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Contracapa

"Brilhante! Absolutamente espantoso! Os detalhes médicos, históricos e


investigativos do assassinato de Lincoln nos fazem sentir como se
estivéssemos lá, observando a cada segundo a violência astuciosamente
calculada de John Wilkes Booth e a morte horrorosa e inevitável de um
grande presidente. O impressionante relato de Swanson coloca o leitor no
quarto onde Lincoln jaz moribundo e o faz cruzar o interior do país por
onde Booth tenta escapar. É quase impossível parar de ler este livro.”
PATRÍCIA CORNWELL

Autora de Lavoura de corpos e Retrato de um assassino


"James L. Swanson escreveu uma excelente narrativa da caça ao
assassino de Lincoln que vai prender a atenção do leitor do início ao fim. É
um livro triunfal.”
DORIS KEARNS GOODWIN

Autora de Tempos muito estranhos


"James L. Swanson revive um dos maiores eventos da história
americana: a emocionante caçada humana empreendida contra John Wilkes
Booth. Sua narrativa, muito bem elaborada, prende o interesse do leitor do
início ao fim.”
EDWARD STEERS JR.

Autor de Blood on the Moon: The Assassination of Abraham Lincoln


Orelha
NA NOITE DE 14 DE ABRIL DE 1865, John Wilkes Booth, armado
com uma pistola Deringer, irrompeu no camarote de Abraham Lincoln no
Teatro Ford e acertou o presidente com uma única bala. Então, saltou ao
palco vociferando o lema do estado americano da Virginia e a frase "0 Sul
está vingado”, fugindo depois em disparada.
0 assassinato de Abraham Lincoln impulsionou a maior caçada a um
homem em toda a história americana. De 14 a 26 de abril de 1865, 0
assassino levou a cavalaria da União e os detetives a uma intensa procura
pelas ruas de Washington, pelos pântanos de Maryland e florestas da
Virginia, enquanto -©- país inteiro, recém-saído da guerra civil, se
horrorizava e entristecia com 0 desenrolar dos fatos. Em ritmo de suspense,
James L. Swanson investiga os mistérios por trás das motivações de Booth
e os planos arquitetados numa tentativa de reverter os resultados da guerra.
Cartas autênticas, depoimentos, relatos de testemunhas oculares,
obscuras transcrições de julgamentos e anotações no próprio diário de
Booth dão à Caçada ao assassino de Lincoln uma fascinante sensação de
proximidade. Nesta narrativa intensa e cativante, Swanson apresenta a
venenosa gangue de acólitos do assassino e os detalhes dos planos de pôr
fim à vida não apenas do presidente, mas também do vice-presidente e do
secretário de Estado.
Uma trama que poderia passar por mirabolante, não fosse verdadeira e
extensamente documentada, A caçada ao assassino de Lincoln é um conto
fascinante de assassinato, intriga e traição. Uma história de caça e caçadores
como nunca antes vista.
JAMES L. SWANSON
Advogado e especialista em Lincoln, ocupou cargos em diversos órgãos
e conselhos do governo de Washington. Escreveu sobre história e cultura
popular para diversas publicações, entre as quais o Wall Street Journal, o
Los Angeles Times e o American Heritage. É membro do comitê consultivo
da Comissão do Bicentenário de Abraham Lincoln.
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de
Livros, RJ.
Swanson, James L.
S977c A caçada ao assassino de Lincoln / James L. Swanson;
tradução Ricardo Silveira. - Rio de Janeiro: Record, 2007.
Tradução de: Manhunt: the 12-day chase for Lincoln’s killer
Inclui bibliografia ISBN 978-85-01-07651-9
1. Lincoln, Abraham, 1809-1865 - Assassinato. 2. Booth, John Wilkes,
1838-1865. 3. Fugitivos da justiça - Estados Unidos - Estudo de casos. 4.
Crime contra os chefes de Estado - Estados Unidos - Estudo de casos. 5.
Investigação criminal - Estados Unidos - Estudo de casos. I. Título.
CDD - 364.15240973
06-4326 CDU- 343.31(73)
Título original em inglês:
MANHUNT: THE 12-DAY CHASE FOR LINCOLN’S KILLER
Copyright © 2006 by James L. Swanson
CAPA: RAFAEL NOBRE
Publicado mediante acordo com HarperCollins Publishers
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou
transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia
autorização por escrito. Proibida a venda desta edição em Portugal e resto
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ISBN 978-85-01-07651-9
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Aos meus pais,
Lennart e Dianne Swanson
Eu nunca tive um sentimento político que não se originasse na
Declaração de Independência... que nos deu a promessa de que, no seu
devido tempo, o fardo seria erguido dos ombros de todos os homens e que
todos teriam oportunidades iguais... Agora, meus amigos, será que este
país pode ser salvo com base nesse princípio?... Se não puder... se este país
não puder ser salvo sem abrirmos mão dele... eu preferiria ser assassinado
aqui e agora.
— PRESIDENTE ELEITO ABRAHAM LINCOLN
DURANTE DISCURSO PROFERIDO EM 22 DE FEVEREIRO DE
1861, DEZ DIAS ANTES DE FAZER O JURAMENTO DE POSSE
COMO DÉCIMO SEXTO PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS
O surgimento desse homem, sua linhagem, suas piadas e anedotas
grosseiras, seus sorrisos vulgares e todas as suas políticas são uma
desgraça para o cargo que ele ocupa... eh é... a ferramenta do Norte, para
acabar ou tentar acabar com a escravatura, através de roubalheira e
rapinagem, comprando exércitos... um presidente falso que almeja a
sucessão como se fosse um rei...
— JOHN WILKES BOOTH PARA SUA IRMÃ NUMA
RESIDÊNCIA PARTICULAR POUCO ANTES DA REELEIÇÃO DO
PRESIDENTE LINCOLN EM NOVEMBRO DE 1864
Nota ao leitor
Esta história é verdadeira. Todos os personagens são reais e estavam
vivos durante a grande perseguição de abril de 1865. Suas palavras são
autênticas. Todo texto que aparece entre aspas vem de fontes originais:
cartas, manuscritos, declarações, transcrições de julgamentos, jornais,
relatórios governamentais, panfletos, livros, memórias e outros documentos.
O que aconteceu em Washington, D.C., na primavera de 1865, e nos
pântanos e rios, e nas florestas e campinas dos estados de Maryland e
Virginia durante os doze dias seguintes, é por demais incrível para que
possa ter sido inventado.
— JAMES L. SWANSON
Prólogo
O DIA IA MAL PARA OS FOTÓGRAFOS. VENTOS FORTES E
TROVOADAS varriam toda a cidade de Washington desde a madrugada,
transformando as ruas de chão batido em lamaçal misturado com lixo e
excremento de cavalos. Aconselhava-se que as mulheres ficassem dentro de
casa, para o seu próprio bem. O céu cinzento na manhã de 4 de março de
1865 ameaçava estragar o grande dia. A um quarteirão de distância do
Capitólio, na direção leste, um advogado especializado em patentes e
fotógrafo nas horas vagas chamado William M. Smith aprontou sua câmera
e direcionou as lentes para o palanque de madeira montado às pressas sobre
os degraus da Fachada Leste. Sua tarefa era fazer uma fotografia histórica: a
primeira imagem tirada, durante uma posse presidencial, do domo que
acabava de ser concluído. Smith ajustou a aparelhagem até que as lentes
capturassem uma visão panorâmica vertical, enquadrando desde o pedestal
da estátua de mármore de George Washington, lá embaixo no gramado,
obra de Horatio Greenough, até o topo do domo, coroado com a estátua da
“Liberdade”, esculpida em bronze por Thomas Crawford. Abraham Lincoln
mandara que a obra do domo continuasse durante a guerra como sinal de
que a União prosseguiria.
Mais próximo ao Capitólio, sobre outro palanque, Alexander Gardner
montou sua câmera para fotografar a cerimônia. Os grandes negativos de
chapa de vidro que Gardner usava capturavam não somente as imagens do
presidente, vice-presidente, juízes do supremo tribunal e outros dignitários
que ocupavam as arquibancadas como também os rostos anônimos das
centenas de espectadores ali presentes diante da Fachada Leste. Um desses
rostos se destaca na multidão. Junto à grade de ferro de uma varanda acima
das arquibancadas encontra-se um jovem de bigode preto e cartola olhando
fixamente para o presidente lá embaixo. Trata-se do aclamado ator John
Wilkes Booth.
Abraham Lincoln levantou-se de sua cadeira e foi até o pódio. Estava no
auge do poder, com a Guerra Civil praticamente ganha. Trazia numa das
mãos uma folha de papel apenas, diagramada e impressa em colunas duplas.
As pesadas nuvens eram o prenúncio de mais uma chuvarada. Então,
relatou Noah Brooks, jornalista e amigo do presidente, aconteceu o que de
mais estranho poderia acontecer: “Naquele exato momento o sol, que
estivera encoberto o dia inteiro, descortinou-se no mais limpo esplendor
meridional, inundando de glória e luz o espetáculo. Todos os corações
dispararam diante do augúrio inesperado... para que possam ser dissipadas
agora as trevas que vinham encobrindo os últimos quatro anos.” O discurso
do presidente foi breve: 701 palavras apenas.
— Com esperança, torcemos — com fervor, oramos — para que esse
flagelo de guerra passe logo... Desprovidos de má-fé, repletos de caridade;
com a firmeza do que é certo, pois Deus nos concede ver o que é certo,
vamos nos esforçar para concluir o trabalho que temos em mãos; para sanar
as feridas de nossa nação; para cuidar daquele que enfrentou a batalha, de
sua viúva, de seu órfão — fazer tudo que possa alcançar e acolher a paz
justa e duradoura, entre nós, e com todas as nações.
Os eventos subsequentes em breve haveriam de mudar a percepção que
as testemunhas tiveram do grande dia de Lincoln. Conforme Noah Brooks,
“para aqueles que viram a segunda posse, há de continuar inesquecível a
imagem patética e melancólica do homem alto que... iluminado pelo brilho
ilusório de um rompante primaveril, já estava envolto pela sombra da
morte”.
No dia 3 de abril de 1865, a cidade de Richmond, Virginia, que era a
capital dos Estados Confederados da América, caiu sob o poder das forças
da União. Agora, o fim da guerra era apenas uma questão de tempo. A rebe
lião fora massacrada e o Norte se rejubilava. As crianças corriam pelas ruas
brandindo bandeirolas de papel onde se lia: “Richmond caiu”,
“Comemoramos a queda de Richmond”. Em todo o país, as pessoas faziam
fogueiras, organizavam desfiles, disparavam armas e canhões e cantavam
músicas patrióticas. Quatro dias depois, John Wilkes Booth bebia com um
amigo, o ator Samuel Knapp Chester, no salão House of Lords, situado na
rua Houston, na cidade de Nova York. Booth deu com o punho na mesa do
bar e arrependeu-se de uma oportunidade perdida.
Fotografia histórica, tirada por William M. Smith; do segundo discurso
de posse de Lincoln.
— Que grande chance eu tive, se ao menos eu quisesse matar o
presidente no dia da posse! Eu estava nas arquibancadas, quase tão perto
dele quanto estou de você.
ATENDENDO A UMA MANIFESTAÇÃO DE SERESTEIROS NOS JARDINS DA CASA
Branca que imploravam por um discurso seu, Abraham Lincoln apareceu
numa janela do segundo andar abaixo do Pórtico Norte em 10 de abril para
saudar a turba que comemorava a vitória do general Grant em Appomattox
no dia anterior. Lincoln não tinha um texto preparado e não queria falar
sobre um assunto que tivesse qualquer consequência, o que incluía sua
política pós-guerra para o Sul. Lançou mão, então, do seu dispositivo de
oratória preferido para distrair e desarmar os ouvintes — o humor.
— Vejo que vocês trouxeram uma banda de música... Sempre achei
“Dixie” uma das melhores músicas que já ouvi na vida. Nossos adversários
tentaram se apropriar dela, mas insisti ontem que nós a havíamos capturado
justamente. Apresentei essa questão para o procurador geral e seu parecer
foi o de que ela é para nós um prêmio legítimo. Portanto, peço que a sua
banda me dê o prazer de executá-la para mim.
MASSACRADO PELA QUEDA DE RICHMOND E PELO INCÊNDIO QUE CONSUMIU
quase toda a capital rebelde, John Wilkes Booth deixara a cidade de Nova
York no dia 8 de abril e voltara para Washington. Ao chegar, enfrentou
notícia ainda pior. No dia 9, Lee e o Exército da Virginia do Norte se
renderam a Grant em Appomattox. A causa estava perdida. Booth saiu pelas
ruas, vagando em desespero até encontrar-se com Henry B. Phillips, que o
convidou para irem ao salão Birch tomar um trago. Desconsolado, Booth
aceitou.
— Pois, vamos. Qualquer coisa que afaste a tristeza!
A rendição de Lee, diz Booth, “foi o que bastou para entristecer a
todos”.
NA NOITE DE 11 DE ABRIL, ALGUNS POUCOS MILHARES DE CIDADÃOS COM
lanternas, faixas e cartazes se aglomeraram no balão de retorno da pista de
acesso à Mansão Executiva. O jornalista Noah Brooks, um dos favoritos de
Lincoln, estava com o presidente e observava o movimento a partir de uma
janela abaixo do Pórtico Norte: “Depois de ter sido chamado várias vezes
pelos brados entusiasmados da multidão, o presidente apareceu na janela, o
que detonou uma forte manifestação. Havia algo de terrível no entusiasmo
com que o Supremo Magistrado foi recebido.” Elizabeth Keckley, a
costureira negra e confidente de Mary Lincoln, também sentiu o estado de
espírito. “Perto da casa, podiam-se discernir bem os rostos, mas eles se
imiscuíam na visão diáfana que se tinha na periferia da multidão; e o que se
somava ainda à estranha beleza espectral da cena era o estampido confuso
das vozes que se elevavam acima do mar de formas, soando qual o estrondo
sombrio e represado de uma tempestade em alto-mar.”
Desta vez, Lincoln estava a postos. Havia escrito um texto longo, de
pouca exultação, elaborado de forma a preparar o povo para a
Reconstrução. Quando alguém no meio da multidão gritou que não
conseguia ver o presidente — “Luz! Uma luz!” — Tad Lincoln se ofereceu
para iluminar o pai:
— Deixe que eu seguro a luz, pai!
Lincoln foi deixando cair no chão página por página do discurso após a
leitura, e Tad as recolheu.
— Reunimo-nos esta noite, não por pesar, mas pela alegria em nossos
corações. A retirada de Petersburg e Richmond e a rendição do principal
exército insurgente dão esperança de uma paz rápida e justa, cuja expressão
de júbilo não se pode restringir. Em meio a tudo isto, contudo, Ele que a
tudo e a todos abençoa não deve ser esquecido... nenhuma parte das
honrarias... a mim me pertence. Ao general Grant, e aos seus habilidosos
oficiais, e bravos homens, a eles tudo pertence.
Lincoln então discutiu o recém-organizado governo estadual da
Louisiana:
— Há também os que se acham insatisfeitos por ser negado aos homens
de cor o direito ao voto. Por mim, eu preferiria que ele fosse concedido aos
muito inteligentes e aos que servem à nossa causa como soldados.
Enquanto Lincoln falava, Elizabeth Keckley, parada a poucos passos de
distância, observou que a luz da lâmpada “o destacava bastante na
escuridão”. Receou o fato de ele, assim, ser o alvo perfeito, e sussurrou:
— Seria fácil demais matar o presidente ali onde ele está! Alguém no
meio da multidão poderia alvejá-lo e ninguém ficaria sabendo quem fez o
disparo.
Naquela multidão, no aglomerado de pessoas paradas embaixo da janela
de Lincoln, estava John Wilkes Booth. Ele se virou para o companheiro,
David Herold, e censurou o discurso.
— Isso significa cidadania para os negros; mas agora, eu juro, vou
acabar com ele.
Enquanto Booth deixava os jardins da Casa Branca seguindo em direção
à Lafayette Square, falou para outro companheiro, Lewis Powell:
— Este foi o último discurso que ele fez na vida.
NA NOITE DE 13 DE ABRIL, A CIDADE COMEMORAVA O FIM DA GUERRA COM
uma iluminação grandiosa. Prédios públicos e residências fulguravam à luz
das velas, tochas, lâmpadas a gás e fogos de artifício. Foi a noite mais
bonita na história da capital. A edição seguinte do Evening Star comentava
a grande pompa:
Ontem à noite Washington resplandeceu de tanta glória. Parecia que o
próprio céu havia baixado sobre a cidade, as estrelas cintilavam esmaecidas
como se o sistema solar estivesse com defeito e a terra se houvesse
transformado no grande astro... As luzes brilhavam a perder de vista, as
fileiras de janelas iluminadas se fundiam a distância e luziam qual uma
sólida muralha de lume... destacava-se nas alturas o Capitólio, brilhando
qual brasa acesa, incrustando a cidade ao seu redor de gemas que refletem
glória como as estrelas reluzem sobre o mar. À direita formava-se um halo
sobre os telhados, foguetes cruzavam o céu deixando rastros incandescentes
e as faixas tremeluziam acima da multidão agitada, donde eclodiam gritos e
aclamações que se avolumavam sobre a cidade, e com o incenso da grande
conflagração, vagueando para as colinas escuras nos arrabaldes.
John Wilkes Booth a tudo assistira — à grande iluminação, às multidões
delirantes de júbilo, aos insultos sarcásticos dirigidos à Confederação e seus
líderes derrotados. Ele voltou para o seu quarto no National Hotel após a
meia-noite. Não conseguiu dormir. Procurou papel e lápis e escreveu uma
carta saudosa para a mãe, Mary Ann Holmes Booth. Já era a madrugada do
dia 14 de abril.

Minha querida Mãe:


Sei que esperas uma carta minha e tenho certeza de que
dificilmente me perdoarás. Mas na verdade nada tenho que escrever.
Tudo está muito enfadonho; ou seja, estava até ontem à noite.
(.A iluminação.)
Tudo estava claro, um esplendor. Ainda mais aos meus olhos se
fora por causa mais nobre! Mas assim é o mundo. A força tem a razão.
Traço estas poucas linhas para dizer-te que estou bem e que não tenho
tido notícias tuas. Desculpa-me a brevidade; tenho pressa. Recebi uma
da Rose. Com todo o carinho para todos aí, do seu filho afetuoso de
sempre,
John
CAPÍTULO 1 “Tive um sonho estranho novamente ontem à
noite”
JOHN WILKES BOOTH ACORDOU NA SEXTA-FEIRA SANTA DE MANHÃ COM
ressaca e deprimido. A Confederação estava morta. Sua causa estava
perdida e seus sonhos de glória, acabados. Ele não sabia que neste dia, após
suportar mais de uma semana de más notícias e amargas decepções, iria
passar por uma estonteante virada da sorte. Não, tudo o que sabia ao sair da
cama de manhã no quarto 228 do National Hotel, um dos mais requintados
de Washington e naturalmente seu favorito, era que não conseguiria tolerar
mais um dia de comemorações da vitória da União.
Booth admitia que aquele dia 14 de abril fosse acabar sendo o mais
recente de uma tormentosa sequência de onze dias ruins, iniciados no dia
em que Richmond, a cidadela da Confederação, caiu nas mãos da União.
Logo no dia seguinte, o tirano, Abraham Lincoln, visitou seu prêmio cativo
e teve a audácia de sentar-se à mesa do primeiro e último presidente dos
Estados Confederados da América, Jefferson Davis. Pouco depois, no dia 9,
na Appomattox Court House, Robert E. Lee e seu glorioso Exército da
Virginia do Norte se rendiam. Dois dias depois Lincoln fez um discurso
propondo dar aos negros o direito ao voto e, na noite anterior, 13 de abril,
toda a cidade de Washington comemorava com uma grande iluminação
pública. E neste dia, no cais de Charleston, a União iria realizar uma
celebração de gala para marcar a retomada do forte Sumter, onde começara
a guerra quatro anos antes. Esses últimos onze dias haviam sido os piores
na vida do jovem Booth.
Ele era filho do legendário ator de tragédias Junius Brutus Booth e
irmão de Edwin Booth, um dos melhores atores de sua geração. Aos 26
anos de idade, não cabendo em si de vaidade, enfatiotadíssimo,
emocionalmente extravagante,'tomado de um talento bruto e um élan
esplêndido, e sendo o resplandecente membro de sua celebrada família
dramatúrgica — os Barrymore de sua época —, John Wilkes Booth estava
disposto a descartar fama e riqueza para dedicar-se à sua causa. Bonito e
carismático, era instantaneamente reconhecido por milhares de fãs, tanto no
Norte quanto no Sul. Sua beleza física impressionava a todos que o viam.
Um colega ator uma vez o descreveu: “Imagine um Adônis, com a testa
alta, bastos cabelos pretos, uma figura jovem de proporções perfeitas e os
mais belos olhos negros do mundo. John Wilkes Booth era assim. Em todos
os momentos, os olhos eram seus traços mais marcantes; uma vez incitadas
as suas emoções, pareciam joias vivas.” Booth adorava roupas finas,
mulheres deleitáveis e o romance das causas perdidas.
O seu dia começou no restaurante do National, onde foi visto tomando o
desjejum com a srta. Carrie Bean. Nada incomum aí — Booth, voluptuoso
conhecedor de mulheres jovens, nunca teve dificuldade para encontrar
companhia feminina. Por volta do meio-dia, caminhou até o Teatro Ford na
rua 10 entre a E e a F, um quarteirão acima da avenida Pensilvânia, para
pegar sua correspondência. Aceitar correspondência em nome de atores
itinerantes era um privilégio costumeiro que o Ford oferecia a amigos da
casa. Momentos antes, Henry Clay Ford, um dos três irmãos que
administravam o teatro, tomara seu desjejum e depois fora até a agência dos
correios toda acabada em mármore que ficava na rua 7 com a F para
recolher a correspondência. Havia uma carta para Booth.
Os olhos negros mais lindos do mundo.” John Wilkes Booth no auge da
fama.
Naquela mesma manhã, outra carta chegou ao teatro. Não houvera
tempo para enviá-la pelo correio, então a remetente, Mary Lincoln, usou o
estafeta do presidente para dispensar o correio e fazer a entrega em mãos.
Os irmãos Ford sequer precisaram ler o bilhete para saber as boas novas que
ele continha. A mera chegada do estafeta da Casa Branca lhes avisava que o
presidente viria à noite! Era um golpe contra o seu grande rival, o Teatro
Grover, que estava oferecendo entretenimento mais empolgante: Aladim e a
lâmpada maravilhosa! O sr. Tad Lincoln e acompanhante iriam representar
a família lá. Uma vez aberta a carta, as notícias foram ainda mais
grandiosas. Sim, o presidente e a sra. Lincoln viriam assistir à apresentação
desta noite da comédia um tanto antiga porém apreciadíssima Nosso primo
americano. Mas a grande notícia era que o general Ulysses S. Grant viria
com eles. O momento escolhido pelos Lincoln veio muito bem a calhar para
os Ford. A noite da sexta-feira santa costumava ser pouco movimentada, e a
notícia de que estariam presentes não apenas o presidente — depois de
quatro anos, já bastante conhecido dos moradores da cidade — mas também
o general Grant, visitante raro na cidade e recém-chegado de sua vitória em
Appomattox, iria movimentar a venda de ingressos. Seria um prazer para
Laura Keene, que estava fazendo a sua milésima atuação na peça; a
apresentação desta noite seria um “benefício” costumeiro, concedendo-lhe
uma rica parcela da bilheteria. Os Lincoln haviam tido a fineza de avisar
aos Ford com antecedência suficiente para que os irmãos divulgassem sua
presença e preparassem os dois camarotes, sete e oito, que, unidos pela
simples remoção de uma divisória, formavam o camarote presidencial.
Quando Booth chegou ao Ford, o estafeta do presidente já havia
chegado e partido. Em algum momento entre o meio-dia e as 12h30, lendo
sua carta sentado no último degrau diante da entrada principal do Ford,
Booth ouviu a notícia arrebatadora. No prazo de apenas oito horas, o sujeito
de todo o seu desalento, ódio e concatenações estaria ali naqueles mesmos
degraus onde ele ora se encontrava. Era o catalisador que Booth precisava
para entrar em ação. Bem aqui. Entre todos os lugares possíveis, Lincoln
vinha logo para cá. Booth conhecia bem a planta do Ford: o local exato na
rua 10 em que Lincoln sairia de sua carruagem; o lugar em que o presidente
se sentava sempre que vinha ao teatro; o trajeto que Lincoln percorreria
dentro das dependências e a escada pela qual subiria até o camarote; a
escura passagem por baixo do palco; o estreito corredor que ficava atrás do
palco e conduzia à porta dos fundos, que se abria para o Baptist Alley; e a
posição que o camarote presidencial ocupava diretamente acima do palco.
Booth já se apresentara aqui antes, tendo sido a sua mais recente atuação no
dia 18 de março como Pescara em O apóstata.
E embora nunca houvesse atuado na peça, Booth também conhecia
Nosso primo americano — duração, cenas, personagens e, o que acabaria
sendo o mais importante, a quantidade de atores no palco em todos os
instantes da apresentação. Era perfeito. Ele não precisaria caçar Lincoln. O
presidente estava vindo a ele. Mas haveria tempo suficiente para tomar
todas as providências? A lista era substancial: cavalos; armas; suprimentos;
alertar os colegas conspiradores; inspecionar o teatro; tantas outras coisas.
Ele só tinha oito horas. Mas era possível. Se a sorte estivesse do seu lado,
haveria tempo suficiente. Quem quer que lhe tenha falado sobre a vinda do
presidente ao teatro ativou, sem saber, na mente de Booth um relógio
imaginário que, enquanto ele ainda se encontrava sentado na escadaria
frontal do Ford, casquinando ao ler sua carta, começava a contagem
regressiva, minuto a minuto. Sua tarde seria bastante agitada.
NA MANSÃO EXECUTIVA, ABRAHAM LINCOLN TOMAVA CAFÉ COM A
FAMÍLIA e planejava como seria o seu dia. O filho mais velho, Robert, oficial
em início de carreira no estado-maior do general Grant, havia voltado da
guerra. Robert estivera em Appomattox e seu pai queria muito ouvir
detalhes da rendição de Lee. Lincoln marcara uma reunião com Grant na
Casa Branca às nove horas. Queria conversar mais com Robert, de forma
que adiou a reunião e enviou um estafeta ao Willard Hotel com um bilhete
manuscrito para um hóspede especial: “General Grant, queira por gentileza
comparecer às onze horas de hoje, e não às nove conforme havíamos
combinado ontem à noite. Atenciosamente, A. Lincoln.” O presidente
resolveu que Grant deveria participar da reunião de gabinete marcada para
aquele horário.
Na dita reunião, Lincoln estava exultante. Todos os presentes — o
secretário da Guerra Edwin A. Stanton, o secretário da Marinha Gideon
Welles e os secretários do Tesouro, do Interior e dos Correios, e o
procurador geral — perceberam seu bom humor. Lincoln esperava mais
notícias boas de outras frentes de batalha e Welles, fiel diarista, preservou
um relato do encontro.
“O presidente destacou que as notícias sem dúvida viriam, e viriam em
breve, sendo bastante favoráveis, pois ontem à noite ele teve o sonho que
costuma ter na véspera de praticamente todo evento importante da Guerra.
Em geral eram favoráveis as notícias que sucediam esse sonho, que por sua
vez era sempre o mesmo. Indaguei sobre qual seria o tal sonho. Ele disse
que está relacionado ao seu (meu) elemento, a água; que ele parecia se
encontrar em algum navio singular, indescritível, deslocando-se com grande
rapidez em direção a um litoral indefinido. Que teve esse sonho antes de
Sumter, Buli Run, Antietam, Gettysburg, Stone River, Vicksburg,
Wilmington etc.”
O general Grant interrompeu Lincoln e disse, de brincadeira, que Stone
River não foi uma vitória e que “umas poucas lutas como aquela nos teriam
arruinado”.
O presidente continuou:
— Eu tive esse sonho estranho novamente ontem à noite e, a julgar pelo
passado, deveremos ter muitas boas-novas em breve. Acho que deverão vir
de Sherman. Meus pensamentos estão naquela direção, assim como devem
estar os da maioria de vocês.
Lincoln sempre acreditou no poder dos sonhos, chegando a temê-los às
vezes. No dia 9 de junho de 1863, quando estava de visita à Filadélfia,
enviou um telegrama urgente a Mary Lincoln na Casa Branca, avisando de
um perigo que seu filho mais novo corria: “Acho que é melhor guardar a
pistola do ‘Tad’. Tive um sonho ruim com ele.” E em abril de 1848, quando
era deputado em Washington, escreveu para Mary sobre o filho mais velho,
Robert: “Não consegui me livrar daquele sonho idiota sobre o querido
Bobby até receber sua carta.”
Depois que a reunião terminou, o presidente seguiu sua rotina normal:
receber amigos e também gente que vinha pedir favores ou trazer súplicas
as mais variadas; ler o que lhe chegava pelo correio; colocar a
correspondência em dia e atualizar a papelada. Estava ávido por terminar os
seus afazeres antes das três da tarde para poder ir a um compromisso
marcado com a esposa, Mary. Ele tinha algo para lhe dizer.
NO TEATRO, HENRY CLAY FORD PREPAROU UM ANÚNCIO PARA COLOCAR
NOS jornais vespertinos, que começariam a sair da prensa por volta das duas
da tarde. Entregou-o ao Evening Star pessoalmente e enviou outro pelo
estafeta a pelo menos dois dos demais jornais. Naquela tarde, apareceu um
anúncio no Evening Star: “O GENERAL GRANT, o PRESIDENTE e a sra.
Lincoln reservaram o camarote presidencial no Teatro Ford para a noite de
HOJE, para assistirem ao Nosso primo americano de Laura Keene.” Por
volta de uma hora da tarde, Ford saiu e caminhou até o prédio seguinte, ao
norte do teatro, para entregar o aviso pessoalmente ao vizinho James P.
Ferguson em seu restaurante, de número 452 na rua 10.
