadas
no chão, olhou simplesmente para dentro de um copo de
suco de laranja que estava remexendo e respondeu: “É um
risco que preciso correr”.
Então, seguindo a mesma abordagem direta do gaulês,
ele desafiou Gary: “Veja De Gaulle. A quantas tentativas
contra sua vida ele sobreviveu mesmo?”.
Gary deu de ombros. “Seis ou sete, acho.”
“Eu lhe disse”, falou Bobby, com uma leve risada, “não se
pode fazer nada sem a sorte, essa danada”.
Outro drama teve lugar na casa de Frankenheimer, no dia
da eleição. Enquanto Kennedy e seus filhos se divertiam
surfando, seu filho de doze anos, David, de repente foi
levado pelo refluxo das ondas, e Kennedy teve que
mergulhar para resgatá-lo. O candidato voltou à beira-mar
com um hematoma vermelho na testa que Frankenheimer
disfarçou com maquiagem de teatro, ao prepará-lo para a
grande noite que o esperava.
O resto do dia foi menos estressante, e o exausto Bobby
tirou um cochilo ao sol, estendido sobre duas cadeiras, à
beira da piscina. Chegando perto do corpo que parecia sem
vida, Dick Goodwin vacilou, antes de perceber que ele
estava apenas dormindo. “Meu Deus”, pensou Goodwin,
que havia voltado para o rebanho dos Kennedy, “acho que
nenhum de nós jamais vai superar o caso John Kennedy”.
Mais tarde, Frankenheimer se ofereceu para levar
Kennedy de carro ao quartel-general da eleição, situado no
Ambassador, o grande e antigo hotel do centro de Los
Angeles, colocando Kennedy e Dutton em seu Rolls-Royce e
levando-os pela Pacific Coast Highway. O diretor havia tido
aulas de direção para corridas de carro com Carroll Shelby
e estava impaciente para mostrar seu talento em alta
velocidade para o candidato. Porém, Kennedy ficou
repetindo a Frankenheimer que, se ele fosse mais devagar,
eles viveriam mais tempo.
Com o encerramento da votação às 20h, e o fato cada vez
mais claro de que o voto maciço a favor de Kennedy em Los
Angeles ia inevitavelmente torná-lo favorito, o tumulto no
Embassy Ballroom do hotel — lotado de rapazes com
chapéus de palha de Kennedy e garotas com blusas
brancas, saias azuis e faixas vermelhas também com o
nome do candidato — tornou-se ensurdecedor. Em sua
suíte, Kennedy finalmente começou a relaxar, sorrindo e
brincando com sua equipe, e atendendo a telefonemas de
congratulações de amigos e proeminentes democratas do
país inteiro. A ligação mais importante foi a do prefeito de
Chicago, Dick Daley, o poderoso pistolão que Kennedy
havia elogiado ao entrar na disputa. Daley, que havia muito
tempo mantinha laços com a família Kennedy e estava cada
vez mais desiludido com a guerra, desde o início apoiou
Bobby. Porém, ele precisava constatar a força da
popularidade de Kennedy nas primárias antes de querer
colocar sua considerável influência a seu serviço. Agora,
Daley ligava para oficializar seu apoio. O homem que ia
dirigir a convenção democrata em Chicago estava do seu
lado. Salinger estivera sentado ao lado de Kennedy quando
este falou com Daley. Quando o telefonema acabou,
lembrou-se ele, “Bobby e eu nos olhamos de uma maneira
que queria dizer apenas uma coisa — ele havia conseguido
a indicação”.
A euforia de Salinger talvez tenha sido precipitada —
ainda havia uma longa campanha e muitas manobras
políticas até que Kennedy finalmente pudesse se declarar o
candidato do partido. Mas, com a vitória na Califórnia
assegurada, Kennedy com certeza parecia um vencedor. E
também, pela primeira vez em sua vida política, parecia ser
ele mesmo. Kenny O’Donnell, que estava planejando voar
até a Califórnia na manhã seguinte para se juntar à
campanha de seu velho amigo, disse mais tarde: “Ele havia
conseguido. Vencera no maior estado da União — não como
irmão de Jack Kennedy, não como Bobby Kennedy, mas
como Robert Kennedy”. Ao observar o candidato em sua
cada vez mais barulhenta suíte do hotel, Newfield rabiscou
em seu caderno a palavra “libertado”. “Era assim que
Kennedy parecia estar nessa última noite.”
Mais tarde, Kennedy começou a deixar sua imaginação
vagar. Sentou-se no chão, fumando um pequeno charuto
com Newfield, Hamill e seu amigo, o roteirista Budd
Schulberg, e começou a sonhar em voz alta com o tipo de
novos programas que ele previa para o país. Perguntou a
Schulberg sobre as Oficinas de Escritores de Watts8 que
este havia organizado para jovens negros promissores. “Ele
dizia ‘vou estender isso para todo o país, vamos criar um
programa federal de oficinas para escritores’”, lembrou-se
Newfield.
E então chegou a hora de descer e declarar a vitória.
Quinze minutos antes da meia-noite, ele pegou o elevador
de serviço e atravessou a cozinha, apertando as mãos dos
trabalhadores. O salão de baile estava quente e com uma
luminosidade ofuscante quando ele entrou, superaquecido
pelas luzes da televisão e pelos corpos de seus partidários
ali reunidos e gritando. No palco, Kennedy fez um discurso
breve e otimista, ao perceber que a sala estava se tornando
cada vez mais abafada. A cena de seu rosto radiante e
relaxado, em uma atitude descontraída, ainda é terrível
demais para ser suportada por aqueles que presenciaram
seu discurso de vitória daquela noite e ficarão para sempre
atormentados com o que aconteceu em seguida. “O prefeito
Yorty acaba de me mandar uma mensagem dizendo que já
estivemos aqui tempo demais.” Ele sorriu ao cutucar o
prefeito conservador de Los Angeles, que havia se tornado
motivo de piadas ao longo de sua campanha. “Quero
agradecer a todos vocês, e agora é a vez de Chicago, onde
vamos vencer.” Essas foram suas palavras de despedida
para os partidários. Então, ele fez o sinal do V da vitória —
que naquela época também era sinal de paz —, ajeitou o
topete na testa mais uma vez e foi embora.
Os momentos que se seguiram foram um clarão de
fulgurantes imagens hoje emblemáticas na história
americana. Após conversar com Bill Barry, Dutton decidira
que Kennedy deveria sair pelos fundos, em vez de
atravessar a multidão do salão de baile, que, segundo o que
ele contou depois, estava “bastante incontrolável. Algumas
pessoas da multidão haviam bebido demais”. Ao descer do
palco, Kennedy se dirigiu para a cozinha do hotel, o
caminho mais rápido para chegar à sala em que jornalistas
da imprensa escrita estavam aguardando o candidato.
Naquele grande aglomerado de pessoas — que estavam
clamando “Queremos Bobby! Queremos Bobby!” —,
Kennedy acabou separado de Barry e Dutton. Ao ir em
direção à cozinha — levado pelo maître assistente do hotel,
Karl Uecker —, o candidato iria desrespeitar várias regras
fundamentais de segurança, disse mais tarde Joe Dolan,
pesaroso, como se ainda quisesse segurar Kennedy pelos
ombros, obrigando-o a parar. “Ele não estava com seu
segurança, Bill Barry. Ele sempre devia ficar à direita do
homem encarregado dele. Costumávamos dizer entre nós:
‘Quem está encarregado do pacote?’ — querendo dizer
quem é o responsável por sua movimentação. Porém,
naquela noite o perdemos. Outra regra é não passar pela
cozinha. E a terceira é não se aproximar da multidão.”
Barry se precipitou para alcançar Kennedy — junto com
Rafer Johnson e o ex-atacante e astro dos Los Angeles
Rams, Roosevelt Grier, que, naquela noite, também
estavam fornecendo uma musculosa, porém não treinada,
proteção ao candidato. Mas, por causa da multidão, eles
não conseguiram alcançar Bobby antes que este entrasse
na despensa da cozinha — uma “área suja e comprida”,
como Hamill a descreveu mais tarde, que “era o tipo de
lugar em que porto-riquenhos, negros e mexicano-
americanos eram postos para trabalhar enchendo barrigas
brancas”. A área de serviço estava iluminada pelo fraco
brilho de lâmpadas fluorescentes, e havia uma máquina de
gelo enferrujada em uma parede e uma mesa de vapor com
copos e pratos sujos em outra. Cozinheiros e ajudantes de
uniforme branco estavam enfileirados diante de cada
parede, esperando a oportunidade de apertar a mão de
Kennedy quando ele passasse.
Um deles, um ajudante mexicano-americano de dezessete
anos chamado Juan Romero, já encontrara Kennedy antes,
depois que a comitiva do candidato checara o hotel.
Romero havia oferecido pagar outro ajudante de cozinha
para que este o deixasse levar o carrinho de serviço até o
quarto de Kennedy. O ajudante não estava envolvido em
política, mas curioso diante do político famoso. Romero vira
fotos dos irmãos Kennedy nas casas de pessoas no México e
sabia que Bobby havia arregaçado as mangas pelos
trabalhadores rurais da Califórnia. Quando empurrou o
carrinho para dentro do quarto de Kennedy naquele dia, o
candidato lhe apertou a mão “mais forte do que qualquer
outra pessoa já fizera. Saí de lá me sentindo um gigante,
pensando ‘não sou apenas um ajudante, sou um ser
humano’. Ele me fez sentir assim”.
Enquanto Kennedy avançava pela despensa, Romero deu
um passo adiante para lhe apertar a mão de novo, quando
de repente sentiu algo quente no rosto e ouviu um forte
estouro. O ajudante de cozinha viu Kennedy cair para trás.
Ao mesmo tempo em que a sala explodia em gritos e
tumulto, ele se ajoelhou no chão engordurado da despensa
e segurou a cabeça de Bobby com as mãos. Romero sentiu
o sangue quente correr pelos dedos. Ele se debruçou e
perguntou a Bobby se ele podia se levantar. Kennedy estava
dizendo algo com voz fraca, e o ajudante aproximou o
ouvido para poder entender. “Está tudo ok?”, sussurrou
Bobby, vigilante até o fim. Então, Ethel e outros chegaram,
afastando Romero. “Ah, meu Deus”, suspirou ela,
ajoelhando-se ao lado do marido, que parecia olhá-la com
gratidão quando ela pegou sua mão. Ela se debruçou sobre
ele, com seu vestido de festa laranja e branco, falando em
voz baixa e acariciando seu peito descoberto e sua testa.
Romero lhe perguntou se podia dar a Bobby seu rosário, e,
como ela não respondia, ele o colocou em uma das fortes
mãos do senador, enrolando-o em volta do polegar para que
não escapasse.
Hamill estava alguns passos adiante de Kennedy, andando
de costas e tomando notas, quando ouviu bruscas explosões
— pá! pá! pá! Ele viu o jovem de cabelo cacheado com uma
arma erguida — sua primeira impressão foi de que era
cubano — e foi um dos primeiros a se jogar sobre o
assassino. “Peguem a arma! Peguem a arma!”, gritavam
alguns homens. Hamill rapidamente abriu espaço para os
homens mais corpulentos que estavam lutando para pegar
a arma, entre os quais Barry, Johnson, Grier e o escritor
George Plimpton. Barry, que alcançara Bobby no exato
instante em que os tiros haviam sido disparados, deu dois
socos tão fortes no rosto do atirador que pensou que fosse
matá-lo. Para controlar seus punhos, ele passou os braços
em volta dele, em uma gravata. O homem que havia
abraçado Kennedy em sua proteção durante toda a
campanha perdera seu “pacote” apenas por um minuto, e
agora estava segurando nos braços o responsável pelos
disparos.
No momento em que Hamill conseguiu dar uma olhada
em Kennedy, soube que não tinha mais como ajudar o
amigo. Seu rosto “tinha certa aceitação doce do fato”,
pensou Hamill — ele parecia um homem que fora libertado.
“Seus olhos estavam vidrados, porém abertos. Havia um
tipo de centelha em seu rosto, um sorriso irônico, como se
ele estivesse esperando por isso havia muito tempo.” As
últimas palavras de Bobby antes de ficar inconsciente
foram “Jack, Jack”, segundo o que alguém mais tarde disse
a Goodwin.
Enquanto Bobby estava sangrando no chão sujo da
cozinha, um gemido dilacerante — de novo, não; de novo,
não — correu como eletricidade pelo corredor, como o
choque do entendimento que passa pela fileira de gado a
caminho do matadouro, e então se propagou pela sala de
baile ainda lotada. À medida que a percepção do que
acontecera se espalhava pela grande e iluminada sala cheia
de lustres, uma onda de repulsa — tão poderosa que era
praticamente física — tomou conta da multidão. Rick Tuttle
estava perto da plataforma da câmera de TV, no fundo do
salão de baile, com uma jovem empregada da campanha —
que ia se tornar sua esposa — quando a onda o atingiu. “Há
uma expressão para isso — ‘perder o chão’. E foi
exatamente o que aconteceu. Algo fez com que a sala
balançasse, e balançasse de novo, como se tomada pelo
movimento das ondas. E, claro, isso vinha da despensa.”
Os gritos vindos de baixo começaram a se espalhar pelos
andares superiores. Goodwin, que ainda estava na suíte de
Kennedy, correu até a televisão de um dos quartos para ver
o que havia acontecido. Sentado em uma das camas,
olhando fixamente as terríveis imagens na tela, estava
outro veterano de Kennedy, Ted Sorensen. “Só precisamos
nos olhar para entender que ele estava morto”, lembrou-se
Goodwin.
Fora do hotel, Frankenheimer e sua esposa Evans
estavam esperando em seu Rolls-Royce para levar Bobby e
Ethel até a festa de comemoração da vitória, que ia
acontecer na Factory, a nova discoteca da moda que
pertencia a Salinger, junto com outras personalidades,
como Peter Lawford, Sammy Davis Jr. e Paul Newman.  De
repente, um policial bateu no carro e gritou: “Tire esse
carro daqui”. O diretor começou a explicar que estavam
esperando o senador Kennedy, quando ele e sua esposa
ouviram os gritos: “Atiraram em Kennedy! Atiraram em
Kennedy!”. Obrigados pelo policial a sair da entrada para
carros do Ambassador, os Frankenheimer se dirigiram para
o centro de L.A., que estava vazio à noite, procurando
desesperadamente um telefone público. O rádio do carro
anunciava que Kennedy havia sido levado para o Good
Samaritan Hospital, e finalmente eles encontraram um
posto com telefone onde o diretor conseguiu falar com
Goodwin, que estava na sala de espera do hospital. Como
todas as roupas e os pertences de Kennedy se encontravam
na casa de Malibu, Goodwin pediu que eles voltassem para
lá e ajudassem a reuni-los.
Evans Frankenheimer mais tarde relatou a sensação
fantasmagórica da casa quando chegaram. Logo que
entraram, ligaram as televisões que Frankenheimer havia
instalado para a equipe de Kennedy acompanhar as
comemorações do dia da eleição. Em vez disso, havia
arrepiadoras cenas do Ambassador e imagens do cordão da
polícia fora do Good Samaritan e de pessoas soluçando e
em vigília. Os Frankenheimer foram até o quarto em que
Bobby e Ethel ficavam. Todas as roupas ainda estavam lá,
inclusive a espalhafatosa sunga havaiana rosa e verde que
Bobby havia usado de tarde. “Dois assistentes de campanha
mais tarde apareceram para pegar as roupas de Bobby, e
um deles começou a jogá-las de qualquer jeito na mala”,
lembrou-se Evans. “John ficou totalmente apoplético e
disse: ‘Dobrem tudo! Dobrem tudo!’. Então, tiveram que
tirar tudo da mala, e John os ajudou a dobrar as roupas de
Bobby.”
“No calor do momento, esqueceram aquela maldita
sunga. Eu a encontrei mais tarde. Estava lá, ainda molhada
e jogada na pia.”
No Good Samaritan, a sombria vigília continuava. Uma
equipe de seis cirurgiões operara Kennedy por quase
quatro horas. Mas o tempo estava se esgotando, e tornou-
se claro que a vigília havia se transformado em velório.
Kennedy sofrera três ferimentos por bala — uma roçou sua
testa, outra o pescoço e a última, e mais séria, havia
atingido a parte traseira de sua orelha direita e entrado no
cérebro. Enquanto os médicos lutavam contra o inevitável,
a família e os amigos se reuniam em uma suíte do hospital.
Quando Kennedy foi levado inconsciente até a sala, depois
da cirurgia, o humor dos médicos era soturno. Pediram
para conversar em particular com Mankiewicz, que havia
dado informações à imprensa sobre a evolução da cirurgia,
e lhe contaram a verdade. “Disseram-me que haviam
retirado fragmentos da bala de seu cérebro, mas não
tinham conseguido retirá-la por inteiro. Foram tão lúgubres
quanto os médicos podem ser. Para mim, parecia ser o fim.”
Ao chegar ao banheiro do quarto do hospital, Mankiewicz
viu que Ted Kennedy estava lá, debruçado sobre a pia e
passando água no rosto. Ele começou a dizer algo ao último
dos irmãos Kennedy, mas então viu seu rosto: “Nunca vi em
minha vida tamanha expressão de agonia no rosto de
alguém”, disse Mankiewicz anos depois. “Aquilo me
dilacerou. Quero dizer, não era como uma mãe cujo filho
morreu na guerra ou um pai cuja filha fora sequestrada.
Era muito mais. Pensei: ‘Ah, droga. Não vou falar nada’.”
Finalmente, foi a Frank Mankiewicz que coube a tarefa de
dizer ao mundo que ele havia morrido. O assessor de
imprensa estivera ao lado de Kennedy quase todos os dias
nos três últimos anos. E agora estava entrando em uma
sala de conferências pela última vez para anunciar a morte
do senador. A declaração foi feita logo de manhã em um
ambiente sinistro, cerca de 26 horas depois que Kennedy
havia recebido os tiros. “Agora, tenho um breve anúncio
para ler”, disse Mankiewicz, exausto, tentando manter o
controle da voz. “O senador Robert Francis Kennedy
morreu à uma e quarenta e quatro desta manhã de 6 de
junho de 1968. No momento da morte do senador Kennedy
estavam presentes sua esposa, Ethel; suas irmãs, Jean
Kennedy Smith e Patricia Lawford; seu cunhado Stephen
Smith; e a senhora John F. Kennedy. Ele tinha quarenta e
dois anos.” Mais tarde, ele acrescentou o nome do irmão de
Bobby, o senador Edward Kennedy.
O país — enfraquecido por Dallas, o Vietnã, a morte de
King, os tumultos nas cidades, o sentimento crescente de
caos e ruína — agora estava obrigado a encontrar um
sentido nessa última calamidade. O segundo ataque contra
uma família dinástica em que tantos americanos haviam
depositado suas esperanças. Era preciso voltar à antiga
Roma para encontrar um precedente para os assustadores
assassinatos consecutivos de dois irmãos no ápice de sua
glória política — até o século II a.C., quando Tibério Graco
e seu jovem irmão Caio Graco foram violentamente
assassinados depois de terem sido eleitos tribunos pelo
povo e terem despertado a hostilidade da aristocracia
romana com suas reformas democráticas.
Até na morte, Robert Kennedy se manteve objeto de
perversa fixação por parte de J. Edgar Hoover. As primeiras
fotos da autópsia do corpo de Kennedy foram enviadas ao
chefe do FBI, que guardou os apavorantes troféus em seus
terríveis “arquivos oficiais e confidenciais” — as únicas
fotos da morte de alguém célebre preservadas por Hoover.
As horríveis imagens coloridas da autópsia também foram
guardadas por James Angleton — como descobriu com
repulsa seu sucessor na CIA, anos depois, ao abrir o cofre
secreto do espião demitido.
A morte de Bobby estilhaçou o sonho Kennedy para
sempre. Os homens que haviam servido os irmãos foram
levados cada um a seu destino particular, tentando se
recuperar e seguir seu caminho em novos projetos. Porém,
nenhum deles nunca ia alcançar o mesmo patamar político,
o mesmo pináculo em que outrora pareciam ser capazes de
mudar o curso do país.
Daniel Ellsberg, o jovem intelectual e assistente da
Secretaria da Defesa que havia rompido com o governo
para se tornar conselheiro de Kennedy sobre o Vietnã,
estava em Chicago, participando de uma conferência sobre
a guerra, quando uma amiga lhe disse para ligar a TV de
seu quarto de hotel. “Atiraram em Bobby”, disse-lhe ela. Ele
se sentou na cama, olhando para as horríveis imagens de
Los Angeles, ofegando sem parar. Todas as suas esperanças
tinham sido depositadas em Bobby. “Pensei: ‘Talvez não
tenha jeito, não haja meio de mudar este país’.”
Mais tarde, depois de voltar a Los Angeles, Ellsberg fez
uma longa caminhada pela praia de Malibu. O trem
funerário de Bobby estava andando lentamente pela
ferrovia, de Nova York a Washington, passando pelas
mesmas multidões — brancos e negros, jovens e idosos —
que antes se agruparam em torno dos comboios de carros,
porém agora pareciam sombrias sentinelas vindas para
saudá-lo uma última vez. O trem estava lotado de
camaradas de Kennedy, mas Ellsberg não queria estar lá.
Ele queria estar tão longe quanto possível. Enquanto
olhava o movimento das ondas na costa de Malibu, ele
tomou um LSD que um vizinho lhe dera. “Eu queria estar
na lua, longe de qualquer coisa.”
Alguns dos membros da equipe de RFK iam se afastar da
política liberal. “Depois da morte de Bobby, as luzes se
apagaram para mim”, disse Fred Dutton, que dedicara
quase oito anos de sua vida à causa de Kennedy, mas
depois se tornou lobista em Washington. Quando Dutton
morreu, em junho de 2005, o Los Angeles Times notou em
seu obituário que sua desilusão com a política depois do
assassinato do segundo Kennedy “ajudou a explicar por que
o inabalavelmente liberal senhor Dutton... mais tarde
concordou em representar o governo conservador da
Arábia Saudita”.
Dick Goodwin permaneceu na política por um tempo,
juntando-se à campanha de McCarthy, embora ele soubesse
que não tinha chances, e esboçou a fadada proposta pela
paz da convenção democrática de 1968 — uma reunião
que, em vez de unir veteranos do partido, como o prefeito
Daley, e o movimento antiguerra, como a indicação de RFK
o teria garantido, fez com que se opusessem violenta e
desastrosamente. Depois, Goodwin abandonou o
movimento. “Dick ficou um tanto doido depois da morte de
Bobby”, disse-me Newfield antes de morrer. “Ele se mudou
para o Maine e me convidou a ir lá para praticar tiro de
espingarda. Ele me disse: ‘Pegaram meus amigos, mas não
vão conseguir me pegar’. Ele tinha uma visão sombria
sobre tudo isso.” Hoje, Goodwin faz pouco caso da história
da espingarda, mas confirma que não estava bem. “Eu tive
que me afastar. Eu estava muito perturbado com o que
havia acontecido.”
Mais uma vez, para o círculo Kennedy, o mundo estava
fora de seu eixo, e dessa vez o país parecia um lugar ainda
mais estranho e assustador. No trem funerário de Bobby,
Jacqueline Kennedy — tão estoica depois de Dallas —
jogou-se sobre o caixão, soluçando: “Ah, meu Deus, ah meu
Deus”. Foi McNamara que finalmente a acalmou,
segurando-a em seus braços. Mais tarde, seu pesar
transformou-se em amargor. “Se eles matam os Kennedy,
então meus filhos são alvos”, disse ela. “Quero sair desse
país.” Logo encontraria uma maneira, casando-se com o
armador grego Aristóteles Onassis.
John Frankenheimer também ia deixar o país, fixando-se
na Europa durante cinco anos, bebendo muito e ignorando
sua carreira cinematográfica. Aquela noite no Ambassador
o arremessara para um lugar sombrio, lembrou-se depois o
diretor. “Se quiserem saber quando as coisas começaram a
mudar, foi naquela noite. Entrei em um verdadeiro inferno.
Fui para a Europa e perdi interesse em tudo. Como se eu
tivesse apagado. Eu estava completamente desiludido, e
entrei em uma profunda depressão. Demorou muito tempo
para eu me refazer.”
Adam Walinsky hoje afirma que o próprio Bobby Kennedy
teria desprezado esse sentimento de alienação, esse
crescente temor de que os Estados Unidos estivessem
perdidos. “Ele não teria tido nenhuma tolerância nem
paciência com esse tipo de sentimento. Sua reação teria
sido: ‘O que querem dizer com ‘perdemos a América’? É um
grande país — estão me dizendo que toda a herança de
Washington e Lincoln e tudo aquilo que os americanos e
seus ancestrais fizeram está indo ralo abaixo porque não
estou por aí? Que porra está acontecendo com vocês?
Cresçam, voltem ao trabalho, parem com isso!’.”
Mas Bobby não estava mais lá para reunir sua família e os
fieis guerreiros. O estandarte para o qual todos sempre
olharam havia sido carregado para fora do campo de
batalha. A morte de JFK havia sido cataclísmica. Mas eles
ainda tinham a Bobby. Durante anos, depois de Dallas, ele
fora aquele para quem eles olhavam, aquele que mantinha
a missão viva. Seu desaparecimento deixou um vazio final.
E também não havia mais Bobby para procurar
incansavelmente a verdade sobre o que acontecera nesses
momentos caóticos do Ambassador Hotel. Então os homens
que o haviam seguido brigaram reservadamente com suas
próprias suspeitas, e muitos nunca chegaram a uma
conclusão satisfatória sobre sua morte. Alguns pensaram
que Sirhan Bishara Sirhan — o infeliz jovem imigrante
palestino que fora preso e acusado do assassinato — em si
constituía essa história patética. Outros pensaram que o
assassino, que parecia estar em transe naquela noite, havia
sido programado — ou que ele não era o único atirador,
talvez apenas uma isca. Ironicamente, Sirhan havia
passado ao lado de Frankenheimer durante o discurso de
vitória de Kennedy, enquanto o diretor olhava Bobby em
uma tela de TV da arcada da entrada do salão de baile.
“Era Sob o domínio do mal”,9 declarou Frankenheimer
mais tarde. “Senti isso remexendo dentro de mim.”
No momento em que o pandemônio tomou conta da
despensa do hotel naquela noite, Jesse Unruh, poderoso
político da Califórnia e partidário de Kennedy, gritou: “Não
queremos outro Oswald!” — tentando impedir que a
multidão enfurecida em torno de Sirhan o matasse. Porém,
para muitos do círculo de Kennedy, era exatamente o que
essa noite no Ambassador ia se tornar — outra Dallas, com
um tiroteio misterioso, personagens obscuras e
investigação inepta.
Mankiewicz e Hamill foram alguns dos que aceitaram a
versão oficial da morte de Robert Kennedy — segundo a
qual foi Sirhan sozinho que pôs um fim a tudo naquela
noite. Se por um lado ambos os homens suspeitavam de
que JFK fora vítima de uma conspiração, por outro
acreditavam que Bobby simplesmente fora despachado por
um “espinhento mensageiro... do coração mais imundo e
secreto da América”, segundo as palavras de desgosto de
Hamill. De modo geral, foi com essa visão angustiada e
metafórica que a mídia americana liberal reagiu ao
assassinato de RFK. Com o decorrer do tempo, Hamill
passaria a ver o suposto assassino de forma menos
romântica. Sirhan era o tipo de extremista palestino que
mais tarde ia explodir cafés em Israel, diz hoje Hamill.
“Naquela época, isso parecia estranho porque não
sabíamos nada a respeito dos palestinos.”
Outros, que se encontravam na despensa do Ambassador
no momento do tiroteio, ficaram profundamente
perturbados pelo que testemunharam. Nunca conseguiram
conciliar suas observações com a versão oficial do
assassinato. Queimaduras de pólvora encontradas no
ouvido direito de RFK na autópsia indicavam que o tiro
fatal viera de trás, a partir de uma distância de apenas oito
centímetros ou menos. Mas nenhuma testemunha viu
Sirhan atirar em Kennedy por trás do crânio à queima-
roupa. De acordo com as testemunhas, Sirhan atacou
Kennedy de frente, e estava a um ou dois metros de
distância.
Frank Burns, advogado e assistente de Jesse Unruh,
estava do lado direito de Kennedy no momento dos tiros.
Fez parte daqueles que partiram para cima de Sirhan, o
qual segurava a arma como um homem possesso, enquanto
homens muito maiores do que ele lutavam para desarmá-lo.
“Não há dúvida de que Sirhan tenha tentado matar
Kennedy”, disse-me Burns. “Mas não acredito que a arma
de Sirhan tenha ficado a alguns centímetros da cabeça de
Kennedy, como a análise do rastro de pólvora mostrou.
Então nunca consegui conciliar as duas coisas. E eu estava
lá. Agora, Kennedy pode ter se virado completamente até
ficar na boca da arma enquanto estávamos lutando com
Sirhan — mas não ouvi nenhum outro tiro enquanto
lutávamos com ele.
“Desde o assassinato de Bobby, todos os pesquisadores do
mundo debruçados sobre a tese da conspiração me
procuraram, de Dan Rather a muitos outros. Mas, para
mim, isso apenas mostra que a história oficial
simplesmente não é plausível — nem as outras explicações
e teorias sobre quem pode tê-lo matado. Para mim, o
mistério continua sem solução.”
O dr. Thomas Noguchi, o médico-legista que conduziu a
autópsia de Robert Kennedy, chegou à mesma perturbadora
conclusão — embora ela estranhamente tenha recebido
pouca atenção quando ele a revelou, em sua biografia, em
1983. Confuso diante da prova da pólvora, das testemunhas
visuais e das indicações de que doze balas haviam sido
atiradas naquela noite — mais do que o revólver de oito
balas de Sirhan podia conter —, Noguchi escreveu que
“tudo indica que pode ter havido um segundo atirador”,
especulando que o papel de Sirhan possa ter sido o de
desviar a atenção do principal assassino de Kennedy. O
médico-legista reconheceu que a “psicologia das massas”,
durante momentos de caos, como na noite no Ambassador,
frequentemente torna as testemunhas visuais pouco
confiáveis. Mesmo assim, Noguchi escreveu: “Até que
saibamos melhor o que aconteceu naquela noite, a
existência de um segundo atirador permanece uma
possibilidade. Assim, eu nunca disse que Sirhan Sirhan
matou Robert Kennedy”.
Richard Lubic, o consultor de comunicação de Kennedy,
viu outra arma sendo puxada naquela noite. Ele estava ao
lado do senador quando este recebeu os tiros. Quando
Lubic se ajoelhou para ajudar Kenedy, viu um segurança
com arma na mão, apontada para o chão. O segurança,
Thane Eugene Cesar, estava atrás de Kennedy no momento
do tiroteio. Mais tarde, ele disse que não havia atirado
naquela noite, porém a polícia nunca averiguou a arma. E
Cesar — que tinha fortes opiniões racistas e anti-Kennedy,
dizendo a um dos entrevistadores que os Kennedy
“venderiam o país a qualquer momento... aos comunistas” e
minorias — desde então figura em teses que defendem uma
conspiração para explicar a morte de RFK.
Depois do assassinato, Lubic recebeu em casa a visita de
membros da Special Unit Senator (SUS), a força-tarefa da
polícia de Los Angeles encarregada de investigar o caso.
Para Lubic, os investigadores da SUS, que tinham vínculo
com a inteligência americana, pareciam “pessoas do
governo”. Quando ele tentou lhes falar sobre Cesar —
perguntando-lhes “por que um segurança tinha sua arma
apontada para o chão, em vez de estar apontada para
Sirhan?” —, eles o interromperam. “Não é problema seu”,
responderam os investigadores a Lubic. “Não comente isso,
não fale sobre isso.” Mais tarde, no processo de Sirhan,
Lubic nunca foi interrogado sobre o misterioso segurança.
Frank Burns percebeu a mesma falta de curiosidade ao
ser chamado para testemunhar. Nunca lhe perguntaram
sobre a posição da arma de Sirhan. “Todos tinham certeza
de que haviam pegado o cara certo — Sirham foi
condenado antes mesmo que o processo começasse”, disse
Burns. “Senti a mesma coisa até começar a ver algumas
provas sobre os buracos das balas, a trajetória e coisas
assim.”
Nas semanas que se seguiram à morte de Kennedy,
começaram a surgir perguntas sobre a investigação do
Departamento de Polícia de Los Angeles, inclusive
acusações de destruição de provas e intimidação de
testemunhas. “Big Daddy” Jess Unruh, o mais formidável
democrata da Califórnia, ficou perplexo com o que ouviu
sobre a investigação, e alertou a família Kennedy. Porém,
irremediavelmente dilacerados pela morte de Bobby — que,
ainda mais que Jack, havia sido o coração da família —, os
Kennedy não tinham condição de dar atenção aos mistérios
do caso. Segundo Burns, “Unruh conversou com Kenny
O’Donnell e Steve Smith. Ele lhes disse que tínhamos
algumas perguntas sobre a investigação em L.A. e queria
saber se eles tinham algo a dizer e se queriam que
procurássemos algo. Se a família tivesse algum tipo de
questionamento, Jess gostaria de poder fazer algo a
respeito. Afinal de contas, ele tinha muita influência, era o
presidente da Assembleia do Estado da Califórnia. Porém, a
resposta do grupo de Kennedy foi: ‘Não, não queremos
investigar’. A atitude da família era claramente ‘obrigado
por se preocupar, mas, por favor, pare com isso’”.
Agora, Ted Kennedy se tornara o chefe de família, mas lhe
faltava o ardente senso de missão política de Bobby — nem
ele tinha a veia investigativa de seu irmão. Os membros da
família ficaram envolvidos em seus próprios sofrimentos
individuais. Nenhum dos Kennedy ia retomar a busca
secreta para resolver o assassinato de Jack, e ninguém ia se
dedicar a obter justiça para Bobby.
Allard Lowenstein, o dervixe de óculos do ativismo liberal,
transformou o assassinato de RFK em uma causa até que
ele mesmo fosse estranhamente assassinado, em 1980, por
um dos seus antigos protegidos políticos. E, com o decorrer
dos anos, vários advogados de Sirhan tentaram sem
sucesso reabrir o caso. Mas, eclipsado pelo mistério de JFK,
o assassinato de Bobby recebeu pouca cobertura midiática.
 