— O seu favorito, general Grant, estará no teatro hoje à noite e, se
quiser vê-lo — advertiu Ford —, é melhor ir arranjar um lugar.
Ferguson aproveitou a dica: “Fui e reservei um lugar bem em frente ao
camarote presidencial, nas primeiras filas da tribuna de honra.” Ele
reservou os assentos 58 e 59 no canto da frente à direita bem perto do palco.
O dono do restaurante não estava interessado no melhor lugar para ver a
peça mas sim para ver Lincoln e Grant.
James Ford caminhou até o Departamento do Tesouro alguns
quarteirões depois para tomar emprestados alguns galhardetes com que
enfeitar o camarote presidencial. Ao voltar para o teatro, abraçado a um
fardo de estamenha de algodão e seda vivamente colorida, ele esbarrou em
Booth, que acabava de sair do Ford, na esquina da 10 com a Pensilvânia,
onde trocaram amabilidades. Booth viu os tecidos em azul, vermelho e
branco, confirmação da visita do presidente à noite.
A alguns quarteirões dali, na rua D perto da 7, na Gráfica J. H.
Polkinhorn & Son, os funcionários começaram a armar o fotolito para o
cartaz que anunciaria o espetáculo da noite. Quando os pequenos jornaleiros
ambulantes chegassem às ruas com os jornais vespertino e noturno, o
anúncio para o Nosso primo americano prenderia o olhar de inúmeros
cidadãos que queriam muito ver o general Grant.
O dr. Charles A. Leale, 23 anos, cirurgião do exército norte-americano,
dando plantão no pavilhão do Armory Square Hospital da cidade de
Washington no atendimento a oficiais comissionados feridos, ouviu dizer
que o presidente Lincoln e o general Grant iriam à peça. E resolveu ir
também. Três dias antes, na noite de 11 de abril, passeando pela avenida
Pensilvânia, Leale encontrou levas de gente indo para a Casa Branca. Pois
ele seguiu essa gente toda e chegou no momento em que Lincoln começava
a fazer seus comentários. Leale ficou tocado: “Eu consegui ouvir com
nitidez todas as palavras que ele proferiu e fiquei profundamente
impressionado com a sua aparência divina ali parado sob os raios de luz que
penetravam pelas janelas.” A notícia de que Lincoln estava vindo para o
Teatro Ford deu no cirurgião “um desejo intenso de tornar a ver seu rosto e
estudar as características do ‘Salvador de seu País”’.
O camarote de Lincoln no Ford estava enfeitado por bandeirolas e uma
gravura emoldurada de George Washington. Quando começou o seu turno
às seis e meia da tarde, o gerente de bilheteria se preparou para uma torrente
inesgotável de ingressos.
Mais tarde, as testemunhas se lembraram de terem visto Booth em
vários lugares da cidade naquele dia, mas nenhum de seus movimentos
levantara suspeitas. E por que deveriam? Nada do que Booth fez naquela
tarde parecia incomum. Ele marcou de pegar um cavalo alugado. Entre duas
e quatro horas, foi ao restaurante de Ferguson, parando logo abaixo da porta
da frente. Ferguson saiu para o alpendre da frente e encontrou o amigo
sentado numa égua baia pequena. James L. Maddox, contrarregra do Ford,
estava parado ao lado do animal, com uma das mãos sobre a crina,
conversando com Booth.
— Está vendo o cavalo legal que eu consegui! — vangloriou-se o ator.
Ferguson se aproximou para ver melhor. E Booth falou:
— Olhe só! Ele corre como um gato!
Ferguson observou que, nesse instante, Booth “esporeou o cavalo e foi-
se embora pela rua afora”.
Por volta das quatro horas, Booth voltou ao National Hotel, foi até o
balcão da recepção e dirigiu-se aos funcionários George W. Bunker e Henry
Merrick. Três dias depois, um repórter do New York Tribune descreveu o
encontro:
[Ele] chegou ao balcão... e, um tanto nervoso, pediu uma folha de
papel e um envelope. Já ia começar a escrever quando pareceu cruzar-
lhe a cabeça a ideia de que alguém por perto poderia espiar seu texto e,
encaminhando-se até a porta do escritório, pediu para entrar. Uma vez
lá dentro, pôs-se de imediato a escrever. Depois das primeiras palavras,
disse espontaneamente: “Merrick, nós estamos no ano de 1864 ou 65?”
“Você está brincando, John”, retrucou o sr. Merrick, “você sabe muito
bem em que ano estamos.” “Sinceramente, não sei”, redarguiu, e,
quando obteve a informação, retomou seu escrito. Foi aí que o sr.
Merrick percebeu um certo transtorno e uma agitação no semblante de
Booth, o que diferia bastante da sua postura normalmente tranquila.
Selando a carta, Booth a colocou no bolso e foi embora.
Ao sair do hotel, Booth perguntou a George Bunker se ele pretendia
assistir ao Nosso primo americano no Ford, e o instou a ir:
— O espetáculo será esplêndido hoje à noite.
Por volta das quatro horas, o ator John Matthews, que estaria fazendo o
papel do sr. Coyle na apresentação da noite, encontrou Booth cavalgando
pela avenida Pensilvânia, no largo triangular entre as ruas 13 e 14, não
muito longe do Willard Hotel. Ele se recorda: “Nós nos encontramos,
trocamos um aperto de mão e os cumprimentos cotidianos.” Uma coluna de
prisioneiros de guerra confederados acabava de passar, levantando uma
nuvem de poeira.
Matthews perguntou:
— John, você viu os prisioneiros? Você viu os oficiais do Lee sendo
levados?
— Vi, sim, Johnny.
Booth levou uma das mãos à testa, sem conseguir acreditar, e exclamou:
— Meu Deus, já não tenho mais um país!
Observando a “palidez, nervosismo e agitação” de Booth, Matthews
perguntou: — John, como você está nervoso! O que está acontecendo?
— Ah, nada! Não é nada. Johnny, quero lhe pedir um favor; você me
faria a gentileza?
Matthews retrucou:
— Mas é claro. O que é?
— Talvez eu precise sair da cidade hoje à noite e tenho aqui uma carta
que desejo publicar no National Intelligencer; cuide disso para mim, por
favor. A menos que eu esteja com você antes das dez horas da manhã de
amanhã; neste caso, eu mesmo providencio.
Matthews aceitou o envelope selado e o colocou no bolso do paletó.
Enquanto Booth e Matthews conversavam, Matthews avistou o general
Grant passando por eles numa carruagem aberta com sua bagagem dentro.
Parecia estar saindo da cidade.
— Lá vai o Grant. Pensei que ele fosse ao teatro com o presidente hoje
à noite.
— Onde? — exclamou Booth.
Matthews repassou os fatos: “Eu apontei para a carruagem; ele olhou na
direção indicada, apertou minha mão com força e saiu a galope rua abaixo
atrás dela.”
Quando Booth chegou até os Grant e ultrapassou a carruagem, Julia
Grant pensou em algo que havia acontecido no mesmo dia mais cedo. Ela
estava almoçando no Willard Hotel com o general Rawlins — um dos
principais assessores do general Grant —, a sra. Rawlins e a filha do casal,
quando quatro homens entraram no recinto e foram se sentar numa mesa
próxima. Um deles não parou de olhar para ela, e tanto ela quanto a mãe
acharam o grupo todo “peculiar”. Agora, poucas horas depois, ao alcançar a
carruagem da família, Booth a fez lembrar-se do incidente desagradável.
“Quando o general Grant e eu nos dirigíamos para o almoxarifado, esse
mesmo homem de cabelos escuros e pele clara passou por nós a todo galope
num cavalo de cor escura... Ele prosseguiu até uma distância de vinte
metros à nossa frente, girou a montaria e voltou, e ao passar por nós, tanto
na ida quanto na volta, esticou o rosto até bem perto do rosto do general e o
fitou de maneira desagradável.” A moça tinha certeza de tratar-se do mesmo
homem que estivera no Willard Hotel.
Booth deve ter ficado desapontado ao ver os Grant. Carregada de
bagagem, a carruagem deles se dirigia para a estação ferroviária. Estavam
saindo da cidade. Devem ter cancelado o compromisso no Teatro Ford. Se o
general Grant não iria assistir ao Nosso primo americano esta noite, seria
isso uma indicação de que os Lincoln também haviam cancelado o
compromisso? As cortinas iriam se abrir aproximadamente às 20h30,
menos de cinco horas depois, e John Wilkes Booth não sabia se os Lincoln
pretendiam comparecer ao espetáculo nem quem poderia estar com eles.
Booth dirigiu-se para a hospedaria Kirkwood, onde cumpriu aquele que
foi o mais estranho dos afazeres do dia. Kirkwood era onde morava o novo
vice-presidente, Andrew Johnson, ex-governador militar do Tennessee.
Johnson não possuía casa em Washington e o cargo não lhe dava direito a
uma residência oficial, de forma que ele se instalou num hotel. Seu quarto
não estava sob guarda e, portanto, se Booth quisesse, poderia ter subido ao
seu andar e batido à porta. Mas ele não queria ver o vice- presidente. Só
queria deixar-lhe um bilhete. Foi até o balcão da recepção e solicitou um
cartão de recados. Escreveu nele uma pequena mensagem e o entregou ao
funcionário do hotel, que o colocou no escaninho de correio de Johnson. O
recado misterioso, que logo veio a se tornar objeto de intensa especulação,
dizia o seguinte: “Não quero perturbá-lo. O senhor está em casa? J. Wilkes
Booth.”
Ele visitou uma pensão situada no número 541 da rua H, a alguns
quarteirões do Teatro Ford, para fazer o que parecia ser uma inocente visita
de cunho social à proprietária, Mary E. Surratt, uma viúva de Maryland,
com 42 anos de idade, mãe de seu amigo John Harrison Surratt Jr., um
ordenança confederado. Já havia alguns meses que Booth vinha à casa da
sra. Surratt com frequência. O filho dela, John, não estava em casa —
ausentara-se da cidade para cuidar de assuntos dos rebeldes — e não estaria
à noite. Mary contou a Booth que partiria ainda de tarde para o interior, para
sua taverna em Surrattsville, Maryland, alguns quilômetros ao sul de
Washington, e Booth lhe perguntou se ela se importaria de entregar no seu
lugar de destino uma pequena encomenda embrulhada em papel de jornal.
Por conveniência, Booth trazia consigo o pacote.
E houve mais uma coisa. Booth informou a Mary que estaria partindo
de Washington à noite. Em algum momento mais tarde, disse-lhe ele, estaria
passando pela taverna para pegar não apenas o pacote mas também armas,
munição e outros suprimentos que seu filho John ali ocultara para ele.
Booth pediu que Mary mandasse o taverneiro John Lloyd — ex-policial
beberrão de Washington para quem ela alugara a estalagem no campo —
estar com tudo preparado para a visita do ator à noite. Ela concordou e,
pouco depois, juntamente com um de seus pensionistas, Lewis Weichmann,
ex-colega de escola de John Surratt, partiu de carruagem para Surrattsville.
Booth voltou ao Teatro Ford por volta das cinco ou seis horas da tarde,
onde Edman “Ned” Spangler, continuísta e cenotécnico — ele se dizia um
“carpinteiro de palco” —, o viu entrar pelos fundos através do Baptist
Alley, assim batizado por causa da igreja que ali existia. Spangler conhecia
Booth e sua família havia uns doze anos e fizera alguns serviços para eles, o
mais recente dos quais fora ajudar o ator a montar uma pequena estrebaria
particular no beco atrás do teatro, a cerca de cinquenta metros da porta dos
fundos. Spangler já o vira usando vários cavalos diferentes: nesta noite ele
cavalgou o que Ned descreveu como “uma pequena égua baia”. Booth e
Spangler caminharam até a estrebaria, onde o ator retirou a sela e o pelego
amarelado. Ele não gostou do tecido, disse a Ned, e falou que talvez usasse
seu próprio xale. Pediu-lhe também que não tirasse o arreio da égua.
— Ela é muito travessa — Booth disse, acrescentando que o animal
deveria ficar arreado. Booth trancou a porta da estrebaria, pegou a chave e
foi tomar uma bebida.
Em algum momento, muito possivelmente no fim da tarde ou início da
noite, Booth deve ter se recolhido, provavelmente no quarto 228 do
National, e feito seus preparativos finais. Havia dois elementos, práticos e
psicológicos. Primeiro, as armas. Booth escolheu como arma primordial
uma pistola calibre .44 de tiro único, municiada pela boca e com cápsula de
detonação por percussão, fabricada por Henry Deringer, da Filadélfia. Era
uma pequena arma portátil de cano curto, projetada para ações furtivas, às
escondidas, não para o combate, preferida por apostadores e outros tipos
desagradáveis. Diferente das pistolas militares como a Colt calibre .44 ou os
revólveres Remington do Exército, ou o Colt .36 mais leve da Marinha,
todos capazes de disparar até seis tiros sem recarga, a Deringer só disparava
um tiro de cada vez. O processo de recarga era trabalhoso, requeria o uso
das duas mãos e algo entre vinte e quarenta segundos para ser concluído.
Booth sabia que o primeiro tiro seria o último. Se errasse, não teria tempo
para recarregar. Por disparar uma bala redonda e não um projétil cônico
raiado, a Deringer era muito eficaz a curtas distâncias. E a bala de calibre
.44, grande, pesando quase 30 gramas, era munição sólida e mortal.
Se errasse, ou não conseguisse infligir ferimento fatal com a pistola,
Booth lançaria mão de sua arma secundária, de reserva, uma faca de mato
modelo Rio Grande, uma bela e afiada versão das facas Bowie. Booth não
deixou nenhuma explicação para ter escolhido a Deringer em lugar de um
revólver. As pistolas às vezes falham. As agulhas de percussão, feitas de
cobre, podem não produzir a fagulha, ou a pólvora no cano pode se estragar
devido a alguma umidade e não entrar em ignição. Três décadas antes, no
dia 30 de janeiro de 1835, Richard Lawrence, um pintor de paredes inglês,
desempregado e ensandecido, que se imaginava de sangue real, não
conseguiu assassinar Andrew Jackson na Ala Frontal do Capitólio dos EUA
por causa da falha de não apenas uma, mas de ambas as suas pistolas de
percussão por agulha e pólvora com capacidade para um disparo por vez. E
mesmo que a pistola de Booth funcionasse, como ele poderia ter tanta
certeza de que conseguiria matar Lincoln com apenas um tiro? Inúmeros
veteranos de guerra que sobreviveram apesar de múltiplos ferimentos a bala
estavam se embebedando nos bares de Washington naquela noite. Booth
não poderia ter escolhido a Deringer porque não conseguira arranjar um
revólver. Ele já havia comprado pelo menos quatro e, se não tivesse ao
menos um ao seu alcance no quarto do hotel, bem poderia ter saído e
comprado. No coração da União, em guerra, encontravam-se milhares de
armas, inclusive os pequenos e leves revólveres de bolso, à venda em
diversas lojas de Washington.
Booth adorava emoções fortes e talvez quisesse aumentar a excitação
correndo o risco de usar uma pistola com capacidade para apenas um
disparo. Ou será que acreditava ser mais heroico, honrado — até
cavalheiresco — abater sua presa com um único tiro? Talvez preferisse dar
apenas um golpe de misericórdia em Lincoln a disparar contra ele uma
saraivada de balas.
Sabedor do grau de umidade no ar de Washington naqueles dias de
primavera e de que só teria um tiro para dar, Booth talvez só tenha armado a
pistola com uma espoleta nova de cobre e uma carga de pólvora quando a
tarde estava chegando ao fim. Seria melhor ter a certeza do que se fiar numa
munição que pudesse estar passada depois de semanas repousando no cano
da arma. Antes de embrulhar a bala com um chumacete de pano e empurrá-
lo cano adentro com a vareta, será que a girou nas pontas dos dedos,
examinando-a para ver se não havia falhas na fôrma e talvez contemplando
como aquela pequena esfera acinzentada com menos de 30 gramas iria
mudar a História?
Antes de sair do National, Booth enfiou a faca e a pistola nos bolsos e
recolheu o resto dos seus pertences. Planejava viajar com pouco peso esta
noite, sem bagagem. Além das armas e das roupas do corpo — um chapéu
de feltro preto, casaca e calça de lã preta, botas de montaria em couro preto
de cano alto com esporas —, levou apenas uma bússola num
compartimento de veludo, chaves, um apito, uma agenda de compromissos,
um lápis, algum dinheiro, uma ordem de pagamento bancária ou letra de
câmbio, um pequeno canivete automático e alguns outros itens menores,
dentre os quais fotografias em tamanho cartão de cinco namoradas
favoritas. A valise e o grande baú de viagem teriam de ficar para trás; ele
não voltaria. Em torno das sete horas da noite, o funcionário do hotel
George Bunker viu Booth sair do National pela última vez naquele dia:
— Ele falou comigo e foi embora.
QUANDO MARY SURRATT E LOUIS WEICHMANN CHEGARAM EM
Surrattsville, John Lloyd não estava lá. Saíra para pegar alguns
mantimentos. Mary aguardou sua chegada. Não poderia ir embora sem
entregar a mensagem de Booth. Quando voltou, Lloyd estacionou a
carruagem perto do pátio das madeiras e começou a descarregar o peixe e as
ostras que trouxera. Mary foi ter com ele.
— É só falar no diabo que ele aparece — provocou-o.
— Eu nem sabia que eu era o diabo.
— Bem, sr. Lloyd — prosseguiu ela depois de se assegurar que estava
fora do alcance dos ouvidos de Weichmann — eu quero que aqueles paus
de fogo estejam preparados; hoje à noite chegarão grupos que vão precisar
deles.
Ela lhe entregou o pacote embrulhado em papel de jornal. As visitas de
hoje à noite vão querer isso também, explicou. E, acrescentou, dê-lhes
algumas garrafas de uísque. Cumprida a missão, Mary preparou-se para
voltar a Washington. Mas os parafusos das molas dianteiras de sua
carruagem haviam se quebrado e a mola se soltara do eixo. Lloyd as
amarrou bem apertadas com corda — o melhor que pôde fazer sem as peças
sobressalentes. Depois da partida da sra. Surratt, Lloyd seguiu as instruções
dadas. Levou o pacote para cima, desembrulhou-o e descobriu os binóculos
de Booth. Em seguida, foi até o cômodo inacabado onde, semanas atrás,
John Surratt lhe mostrara como esconder duas carabinas Spencer sob as
vigas. Retirou-as dali e colocou-as em seu quarto. Lloyd andara bebendo e
estava cansado. Na verdade, confessou: “Eu estava cheio de bebida naquela
tarde e, quando anoiteceu, bebi mais um bocado. Fui para a cama entre oito
e nove, e dormi pesado até a meia-noite.”
NA ESTALAGEM HERNDON, ESQUINA SUDOESTE DAS RUAS 9 E F, LOGO
DEPOIS do Ford, por volta das 9 horas da noite, Booth presidiu o conclave de
alguns dos conspiradores que reunira nos meses anteriores para atacar o
presidente Lincoln. Deve ter torcido para que essa fosse sua última reunião
antes de um grande sucesso. Eles haviam falhado pelo menos uma vez antes
e se dispersaram em meio a suspeitas e temores. Hoje à noite precisavam se
aprontar para agir em menos de duas horas. Não era a primeira vez que se
reuniam para atacar o presidente. No início de 1864, o último ano completo
da Guerra de Secessão, o jovem astro dos palcos havia colocado seu
dinheiro, sua celebridade e suas conexões a serviço de um plano ousado.
Teceu um desnorteado esquema para sequestrar o presidente Lincoln,
enfurná-lo em Richmond, mantê-lo refém da Confederação e reverter a
guerra. As origens da conspiração permanecem obscuras. Desde a eleição
de Lincoln em 1860, surgiram várias outras para sequestrá-lo ou assassiná-
lo. Alguns secessionistas mais veementes começaram a enviar ameaças de
morte para Springfield antes de Lincoln assumir o cargo em 4 de março de
1861 e outros chegaram a lhe enviar potes de frutas envenenadas. Na
notória conspiração de Baltimore de 1861, os rebeldes locais armaram um
esquema para assassinar o presidente eleito quando seu trem passasse pela
cidade a caminho de Washington para a posse. Mas o detetive Allan
Pinkerton frustrou o esquema convencendo Lincoln a passar por Baltimore
incógnito algumas horas antes da programação. Outros que lhe nutriam ódio
ameaçaram matá-lo na Fachada Leste do Capitólio no momento em que ele
começasse a ler o discurso de posse. Durante a guerra, vários oficiais
militares sulistas, bem como um punhado de oficiais no Serviço Secreto
Confederado, consideraram várias ações contra Lincoln. Em algum
momento, John Wilkes Booth entrou em contato com esses círculos e
operativos no Canadá, na cidade de Nova York, em Washington, D.C., em
Maryland e na Virginia.
Em fins de 1864, início de 1865, Booth formou seu próprio bando de
conspiradores, leais a ele e não a Richmond, para tramar contra o
presidente. Recrutou uma súcia que iria vestir, alimentar e dobrar pela
bebida, deixando-os usufruir de sua fama e benevolência, na esperança de
que o seguissem para o que desse e viesse, inclusive numa trama para
sequestrar o presidente dos Estados Unidos. Mas a grandiloquência valia
pouco na Washington dos tempos de guerra e em fins de janeiro de 1865,
correndo a Confederação o risco de um colapso iminente, nenhuma das
conspirações superpostas sequer tentara empreender uma ação decisiva
contra Abraham Lincoln.
Booth e seu bando de acólitos — Lewis Powell, David Herold, John H.
Surratt Jr., Samuel Arnold, Michael O’Laughlen e George Atzerodt, mais
outros que não ficaram para a História entrando e saindo de sua órbita —
queriam mudar esse quadro sequestrando o presidente.
Nascido em 1834, O’Laughlen conhecia Booth desde 1845, quando suas
famílias eram vizinhas de rua em Baltimore. No ano em que a guerra
começou, 1861, Michael alistou-se na Primeira Infantaria de Maryland, mas
a doença logo viria acabar com o seu serviço militar. Irrequieto, buscando
agitação, integrou-se à conspiração. Samuel Arnold, que tinha 31 anos,
conhecera Booth em 1848 quando ambos estudavam em St. Timothy’s Hall,
uma escola para meninos perto de Baltimore. Alistou-se na Primeira
Infantaria de Maryland também em abril de 1861, mas após a primeira
batalha de Bull Run em julho de 1861, qual O’Laughlen, ele recebeu baixa.
A família de Arnold tinha uma padaria de destaque em Baltimore na
esquina das ruas Payette e Liberty. Em agosto de 1864, Booth escreveu para
Sam, sugerindo um encontro. Eles não se viam desde 1852, treze anos
antes. Arnold visitou os aposentos de Booth no Barnum Hotel em
Baltimore, onde o ator lhe ofereceu charutos e vinho, e o apresentou a
O’Laughlen. Arnold aderiu à conspiração. Mas Booth precisava recrutar
mais homens do que esses dois amigos de infância, que pouca experiência
militar possuíam. Uma apresentação a John Harrison Surratt Jr., de 20 anos,
um astuto ordenança do Serviço Secreto Confederado que morava em
Washington na pensão de sua mãe, deu a Booth os homens de que ele
precisava. Surratt percorrera as rotas secretas dos rebeldes clandestinos até
o Sul, conhecimento fundamental para conseguirem transportar Lincoln
através das linhas da União. Surratt trouxe George Atzerodt para a
conspiração. George, um imigrante prussiano de 29 anos de idade, beberrão
como ele só, que trabalhava como pintor de carruagens em Port Tobacco,
Maryland, conhecia barcos e as águas do condado de Charles. David
Herold, auxiliar de farmácia com 22 anos de idade, que morava com a mãe
perto do Estaleiro Naval de Washington, entrou para a conspiração. Ele era
um ávido caçador, gostava da vida ao ar livre e conhecia bem a região pela
qual precisariam passar com o presidente. Lewis Powell, 21 anos, filho de
um pastor batista, alistou-se em maio de 1861 como praça na Segunda
Infantaria da Flórida. Jovem, bonito e musculoso, com seus mais de l,80m,
ele era o exemplo do melhor que o exército confederado seria capaz de
angariar. Soldado leal, obediente e lutador, vivenciou muita ação até ser
ferido e preso em Gettysburg em julho de 1863. Na condicional, ele acabou
indo para Baltimore parar nas mãos de Surratt e Booth. Powell tinha o
tamanho e a força necessários para subjugar Abraham Lincoln fisicamente.
Em 17 de março de 1865, Booth e seus conspiradores, qual os
bandoleiros britânicos do século XVIII, planejaram tomar a carruagem de
Lincoln de emboscada numa estrada deserta quando ele estivesse voltando
para a Mansão Executiva depois de assistir a uma apresentação da peça Still
Waters Run Deep no Hospital Mihtar de Campbell. Eles capturariam o
presidente a mão armada e o levariam como refém. As fontes de
informações secretas de Booth mostraram-se falhas, pois Lincoln não
compareceu. Inacreditavelmente, enquanto Booth e sua malta de
conspiradores aguardavam para dar o bote na rua 7, nas circunvizinhanças
da cidade, a vários quilômetros de distância do centro de Washington,
Lincoln dava uma palestra justamente no hotel de Booth, o National. Ora,
que grande chance perdida, lamentou-se o ator! Se ao menos a trama do
sequestro tivesse funcionado! Assim não haveria desfile de lanternas, o
estrondo dos canhonaços, as multidões de bajuladores de Lincoln na
Mansão Executiva, espetáculos de iluminação pela cidade toda, ou crianças
saltitando pelas ruas com bandeirolas coloridas decoradas de estrelas
vermelhas, brancas e azuis, e listras e elefantes, exibindo dizeres tais como
“Richmond caiu” e “Nós comemoramos a queda de Richmond”. Ele
poderia — deveria — ter evitado tudo isso, repreendia-se.
Embora seus seguidores, apavorados, tenham se espalhado após o
fracasso retumbante, Booth guardava esperanças de tentar novamente, mas
os eventos o sobrepujaram dezoito dias após a queda de Richmond, e seis
dias depois, quando Lee se rendeu. Desanimado, repreendeu a si próprio
por não ter agido com mais audácia, chegando a fantasiar em voz alta que
deveria ter disparado contra o presidente no Capitólio em 4 de março de
1865, dia da posse, evento ao qual compareceu acompanhado da noiva,
Lucy Hale, filha do senador John Parker Hale.
— Que chance excelente eu tive, se quisesse aproveitar, de matar o
presidente no dia da posse! — vangloriou-se mais tarde para um amigo.
O discurso de Lincoln em 11 de abril provocou mais conversas
violentas. Sua proposta de um sufrágio negro limitado havia enfurecido o
ator, devoto extremado da supremacia branca. Mas Booth não fez nada. Se
tivesse a séria intenção de assassinar Lincoln, bastava ir até a Mansão
Executiva, anunciar que o famoso e talentoso ator John Wilkes Booth
gostaria de ver o presidente, esperar sua vez — o que em quase todos os
casos semelhantes resultava numa conversa particular com Lincoln — e aí
atirar nele em sua própria mesa. Inacreditavelmente, a segurança
presidencial era frouxa naquela época, mesmo durante a Guerra de
Secessão, e praticamente todo mundo podia entrar na Mansão Executiva
sem ser revistado e solicitar uma audiência rápida com o presidente. Era um
milagre que ninguém ainda tivesse tentado matar Lincoln em seu próprio
gabinete.
Não pode haver dúvida de que Booth vinha acalentando a ideia de matar
Abraham Lincoln. Mas haveria alguma seriedade nisso, ou seria apenas
fanfarronice? Booth nunca havia matado um homem antes. Seria capaz de
fazê-lo? Na tarde de 13 de abril, dia da iluminação, Booth deu o que talvez
tenha sido o primeiro passo no sentido de uma resposta a essa pergunta. Ele
visitou o Teatro Grover, uma das duas casas de espetáculos mais populares
da cidade, juntamente com o Teatro Ford. Lá, perguntou ao gerente C.
Dwight Hess se ele havia convidado o presidente para assistir à
apresentação de Aladim!, a produção que estava em cartaz. Não, esquecera-
se, retrucou Hess, mas iria cuidar disso agora mesmo. Lincoln não veio ao
Grover. Naquela noite, conforme fizera em inúmeras noites anteriores,
Booth afogou as mágoas na bebida, assistiu à iluminação e, antes de cair na
cama, escreveu uma carta para a mãe.
O bando de Booth não estava a todo vapor no dia 14 de abril. O
ordenança rebelde John Surratt estava em Elmira, Nova York, e era
impossível mandá-lo voltar tão em cima da hora. Surratt estava fora desde
25 de março, dia em que partira para Richmond. Os dias da Confederação
estavam contados, mas o secretário de Estado Judah Benjamin tinha uma
missão final para o ordenança: Vá para o Norte mais uma vez, atravesse o
território da União sem ser detectado, passe pela fronteira com o Canadá e
entregue os despachos ao general Edwin Gray Lee, primo de Robert E. Lee
e chefe das operações do Serviço Secreto Confederado em Montreal. Surratt
partiu de Richmond em 31 de março e em 6 de abril deu entrada no St.
Lawrence Hall, sede extraoficial das operações clandestinas do Sul por lá.
Lee deu a Surratt outra missão: Vá para Nova York espiar o acampamento
de prisioneiros de guerra da União em Elmira, em preparação para uma
investida com a finalidade de libertar os soldados confederados que ali
padecem. Surratt chegou a Elmira em 13 de abril e dedicou os dois dias
seguintes a espiar e fazer compras. Traçou esboços detalhados da prisão,
contou os guardas, apurou o armamento leve e os canhões, e fez uma
estimativa da quantidade de prisioneiros. E também arranjou tempo para
uma missão pessoal. Surratt, esmerado no vestir — embora não seguisse a
mesma linha de Booth —, visitou alguns nomes da indumentária local atrás
de ternos e camisas. No dia 14 de abril, enquanto Booth planejava o
assassinato, sua preocupação mais premente era encontrar camisas brancas
novas para realçar seu guarda-roupa.