Com a morte de John Kennedy reforçara-se o mito de
Camelot — inúmeros especiais de televisão e periódicos
consagrados ao espirituoso rei Artur dos livros de contos e
seu trágico e inexplicável fim. Com o assassinato de Robert
Kennedy, nasceu a Maldição dos Kennedy — inúmeras
elucubrações midiáticas sobre o sombrio destino de uma
família antes encantada. Essa tênue cobertura superficial
teve por efeito transformar o duplo assassinato dos irmãos
Kennedy em algo predestinado, algo que a família atraíra
para si mesma como as personagens de uma tragédia
grega.
Ted Sorensen tentou conter a criação da Maldição dos
Kennedy. No serviço religioso que aconteceu em seu
escritório de advocacia no dia que se seguiu à morte de
Bobby, ele fez um eloquente tributo aos irmãos falecidos.
John e Robert haviam sido mortos não porque eram
amaldiçoados, declarou Sorensen, mas porque haviam
ousado tentar mudar a história. “Não há nenhuma maldição
pairando sobre os Kennedy”, disse Sorensen aos seus
colegas. “Encontraram seu quinhão de tragédia porque
tiveram mais do que seu quinhão de coragem e convicção
para ousar, tentar e provocar o destino... Tiveram mortes
heroicas porque viveram vidas heroicas.”
À medida que o tempo foi passando, tornou-se claro que a
maldição não estava sobre os irmãos Kennedy. Estava sobre
os Estados Unidos. Os anos se passariam e nenhum novo
líder apareceria para levar o país ao mesmo apogeu.
“Vivemos um ciclo sem fim de recuos desde os Kennedy”,
comentou Goodwin. “Não apenas um recuo em relação aos
ideais liberais, mas também quanto àquele vibrante senso
de envolvimento com o país. Uma vez, uma revista me
perguntou qual, a meu ver, havia sido a maior contribuição
de Kennedy, e eu disse: ‘Ele nos fez sentir que éramos
melhores do que pensávamos’. Foi uma grande perda. Há
tantas coisas que um presidente pode fazer para inspirar
uma nação — hoje em dia, parece quase impossível lembrar
isso. Quer dizer, JFK liberou essa enorme energia no país. E
Bobby teria feito ainda mais, acredito.”
Mais uma vez, Walinsky intervém para relativizar o legado
de Kennedy. Ele se recusa a aceitar o insensato ritual de “e
se eles tivessem vivido”. “Uma vez fui a um desses eventos
comemorativos”, lembrou-se Walinsky, “e Arthur
[Schlesinger] se levantou e fez um longo discurso cheio de
suposições, se John Kennedy tivesse vivido, isso ou aquilo
teria sido diferente, e me senti mal. Então, quando foi a
minha vez de falar, eu disse: ‘Vejam, durante todo o tempo
em que trabalhei para Robert Kennedy, nunca o ouvi dizer:
Se ao menos o presidente Kennedy tivesse vivido, isso teria
sido diferente. Porque, para ele, isso teria sido uma
declaração de fraqueza. Teria sido como dizer: Meu irmão
não conseguiu fazer isso. Consequentemente, nós não
vamos conseguir. Para ele, a questão não era e se?, mas e
agora?. Ele sentia que aqui estamos, somos responsáveis,
depende de nós. E existe uma lógica verdadeira nisso.
Porque se vocês disserem: Que pena que o presidente
Kennedy não está vivo — por que parar aqui? Por que não
Lincoln, Washington — não é uma pena que George
Washington não esteja mais conosco? E que tal Sócrates ou
Moisés? Jesus poderia estar conosco de novo! O fato é que
as outras pessoas não podem resolver os problemas para
vocês — podem apenas lhes dar um exemplo de como viver,
e então depende de vocês decidirem o que vão fazer com
isso’.”
Com sua reluzente cabeça raspada, os olhos faiscantes e
seu estilo polêmico — algo entre um advogado de sala de
tribunal e um estudioso do Talmude —, Walinsky se
apresenta como o duro e frio guardião do legado de Robert
Kennedy. Como o próprio Bobby insistira depois da morte
de Jack, Walinsky não queria ficar preso em um passado
enevoado. Porém, enquanto está falando, sentado na
ensolarada copa da cozinha de sua casa de Scarsdale, ele
está sendo vigiado por outra “santificada” foto de Bobby.
Trata-se de uma imagem em branco e preto de Kennedy
com um filho pequeno de trabalhadores rurais imigrantes,
agachados no chão de terra ao lado da casa da família: um
carro abandonado e comido pela ferrugem. Walinsky não é
tão diferente de outros homens que serviram John e Robert
Kennedy. Os anos Kennedy permanecem como sua
referência, a lembrança do que há de melhor neles. Assim
como acontece com outros, os olhos de Walinsky às vezes
se enchem de lágrimas quando alguma recordação
específica lhe vem à cabeça. E, assim como a de outros, sua
casa está repleta de lembranças dos Kennedy. Os suvenires
— fotografias emolduradas, as comoventes citações, as
charges políticas — cobrem as paredes do escritório, da
sala de estar e até da copa desses homens. Suas casas são
santuários desse heroico passado, quando eles eram jovens
e o país estava começando tudo de novo. Quando Robert
Kennedy os chamou, disse-lhes: “Venham, meus amigos,
não é tarde demais para procurar um novo mundo”. E eles
acreditaram nele.
 