Os amigos de infância de Booth, Samuel Arnold e Michael O’Laughlen,
tampouco estavam à mão para ajudar com o assassinato. Arnold voltara
para casa, em Baltimore. O’Laughlen se encontrava em Washington mas
não ao alcance do comando de Booth. O’Laughlen apreciara a iluminação
na companhia de amigos e depois se entregara à bebida. Mais tarde, as
evidências sugerem que ele possa ter se encontrado secretamente com
Booth no quarto de hotel do ator em algum momento do dia treze ou
quatorze.
Estavam presentes na Estalagem Herndon: Lewis Powell, David Herold
e George Atzerodt. Booth hospedou Powell na Herndon e enviou Herold
para Kirkwood, o hotel de Atzerodt, com o intuito de convocá-lo para a
reunião. Antes de voltar à Herndon, Herold subiu ao quarto de Atzerodt e
colocou ali um revólver, uma faca e um casaco. Os dois então se
reencontraram com Booth e Powell. Booth falou em tom confidencial pouca
coisa mais audível que um sussurro. Ninguém que estivesse pelos
corredores ou quartos adjacentes deveria ouvir o que ele iria dizer. A causa
está quase perdida, declarou Booth. Capturar o presidente já não seria mais
suficiente para reverter o curso da guerra. Seria necessário algo mais
ousado, algo tão audacioso e chocante no qual ele sequer havia pensado
antes. Eles visariam não apenas ao presidente Lincoln como também ao
vice-presidente Andrew Johnson e ao secretário de Estado William H.
Seward. O secretário de Estado não era o próximo sucessor à presidência
depois do vice-presidente. Mas Seward, abolicionista de longas datas, era
tido como defensor obrigatório das políticas de Lincoln, inclusive a
supressão da discórdia, a suspensão do direito a habeas corpus e a prisão
sem julgamento de alguns milhares de cidadãos suspeitos de deslealdade.
Booth também estava de olho no general Grant, mas infelizmente Grant
desfez o compromisso com o presidente. É provável que Booth tenha
informado à sua gangue que avistara os Grant na carruagem da família
naquela mesma tarde a caminho da estação de trem. Talvez tenha sido
melhor assim. O comandante geral talvez viesse acompanhado de uma
comitiva de oficiais do estado-maior, mensageiros e outros assistentes. Não,
explicou Booth, eles não iriam sequestrar Lincoln, Johnson e Seward.
Como poderia uma macérrima equipe de apenas quatro conspiradores
sequestrar três homens em diferentes locais da cidade?
Mas Booth tinha a quantidade exata de homens para cumprir outra
missão. Conforme se recordou Atzerodt: “Booth propôs que nós
matássemos o presidente.” E disse que “seria a maior coisa do mundo”.
Nesta noite, exatamente às dez horas, eles atacariam simultaneamente
Lincoln, Johnson e Seward. Armado de um revólver e uma faca, George
Atzerodt tinha a incumbência de matar o vice-presidente em casa, na
Estalagem Kirkwood.
— Você tem de matar Johnson — disse-lhe Booth.
Também armado de um revólver e uma faca, Powell mataria o secretário
de Estado enquanto este dormia em sua mansão. David Herold
acompanharia Powell, levando-o até a casa de Seward, e depois guiaria o
assassino, que não conhecia bem as ruas da capital, para fora da cidade.
Booth reservou o prêmio maior para si mesmo. Esgueirar-se-ia até o Teatro
Ford e assassinaria o presidente no meio da peça. Powell e Herold, os dois
servos mais leais de Booth, concordaram com o plano. Atzerodt percebeu
que Powell “tinha nos olhos um olhar selvagem”. Atzerodt recusou-se a
cumprir sua tarefa. Não faria aquilo, disse ele.
— Então, nós faremos — disse Booth —, mas o que vai ser de você?
Sequestrar era uma coisa, mas assassinar? Booth o ameaçou, dando a
entender que seria melhor fazê-lo pois, se não o fizesse, ele o implicaria de
forma que acabasse sendo enforcado. O ator prometeu que “se ele deixasse
de cumprir a palavra, iria sofrer por isso” e que iria estourar-lhe os miolos.
O alemão não sabia, mas Booth já os comprometera a todos horas antes,
quando confiou o envelope selado a John Matthews. Em sua carta ao
National Intelligencer, ele não só justificava o assassinato tríplice como
também assinava os nomes dos seus conspiradores no documento:
Há muito que dedico minhas energias, meu tempo e dinheiro à
conquista de um certo fim. Eu me decepcionei. É chegado o momento
de mudar meus planos. Muitos hão de me culpar pelo que estou
prestes a fazer, mas a posteridade, tenho certeza, irá me justificar.
Homens que amam o seu país mais do que o ouro e a vida.
John W. Booth, Payne, Herold, Atzerodt.
A relutância de Atzerodt prejudicou toda a empreitada. Se ele saísse
daquela reunião e fosse ter com as autoridades, Booth, Powell e Herold
estariam acabados. Logo enviariam guardas para proteger aqueles que
estavam marcados para morrer e os conspiradores seriam perseguidos sem
trégua.
— É melhor vir junto e pegar o seu cavalo — Booth sugeriu, e
suspendeu a reunião.
NA MANSÃO EXECUTIVA, OS LINCOLN ESTAVAM ATRASADOS. JÁ PASSAVA
DAS oito da noite e eles ainda não haviam entrado na carruagem. Enquanto
as cortinas se erguiam no Teatro Ford, o cocheiro Francis Burke e o criado
Charles Forbes esperavam em seus assentos no alto da carruagem. O
passeio particular de carruagem que os Lincoln fizeram à tarde, ausentando-
se da Mansão Executiva, frustrara vários políticos que desejavam ter com o
presidente, e nenhum deles se dispunha a ser rejeitado.
Mais cedo naquela mesma tarde, Lincoln ficara feliz por livrar-se deles
e das demais responsabilidades do cargo. Fora um dos dias mais felizes de
sua vida. Durante o desjejum, o primogênito Robert alegrou os pais com as
observações pessoais que fez sobre a rendição de Lee. Pelo menos uma vez,
a reunião do gabinete se viu livre de crises, notícias das batalhas,
quantidades de baixas e inúmeros problemas que exigiam a atenção
imediata do presidente. A vitória o deixara sobranceiro e, desde a rendição
de Lee, Lincoln estava mais animado do que em qualquer outro instante de
sua presidência. Ele aguardava as últimas novas do general Sherman sobre
a esperada rendição do exército do general confederado Joe Johnston.
Mas primeiro ele queria passear com Mary. Assumira o compromisso
dois dias atrás ao lhe enviar um bilhete, “escrito em seu escritório... poucas
linhas, num palavreado brincalhão e carinhoso, informando a hora, do dia,
em que ele iria passear comigo!”. A guerra aprofundara o afastamento entre
os dois. A Washington oficial, sob forte influência sulista, desde o começo
recebera Mary com frieza e como se fosse uma penetra, uma arrivista
recém-chegada do oeste, apesar de suas raízes aristocráticas e escravagistas
no Kentucky. Ela vinha emocionalmente abalada desde o falecimento do
filho favorito, William Wallace Lincoln, “Willie”, aos 11 anos, em fevereiro
de 1862, e havia caído no fascínio de médiuns em sessões espíritas na Casa
Branca. O presidente, desdenhoso da obsessão que a esposa vinha nutrindo
pelo mundo espiritual, compareceu a um de seus eventos sobrenaturais. Foi
o suficiente para seduzir um editor dedicado ao mundo da música a divulgar
uma paródia de partitura musical, “The Dark Séance Polka”, cuja arte da
capa mostrava uma tresloucada sessão espírita na Mansão Executiva com
objetos voando por todo lado. Mary era uma mulher de bom coração, mas
seus detratores preferiam criticar suas excentricidades pessoais — os
hábitos de compras caras tanto para a Casa Branca quanto para si própria, e
o temperamento raivoso e ciumento — a elogiar o bom trabalho que ela
fazia pelos soldados ou a lealdade absoluta ao marido, à Uberdade e à
União. E as demandas da guerra haviam sido tão grandes que o presidente
passava cada vez menos tempo com ela.
Lincoln sabia que precisaria mudar esse quadro agora. Queria conversar
com ela sobre o futuro deles. Levou-a até a carruagem aberta e, antes de o
cocheiro dar a partida, ela lhe perguntou se ninguém deveria acompanhá-
los no passeio.
Ao que ele respondeu:
— Não, prefiro que nós passeemos sós hoje.
A alegria de Lincoln era irrepreensível. Mary Lincoln percebera isso no
cruzeiro que haviam feito recentemente pelo rio: “Descendo o Potomac, ele
parecia um garoto, de tanta jovialidade! E me fez lembrar da sua natureza
original, o que sempre recordo dele, em nossa casa — despreocupados,
cercados daqueles a quem ele amava e por aqueles que o tinham como
ídolo.”
Agora, durante o vespertino passeio de carruagem, Mary lhe falou do
bom humor em que ele se encontrava.
— Querido marido, quase me assustas com tua enorme alegria.
— E é bom que me sinta assim, Mary — retrucou o presidente. —
Considero que a guerra tenha chegado a um fim no dia de hoje.
— Devemos ambos estar mais alegres no futuro; entre a guerra e a
perda de nosso querido Willie estivemos ambos muito tristes.
Durante o agradável passeio, que os levou, dentre outros lugares, ao
Estaleiro Naval perto do Capitólio, onde o casal inspecionou um vaso de
guerra blindado, o monitor Montauk, o presidente falou para a esposa que
eles deveriam tentar ser felizes novamente. Que ele gostaria de ver o oceano
Pacífico. Que talvez ao fim do seu segundo mandato, eles se mudariam para
Chicago onde ele tornaria a exercer seu ofício. Livre das aflições de guerra
e morte — não enviaria mais exércitos de jovens ao encontro da morte —
Lincoln sonhava com o futuro. Sim, tornariam a ser felizes. Mais tarde,
Mary se recordou de que na “sexta-feira, eu nunca o vira tão soberbamente
alegre — sua postura chegava a ser brincalhona”.
NO PARQUE LAFAYETTE, PERTO DA CASA BRANCA, O MAJOR HENRY
Rathbone e sua noiva, Clara Harris, aguardavam seus anfitriões na
residência do senador Harris, na esquina da rua 15 com a H. Os Lincoln
haviam combinado pegá-los a caminho do teatro, mas estavam quase vinte
minutos atrasados. O major e a srta. Harris torciam para que o presidente
não os houvesse esquecido quando às 20h20 a carruagem apareceu. O
jovem e popular casal, embora ambos conhecidos dos Lincoln, não eram
sua primeira opção. Depois que os Grant haviam mudado de ideia, os
Lincoln convidaram várias pessoas para acompanhá-los, mas todos
declinaram. Afinal, acertaram com Rathbone e Harris que, ignorando
quantos outros haviam declinado antes, ficaram satisfeitíssimos em aceitar.
A conversa foi afável durante os dez minutos do percurso até o teatro,
lembrou-se a srta. Harris, refletindo o espírito de uma semana de alegria e
celebração: “Eles chegaram à nossa porta no melhor dos humores;
conversando descontraidamente.” No Teatro Ford, a gerência resolveu não
reter as cortinas à espera da comitiva presidencial e a peça começou sem
eles.
O dr. Charles Leale também estava atrasado. “Depois dos meus afazeres
cotidianos no hospital, avisei ao chefe da ala que iria me ausentar por um
curto período de tempo... Coloquei um traje de passeio e parti logo para o
Ford.” Leale tinha esperança de conseguir um bom lugar. “Cheguei tarde ao
teatro, às 20h15, e pedi um assento na tribuna, de onde poderia ver os
ocupantes do camarote presidencial... Como a casa estava lotada, o último
lugar vazio era na plateia. Fiquei muito decepcionado, mas aceitei o lugar,
que ficava perto da frente no mesmo lado e a uma dúzia de metros do
camarote do presidente.”
Finalmente, o vigia do teatro avistou a grande carruagem negra virando
a rua 10. Ela parou ao lado da plataforma de madeira elevada diante do
teatro, construída especialmente para ajudar os passageiros das carruagens a
saírem de seus veículos evitando a rua enlameada. Os Lincoln,
acompanhados de Rathbone e Harris, desembarcaram e o lanterninha-chefe
os conduziu pelo salão, depois escada acima e, passando pela plateia —
balcão nobre — apresentou-lhes o camarote. A entrada de Abraham Lincoln
no Teatro Ford às 20h30 em 4 de abril de 1865 foi majestosa por sua
simplicidade. Ele chegou sem comitiva, desprovido de guardas armados, e
não foram feitos anúncios públicos.
Antes do pequeno grupo presidencial chegar ao camarote, os atores,
músicos e espectadores tiveram ciência de que Lincoln havia chegado. A
plateia soltou gritos de aclamação. Os atores no palco interromperam a
encenação. O maestro da orquestra William Withers estava ansioso por
conduzir seus músicos numa canção patriótica especial, “Honor to Our
Soldiers” (Homenagem aos nossos soldados), que ele compusera justamente
para a ocasião. Mas isso ficaria para depois. Agora, regeu a orquestra numa
interpretação emocionante de “Hail to the Chief” (Vivas ao chefe). A
plateia foi ao delírio.
Charles Leale havia chegado em tempo de testemunhar tudo isso:
“Muitos na plateia se puseram de pé, entusiasmados, e aclamaram aos
brados enquanto olhavam à sua volta.” Leale olhou à sua volta também e
viu Abraham Lincoln parado ali perto. “Ao me virar, eu vi, no corredor
poucos metros atrás de mim, o presidente Lincoln, a sra. Lincoln, o major
Rathbone e a srta. Harris. A sra. Lincoln sorriu muito animada em
reconhecimento às saudações leais e fez graciosas mesuras diversas vezes,
mostrando-se trans- bordante de alegria e gratidão.” Mas era o presidente
que Leale queria ver. “Tive a melhor oportunidade de ver com nitidez o
rosto inteiro do presidente quando a luz se projetou diretamente sobre ele.
Depois de dar alguns passos, ele parou um instante, olhou para o povo que
amava e agradeceu pela aclamação com uma reverência solene.”
No momento supremo da vitória, aclamavam o Pai Abraham, homem
que, após abalos iniciais ao assumir o cargo, aprendeu a comandar
exércitos, aumentou sua visão e eloquência, acabou com a escravidão e,
apenas seis semanas antes, fizera o discurso de posse mais simpático e
estonteante na história da presidência dos EUA. Conforme prometera,
salvou a União. Lincoln parou em seu camarote e fez uma reverência para a
plateia.
A homenagem espontânea, a banda, o silvo das lamparinas a gás, a casa
lotada, o frescor úmido do aroma da primavera no ar, as últimas boas novas
do front — tudo se combinava para criar um momento mágico e singular.
Clara Harris se recordou: “O presidente foi recebido com o maior dos
entusiasmos.” James Ferguson não ficou tão impressionado. Ele tinha visto
Lincoln antes. Onde estava o homem que Harry Ford prometera estar ali,
aquele a quem ele veio ver? “Eu supus que Grant talvez tivesse ficado lá
fora, para evitar muita empolgação dentro do teatro, para entrar depois e ir
sozinho até o camarote.” Ferguson estava tão determinado a ver o general
que, durante a hora e meia que se seguiu, continuou olhando para o
camarote do presidente tanto tempo quanto passou olhando para o palco.
“Eu resolvi que iria vê-lo... e observei todos que passaram por aquele lado
do balcão nobre em direção ao camarote.” Ninguém, ele prometeu a si
mesmo, entraria naquele camarote sem ser notado.
CAPÍTULO 2 Consegui
DIZ A LENDA QUE JOHN WILKES BOOTH ESTAVA ESCONDIDO NA penumbra
diante da porta da frente do Teatro Ford quando a carruagem presidencial
surgiu aos sacolejos pela estrada de chão batido e foi diminuindo a
velocidade até parar, mas ninguém de fato sabe onde ele estava naquele
exato momento. Em 29 de abril de 1865, Clara Harris escreveu numa carta:
“Dizem que fomos vigiados pelos assassinos; pois, ao apearmos da
carruagem... e quando penso naquele espírito maligno acercando-se de nós,
meu sangue gela!” Onde quer que estivesse, é quase certo que Booth
conseguiu verificar com seus próprios olhos que Lincoln já se encontrava
dentro do teatro. E provavelmente ficou intrigado quanto à identidade dos
convidados dele, avaliando se o major Rathbone parecia ser do tipo capaz
de apresentar alguma ameaça aos seus planos. Não importava, na verdade;
ninguém iria impedi-lo de chegar até onde queria.
No estabelecimento vizinho ao bar de Peter Taltavul, o Salão Star, a
noite corria como outra qualquer quando as luzes se acenderam no Teatro
Ford. Alguns dos espectadores do teatro tomavam um trago rápido antes de
assistirem ao espetáculo; outros vinham se fortalecer durante o intervalo.
Eram cerca de nove da noite, hora de Booth entrar no teatro pela
primeira vez desde que os Lincoln chegaram. Embora tenha entrado no
Ford, qual os Lincoln, depois de começado Nosso primo americano, o ator
ainda estava dentro do horário. A peça era como um relógio, cada palavra
falada era mais um segundo marcado pelo ponteiro. Ao ouvir apenas uma
nesga do diálogo, Booth sabia, com a precisão de minutos, o tempo que
decorrera desde levantadas as cortinas e o tempo que faltava para acabar a
apresentação. Ele sabia que ainda tinha pelo menos uma hora pela frente. E
saiu do teatro.
Em pouco tempo, voltou à sua estrebaria no beco, onde ele e Spangler
haviam deixado a égua na baia. Booth destrancou a porta, jogou o xale
sobre as ancas do animal e o selou. Conduziu o cavalo de aluguel pelas
rédeas até sair do Baptist Alley, chegando à porta do Teatro Ford. Teria
amarrado o animal à barra de atrelagem atrás do teatro, mas lembrou-se do
aviso dado pelo homem da estrebaria de que aquela égua não gostava de
ficar amarrada. Ela puxaria as amarras até se libertar. Afinal, o que
aconteceria se ele deixasse o cavalo desacompanhado e viesse depois para
pegá-lo mas descobrisse que alguém o havia roubado? Seria melhor pedir
que alguém segurasse as rédeas até o seu retorno. Da porta dos fundos, que
estava aberta, ele chamou: “Ned. Ned Spangler!” Não houve resposta.
Dentro do Ford, o empregado John Debonay saiu atrás de Ned:
— Booth está te chamando.
Spangler foi até o beco.
— Segure esta égua durante uns dez ou quinze minutos — instruiu-lhe
Booth.
— Não tenho tempo — retrucou Ned.
A peça estava em andamento. Ele não podia se descuidar de suas
funções nos bastidores para perder tempo segurando um cavalo. Precisava
estar em seu posto para mudar o cenário. Ofereceu-se para chamar outro
empregado, John Burroughs, apelidado pelos colegas de “John Peanut” por
conta dos amendoins que vendia como lanche aos espectadores.
Spangler mandou chamar John Peanut. Booth deu as rédeas a Ned,
prevenindo-o de que aquele animal não aceitava ser amarrado e precisava
que o segurassem. Booth entrou no teatro. Quando John Peanut chegou, foi
logo reclamando que precisavam dele na frente do teatro para evitar que as
pessoas entrassem sem pagar. Depois de um ou dois minutos de discussão,
ele desistiu e aceitou as rédeas das mãos de Spangler. Ned voltou ao
trabalho. Mary Jane Anderson, uma mulher negra que morava numa casa do
beco aos fundos do teatro, viu Booth puxar o cavalo pela rua inteira, passar
diante da sua porta e chamar Ned Spangler. Depois que o homem entrou no
teatro, ela não conseguia mais ver o cavalo, apenas ouvia sua agitação. “Ele
ficou batendo com as patas na pedraria do chão, e eu falei ‘O que será que
está incomodando esse cavalo?’ E ele ficou lá fazendo barulho com os
cascos.” Foi a segunda vez que a sra. Anderson viu Booth naquele dia.
Durante a tarde, entre duas e três horas, ela o vira acompanhado de uma
mulher, ambos parados atrás do teatro durante “um tempo considerável”,
conversando. Mary Anderson não conseguia tirar os olhos do belo astro:
“Fiquei ali no meu portão, olhando para ele, com gosto.”
Uma vez dentro do Ford, Booth quis cruzá-lo por trás do palco até o
outro lado do prédio, onde uma portinha dava num corredor estreito voltado
para o oeste até chegar na rua 10 e na frente do teatro. Booth perguntou a
um empregado se poderia passar por trás do palco, oculto pelo cenário. Isso
não seria possível, disse-lhe o outro. A “cena da leiteria”, cena profunda
que requeria todo o espaço do palco, estava em andamento e não haveria
por onde passar atrás do cenário de forma a não se deixar ver pelo público.
Então, Booth teria de cruzar por uma passagem que havia debaixo do palco
para sair do outro lado.
Ele ergueu o alçapão e entrou na passagem escura. Ao caminhar pelo
chão de terra batida, ficou ouvindo as tábuas do palco a ranger sobre sua
cabeça, as vozes distantes abafadas dos atores e os risos da plateia. Subiu a
escada ao fim da passagem, cutucou o alçapão para abri-lo e sair finalmente
no corredor que corria ao longo do Ford e do vizinho Salão Star. Percorreu
toda a distância até a rua 10. Qualquer um que o avistasse agora assumiria
que ele viera a pé pela rua 10 para assistir à peça. Ninguém no teatro,
exceto alguns empregados, sabiam que ele tinha um cavalo esperando na
porta dos fundos. Havia tempo para um último trago.
Booth entrou no Salão Star por volta das dez horas da noite. O
estabelecimento apertado, estreito e mal iluminado atendia aos atores,
contrarregras e frequentadores do Teatro Ford em geral. Booth estava só.
Frequentador assíduo, ele fez um breve aceno de cabeça para o proprietário
Peter Taltavul e pediu o que lhe apetecia: uísque. O atendente lhe serviu
uma dose e colocou a garrafa sobre o balcão ao seu alcance. Água também,
por favor, relembrou- lhe Booth: Taltavul havia esquecido de lhe servir a
bebida com a qual o ator costumava acompanhar seu uísque. Os dedos
pálidos e delicados de Booth apertaram o copo, levaram-no aos lábios e ele
sorveu a bebida da maneira que um homem mais temperado e sedento
beberia o copo d’água. Booth saboreou o líquido acalorado. Levaria algum
tempo até que pudesse tomar outra dose. E os clientes que reconheceram o
homem mais elegante e bem- vestido de Washington guardaram silêncio e
não perturbaram o famoso ator. Booth jogou algumas moedas no balcão e
saiu sem dizer palavra. Pegou a rua 10, virou à direita, deu alguns passos e
viu a carruagem do presidente ainda estacionada no mesmo lado da rua, a
alguns metros da porta principal, onde cocheiro e cavalo aguardavam para
levar Lincoln de volta à casa. Burke saíra para tomar um trago depois de
deixar os Lincoln e seus convidados, e depois voltara para a carruagem.
No beco dos fundos do teatro, Mary Anderson observava John Peanut
levando o impaciente cavalo de Booth para um lado e para o outro.
Era hora. Booth se demorou no saguão, sorvendo a atmosfera e
escutando o diálogo. Ainda estava no horário. Não havia razão para pressa.
Passando pela parte norte do saguão, ele subiu as escadas em curva que
davam no balcão nobre, percorrendo o mesmo caminho que os Lincoln
percorreram para chegarem ao camarote. Booth fez uma pausa no topo da
escada para aproveitar a melhor vista do camarote do presidente, ângulo
que o fez olhar um pouco para baixo e na diagonal de um lado a outro do
recinto. Caminhou devagar ao longo da parede ocidental da casa. Do seu
assento no primeiro piso, James Ferguson, ainda na esperança de ver o
general Grant chegar, olhou para cima e viu, no outro lado do teatro, um
homem que não era Grant aproximando-se do camarote. Ele reconheceu
John Wilkes Booth:
“Mais ou menos por volta das dez da noite... eu vi Booth passar pelas
proximidades do camarote e depois parar, e em seguida se encostar na
parede. Ele ficou ali parado um instante.”
Dali, Booth podia ver a porta que dava para o vestíbulo de acesso direto
ao camarote presidencial. O que ele viu — ou mais precisamente o que ele
não viu — o surpreendeu. A porta estava desguarnecida. Ele esperava
encontrar um oficial, um soldado, ou pelo menos um policial civil ali
sentado. Mas, não. Quem estava sentado ali, sem bloquear a porta, era o
criado de Lincoln, Charles Forbes, que viera para o teatro no alto da
carruagem ao lado do condutor. Booth parou para falar com Forbes,
mostrando-lhe um cartão ou pedaço de papel. Até hoje, ninguém sabe que
palavras eles trocaram ou que documento Booth lhe mostrou. Seria uma
carta? Ou simplesmente o cartão do ator? Um cartão com o nome de Booth
abriria praticamente todas as portas em Washington. Forbes não fez menção
alguma de detê-lo. Booth prosseguiu até a porta, percebendo que, a menos
que houvesse um guarda escondido dentro do vestíbulo escuro, ninguém
iria detê-lo. Ele agarrou a maçaneta, girou-a e empurrou a porta, que se
abriu facilmente. James Ferguson olhou para cima novamente e viu Booth
entrar no camarote: “Eu olhei para trás e o vi descer um degrau, colocar as
mãos e o joelho contra a porta, e depois não o vi mais.” A luz amarelenta
das lamparinas do balcão nobre iluminou o pequeno vestíbulo. Booth
espiou o seu interior. Vazio. Não havia guarda. Não havia ninguém entre ele
e o presidente dos Estados Unidos.
Dentro do camarote, os Lincoln estavam se divertindo, não por causa da
peça mas simplesmente por estarem juntos, fora da Casa Branca, durante a
semana mais alegre que tiveram em Washington. Num dado momento, o
presidente se levantou para vestir o casaco — o ar fresco da noite o deixara
com frio. Tornando a sentar-se em sua cadeira de balanço, talvez se
recordando do passeio de carruagem à tarde, Lincoln esticou a mão e pegou
a de Mary. Fingindo embaraço, ela repreendeu o marido pela ousadia:
— O que a srta. Harris vai achar de mim, agarrada assim a você?
Lincoln respondeu às últimas palavras que iria ouvir da esposa:
— Ela não vai achar nada — e sorriu-lhe um sorriso afetuoso.
Ao passar, Booth fechou a porta externa do vestíbulo tão
silenciosamente que os ocupantes do camarote nada ouviram. Ele estava
preparado para abrir caminho a faca, se necessário. Mas acontece que ele
entrou sem ser incomodado, como se tivesse reservado o camarote para esta
noite, conforme estava habituado a fazer. Inclinando-se para o chão, ele
tateou a borda do tapete perto da parede até encontrar uma haste de madeira
— peça de uma estante para partituras musicais — que escondera ali à
tarde. Naquele mesmo dia, quando ninguém estava olhando, ele voltou ao
Teatro Ford, entrou no vestíbulo e camarote, sem ser visto, e fez seus
preparativos. Torcendo para que ninguém o tivesse achado e jogado no lixo
como um pedaço de madeira perdido, ele correu os dedos pelo tapete.
Ainda estava lá. Ele ergueu a barra de madeira, e logo inseriu uma das
extremidades num encaixe que abrira no reboco da parede, ocultado por
baixo de uma aba do papel de parede. Baixou a outra extremidade para a
barra ficar numa posição quase paralela ao chão, até que ela encostasse na
porta. Tomou cuidado para não socar a barra no lugar à base de pancadas
com os punhos cerrados. O barulho poderia alertar o grupo de espectadores
sentados a poucos metros dali. O que fez, então, foi segurá-la com as duas
mãos e apoiar seu próprio peso para deixá-la mais firmemente encaixada.
Gastou naquilo apenas alguns segundos, conforme planejara. Agora,
ninguém conseguiria ir atrás dele dentro do vestíbulo para impedi-lo de
entrar no camarote do presidente.
Booth virou-se para as duas portas de madeira, uma à esquerda e a outra
diretamente à sua frente, que se abriam para os camarotes sete e oito, agora
combinados para formar o camarote dos Lincoln.
As pupilas negras do ator se arregalaram, ajustando-se à escuridão,
enquanto também se fixavam na única luz disponível no cômodo sombrio e
claustrofóbico — um pálido foco que surgia de um orifício que alguém,
provavelmente Booth, perfurara no painel direito da porta que dava para o
camarote de número sete. Um facho cilíndrico emanava do camarote
iluminado do lado de lá da porta, mas era tão fraco que sequer conseguia
varar o minúsculo vestíbulo e projetar um pontinho de luz na parede oposta.
O máximo que o raio conseguia era se desfazer no ar a meio caminho,
difundindo-se na escuridão que o absorvia.
Booth espiou através do ponto de luz na porta, o que lhe dava uma vista
parcial do interior do camarote. Viu o que procurava — uma cadeira de
balanço estofada com espaldar alto, a poucos passos de distância no lado de
lá da porta.
A disposição dos assentos no camarote era perfeita para um assassino.
Lincoln estava sentado na extremidade à esquerda, com a cadeira de
balanço encaixada praticamente na parede do camarote. Nesse ângulo, o
lado esquerdo do presidente ficava voltado para a plateia, o direito, para o
interior do camarote, descortinando o palco bem à sua frente. Lincoln
estava perto da porta pela qual Booth adentraria o camarote. Mary Lincoln
estava à direita do presidente, sentada numa cadeira de fibra trançada com
estrutura em madeira. Ao seu lado estava Clara Harris noutra cadeira e, na
extremidade da direita, o major Rathbone num sofá. Booth poderia entrar
no camarote e abordar Lincoln sem ter de passar pelo major.
No palco, desenrolava-se o começo do terceiro ato, cena dois. Faltavam
quatro cenas para o encerramento da peça. A sra. Mountchessington e sua
filha Augusta, par de garimpeiras inglesas, tramavam como casar a moça
com Asa Trenchard, um camponês americano rico e tosco interpretado pelo
aclamado ator cômico Harry Hawk.
“Sim, minha filha, enquanto o sr. De Boots e o sr. Trenchard estão
ambos aqui, você deve se perguntar com toda a seriedade quanto ao seu
afeto. Lembre-se de que a felicidade da sua vida inteira vai depender da
sua escolha.” “O que me aconselha, mamãe? Sempre é a senhora quem me
aconselha.”
“Minha querida e obediente filha, De Boots tem expectativas
excelentes, mas são apenas expectativas, afinal. Esse americano é rico e,
no todo, acho que um afeto bem orientado deveria pender para Asa
Trenchard.”
Eram 22h13. Booth enfiou as mãos nos grandes e profundos bolsos de
sua casaca preta e sacou suas armas. Na mão direita estava a pistola
Deringer de calibre .44, com capacidade para um único tiro, e na esquerda,
a brilhante e afiada faca Rio Grande. Ele se posicionou com firmeza. Harry
Hawk entrou em cena pela esquerda do palco. Não, ainda não. Ainda
estavam no palco muitos personagens: a sra. Mountchessington, Augusta e
Asa Trenchard. Booth prestou bastante atenção ao diálogo da peça para
pegar sua deixa, ouvindo as vozes dos atores se projetarem até o camarote
do presidente e ecoarem pelas portas até o vestíbulo onde ele continuava
escondido. Booth ouviu Asa Trenchard confessar à sra. Mountchessington
que não era rico.
“Não sou herdeiro de fortuna, sra. Trenchard.”
“Oh, não.”
Depois de mais algumas frases, Harry Hawk ficaria só no palco e teria
uma fala prevista para detonar no público uma gargalhada tão sonora que
seria capaz de abafar praticamente qualquer coisa, inclusive, esperava
Booth, a detonação de uma pistola.
O polegar de Booth puxou para trás o cão da Deringer até ouvi-lo
engatilhar na posição de disparo. Sua mão pousou sobre a maçaneta de
porcelana da porta.
“Sr. Trenchard, queira, por gentileza, se lembrar de que está se
dirigindo à minha filha, e na minha presença.”
“Sim, estou oferecendo a ela o meu coração e a minha mão assim como
ela os deseja, vazios.”
“Augusta, minha querida, para o quarto.”
“Sim, mamãe, que bruto!”
Agora, Booth sabia, permaneceriam em cena apenas dois atores.
A tensão era insuportável. As sílabas proferidas no palco não soavam
mais qual palavras mas como as últimas batidas de um relógio cuja corda
chega ao fim. Eram 22h13.
“Estou ciente, sr. Trenchard, o senhor não está acostumado aos modos
da boa sociedade, e isso, por si só, desculpará a impertinência da qual o
senhor é culpado.”
A sra. Mountchessington saiu de cena ofendida.
Harry Hawk estava só no palco agora.
Booth abriu a porta e pulou para o interior do camarote do presidente.
Hawk começou a recitar a última frase que Lincoln haveria de ouvir na
vida, uma torrente de desaforos piegas numa comédia para o deleite do
público.
“Não conhece os modos da boa sociedade, hein! Ora essa, acho que
conheço o suficiente para virá-la ao avesso, minha senhora...”
Lincoln estava muito perto. Se Booth quisesse, poderia esticar o braço e
tocá-lo no ombro com o cano da Deringer. Ninguém no camarote o vira ou
ouvira entrar. Os Lincoln, Harris e Rathbone continuaram assistindo aos
desdobramentos da peça no palco. Booth dava início à cena para a qual
ensaiara mentalmente diversas vezes naquela tarde. Deu um passo na
direção de Lincoln, que não se mexia — não estava se balançando para a
frente e para trás na cadeira de balanço. Booth fixou o olhar na nuca do
presidente. Levantou o braço direito à altura do ombro e o estendeu para a
frente, fazendo pontaria na cabeça de Lincoln. Ele nem precisava fazer
pontaria — fazer pontaria sugere uma habilidade de atirador —, estava tão
perto do presidente agora que bastava apontar a Deringer.
A pistola não vinha equipada de fábrica com gatilho cabelo, de forma
que a arma não disparou enquanto Booth não aumentou a pressão do dedo
até chegar a alguns quilos. Ele apertou mais um pouco.
“... você é um traste na vida de um homem!”
Quando a plateia caiu na gargalhada, naquele instante, no último
momento possível antes da detonação da pistola, Abraham Lincoln jogou a
cabeça para longe de Booth, para baixo e para a esquerda, como se tentasse
desviar do tiro. A carga de pólvora explodiu e cuspiu o projétil na direção
da cabeça de Lincoln. James Ferguson viu Lincoln se mexer logo antes de
ver o lampejo do cano iluminar o camarote por um instante qual um raio em
miniatura. O movimento do presidente e o tiro foram simultâneos. Teria
Booth errado?
Se tivesse, o assassino estaria correndo grande risco, de repente, pois
não poderia contar com um prazo de vinte a quarenta segundos para
recarregar — e, de qualquer forma, ele sequer se dera o trabalho de trazer
mais pólvora e balas na casaca. Agora, estava preso entre Lincoln e
Rathbone, sem arma alguma além da faca. Se a visão periférica de Lincoln
o tivesse alertado quanto à presença de um intruso se esgueirando
sorrateiramente em sua direção, ou se conseguisse captar o vulto do braço
de Booth se esticando para alcançar a posição de disparo, talvez o
presidente conseguisse escapar da bala, ou na pior das hipóteses levaria um
tiro de raspão na cabeça, no pescoço ou no ombro. Se ao menos isso tivesse
acontecido, então Lincoln, mesmo com 56 anos de idade, teria sido um
adversário formidável. A ideia do venerável Pai Abraham lutando contra o
atlético astro do teatro, espadachim treinado para saltitar de um lado a outro
dos palcos, não seria tão longínqua quanto possa parecer.
Tinha-se em conta em 1865, assim como nos dias de hoje, que as
agruras da Guerra de Secessão haviam transformado Lincoln num velho
arruinado. Sua barba, seu andar a furta-passo e seu ar de preocupação, tão
comoventemente capturados nas últimas fotografias de Alexander Gardner
em fevereiro de 1865 e de Henry Warren em março de 1865, deram crédito
ao mito do velho Pai Abraham, com jeito de Moisés, conduzindo seu povo.
Mas havia outro Abraham Lincoln que ninguém em Washington jamais
vira: o vigoroso e musculoso lenhador do oeste. Essa imagem era mais do
que um brilhante slogan da campanha presidencial de 1860. Lincoln fora de
fato um lenhador, um homem endurecido por anos de trabalho físico brutal.
Com o rosto enrugado e a cabeça larga no alto dos seus l,93m de altura, o
presidente Lincoln poderia aparentar idade e fraqueza. As demandas que a
guerra exerceu sobre a presidência deixaram suas marcas e Lincoln perdeu
dez ou quinze quilos durante os anos de mandato. Mas por baixo daquela
casaca frouxa e das calças mal ajustadas de sempre, havia um físico esbelto
e formidável. Em breve os médicos iriam descobrir e se impressionar com a
diferença de idade entre o rosto e o corpo do presidente.
Se Booth tivesse errado, Lincoln poderia se levantar da cadeira para
enfrentar seu assassino. Naquele momento, encurralado, tendo não somente
a própria vida em risco mas também a de Mary, é quase certo que o
presidente teria dado combate. E se assim tivesse feito, Booth ver-se-ia
superado ao confrontar não a gentileza de um Pai Abraham mas sim a fúria
de um barqueiro do rio Mississippi que enfrentara uma horda de piratas
sanguinários na calada da noite; ou a destreza de um lutador que anos antes
subjugara os rapazes de Clary’s Grove em Nova Salem numa contenda
considerada até o presente como legendária; ou mesmo um presidente capaz
de, aos 56 anos, pegar pelo cabo um comprido machado de lenhador e
brandi-lo bem alto sem maiores esforços. Lincoln teria estrangulado o ator,
que media l,73m de altura e pesava 68 quilos, ou facilmente o teria jogado
por cima do parapeito do camarote para que ele se estatelasse lá embaixo
depois de uma queda de quase quatro metros.
Mas Lincoln não tinha visto Booth chegar. Não se mexera para evitar o
tiro. O que aconteceu foi que, na hora de Booth disparar o tiro, Lincoln se
inclinava para a frente e para a esquerda de forma a poder olhar para a
plateia no pavimento inferior. James Ferguson viu tudo: “No momento em
que foi alvejado, o presidente se encontrava na seguinte posição: ele estava
apoiando a mão no parapeito e se inclinando de forma a poder olhar para
alguém lá embaixo — ele não estava olhando para o palco. Ele havia
puxado um pouco para o lado a bandeira que decorava o camarote e estava
olhando entre a bandeira e o mastro.”
A pistola, arma cara e de qualidade, havia funcionado perfeitamente. O
gatilho liberou o cão que estava armado pela mola de tensão. O percussor
atingiu a cápsula de cobre situada na câmara de aço do cano. A fagulha
resultante se espalhou pela câmara, detonando a carga de pólvora. A
explosão impulsionou a bala de calibre .44 numa velocidade considerada
lenta pelos padrões modernos, mas rápida o suficiente. Ainda assim, Booth
quase errara. Caso o presidente tivesse se inclinado um pouco mais, a bala
talvez tivesse passado zarpando por cima de sua cabeça.
Mas, não. Ela o atingiu na cabeça, no canto inferior esquerdo, um pouco
abaixo da orelha. A bala atravessou seus cabelos castanhos, cortou-lhe o
couro cabeludo, perfurou o crânio e, devido ao ângulo da cabeça no
momento do impacto, traçou um túnel diagonal da esquerda para a direita
no cérebro de Lincoln. O tecido cerebral úmido diminuiu a velocidade do
projétil, absorvendo energia suficiente para evitar que ele penetrasse o outro
lado do crânio ou saísse pelo rosto do presidente. A bala parou dentro do
cérebro de Lincoln, alojando-se atrás do olho direito.
Lincoln não chegou a saber o que lhe aconteceu. Sua cabeça pendeu
para frente até o queixo encostar no peito e o corpo perdeu todo o controle
muscular, deixando-se afundar no confortável estofado da cadeira de
balanço. Ele não caiu no chão. Parecia ter-se deixado adormecer, por enfado
da peça. Aconteceu tão rápido que Lincoln perdeu a consciência antes de
ouvir o disparo da pistola, sentir o cheiro da pólvora, ou ser envolvido pela
densa fumaça cinza-azulada, assinatura de todas as armas acionadas por
pólvora negra. O barulho da pistola, mais parecido com o estampido oco
dos fogos de artifício do que com o estalido ríspido das modernas armas de
fogo — outra característica das armas de pólvora negra do século XIX com
baixas velocidades de boca —, ecoou pelo camarote, perdurando alguns
segundos, propagando-se até o teto e o palco abaixo, reverberando em todo
o teatro.
Ninguém se mexeu. O presidente, Mary Lincoln, Clara Harris, o major
Rathbone e Booth ficaram absolutamente parados, como se fizessem pose
no estúdio para uma das fotografias que Alexander Gardner tirava em chapa
molhada de albumina exigindo uma exposição de vários segundos sem
movimento algum. O tempo parou.
O disparo da pistola assustou algumas pessoas na plateia. Alguns
pensaram que aquilo fizesse parte da peça; outros, que fosse uma surpresa
fora do roteiro em homenagem à visita do presidente. Muitos sequer
ouviram coisa alguma.
Rathbone, experiente oficial do exército que já ouvira disparos de armas
de fogo antes, foi o primeiro a perceber que algo havia de anormal. Virou-se
para a esquerda. A fumaça, agora tingida de vermelho pela luz das
lamparinas a gás, mais o estofamento e o papel de parede carmim, que
combinavam para dar ao camarote um brilho ardente e audaz, obscureceram
parcialmente a sua visão. Rathbone se levantou logo e deu um passo na
direção do presidente. Naquele instante, viu um homem de cabelos e
bigodes escuros com o olhar tresloucado e o rosto refulgindo em meio aos
trajes pretos. Qual um demônio, Booth emergiu da cortina de fumaça e
pulou em cima dele. Simultaneamente, Rathbone em cima de Booth,
agarrando-o pela casaca. O assassino conseguiu se soltar, gritando apenas
uma palavra, “Liberdade!”, e esticando o braço direito o mais alto que pôde.
Os olhos de Rathbone foram atraídos pelo gesto e ele viu o que Booth trazia
ao punho: uma grande faca brilhante, com a lâmina ameaçadora apontando
bem na sua direção. Booth se mexeu rápido demais para que Rathbone
conseguisse ler os slogans patrióticos gravados na lâmina: “Terra da
Liberdade / Lar dos Corajosos”; “Liberdade / Independência”. Booth não
tentaria rechaçar Rathbone com meras estocadas da faca. Buscaria
desfechar um golpe mortal. Iria encenar um ato teatral, articulando toda a
extensão do braço a partir do ombro, de forma a enfiar a lâmina através das
costelas de Rathbone até atingir-lhe o coração. Ele já iniciara o movimento
quando Rathbone, no último instante, ergueu o braço no intuito de aparar o
golpe. O major soltou um grunhido de dor. A manobra dos seus reflexos,
rápida como um raio, salvou-lhe a vida, mas a lâmina do assassino varou a
manga do casaco e cortou-lhe o braço. O sangue jorrou em profusão da
ferida profunda.
Booth não tinha mais tempo a perder tentando acabar com Rathbone. O
relógio em sua cabeça ainda marcava os segundos. Se quisesse fugir do
teatro, precisaria abandonar o camarote imediatamente. Ele se aproximou
da balaustrada e passou uma perna para o outro lado. A essa altura, algumas
pessoas da plateia já haviam olhado para cima. Aquilo era um homem
tentando sair do camarote do presidente, preparando-se para dar um salto
até o palco? Enquanto Booth se preparava para pular, Rathbone voltou-se
para ele novamente, agarrando-lhe as abas da casaca. Distraído pelo gesto,
Booth se atrapalhou com o retrato emoldurado de George Washington, que
ficava pendurado à frente do camarote, e a espora de sua bota se prendeu
num dos galhardetes que horas antes Henry Clay Ford trazia nos braços
quando encontrou com Booth na rua. Era a vingança da “Velha Glória”, em
breve diria o mito popular. Ainda assim, ele conseguiu se desvencilhar e
deu um pulo desajeitado na direção do palco. Caiu sobre os pés, mas
desequilibrado. Percebeu que havia algo errado. Sentiu a perna esquerda,
perto do tornozelo, mas não havia o que fazer agora.
O grande crime. Impresso fantasioso publicado pouco depois do
assassinato.
Cambaleante, Booth conseguiu chegar até o centro do palco, virou-se
para a plateia e se aprumou. Seu tórax esplêndido sempre o fizera parecer
mais alto do que era. Cada segundo era-lhe precioso para a fuga, mas ele
havia ensaiado essa parte bem demais para negligenciá-la agora. Sabia ser
esta a sua última apresentação nos palcos americanos e por ela seria
lembrado para todo o sempre. Não deveria estragar sua fala. Todos os
olhares se voltaram para a sua pessoa. Ele ficou ali parado, numa pausa
momentânea de efeito dramático, e brandiu o punhal ensanguentado no ar
em gesto triunfal. As luzes das lamparinas a gás na ribalta refletiam-se na
lâmina brilhante agora salpicada de vermelho, destacando seu semblante
atormentado.
— Sic semper tyrannis — ele vociferou.
Era o lema do estado da Virginia: “Isso sempre ocorre com os tiranos.”
Em seguida, Booth gritou:
— O Sul está vingado.
O DR. CHARLES LEALE TESTEMUNHARA O SALTO: “EU VI UM HOMEM DE
cabelos escuros e brilhantes, olhos negros, saltar do camarote para o palco...
e ergueu no alto o punhal reluzente, que refletiu a luz como se fora um
diamante.”
Harry Hawk, o único ator no palco quando Booth saltou, não conseguiu
entender o que estava acontecendo. Mais do qualquer pessoa dentro do
teatro, ele estava numa ótima posição para ouvir o tiro, ver a nuvem de
fumaça e observar uma figura que lhe era familiar subindo na balaustrada.
Pois, se não houvesse outra razão, então, ao recordar-se, juraria que o
homem que caiu pesadamente sobre o palco e seguia rápido em sua direção
com um punhal desembainhado se parecia imensamente com John Wilkes
Booth. Hawk conhecia Booth havia um ano e dificilmente se enganaria na
identificação. Hawk ficou um pouco hesitante, parado exatamente na rota
de fuga de Booth. Quando o outro já o havia praticamente alcançado, Hawk
fugiu: “[Ele] estava correndo para cima de mim com um punhal e eu me
virei e corri.” Enquanto Booth corria pelo palco em direção aos bastidores,
James Ferguson, sentado a poucos passos dali, ouviu-o regozijar-se:
— Consegui!
Booth fugiu para os bastidores à direita do palco, brandindo
violentamente o punhal contra todos que encontrava pela frente — ator,
maestro ou funcionário. William Withers disse ter sentido o hálito quente de
Booth quando o assassino abriu caminho para passar por ele ameaçando-o
com a faca. O maestro não tentou impedi-lo. Ninguém do elenco tentou.
Booth pegou de surpresa todos os atores que estavam nos bastidores e
passou correndo por eles.
Então, uma voz se ergueu no camarote do presidente:
— Parem aquele homem.
Durante os minutos em que Booth atirou em Lincoln, feriu Rathbone,
escapou do camarote, saltou para o palco, assumiu a ribalta, exultou seu
brado de vingança e desapareceu pelos bastidores, ninguém fez nada. Foi
exatamente como Booth havia planejado. Algumas pessoas da plateia
ficaram boquiabertas de medo e deleite, achando até que aquilo fazia parte
da peça. Outras, inclusive os atores perto do palco e nos bastidores, ficaram
chocadas demais para obstruir o caminho de Booth ou persegui-lo.
— Será que ninguém vai parar esse homem? — Rathbone suplicou,
angustiado, novamente para a plateia. Clara Harris fez coro à súplica.
— Ele atirou no presidente!
CERCA DE UM QUILÔMETRO DE DISTÂNCIA, EM MADISON PLACE, PERTO da
Casa Branca, a leste do Lafayette Park, tudo estava tranquilo na casa do
secretário de Estado William H. Seward. Acamado desde um terrível
acidente de carruagem no dia 5 de abril, Seward passava por momentos em
que seu estado de consciência ia e vinha. Nove dias antes, quando o
secretário passeava com a filha, Frances “Fanny” Adeline Seward, o filho
Frederick e um amigo da família, o cocheiro Henry Key apeou para ajeitar
uma porta que insistia em não ficar fechada. Desguarnecida a boleia, os
cavalos dispararam em louca correria pela cidade com as rédeas soltas
chicoteando o ar. William Seward prontamente saiu da cabine da carruagem
para tentar pegar as rédeas ou os cavalos mas seu sapato ficou agarrado, a
sola foi arrancada e o secretário de Estado foi arremessado de frente contra
o chão da rua. A queda quase o matou, mas ele sobreviveu com um
traumatismo, o maxilar partido em dois lugares, o braço direito quebrado
entre o ombro e o cotovelo, e hematomas profundos em uma quantidade
incalculável. Fanny correu para o seu corpo amarfanhado na rua, temendo
que estivesse morto.
Naquela noite, o rosto desfigurado de Seward inchou tanto que seus
próprios filhos mal o reconheceram, e o sangue que lhe escorria pelo nariz
quase o sufocava. Seu médico pessoal, o dr. T. S. Verdi, o dr. Basil Norris,
oficial médico do exército, e o cirurgião-general Joseph K. Barnes o
atenderam e recomendaram à família que mantivessem o paciente em
observação constante.
Em 9 de abril, o secretário da Guerra Edwin M. Stanton visitou Seward
três vezes. O diplomata gostava do ferrenho líder de Lincoln para a guerra.
— Deus o abençoe, Stanton. Nem tenho como lhe dizer...
Stanton o fez calar-se:
— Não tente falar.
À tardinha, Abraham Lincoln foi correndo à grande mansão de Seward,
conhecida dos íntimos de Washington como “O Clube”. O acidente
preocupou Lincoln. Acidentes de carruagem não eram assuntos triviais em
Washington nos tempos de guerra e podiam ser mortais. Mary Lincoln
quase morreu quando sua carruagem quebrou e a arremessou de cabeça na
rua. Ela bateu forte com a cabeça no calçamento e teve sorte em sobreviver.
A imagem de Seward, ao menos vivo, por mais machucado que estivesse,
foi um profundo alívio para Lincoln. Eles já haviam sido grandes rivais,
quando em 1860 o emergente lenhador do oeste desafiou Seward, o favorito
à nomeação republicana, e depois, quando Seward tentou usurpar a sua
presidência logo no início. Mas eles fizeram as pazes e Seward acabou
sendo um assessor de toda a confiança. Recém-chegado do quartel-general
de Grant em City Point, Virginia, o presidente se aproximou da cama de
Seward e lhe deu as boas-novas: sua visita de destaque a Richmond e a ida
ao hospital militar onde apertou as mãos de milhares de soldados feridos.
Em seguida, o presidente revelou as melhores notícias de todas. Segundo
Grant, a rendição de Lee era iminente. Depois de uma tranquila conversa
com Seward de quase uma hora, Abraham Lincoln foi-se embora. Eles
jamais tornaram a se ver. A profecia de Lincoln se cumpriu quando, pouco
mais tarde, o secretário Stanton visitou o Clube para dar as notícias
pessoalmente a Seward. Lee havia se rendido. A guerra estava encerrada.
Agora, no dia 14, Fanny cuidava do pai e escutava as comemorações
infindáveis pelas ruas. Uma procissão de tochas marchava para a Casa
Branca. Uma banda tocava “Rally Round the Flag” (Juntos em torno da
bandeira). Fanny era uma moça alta e magra, de cabelos castanhos, versada
em literatura e política, e, aos vinte anos, a preciosidade do pai. Como sua
mãe Frances passava muito tempo no sítio da família em Auburn, Nova
York, Fanny cresceu num mundo de recepções e jantares políticos,
envolvida com personagens e eventos históricos. Escritora ávida e talentosa,
atenta aos menores detalhes, mantinha desde os 14 anos um diário secreto
repleto de observações sutis e aguçados esboços de seus encontros com as
elites políticas, militares e diplomáticas.
Por volta das dez da noite, fechou o livro Lendas de Carlos Magno,
baixou as luzes das lamparinas a gás e, juntamente com o sargento George
Robinson, veterano de guerra ferido que agora servia como enfermeiro do
exército, ficou cuidando da recuperação do pai.
Na escuridão do lado de fora, Lewis Powell e David Herold mantinham
o Clube sob vigilância. A rua estava tranquila. Eles não viram guarda algum
na porta da frente, ou em qualquer lugar nas redondezas de Madison Place.
Duas horas mais cedo, quando se reuniram com Booth na Estalagem
Herndon, o líder lhes assegurou que encontrariam seu alvo em casa. Os
jornais haviam noticiado o acidente de carruagem dias antes e a gravidade
dos ferimentos de Seward, destacando que, acamado, ele se recuperava em
casa. Isso fazia de Seward, de todo o gabinete presidencial de Lincoln, o
alvo mais atraente de Booth esta noite. Os demais poderiam ser difíceis de
rastrear e poderiam se encontrar em qualquer lugar — jantares, festas ou
viagens. Seward, só e indefeso, acamado, não deixaria de estar em casa às
dez da noite. O ator deu instruções simples: invadir a casa, localizar o
quarto do secretário de Estado e matar a vítima indefesa com um tiro de
pistola ou, se necessário, com a faca. Era uma missão difícil até para um
homem como Powell, ex-soldado confederado extremamente forte e
empedernido pelas batalhas travadas. Powell tinha três problemas. Primeiro,
como entrar na casa de Seward? Ele não poderia simplesmente ir entrando
sem ser anunciado. Por volta das dez horas da noite, a porta da frente estaria
certamente trancada. Ele teria de tocar a campainha. Quando alguém
atendesse, se atendesse, ele não poderia simplesmente abrir caminho a bala
ou a facadas. Isso atrairia a atenção dos transeuntes ou faria os moradores
saírem da cama prontos para se defenderem.
Um engodo ardiloso seria a chave, não a força bruta. Provavelmente
com a ajuda de David Herold, Booth concebeu um plano brilhante. Mandou
que Powell se fizesse passar por entregador com uma encomenda de
remédios importantes do médico de Seward, o dr. Verdi. Para acrescentar
um toque final de verossimilhança ao embuste, Powell traria mesmo um
pacote envolto em papel de embrulhar carne e amarrado com barbante. Ex-
auxiliar de farmácia com experiência de entregas semelhantes, Herold
provavelmente mostrou a Booth e Powell como se faziam tais pacotes e
embrulhou uma caixa vazia de forma a fingir uma entrega de verdade
encomendada pelo dr. Verdi.
Tudo bem, e depois? Uma vez lá dentro, seria tarefa de Powell
encontrar o secretário Seward no interior da espaçosa mansão de três
andares. Booth não lhe deu uma planta baixa. Ele poderia descartar logo de
início a primeira porta. Mas Seward poderia estar em diversos quartos dos
andares de cima. Powell enfrentava ainda um terceiro desafio: ele não sabia
— entre familiares, mensageiros do Departamento de Estado, enfermeiros,
médicos, empregados, criados e guardas — quantas pessoas se encontravam
na casa. Poucas, sem dúvida, mas talvez até uma dúzia. Um homem mais
precavido teria dito a Booth que ele estava louco. Mas Powell, um homem
servilmente leal que chamava seu herói de “capitão”, concordou. Qualquer
coisa pelo seu senhor! David Herold também concordou, contanto que não
tivesse de sujar as mãos de sangue matando alguém e pudesse esperar por
Powell do lado de fora, segurando os cavalos.
Da penumbra, Powell e Herold tinham visto o dr. Verdi ir embora por
volta das nove e trinta. Depois dele, veio o dr. Norris, que fez uma breve
visita e partiu às dez — bem na hora, conforme o cronograma previamente
montado por Booth. A casa estava em silêncio agora. Eles viram as luzes
das lamparinas a gás baixarem em diversos cômodos, sinal de que os
presentes estavam se preparando para a noite. Pouco depois, Powell
entregou o cavalo para Herold e cruzou a rua em direção à porta da frente
da casa do secretário de estado. Tocou a campainha. Herold ficou ali atrás
tomando conta das montarias, vasculhando o quarteirão de cima a baixo
com os olhos torpes.
No terceiro andar da casa, Fanny Seward cuidava do sono do pai, e não
escutou a campainha. Ela não sabia que lá fora um homem aguardava, qual
Macbeth, para matar o sono.
No primeiro pavimento, William Bell, criado negro com 19 anos de
idade, atendeu prontamente à porta. Visitas tarde da noite não eram raras na
casa dos Seward. Em momentos de crise, estafetas do Departamento de
Estado podiam trazer despachos telegráficos a qualquer hora do dia ou da
noite. E, desde o acidente de carruagem, vinham sempre secretárias e
oficiais militares, além de três médicos diferentes. Não havia razão alguma
para William Bell deixar de abrir a porta.
Ele viu à sua frente um homem alto, bem apessoado e forte, vestindo
botas de couro fino, calça preta, um guarda-pó bege e um chapéu com aba
de feltro; o homem trazia um pequeno pacote nas mãos. A farsa funcionou.
A aparência convencional de Powell não fez Bell suspeitar de nada. Ele
cumprimentou o visitante e perguntou educadamente, conforme fora
treinado por Seward, em que poderia ajudá-lo. Powell explicou a
incumbência: era um entregador com remédios do dr. Verdi. A explicação
pareceu satisfatória para Bell. O dr. Verdi deixara o paciente havia menos
de uma hora e morava a apenas dois quarteirões de distância dali. Bell
raciocinou que seria plenamente aceitável o médico ter receitado remédios
que não trazia consigo na sua já desgastada valise. Ao chegar em casa,
Verdi teria convocado o entregador para levar o produto que ajudaria na
cura do paciente. Até esse momento, Powell não fez nada que chamasse
atenção indevidamente para si. Inclusive, pronunciou corretamente o nome
do dr. Verdi, com o sotaque italiano apropriado. Powell entrou no hall e
fechou a porta ao passar. Bell esticou a mão para pegar a encomenda. Não,
disse Powell, não poderia entregar o pacote a um criado. O médico lhe
dissera para entregá-lo pessoalmente ao secretário de Estado e instruí-lo
quanto à ingestão do remédio. Bell contra-argumentou que estava
qualificado para receber encomendas em nome dos Seward. Powell foi
irredutível.
— Eu preciso subir.
Deveria estar pessoalmente com o secretário; eram essas as suas
instruções. O assassino e o criado passaram cinco minutos discutindo se um
iria ou não iria deixar o remédio com o outro.
— Eu preciso subir — repetia Powell como um mantra. — Eu preciso
subir.
Chegando às raias da impaciência, Powell foi forçando caminho em
direção à escada, encurralando Bell contra o patamar. Bell corria sério
perigo agora. A paciência de Powell estava se esgotando e ele sabia bem
como lidar com um negro recalcitrante e desobediente como esse, tal qual
fizera em Baltimore alguns meses atrás, quando se hospedava na casa das
misteriosas e atraentes irmãs Branson, também rebeldes, e acabou atacando,
chegando a quase matar aos pontapés, uma criada negra que lhe fizera uns
desaforos. Ele não tinha faca nem pistola na ocasião. E agora se afastava de
Bell, erguendo um pé para subir o primeiro degrau, depois o segundo. Bell
continuou falando, mas Powell continuou subindo as escadas devagar,
galgando os degraus com suas botas que emitiam a cada passo um barulho
surdo e metódico, ecoando, qual um relógio de parede, até o andar de cima.
Se Bell interferisse agora, enfrentaria a faca de Powell. Para sua sorte, o
criado não tentou impedir a passagem de Powell, mas subiu as escadas atrás
dele. O assassino avisou que, se Bell não o deixasse entregar o remédio,
contaria para o seu senhor e isso poria o rapaz numa encrenca danada.
Assim intimidado, Bell advertiu Powell a não pisar com tanta força nos
degraus para não acordar o sr. Seward.