1 . Canção patriota americana muito popular durante a Guerra de Secessão
(1861-65). [N. T.]
2 . Referência ao Rio Rubicão, um riacho ao norte da Península Itálica que,
durante o período da República Romana, demarcava os limites entre Roma e
a província da Gália Cisalpina e cuja travessia era proibida a generais
acompanhados de suas tropas. Em 10 de janeiro de 49 a.C., Júlio César, em
perseguição a Pompeu, teria violado tal lei, tornando inevitável o conflito e
proferindo a famosa frase “Alea jacta est” [a sorte está lançada]. Assim, a
expressão “atravessar o Rubicão” passou a ser utilizada como metáfora para
ações sem volta. [N. E.]
3 . O Freedom of Information Act foi ratificado em 1966 pelo presidente Lyndon
Johnson e começou a vigorar no ano seguinte. Baseado no princípio da
liberdade da informação, o ato obriga as agências federais a comunicar seus
documentos a qualquer um que solicitasse, independentemente da
nacionalidade. Existem restrições à comunicação, por motivo de segurança
nacional ou segredo de defesa, entre outros. [N. T.]
4 . “All is calm, all is bright.” A canção natalina “Silent night”, conhecida como
“Noite feliz” em português, se origina do poema de um padre austríaco do
século XIX, Joseph Mhor, intitulado “Stille Nacht”, musicado por Franz Xavier
Gruber. A letra da versão em português é bem diferente do texto original, ao
qual a versão inglesa se assemelha bastante. [N. T.]
5 . O prendedor de gravata PT-109 ficou conhecido como um dos mais famosos
símbolos da campanha presidencial de JFK, em 1960. O prendedor, dourado,
reproduzia a silhueta do PT-109, torpedeiro que JFK havia comandado
durante a Segunda Guerra Mundial e cuja tripulação ele salvara do
naufrágio, tornando-se herói de guerra. [N. T.]
6 . United Farm Workers of America [União de Trabalhadores Rurais da
América], entidade de classe dos Estados Unidos. [N. E.]
7 . O mais célebre romance do premiado autor americano John Steinbeck,
sobre a difícil vida dos trabalhadores rurais nos anos 1930, após a Depressão
de 1929. Editado em 1939, foi transformado pelo diretor John Ford em um
clássico filme de sucesso em 1940. [N. T.]
8 . As Watts Writers Workshops foram criadas pelo roteirista Budd Schulberg
logo depois das insurreições que aconteceram no bairro de Watts, na região
sul de Los Angeles, em 1965. [N. T.]
9 . The Manchurian Candidate: Filme dirigido por John Frankenheimer em
1962, com Frank Sinatra, Laurence Harvey e Janet Leigh. Ambientado
durante a Guerra Fria, esse thriller político trata de um complô de
assassinato de um candidato à eleição presidencial americana em que ex-
soldados do Exército americano sofreram lavagem cerebral por parte dos
soviéticos para serem utilizados em uma conspiração comunista
internacional. [N. T.]
 

9
Verdade e reconciliação

 
“Nunca deixem que o sangue dos bravos seja
derramado em vão; esse é um imperioso desafio
para as próximas gerações.”
— Sir Walter Scott
 
Depois do assassinato de Robert Kennedy, em 1968, não
havia nenhuma personalidade de vulto em Washington
determinada a resolver o caso da morte de JFK — ou
mesmo investigar os persistentes mistérios sobre a morte
de RFK. Porém, no começo dos anos 1970, o escândalo de
Watergate começou a levantar o manto que escondia
alguns dos mais sombrios segredos do país. “Tudo está
trincado, é assim que a luz consegue entrar”, canta
Leonard Cohen. E Watergate — junto com anos de
carnificina no Vietnã — trincou suficientemente o sistema
para que a luz entrasse.
O mais próximo que o governo americano chegou de
resolver o mistério JFK foi no período que se seguiu a
Watergate, quando a Comissão Church e a Comissão
Reservada da Câmara dos Representantes sobre
Assassinatos reexaminaram as conclusões da Comissão
Warren. Os inquéritos do Congresso desenterraram provas
novas e importantes de que houvera uma conspiração e
levantaram questões perturbadoras acerca do papel das
agências do governo no encobrimento do assassinato, se
não no crime em si. Mas, no final, essas provas foram
abafadas pelos limites políticos internos e externos. Elas
sublinharam o quanto são fadados ao fracasso os esforços
de investigação por sempre dependerem da cooperação
voluntária de agências como a CIA e o FBI — instituições
profundamente misteriosas que já haviam desorientado
abertamente a Comissão Warren e iam de novo obstruir os
inquéritos dos anos 1970.
A Comissão Church foi formada em janeiro de 1975 sob a
liderança de Frank Church, senador democrata de Idaho,
para investigar abusos de poder na CIA, no FBI e em outras
agências de espionagem. A comissão produziu uma série de
denúncias — desde a abertura ilegal de correspondências
de cidadãos americanos pela CIA até a obsessão patológica
do FBI por Martin Luther King Jr. Contudo, sua mais
chocante descoberta diz respeito aos esforços da CIA para
assassinar líderes estrangeiros, hostis ou simplesmente
inconvenientes, entre os quais Castro; Patrice Lumumba,
do Congo; Rafael Trujillo, da República Dominicana; Ngo
Dinh Diem, do Vietnã do Sul; e o general chileno René
Schneider, visto como um obstáculo à queda do presidente
Salvador Allende. Foram as notícias sobre o programa de
assassinatos da CIA que tiveram maior impacto na
imprensa e no público americanos, levando a pedidos de
que o Congresso tivesse um maior controle da agência —
que o senador Church chamou, segundo sua famosa
expressão, de “elefante traiçoeiro”.
Entre aqueles que ficaram abalados com as revelações
sobre os planos de assassinato da CIA estava o senador
Richard Schweiker, da Pensilvânia, um dos mais ativos
membros da Comissão Church. Republicano moderado que
havia sido sensível ao apelo de JFK para uma nova era no
serviço público, Schweiker ficou espantado ao saber que a
CIA e o FBI haviam escondido informações importantes da
Comissão Warren, entre as quais a colaboração entre a CIA
e a Máfia para assassinar Castro. E começou a se
perguntar o que mais a comissão do Senado ia descobrir se
voltasse as atenções para Dallas. No final de 1975,
enquanto o júri finalizava suas investigações, Schweiker
persuadiu Church a deixá-lo criar uma subcomissão —
composta por ele mesmo e Gary Hart, do Colorado, um
jovem reformista pós-Watergate que havia pouco fora eleito
para o Senado — para investigar um assassinato mais
incômodo, o de JFK.
O momento era apropriado para a reabertura das
investigações. O caso Watergate e as revelações anteriores
da Comissão Church haviam levantado dúvidas sombrias
com relação ao governo na mente do público. A confiança
dos americanos no governo fora abalada de novo naquele
ano em que os telespectadores viram a primeira
transmissão em rede nacional do filme de Zapruder, depois
do jornal televisivo, quando o apresentador Geraldo Rivera
levou à ABC a reveladora película, exibida em seu
programa noturno, Good Night America.
Schweiker, de certa forma visto como um escoteiro por
seus colegas do Senado, também ficou espantado pelo que
descobriu nas catacumbas de seu governo à medida que
examinava pilhas de provas e tornava públicos documentos
dos Arquivos Nacionais relativos ao assassinato de JFK.
Após saber dos complôs da CIA com a Máfia contra Castro,
Schweiker começou a suspeitar de que Kennedy tivesse
sido vítima de retaliação por parte do ditador cubano. “Mas
nunca apresentamos provas de que Castro estivesse
envolvido”, lembrou-se Dave Marston, o conselheiro
legislativo do senador e seu principal homem na
subcomissão de investigação. As suspeitas de Schweiker
então começaram a tomar um rumo ainda mais explosivo.
“Não sabemos o que aconteceu, mas sabemos que Oswald
tinha conexões na espionagem”, disse Schweiker à
imprensa. “Por todo lugar em que investigarem Oswald,
vocês vão encontrar impressões digitais da inteligência.”
Marston, que mais tarde deixou o escritório de Schweiker
para se tornar procurador federal na Filadélfia e depois se
afastou para trabalhar por conta própria, ainda estava
convicto do seguinte quando o entrevistei para este livro:
“Oswald não pode ter agido sozinho”, disse ele. “Suas
perambulações claramente apontam para algo maior. Havia
tantas pessoas da CIA e outros agentes governamentais
tramando na Flórida e em Nova Orleans, fazendo coisas
loucas, que é inconcebível que não soubessem nada a
respeito de Oswald.”
Gary Hart ficou surpreso ao ouvir Schweiker expressar
suas suspeitas durante as reuniões da subcomissão Church.
“Dick fez muitas declarações na comissão que eram bem
mais provocativas do que qualquer coisa que eu já tivesse
dito, no que diz respeito às suas suspeitas sobre os
responsáveis pelo assassinato de Kennedy”, disse Hart em
uma entrevista para este livro. “Ele achava que era
ultrajante e que precisávamos reabrir o caso. Estava
disposto a botar para quebrar.”
Mas a mente de Hart também ficava atordoada pelo que
estavam descobrindo. Quanto mais a Comissão Church
cavava nos pântanos profundos das intrigas anticastristas
que haviam inflamado a Flórida durante os anos Kennedy,
mais Hart ficava espantado diante da complexidade do
ecossistema anti-Kennedy e da intrincada rede que ligava a
CIA, a Máfia e os eLivross cubanos. “Acho que todo esse
ambiente naquela época era muito efervescente”, disse ele.
“E não acredito que houvesse alguém controlando as
coisas. Havia pessoas conspirando umas com as outras, as
conexões da Máfia, as amizades entre a Máfia e agentes da
CIA, e essa comunidade maluca de eLivross. Havia
inúmeros níveis, e todos povoados por pessoas estranhas.
Não acredito que alguém soubesse exatamente o que
estava acontecendo. E acredito que os Kennedy de certa
forma estavam lutando para não se deixarem distanciar de
tudo isso.”
“Se houve alguém chefiando tudo, deve ter sido Dick
Helms — o homem que guardava os segredos”, acrescentou
Hart. “Ele mais que qualquer outro devia saber o que
estava acontecendo, mas acho que nem ele sabia. Não
havia um cérebro naquele ambiente. Coisas demais
estavam acontecendo, envolvendo pessoas demais. Havia
elefantes traiçoeiros em toda parte. Operações sem conta
com essa finalidade. Era um verdadeiro pesadelo. Acho que
seria possível escrever um grande livro sobre a Flórida do
começo dos anos 1960, um livro enorme.”
Hart deixa claro que não acredita que o assassinato de
JFK tenha sido uma operação oficial da CIA — suas
suspeitas se concentram mais na Máfia. Porém, ele não
descarta agentes trapaceiros que agissem em conluio com
os criminosos. E acredita que a agência esteve envolvida no
encobrimento. “Se houve algum encobrimento, tenho
certeza de que Helms participou”, disse Hart.
Durante a investigação da Comissão Church, tornou-se
escandalosamente claro que o júri do Senado estava
enfrentando forças brutais. Em junho de 1975, o chefão de
Chicago, Sam Giancana, foi morto no porão de sua casa
uma semana antes de testemunhar em Washington. Logo
depois, Johnny Rosselli — a ligação-chave entre a Máfia e a
CIA — foi convocado perante a comissão em duas ocasiões
para responder a perguntas sobre os complôs de
assassinato contra Castro. No ano seguinte, Schweiker
intimou Rosselli mais uma vez para que este respondesse a
perguntas sobre o assassinato de Kennedy em uma sessão
vigiada de sua subcomissão. Ele esperava poder interrogar
mais o gangster quando, em 28 de julho de 1976, o corpo
desmembrado de Rosselli foi encontrado dentro de um
barril enferrujado de petróleo, flutuando ao largo de Miami.
Era óbvio que os ex-cúmplices de Rosselli estavam
dispostos a tudo para impedir que os investigadores do
Senado chegassem à verdade.
“Rosseli foi assassinado de todas as maneiras possíveis”,
disse Hart. “Foi estrangulado, braços e pernas foram
serrados, ele tinha um buraco de bala na cabeça. Em nome
da subcomissão, fui me encontrar com os detetives de
Miami no escritório do xerife do condado de Dade. E eles
me mostraram fotos do momento em que o tiraram da água
— horrível, a pior coisa que já vi na vida. Disseram-me que
havia sido a Máfia. Não era coisa de amador.” A equipe de
investigadores da Comissão Church concluiu que a
execução de Rosselli, assim como a de Giancana, havia sido
ordenada pelo chefão da Flórida, Santo Trafficante, outro
suspeito-chave na conspiração contra Kennedy.
Emperrada por testemunhas da CIA, como Helms, e
violentamente desfalcada de testemunhas fundamentais,
como Rosselli e Giancana, esgotou-se finalmente o prazo e
o interesse político do inquérito da Comissão Church.
Frank Church desistiu para tentar ser indicado à eleição
presidencial de 1976 pelo Partido Democrata, mas acabou
perdendo para Jimmy Carter. E Richard Schweiker foi
persuadido a deixar as investigações do caso Kennedy por
Ronald Reagan, o qual esperava mudar sua imagem de
oponente azarado do presidente Ford, acrescentando o
moderado pensilvaniano à sua lista.
Muitos anos depois, olhando de novo para sua
investigação, Schweiker se mostrou perplexo com as
questões que se mantiveram pendentes. O jogo duplo dos
membros da CIA ainda o incomodava profundamente.
“Minha opinião sobre a agência piorou muito com o
decorrer dos anos”, disse-me ele. Assim como Hart, ele
acredita que a agência tenha se envolvido no encobrimento
— e até que alguns de seus funcionários menos confiáveis
possam ter se envolvido no próprio assassinato. O ex-
senador, no entanto, acabou concluindo que o assassinato
de Kennedy foi um complô da Máfia. “Passei por várias
fases, mas hoje, na realidade, acho que basicamente o
assassinato foi coisa da Máfia — foi a Máfia tentando se
vingar dos Kennedy por eles terem reprimido severamente
o crime organizado.” Quando se trata de Oswald,
Schweiker parece menos certo de que o assassinato tenha
sido uma operação da Máfia. O suposto assassino foi
produto de um programa de falsos desertores dirigido pela
CIA, observou Schweiker. “E então ele saiu do controle.”
Schwiker ainda parece claramente hesitante ao recompor
os passos de Oswald antes de Dallas. “O que com certeza
não acredito é que a CIA tenha nos entregado a história
completa.”
Assim como Hart, ele também sofreu reveses em sua
última tentativa de conseguir a glória presidencial. Foi
afastado da disputa pela indicação democrata de 1988
quando a imprensa expôs seu caso com a modelo Donna
Rice, depois de ser flagrado no ato por jornalistas do Miami
Herald, escondidos atrás de arbustos em frente à sua casa
de Washington. Mas era 1987, e nesses anos pré-Clinton o
poder da mídia como guardiã da moralidade ainda era
incontestado. Aproveitando-se de uma cômica fotografia do
candidato divertindo-se com uma beldade loira a bordo de
um iate de luxo apropriadamente denominado Monkey
Business, a imprensa não demorou a arrastar a carreira
política de Hart para a lama.
Nos anos seguintes, Hart salvou sua reputação exercendo
com louvor o cargo de copresidente de uma comissão
anterior ao 11 de Setembro, encarregada de alertar o país
sobre os perigos do terrorismo e tornando-se uma das
vozes da razão contra o excesso de confiança do governo
Bush em uma resposta militar à ameaça da Al Qaeda. Ele
ainda se orgulha dos esforços da Comissão Church para
submeter o sombrio aparato de espionagem do país a
controles democráticos — uma luta que agora tinha novo
significado.
Olhando em retrocesso para a limitada investigação do
assassinato de Kennedy pela Comissão Church, Hart —
homem alto, saudável, de rosto corado e propensão a usar
botas de caubói — de repente fez uma surpreendente
acusação. Todas as vezes que os jornalistas lhe fizeram
perguntas sobre o assassinato de Kennedy durante as
campanhas presidenciais de 1984 e 1988, Hart disse: “Eu
diria à imprensa que, com base em minha experiência na
Comissão Church, acredito que existam dúvidas suficientes
para justificar a  reabertura dos arquivos da CIA,
especialmente em relação à Máfia. E acho que assinei
minha ordem de execução ao fazê-lo. Não percebi isso
naquele momento [...], mas penso que o que aconteceu
comigo em 1987 foi uma armação. Acho que então as
pessoas descobriram que se podia assassinar alguém sem
utilizar balas”.
Hart não quis se estender sobre sua explosiva declaração.
Ele não queria parecer “louco” ou “obsessivo” —
denominações que, segundo ele, são rapidamente usadas
contra qualquer político que ousa pedir a reabertura do
caso JFK. “Você precisa ter muito cuidado para não cair na
categoria da conspiração”, observou ele. Mas, quando
pressionado, Hart disse que, depois que o escândalo
estourou, recebeu dicas segundo as quais a Máfia
possivelmente estava envolvida no caso do Monkey
Business. Um importante jornalista investigativo disse a
Hart que, depois que ele começou a pedir um novo
inquérito do caso JFK, sócios de Santo Trafficante, o chefão
da Flórida, manifestaram grande descontentamento com o
senador. “Não achamos que [Hart] seja melhor que os
Kennedy”, disse ao jornalista um dos mafiosos. Mas Hart
decidiu não ir adiante. “Simplesmente, eu não queria fazer
disso a causa de minha vida”, disse-me ele.
É fácil entender por que Hart não quis fazer essa
afirmação —  de que era vítima de difamação por causa de
suas posições em relação ao caso Kennedy — em alto e bom
som. A imprensa já o expusera ao ridículo em 1987, quando
ele tentou transformar seu caso de indiscrição sexual em
acusação de voyeurismo dos repórteres. Foi fustigado por
tentar esquivar-se de sua própria responsabilidade pelo
humilhante fiasco. A declaração de Hart segundo a qual sua
queda política foi relacionada à conspiração contra JFK
certamente teria levado a mídia a um novo alvoroço. Já que
o próprio Hart se recusara a perseguir o assunto, seria
difícil provar que ele realmente tinha sido vítima de uma
armação durante a campanha de 1988. Mas o mais
intrigante é que Hart acredita que isso pode ser verdade.
Um dos poucos funcionários de Washington a ter
obstinadamente investigado o caso do assassinato de
Kennedy — mesmo que por pouco tempo —, Gary Hart saiu
dessa experiência acreditando que estava lidando com
forças poderosas que, anos depois do assassinato de JFK,
ainda estavam determinadas a não revelar a verdade.
 
Logo depois de ter sido contratado como conselheiro-chefe
suplente da Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos em dezembro de 1976,
Robert Tanenbaum veio visitar Richard Schweiker em seu
escritório do Senado. A Comissão sobre Assassinatos estava
retomando a investigação no lugar em que Schweiker e
Hart haviam parado, e Schweiker estava prestes a entregar
seu arquivo JFK ao júri recém-formado. Aos 33 anos,
Tanenbaum era um despachado produto do lendário
escritório de Frank Hogan, na procuradoria distrital de
Nova York, em que vencera todos os casos de crime,
tornando-se chefe suplente do departamento de homicídios.
Ao ser recrutado pelo conselheiro-chefe da Comissão sobre
Assassinatos, Richard A. Sprague, o jovem promotor deixou
claro que aceitaria esse trabalho somente sob a condição
de poder tratar a investigação JFK como um de seus casos
de homicídio de Nova York — sem compromisso político
nem interferência. Sprague, ex-promotor distrital de
Filadélfia, assegurou a Tanenbaum que tinha a mesma
filosofia, e os dois homens começaram a montar uma
equipe descolada — que incluía o jornalista investigativo
Gaeton Fonzi, experiente membro remanescente da
subcomissão Schweiker, e Cliff Fenton, arguto inspetor
negro do departamento de homicídios que Tanenbaum
trouxera consigo de Nova York.
Contudo, assim que Tanenbaum começou a conversar
com Schweiker naquele dia, percebeu que havia sido muito
ingênuo. Não havia como esse caso seguir os
procedimentos usuais de uma investigação de homicídio.
“Primeiro”, disse Schweiker a Tanenbaum, depois de pedir
que todos os membros da equipe saíssem da sala, “você
precisa saber que eles vão tentar obstruir o seu caminho.”
Enquanto o jovem promotor estava tentando assimilar essa
ideia impactante — de que representantes devidamente
eleitos pelo povo americano deviam esperar ser desafiados
por forças mais poderosas que eles —, Schweiker lhe disse
algo não menos arrasador. “Na minha opinião”, disse o
senador, “a CIA se envolveu no assassinato do presidente.”
Tanenbaum estremeceu. “Quando ouvi isso, foi como se
meu corpo tivesse recebido um choque elétrico”, lembrou-
se ele. “Era um senador dos Estados Unidos que estava me
dizendo isso!”
Naquela noite, Tanenbaum levou o arquivo de Schweiker
para a casa que alugara perto da Universidade Americana
após se mudar para Washington. Ele e Cliff Fenton
examinaram as pilhas de documentos até as três horas da
manhã. Quando finalmente acabaram, Fenton se levantou e
se dirigiu para a porta, e Tanenbaum o seguiu para fora. De
pé na calçada de tijolos, no frio da madrugada, o inspetor
de homicídios olhou para seu chefe e disse: “Estamos
lidando com algo maior do que nós. E não há nenhum
Frank Logan para protegê-lo.” Tanenbaum sabia que ele
tinha razão.
O promotor, no entanto, seguiu adiante. Ele e Sprague
começaram a convocar funcionários da CIA, levando-os
diante da Comissão da Câmara dos Representantes para
serem submetidos pela primeira vez a intensos
interrogatórios sobre o assassinato do presidente John F.
Kennedy. Quando Tanenbaum se juntou à comissão, não
tinha uma opinião formada sobre o caso — durante anos,
pensara que a Comissão Warren estava certa. Porém, à
medida que ele e seus investigadores cavavam cada vez
mais fundo no caso, ele chegou à mesma conclusão que
pessoas de grande experiência, de Bobby Kennedy até
Richard Schweiker. “Quanto mais olhávamos aquilo, mais
produtivo se tornava investigar a CIA — precisamente,
aqueles funcionários que haviam trabalhado com os
cubanos anticastristas”, disse Tanenbaum em uma
entrevista.
Um dos veteranos da CIA que despertou um interesse
especial nos investigadores do Congresso era David Atlee
Phillips, o especialista em desinformação da CIA que havia
elaborado as campanhas de propaganda para o golpe na
Guatemala e a invasão da Baía dos Porcos. Phillips estava
baseado na Cidade do México quando o escritório local da
CIA aparentemente falsificou provas para mostrar que
Oswald havia visitado as embaixadas de Cuba e da União
Soviética algumas semanas antes do assassinato. Além do
mais, Gaeton Fonzi encontrou informações explosivas que
indicavam que Phillips se encontrara com Oswald em
Dallas em setembro de 1963. Porém, ao comparecer
perante uma sessão executiva da Comissão sobre
Assassinatos, o veterano espião mostrou toda a artimanha
que adquirira em sua experiência como ator, mentindo
sobre seu papel na Cidade do México e sua vigilância de
Oswald.
Foi uma confrontação dramática. De um lado da mesa
estava Bob Tanenbaum, o promotor nascido no Brooklyn
que ia diretamente ao ponto — um homem impressionante
que havia estudado no campus de Berkeley da
Universidade da Califórnia com bolsa de basquetebol. Do
outro, estava David Phillips, um texano loiro e alto, de rosto
longo e muito enrugado que era cerca de vinte anos mais
velho que Tanenbaum — um homem suave, que fumava um
cigarro atrás do outro, oriundo de uma família falida de
Forth Worth e que se tornara chefe da Divisão do
Hemisfério Ocidental da CIA. Phillips havia pouco
abandonara a espionagem, depois de 25 anos, para se
tornar representante da CIA na direção da recém-criada
Associação de Funcionários Aposentados da Inteligência.
Phillips dominava perfeitamente aquela atitude distante
de membro da elite WASP da agência. Assim como seu
patrão, Dick Helms, ele agia como se estivesse fazendo um
favor aos membros da comissão ao dedicar-lhes parte de
seu tempo. “São pessoas muito antissépticas”, disse
Tanenbaum a respeito de Phillips e de outros grandes
chefes da CIA com os quais se deparou. “Não sei em que
mundo vivem. Mas não estão nos Estados Unidos de todos
nós, não andam de metrô, não chamam táxis, não fazem
compras no mercado.”
Apesar desse comportamento, Phillips não intimidava o
conselheiro suplente da Comissão sobre Assassinatos.
Tanenbaum já lidara com chefes da Máfia, processara e
obtivera a condenação da família Colombo,1 do crime
organizado. Não ia recuar diante de pessoas como David
Phillips. “Esses caras agem como se estivessem acima da
lei”, disse Tanenbaum. “Mas é exatamente o tipo de gente
que, a meu ver, precisa ser derrubada, se de fato for
culpada.”
Enquanto Tanenbaum interrogava Phillips, o investigador
do Congresso tinha em mãos um relatório do FBI que
indicava que Oswald havia sido imitado por outra pessoa na
Cidade do México — uma preocupante prova que sugeria
que o assassino era objeto de uma operação da espionagem
americana. As câmeras de segurança instaladas pela CIA
do lado de fora das embaixadas soviética e cubana na
Cidade do México gravaram a imagem de um homem que
se fazia passar por Oswald. Quando Tanenbaum pressionou
Phillips para que este lhe contasse onde essas fotografias
podiam ser encontradas, o ex-espião insistiu em dizer que
haviam sido destruídas. Mas Tanenbaum sabia que ele
estava mentindo. Já que o FBI havia visto as fotos do
“Oswald” da CIA, elas claramente não haviam sido
imediatamente “recicladas” como pretendia Phillips.
Sob o incessante interrogatório do conselheiro, Phillips
começou a ficar emaranhado nas inconsistências de sua
história. Era uma amostra do que poderia ter acontecido,
se os suspeitos-chave do assassinato de JFK tivessem sido
minuciosamente submetidos a esse tipo de interrogatório
por parte do ministério público.
“Quando ele nos disse que as fotografias não existiam
mais”, lembrou-se Tanenbaum, “eu lhe disse: ‘bem, o
principal é que existem três pessoas nessa sala que sabem
que acaba de mentir — o inspetor Fenton, eu e você’. E
então Cliff lhe entregou um exemplar do relatório do FBI.”
Tanenbaum ficou estupefato diante do que Phillips fez em
seguida. “Ele leu o relatório. E então simplesmente dobrou
as folhas e saiu da sala.” Era isso que David Phillips achava
sobre o direito do Congresso de supervisionar a
inteligência americana.
Tanenbaum queria trazer o ex-funcionário da CIA para
outra rodada de perguntas. “Chamem-no de volta”, disse o
conselheiro suplente à Comissão sobre Assassinatos. “Ele
mostrou desprezo, cometeu perjúrio. Ele precisa saber
disso.” Mas os membros da comissão estavam começando a
ficar assustados com os métodos enérgicos de sua equipe.
Tanenbaum queria que a agência de espionagem
entregasse documentos não adulterados. Porém, a
comissão não o apoiou. “Estavam puxando o tapete debaixo
de nós.”
A investigação então começou a aparecer na imprensa.
Uma matéria do New York Times vasculhou o passado de
Sprague como promotor público de Filadélfia, sugerindo
que ele não era uma pessoa polêmica. Um editorial do
Times denunciou as táticas “da era McCarthy” da comissão.
O financiamento da investigação pelo Congresso começou a
ficar mais escasso, e Sprague e sua equipe não foram mais
remunerados.
Diante dessa situação, Tanenbaum se encontrou com
Sprague e o convenceu de que, já que não estavam prontos
para comprometer sua investigação, a atitude mais honrosa
para eles era pedir demissão. “Eu não queria participar de
uma fraude histórica”, explicou Tanenbaum mais tarde.
“Minha filha, quando eu estava em Washington, tinha três
anos... e eu não queria olhar para ela anos depois tendo
colocado meu carimbo em um relatório, que eu sabia ser
uma fraude, apenas para melhorar meu currículo.”
Sprague pediu demissão do cargo de conselheiro-chefe da
Comissão sobre Assassinatos em março de 1977, voltando a
Filadélfia para trabalhar como advogado. Logo depois,
Tanenbaum deixou seu cargo, mudando-se para a
Califórnia, época em que abandonou o direito para exercer
o cargo de prefeito de Beverly Hills e começar uma nova e
bem-sucedida carreira como romancista de thrillers
jurídicos. Corruption of Blood [Sangue corrupto], seu
romance de 1996, conta a sombria história do que
aconteceu quando o promotor de Manhattan, Butch Karp,
foi para Washington tentar resolver o assassinato de
Kennedy.
Sprague foi substituído no cargo de conselheiro-chefe por
G. Robert Blakey, um professor de direito de Cornell e
perito em crime organizado que havia elaborado a Lei de
Combate a Organizações Corruptas e Influenciadas pelo
Crime Organizado, conhecida como Lei R.I.C.O., de 1970, e
que finalmente enfraquecera as poderosas famílias da
Máfia. Havia certa justiça poética no fato de Blakey criar a
Lei R.I.C.O. — de fato, ele estava finalizando a cruzada
contra o crime organizado que começara como jovem
advogado do Departamento de Justiça sob as ordens de
Bobby Kennedy. E, ao assumir o cargo na Comissão sobre
Assassinatos, ele perseguia a missão de Bobby de resolver
o assassinato de JFK. Blakey era fiel a Kennedy e dedicou-
se a ir até o fundo do mistério que ainda assombrava o país.
Porém, ao contrário de Sprague e Tanenbaum, ele conhecia
as maneiras bizantinas da burocracia de Washington e
estava determinado a salvar a visada investigação
mantendo-se longe de explosivos confrontos diretos.
Para tanto, Blakey tomou uma decisão fatídica — de fato,
ele aceitou os limites da investigação contra os quais seus
predecessores haviam violentamente lutado, escolhendo
aceitar a declaração da CIA segundo a qual a agência
estava cooperando plenamente com o inquérito e
entregando todos os documentos relevantes. Depois que a
Comissão sobre Assassinato publicou seu relatório final, em
1979, Blakey se gabou de que sua estratégia de cooperação
voluntária tivera êxito: “Na verdade, a comissão finalmente
obteve da CIA todos os documentos que queria. Não houve
nenhuma limitação. Investigamos de maneira mais
profunda e ampla os arquivos da agência do que qualquer
outra comissão na história do Congresso”.
Mas a equipe de jovens investigadores, a quem fora dada
a responsabilidade de obter as informações da CIA, sabia
que as coisas eram bem diferentes. Eles haviam sido
emparedados pela agência a cada passo. Um desses
investigadores era Dan Hardway, um estudante de direito
de Cornwell de cabelo comprido e originário da Virgínia
Ocidental que Blakey trouxera consigo para Washington.
Todos os dias, Hardway entrava no estacionamento da sede
da CIA com seu buggy VW vermelho-circo, tocando Talking
Heads em enormes alto-falantes, e com seu igualmente
enérgico parceiro, o investigador Eddie Lopez, um nova-
iorkino de origem porto-riquenha que também vinha da
escola de direito de Cornell.
“Não éramos populares em Langley”, brincou Hardway
anos depois. Os dois jovens assistentes de Blakley estavam
investigando os vínculos de Oswald com a CIA e suas
enigmáticas visitas à Cidade do México. Porém, enquanto
eles estavam tentando descobrir documentos relevantes na
labiríntica cidadela da CIA, um agente veterano chamado
George Joannides — ex-colaborador de Helms que havia
sido tirado de sua aposentadoria para servir de
representante da CIA junto à Comissão sobre Assassinatos
— de repente apareceu para impedi-los. “Eles o trouxeram
para nos deter”, disse categoricamente Hardway anos
depois.
Hardway e Lopez se queixaram a seu professor de direito
que Joannides estava obstruindo a investigação. Mas,
quando Blakey levou as queixas à CIA, os funcionários da
agência lhe asseguraram que estavam cooperando
plenamente, dizendo-lhe que seus investigadores eram
apenas dois garotos de cabeça quente. Blakey resolveu
acreditar na agência.
Hardway sentia que Joannides escondia a prova de uma
conspiração envolvendo funcionários da CIA. Assim como
Tanenbaum, ele chegou a suspeitar de David Phillips, que,
segundo ele, havia organizado o encobrimento do
assassinato. Imediatamente após o atentado contra JFK, a
operação de Phillips começou a espalhar falsas histórias
que vinculavam Oswald a Castro — com uma velocidade tal
que a campanha parecia ter sido planejada. Quando o
espião aposentado finalmente foi trazido de volta perante a
comissão, foi o estudante de direito — usando camisa
xadrez vermelha e calça jeans desbotada — quem o
interrogou. Se Phillips achava que o filho de mineiro de
cabelo comprido podia ser facilmente ignorado, logo
descobriu que estava errado. À medida que Hardway
bombardeava Phillips com perguntas, o espião ia se
tornando impaciente, acendendo um cigarro atrás do outro
durante o interrogatório. Phillips chegou a fumar três ou
quatro cigarros ao mesmo tempo. “O que o deixou tão
nervoso foi que comecei a mencionar os cubanos
anticastristas citados em relatórios encaminhados pelo FBI
à Comissão Warren e o fato de que cada um cada deles
tinha um vínculo com a CIA que eu podia mostrar a ele. Foi
isso que o deixou tão irritado. Ele sabia que tudo podia
desmoronar de repente.”
Mas no final a Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos decidiu não processar
Phillips nem outros suspeitos da CIA, e o relatório final
deixou a agência de fora. O estudo declarou que o
presidente Kennedy “provavelmente fora assassinado em
decorrência de uma conspiração” — uma ruptura histórica
com o dogma do atirador solitário acatada pelo governo
federal. E o texto apontava a Máfia e os cubanos eLivross,
declarando que a conspiração podia ter envolvido membros
desses grupos. Porém, o relatório não acusou a agência de
espionagem, embora alguns dos próprios membros da
equipe da comissão — entre os quais Hardway e Fonzi —
acreditassem que certos funcionários da CIA tinham sido
profundamente implicados.
Mesmo que o relatório final da comissão tenha se
mostrado cauteloso quanto a indicar a fonte principal do
complô, Blakey não fez nenhum tipo de concessão. “Acho
que foi a Máfia”, disse francamente à imprensa. Durante
anos, Blakey foi duramente criticado por Fonzi e outros
pesquisadores do assassinato por ter focado
obstinadamente a Máfia. Alguns entre eles, como Hardway,
argumentaram que a oposição Máfia-CIA, no que diz
respeito ao assassinato, era falsa. Em termos operacionais,
ambas as organizações haviam participado de
empreendimentos sombrios, entre os quais as tentativas de
assassinato de Castro. E Hardway estava convencido de
que agentes ardilosos haviam se juntado a gângsteres e
militantes anticastristas para assassinar JFK.
Hardway — que no decorrer dos anos ficou em contato
com seu velho professor, pelo qual sentia muito respeito e
afeto — continuou discutindo esse mesmo ponto com
Blakey sempre que conversaram. “Não sei quantas vezes
desde 1978 Bob e eu tivemos essa conversa”, disse
Hardway, que se estabeleceu como advogado em uma
pequena cidade da Carolina do Norte. “Eu dizia: ‘Bob, você
está certo, a Máfia estava envolvida. Mas Bill Harvey, David
Phillips e alguns outros da CIA também’. E ele respondia:
‘Não, não estavam, Dan’. E eu dizia: ‘Estavam, Bob’.”
Em abril de 2001, um acontecimento abalou as
convicções de Bob Blakey. Naquele mês, a revista semanal
Miami New Times publicou uma matéria sobre George
Joannides — o veterano agente da CIA que Hardway e
Lopez haviam acusado de tentar obstruir sua investigação.
O artigo revelava que Joannides, que estava baseado em
Miami no começo dos anos 1960, era o agente encarregado
do DRE — o grupo de estudantes eLivross cubanos
financiado pela CIA que havia feito de tudo para provar que
Oswald era uma marionete de Castro, antes e depois de
Dallas. Em outros termos, Joannides havia tido um papel
intrigante no caso Oswald, porém decidira esconder esse
fato da comissão de Blakey. Entretanto, o espião de
carreira — que morrera em 1990 — usara sua ligação com
a comissão para impedir que a CIA fosse investigada. O
artigo da Miami New Times, que fora escrito pelo jornalista
do Washington Post Jefferson Morley, deixou Blakey
estupefato e ultrajado. Havia mais de duas décadas, ele
elogiara a CIA por sua cooperação na investigação. Agora,
o professor de direito percebia que seus jovens
investigadores estavam certos a respeito da CIA: ele fora
enganado.
Blakey, furioso, disse à imprensa que se soubesse à época
quem Joannides era, o agente não teria sido usado como
ligação com a CIA — ele teria sido convocado como
testemunha e obrigado a depor: “O comportamento de
Joannides foi criminoso. Ele obstruiu nossa investigação”. A
CIA manipulara a Comissão Warren, pensava Blakley,
enfurecido, e também enganara a Comissão Reservada da
Câmara dos Representantes sobre Assassinatos. “Muitos
diziam que a cultura da agência era baseada em
prevaricação e dissimulação, e que não se podia confiar
nessas pessoas [...] Agora também penso assim.”
A credulidade de Blakley permitira que Joannides criasse
empecilhos à investigação e ajudara figuras suspeitas da
CIA, como David Phillips, a escapar do foco do Congresso.
Porém, no final da vida, Phillips estranhamente começou a
fazer confissões, fornecendo uma curiosa conclusão à saga
da Comissão sobre Assassinatos. Em uma conversa de julho
de 1986 com um ex-investigador da comissão, Phillips
comentou: “Minha opinião íntima é que JFK foi vítima de
uma conspiração, que provavelmente incluía funcionários
da inteligência americana”.
O antigo espião — que, aposentado, tentou abraçar uma
carreira literária — transformou os acontecimentos em
torno do assassinato em notas para um romance que
pretendia escrever, mas que aparentemente nunca levou a
cabo. O romance — cujo título provisório, The AMLASH
Legacy [O Legado AMLASH], inspirou-se em um codinome
da CIA para uma das conspirações de assassinato contra
Castro — retratava o assassinato de Kennedy como a
horrível e imprevista consequência dos projetos da agência
para Cuba. No roteiro de Phillips, os soviéticos —
trabalhando com um rico esquerdista americano que odiava
a CIA — haviam transformado a operação anticastrista em
um complô para assassinar JFK, o que levaria à destruição
da CIA.
“Fui um dos dois funcionários encarregados de Lee
Harvey Oswald”, declara no esboço do livro o funcionário
da agência. “Depois de termos agido para estabelecer seu
perfil de marxista, demos-lhe a missão de matar Fidel
Castro em Cuba. Ajudei-o quando ele veio à Cidade do
México para obter um visto, e, quando ele regressou a
Dallas para esperar pelo documento, encontrei-o duas
vezes. Repetimos o plano várias vezes: em Havana, Oswald
devia assassinar Castro com um rifle, posicionado de tocaia
em uma janela do andar superior de um prédio localizado
na rota que Castro frequentemente percorria em um jipe
aberto.
“Se Oswald era agente duplo ou psicopata, não tenho
certeza, e não sei por que ele matou Kennedy, mas sei que
ele usou exatamente o plano que havíamos elaborado
contra Castro. Assim, a CIA não antecipou o assassinato do
presidente, mas foi responsável por ele. Compartilho essa
culpa.”
Se esse labiríntico exercício literário acabou sendo
parcialmente uma confissão — ou uma última tentativa do
mestre da desinformação para deixar as águas do
assassinato ainda mais turvas — não está claro. Ao mesmo
tempo que Phillips se sentia obrigado a finalmente
“compartilhar” a culpa pelo assassinato de JFK, fez isso de
maneira estranhamente disfarçada. E ainda colocou a culpa
primeiro nas antigas nêmesis da CIA — Moscou e a
esquerda americana.
Contudo, pouco tempo antes de morrer, em 1988, Phillips
revelou mais coisas. Segundo o sobrinho do veterano da
CIA, Shawn Phillips, quando estava doente o espião
confessou algo ao pai de Shawn, seu irmão James, que
nunca poderia contar ao Congresso. Os dois irmãos haviam
se afastado depois que James começou a suspeitar que
David estivesse envolvido no assassinato de JFK. Sofrendo
de um câncer do pulmão em fase terminal, David ligou para
James para tentar uma reconciliação final. “Você esteve em
Dallas naquele dia?”, perguntou-lhe James. “Sim”,
respondeu David. James desligou e nunca mais falou com
seu irmão.
 