No alto da escada, Frederick Seward, que servia ao pai no cargo de
assistente do secretário de Estado, confrontou Bell e o desconhecido.
Powell não sabia, mas Frederick parou a alguns palmos de distância da
porta fechada que dava para o quarto onde o pai convalescia. O
desconhecido tornou a explicar sua missão. Frederick lhe disse que o pai
estava dormindo e que ele mesmo receberia o remédio em seu lugar. Mais
uma vez, Powell se recusou, argumentando que precisava ver o secretário.
Inacreditavelmente, por conta do pacote que exibia como objeto de cena,
Powell ainda não levantara suspeitas acerca das suas verdadeiras intenções.
Para Frederick, parecia mais um entregador bronco, um homem tão obtuso
que levava as instruções ao pé da letra, acreditando que o dr. Verdi quisesse
mesmo que ele colocasse o pacote nas mãos do secretário de Estado. Powell
estava prestes a fazer Frederick se arrepender da condescendência.
Dentro do quarto, Fanny percebeu a presença de gente no corredor.
Talvez o presidente Lincoln tenha vindo para mais uma visita, pensou ela.
Não era raro ele vir tão tarde da noite assim. Lincoln era famoso por suas
caminhadas noturnas. Talvez tivesse dado um passeio até o escritório do
telégrafo no Departamento da Guerra ali perto, atrás das últimas notícias, e
então resolveu visitar o secretário. Fanny correu até a porta e abriu-a
somente um pouco para proteger o pai da forte luz das lamparinas a gás,
senão o cômodo inteiro seria iluminado. Ela viu o irmão e, à direita dele, o
desconhecido alto com chapéu claro e sobretudo comprido. Ela sussurrou:
— Fred, papai está acordado agora.
Num instante ela percebeu que errara. “Algo na postura de Fred me deu
a entender de imediato que não era para eu ter dito o que disse e seria
melhor não ter aberto a porta.” Powell se inclinou para a frente e tentou
espiar dentro do quarto escuro, mas Fanny manteve a porta bem encostada
ao próprio corpo e o assassino não conseguiu ver seu alvo. Ele olhou firme
para ela e, com um tom de voz ríspido e impaciente, perguntou:
— O secretário está dormindo?
Então, Fanny cometeu um engano terrível. Ela olhou para trás, para o
interior do cômodo na direção do pai, e retrucou:
— Quase.
Fred Seward agarrou a porta e fechou-a rapidamente.
Era tarde demais. Inocentemente, Fanny dera a Powell a informação
inestimável de que ele precisava. O secretário de Estado William H. Seward
se encontrava naquele quarto, indefeso, deitado numa cama encostada à
parede, à direita da porta, sem ninguém a defendê-lo, Powell provavelmente
presumiu, além de uma frágil moçoila. Powell não sabia que o sargento
Robinson estava no quarto também, e resistiu ao impulso de sacar a faca e
entrar à força. Estando William Bell e Frederick Seward nas proximidades,
o raciocínio conteve o corpo e ele calculou o próximo passo. Nenhum dos
dois era páreo para ele, mas juntos poderiam retardar sua entrada no
cômodo por alguns preciosos segundos. A astúcia o trouxera até ali — era
hora para mais um ardil.
“Estou louco, estou louco!” Lewis Powell, autor do atentado contra o
secretário de Estado Seward.
Powell continuou discutindo com Frederick em frente à porta.
Finalmente Fred, exasperando-se, deu a Powell um ultimato: entregar o
remédio agora ou levá-lo de volta ao dr. Verdi. Powell encarou o jovem
Seward com firmeza, recusando-se ainda a entregar o remédio. E
finalmente o persistente entregador fingiu entregar os pontos no cabo de
guerra. Enfiou o pacote no bolso, virou-se e começou a descer. Ele não tirou
a mão do bolso. Descendo adiante de Powell, Bell virou-se por cima do
ombro e tornou a adverti-lo pelo andar tão barulhento. Bell continuou
descendo, fitando a porta da frente pela qual, em alguns momentos, teria o
prazer de conduzir o desconhecido mal-educado de volta para a rua. No alto
da escada, satisfeito por afastar um sujeito incômodo, Frederick Seward
parou de olhar para as costas de Powell e dirigiu-se para o seu próprio
quarto. Num átimo, Powell deu meia-volta e galgou os degraus que acabara
de descer. Antes que Seward pudesse se virar, Powell já se encontrava atrás
dele. Seward girou, mas foi tarde demais: Powell apontava-lhe o cano de
um revólver Whitney a centímetros do rosto. No momento seguinte, um
projétil cônico de chumbo calibre .36 deveria explodir-lhe a cabeça e a
pólvora quente, àquela distância, não só iria causar sua morte instantânea
como também desfigurar-lhe o rosto todo.
Fitando-o profundamente nos olhos, Powell apertou o gatilho. O cão foi
acionado e percutiu a espoleta do cartucho. Seward não teve tempo para se
mexer — viu que ia morrer. Então ele ouviu... um clique metálico. Falhou!
Ou a espoleta de cobre não funcionou, ou a carga de pólvora no cartucho
não detonou. A razão não importava: Seward ainda estava vivo. Mas
Powell, diferentemente do seu senhor Booth, tinha mais cinco cartuchos no
revólver. Ele poderia armar o cão com o polegar, engatilhar a pistola, girar o
cilindro do revólver para colocar nova munição em posição de disparo, e
atirar de novo. Isso só levaria um momento. Mas aí Powell cometeu o
primeiro de dois erros de cálculo que prejudicaram sua missão.
Em vez de tentar disparar novamente, ele ergueu a pistola bem alto e
desferiu um golpe arrasador na cabeça de Seward. Bateu com tanta força
que quebrou uma haste metálica da pistola, emperrando o cilindro e
impossibilitando novos disparos. Enfurecido, Powell empregou toda a sua
força para desferir diversas coronhadas do Whitney quebrado contra
Seward. William Bell desceu a escada e correu para a rua gritando
“Assassino!” Do outro lado da rua, David Herold o observou, ressabiado,
logo vendo que isso não fazia parte do plano.
Desconhecendo a investida que o irmão sofria do outro lado da porta,
Fanny foi se sentar à cabeceira do pai. Instantes depois do encontro com o
obstinado desconhecido, ela ouviu “o som de pancadas — pareceram ser
algo em torno de meia dúzia — secas e fortes, entremeadas por algumas
mais leves”. Achou, primeiro, que os criados estavam perseguindo um rato.
Mas, ao ver que eram muitas, dirigiu-se ao sargento Robinson:
— O que será que está acontecendo? Vá ver, por favor.
Tomada de medo súbito, ela se levantou e o acompanhou. Enquanto ela
se intrigava com o barulho, do outro lado da porta Lewis Powell
despedaçava a cabeça do jovem Seward. Assim que Robinson abriu a porta,
Fanny se deparou com a visão horripilante: o rosto do irmão, todo
ensanguentado, com os olhos esbugalhados. Powell se movimentou com
extrema rapidez. Jogou Fred para o lado e atingiu Robinson fortemente na
testa com um golpe da faca, deixando-o tonto. O assassino abriu caminho
entre o sargento cambaleante e a moça desamparada e partiu para a cama
com os braços estendidos; na mão direita, a faca, na esquerda, a pistola, que
chegou a roçar em Fanny quando ele passou.
Na semiescuridão, Fanny partiu para a cama, junto com Powell, de
forma a tentar interpor seu corpo esbelto entre o imenso assassino e o pai
indefeso. Sem conseguir barrá-lo, correu ao seu lado. O assassino chegou à
cama e atacou Seward. Fanny gritou:
— Não o mate.
Seward acordou, tentou parcamente se erguer, virou-se para a esquerda
e viu Fanny. Desviou o olhar mais para cima e encontrou o rosto
inesquecível e escabroso de Powell, com a queixada e os olhos torpes. A
mão esquerda do assassino empurrou com força o peito do secretário para
baixo, prendendo-o contra o leito. Empunhando a faca, a mão direita se
ergueu e, com toda a força do opressor, desferiu um golpe fabuloso. A faca
resvalou ao lado do rosto de Seward, perfurando os lençóis e penetrando o
colchão. Powell errara. Inflamado, ele ergueu novamente a faca e desferiu
novo golpe violento. Tornou a errar. Na penumbra do quarto, com Seward
posicionado pelos médicos no lado da cama de forma tal que o braço
quebrado pudesse ficar estirado, a pontaria de Powell estava deslocada. O
seu estilo de ataque estava errado. O volteio teatral que Booth dera com a
faca no ataque ao major Rathbone não tinha razão de ser num quarto
totalmente sem luz. A escuridão dificultava a pontaria para desferir um
golpe onde o movimento do braço descrevesse um arco. E mais, Powell não
sabia lutar com facas; diferentemente de Booth, que era conhecido pela
maestria no manejo de espadas e punhais. Soldado confederado, tinha por
armas principais as de fogo — mosquetão e pistola —, não as de fio. Ele
precisava chegar perto e cortar a garganta de Seward, ou enfiar o punhal
pelo globo ocular até atingir-lhe o cérebro, ou ainda cravá-lo nos tecidos
moles da barriga.
Determinado a não errar outra vez, Powell se posicionou e desferiu um
terceiro golpe mirando a garganta de Seward. O gemido agonizante que
emanou do leito indicou a Powell que ele finalmente batizara a faca. A
lâmina cortou a maçã do rosto de Seward tão sofregamente que ficou uma
aba de pele dependurada, expondo-lhe os dentes e o maxilar partido. A
bochecha parecia uma guelra de peixe. Seward se engasgou com o caldo
morno de gosto metálico que jorrou de sua boca e escorreu-lhe pela
garganta. A roupa de cama, manchada de sangue e rasgada pela lâmina,
preservada até o presente na Seward House em Auburn, Nova York, como
relíquia sagrada, sobrevive como testemunho calado da força agressiva do
braço de Powell.
Do outro lado do cômodo, o sargento Robinson recuperou os sentidos e
tomou uma decisão num átimo de segundo: lutaria até a morte para não
deixar que o assassino matasse o secretário de Estado e a srta. Fanny. Ele
investiu contra Powell. Num instante, os dois veteranos empedernidos pelas
batalhas na Guerra de Secessão travavam uma luta mortal. A força de
Powell surpreendeu Robinson — ele quase não conseguiu segurar o
adversário quando este partiu em direção à cama outra vez.
Temporariamente aturdida, Fanny chegou a pensar que aquilo era um
“sonho medonho”. De repente, deu-se conta. E gritou, não uma vez mas
várias, soltando incessantes e aterrorizados urros que acordaram o irmão
Augustus, ou “Gus”, que dormia num quarto próximo. Logo ela abriu a
janela e passou a gritar para a rua. Foi o que bastou para David Herold. Ele
atiçou o cavalo e partiu, abandonando Powell à própria sorte. Sem se deixar
deter pela gritaria de Fanny, Powell continuava lutando. Suas aventuras em
Gettysburg e junto ao batalhão de Mosby o treinaram para manter a
tranquilidade sob o fogo da batalha. Sua determinação se fortalecia. Ele não
iria permitir que um homem apenas e uma mulher em prantos o
amedrontassem.
Gus Seward, vestido em trajes de dormir, acudiu ao quarto do pai e viu
os vultos de dois homens lutando. Confuso, achou que o pai havia entrado
em delírio e o enfermeiro estivesse tentando detê-lo. Assim que conseguiu
pegar a figura que acreditava ser seu pai, viu que se tratava de outra pessoa.
Agora lutando contra dois, Powell se empenhou ainda mais e passou a
distribuir golpes tresloucados com o punhal. Quando Robinson se colocou
atrás dele e o imobilizou com um forte abraço, Powell inverteu o punhal e
desferiu algumas estocadas às cegas para trás, ferindo Robinson profunda-
mente duas vezes no ombro, atingindo-lhe o osso. Robinson ignorou os
ferimentos e continuou lutando. Na escuridão, era difícil ver o punhal
chegando para aparar os golpes. Durante toda a luta, Powell não disse uma
palavra sequer. Quando o sargento e Gus o impeliram até o corredor
iluminado pelas lamparinas a gás, Powell e Gus tiveram a oportunidade de
se encarar de perto, fitando-se olhos nos olhos. Foi quando Powell falou
pela primeira vez desde o ataque. Com a voz intensa porém espantosamente
calma, o assassino fez para Gus, como se tentasse persuadi-lo, a confissão
mais estranha:
— Estou louco, estou louco.
Alarmada pelos gritos de Fanny, a esposa do secretário Seward veio lá
de seu quarto recluso no terceiro andar, chegando em tempo de presenciar o
clímax da luta, agora travada no corredor, entre Powell e seu filho Gus. Sem
entender o que se passava, supôs que o marido, delirante, houvesse
desatinado. A esposa de Fred, Anna, correu para a cena que se desenrolava
e Fanny saiu do quarto do pai gritando:
— Aquele homem foi embora?
Desnorteadas, a sra. Seward e Anna retrucaram:
— Que homem?
Powell conseguiu envolver a garganta de Robinson numa gravata e o
sargento se firmou para receber o golpe da faca que viria a qualquer
instante. Então, num curioso ato de misericórdia, Powell o largou e, em
lugar de apunhalá-lo mais uma vez, atingiu-o com um soco. Powell fugiu
escada abaixo. Na saída, alcançou Emerick Hansell, que descia antes na
tentativa de se manter à frente do assassino. O mensageiro do Departamento
de Estado, de plantão na casa de Seward, estava fugindo para não ter de
entrar na luta. Mas Powell lhe deu um presente de despedida ao ultrapassá-
lo — uma inglória estocada nas costas. Hansell desmoronou no chão. O
punhal penetrara acima da sua sexta costela, em trajetória oblíqua da
espinha para a direita. Foi um corte de quase três centímetros de largura e
algo entre seis e sete de profundidade, mas a lâmina não penetrou o pulmão.
Powell correu para a rua, buscando desesperadamente encontrar David
Herold, mas encontrou apenas o cavalo. Ele largou a faca no chão, subiu na
montaria e, em vez de desaparecer a galope na escuridão da noite, foi-se
embora em discreto trote pelas ruas da cidade. William Bell, agitadíssimo,
saiu correndo atrás dele por alguns quarteirões, aos berros. Mas não
conseguiu acompanhar o cavalo e acabou desistindo, voltando para o Clube.
Fanny não tardou em voltar para o quarto do pai mas encontrou a cama
vazia.
— Onde está o papai? — gritou, em pânico.
Ela avistou o que achou ser apenas um monte de roupa de cama jogada
no chão, mas era o secretário de estado, ensanguentado, em total desalinho.
Para salvar a própria vida, ele escapuliu da cama durante o ataque e caiu no
chão, na esperança de fugir ao raio de ação de Powell no quarto escuro. A
agonia do tombo agravou as fraturas, causando-lhe espasmos de dor por
todo o corpo. Fanny escorregou numa poça de sangue e caiu no chão bem
ao lado do pai. Ele estava “horrivelmente... branco, e muito magro”. A
visão a fez gritar:
— Ah, meu Deus, papai está morto.
O sargento Robinson, ignorando seus próprios ferimentos, voou ao seu
encontro, ergueu o alquebrado Seward do chão e o colocou delicadamente
na cama. Seward abriu os olhos, avistou a filha aterrorizada e, sofrendo
dores inimagináveis e combatendo os efeitos do choque, concentrou-se,
cuspiu o sangue que se lhe acumulava na boca e sussurrou:
— Não estou morto; chamem um médico, chamem a polícia, fechem a
casa.
CAPÍTULO 3 “Seu sangue sagrado”
NO TEATRO FORD A CAÇADA A BOOTH ACABOU AO COMEÇAR quando um
homem, um major do exército e advogado chamado Joseph B. Stewart, que
estava sentado na primeira fileira, se levantou para dar perseguição ao
assassino. Alto, de membros compridos, tido como um dos homens mais
altos em Washington, Stewart decidiu pular do seu assento para o palco por
cima do poço da orquestra. Mas o vão, grande, serviu de fosso para Booth,
evitando qualquer perseguição da plateia. Stewart escorregou antes de pular.
Era um salto muito grande. Ele recobrou o equilíbrio e, numa exibição
acrobática, cruzou o poço como um dançarino saltitando sobre os encostos
das poltronas. Em poucos instantes alcançou o palco e correu atrás de Booth
pelos bastidores. Numa questão de dias, as gravuras dos jornais
imortalizavam Stewart como o único espectador da plateia que pensou em
perseguir Booth.
Booth continuou correndo pelos bastidores, atravessou a passagem que
dava na porta dos fundos para chegar ao Baptist Alley. Mais alguns
segundos e ele estaria no controle. Mesmo assim, não estaria a salvo.
Espectadores mais alertas sentados ao fundo do teatro, adivinhando que o
assassino tentaria fugir pelo beco, poderiam sair em disparada pela rua 10 e
interceptar- lhe a rota de fuga. Neste exato momento, enquanto Booth
chegava à porta dos fundos, alguns deles já poderiam estar correndo pela
rua 10 e virando à direita na F, para cortar seu caminho na embocadura
desta com o beco. Ou até pior, alguém poderia já ter montado um cavalo
para persegui-lo.
Booth poderia estar concentrado no beco mas o perigo maior o
espreitava por trás, aproximando-se rapidamente. Seguindo-o pelos
bastidores e pela passagem sob o palco, Stewart encurtava a distância entre
os dois a cada passo.
Booth rezava para que Ned Spangler ou John Peanut estivesse do lado
de lá da porta, ainda com seu cavalo. Se um ou outro tivesse se cansado de
segurar o animal e o tivesse levado até a estrebaria alguns metros mais
adiante no mesmo beco, ou tivesse amarrado a égua atrás do teatro, o que a
levaria a acabar se libertando, Booth estaria arruinado. Ele escancarou a
porta que dava para o beco, encheu os pulmões do ar fresco da noite
primaveril e bateu-a ao passar. A sra. Anderson o viu sair correndo “com
alguma coisa brilhante na mão”. Onde estava a égua baia? Não estava onde
a deixara. Não haveria mais saída para ele, estaria fadado ao mesmo fim de
Ricardo III de Shakespeare — abandonado em território inimigo sem seu
alazão? Mas quando virou a cabeça para a direita, Booth viu a salvação: seu
cavalo, parado tranquilamente no beco, a poucos passos dali. Num átimo de
segundo os olhos de Booth percorreram toda a extensão das rédeas de couro
até chegarem às mãos de um vulto reclinado sobre o banco de madeira perto
da parede dos fundos do Teatro Ford. Era John Peanut!
— Dê-me o meu cavalo, garoto — ordenou-lhe Booth já pegando o
animal. Não havia estrado de apoio para que ele alcançasse os estribos. Na
força bruta, ele se alçou ao lombo da égua baia de patas pretas com uma
estrela branca na testa e catou as rédeas. John Peanut se levantou para
entregá-las. Em sinal de agradecimento, Booth, que ainda trazia na mão o
punhal manchado com o sangue do major Rathbone, deu um toque com o
cabo na cabeça do rapaz e em seguida empurrou-o para longe com a planta
do pé. Melhor isso que um corte na garganta do inofensivo Peanut! Booth
se equilibrou sobre a sela e, naquele momento, Stewart abriu a porta do
teatro e o viu prestes a dar no galope.
Stewart olhou para o assassino montado na égua e o viu plenamente
iluminado pela luz do luar. Tentou pegar as rédeas, mas Booth, cavaleiro
experiente, tocou o animal com as esporas fazendo-o dar um giro curto e
rápido, afastando-se de Stewart. O cavalo realmente se movimentava como
um gato. Stewart tentou pegar as rédeas novamente, porém Booth mais uma
vez escapou com uma manobra ligeira comandada do alto da sela. Os
cascos do animal bateram algumas vezes no chão até que Booth finalmente
escapou do raio de ação do seu perseguidor e partiu, abaixando-se enquanto
esporeava a égua baia com toda a força. Ela explodiu num galope que
Booth conduziu beco afora, tomando a esquerda em direção à rua F até
desaparecer de vista.
Mary Anderson, parada a menos de dez metros dali, testemunhou a fuga
do assassino: “Ele havia saído pela porta do teatro muito rápido; deu a
impressão de que mal encostou no cavalo e desapareceu feito um raio.”
Mary Ann Turner, sua vizinha de porta, ouviu a confusão mas não foi
rápida o bastante para presenciar a fuga de Booth: “Eu só ouvi o cavalo
saindo do beco bem rápido; aí corri até a porta e abri, mas ele já tinha ido
embora.”

Aproximando-se rapidamente da rua F, Booth olhou para a


desembocadura do beco à sua frente. Será que seus perseguidores a teriam
alcançado antes? Ninguém impediu sua passagem. Ele entrou na rua F e
puxou as rédeas da montaria com força para a direita. Ninguém o perseguia.
Booth continuou descendo a rua F em direção ao leste a todo galope. Fugira
do Teatro Ford — por um triz. Mas agora tinha pela frente um desafio ainda
mais difícil. Conseguiria fugir de Washington, capital da União em guerra,
com suas ruas repletas de milhares de soldados e cidadãos leais, todos
comemorando o fim da Guerra Civil?
A essa altura, lá no beco, várias pessoas surgiam pela porta do teatro
atrás do assassino.
— Para onde ele foi? — perguntaram para a sra. Anderson. — Para
onde ele foi?
Ela perguntou para um homem o que estava acontecendo.
— Atiraram no presidente — ele respondeu.
— Por quê? Quem atirou nele?
— O homem que foi embora naquele cavalo; a senhora o viu?
Descendo um quarteirão na rua F, Booth passou pela Estalagem
Herndon à sua direita, onde apenas duas horas atrás ele se encontrara com
seu bando e sonhara com este momento. Descendo mais um quarteirão pela
rua F em direção ao leste, Booth se aproximou de dois dos maiores marcos
de Washington. À esquerda, a silhueta escura do Escritório de Patentes se
destacava em meio à luminosidade branca do imenso prédio de mármore
que era palco dos atendimentos de Walt Whitman a soldados feridos e, seis
semanas antes, sediara o baile da posse de Lincoln. À direita, a imensa
construção de mármore dos Correios, onde dez horas antes Henry Clay
Ford pegara a carta que entregou ao ator na escadaria da frente do teatro. As
luzes dos lampiões a gás reluziam nas paredes lisas e polidas de ambos os
prédios e inundavam Booth com um clarão inquisitivo. Deixando esses
prédios para trás em questão de segundos, Booth prosseguiu no seu galope
para a direita e cruzou a praça do Judiciário até a avenida Pensilvânia.
Poucas pessoas o viram em sua fuga pelo centro de Washington. Isso é
compreensível, pois Booth evitou o burburinho das comemorações que
entupiam a avenida de cima. Ele continuou indo para o leste, depois
sudoeste, na direção oposta à das multidões, em busca do Capitólio. E que
interesse teria um homem a cavalo para milhares de homens no auge do
contentamento? Booth atravessou os jardins do Capitólio, cavalgando pela
sombra do grande domo, obra concluída em tempo para a segunda posse.
Em seguida, cruzou para o lado sudeste da avenida Pensilvânia. Partiu a
galope para a rua 11 e virou à direita, tomando o rumo sul até a ponte do
Estaleiro Naval que dava para a saída de Washington em direção a
Maryland. Um pensamento não o abandonava. Conseguiria chegar à ponte e
cruzar o braço oriental do Potomac (agora o Anacostia) antes de seus
perseguidores o alcançarem, ou antes que fosse divulgada a notícia do
assassinato? Ele estava com sorte naquela noite. Seu galope firme o
mantinha adiante das notícias. Ao se aproximar do rio, puxou um pouco as
rédeas da montaria e diminuiu a marcha para um ritmo de trote. Avistou
guardas adiante. Aja com naturalidade, pensou ele, instintivamente. Não
levante suspeitas.
O SARGENTO SILAS T. COBB MONTAVA GUARDA NA CABEÇA DE PONTE NO
LADO de Washington. Ele estava lá desde o pôr-do-sol e seu plantão ia até 1
hora. Lá longe, avistou um cavaleiro solitário se aproximando. O sargento
conhecia as ordens a cumprir: não deixar ninguém cruzar a ponte após o
escurecer. Cobb e os poucos homens sob seu comando se prepararam para
interpelar o cavaleiro. Booth, com o talento que só um grande ator
conseguiria desenvolver em tamanha agrura, preparou-se para uma atuação
de improviso: convencê-los a deixá- lo cruzar a ponte. A hora era algo entre
22h35 e 22h45.
— Quem vem lá? — indagou Cobb.
— Um amigo — retrucou o ator. Talvez Cobb reconhecesse o astro dos
palcos e o deixasse passar com um sorriso, sem ao menos interromper a
marcha de sua montaria. Mas a sorte não foi tanta assim.
— De onde vem?
— Da cidade — Booth falou de forma vaga.
Cobb perguntou para onde ia.
— Estou indo para casa, no condado de Charles.
O sargento percebeu que o pelo do cavalo estava molhado e que haviam
cansado o animal. Estudou os traços de Booth: “Pele clara... as mãos eram
bastante claras e ele não estava de luva... tinha uma postura cavalheiresca,
tinha estilo e era bem apessoado.” Cobb também notou que, embora a
postura fosse desprendida, Booth possuía reservas de poderio muscular.
Cobb continuou a interpelá-lo, perguntando se ele sabia que a ponte de
saída de Washington fechava às 21 horas.
O ator alegou que não sabia e disse que escolhera sair mais tarde
justamente porque “a estrada é escura e achei que se esperasse um pouco
mais eu poderia aproveitar a luz do luar”.
Cobb ponderou um pouco. Booth estava no seu limite. Cada segundo
era precioso e esse tolo estava desperdiçando tempo com suas perguntas
imbecis. De repente, Cobb concordou em deixá-lo passar, ainda que um
pouco relutante.
Booth assumiu um ar teatral e uma voz acolhedora para acalmar o cioso
sargento:
— Ora, eu acho que não vai haver problema algum.
Booth deu um leve toque com as esporas na montaria. Foi quando Cobb
percebeu algo de incomum. O cavaleiro estava recatado e aparentava
tranquilidade mas o cavalo não; o animal estava inquieto, nervoso, tanto
que Booth precisou contê-lo nas rédeas para que mantivesse o andar e não
cruzasse a ponte no galope. Cobb ficou intrigado com aquilo. Booth
convencera Cobb com perfeição. Exceto por duas coisas. Quando o
sargento perguntou-lhe o nome ele respondeu, inexplicavelmente, “Booth”.
E quando Cobb lhe perguntou para onde ele ia, Booth respondeu
“Beantown”.
O momento foi de sorte para o assassino. Se Cobb lhe barrasse o
caminho, ele não teria uma rota alternativa de fuga. E não poderia voltar
para a cidade. Precisava cruzar o rio agora, nesse ponto, e chegar a
Maryland. O campo aberto e isolado o chamava do lado de lá da ponte. Ah
ele encontraria amigos. Precisava fazer a travessia. Armado com uma faca
apenas, Booth não teria como lutar para conseguir passar. Se tentasse, o
sargento e suas sentinelas o teriam desmontado a bala, e a caçada haveria
terminado naquela mesma noite, menos de uma hora depois de John Willces
Booth ter assassinado Abraham Lincoln.
Tendo passado a ponte, Booth se virou para ver se algum dos seus
asseclas — David Herold, Lewis Powell ou George Atzerodt — estava
vindo. Eles tomariam o mesmo caminho. Booth não viu ninguém no seu
encalço, nem conspiradores nem perseguidores, mas ao olhar para o outro
lado do rio ele viu uma belíssima cena. A lua, passados dois dias da cheia,
brilhava nos céus de Washington e, sob o luar sereno, o grande domo
resplandecia como se uma lua gêmea houvesse baixado à terra.
Qual a esposa de Lot, que parou, virou-se e ousou olhar para a
destruição de Sodoma e Gomorra, Booth conseguiu ver a cidade
adormecida da qual fugira e sabia que ela em breve despertaria para ser
informada da destruição que ele causara. Ele conseguira. E escapara.
BOOTH E LEWIS POWELL HAVIAM DERRAMADO MUITO SANGUE. O
SARGENTO Robinson e Fanny Seward trabalhavam fervorosamente para
salvar a vida do secretário de Estado. Seward tinha mais ferimentos do que
o sargento podia dar conta, e Robinson precisava ensinar a Fanny como
estancar o sangue com pedaços de pano e água. “Eu não sabia o que
precisava ser feito”, ela falou. “Robinson me disse tudo.” Escarrapachada
sobre os lençóis rasgados pela faca de Powell, ela ficou ao lado do pai e,
com toda a sua força, pressionava as compressas improvisadas sobre os
cortes. Perfuração dos pulmões, estômago ou coração? Não. Alguma artéria
seccionada ou rompida? Não. Se eles conseguissem interromper o
sangramento e Seward aguentasse até a chegada do dr. Verdi, do dr. Norris
ou do cirurgião-general Barnes, talvez ele sobrevivesse.
Em questão de minutos, os mensageiros voltaram com os médicos, que
renderam Fanny e Robinson. O exame confirmou tudo. Apesar da aparência
horrenda, os ferimentos não eram fatais. Seward — que aos olhos do dr.
Verdi pareceu “um cadáver dessangrado” — viveria. Verdi dirigiu-se à
família e falou:
— Felicito a todos pois os ferimentos não são mortais.
Robinson finalmente consentiu em se deixar tratar pelos médicos. Ele
também viveria, tal e qual Gus Seward e Hansell. Mas Powell havia
infligido um ferimento atroz e potencialmente fatal em Frederick Seward. O
revólver Whitney fraturara-lhe o crânio e expusera-lhe o cérebro. Fred
perambulou pela casa qual um zumbi, balbuciando a mesma frase, “Está...
Está...”, sem conseguir concluir o pensamento, com o dedo na nuca. Fred
sorriu para o dr. Verdi e deu a impressão de reconhecê-lo.
Secretário de Estado William H. Seward e sua filha Fanny.
Verdi, interpretando o gesto da mão de Fred, perguntou:
— Você quer saber se o crânio está quebrado ou não?
— Isso — retrucou Fred.
Meia hora depois, Fred desmaiou e passou uns quinze ou vinte minutos
desacordado. Verdi e outras pessoas o ajudaram a ir para a cama, onde ele
tornou a desmaiar. Quando ele acordou, três dias depois, havia passado
sessenta horas desacordado. Mas sobreviveria.
À medida que a noite foi passando, aumentou em Fanny o medo de que
Powell voltasse, ou outros assassinos pudessem estar à espreita pela casa. A
mãe mandou que ela não fosse desacompanhada a outros recintos da casa
mas Fanny desobedeceu e foi a cada cômodo da grande mansão,
vasculhando sozinha — até que outras pessoas aderiram — em busca de
assassinos escondidos. Não tendo encontrado nenhum, voltou para a cama
do pai e sentou-se ao seu lado. Fraco, Seward ergueu o braço esquerdo e
estendeu a mão carinhosa para acalmá-la e reconfortá-la. A boa e corajosa
filha se comportara muito bem esta noite.
A casa tornou ao silêncio. Em todo canto que espiava, Fanny encontrava
sinais do horror pelo qual ela e sua família acabavam de passar. “Todo o
lambri branco do hall de entrada estava coberto de manchas de sangue”,
escreveu em seu diário, “o droguete da escada estava todo salpicado, até o
andar de baixo... na parte de dentro da porta do quarto do meu pai havia
uma marca, impressa em sangue, da mão de alguém... sangue, sangue, os
meus pensamentos pareciam imersos em sangue — era como se eu só
sentisse aquele cheiro nauseabundo... a cama ensopada de sangue — o
cobertor e os lençóis picotados pelas facadas.” Ela então olhou para si
mesma: as mãos, os braços, o belo vestido comprido, tudo encharcado de
sangue. Ela não conseguia parar de gritar.
O sargento Robinson também não conseguia esquecer aquela sangueira
toda, e mais tarde pediu uma relíquia, das mais bizarras e horríveis, da
batalha que haviam enfrentado naquela noite. O destemido enfermeiro
indagou ao secretário de guerra se ele poderia ficar com a faca que Powell
usara para ferir tanto a ele próprio quanto ao secretário Seward. Stanton
atendeu o pedido inusitado:
Departamento da Guerra / Gabinete de Justiça Militar,
Washington,
D.C., 10 de julho de 1866. Prezado senhor, Sua solicitação para
ficar com a faca usada por Payne [um dos pseudônimos de Powell]
em sua tentativa de assassinar o Ilustríssimo Senhor William H.
Seward, secretário de Estado dos Estados Unidos da América, em
Washington, D.C., na noite de
14 de abril de 1865, tendo sido levada ao secretário da Guerra, foi
por ele aprovada, e eu fui por ele instruído a atender o seu pedido.
Sua conduta na ocasião mencionada ficou para a história e doravante
ninguém há de duvidar que, pelo seu autocontrole e coragem ao
enfrentar o assassino, o senhor contribuiu em grande monta para
salvar a vida do secretário de Estado, ao risco extremo de sua própria
— um serviço público de imenso mérito, prestado com nobreza, do
qual a arma ora confiada à sua guarda será uma recordação
duradoura.
Respeitosamente, Seu obediente Servidor
Comissário Geral das Forças Armadas
J. Holt.
O Congresso deu um passo além e conferiu um prêmio generoso e mais
convencional: uma medalha de ouro foi cunhada em honra de Robinson e
ele recebeu US$ 5.000,00 em dinheiro. O anverso da medalha exibia um
retrato em perfil do busto de Robinson em alto-relevo e os dizeres: “Por sua
heroica conduta no dia 14 de abril de 1865. Por salvar a vida de William H.
Seward.” No verso, o entalhador perpetuou Robinson e Powell em combate
eterno, o assassino erguendo a faca bem alto enquanto o sargento detinha o
braço que o atacava. Por trás deles, Seward jazia indefeso no leito e o
revólver de Powell, quebrado no chão.
O CAMAROTE DO PRESIDENTE NO TEATRO FORD TAMBÉM ESTAVA
encharcado de sangue.
Após o salto de Booth para o palco, as mulheres socorreram seus
homens. Mary Lincoln virou-se para a esquerda e fitou o presidente. Ele
permanecia imóvel na cadeira de balanço, com a cabeça caída, os olhos
fechados, o queixo encostado ao peito. Ele não correspondeu ao seu olhar
suplicante. Ela falou com ele, mas Lincoln não respondeu. Ela encostou
nele; ele não se moveu.
— Pai... pai! — ela gritou a poucos centímetros do ouvido direito de
Lincoln. Não houve reação. Já frenética, Mary se aproximou e tentou ajeitar
o corpo dele numa posição mais ereta. Os músculos do pescoço, ombros,
peito e braços, todos flácidos, não ofereceram resistência. Lincoln não tinha
nenhum ferimento visível. Não havia sangue no rosto ou pescoço. A camisa
de linho branco não tinha manchas. Ao tocá-lo, ela não ficou com as mãos
manchadas. Mas suas carinhosas mãos se descuidaram da nuca. Mary
Lincoln, aterrorizada, perplexa, e a essa altura à beira da histeria, abraçou o
corpo do marido e o sustentou ereto na cadeira.
Clara Harris parou de olhar para o palco lá embaixo e voltou os olhos
para dentro do camarote. Ela viu Rathbone, de olhos arregalados,
cambaleante e com a mão direita segurando o alto do braço esquerdo. Ele
não conseguia conter o copioso fluxo de sangue que escorria por todos os
lados da mão e pingava sobre o luxuoso tapete turco. Booth o atingira com
força e a faca cortara fundo. Clara, que a tudo assistiu, jamais se esqueceu
do violento golpe do “braço forte e certeiro” de Booth. Na superfície, o
ferimento de Rathbone parecia pequeno — um talho estreito na pele perto
do cotovelo, com menos de quatro centímetros de largura, retratando as
dimensões da lâmina. Mas a faca fizera um corte profundo no braço erguido
em defesa do major, paralelo ao osso, chegando quase até o ombro,
cortando uma artéria, nervos e veias. A maioria do dano fora feito sob a
pele. Clara correu a cuidar do ferimento do noivo.
Lá embaixo na plateia, mais de mil e quinhentas pessoas se
sobressaltavam. Alguns espectadores subiram ao palco, olharam para o
camarote e desferiram várias perguntas aos berros para os ocupantes.
— O que aconteceu?
— O presidente está vivo?
Por todo o teatro centenas de pessoas se viravam para os amigos,
esposos e desconhecidos fazendo a mesma pergunta:
— Atiraram no presidente?
— Quem era aquele homem no palco?
— Aquilo era uma faca na mão dele?
— O que foi que ele disse?
Algumas mulheres desmaiaram. Inúmeras vozes ensandecidas se
erguiam de todo canto do teatro num temerário coro de vingança:
— Vamos matar o assassino.
— Vamos enforcá-lo.
— Atirem nele.
— Cortem a garganta dele.
— Peguem esse homem.
— Não o deixem escapar.
Ninguém se dava conta de que o assassino já havia transposto a porta
dos fundos e se encontrava fora do alcance da sua presunção vingadora.
Qual uma violenta tempestade de primavera, o tempo dentro do Teatro Ford
ficou escuro, feio e ameaçador. Sob a branda luz das sibilantes lamparinas a
gás, as pessoas se acotovelavam para chegar ao palco. Outras, apavoradas,
querendo sair, abriam caminho pelos corredores empurrando homens,
mulheres e crianças. O vozerio foi crescendo até que todas as mil e
quinhentas pessoas se uniram num único clamor de raiva. Foi um tumulto.
Outras vozes, aquelas que pediam ajuda e não clamavam vingança,
irrompiam na multidão.
— Água!
— Alguém tem um remédio estimulante?
— Afastem-se.
— Deixem-no pegar um pouco de ar.
— Tem algum médico na casa?
Na tribuna de honra, a alguns metros da porta do camarote do
presidente, Charles Leale se levantou de sua cadeira. Dispensando os
corredores e o caminho costumeiro para o camarote, partiu para lá em linha
reta e, como se estivesse numa ensandecida corrida de obstáculos, saiu
dando meios saltos sobre as cadeiras de fibra pelo caminho, aos encontrões
com os atordoados espectadores. Juntou-se a inúmeros outros homens que
tentavam entrar no camarote. Mas a porta estava trancada.
Lá dentro, o major Rathbone foi ao encontro dos que ansiosamente lhes
batiam à porta. Os homens a esmurravam como a um tambor, mas seus
punhos e ombros não conseguiam arrombá-la. Gritavam para que os
ocupantes, se vivos, destrancassem a porta. Já sentindo os efeitos do choque
e da perda de sangue, Rathbone pelejou para atender. Encaixou a mão do
braço são em concha sob o pé da estante de música que Booth usara para
travar a porta, tentando puxá-lo para cima. A barra não se soltou. Ele tentou
com mais força e logo se deu conta de que quanto mais os homens lá fora
empurrassem a porta mais eficaz se tornaria o dispositivo que Booth
armara. Era uma barra grossa demais para se partir, de forma que, a cada
empurrão, mais se fixava o encaixe dela com a porta.
— Por Deus, abram a porta — imploravam as vozes. Lá de dentro,
Rathbone gritou que parassem de empurrar pois havia uma escora na porta.
Os homens atenderam à ordem de Rathbone e se afastaram. Perdendo vigor
muito rapidamente, Rathbone puxou-a com o que lhe restava de forças. O
pé da estante se soltou e os homens, bem uma dúzia deles, entraram aos
borbotões.
O dr. Leale, sem uniforme, anunciou sua patente e profissão, passando à
frente de todos. Viu imediatamente os quatro ocupantes. Qual um oficial
sob fogo inimigo, precisava recuperar a compostura. “Alto”, ordenou
calado a si mesmo. Evite o pânico. “Fique calmo”, advertiu ainda a si
mesmo. Cumpra o seu dever. O major Rathbone, parado entre Leale e
Lincoln, pedia que o doutor cuidasse logo dele e, como prova de sua
condição, ergueu ostensivamente com a mão direita o braço esquerdo
ferido. Leale ergueu o queixo de Rathbone, fitou-o nos olhos e, quando “um
olhar quase instantâneo revelou o fato de que ele não corria perigo
imediato”, ignorou o abalado major e voltou-se para o presidente.
Leale dirigiu-se a Mary Lincoln apresentando-se como cirurgião do
Exército dos Estados Unidos. Sem nada dizer, ela esticou a mão, e ele a
pegou com firmeza. Ela então desabafou uma torrente de lamentações:
— Oh, doutor, ele está morto? Vai se recuperar? Pode cuidar dele? Faça
por ele o que puder, doutor. Oh, meu marido querido!
O médico assegurou à primeira-dama que faria todo o possível por seu
marido. Enquanto Mary chorava amargurada, Leale soltou-lhe a mão e
começou o exame.
Lincoln parecia morto. Os olhos estavam fechados, ele estava
inconsciente e a cabeça pendera para a frente. Leale concluiu, a partir da
“postura recurvada em que Lincoln se encontrava sentado”, que se Mary
não tivesse ajeitado seu corpo numa posição ereta sobre o assento, o
presidente já teria caído ao chão. Leale tomou o pulso direito do presidente,
mas não sentiu movimento da artéria. Só para se assegurar, Leale e mais
outros que ali estavam o levantaram da cadeira de balanço e o deitaram no
chão. Quando segurou a cabeça e ombros do presidente, o doutor Leale
sentiu com uma das mãos um ponto molhado fora do campo de visão, no
ombro esquerdo da casaca preta de Lincoln. Era um coágulo de sangue.
Lembrando-se do punhal reluzente na mão de Booth em cima do palco e
levando em conta o profuso sangramento no braço de Rathbone, Leale
presumiu que Lincoln fora esfaqueado. Ele pediu uma faca. Não trouxera os
seus apetrechos cirúrgicos para um acontecimento social no teatro. Se
Lincoln fora esfaqueado, como poderia suturar as feridas sem agulhas e
linha? A essa altura, vários homens já se haviam reunido com Rathbone no
camarote e diversas mãos vasculhavam os bolsos de suas calças até que
William Kent, um funcionário do governo, apresentou um canivete. Leale
despiu o presidente de sua casaca de lã preta feita sob medida com arremate
de rolotê de gorgorão nas lapelas, punhos e gola. A luz era pouca demais
para ler a etiqueta do alfaiate costurada por dentro da gola — Brooks
Brothers, Nova York — ou admirar o forro de seda preta com a estampa de
uma grande águia americana e a cinta de listras e estrelas onde se inscrevia
o lema “Um País, Um Destino”. Leale rasgou o colarinho, a camisa e o
casaco de Lincoln à procura de ferimentos a faca. Não havia nenhum.
Depois abriu as pálpebras do presidente, uma a uma, estudou as pupilas e
estremeceu de espanto: era uma lesão cerebral. Leale afastou os dedos de
cada mão e as entranhou delicadamente pelos cabelos de Lincoln; ao chegar
na parte de trás da cabeça, descobriu que o cabelo estava empapado de
sangue. Os dedos de Leale sondaram rapidamente para encontrar a fonte e a
descobriram em questão de segundos, atrás da orelha esquerda. Um orifício
redondo, justo, com o diâmetro aproximado da ponta do dedo de um
homem, obstruído por um grumo vermelho-vinho de sangue coagulado. O
coração de Leale gelou.
Lá embaixo no teatro, o público em breve estaria totalmente
descontrolado. Numa valorosa tentativa de acalmar os espectadores, a atriz
Laura Keene marchou até o proscênio, perto da ribalta, e pediu que todos
mantivessem a calma.
— Pelo amor de Deus, prestem atenção e permaneçam nos seus lugares,
que tudo vai ficar bem.
O presidente não estava morto, assegurou ela, mesmo sem saber se era
verdade. Em seguida, o prefeito do Distrito de Columbia subiu ao palco
para tentar controlar a multidão. Uma voz enfurecida bradou “Queimem o
teatro” e outros gritos se seguiram. É isso mesmo, queimem tudo. Outros se
lembraram que, a menos de quinze minutos de caminhada do Teatro Ford, a
prisão no prédio antigo do Capitólio estava cheia de rebeldes desleais
detidos. O assassino podia ter escapado, mas eles poderiam ir à forra lá. E
caminhavam nessa mesma noite pelas ruas de Washington ex-soldados
confederados ainda vestidos com os uniformes dos rebeldes. Seria uma
noite perigosa para qualquer um que chegasse perto do tumulto. Em poucas
horas, depois que o telégrafo espalhasse a terrível notícia para as demais
cidades grandes do Norte, a confusão se espalharia perigosamente pelo país
inteiro.
O dr. Charles Sabin Taft, médico do exército sentado na ala principal da
plateia perto do poço da orquestra, ouviu gritos de “chamem um médico”.
Ele se levantou e foi em direção ao palco. Sua esposa implorou para que ele
ficasse:
— Você não deve ir. Eles irão matá-lo também. Eu sei que irão.
Ele subiu ao palco e parou, em desalento, logo abaixo do camarote do
presidente. A distância do palco até a balaustrada acima era muita para
pular: três metros e meio. Uma coisa era pular do camarote para baixo —
nada fácil mesmo para um atleta como John Wilkes Booth — mas
impossível para um salto de baixo para cima. Deveria haver outro caminho
para chegar lá em cima. Talvez outro homem pudesse erguê-lo para que ele
se lançasse até o camarote. Taft arregimentou alguns homens que estavam
no palco para formarem uma catapulta humana. Eles se abaixaram e
entrecruzaram os dedos das mãos para dar-lhe um calço. Taft encaixou o
solado das botas nas mãos que se ofereciam em concha, segurou-se nos
ombros deles para se equilibrar. Então, com um movimento rápido e
fluente, os músculos das pernas, braços e ombros dos homens se contraíram
numa explosão de força e Taft foi arremessado para o alto. Na subida, ele
esticou os braços o mais que pôde, pronto para agarrar qualquer coisa onde
conseguisse pôr as mãos. A catapulta o lançou na altura exata. As pontas de
seus dedos buscaram desesperadamente a balaustrada, a moldura do quadro
de George Washington pendurado num arame fino, os galhardetes —
qualquer coisa que o salvasse de uma queda livre de volta ao piso em
madeira de lei encerada. Sua capa azul de oficial do exército desprendeu-se
do pescoço e esvoaçou de volta para o palco. Taft ficou momentaneamente
pendurado numa peça de estamenha até que alguns dos que haviam seguido
o dr. Leale até o camarote se debruçaram no peitoril e o içaram, puxando-o
afinal para dentro. Mas agora o dr. Leale já estava atendendo o presidente.
Pela tradição médica costumeira, Lincoln era paciente de Leale.
Embora Leale temesse que Lincoln já estivesse morto, num átimo de
segundo ele resolveu tentar reanimá-lo. Para aliviar a pressão no cérebro,
ele retirou com os dedos o grumo do furo da bala. Em seguida posicionou-
se, com uma perna de cada lado, sobre o peito do presidente deitado no
chão, abaixou-se sobre os joelhos, abriu-lhe a boca, enfiou-lhe dois dedos
na garganta, fez pressão sobre a base da língua paralisada e abriu-lhe a
laringe. O ar podia agora chegar aos pulmões de Lincoln e, para trazer o
oxigênio capaz de sustentar-lhe a vida, Leale comprimiu o diafragma de
baixo para cima e mandou que dois homens manipulassem os braços do
presidente qual as alavancas de uma bomba d’água. Depois, Leale
estimulou o ápice do coração fazendo uma forte pressão abaixo das
costelas. Para todos os que estavam no camarote, inclusive o próprio Leale,
não parecia haver esperança. Então, o coração do presidente,
relutantemente, começou a bater e os pulmões tomaram uma arfada de ar. A
batida do coração foi fraca, a respiração veio, irregular, mas Abraham
Lincoln ainda estava vivo. Mal. A menos que Leale conseguisse estabilizá-
lo imediatamente, Lincoln expiraria em poucos minutos. O médico corria
contra o relógio. A morte rondava por perto, impaciente para tomar o
presidente e acompanhá-lo na viagem para a costa escura e longínqua que
tanto o chamara em seus sonhos.
Leale se inclinou para a frente até que seu peito encostasse no de
Lincoln e seus rostos quase se tocassem. Leale tomou o máximo de ar que
lhe cabia nos pulmões, até sentir que estavam prestes a estourar, e o soltou
direto na boca e narinas de Lincoln. Os pulmões do presidente se
expandiram e a respiração melhorou. Depois de forçar várias vezes a
respiração, Leale fez uma pausa, estudou o rosto do seu paciente durante
alguns instantes, colocou o ouvido sobre o tórax de Lincoln e, em meio a
uma barafunda de gritos, gemidos, choro e ameaças que enchiam o teatro,
junto com os soluços profundos de Mary a poucos palmos de distância, ele
tentou escutar com atenção. E ouviu. Quase inaudível, a princípio, depois
mais alto: o coração de Lincoln, mais forte, sustentando uma batida regular.
Leale se afastou um pouco para trás e monitorou a boca e o peito arfante de
Lincoln. Os pulmões do presidente começaram a se encher por si próprios.
O pensamento rápido de Leale salvou o presidente da morte imediata.
O tempo parecia estar parado novamente, tal qual ocorrera no momento
seguinte àquele em que Booth disparara a pistola. Mary Lincoln afundou no
sofá e foi consolada por Clara Harris, cujo rosto, cabelo, mãos e vestido
estavam manchados com o sangue de seu noivo. O major Rathbone
continuava a pressionar seu ferimento e a tentar se manter consciente.
Percebendo que o trabalho do dr. Leale estava feito, os ocupantes do
camarote naquele momento fizeram silêncio total. Ainda de joelhos, com
todos os olhares cravados nele, o dr. Leale emitiu um diagnóstico e um
prognóstico simultaneamente:
— A ferida é mortal; a recuperação é impossível.
NA ESTALAGEM KIRKWOOD, GEORGE ATZERODT AINDA NÃO CONSEGUIRA
infligir um ferimento mortal no vice-presidente Johnson. Por volta das dez
horas da noite, enquanto Booth atacava Lincoln e Powell atacava Seward,
Atzerodt apareceu na estrebaria de T. Naylor e falou com o cocheiro, John
Hetcher. Queria pegar o cavalo que ele e David Herold haviam deixado lá à
tarde. Mas primeiro Atzerodt convidou Fletcher para tomar um trago no
Union Hotel ali perto, na esquina da 13V2 e da E. Fletcher pediu um copo
de cerveja e Atzerodt tomou um uísque. Depois que os dois saíram do hotel,
Atzerodt disse uma coisa estranha:
— Se acontecer uma coisa hoje à noite, você vai ganhar um presente.
Fletcher não sabia do que ele estava falando e presumiu que o alemão
estivesse bêbado: “Ele parecia já um pouco alto e estava bastante
alvoroçado. Não lhe dei muita atenção.” Quando eles voltaram para o
estábulo e Atzerodt montou no cavalo, Fletcher o advertiu de que a égua
estava tão nervosa quanto ele.
— Eu não gostaria de andar com essa égua pela cidade à noite, porque
ela está meio ressabiada.
Atzerodt retrucou: — Ora, ela é boa numa retirada.
Fletcher lembrou-se que o amigo de Atzerodt, David Herold, já havia
ultrapassado o prazo para entrega do cavalo que alugara naquele dia.
— O seu conhecido não devolveu o nosso cavalo até agora, e está tarde.
— Ah, ele volta daqui a pouco — assegurou-lhe Atzerodt.
Fletcher viu Atzerodt descer a rua E, passar a 13Y2 e entrar na
Estalagem Kirkwood. Qual Powell, Atzerodt estava armado de faca e
pistola — um revólver de seis tiros. De fato, estava mais bem armado que
Powell, pois tinha em seu quarto no andar de cima um segundo conjunto de
revólver e faca. Seu quarto, de número 126, ficava um andar acima do de
Johnson. O vice-presidente — só e sem guardas — já havia se recolhido
para dormir. Bastava Atzerodt bater à sua porta e, no momento em que
Johnson a atendesse, enfiar a faca em seu peito ou atirar para matá-lo. Em
comparação com as tarefas enfrentadas por Booth ou Powell, Atzerodt tinha
em mãos a mais fácil.
Atzerodt não saía do bar da Kirkwood, à espera de conseguir beber
coragem suficiente para fazê-lo subir a escada até 0 quarto de Andrew
Johnson. John Fletcher estava de olho na Kirkwood desde que Atzerodt
entrara. Alguma coisa, talvez no comportamento do alemão falastrão,
atiçara-lhe a curiosidade, ou as suspeitas. Fletcher observou Atzerodt sair
da Estalagem Kirkwood poucos minutos depois de entrar, montar seu
cavalo e partir em direção as ruas D e 10, perto do Teatro Ford. Ele não
parecia estar com pressa.
John Fletcher não conseguia parar de se afligir com a entrega do cavalo
depois da hora. Herold sabia que não deveria reter o “Charlie” depois das
oito da noite — nove no mais tardar. “Por volta das dez [eu estava]
suspeitando de que Herold fosse levar o cavalo embora.” Fletcher temia o
pior — o cavalo fora roubado. Ele não estava mais disposto a esperar.
Resolveu vasculhar as ruas do centro da cidade de Washington atrás da
propriedade da estrebaria do Naylor.
Andrew Johnson escapou à fatídica batida em sua porta. Atzerodt não
deu conta do recado. Quanto mais bebia, pior o plano lhe parecia. Ele não
foi ao quarto de Andrew Johnson. Saiu do bar e foi embora. Abandonando a
missão, Atzerodt montou na égua e foi embora. Não sabia o que fazer
agora. Ele ainda não sabia, mas estava prestes a se envolver numa fuga
cômica.
Montado sobre a sela, a poucos quarteirões de distância do Ford, David
Herold saboreava a fuga do desastre na casa dos Seward. Livrara-se bem na
hora, antes de Powell fugir e tornar a se reunir com ele na rua ou chamá-lo
pelo nome. Ninguém na casa se dera conta de que Powell tinha um
cúmplice aguardando por ele nas redondezas. Fanny Seward teve o instinto
correto de que Powell não estava só, mas temia a existência de outro
assassino escondido pela casa, não na rua ali do lado de fora. Por ora,
Davey estava a salvo. Ninguém foi no seu encalço quando ele saiu de cena,
e ninguém na casa dos Seward o vira ou poderia implicá-lo. Nesse
momento, era apenas um homem a cavalo numa tranquila noite de
Washington. Ressentiu-se por ter abandonado Powell, mas como o titã não
cumpriu à risca o que deveria, Herold resolveu salvar a própria pele.
Durante meia hora, entre 22h15 e 22h45, David Herold era um homem
que tinha opções. Poderia voltar para a casa de sua mãe viúva na rua 8,
fingir que nada acontecera e esperar pelo melhor, estratégia arriscada no
caso dos perseguidores capturarem Booth, Powell, Atzerodt, Arnold,
O’Laughlen ou os Surratt. Qualquer um deles poderia implicá-lo. E mesmo
que não o fizessem, muita gente em Washington o vira inúmeras vezes na
companhia de Booth. Alguém haveria de se lembrar disso. Era só uma
questão de tempo antes que a polícia ou os soldados viessem interrogá-lo.
Não, voltar para casa era uma má ideia. Tinha a alternativa de fugir e se
perder no isolamento de uma cidade pequena ou no anonimato de uma
cidade grande como Nova York, Boston ou Filadélfia. Ou poderia se
equipar e fugir para as matas de Maryland, passar meses vivendo dos
próprios recursos e da sua habilidade para a caça e a pesca. Ou poderia
manter-se fiel a Booth, seu senhor, que logo estaria chegando à ponte do
Estaleiro Naval, e depois se reunir no ponto de encontro programado no
outro lado do rio.
Entre 22h20 e 22h30, Herold percorreu a avenida Pensilvânia, deixando
para trás a mansão dos Seward, afastando-se agora do prédio do Tesouro e
se aproximando da rua 14. Ao mesmo tempo, Fletcher subia a pé a rua 14
em direção à avenida Pensilvânia. Herold e Fletcher chegaram ao
cruzamento, perto do hotel Willard, no mesmo instante. Instintivamente,
Charlie puxou as rédeas, tentando sair da Pensilvânia e virar na 14. Fletcher
reconheceu o gesto — o cavalo estava querendo ir para casa. Ele sabia que
o ruão “era um cavalo acostumado ao estábulo”, e “parecia estar querendo
ir para casa”. Ansioso para que isso acontecesse, Fletcher se preparou para
correr atrás de Herold e tirá-lo de cima da sela: “Eu achei que, se desse um
jeito de chegar perto... eu conseguiria tirar o cavalo dele.” Quando Fletcher
diminuiu a distância, Herold o avistou. “Acho que ele me reconheceu por
causa da luz do gás na esquina do Willard”, Fletcher concluiu. Herold deu
um puxão nas rédeas e Charlie deu meia-volta. Fletcher gritou para ele
parar:
— Largue esse cavalo, agora. Você já está passeando com ele há muito
tempo.
Herold não disse nada. A pé, Fletcher ficou olhando sem ter o que fazer
quando Herold “esporeou o cavalo e saiu, dando tudo o que o cavalo podia,
subindo a rua 14”. Fletcher o perdeu de vista quando Herold dobrou à
direita na F. Eram mais ou menos 22h25. O cocheiro voltou direto para a
estrebaria do Naylor, selou uma montaria e partiu atrás de Herold. Fletcher
descreveu sua rota de perseguição: “Segui... pela avenida [Pensilvânia] até
chegar à rua 13; subi a 13 em direção à E até chegar à 9 e virei nela para
voltar até a Pensilvânia. Continuei pela avenida até chegar ao lado sul do
Capitólio. Ali eu encontrei um cavalheiro e perguntei se ele não havia
passado por ninguém a cavalo. Ele disse que sim, e que eles estavam indo
bastante rápido.”
Em poucos minutos, imitando a rota de Booth, Herold chegou perto da
cabeça de ponte na rua 11. O sargento Cobb e seus guardas não estavam
inclinados a deixar que outro homem passasse.
Cobb declarou: “Eu o fiz parar e, quando perguntamos quem era, ele
disse ‘amigo’.” O sargento perguntou para onde ele ia.
— Para a minha casa, em White Plains.
Cobb vetou a passagem de Davey:
— Não pode passar, já são mais de nove horas da noite, é contra a lei.
Herold redarguiu:
— Há quanto tempo essa lei existe?
Ele esperava conseguir uma exceção alegando ignorar a lei.
Por um instante, Cobb retrucou, inalterado:
— Há algum tempo desde que eu estou aqui.
Davey insistiu:
— Eu não sabia disso antes.
Assim como indagara de Booth, Cobb perguntou a Herold por que
estava saindo de Washington tão tarde:
— Por que você não saiu da cidade mais cedo?
Davey elaborou a réplica perfeita, aquela que qualquer soldado
perdoaria:
— Não tive jeito; parei para ver uma mulherzinha no Capitólio e não
consegui sair antes.
Herold esperou o que Cobb teria a dizer e não perguntou se outro
homem com a descrição de Booth havia passado a cavalo alguns instantes
atrás. O sargento Cobb o deixou passar.
Quinze minutos depois, chegou à ponte um terceiro cavaleiro. Era
Fletcher. Ele não estava disposto a desistir. “Eu o segui até chegar à ponte
do Estaleiro Naval.” Um dos soldados o parou e chamou o sargento.
Quando Cobb saiu da guarita, Fletcher perguntou se um cavalo com tal
descrição havia passado:
— Um cavalo ruão claro; cauda preta, patas pretas, crina preta, com
quase sete palmos de altura.
O animal roubado tinha certas características:
— Era um cavalo de sela para senhoras; qualquer um conseguia andar
nele; era tranquilo e manso.
Em seguida, Fletcher descreveu sela, bridão e cavaleiro.
— Passou pela ponte, sim — retrucou Cobb.
— Ele ficou muito tempo aqui? Disse o nome dele?
— Disse, sim, falou que era Smith — divulgou Cobb.
Fletcher resolveu apanhar Herold em Maryland e perguntou a Cobb se
poderia continuar com a perseguição.