Depois que a Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos encontrou provas da
conspiração contra JFK, o júri recomendou que o
Departamento de Justiça de Carter seguisse as numerosas
direções interessantes que ela havia mostrado. Mas, como
era previsível, não houve nenhuma ação por parte do
governo, e quando Reagan tomou posse, em 1981, o
reinado do segredo em Washington se tornou ainda mais
forte.
Com um governo incapaz de investigar a si próprio, coube
à mídia tentar esclarecer os sombrios recônditos do
assassinato Kennedy. Houve enorme apoio do público para
que o inquérito decolasse, e pesquisas feitas no decorrer
dos anos mostraram que algo entre 50 e 85 por cento de
americanos acreditavam que a versão oficial do assassinato
de JFK era uma fraude. Em vez de buscar com afinco as
inúmeras explicações que ainda faltavam sobre Dallas, a
corrente principal da mídia continuou a desacreditar as
teorias que apontavam para uma conspiração, esforçando-
se mais a cada nova década para apoiar o Relatório
Warren, comido pelas traças. As mais prestigiosas
instituições que foram surgindo — aquelas com o poder de
desenterrar informações —, em vez disso, puseram-se a
serviço do governo. Os relatórios especiais sobre o
assassinato, produzidos com entorpecente regularidade por
New York Times, Washington Post, CBS, NBC, ABC, Time e
Newsweek apoiaram invariavelmente a teoria do atirador
solitário — e, em vários casos, os editores, jornalistas e
produtores citaram como fontes membros da Comissão
Warren, ou empregados do FBI e da CIA, assim como
executivos da mídia próximos dessas agências
governamentais. Em algumas ocasiões, os jornalistas que
eram vinculados à inteligência simplesmente reproduziam
a versão do governo para as ocorrências em Dallas. Como
relatou Carl Bernstein em seu arrebatador artigo da revista
Rolling Stone em 1977, a CIA mantinha em segredo
quatrocentos jornalistas a seu serviço. E documentos hoje
públicos revelam que alguns desses jornalistas trabalhavam
para a CIA quando a agência tentava manipular a cobertura
do mistério JFK.
A cobertura da mídia americana do assassinato de
Kennedy certamente entrará para a história como uma das
atuações mais vergonhosas da indústria da comunicação,
junto com sua tragicamente negligente aceitação dos casos
de falsificação por parte do governo durante as guerras do
Vietnã e Iraque. Os críticos do assassinato há muito tempo
rejeitam a aprovação obediente do Relatório Warren, uma
credulidade que se torna ainda mais estranha com o
decorrer do tempo e o acúmulo de provas em contrário.
Mas, ainda mais desconcertante é a incapacidade de os
amigos próximos de JFK na imprensa investigarem esse
crime hediondo. Alguns dos íntimos do presidente
ocuparam posições de influência no topo da mídia. Os
críticos enxergam o fracasso deles na averiguação do
assassinato não somente como uma negação do dever
profissional, mas como uma traição pessoal.
O nome do lendário jornalista Benjamin Bradlee — que
durante anos reinou como editor executivo do Washington
Post, inclusive durante os gloriosos dias de investigação da
época do Watergate — logo vem à mente quando o assunto
é esse. Ao fazer as pesquisas para escrever este livro,
comecei a me perguntar por que o homem que era o amigo
mais próximo de JFK na imprensa de Washington — alguém
com poder de derrubar a presidência de Nixon —
aparentemente não fez nada para revelar a verdade sobre o
assassinato de Kennedy.
A profunda afeição de Bradlee por JFK salta aos olhos em
sua biografia de 1975, A intimidade de John Kennedy2 —
um livro que, junto com o de Red Fay, The Pleasure of His
Company [O prazer de sua companhia], oferece uma visão
mais íntima de JFK, e é essencialmente uma história de
amor. Bradlee e sua segunda esposa, Tony, a irmã de Mary
Meyer, encontravam-se com frequência com os Kennedy na
Casa Branca, em Camp David, Palm Beach e Newport. Uma
noite, já bastante tarde, depois de uma festa regada a
champanhe, Jackie reteve Bradlee para confessar, com os
olhos cheios de lágrimas, que “vocês dois são nossos
melhores amigos”. Sem nenhuma vergonha de sua
excepcional relação com o presidente, o jornalista mais
tarde escreveu que sua amizade com JFK “dominou” sua
vida. Kennedy, declarou ele, era “charmoso, alegre,
divertido, espirituoso, capaz de rir dos outros e de si
mesmo, indulgente, faminto, incapaz de ser chato, agitado,
interessante, exuberante, brusco, profano e adorável. Ele
era tudo isso... e muito mais”. E mesmo assim, sob Bradlee,
o Washington Post mostrou pouca curiosidade sobre como
seu extraordinário amigo havia morrido.
No mesmo ano em que Bradlee publicou sua biografia
sobre Kennedy, o jornalista Robert B. Kaiser — escrevendo
na Rolling Stone — explorou a preocupante falta de
interesse da mídia em relação ao assassinato de JFK. A
falha do Washington Post em engajar recursos
investigativos no caso foi “especialmente desconcertante”,
observou Kaiser, por conta “da maneira corajosa como o
jornal conduzira o caso Watergate e da estreita amizade de
Bradlee com o presidente Kennedy”. Quando o jornalista da
Rolling Stone pediu a Bradlee que explicasse sua falta de
interesse no caso, este retrucou: “Estou com o saco cheio
dos lunáticos” — uma resposta que revelava não somente
seu desdém em relação aos pesquisadores da conspiração,
como também a visão estranhamente passiva do Post, cujo
papel seria antes identificar e deixar de lado os “lunáticos”
ao invés de dirigir sua própria investigação. “A menos que
queira achar alguém disposto a dedicar sua vida [ao caso],
é melhor esquecer”, acrescentou Bradlee. Esse comentário
também me pareceu estranhamente resignado, ainda mais
para um homem conhecido por ter declarado que os
jornalistas deveriam querer “dar o testículo esquerdo” por
uma grande história.
Após ter lido o artigo da Rolling Stone, anos depois,
concluí que devia haver outras razões para a inação de
Bradlee. Assim, decidi visitá-lo — um homem que por muito
tempo encarei, como tantos que se inspiraram no
Watergate para ingressar no jornalismo, como um ícone da
integridade do Quarto Poder. Bradlee havia muito tempo se
aposentara do cargo de editor-executivo do Post, quando
falei com ele em 2004. Mas, aos 83 anos, ainda mantinha
estatuto emérito no jornal — assim como um pequeno e
modesto escritório, onde aceitou me encontrar. Vestido de
forma casual, com suéter abotoado e calça, o lendário
editor ainda projetava a arrojada energia que o levou ao
topo da profissão.
Começamos conversando sobre suas lembranças de
Bobby Kennedy, com quem tivera uma relação um tanto
espinhosa. “Acho que talvez ele tenha se ressentido de
minha relação com Jack”, disse Bradlee. Eu lhe contei
sobre meu livro, e como minha pesquisa mostrava que,
depois dos tiros em Dallas, Bobby imediatamente suspeitou
da CIA e de seus capangas na Máfia e no mundo dos
eLivross cubanos. Bradlee não pareceu surpreso. “Meu
Deus”, disse ele com seu famoso jeito de resmungar, “se
fosse seu irmão... quero dizer, se eu fosse Bobby, eu
certamente teria aventado essa possibilidade.” Então,
Bradlee fez um comentário truncado, porém revelador:
“Sempre me perguntei se minha reação diante de tudo isso
não foi influenciada por um tipo de desgosto total em
relação à possibilidade de que [Jack] tenha sido
assassinado por...”. Ele não acabou a frase, mas a
continuação era clara: por seu próprio governo.
Continuei nessa direção com Bradlee. Ele era cunhado do
menino de ouro da CIA, Cord Meyer; e assim como outros
liberais da Guerra Fria da imprensa de Washington, ele
socializara com os dirigentes da agência nos salões de
Georgetown. Perguntei a Bradlee se já havia feito algumas
investigações discretas nesses círculos da CIA sobre o que
acontecera em Dallas.
“Tenho certeza de ter conversado com Helms sobre isso
em privado, mas, como sempre, ele não me levou em
consideração”, respondeu ele.
“Ele era bom nisso, não era?”, disse eu.
“Ah, sim, ele o convidava para almoçar e você pensava:
‘Ah, meu Deus, vou conseguir algo quente’, e não conseguia
nada.”
Então, fiz a Bradlee a pergunta que estivera pairando
durante toda a entrevista. Por que ele não fez mais como
editor do Post para conseguir a verdade? “Era final de 1965
quando me tornei editor chefe aqui”, respondeu ele, “e vou
lhe dizer que... eu estava tão ocupado tentando, em
primeiro lugar, tentando montar uma equipe [...] E então
passei um tempo enorme tentando decidir quem contratar.”
Ambos sabíamos que era uma explicação fraca.
Pressionei-o de novo. “Em retrospectiva”, perguntei, “o
senhor acha que o Post deveria ter examinado mais
atentamente o assassinato?” E então, Bradlee, que com
certeza deve achar difícil enganar outros jornalistas, deu-
me uma resposta cruamente honesta. Ele não investigou
mais a morte de seu amigo, afirmou, porque estava
preocupado com a própria carreira. “Acho que senti que, já
que eu era amigo dos Kennedy — sabe, haviam se passado
somente [dois] anos, e a primeira coisa que ele faz é chegar
no jornal que ele espera dirigir por um bom tempo e se
concentrar nisso?” Ele ficou assustado, continuou Bradlee,
“e teria sido desacreditado se tivesse levado a redação [do
Post] nessa direção”.
E então ele acrescentou um pequeno e nostálgico
comentário surpreendente em seu eufemismo. Se seu jornal
tivesse solucionado o monstruoso crime, “teria sido
fantástico”.
Sim, acenei com a cabeça. “Teria sido uma história
incrível.”
“Sim, sim”, disse Bradlee.
E foi isso. Não havia qualquer sinal de remorso pela
maneira como pusera sua ambição à frente da lealdade
com um amigo, ou de lamúria sobre o que o fato de deixar
sem solução um crime dessa magnitude provoca na alma de
uma nação. Eu sabia que Bradlee era da velha escola — os
jornalistas não choram e tudo mais. Você contabiliza as
perdas e segue adiante. Mas sua atitude era estranhamente
desprovida de emoção, mesmo para seus padrões duros e
realistas.
Mais tarde, falei com Don Hewitt, outro eminente
jornalista que conhecera os Kennedy. Como vimos, o
criador de 60 Minutes há muito tempo nutria suspeitas
sobre o que de fato ocorrera em Dallas, perguntando-se se
“tipos insatisfeitos da CIA” não estariam por trás do
assassinato de JFK. Assim como Bradlee, Hewitt —
produtor-executivo do mais bem-sucedido e estimado
programa de jornalismo investigativo na história da
televisão — ocupava uma posição que lhe permitia revolver
com profundidade o caso. E foi exatamente o que ele fez,
Hewitt insiste em dizer.
Conversei com Hewitt em 2005, um ano depois de ele
deixar o 60 Minutes. Durante os 37 anos em que ficou no
leme, o programa da CBS não revelou nenhuma história
importante sobre o assassinato. Mas, disse-me Hewitt, não
foi por falta de tentativa.
“Tentamos, tentamos e tentamos”, disse Hewitt. “Fomos
até Dallas, pedimos que alguns atiradores disparassem da
janela [do Texas School Book Depository], tentamos
entender a trajetória, de onde a bala teria vindo... sentei
naquela janela e fiquei olhando para fora por uma hora,
tentando entender — simplesmente nunca acreditei [na
versão oficial]. E este é o maior mistério da minha vida,
[por que a verdadeira] história nunca foi revelada.”
Hewitt falou mais sobre a óbvia falsidade da versão oficial
e como importantes figuras políticas dos anos 1960, como
Richard Nixon, rejeitavam-na em privado. Um importante
republicano um dia contou a Hewitt que perguntara ao ex-
presidente o que ele sabia do assassinato de JFK. “Você não
vai querer saber”, teria respondido Nixon. Mesmo
aposentado, Hewitt sentia-se claramente injuriado com o
crime sombrio.
Mais tarde, ao se despedir de mim, a lenda dos jornais
televisivos me desejou boa sorte em minha tentativa de pôr
mais luz sobre o caso. “Bem, vá em frente, porque é o
mistério da minha vida”, repetiu ele, acrescentando que
sempre se perguntara por que não houvera um número
maior de jornalistas dedicando sua “devastadora” energia à
história. “Vá em frente”, disse ele uma última vez. “Grande
história.”
Não parecia ser desdém. Parecia mais que Hewitt estava
passando o bastão, mais do que passando a bola.
Conheço as críticas feitas ao estilo de reportagem
investigativa do 60 Minutes — de que Hewitt fazia um
grande programa de confrontações dramáticas, mas não
tinha coragem de enfrentar as mais poderosas forças da
vida americana. (Basta questionar o ex-produtor Lowell
Bergman sobre a capitulação do programa diante das
grandes empresas de tabaco e as redes políticas.) Porém,
as palavras de despedida de Hewitt pareciam vir do
coração. Ele fracassara ao tentar desvendar o crime
político do século XX, mas pelo menos havia tentado. Até
então, minha geração do jornalismo não havia feito nada
melhor.
 