— Pode cruzar a ponte, sim, mas não pode voltar.
Eram as regras, Cobb insistiu. Ele já cedera duas vezes. Não iria fazê-lo
mais uma.
Fletcher queria voltar para Washington ainda na mesma noite.
Desanimado, desistiu da caçada humana que impusera a si mesmo.
— Assim sendo, não vou.
Deu meia-volta e retornou para a cidade em sua montaria. Quando
chegou à rua 3, olhou para o relógio. Eram 23h50. Parou noutra estrebaria,
a do Murphy, e o cocheiro lhe deu a notícia:
— É melhor não sair de casa, pois deram um tiro no presidente Lincoln
e o secretário Seward está quase morto.
Fletcher retornou para a estrebaria do Naylor, guardou o cavalo e, por
volta de uma e meia da madrugada, sentou-se diante da janela do escritório.
Ele não sabia que a caçada humana que empreendera por conta própria
quase capturara um dos cúmplices do assassino de Lincoln.
Em algum lugar a leste do prédio do Capitólio, Lewis Powell não estava
se saindo tão bem quanto Booth e Herold, no que tangia a sua fuga da
cidade. Evitara William Bell e os demais, e ninguém o estava perseguindo
agora.
Mas ele não sabia onde estava. A situação piorava, pois ele perdera ou
abandonara o meio mais seguro e rápido de que dispunha para escapar, o
cavalo caolho que Booth comprara para o bando. Com a chegada da meia-
noite de 14 de abril, Lewis Powell se encontrava numa encrenca: era uma
figura solitária parada na rua, perdido e desarmado sob o luar, usando um
casaco manchado pelo sangue de outro homem. Ele não sabia para onde ir
ou o que fazer. Passou duas noites dormindo numa árvore. Sem Booth a
comandá-lo, ficou confuso e começou a pensar em alguns dos lugares que
conhecia em Washington aos quais Booth o havia levado antes. Havia um
em particular. Talvez estivesse a salvo ali — se ele ao menos conseguisse se
lembrar do endereço.
Em Surrattsville, Maryland, vinte quilômetros a sudeste de Washington,
John Lloyd, proprietário da Taverna Surratt, recolheu-se para dormir. Ficara
bastante bêbado à noite — na verdade, desde a tardinha, para ser sincero —
e estava cansado. Embora Mary Surratt lhe tivesse dito à tarde que
esperasse visitas à noite, as visitas não chegaram. Isso não fez diferença
para ele.
Vários quilômetros ao sul de Surrattsville, numa fazenda isolada nas
proximidades de Bryantown, no mesmo estado de Maryland, o dr. Samuel
A. Mudd, a esposa e os quatro filhos menores também se encontravam na
cama. Beantown, para onde Booth disse que pretendia ir em sua conversa
com o sargento Cobb, não ficava longe.
ABRAHAM LINCOLN DORMIA, TAMBÉM. MAIS DE QUINZE MINUTOS DEPOIS
de alvejado, ele ainda se encontrava deitado no chão dos camarotes sete e
oito do Teatro Ford. Embora o dr. Leale tenha evitado a morte imediata do
presidente e estabilizado o paciente, o cirurgião novato não tinha muita
certeza do que fazer em seguida. Lincoln não poderia ser deixado no chão
para morrer no interior de um teatro em meio a uma balbúrdia total.
Enquanto Leale ponderava sobre o próximo passo a dar, uma mulher
atravessou o teatro inteiro para chegar ao presidente. Ela sabia que dentro
daquele camarote estava-se fazendo história e se convencera de que deveria
tomar parte.
Do ponto de observação em que se encontrava no meio do palco,
percebeu que atravessar o pavimento principal com alguma velocidade seria
impossível. Ela teria de abrir caminho pelo meio da multidão dali de onde
se encontrava e chegar à escada, onde precisaria subir na contramão da
turba que descia apavorada. Poderia ser derrubada e pisoteada. Mas seu
conhecimento apurado da arquitetura do teatro permitiu-lhe encontrar um
atalho que evitava toda a multidão existente entre ela e Abraham Lincoln.
Thomas Gourlay, pai da atriz Jennie Gourlay, conduziu Keene até o
camarote. Levando uma jarra d’água que seria o seu passaporte para o
camarote do presidente — sem derramar uma gota sequer — ela esgueirou-
se por uma portinhola perto do palco e escafedeu-se por uma escada escura
que dava direto num escritório privado perto do camarote. Em menos de um
minuto, atravessou toda a extensão do teatro e surgiu no segundo andar do
mesmo lado em que ficava o camarote de Lincoln. Ela pelejou para passar
pela porta, atravessar o vestíbulo e finalmente chegar ao camarote.
Ninguém achou de impedir o acesso da grande atriz Laura Keene, a estrela
do espetáculo desta noite.
A cena deixou Keene petrificada e estimulou seus instintos teatrais.
Estarrecida pela imagem do presidente assim golpeado, Keene imaginou
um tableau fantástico tendo-a como figura central. Era uma oportunidade
que não se repetiria em sua vida, impossível resistir. Será que poderia, a
atriz perguntou ao dr. Leale, acolher a cabeça do presidente moribundo em
seu colo? Foi uma solicitação chocante, que tampouco traria para Lincoln
qualquer conforto físico ou benefício médico. Em circunstâncias normais, a
ousadia teria provocado na impetuosa Mary Lincoln paroxismos de raiva e
ciúmes. Em ocasião recente, ela havia criado uma situação embaraçosa para
ela própria e o marido ao ter um acesso de fúria em público contra a
adorável esposa do general Ord. O crime da sra. Ord? Cavalgar perto
demais do presidente Lincoln durante uma revista militar e, na opinião de
Mary, fazer-se passar pela primeira-dama. Para todos que presenciaram o
fato, o desagradável incidente abriu uma janela para se vislumbrar o
funcionamento da mente atormentada e às vezes patética de Mary Lincoln.
Mas agora, delirando de pesar e medo, Mary Lincoln, sentada no sofá a
poucos passos de distância, não objetou de forma alguma ao pedido íntimo
de Keene. Provavelmente nem o ouviu. O dr. Leale consentiu.
Laura Keene se ajoelhou ao lado de Lincoln e formou com seu colo um
travesseiro natural. Ergueu a cabeça do presidente, expondo o lenço de
linho manchado de sangue que o dr. Leale havia colocado abaixo do
ferimento. Leale o retirou e Keene apoiou a cabeça de Lincoln em seu colo.
Manchas de sangue e pedacinhos de massa cinzenta escorreram sobre o
tecido sedoso, espalhando e acrescentando cor ao padrão floral vermelho,
amarelo, verde e azul, belo e festivo da saia. O ferimento não sangrava em
profusão e, do trio de vestidos ensanguentados naquela noite, o de Laura foi
o único que se salvou de ser encharcado como os de Fanny Seward e Clara
Harris.
Os vestidos de Fanny e Clara não sobreviveram. Mas Laura Keene, qual
uma noiva vitoriana que amorosamente preserva o vestido do casamento
como uma sagrada recordação de seu dia mais feliz, acolheu a saia
salpicada de sangue — e massa cinzenta — dessa noite terrível. Nos dias
que se seguiram, as pessoas imploravam para ver o vestido, para acariciar
suas dobras sedosas e se deixar impressionar pelas manchas e cenas
dramáticas que elas evocavam. Em breve ele se tornou objeto de
curiosidade mórbida. Houve quem pedisse a Keene para tirar um molde do
vestido e, sub-repticiamente, tentasse cortar-lhe tiras para guardar como
lembranças bizarras. Depois de algum tempo, Keene tirou de vista a peça
assombrosa. Mas não conseguiu destruí-lo e acabou incumbindo sua família
de guardá-lo para que ela mesma não tivesse nunca mais de olhar para ele.
O vestido sumiu faz bastante tempo; miraculosamente, porém, alguns restos
— cinco valiosas tiras — sobreviveram. O alegre padrão floral continua
quase tão viçoso quanto no dia em que foi cortado cerca de um século e
meio atrás por Jamie Bullock, de Chicago. Há muito, entretanto, que as
outrora vermelhas manchas esmaeceram, exibindo agora um tom marrom
pálido de ferrugem. Laura Keene tornou-se eternamente conhecida pela
figura semelhante a uma Pietà que ela improvisara no camarote do
presidente. Lembramo-nos dela não por seu talento profundo, repertório
diverso ou longa carreira de grandes atuações, mas por um único ato sem
script que durou apenas alguns minutos no camarote do Teatro Ford em 14
de abril de 1865. Seus grandes contemporâneos do palco americano durante
o século XIX desapareceram no esquecimento, olvidados por todos exceto
uma pequena fraternidade de estudiosos do teatro. Contudo, o nome de
Keene perdura até os dias de hoje, ligado eternamente ao de Abraham
Lincoln por causa do macabro papel coadjuvante que ela desempenhou
naquela noite.
Sua presença no camarote também sublinhou um fato desconfortável.
Ela era uma atriz, estavam todos num teatro e era Sexta-feira Santa, o dia
mais solene do calendário cristão. Mas o presidente dos Estados Unidos não
estava participando de um culto numa igreja. Estava, sim, morrendo no
chão de um moralmente ilícito marco secular. O grande jornalista da Guerra
de Secessão George Alfred Townsend veiculou o pensamento de muitos ao
escrever: “O Supremo Magistrado de trinta milhões de pessoas — amado,
homenageado, reverenciado — jazia num cômodo enclausurado de uma
casa de diversão, respingando com seu sangue sagrado os paramentos de
uma atriz.”
De fato, dois dias depois vários sacerdotes admoestariam Lincoln em
seus sermões dominicais por passar a Sexta-feira Santa num teatro. O
mesmo fez a devota irmã de John Wilkes Booth, Asia Booth Clarke: “Foi o
lamento das pessoas religiosas, foi a palpitação de angústia para quem
homenageia heróis, que o presidente não tenha ido primeiro a um local de
culto ou não tenha ficado em casa nessa ocasião de júbilo. Foi uma
profanação ao seu pensamento encontrar o próprio fim na alcova do
demônio — um teatro... Aquela fatal visita ao teatro não continha piedade
alguma; foi júbilo ante os campos repletos de mortos por enterrar, ante
inúmeros lares maculados.”
A CENA NO CAMAROTE DO PRESIDENTE TERIA DIVERTIDO SEU IRMÃO JOHN.
Laura Keene que roubasse a cena do seu feito espetacular! Típico de uma
atriz aproveitar o esteio de sua obra! Agora a salvo do outro lado da ponte
da rua 11, Booth olhou para Maryland à sua frente e mergulhou na
escuridão. De suas três coortes, neste momento ele precisava muito de
David Herold, mais do que de Atzerodt ou Powell. Tendo fugido do centro
da cidade de Washington, atingido o limite municipal e entrado em
Maryland depois de cruzar o rio, conseguira driblar o perigo imediato. O
interior estava escuro e tranquilo, as estradas vazias dando passagem a
apenas uns poucos viajantes. Ele percorreu a rota que ensaiara no ano
anterior para a trama do sequestro. Não havia por que galopar agora, sem
perseguidor algum à vista no instante em que o sargento Cobb o deixara
passar. Seria melhor deixar a égua descansar para retomar as forças mais
tarde. Enquanto cavalgava, Booth vasculhava o horizonte em busca de
Soper’s Hill, local escolhido para o reencontro. À luz do dia, parecia
simples, mas a noite disfarçava as colinas. Sozinho em campo aberto, ele
estava fora do seu ambiente. Booth era uma criatura da cidade e dos
sofisticados saguões de hotéis, das delicatessen, dos becos e das sombras
projetadas pelas lamparinas a gás da iluminação pública. Ele não possuía as
habilidades das quais iria precisar para sobreviver nos dias vindouros,
aquelas que têm os que vivem ao ar livre, os caçadores, os barqueiros. Mas
Herold, sim, as tinha todas, e fora por isso que Booth o escolhera para guiá-
lo, dentre todos os demais.
Agora que diminuíra o passo, Booth sentiu florescer sob o luar a dor na
perna esquerda. Chegando às raias do desespero depois da árdua cavalgada,
ele fitava o horizonte pouco antes da meia-noite — estava a bem uma dúzia
de quilômetros de distância do limite da cidade. Davey e os demais
poderiam estar alguns minutos atrás ou adiante dele, dependendo do
momento exato em que tenham desferido seus ataques a Seward e Johnson.
Booth não via nada adiante. Quando se virou para olhar para trás, ouviu um
barulho que o seguia à distância. Cascos de cavalo rufando no chão! Seria o
primeiro sinal de uma patrulha da cavalaria em franca perseguição? Quando
o barulho aumentou, para alívio de Booth, revelou tratar-se de um cavalo
apenas e não de vários. Dali a pouco, o perseguidor solitário entrou no seu
campo de visão — um homem pequeno montando um grande cavalo cinza.
Seu olhar capturou o de Booth durante um momento longo, cheio de
suspeitas; logo em seguida, um alívio percorreu a espinha do assassino
ferido. Era David Herold.
O ator ficou em êxtase. Estava em segurança, agora — tinha seu guia!
Maryland, embora não tenha se separado da União em 1861, continuava um
canteiro do secessionismo. Era um estado tão confederado quanto qualquer
estado poderia ser sem se juntar de fato à Confederação. Se Maryland
tivesse se tornado a décima segunda estrela na bandeira confederada, a
União teria corrido grave perigo. A cidade de Washington estaria cercada de
estados rebeldes, isolada do resto do Norte. Milhares de seus cidadãos se
aliaram ao exército confederado, marchando para a guerra ao som de
“Maryland, My Maryland”. O estado estava infestado de espiões e estafetas
rebeldes, e James McPhail, ocupando ali o posto de marechal
superintendente do Exército dos EUA, andava ocupadíssimo com a
supressão de esquemas confederados em Baltimore. Foi em Baltimore que
os cidadãos tramaram a tentativa de assassinar Abraham Lincoln em
fevereiro de 1861 quando ele por ali passou a caminho da posse, e um
bando também em Baltimore atacara as tropas da União — a Sexta
Infantaria de Massachusetts — quando a unidade atravessava a cidade. Foi
em Maryland que Booth arrebanhou vários de seus inconfidentes para a
trama do sequestro. E foi em Bei Air que Booth cresceu até os primeiros
anos de sua vida adulta. Em Maryland ele estava em casa, e tinha a certeza
de que o povo dali o abrigaria, desejando-lhe que prosseguisse, na paz de
Deus, com sua viagem para o Extremo Sul.
Booth e Herold esporearam suas montarias e cavalgaram em direção
sudoeste para o primeiro refugio a poucos quilômetros dali, em Maryland. É
provável que Booth tenha crivado Herold de perguntas: Por que estava só?
Onde estava Powell? Teria matado Seward? Ele vira Atzerodt? Ele teria
matado o vice-presidente Johnson? Não, Herold teria respondido, ele não
via Atzerodt desde que os conspiradores se separaram à tardinha para
realizar os três assassinatos. Não fazia ideia se Johnson estava morto.
Herold recontou o que se passara na residência dos Seward: o plano de
acesso funcionara perfeitamente e deixaram Powell entrar com seu
pacotinho na mansão. Tudo parecia tranquilo no interior da casa. Herold
não ouviu disparos. Cerca de dez minutos depois, um criado negro saiu
correndo pela porta da frente gritando “assassino” e, em seguida, uma moça
abriu a janela do segundo andar e começou a gritar também.
Essa notícia teria provado a Booth que o fiel Powell havia cumprido sua
missão. Mas o ator deveria estar insatisfeito com Herold por ter abandonado
Powell, por quem tinha um carinho especial. E Powell seria bem útil caso
eles se vissem às voltas com algum embate durante a fuga. Booth supôs que
Powell, não conhecendo a geografia da capital, poderia ser dado como
perdido. Herold explicou como quase fora apanhado, não pela polícia ou
pelo exército, mas por John Fletcher, o cocheiro que lhe alugara o cavalo.
Booth certamente contou a Herold seu êxito no Teatro Ford. Essa foi a
primeira oportunidade que o assassino teve de descrever o feito, e o
irrepreensível ator deve ter se vangloriado.
ENTRE 23H30 E MEIA-NOITE, GEORGE ATZERODT APARECEU NA RUA 6, SEM
O cavalo, e tomou um bonde para o Estaleiro Naval. Por sorte, um dos
passageiros era alguém que ele conhecia havia uns sete ou oito anos, um
homem chamado Washington Briscoe. Atzerodt não o reconheceu mas
Briscoe lhe dirigiu a palavra. Perguntou-lhe se ele soubera da novidade —
Lincoln fora assassinado. Sim, soubera, respondeu George, e perguntou se
poderia passar a noite na oficina de Briscoe no Estaleiro Naval. Ante a
negativa, Atzerodt ficou agitado: “Ele ficou tenso, estava querendo muito
passar a noite lá na oficina; insistiu para que eu deixasse.” Briscoe explicou
que já havia outra pessoa dormindo lá e ele não teria como fazer uma
imposição daquelas. Atzerodt ficou no bonde e saltou com Briscoe na rua I,
perto da oficina. E perguntou- lhe ainda uma terceira vez se poderia passar a
noite. Briscoe tornou a recusar, mas esperou com o outro na esquina da rua
I com a Garrison pela volta do bonde. George lhe disse que estava indo para
a Pennsylvania House, também conhecida como Kimmell, na rua C.
Atzerodt pegou o próximo bonde e voltou para o centro da cidade de
Washington. Ainda trazia no bolso a chave do quarto na Kirkwood. Ao sair,
deixara de entregá-la ao funcionário do balcão.
Foi sorte ele não ter retornado para a Kirkwood House. No final da
manhã de sábado, o policial militar John Lee arrombaria a porta do quarto
126. Depois do assassinato, o major James O’Beirne, marechal
superintendente de Washington, mandou que Lee corresse ao hotel do vice-
presidente, pois este também poderia ser um alvo. Quando Lee chegou lá, o
atendente do bar Michael Henry informou que um homem de aparência
suspeita alugara um quarto no dia anterior. Lee vasculhou o cadastro de
hóspedes do hotel e encontrou: “um nome muito mal escrito — G. A.
Atzerodt.” Os funcionários do balcão Robert R. Jones e Lyman Sprague não
conseguiram encontrar a chave do quarto. Sprague acompanhou Lee até lá.
A porta de Atzerodt estava trancada. Lee a arrombou e revistou o quarto.
Embaixo do travesseiro, encontrou um revólver, com carga e espoleta; entre
os lençóis e o colchão, descobriu uma grande faca Bowie.
O quarto estava cheio de pistas: uma espora de bronze, um par de meias,
dois colarinhos, um par de luvas grossas, três caixas de cartuchos, um
pedaço de alcaçuz e uma escova de dentes. Havia um casaco preto
pendurado num gancho na parede. Lee o revistou e encontrou um mapa da
Virginia e três lenços. Num deles, estava bordado o nome “Mary R. Booth”.
Lee encontrou uma caderneta do Banco de Ontário em Montreal, mostrando
um crédito de 455 dólares. O nome do correntista era “sr. J. Wilkes Booth”.
O DR. LEALE SABIA HAVER TODO TIPO DE RAZÃO PARA NÃO DEIXAR
Abraham Lincoln morrer no chão de um teatro. O presidente ia morrer —
era só uma questão de tempo — e Leale jamais vira um homem com um
ferimento assim sobreviver mais de uma hora. Ele não tinha como salvar a
vida de Lincoln, mas, agora que o estabilizara, tinha o poder para decidir o
lugar onde ele viria a falecer, e a maneira. George Washington, o primeiro
presidente do país e o primeiro ex-presidente a falecer, William Henry
Harrison e Zachary Taylor, os únicos presidentes que morreram no cargo,
não expiraram em condições espalhafatosas, com as roupas rasgadas num
soalho pisado e repisado pelas solas dos sapatos das pessoas; e assim
também não iria falecer Abraham Lincoln. O instinto de Leale emitiu mais
um comando silencioso: “Removê-lo para um lugar seguro.” O presidente
dos Estados Unidos iria morrer com dignidade, num leito apropriado.
— Levem-no para a Casa Branca — implorou alguém dentro do
camarote. Sim, levá-lo para casa. Impossível, Leale explicou, e os dois
médicos que se uniram a ele no camarote, Charles Sabin Taff e outro com o
improvável nome de Albert Freeman Africanus King, que chegara logo
depois, concordaram. Até mesmo o mero deslocamento de carruagem entre
o Teatro Ford e a Mansão Executiva por ruas de chão batido, enlameadas,
esburacadas e sulcadas pelas rodas de centenas de carruagens seria demais
para o presidente suportar. Os trancos do percurso sacudir-lhe-iam a cabeça,
matando-o instantaneamente. Não, eles precisavam levá-lo para algum
lugar mais perto. Outra voz sugeriu o salão vizinho de Peter Taltavul, onde
Booth apreciou seu último drinque. Outros prontamente vetaram esta
sugestão: já era ruim o suficiente que Lincoln morresse num teatro, que
dizer de uma taverna? Impensável! Até obsceno.
Prepararam-se para erguer o corpo de Lincoln sem saber para onde o
levariam. Primeiro, o dr. Leale fechou a cortina encerrando o drama
sentimental que Laura Keene estava vivendo em particular. Assegurada a
fama e santificado o vestido pelo sangue, ela largou mão do mártir,
levantou-se do chão e deu um passo atrás. Leale mandou que o dr. Taft
pegasse no ombro direito e o dr. King no esquerdo. Em seguida, mandou
que outros homens dentro do camarote sustentassem o torso, a pélvis, as
pernas. Ele mesmo se inclinou e amparou a cabeça. Ao seu comando, todas
as mãos agiram em sincronia e ergueram o presidente do chão. Deslocaram-
se minuciosamente em direção ao vestíbulo. Clara Harris e o major
Rathbone ajudaram Mary Lincoln a se levantar e deram-lhe suporte aos
passos incertos. O trio, acompanhado de Keene, seguiu o corpo.
Direcionaram a cabeça do presidente para o vestíbulo e o atravessaram.
Progredindo a passos minúsculos para trás e olhando por cima do próprio
ombro para a porta que dava na tribuna, Leale constatou um aglomerado de
gente obstruindo a passagem e se esforçando para dar uma olhadela no
presidente. A voz de Leale retumbou contra eles duas vezes qual uma
trombeta no campo de batalha:
— Guardas, abram caminho. Guardas, abram caminho.
Os portadores do corpo de Lincoln saíram do vestíbulo com sua carga
preciosa e frágil, e rumaram para o norte em direção às escadas curvas pelas
quais, duas horas e meia antes, o presidente subira. Uma pequena força de
oficiais e soldados afastou os curiosos. Leale reverteu o curso no patamar
da escada e organizou a descida direcionando os pés de Lincoln para a
frente, de forma a evitar uma inclinação da cabeça dele para baixo, o que
aumentaria a pressão no cérebro. A descida pareceu demorar uma
eternidade. Mas Lincoln mal estava vivo e Leale não queria movimentos
súbitos que pudessem sacolejar o presidente e interromper os batimentos
cardíacos ou a respiração. Seaton Munroe, subsecretário no Departamento
do Tesouro, saiu correndo do seu assento para ver o que tinha acontecido a
Lincoln. “Então eu fui até a saída do camarote para esperar a descida da
srta. Keene, na esperança de saber dela as condições do presidente.”
Munroe interceptou-a, com o vestido desalinhado, o cabelo desajeitado e a
maquiagem de palco borrada, ao pé da escada que saía do camarote.
“Implorei para que ela me dissesse se o sr. Lincoln ainda estava vivo.”
— Só Deus sabe — disse ela num guincho de voz.
A atriz que começara a noite num papel cômico e leve mostrava-se para
Munroe agora como uma aparição saída de um pesadelo. “Vestida com o
figurino em que eu costumava vê-la no seu papel em Nosso primo
americano, ela agora trazia o cabelo e o vestido em desalinho, e não só a
saia estava encharcada do sangue de Lincoln como o rosto, por onde seus
dedos devem ter perambulado inadvertidamente, exibia melancolicamente
algumas pequenas nódoas.”
Do lado de fora do Ford, na rua 10, uma multidão de ansiosos
espectadores do teatro, inchada por transeuntes atônitos, pairava nas
cercanias da porta da frente à espera do presidente. A equipe de Leale
transportou Lincoln através do saguão, passou pelas portas e parou sobre o
piso de pedra do patamar superior onde, onze horas mais cedo, John Wilkes
Booth sentara-se ao sol do meio-dia, rindo e lendo sua carta, calculando se
teria tempo suficiente. A multidão se impressionou quando viu a figura
prostrada, e se aproximou, aglomerando-se mais ainda. Alguns homens se
adiantaram e ousaram encostar a mão em Lincoln. Em segundos, estavam
todos amontoados em torno do presidente. Assustado, Leale tentou
encontrar uma brecha em meio às centenas de corpos que se atabalhoavam,
impedindo-lhe a passagem. Estarrecidos, Leale mais os médicos e soldados
que o ajudavam ficaram paralisados na entrada do Teatro Ford, segurando o
presidente moribundo nos braços.
Poucos metros à direita, com a lustrosa superfície esmaltada em preto a
reluzir sob a luz da enorme lamparina a gás fixada no alto do poste de ferro
fincado na frente do Teatro Ford, a carruagem de Lincoln oferecia um
santuário para isolamento da multidão e um transporte seguro até a Mansão
Executiva. O cocheiro do presidente, Burke, pegou as rédeas e se postou no
alto da carruagem, pronto para partir, esperando a qualquer momento estalar
o seu chicote para empreender uma corrida louca até a rua 10, virando em
seguida a oeste em direção à mansão.
— Pelo amor de Deus, leve-o para morrer na Casa Branca — gritou
uma voz anônima na multidão, fazendo coro ao argumento apresentado
ainda dentro do teatro.
— Para a Casa Branca — imploraram outras vozes.
Um repórter que foi para a Casa Branca encontrou ali vários cidadãos
reunidos: “Uma multidão imensa havia se formado diante da casa do
presidente, e fora montada forte guarda também, pois muita gente
evidentemente presumira que ele seria trazido para casa.”
Não, Leale ordenou novamente, o presidente jamais suportaria a
viagem. Naquele momento, um oficial do exército abriu caminho em meio à
multidão ensandecida, encarou Leale de forma resoluta, sacou da bainha a
espada e bradou:
— Doutor, dê-me o seu comando e eu providenciarei para que seja
cumprido.
O oficial saiu abrindo caminho em meio à turba, uma brecha por onde
conduziu os carregadores de Lincoln até a estrada de chão batido. Os olhos
de Leale varriam a rua 10 de lado a lado em busca de refúgio. Forçando a
voz para ser ouvido acima do clamor pelo oficial com a espada na mão, ele
proferiu um comando sucinto. Leve o presidente para o outro lado da rua,
para a primeira casa. Um soldado partiu na frente e foi bater à porta,
exigindo acesso. Então, inacreditavelmente, Leale interrompeu a procissão
no meio da rua lamacenta e, diante da vista de todos ali aglomerados, sacou
um coágulo de sangue do furo na cabeça de Lincoln para aliviar a pressão
no cérebro e jogou a massa gosmenta no chão. Escorreu um pouco de
sangue fresco e massa cinzenta pelos dedos de Leale. A procissão
continuou por mais alguns passos. Outro coágulo. Em seguida, o mesmo
processo novamente. Quando Leale já havia cruzado metade da rua, os
soldados do outro lado vieram direto a ele para avisar que a casa estava
trancada e ninguém atendia a porta. A cena era inacreditável, impossível.
Destroçado, perdido no meio de uma rua lamacenta sem ter para onde ir, o
presidente dos Estados Unidos estava morrendo na presença de centenas, se
já não fossem milhares àquela altura, de testemunhas frenéticas.
Do alto de uma janela do outro lado da rua 10, Cari Bersh, artista,
olhava o drama se desenrolando na rua adiante de sua casa. Seu olhar de
observador treinado capturou, qual uma câmera, todos os detalhes — a
grande e reluzente lamparina a gás, o presidente prostrado sustentado por
várias mãos, a multidão atabalhoada. Que ótimo tema essa cena daria para
um quadro a óleo, cismou ele!
Até esse momento, ninguém prestara atenção à bela casa construída em
série com três andares em alvenaria, de propriedade de William Petersen,
vizinha àquela que negara acesso ao presidente. Lá dentro, um dos
inquilinos de Petersen, Henry Safford, lia seu livro tranquilamente sentado
na sala de visitas do primeiro andar. O dr. Leale estava tentando resolver o
que fazer em seguida quando viu alguém abrir a porta do número 453 da
rua 10. Safford ouvira a gritaria da multidão e se arriscou a ir ver lá fora o
que estava acontecendo. Ele pisou no degrau de cima da escadaria em curva
e ergueu bem alto uma única vela.
— Tragam-no para cá — gritou por cima do mar de gente que se
interpunha entre ele e o presidente. — Tragam-no para cá.
Leale mudou o rumo. Encontrara um refúgio, afinal.
CAPÍTULO 4 “Nós assassinamos o presidente”
CAVALGANDO EM TERRENO ABERTO UNS QUINZE QUILÔMETROS AO sul de
Washington, John Wilkes Booth e David Herold não haviam chegado ainda
ao seu primeiro refúgio. Surrattsville ficava a uma hora dali, mas eles não
receavam enfrentar encrenca alguma no caminho. Conforme Booth
esperava, o assassinato jogara Washington no mais absoluto caos. Seguindo
pelo caminho, Booth e Herold não encontraram nenhum soldado na estrada,
e mesmo que encontrassem, não havia perigo pois estavam andando à frente
da notícia. Nesse momento, o assassino podia passar por todo um regimento
de cavalaria da União sem ser incomodado. Absolutamente ninguém em
Maryland sabia que Lincoln fora baleado.