Por mais de uma década, o caso JFK ficou parado no ponto
em que a Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos o deixou. Então
Hollywood entrou em cena, da maneira como a fábrica de
sonhos às vezes o faz quando o país está preso em um
pesadelo do qual não consegue acordar. Em resposta à
longa paralisia do establishment político e da mídia, veio
em 1991 a terapia de choque do filme de Oliver Stone: JFK
— A pergunta que não quer calar.
O filme, um relato enaltecedor do audacioso périplo de
Jim Garrison pelo processo criminal, vasculhou
profundamente os mais recônditos medos do país,
sugerindo que Kennedy havia sido morto por um conluio da
segurança nacional no intuito de levar o país à guerra. As
elites da política e da mídia denunciaram o filme,
chamando-o de “paranoico”, “história deturpada”, “grande
mentira” de proporções hitlerianas, e perguntando-se o que
teria levado a Warner Brothers a distribuí-lo.
Contudo, um dos ex-confidentes de Kennedy correu o
risco de ver sua fama abalada ao apoiar Stone — Frank
Mankiewicz. Ele chocou o círculo do Beltway3 — incluindo
a família Kennedy — ao fazer a assessoria de imprensa do
filme em Washington. “Cada americano tem [com Oliver
Stone] uma dívida de gratidão”, anunciou Mankiewicz. “Ele
chutou uma porta que estava fechada há tempo demais.”
Mankiewicz adotou uma estratégia midiática agressiva,
devolvendo o fogo dos críticos com a mesma intensidade.
“Os escritores políticos, os escritores do establishment, os
editorialistas e os chupadores de dedo foram quase
unânimes em atacar JFK porque esse filme desafiava o
trabalho que fizeram nos anos 1960 — que foi bem pouco”,
comentou com acidez. Guiado pela agressiva estratégia
midiática de Mankiewicz, Stone respondeu abruptamente
aos inúmeros ataques que recebera no New York Times e
no Washington Post. “Talvez a história seja importante
demais para ser deixada aos jornalistas”, opinou o diretor
em um editorial do New York Times. Em janeiro de 1992,
Stone se apresentou diante do National Press Club, em
Washington, armado de um enérgico discurso escrito por
Mankiewicz. Como é que sábios jornalistas muito bem
pagos, da estirpe de Tom Wicker, Dan Rather e Anthony
Lewis, podiam rejeitar a ideia de uma conspiração,
declarou ele, quando nunca se levantaram para investigar
essa sombria possibilidade — e trabalharam na capital do
país, repleta de conspirações, desde o Watergate até o caso
Irã-Contras,4 passando pela campanha “Surpresa de
Outubro”, de Reagan, de 1980.5
A família Kennedy informou Mankiewicz de que não
aprovava sua ostensiva defesa de JFK. Anos antes, a família
decidira seguir o desejo de Bobby de focar o futuro em vez
do passado, mesmo que — como alguns membros da família
certamente sabiam — RFK estivesse seguindo outro
caminho no âmbito privado. Mankiewicz parou de receber
convites para eventos da família. Porém, o ex-assistente de
Kennedy foi resoluto. O que estava fazendo seguia o
espírito de seu antigo chefe, Bobby, que anos antes lhe dera
a missão de remexer no assassinato.
“Trabalhei em prol do filme porque acreditava nele”,
disse ele quando o entrevistei para este livro. “Oliver foi o
primeiro a abordar o assunto de verdade. O Washington
Post e o resto da mídia podem ter detonado quem veio
antes dele. Mas Oliver recebeu dois prêmios da Academia,
e o orçamento de JFK era de quarenta milhões de dólares.
Ele tinha como enfrentá-los.”
No final, Oliver Stone não conseguiu impor-se na arena
midiática, em que ainda é visto como ridículo. Mas o
diretor teve êxito no marketing, já que o público se
precipitou às salas de cinema e fez de JFK um sucesso de
bilheteria. O controverso filme também conseguiu tornar
públicos inúmeros documentos do governo relativos ao
assassinato. Stone fora persuadido pelos pesquisadores
Kevin Walsh e James Lesar a acrescentar uma legenda no
final do filme que declarava que os arquivos da Comissão
Reservada da Câmara dos Representantes sobre
Assassinatos iam ficar inacessíveis até 2029. Quando os
escritórios de Capitol Hill foram inundados por milhares de
cartas raivosas, o heroico membro da Câmara dos
Representantes, Lee Hamilton, de Indiana — mais tarde
copresidente da comissão sobre o 11 de Setembro6 e do
Grupo de Estudo sobre o Iraque7 —, apresentou a Lei do
Acervo de Arquivos sobre o Assassinato de JFK, de 1992,
perante o Congresso, que resultou na divulgação de
milhares de documentos relevantes.
Stone conseguira rapidamente o que esforçados
pesquisadores do assassinato — e membros passivos da
imprensa de Washington — não obtiveram em décadas. Não
havia nenhum indício fundamental nesse fluxo de
documentos — e é ilusório acreditar que, se tivesse existido
uma documentação que evidenciasse a existência de uma
conspiração, enterrada em algum lugar nos arquivos do
governo, ela não teria sido destruída há muitos anos. No
entanto, os documentos divulgados por meio da Lei JFK
ajudaram os pesquisadores a compor um retrato
subterrâneo do governo Kennedy, com suas exaltadas
intrigas e dissidências em relação a pontos críticos como
Cuba e a Guerra Fria. Os arquivos forneceram mais
contextos para explicar por que Bobby Kennedy, entre
outros, imediatamente suspeitou que seu irmão tivesse sido
vítima de uma “ampla conspiração política”.
Assim como outras investigações do Congresso dos anos
1970, o filme de Oliver Stone despertou um novo espírito
investigativo na nação, que também atingiu o candidato à
eleição presidencial, Bill Clinton. Durante a campanha de
1992, Clinton e o candidato à vice-presidência, Al Gore,
responderam a perguntas sobre JFK, dizendo que todo
documento relevante do governo deveria ser publicado.
Quando Clinton se mudou para o Salão Oval, uma de suas
primeiras diretivas para Webster Hubbell — seu parceiro
de golfe do Arkansas que ele nomeara procurador-geral
associado — foi que descobrisse “quem matou JFK”. Havia
uma tocante inocência no pedido do jovem presidente, um
ingênuo otimismo segundo o qual os presidentes podiam
facilmente chegar ao fundo desse sombrio e profundo
orifício — algo que Lyndon Johnson e Richard Nixon
poderiam ter retificado para ele. Hubbell, que mais tarde
perdeu o cargo por causa de um escândalo, examinou o
caso Kennedy, mas relatou que não “estava satisfeito com
as respostas que obtivera”.
A nova onda de ceticismo deslanchada por JFK mostrou
ter vida curta. Em 1993, um ex-advogado chamado Gerald
Posner publicou um novo ensaio sobre o Relatório Warren
intitulado Case Closed. A mídia rapidamente o apoiou,
transformando-o em sucesso de vendas. O livro — que
concluía que “um sociopata fracassado de vinte e quatro
anos, armado com um rifle de doze dólares e consumido
por sua própria motivação torta, acabou com Camelot” —
não somente tinha uma reconfortante simplicidade, como
limpava a barra da imprensa. Os jornalistas que haviam
acreditado na palavra do governo sobre o assassinato
sentiram-se eximidos de qualquer culpa.
Em 2003, o próprio Posner não parecia ter tanta certeza
de que o caso estivesse encerrado. Depois de ter tomado
conhecimento das revelações do jornalista Jefferson Morley
sobre o agente da CIA  George Joannides e a Comissão
sobre Assassinatos, Posner escreveu um ensaio para a
Newsweek pedindo que a agência de espionagem fosse
clara quanto a Dallas. O jogo duplo da CIA no Congresso
“não é um comportamento que inspire a confiança pública”,
escreveu Posner. “As especulações gratuitas sobre a
conspiração só são alimentadas pela obstrução da CIA. O
público americano tem o direito de saber tudo o que o
governo sabe sobre o assassinato do presidente e de Lee
Harvey Oswald.”
Porém, a mídia continuou a insistir que o caso estava
encerrado. Cerca de meio século depois do assassinato de
Kennedy, a história parecia perdida em um limbo, presa em
algum lugar da consciência pública entre Stone e Posner.
Então, no final de 2006, uma série de eventos começou a
sacudir o caso, adormecido havia muito tempo.
 
Em novembro daquele ano, o programa da BBC Newsnight
apresentou uma provocante reportagem do diretor Shane
O’Sullivan alegando que três agentes da CIA haviam sido
flagrados por uma câmera no Ambassador Hotel na noite
em que Robert Kennedy foi assassinado, sugerindo que eles
estavam envolvidos no crime. A reportagem da BBC
identificava os três homens como veteranos da operação
anticastrista baseada em Miami: George Joannides, o
antigo funcionário que, em 1978, enganara os
investigadores da Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos; David Morales, chefe
da base da operação paramilitar JM/WAVE e, assim como
Joannides, suspeito de longa data de ter participado da
conspiração contra Kennedy; e um homem que o diretor
O’Sullivan identificou como Gordon Campbell, chefe
suplente da base JM/WAVE. O’Sullivan apresentou
testemunhos contraditórios sobre a identidade dos três
homens fotografados e filmados naquela noite. Alguns
antigos colegas disseram que os homens eram de fato
Joannides, Morales e Campbell, enquanto outros negaram.
Apesar das dúvidas, O’Sullivan concluiu: “Meu sentimento
íntimo é que esses três funcionários da CIA estavam por
trás do assassinato de Robert Kennedy”. A CIA, disse ele à
audiência da BBC, “deve ao público uma explicação antes
que a verdade sobre o assassinato de Robert Kennedy se
perca na história”.
Logo depois da apresentação da reportagem da BBC,
contatei Jefferson Morley, do Washington Post, perito em
Joannides e na guerra anticastrista, para averiguar as
acusações contra a agência de espionagem e o Ambassador
Hotel. Morley e eu viajamos muito, entrevistando dúzias de
parentes, amigos e antigos colegas de Morales, que
falecera em 1978, e Joannides, morto em 1990.
Descobrimos que a reportagem da BBC tinha defeitos
graves. O verdadeiro Gordon Campbell revelou-se um
coronel do Exército vinculado à base JM/WAVE, e morrera
em 1962, de forma que não podia estar presente no filme
feito no Ambassador Hotel em 1968. (Quando
questionamos isso, O’Sullivan sugeriu que o homem
filmado podia estar usando o nome do morto como
pseudônimo, já que o uso de falsos nomes era prática
comum entre os agentes operacionais da CIA.) Além disso,
Morley e eu encontramos provas fotográficas que pareciam
discordar do fato de o homem alto e de pele escura filmado
pelas câmeras do jornal televisivo no Ambassador Hotel ser
Morales. As provas que reunimos sobre o suposto Joannides
eram ainda mais intrigantes, porém, ao final, se mostraram
inconclusivas. Algumas pessoas que conheciam o
funcionário da CIA identificaram o homem da foto, ereto e
de óculos, como sendo Joannides, mas outras fontes críveis
insistiram em dizer que não era ele.
Enquanto nossa investigação apontava para vários furos
na história da BBC, Morley e eu desenterramos novas
provas que vinculavam Morales e outros veteranos da
JM/WAVE ao assassinato do presidente Kennedy, e,
possivelmente, ao assassinato de Bobby Kennedy. Durante
nossa reportagem, Morales — um vínculo-chave entre a
CIA e o submundo do crime, morto pouco tempo antes de
ser interrogado pela Comissão sobre Assassinatos —
começou a aparecer como uma figura particularmente
interessante. À medida que conversávamos com pessoas
que o haviam conhecido, emergiu do falecido agente
secreto uma imagem de alguém violento e cruel, animado
por um excessivo senso de patriotismo e verdadeiro ódio a
quem ele considerava traidor, incluindo os Kennedy.
Morales foi criado em Phoenix, em uma família mexicano-
americana tão pobre que ele e seu irmão tinham que usar o
mesmo par de sapatos, de maneira que os garotos iam à
escola em dias alternados. Após entrar para o Exército no
final da Segunda Guerra Mundial, Morales foi recrutado
pela CIA enquanto servia na Alemanha no pós-guerra,
tornando-se um homem leal da “Companhia”. Sua origem
social extremamente pobre e seus escuros traços indígenas
contrastavam profundamente com a elite, originária da Ivy
League, dos supervisores da agência. Mas Morales queria
cumprir todas as ordens dada pela organização que o
resgatara de sua juventude miserável dando-lhe uma
glamorosa e arriscada vida de aventuras internacionais.
Embora tivesse alcançado uma posição de destaque na
CIA, Morales era o “peão” da agência, disse um dos
membros da família, que pediu para permanecer anônimo.
“Ele fazia tudo o que pediam. Deram-lhe um estilo de vida
que nunca teria tido em outras circunstâncias. Sua família
não era sua vida — a Companhia era sua vida.”
Wayne Smith, um veterano que passou 25 anos no serviço
internacional, trabalhando com Morales na embaixada
americana de Havana antes de Castro tomar o poder, disse:
“Dave Morales fazia o trabalho sujo para a agência. Se
tivesse feito parte da Máfia, teria sido chamado de
assassino de aluguel”.
Depois de dirigir o programa paramilitar anticastrista da
CIA em Miami — em que era estreitamente associado a
gângsteres como Johnny Rosselli —, Morales foi transferido
para o Sudeste Asiático, onde participou do famoso
programa da agência Operação Fênix, cujos alvos de
assassinato eram pessoas suspeitas de terem vínculos com
os vietcongues. Ele esteve associado a uma sangrenta
trilha de façanhas da CIA, desde o golpe da Guatemala, em
1954, passando pela caçada e execução de Che Guevara,
em 1967, até o violento golpe contra Salvador Allende, no
Chile, em 1973. (Morales, mais tarde, declarou ter estado
no palácio quando Allende foi morto.)
É fácil acreditar que Morales tenha participado do
assassinato de JFK, disse-me um parente dele — não por
conta própria, não era do seu feitio, mas se tivesse
recebido ordens para tanto. “Quando o chamam de
‘trapaceiro’, é uma mentira. Ele era extremamente leal [à
agência]. Mas posso imaginá-lo recebendo ordens para
fazer algo e as executando. Sem questionar.” Uma das
funções de Morales consistia em fazer acordos com
elementos criminosos em nome da agência, acrescentou o
membro da família. Morales pode ter recebido a ordem de
recrutar “aqueles caras sórdidos” e “levá-los até onde eles
deviam ir”, para a operação em Dallas.
Segundo seu advogado, Robert Walton, Morales revelou
ter se envolvido em ambos os assassinatos dos Kennedy.
Walton declarou isso a vários pesquisadores no decorrer
dos anos, entre os quais Gaeton Fonzi, o ex-investigador do
Congresso que relatou a história em seu livro de 1993, The
Last Investigation [A última investigação]. Walton repetiu a
história, perante as câmeras de Shane O’Sullivan, para a
reportagem da BBC. Segundo Walton, Morales lhe disse:
“‘Eu estava em Dallas quando peguei... quando pegamos
aquele filho da mãe, e estava em Los Angeles quando
pegamos o outro desgraçado’. O que me disseram foi que
de algum modo ele estava envolvido na morte de John
Kennedy, e, indo um pouco mais adiante, também na de
Bobby”.
Ruben “Rocky” Carbajal — um dos amigos mais próximos
de Morales, desde a infância até o dia em que o agente da
CIA morreu — contou aos pesquisadores uma história
semelhante, mas que não ligava diretamente seu velho
conhecido aos assassinatos. Encontrei Carbajal em
Nogales, no Arizona, na cidade da fronteira em que se
aposentara, e conversei com ele durante horas no bar e na
sala de jantar de seu lugar predileto, o Americana Motor
Hotel, e em sua casa junto a uma colina que domina a árida
paisagem do México. Carbajal, que estava comemorando
seus oitenta anos junto a um grupo de antigos compadres,
com cerveja e copos de scotch, quando o encontrei, é um
homem rude e de palavras diretas. Baixo e alerta, de cabelo
branco bem penteado e bigode, ele vestia roupas de boa
qualidade — jaqueta de couro, malha de veludo bege, calça
marrom de alfaiataria e dois vistosos anéis — e se
comportava como um combativo peso-leve, apesar de sua
idade avançada. Ele e Morales haviam crescido juntos nas
duras ruas de Phoenix, brigando com os Okies e jogando
juntos na equipe de futebol da Phoenix Union High School,
em que Carbajal era zagueiro e Morales, ponteiro. Os dois
rapazes eram mais próximos entre si do que de seus
próprios irmãos; iam juntos para todo lugar, e Morales,
fisicamente maior, servia de guarda-costas para seu amigo.
O pai de Morales abandonou a família quando ele tinha
quatro anos, e a família Carbajal — que era proprietária de
um popular restaurante mexicano chamado El Molino,
frequentado por Barry Goldwater e outros VIPs do Arizona
— considerava Morales como um membro da família.
Quase três décadas após a morte de Morales, Carbajal
permanece intensamente fiel à memória do homem que ele
chamava de “Didi”. Carbajal vê as missões secretas de seu
falecido amigo para a CIA como atos de coragem que lhe
deram uma estatura heroica. “Quando algum bundão
precisava ser morto, Didi era o homem certo”, disse-me
Carbajal, bebendo Bud Lites e fumando cigarros Marlboro
sem parar na sala de jantar do Americana Hotel. “Você está
certo. Esse era o trabalho dele.”
“Ele era muito patriota. Acreditava que seu trabalho era
proteger os Estados Unidos e estava pronto para fazer
qualquer coisa passando por cima de qualquer um que
fosse contra”, acrescentou ele no dia seguinte, sentado em
um sofá de couro do bem abastecido bar de sua casa, cujas
paredes estavam cobertas por retratos de celebridades de
Hollywood, fotos de cheesecakes e cartazes de guerreiros
astecas com garotas desfalecidas. “Ele não estava nem aí.
Se seu próprio irmão tivesse falado mal dos Estados
Unidos, ele teria acabado com ele.”
Será que seu amigo estivera envolvido nos assassinatos
dos Kennedy? Carbajal não respondeu diretamente,
dizendo apenas que Morales “talvez” tivesse estado em
Dallas e em Los Angeles naqueles dias. Havia “oito milhões
de pessoas em Los Angeles... quando Bobby foi atingido, de
forma que isso pode não ter nenhum significado”, observou
ele, acrescentando que, naquele momento, Morales podia
estar lá simplesmente para visitar parentes. De qualquer
modo, disse Carbajal, nem ele nem Morales lamentaram a
morte de RFK. “Não estávamos nem aí. Já foi tarde. Quem
quer que tenha feito isso, quero agradecer-lhe — muito
obrigado.”
Carbajal sabe quem matou JFK — foi a CIA, disse ele, sem
dar o nome de ninguém. Morales e seu colega muito
próximo na CIA, Tony Sforza, disseram-lhe que a agência
estava por trás do complô de Dallas. Os Kennedy tiveram o
que mereciam, insistiu Carbajal. “[O presidente] Kennedy
estragou tudo, causou todas aquelas mortes na Baía dos
Porcos, segurou os aviões, os homens ficaram presos no
chão. Você quer que eu respeite um presidente desse tipo?
Ou um bundão que nem seu irmão?” Os Kennedy,
acrescentou, também entregaram “a maldita nação para os
negros”.
Didi e ele sentiram que JFK havia violado o código deles,
disse Carbajal. “Se o filho da puta causou a morte de todas
essas pessoas [na Baía dos Porcos], merecia morrer. Nunca
se deve mentir ao seu povo. Não é bom não ter palavra.
Meu pai meu ensinou isso. Não estou nem aí para quem
seja. Se fosse meu próprio pai que mentisse para mim, ele
mereceria morrer. Porque você não é bom. Foi assim que
fui criado. E Didi também, entende?”
Apesar de todo o trabalho sujo e perigoso que Morales
executou para a CIA, no final, acredita Carbajal, a agência
deu as costas para seu amigo. Ele suspeita que a repentina
doença de Morales e sua morte em 1978, aos 52 anos,
tenham sido induzidas por seus colegas da inteligência, que
temiam que ele falasse abertamente sobre o caso JFK
perante a Comissão Reservada da Câmara dos
Representantes sobre Assassinatos, que planejava
interrogá-lo. “Acho que é por causa disso que o eliminaram,
porque não queriam que ele falasse”, disse Carbajal. Será
que a agência tinha motivos para temer a honestidade de
Morales? “Pode ter certeza”, disse Carbajal. “Você lhe fazia
uma pergunta e ele ia direto ao ponto, bum, sem rodeios...
Você quer a verdade, aqui está.”
Morales, com sobrepeso e fumando sem parar cigarros
Pall Mall sem filtro, e com frequência tomando uma garrafa
de Johnny Walker à noite, começou a ter problemas
cardíacos depois de regressar ao Arizona após uma viagem
a Washington em que, segundo o que dissera a Carbajal,
havia bebido scotch com colegas da agência antes de
embarcar no avião. Ele morreu naquele final de semana em
um hospital de Tucson. Segundo um membro da família,
não existe mistério em relação à sua morte. “Ele teve um
ataque cardíaco. Em casa. Talvez [a investigação do
Congresso] não lhe saísse da cabeça, deixando-o
estressado, mas havia um ataque cardíaco prestes a
acontecer.” Tão logo Morales faleceu, sua família recebeu a
visita de funcionários da CIA na casa situada em Willcox,
em uma remota região apache. “Eles queriam ter certeza
de que ele havia morrido”, disse o parente, que se
encontrava na casa de Morales naquela ocasião. “Estava
morto ou não?”
A reportagem levou Morley e a mim para dentro das
catacumbas da antiga guerra da CIA em Cuba — o
submundo que Robert Kennedy suspeitava ter originado o
assassinato de seu irmão. Conversamos com outro
fantasma de longínquos dias, o lendário militante
anticastrista Antonio Veciana, ainda enérgico aos 78 anos.
Sentado no escritório dos fundos de sua loja de
suprimentos para barcos em Miami, Veciana — líder do
Alpha 66, um grupo de eLivross patrocinado pela CIA que
perpetrou ataques terroristas em Cuba — disse-nos sem
rodeios que acreditava que a CIA estivesse envolvida no
assassinato do presidente Kennedy, “mas não sei
[exatamente] quem”. Ele repetiu o que dissera aos
investigadores da Comissão sobre Assassinatos três
décadas antes, declarando que uma vez vira seu contato da
CIA — um homem que ele conhecia como Maurice Bishop,
mas que os investigadores do Congresso identificaram
como David Phillips — conversando com um homem que
mais tarde ele reconheceria como sendo Lee Harvey
Oswald no saguão de um prédio de Dallas ao qual Veciana
havia ido para se encontrar com o funcionário da CIA.
“Meu Deus, em que maldita bagunça me meti!”, teria
exclamado Veciana mais tarde, ao ver a foto de Oswald na
imprensa. Ele especula que a agência tenha querido
colocar a culpa do assassinato de JFK em Castro, como um
pretexto para invadir a ilha. Mas Veciana deixa claro que
nunca acreditou que seu odiado adversário estivesse por
trás do complô de Dallas.
O homem que outrora jurou lutar até a morte contra
Castro parece ter se acomodado à história, predizendo que,
quando o líder cubano finalmente desaparecer no pôr do
sol, haverá uma reconciliação entre Washington e Havana.
“Não concordo com isso, mas é a realidade”, diz o velho
guerreiro de cabelo cinzento e óculos, encolhendo os
ombros, porém ainda parecendo o banqueiro que fora em
Havana antes de fugir da revolução. Em 1979, ao sair de
sua loja à noite, Veciana recebeu na cabeça um tiro de
assassinos que, segundo ele, deviam ter sido enviados por
Fidel. Mas isso aconteceu há muito tempo, em outro século.
É difícil hoje acreditar que tanto sangue e traição tenham
cercado a ilha; paixão suficiente, talvez, para exigir a vida
de um presidente.
Uma das provas mais intrigantes com as quais nos
deparamos durante nossa reportagem foi uma confissão de
onze horas do lendário veterano da luta contra Castro.
Desde a época em que os pesquisadores do assassinato de
Kennedy começaram a divulgar suas teorias, sempre foram
confrontados com a mesma resposta cética: “Se tivesse
havido uma conspiração, alguém teria falado”. Mas o fato é
que, no decorrer dos anos, uma série de figuras
importantes — a começar por Lee Harvey Oswald e várias
pessoas há muito vinculadas a Dallas, como Johnny
Rosselli, David Phillips e David Morales — começaram a
falar antes de morrer. E, em fevereiro de 2007, Morley e eu
descobrimos o testamento final de E. Howard Hunt, outro
veterano da CIA em torno do qual há muito tempo giravam
rumores sobre o assassinato de JFK.
As confissões de Hunt começaram com American Spy
[Espião americano], uma biografia que ele terminou pouco
tempo antes de morrer, em janeiro de 2007. Assim como a
confissão truncada de O. J. Simpson, Hunt seguiu um
caminho estranhamente especulativo em relação ao crime
do século, escrevendo que, se a CIA havia planejado o
assassinato do presidente, era dessa maneira que
provavelmente acontecera.
Hunt sugeriu que vários importantes funcionários da CIA
podem ter se envolvido no complô, entre os quais Cord
Meyer — nome que o ghost-writer do livro, Eric Hamburg,
especulou tratar-se de um codinome da elite WASP para
Richard Helms, o chefe da agência que Hunt ainda não
conseguia nomear. (Helms “tomava muito cuidado para não
se sujar — muito cuidado mesmo”, disse Hunt de maneira
intrigante para Hamburg.) Os outros suspeitos que Hunt
elencou em seu livro eram William Harvey e Morales, um
“matador de sangue frio”, observou Hunt, que, como seu
chefe Harvey, devia ser “totalmente amoral”. Ao mesmo
tempo em que proclamava sua própria inocência, Hunt
especulava que Harvey — “um personagem estranho
encobrindo um monte de agressividade dissimulada” —
podia ter tido o papel principal na organização do
assassinato, contratando atiradores de elite da Máfia “para
administrar a bala mágica” em Dallas. Hunt chegou até a
levantar a possibilidade de que Harvey tivesse agido sob as
ordens de Lyndon Johnson.
As especulações de Hunt — um espião controverso e
exuberante cuja carreira na inteligência acabou depois que
ele foi detido por seu papel no escândalo de Watergate —
eram obviamente nada além de especulações. Mais
significativo é o que Hunt deixou fora do livro: um
esclarecedor relato que chamou nossa atenção pouco
tempo depois que ele faleceu.
O veterano espião começara suas confissões em 2004,
diante da insistência de seu filho primogênito, St. John, que
sentiu que o pai devia a verdade à história — e à própria
família. St. John era por si só um personagem exuberante
que aos dezessete anos havia ajudado seu pai a destruir
provas quando os investigadores de Watergate começaram
a pressionar Hunt — jogando o equipamento de vigilância
do assaltante em um canal do rio Potomac à noite com seu
pai. Em outra ocasião, a pedido de seu pai, St. John se
livrou de uma máquina de escrever jogando-a no charco
atrás da casa de um vizinho; mais tarde, soube que seu pai
utilizara a máquina de escrever para forjar cabogramas
segundo os quais Kennedy havia ordenado o assassinato de
Diem.
“Nunca tive ressentimento pelo fato de ele ter pedido que
eu o ajudasse a sair de problemas”, insistiu St. John. “Eu
estava feliz de poder fazer isso. Eu sabia que eu não havia
alcançado seus sonhos como filho. Não era bom estudante.
Não fui para Choate nem Exeter. Não era o filho que ele
havia esperado. Então, o fato de fazer essas coisas para ele
me dava uma força emocional. Meu pai precisava de mim.”
Nos anos seguintes, St. John Hunt seguiu a desvairada
vida de músico de rock pós-1960, consumindo e traficando
montanhas de drogas, até que, depois de ter sido
condenado por vender anfetaminas e acabar, junto com
seus filhos, na rua, ele abruptamente mudou de rumo,
largando as drogas e vivendo uma vida comum em uma
cidade da costa norte da Califórnia apropriadamente
chamada Eureka. Mais tarde formou-se em administração
de hotéis em uma faculdade local, mas continuou tocando
guitarra em uma banda de blues-rock chamada Saints and
Sinners nos finais de semana.
“Convenci meu pai a contar sua história depois de
escrever uma carta a ele, implorando-lhe para contar a
verdade antes que fosse tarde demais. Sua saúde estava
definhando, ele estava com câncer, pneumonia recorrente,
havia amputado uma perna, era uma coisa atrás da outra”,
lembrou-se St. John, sentado na sala de jantar do Red Lion
Hotel, em Eureka. Homem compacto e de bela aparência
aos cinquenta anos, ele se vestia como um músico maduro
e bem-arrumado — de terno preto e camisa — e usava um
pequeno cavanhaque aparado.
Pressionado pelo filho, Hunt começou a revelar seu
obscuro passado escrevendo notas provocativas sobre o
assassinato de Kennedy, acrescentando mais coisas em uma
fita cassete que enviou pelo correio a St. John, e finalmente
sentando-se para conversar por cerca de uma hora sobre
Dallas diante de uma câmera de vídeo, respondendo a
perguntas de St. John e Hamburg, que conhece bem a
literatura sobre Kennedy.
O último desejo no testamento de Hunt — já que é essa a
impressão que dá o rosto de barba grisalha lutando para
falar diante da câmera e do gravador, procurando
recuperar o fôlego entre dois fragmentos de sua história —
é um notável exemplo do espírito americano. “Ele sentiu
que precisava ser transparente — não somente para sua
própria consciência e para a história, mas também para
deixar algo à sua família, caso o livro fizesse algum
sucesso. Ele sempre lamentou profundamente que sua
família tenha sido destruída pelo caso Watergate.” St. John
disse que suas duas irmãs nunca perdoaram o pai por ter
participado do escândalo que dilacerou a família e levou à
morte sua mãe, Dorothy, em um misterioso acidente de
avião em 1972.
St. John acredita que seu pai quis abrir-se para ele, em
particular, devido aos riscos que o filho havia corrido por
ele durante o caso Watergate. “Tínhamos uma relação
baseada na confiança, e tudo mais... Então, anos depois,
quando implorei ao meu pai que me contasse tudo que
sabia sobre o assassinato de JFK, ele estava disposto a
isso.”
Mas esse processo confessional acabou abruptamente
quando a segunda esposa de Hunt, Laura, e os dois filhos
que tiveram intervieram — preocupados com os efeitos
colaterais da integridade de seu relato. “Papai estava sob
enorme pressão por parte de sua segunda família”, disse
St. John. “Eles lhe diziam: ‘Howard, o que está fazendo?
Está abrindo todas as portas do passado’. Tornou-se um
grande problema familiar. Eu disse a eles: ‘Isso aconteceu
com a minha família, antes de vocês’. Eu sentia que tinha o
direito de ouvi-lo contar essa história — fiquei ressentido
ao ouvi-los me dizer o que eu poderia conversar com meu
pai. Mas papai estava dilacerado. Estava velho e esgotado
naquela altura. Ele me disse: ‘Saint, essa agora é minha
família. Você também é minha família. Porém, essas são as
pessoas com as quais devo conviver. Estou velho demais
para me colocar no meio de uma guerra entre minhas duas
famílias’.” Recusando-se a aceitar as condições impostas ao
projeto pela segunda família, St. John e Hamburg
encerraram sua participação, e outro ghost-writer foi
contratado para acabar a biografia de Hunt.
Laura Hunt, professora do ensino fundamental em Miami,
confirmou que se opôs à reabertura do caso do assassinato
de Kennedy na biografia de seu marido. “As coisas estavam
um pouco tensas” em casa, reconheceu. Mas ela não rejeita
o livro, enfatizando que Hunt, embora doente, estava de
posse do seu juízo quando trabalhou nele. Também nega
que as especulações de Hunt sobre o papel da CIA no
assassinato de JFK tenham sido motivadas por sentimentos
amargos que ele poderia ter alimentado contra a agência
por não tê-lo ajudado durante o caso Watergate. “Ele nunca
ficou amargurado com eles”, disse Laura. Ele não estava
tentando “se vingar. Howard Hunt não era desse tipo”.
A mais arrebatadora revelação de Hunt sobre a CIA e o
assassinato de Kennedy se encontra em seu livro. Contudo,
antes de parar de contar ao filho primogênito seu passado
enterrado, o velho espião se aliviou de um surpreendente
segredo. E essa revelação não é mera especulação, mas o
relato de uma testemunha. Em 1963, lembrou-se Hunt, ele
foi convidado por Frank Sturgis — o agente anticastrista
amigo da Máfia que mais tarde iria se juntar à equipe de
ladrões de Hunt no caso Watergate — para um encontro
clandestino em uma segura casa da CIA em Miami. Na
reunião, um grupo de homens — entre os quais David
Morales — conversou sobre aquilo que foi denominado de
“grande evento”, o que, como logo se tornou claro, era um
complô para matar o presidente Kennedy. Depois que
Morales foi embora, Sturgis perguntou a Hunt: “Está
conosco?”. Hunt disse que tinha “dúvidas”.
“Vocês têm tudo de que precisam — por que precisam de
mim?”, perguntou Hunt a Sturgis.
“Você poderia nos ajudar com o encobrimento”, sugeriu
Sturgis.
Hunt não gostava dos Kennedy. Uma vez disse a St. John
que queria ter um adesivo de para-choque em que estivesse
escrito: “Vamos acabar o trabalho — Vamos pegar Ted”.
Mas Hunt insistiu em dizer que não havia se juntado ao
complô porque soubera que Bill Harvey estava envolvido,
um homem que ele via como “um psicopata alcoólatra”.
Depois que Kennedy foi assassinado em Dallas, relatou
Hunt, ele se tornou “assombrado” pelo assassinato, “assim
como o resto do país”. Sentia-se “feliz” por não ter tido um
“papel direto” na conspiração. Mas Hunt deixou vago seu
papel exato no complô. Em uma gravação de áudio que
enviou a St. John em janeiro de 2004, ele disse: “Eu era
jogador da reserva [no complô]”, acrescentando de forma
codificada: “Eu tinha a fama de ser honesto, e as
informações chegavam a mim”.
Sentado no Red Lion enquanto o sol invernal mergulhava
nas águas do Pacífico e a escuridão se espalhava sobre as
sequoias da costa, St. John tentou dar sentido à confissão
truncada de seu pai. Teria ele ajudado na conspiração do
assassinato do presidente Kennedy? “No final das contas,
simplesmente não sei. Mas sei que pelo menos ele previra
isso. Com certeza sabia muito mais do que disse. E eu
estava começando a conseguir muitas coisas dele quando o
calaram.”
Seja o que for que Hunt fez na vida, seu filho achou um
jeito de perdoá-lo. O discurso fúnebre que St. John fez para
homenagear o pai no seu enterro, em Miami, foi uma
efusão de amor pelo bravateiro espião que ele chamava “o
homem cheio de classe da CIA; um James Bond americano”.
Se ele foi culpado por ações criticáveis, não foi devido a um
entendimento errado da missão. “Meu sentimento pessoal”,
disse St. John às pessoas presentes, entre as quais o
parceiro condenado no caso Watergate, Bernard Barker, e
antigos militantes anticastristas como Felix Rodriguez, “é
que o profundo senso de lealdade e patriotismo de meu pai
pelo país foi explorado por homens de interesses
mesquinhos e fibra moral muito inferior”.
St. John mais tarde disse que não tinha escrúpulos de
tornar pública a confissão de seu pai em relação a JFK. Por
quê? “Porque é a verdade. E não vejo isso como algo
terrível. O assassinato faz parte da cultura política
americana. Já acontecia antes de Kennedy e vai continuar
acontecendo depois de nós.”
 
Nos anos recentes, o legado dos Kennedy foi obscurecido
por uma série de livros, documentários e artigos que
tentaram desmistificar Camelot representando JFK como
viciado em drogas, sexualmente perturbado e um indivíduo
temerário que tinha vínculos com a Máfia. Enquanto hoje a
vida privada de Kennedy certamente não escaparia ao
exame público, essa interpretação patológica ignora a
história essencial de sua presidência. Houve uma aura
heroica na administração de John F. Kennedy que não tinha
nada a ver com as brumas de Camelot. Foi uma presidência
que entrou em conflito com seu próprio tempo, e no final
encontrou certa medida de grandeza. Chegando ao poder
no ápice da Guerra Fria e sendo reféns da poderosa ala
racista sulista de seu partido, os irmãos Kennedy
cresceram equilibradamente em visão e coragem —
incentivados pelos movimentos sociais dos anos 1960 — até
que o conflito se tornou tão agudo com a burocracia da
segurança nacional e os democratas do Sul, que eles
correram o risco de rachar seu próprio governo e o partido.
Essa é a verdade histórica fundamental sobre a presidência
de John Fitzgerald Kennedy.
E agora, retidos na onda anti-Kennedy atualmente em
voga, importantes jornalistas como Christopher Hitchens
rejeitam JFK como um “gângster vulgar”. Um dos
resultados dessa implacável campanha contra Kennedy foi
minguar a indignação do público com a falta de solução do
assassinato. Afinal de contas, se o presidente Kennedy era
uma pessoa tão escabrosa, onde está a tragédia de seu fim
violento?
Tornou-se moda também, em toda a baboseira da mídia
sobre Dallas que todo ano ocupa o espaço midiático por
volta do dia 22 de novembro, os comentaristas opinarem
que “provavelmente nunca saberemos a verdade sobre o
assassinato de John F. Kennedy” — uma profecia que se
realiza por si só e os alivia de qualquer responsabilidade na
busca da verdade. Ironicamente, alguns dos países
politicamente mais atrasados em que Bobby Kennedy deu o
pontapé inicial de sua entusiástica missão nos anos 1960 —
entre os quais a África do Sul, a Argentina e o Chile —
fizeram vigorosos, para não dizer penosos, esforços no
intuito de enfrentar os mais profundos traumas de seu
passado, como assassinatos, sequestros e torturas. Na
África do Sul, o processo pós-apartheid de autoexame
político e moral ficou conhecido como “verdade e
reconciliação”. Nos Estados Unidos, entretanto, os mais
sombrios mistérios políticos das recentes décadas —
inclusive o assassinato do presidente Kennedy — ainda
precisam ser explorados até o fim. Desde Dallas até o
Vietnã e o Iraque, a verdade tem sido sempre evitada, e os
perpetradores nunca responderam por suas ações. Quando
a nação reuniu coragem para formar comissões, essas
investigações logo depararam com portas trancadas que
até hoje estão fechadas. O palco desse reinado do segredo
foi montado no dia 22 de novembro de 1963. A lição de
Dallas foi clara. Se um presidente pode ser morto com toda
a impunidade, em pleno dia, nas ruas ensolaradas de uma
cidade norte-americana, então qualquer tipo de
dissimulação é possível.
Os pesquisadores do assassinato insistem em dizer que
não é tarde demais, mesmo depois de tanto tempo, para
reabrir a investigação sobre JFK. A maior parte das pessoas
que podiam ter esclarecido o crime hoje estão mortas,
reconhecem os pesquisadores, mas a pista ainda não
desapareceu totalmente no longínquo horizonte da história.
Os pesquisadores listam uma série de ações que ainda
podem ser tomadas. O governo deveria ser obrigado a
publicar os arquivos de JFK que ainda estão retidos —
inclusive 1.100 documentos relativos a George Joannides
que a CIA admitiu guardar. Da mesma forma, a CIA deveria
ser instada a tornar públicos os registros de telefonemas e
viagens de outros agentes suspeitos de envolvimento nos
assassinatos de JFK e RFK, como David Morales.
Washington deveria somar a isso um pedido formal aos
governos cubano e mexicano para tornarem públicos seus
documentos sobre o caso. O Departamento de Justiça
deveria oferecer anistia a todos que dessem testemunhos
relevantes, ao mesmo tempo em que não manteria segredo
das informações obtidas. Duradouras disputas sobre os
eventos da Dealey Plaza — tais como as calorosamente
discutidas “impressões digitais acústicas” das gravações
dos policiais motociclistas de Dallas, as quais parecem
indicar que houve ao menos cinco tiros naquele dia —
deveriam ser resolvidas, utilizando-se os mais sofisticados
recursos judiciais, entre os quais os do laboratório federal
Lawrence Livermore, que, estranhamente, recusou-se a
cuidar do caso. Por fim, a família Kennedy deveria ser
persuadida a tornar públicos todos os documentos sob seu
controle — inclusive os de John e Robert Kennedy e os de
Jacqueline Kennedy Onassis — ainda submetidos a uma
frustrante restrição.
Por natureza, os pesquisadores do assassinato são
incansáveis. Foi essa característica que permitiu a eles
continuar, apesar de anos de obstrução por parte do
governo, do ridículo da mídia e da perplexidade da família
e dos amigos. Porém, afora essa comunidade cada vez
menor de almas inconformadas, um mal-estar paira sobre a
cruzada JFK.
Alguns daqueles que têm um longo histórico de
envolvimento no caso estão profundamente pessimistas.
Quando visitei Bob Blakey, em novembro de 2003, uma
semana antes do quadragésimo aniversário do assassinato
de JFK, ele parecia resignado à ideia de que o crime nunca
seria solucionado. Conversamos em sua casa, perto do
campus da Universidade de Notre Dame, em que ele ensina
direito, sentados em confortáveis poltronas em seu
escritório pouco iluminado, onde as tremeluzentes chamas
da lareira nos protegiam do frio de uma tarde nublada.
Perto do fim da entrevista, Blakey me disse que os Kennedy
não pareciam mais ser importantes, pelo menos para os
norte-americanos que nasceram depois do assassinato de
JFK. “Os Kennedy não fazem parte dessa geração”, disse
ele. “Eu ensino para essa geração. [O assassinato] não é
grande coisa para eles. Cresceram em um mundo
diferente.”
“Como a história irá resolver o mistério Kennedy?”, eu lhe
perguntei. “Meu palpite é que a Comissão Warren vai
prevalecer”, disse o homem cuja investigação a mando do
Congresso constituiu o primeiro — e último — desafio ao
Relatório Warren. A teoria do atirador solitário tem a
virtude de ser simples, explicou Blakey. Era um tema
sinistro para se voltar depois de quarenta longos anos.
Dois anos depois, eu me encontrava no Museu da
Televisão e do Rádio em Beverly Hills, sentado em um
pequeno cubículo, percorrendo a vida de Bobby Kennedy
no vídeo. Talvez Blakey estivesse certo e a história de
Kennedy não fosse mais relevante para muitos americanos.
Mas as imagens em branco e preto que passavam diante de
mim naquele dia pareciam carregadas de um doloroso
significado, mesmo hoje.
O último filme a que assisti mostrava Bobby em 1968, e
sua participação em um programa da TV aberta de San
Francisco chamado Kaleidoscope, enquanto se preparava
para sua última campanha. O entrevistador fazia perguntas
incisivas, porém polidas, típicas da televisão aberta. Mas
Bobby parecia aflito, e a entrevista tomou a estressante
intensidade de um psicodrama. Em closes, a câmera
captava seu rosto áspero, arruinado pelo tempo, e seus
lábios rachados. O país estava desmoralizado e furioso,
observava o entrevistador. Ele também poderia ter
destacado que o país sofria um tipo de podridão moral e
falta de alma devido à guerra horrível e sem saída que
começava a se infiltrar em todos os cantos da vida
americana. Nessas brutais circunstâncias, por que ele iria
se comprometer com a arena política?, perguntou a
Kennedy. Trabalhar para o bem público “não era um
sacrifício”, respondeu Bobby. “As pessoas mais infelizes do
mundo são aquelas preocupadas apenas consigo mesmas.”
Todavia, mesmo às vésperas da aventura política de sua
vida, Bobby não parecia feliz. Bobby nunca usara máscara.
Diante das câmeras, naquele dia, ele estava calmo,
pensativo, irônico. Sentia-se constitucionalmente incapaz
do animado artifício e da vazia bravata exigida dos políticos
americanos. E mesmo assim, ele realmente acreditava nos
Estados Unidos — simplesmente se recusava a aceitar
aquilo em que o país estava se tornando.
Depois de uma longa conversa sobre os problemas do
país, o entrevistador perguntou a Bobby: “Mas o senhor é
um otimista?”. Kennedy anuiu com a cabeça e deu aquele
seu sorriso de olhar cansado. “Apenas porque não se pode
viver de outra maneira, não é?”, respondeu. Ele foi o
primeiro e último líder existencial americano.
Vivemos uma época sombria, de conflitantes
fundamentalismos. O país está sendo governado por uma
administração que fez do segredo e da obediência um
objeto de culto.8 Estamos presos a outra guerra sem fim,
desta vez contra o “terror” — ou talvez seja uma batalha
contra o próprio medo. Mas, nos momentos mais
desanimadores, o recado de Bobby Kennedy parece mais
imperativo do que nunca: Não podemos seguir adiante,
devemos seguir adiante. Será que os americanos ainda
querem a verdade — a começar por Dallas e depois
Guantánamo? Será que querem retomar o país? Disso não
tenho certeza. Mas preciso ser otimista. Apenas porque não
há outra saída, não é mesmo?
 
1 . Uma das cinco famílias da máfia ítalo-americana de Nova York. [N. T.]
2 . Conversations with Kennedy, publicado no Brasil em 1977 pela editora
Artenova. [N. T.]
3 . Ver nota 16 do Capítulo 2 (1961).
4 . Escândalo político de 1986 em que membros do governo de Ronald Reagan
foram acusados de ter vendido ilegalmente armas ao Irã, apesar do embargo
militar ao país. Os lucros provenientes dessa venda teriam servido para
financiar os chamados Contras, um movimento contrarrevolucionário
nicaraguense contrário ao governo sandinista de Daniel Ortega. [N. T.]
5 . A expressão “October surprise” [surpresa de outubro] é usada no jargão
político americano para definir um evento capaz de influenciar o resultado da
uma eleição. Há uma teoria segundo a qual o candidato republicano à eleição
presidencial dos Estados Unidos de 1980, Ronald Reagan, teria conspirado
para adiar por 11 meses a libertação de reféns americanos, detidos na
embaixada americana de Teerã desde novembro de 1979, até depois do
resultado das eleições presidenciais americanas. Assim, Reagan teria evitado
que o então presidente Jimmy Carter, candidato à reeleição, pudesse se
aproveitar dessa libertação (ou “surpresa de outubro”) durante a campanha
para vencer as eleições. [N. T.]
6 . A National Comission on the Terrorist Attacks upon the United States
[Comissão Nacional sobre os Ataques Terroristas contra os Estados Unidos] é
uma comissão de inquérito presidencial criada em 2002 para estudar as
circunstâncias dos atentados de 11 de setembro de 2001. A comissão
publicou seu relatório final em julho de 2004. [N. T.]
7 . Também conhecido como Comissão Baker-Hamilton, trata-se de um grupo
de dez pessoas nomeadas pelo Congresso americano em 2006 para fornecer
uma avaliação sobre a situação do Iraque e da Guerra do Iraque. Em
dezembro de 2006, o grupo publicou seu relatório final, aconselhando a
retirada do Exército norte-americano do país. [N. T.]
8 . O livro foi publicado nos Estados Unidos em 2007, durante o segundo
mandato do presidente republicano George W. Bush. [N. T.]
 
Agradecimentos

Quero expressar minha gratidão a Karen Croft, que me


incentivou a escrever este livro e trabalhou com talento e
dedicação como parceira de pesquisa. Sua crença na
importância deste empreendimento foi uma fonte constante
de incentivo, em todos os momentos, nos bons e nos ruins.
Quero também agradecer especialmente a Jefferson
Morley e Peter Dale Scott, cujas pesquisas sobre o
assassinato de Kennedy antecederam as minhas. Eles
generosamente concordaram em ler e comentar meu
manuscrito, e sempre se mostraram disponíveis para
conversas esclarecedoras. Morley e Scott merecem a
gratidão do país pelos longos anos de investigação, apesar
dos vários obstáculos colocados em seu caminho por
agências governamentais e da desanimadora atitude de
muitos de seus colegas acadêmicos e da imprensa.
Eu gostaria também de agradecer a outros peritos no
assassinato de Kennedy, por sua generosa cooperação,
entre os quais James Lesar, Anthony Summers, Robbyn
Swan, Malcolm Blunt, Ray Marcus, Vincent Salandria,
Gaeton Fonzi, William Turner, Josiah Thompson, dr. Gary
Aguilar, John Simkin, Paul Hoch, Lisa Pease, Rex Bradford,
Gus Russo, Eric Hamburg e Andy Winiarczyk. Eles sempre
procuraram ter um entendimento completo do caso, acima
de qualquer convicção pessoal, toda vez que tive que lidar
com eles, compartilhando de forma altruísta documentos,
fontes, opiniões e tempo. Também eles deveriam ser
reconhecidos por seu trabalho pioneiro e contínuo nesse
assunto.
Cliff Callahan, um inteligente explorador das catacumbas
do governo, forneceu uma inestimável ajuda nas pesquisas,
descobrindo importantes documentos nos Arquivos
Nacionais.
Stephen Plotkin, Allan Goodrich, Maryrose Grossman e
Megan Desnoyers foram meus guias na John F. Kennedy
Presidential Library, embora as permanentes restrições à
consulta do material referente à era Kennedy tenham sido
motivo de perplexidade e frustração para eles.
Gary Mack e a equipe do Sixth Floor Museum, em Dallas,
também forneceram ajuda, assim como as equipes da
Lyndon Baines Johnson Library, do U.S. Naval Institute, do
American Heritage Center, em Laramie, Wyoming, da Palm
Beach Historical Society, do Museum of Television and
Radio, em Beverly Hills, e da State Historical Society of
Wisconsin, cujos arquivos foram analisados em meu nome
por Scott Feiner.
Meu cunhado, Don Peri — cuja juventude, assim como a
minha, foi acesa pela chama Kennedy —, trouxe de seus
arquivos pessoais um fluxo constante de materiais sobre os
Kennedy e os disponibilizou para mim.
Celia Canfield, Karla Spormann e a equipe da Tendo
Communications, que me forneceu abrigo durante a
tempestade, e às quais sempre serei grato.
Kelly Frankeny graciosamente colocou seu grande talento
de designer a serviço deste livro.
Tive a sorte de ter Martin Beiser, da Free Press, como
editor e ouvinte. Sempre pude contar com seu instinto e
sua sábia opinião. Numa época em que a arte da edição foi
totalmente perdida, a destreza de Marty e sua habilidade
no manuseio da caneta são mais do que milagrosas.
Sloan Harris, meu agente, também foi uma fonte de
aguçada sabedoria — às vezes dolorosa.
Poucos escritores foram tão abençoados por seu conselho
editorial particular quanto eu. Minha esposa, Camille Peri,
não somente é uma fonte de inspiração como também a luz
que me guia. Ela me diz quando erro e acerto. E acredito
nela.
Finalmente, quero agradecer aos inúmeros colegas,
amigos e membros da família Kennedy que compartilharam
comigo suas lembranças da vida e da morte de John e
Robert Kennedy. Alguns acharam emocionante explorar sob
uma nova luz os ocultos recantos do passado. Outros
acharam isso doloroso. Espero que este livro honre o
compromisso de todos com a verdade.
 
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Simon & Schuster, 1979.
Copyright © 2007 por David Talbot
Publicado mediante acordo com Free Pass, uma divisão da Simon & Schuster, INC.
Título original: Brothers – The Hidden History of the Kennedy Years

 
Diretor editorial: Thales Guaracy
Gerente editorial: Rogério Eduardo Alves
Editora: Débora Guterman
Editores-assistentes: Johannes C. Bergmann, Paula Carvalho e Richard Sanches
Assistente editorial: Luiza Del Monaco
Assistente de direitos autorais: Renato Abramovicius
Edição de arte e capa: Carlos Renato
Serviços editoriais: Luciana Oliveira
Estagiária: Lara Moreira Félix

 
Preparação: Francisco José M. Couto
Revisão: Beatriz Antunes e Juliana Rodrigues de Queiroz
Índice remissivo: Tomoe Moroizumi
Conversão para o arquivo ePub: Deborah Mattos
Imagem de capa: Getty Images

 
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
T147i
Talbot, David, 1951-
Irmãos [recurso eletrônico] : a história por trás do assassinato dos Kennedy / David Talbot ; [tradução
Francisco José M. Couto]. - São Paulo : Benvirá, 2013.
656 p., recurso digital
Tradução de: Brothers: The hidden history of Kennedy years
Formato: ePub
Requisitos de acesso: Adobe Digital Editions
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-64065-89-5 (recurso eletrônico)
1. Kennedy, John F. (John Fitzgerald), 1917-1963. 2. Kennedy, Robert F., 1925-1968. 3. Presidentes -
Estados Unidos - Biografia. 4. Segurança nacional - Estados Unidos - História - Século XX 5. Estados
Unidos - Política e governo - 1961-1963. 6. Estados Unidos - Política e governo - 1963-1969. 7. Livros
eletrônicos. I. Título.
12-8708. CDD: 973.922
CDU: 929:32(73)
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