Entretanto, poucos minutos depois do assassinato, a notícia já corria de
boca em boca a partir do Teatro Ford, mas ela não se espalhava com rapidez
maior que a de um homem correndo a pé ou a cavalo. Entre 22h30 e 23
horas, mais de mil e quinhentas bocas jorravam do interior do teatro para a
rua 10. Algumas pessoas mantiveram vigília diante do Ford ou da casa de
William Petersen, porém muitas se espalharam em todas as direções, qual
um exército de jornaleiros não assalariados gritando “Extra!”. De casa em
casa, quarteirão por quarteirão, espalharam a notícia. Houve quem saísse
correndo, ou a galope, para a Casa Branca, para o Departamento da Guerra,
para as casas dos secretários de estado, para a avenida Pensilvânia e para as
sedes dos principais jornais do país. Invadiram o saguão dos hotéis Willard,
Kirkwood e National, e abriram as portas de restaurantes, salões de bar e
casas de má reputação. Foram para casa e acordaram famílias e hóspedes,
bateram à porta dos vizinhos, tiraram até crianças de suas camas.
Em Washington, era habitual receber notícias dessa forma. Quando
chegou no Departamento da Guerra o telégrafo anunciando que a União
havia tomado Richmond no dia 3 de abril, os funcionários saíram às ruas,
sem qualquer permissão ou ordem para tal, e correram em todas as direções
proclamando as alvíssaras. Novamente, no dia 9, largaram suas mesas de
trabalho para divulgar a notícia de Appomattox. Nesta noite, qual um
inferno terrível que espalha seu fogo em todas as direções detonado por
uma fagulha original, a notícia se espalhou a partir do Teatro Ford em
círculos concêntricos cada vez maiores. No Teatro Grover, o gerente
interrompeu a apresentação de Aladim e informou ao público que Abraham
Lincoln acabara de levar um tiro. Assustado, um garoto de 12 anos de idade
gritou de horror. Tad Lincoln, o filho caçula do presidente, foi trazido às
pressas para casa por seu acompanhante, o porteiro do presidente, Alphonso
Donn.
Simultaneamente, a notícia de outro atentado partia da mansão dos
Seward e se espalhava pelas ruas. Vizinhos, soldados, funcionários do
Departamento de Estado e até mesmo alguns repórteres mais ligeiros
tentaram entrar na casa. Mensageiros, alguns dos quais autodesignados,
saíram em todas as direções divulgando o atentado de Seward assim como
suas contrapartidas do Ford proclamavam o do presidente. Foi só uma
questão de tempo até que dois exércitos de divulgadores, portando a notícia
de ataques separados, se encontrassem nas ruas. O troca-troca ocorreu
inúmeras vezes naquela noite: Não, eu estou lhe dizendo, quem sofreu um
atentado foi o Lincoln. Impossível, foi o Seward. Eu acabo de chegar da
casa dele. E eu acabei de chegar do Ford. Foi o Lincoln. Foi o Seward.
Então, a terrível verdade vinha à tona — foram ambos.
No número 1325 da rua K, alguém tocou a campainha da casa do
homem mais poderoso de Washington, à parte o presidente: o secretário da
Guerra Edwin M. Stanton, o próprio “Marte”, deus da guerra para Lincoln.
Advogado brilhante com um ilustre histórico de serviços públicos, Stanton
não tolerava os tolos. Não conseguia. O presidente colocou em suas mãos a
tarefa mais impressionante da guerra: angariar, treinar, equipar e enviar para
a batalha o exército da União. A criação desse exército foi a conquista
logística mais monumental da história norte-americana até aquele momento.
Stanton extirpou oficiais incompetentes, ineptos ou calhordas; arrasou com
fornecedores do governo que empurravam uniformes vagabundos,
equipamento estragado e armas defeituosas para cima dos soldados; e
enfrentou junto com Lincoln uma epidemia de oficiais que não queriam
lutar. Se houve algum homem sentado à direita de Lincoln durante a guerra
dos rebeldes, esse homem foi Edwin McMasters Stanton.
O relacionamento entre os dois começou abalado. Antes da guerra, seus
caminhos haviam se cruzado num importante processo judicial. Advogado
renomado no país inteiro, Stanton zombou de Lincoln, chamando-o de
interior ano desconhecido e idiota. Lincoln nunca levantou contra um
homem a opinião que esse homem tivesse a seu respeito, conforme provou
ao nomear como seu secretário de estado William Henry Seward, seu
grande adversário na corrida para a presidência. Da mesma forma quando
fez de Stanton seu secretário da guerra em 1862. O assunto da guerra os
levou a um contato amiúde na Mansão Executiva, no Departamento da
Guerra, no escritório do telégrafo, ou na Casa do Soldado, um refúgio de
verão para as famílias de Lincoln e de Stanton. Eles se aproximaram muito
e cada qual desenvolveu um profundo respeito pelos talentos do outro. E
ambos sabiam que, quando davam ordens, homens morriam. Em suas vidas
privadas, ambos sofreram tragédias que os afetaram mais profundamente do
que eles desejariam que fosse do conhecimento de todos. Em abril de 1865,
a conta da matança foi alta: mais de trezentos mil mortos da União. Numa
ocasião, Lincoln fez a Stanton o maior elogio que chegou a fazer a alguém
do seu gabinete durante toda a guerra: Stanton, disse ele, era a grande rocha
contra a qual as poderosas ondas da rebelião se chocavam e se partiam.
Stanton vinha almejando passar discretamente em casa a noite de 14 de
abril. Depois das grandes comemorações de 3 e 9 de abril, e da
impressionante iluminação da capital na noite anterior, ele queria apenas
poder descansar tranquilo. Recusou o convite para acompanhar o presidente
e Mary na ida ao Ford naquela noite. Saiu do escritório no Departamento da
Guerra e foi jantar em casa com a esposa, Ellen. Por volta das oito da noite,
pouco antes de subir o pano do Ford para o início do Nosso primo
americano, Stanton saiu de casa para mais uma vez visitar William H.
Seward no leito onde ele convalescia. Desde o acidente de carruagem, o
secretário da guerra o visitava sempre, uma delicadeza que tocou a filha de
Seward, Fanny. Stanton voltou para casa pouco antes das 9 horas para
cumprir um compromisso incomum, um costume patriótico que aumentou a
efervescência da semana da vitória: a seresta.
Desde a queda de Richmond, ainda mais depois da rendição de Lee,
hordas de cidadãos intoxicados de alegria — e mais até — saíam pelas ruas
carregando tochas, agitando bandeiras e faixas, tocando instrumentos
musicais e cantando canções. Andando de um lugar para outro, eles
visitavam a Casa Branca onde, para seu deleite, o presidente aparecia e
fazia um discurso. Visitavam hotéis, teatros e casas públicas, vagando
simplesmente sem destino às vezes. Algumas serestas se formavam
espontaneamente, e aconteciam, pelo que parece, devido a forças
gravitacionais aleatórias. Outras eram organizadas de antemão por
funcionários do governo com precisão militar. Naquela noite, funcionários
do Departamento da Guerra, os primeiros privilegiados de Washington a
ficarem sabendo da notícia de Richmond e Appomattox, por desígnio
prévio, resolveram visitar seu chefe. Chegando em casa, Stanton já avistou
o sobe-e-desce das tochas se aproximando pela rua. “Marte” fez o que lhe
cabia e os recebeu com todo o carinho. Depois do breve discurso que ele fez
por volta das nove e pouco, a multidão marchou para o destino seguinte: o
Teatro Ford. Os seresteiros queriam surpreender o presidente Lincoln após a
peça, quando ele pusesse os pés na rua 10.
Depois de desejar boa noite para alguns oficiais do exército, Stanton
fechou a porta da frente e a trancou. Eram 10 horas; ele subiu a escada de
sua casa e foi trocar de roupa para dormir. Não demorou muito e a
campainha tocou. Sua esposa Ellen, que ainda estava no andar de baixo,
atendeu. Se soubesse que a morte andava à solta em Washington naquela
noite, Ellen Stanton provavelmente não teria aberto a porta. Quando ouviu a
notícia que o mensageiro trouxera, Ellen gritou:
— O sr. Seward foi assassinado!
Seu grito lancinante ecoou até o segundo andar onde se encontrava o
marido, que fez pouco da história. Stanton gritou lá para baixo:
— Besteira, eu estava lá com ele faz uma hora.
Ao descer, meio em dúvida, ele se deparou não apenas com um
alvoroçado mensageiro mas também com vários outros homens bastante
agitados. Alarmado pela insistência e vivacidade dos relatos, decidiu
investigar o boato pessoalmente. Numa questão de minutos, estava dentro
de uma carruagem indo a toda para a casa de Seward. Não podia ser
verdade, ele tentava se convencer. Nos quatro anos da Guerra Civil, uma
quantidade incontável de boatos inacreditáveis — e falsos — varreu
Washington de forma tão previsível quanto as marés ou as fases da lua. Mas
assassinato? Impossível. Sim, Stanton repreendera o presidente diversas
vezes por sua desatenção com a própria segurança. Mas talvez ele fosse um
alarmista. Afinal, conforme o próprio William Seward escrevera em 1862, o
assassinato político era algo estranho aos nossos costumes: “O assassinato
não é uma prática ou um hábito americano; algo tão perverso e desesperado
assim não pode ser enxertado em nosso sistema político. Essa convicção
minha vem ganhando força paulatinamente desde o início da guerra civil. A
experiência cotidiana confirma isso.”
O percurso de Stanton levou apenas alguns minutos e o primeiro sinal
não foi bom — gente por toda a parte e um aglomerado maior ainda diante
da porta de Seward. Uma hora atrás, quando Stanton deixara a casa dos
Seward, a rua estava deserta. O que todas essas pessoas estavam fazendo
ah? Assim que a carruagem parou, um sargento do exército chamado
Koerth foi logo balbuciando que acabava de chegar do Teatro Ford e tinha
uma notícia horrível para dar: o presidente fora assassinado. Stanton
chegara à casa de Seward pouco antes do secretário da Marinha, Gideon
Welles.

Secretário de Guerra Edwin McMasters Stanton.


Welles havia se recolhido por volta das 22h30 e estava pegando no sono
quando sua esposa, Mary Jane, disse haver alguém na porta da frente. O
secretário ouviu uma voz de homem chamando seu filho, John, cujo quarto
ficava no segundo andar da casa em cima da porta da frente. Welles saiu da
cama, abriu uma janela, colocou a cabeça para fora e espiou o homem
parado bem diante da sua porta. Era James Smith, seu estafeta no
Departamento da Marinha. Smith olhou para o chefe no andar de cima e
deu a notícia aos berros: o presidente Lincoln levou um tiro, e o secretário
Seward e o filho, Frederick, sofreram um atentado.
Welles disse-lhe que aquela história era “muito incoerente e
improvável”. A seu ver, Smith parecia “muito alarmado e nervoso”. O
secretário da Marinha perguntou:
— Onde o presidente foi alvejado?
No Teatro Ford, Smith respondeu, acrescentando que os Seward foram
atacados em casa. Welles soltou uma praga:
— Malditos rebeldes, é assim que eles trabalham!
Vestiu-se imediatamente e foi com Smith até a casa de Seward.
Logo atrás dele, Stanton subiu correndo para o quarto de Seward. Era
verdade. Uma cena de desespero substituía a tranquilidade doméstica que
Stanton vira pouco mais de uma hora antes. Welles viu que “a cama estava
encharcada de sangue”. Vários médicos pairavam sobre o secretário de
estado, trabalhando fervorosamente para salvar-lhe a vida. Então, o resto do
pesadelo entrou em foco: Fanny Seward, perambulando pela casa pálida
como um fantasma, com o vestido pingando sangue; Augustus Seward
esfaqueado e o irmão desacordado com o crânio esmagado; o sargento
Robinson com várias feridas a faca; e o estafeta Hansell com um talho
profundo nas costas.
Recuperando-se do choque inicial, Stanton e Welles se deram conta de
que não havia o que eles pudessem fazer agora pelas vítimas da carnificina
na casa dos Seward; estava nas mãos dos médicos, e de Deus. Direcionaram
seus pensamentos, então, para o presidente: “Enquanto descíamos a escada,
perguntei a Stanton o que ele ouvira a respeito do presidente que fosse
confiável. Ele disse que o presidente levara um tiro no Teatro Ford, que ele
vira um homem que estava lá e testemunhara o ocorrido.” Welles propôs
que eles fossem imediatamente para a Casa Branca. Mas, Stanton disse,
Lincoln não estava lá. Ainda se encontrava no Teatro Ford.
— Então, vamos imediatamente para lá — disse Welles. Stanton
concordou, mas antes mandou levar guardas militares imediatamente para a
casa de cada membro do gabinete e para o hotel do vice-presidente Johnson.
Saindo da casa de Seward, Stanton e Welles deram de encontro com
Montgomery Meigs, intendente de guerra do exército dos Estados Unidos,
que os avisara quanto ao perigo potencial de uma ida ao Teatro Ford. Meigs
implorou que Stanton não passasse pela rua 10. E se os assassinos tivessem
marcado o presidente e todos os membros do seu gabinete para morrerem
naquela noite? Stanton não tinha comitiva ou escolta do exército para
protegê-lo, mas ainda assim ignorou Meigs e mandou buscar imediatamente
uma carruagem para o transporte dele próprio e de Welles até o teatro. Eles
iriam sozinhos — se partissem agora, chegariam em menos de cinco
minutos. O intendente insistiu em ir com eles, assim como o juiz David
Cartter do Tribunal Superior do Distrito de Columbia, que fora correndo à
casa de Seward assim que soubera da notícia.
NA RUA 10, o DR. LEALE MANDOU QUE OS CARREGADORES DE LINCOLN E O
oficial à frente da procissão fossem direto até o homem com a vela na mão.
Eles subiram a escadaria em curva com o presidente nos braços. Nessa
posição elevada, pela primeira vez desde que fora trazido para a rua, o
corpo quase sem vida de Abraham Lincoln ficou visível para a multidão.
Estupefatos, todos ficaram vendo o seu presidente desaparecer no interior
da hospedaria. À exceção de alguns médicos, autoridades governamentais e
amigos da família que, nas horas vindouras, teriam acesso à bem guardada
casa, aquele vislumbre do presidente subindo a escadaria da Estalagem
Petersen foi a última vez que os americanos viram Abraham Lincoln vivo.
Quando Stanton e Welles estavam saindo da casa dos Seward, um único
homem a cavalo acelerou o passo e tentou parar a carruagem. Era o major
Thomas Eckert, um dos ajudantes de ordens em quem Stanton mais
confiava, chefe do escritório de telégrafo do Departamento da Guerra, e um
dos favoritos de Abraham Lincoln, que se impressionava com a força física
do major. Eckert implorou para que Stanton desse meia-volta e não se
aproximasse do teatro. Welles relembrou: “Nesse momento, o major Eckert
chegou a cavalo e fez um protesto veemente contra a ida de Stanton à rua
10.” Eckert acabava de vir de lá. A multidão nas ruas já chegava aos
milhares e a cada minuto crescia de tamanho — e perigo — à medida que
as notícias se espalhavam e os cidadãos de todo canto da cidade convergiam
para aquele ponto. Stanton e Welles não lhe deram ouvidos; nada os
impediria de atender ao presidente. Numa concessão a Eckert, Meigs
mandou dois soldados acompanharem a carruagem. Eckert deu meia-volta
no cavalo, ficou diante da carruagem e saiu escoltando-a na direção da rua
10. Já que não conseguia impedi-los, pelo menos poderia tentar protegê-los.
O Teatro Ford ficava a cinco quarteirões dali e a dois da casa dos Seward.
Enquanto pegava velocidade, a carruagem foi passando por vultos
indistintos de homens descontrolados correndo de um lado para outro,
alguns se afastando do Teatro Ford e outros se dirigindo diretamente para
lá. A princípio, não havia na rua gente suficiente para impedir o
deslocamento de Stanton, mas à medida que a carruagem foi se
aproximando do teatro, as multidões se adensaram. Welles descreveu a
cena: “As ruas estavam cheias de gente. Não só a calçada mas a pista
também estava ocupada, todos... correndo para a rua 10.” Quando a
carruagem desceu a rua F e foi se aproximando da 10, o major Eckert, à
frente, foi o primeiro a ver logo adiante: uma multidão desordenada,
frenética, barulhenta e enraivecida de milhares de pessoas enchia a esquina
da rua 10 com a F. Eckert esporeou sua montaria e prosseguiu.
QUASE VINTE QUILÔMETROS PARA LÁ DA SAÍDA DE WASHINGTON, BOOTH E
Herold tinham a estrada só para si. Um encontro à toa com dois homens e
uma carroça quebrada mostrou-se inofensivo e praticamente não retardou a
escapada. Eles cavalgaram em silêncio quando já estavam chegando perto
do seu destino: Surrattsville, Maryland, que não chegava a ser uma cidade
de verdade em tamanho — mal passava de um entreposto num cruzamento
— e recebera o nome da família proprietária da taverna local. Antes de
continuarem a jornada para o sul, onde procurariam tratamento médico para
a perna de Booth que estava machucada, eles tinham um negócio a tratar na
taverna.
Surgiu vagamente no horizonte o contorno obscuro de uma edificação.
A Estalagem Surratt era difícil de enxergar à noite — a estrutura de dois
andares, sem pintura, e as placas de madeira tosca, diferentemente de uma
superfície pigmentada, não refletiam a luz. Construída em 1852, a taverna
se prestara no seu apogeu a três funções: salão, hospedaria e posto dos
correios. Não era um grande exemplo da arte da carpintaria: a estrutura era
despojada, quadrada e de acabamento tosco. A bem da verdade, o caixilho
da porta estava empenado. O dono original, John Surratt, pai, vendia uísque
a varejo, alugava quartos pela noite e era agente postal dos EUA. Quando
John morreu em 1862, sua viúva, Mary Surratt, herdou o lugar e ali ficou
com os filhos. Um deles, John Jr., ganhou a nomeação de agente postal,
substituindo o pai.
O governo lhe emitiu um alvará impressionante, exagerado, medindo 38
por 28 centímetros, com uma belíssima estampa da águia, símbolo nacional,
e os dizeres: “Departamento dos Correios / Agente Postal Geral
Montgomery Blair dos Estados Unidos da América.” O documento
continuava na linguagem floreada típica das nomeações do executivo
naquela época: “Para todos que este virem, Saudações... no Io dia de
setembro de 1862, John H. Surratt foi nomeado Agente Postal em Surratt no
Condado de Prince George, Estado de Maryland; perante o qual, no 8o dia
de setembro de 1862... ele prestou o juramento do cargo... saibam todos
que, confiando na integridade, habilidade e pontualidade do dito John H.
Surratt, eu o nomeio Agente Postal.” O alvará de Surratt foi assinado por
Montgomery Blair em 10 de setembro de 1862.
O governo acabou por compreender o status questionável da lealdade e
integridade de Surratt e revogou seu alvará. Em 1864, Mary mudou-se com
a família para a pensão da família em Washington, D.C., e alugou a taverna
para um homem de nome John Lloyd.
A taverna funcionava como qualquer estabelecimento de beira de
estrada no século XIX. A construção se dividia entre espaço privado e
público. Os clientes pagantes entravam, não pela porta da frente e hall
central mas sim por uma porta lateral que dava diretamente no bar e no
posto de correio. O cômodo tinha cheiro de velas de cera, lamparinas a
óleo, tabaco, fogão a lenha, uísque, roupa suja e couro de botas. Os preços
das bebidas e refeições ficavam pendurados na parede ou escritos num
quadro de giz. Visitantes noturnos não eram raros. Durante a guerra, os
Surratt e Lloyd se acostumaram com eles.
Booth e Herold conduziram seus cavalos até a entrada lateral. A noite
estava calma e, lá dentro, a taverna, na escuridão e no silêncio. Eles
precisavam ser rápidos. Herold apeou e foi até a porta enquanto Booth
continuou montado em sua sela. Os dois não tinham tempo a perder e seria
muito penoso para Booth desmontar e apoiar o peso sobre o pé machucado.
O estribo já lhe doía o suficiente; desmontar e tornar a montar o cavalo
seria um martírio. Os murros de Herold na porta acabaram por despertar
Lloyd do sono ébrio. Ele saiu da cama, desceu a escada e abriu a porta
lateral. Reconheceu David Herold, amigo de John Surratt. Herold,
impaciente, sussurrou-lhe enfaticamente:
— Lloyd, pelo amor de Deus, pegue logo aquelas coisas; ande.
Davey não precisava ser mais específico. Lloyd sabia o que eles
queriam. Após a visita vespertina de Mary Surratt, ele havia tirado os “paus
de fogo” do esconderijo onde se encontravam de forma que estivessem
prontos para os visitantes. Lloyd deixou Herold no bar com uma garrafa de
uísque e entrou na casa. Herold encheu um copo. Lloyd voltou instantes
depois, trazendo um pequeno pacote embrulhado em barbante, os
binóculos, e uma carabina de repetição Spencer carregada. Herold pegou a
arma e levou a garrafa para Booth lá fora. Sentado na montaria como
estava, o ator tomou vários goles grandes para acalmar os nervos e
amortecer a dor. Lloyd estendeu a segunda Spencer para Booth mas ele
recusou a oferta. Com a perna quebrada, não queria carregar mais nada.
Precisava das mãos para se segurar na sela. Suas pistolas teriam de dar
conta. Iria pegá-las na próxima parada.
Herold pegou a garrafa de Booth e a entregou de volta para Lloyd,
dizendo:
— Eu lhe devo alguns dólares. Tome.
Herold lhe entregou uma cédula de um dólar que, nos cálculos de
Lloyd, “mal dava para pagar pela garrafa de uísque que [os dois] beberam
quase toda”. Enquanto Herold e seu senhor se preparavam para ir embora,
Booth não conseguiu mais resistir à tentação. O ator impulsivo, gabola,
precisava contar para alguém; caso contrário, explodiria.
— Posso lhe contar uma novidade, se você estiver interessado —
ofereceu.
Lloyd respondeu com indiferença.
— Particularmente não estou; conte pelo seu próprio prazer de contar.
Booth prosseguiu.
— Pois estou bem certo de que conseguimos assassinar o presidente e o
secretário Seward.
Lloyd, “bastante excitado e nervoso” conforme seu próprio relato, não
falou nada. Ficou olhando os dois se afastarem, cavalgando pela escuridão
da noite “a um passo bem rápido”, sem entender exatamente o que Booth
quisera dizer. Em seguida, voltou para a cama. Booth e Herold passaram
menos de cinco minutos em Surrattsville.
Eles prosseguiram em direção ao sul e ao leste para um desvio não
planejado mas necessário.
A perna de Booth palpitava de dor. Ele precisava de um médico. E sabia
exatamente onde encontrar um, a quatro horas de cavalgada dali.
NA ESTALAGEM PETERSEN, ABRAHAM LINCOLN EM BREVE TERIA MAIS
MÉDICOS do que poderia querer, mas pouca serventia para qualquer um
deles.
Tão logo o presidente foi passado pelo umbral da porta, o dr. Leale
falou para Henry Safford:
— Leve-nos para o seu melhor quarto.
À direita, Leale avistou uma escada estreita que dava nos segundo e
terceiro andares da casa. Logo à esquerda, ficava a sala de visitas da frente
onde, minutos antes, Safford lia tranquilamente até ouvir o tumulto na rua.
Adiante, um corredor a meia-luz dava para os fundos da casa. Safford
mandou o médico segui-lo por ali. Leale e todos os carregadores de Lincoln
que conseguiram se espremer pela passagem apertada levaram-no pelo
caminho indicado. A certa altura, passaram por uma segunda sala à
esquerda, situada exatamente atrás da primeira. Não conseguiam ver a cama
até efetivamente entrarem no cômodo dos fundos, olharem para a direita e a
avistarem encaixada no canto nordeste, com um lado encostado na parede
norte e a cabeceira na parede leste, perto da porta. Os olhos de Leale
percorreram todo o cômodo. O ocupante, William Clark, saíra para um
passeio em comemoração ao fim da guerra. Este quarto serviria. Teria de
servir.
Seguindo o presidente, Mary Lincoln, acompanhada de Clara Harris e
do major Rathbone, e Laura Keene agregada a eles, adentraram a pensão de
Petersen. Retorcendo as mãos de angústia, Mary parecia “absolutamente
desnorteada”, segundo George Francis, um dos inquilinos.
— Onde está o meu marido? Onde está o meu marido? — ela indagava,
a ninguém em particular.
Atrás da comitiva da primeira-dama, vários desconhecidos oportunistas
subiram correndo a escadaria e, aproveitando-se da confusão, penetraram na
casa antes que fossem colocados guardas na entrada. Provavelmente esses
intrusos não passavam de gente inofensiva atrás de curiosidades, mas quem
poderia garantir que não houvesse entre eles outros assassinos à espreita
com a intenção de concluir o trabalho de Booth? Os desconhecidos
invadiram os cômodos do primeiro pavimento e conseguiram ir até o
corredor, chegando cada vez mais perto do presidente. Se ninguém
assumisse logo o comando, a situação na Estalagem Petersen se
transformaria no caos extremo.
Na esquina das ruas 10 e F, a carruagem do secretário da Guerra Stanton
se aproximou da multidão cada vez maior. Apreensivo, o major Eckert ficou
na dúvida se os cavalos atravessariam o aglomerado de gente, pois, alertas
que estavam com o tamanho da multidão e sensíveis ao estado de ânimo,
eles poderiam estancar. E havia a possibilidade de que as pessoas, sem
arredar pé, acabassem por dominá-los. Mas Stanton e Welles estavam
determinados a ignorar o perigo. Precisavam forçar a passagem.
No quarto dos fundos, o dr. Leale ignorava o caos no seu entorno.
Somente uma pessoa importava agora. Alguém tirou a colcha da cama e o
lençol de cobrir. Outra pessoa abriu a torneira do gás na parede para colocar
a chama no máximo. Num instante o vapor quente sibilou mais forte,
iluminando a cena grotesca. Os demais depuseram o corpo inconsciente
sobre o colchão. Mary Lincoln irrompeu no quarto e a forte luz a gás lhe
confirmou não se tratar de um pesadelo, como ela ainda tinha esperança de
que fosse, mas sim da realidade.
Leale segurou firme a cabeça do presidente e mandou que seus
ajudantes esticassem o corpo de Lincoln por inteiro, em preparação para um
exame completo. Quando as pesadas botas de Lincoln tocaram no pé da
cama, as pernas dele ainda não estavam totalmente esticadas. A cama era
curta demais e seus joelhos ficaram dobrados. Leale mandou que
quebrassem o encosto do pé da cama. Mas o encosto não cedeu. Tentem
novamente, Leale insistiu. Impossível, explicaram os doutores Taft e King.
Fazia parte da estrutura e, se eles o quebrassem, a cama toda desmontaria
no chão com Lincoln em cima. Frustrado, Leale dispôs Lincoln na diagonal
da cama, com a cabeça no canto mais próximo à porta e os pés no outro
mais perto da parede.
Leale se inclinou para perto do rosto do presidente. Ele ainda estava
vivo. Leale resolveu dar ao presidente alguns minutos para reunir qualquer
força que ele ainda pudesse ter antes de submetê-lo ao exame completo.
Nesse momento de repouso temporário, parece que Leale absorveu um
pouco do que se passava no seu entorno. Ele sentiu o ar úmido e abafado.
Havia gente demais no quarto pequeno, o que elevava a temperatura e
consumia o oxigênio que Lincoln precisava para viver. Leale mandou que
abrissem as janelas. Em seguida mandou que saíssem todos menos os
médicos e os amigos do presidente. Ainda assim, era gente demais. Leale
pediu que todos menos os médicos saíssem. Mary Lincoln ficou e não saiu
de perto do marido. O dr. Leale tentou impeli-la explicando que ele e os
demais médicos deveriam examinar o presidente agora. Depois ela poderia
voltar para o lado dele. Mary concordou em sair do quarto e foi para um
sofá na sala da frente, onde ficou o resto da noite nos momentos em que não
estava ao pé da cama. A sós com seu paciente, Leale, Taft e King
trabalharam rapidamente, despindo o presidente da cabeça aos pés.
Maunsell B. Field, subsecretário do tesouro, abriu caminho à força pelo
meio da massa de gente aglomerada em frente à porta da Estalagem
Petersen e entrou. A primeira pessoa que viu, Clara Harris, lhe disse que o
presidente estava morrendo mas avisou que não contasse a Mary Lincoln.
Estava claro para todos que Mary estava se desestruturando e ninguém
queria fazê-la chegar a um colapso total. Field entrou na sala e encontrou
Mary “num estado de agitação indescritível”. Ele a ouviu fazer a mesma
pergunta “diversas vezes”:
— Por que ele não matou a mim? Por que ele não matou a mim?
Para Clara Harris, Mary Lincoln entoou um lamento diferente a noite
inteira. Sempre que olhava para as manchas de um vermelho berrante no
vestido de Clara, Mary se encolhia, horrorizada, e gemia:
— O sangue do meu marido!
De novo, ela gemia:
— O sangue do meu marido!
Clara preferiu não corrigi-la. As manchas no seu vestido não eram do
sangue do presidente mas sim do seu noivo, Henry. E o estoque dele estava
se esvaindo: “O ferimento que eu havia recebido sangrava copiosamente e,
quando cheguei na casa... sentindo-me muito fraco pela perda de sangue,
sentei-me no hall e logo perdi os sentidos. Puseram-me deitado no chão.
Quando recobrei a consciência, fui levado para a minha residência.”
A algumas centenas de passos dali, a carruagem de Stanton parou, sem
conseguir penetrar na massa de gente. O cocheiro simplesmente não
conseguiu fazer com que os cavalos abrissem caminho pelo meio da
multidão. Diante da impossibilidade de prosseguir na carruagem, Stanton
resolveu que iriam a pé. Ele abriu a porta e desceu, e foi logo seguido pelos
demais passageiros, o secretário da Marinha Welles, o juiz Cartter e o
general Meigs. Eckert não conseguia acreditar no que via. Sentados na
carruagem, acima da multidão, os oficiais estavam relativamente a salvo,
qual os passageiros de um bote salva-vidas cruzando um mar tortuoso. Mas
a pé, na escuridão da noite, em meio a milhares de pessoas, tudo poderia
acontecer naquela noite. A bem da verdade, já havia acontecido. Mas agora
a comitiva de Stanton, que incluía os dois secretários da presidência
responsáveis por todas as forças armadas dos Estados Unidos combinadas
em terra e no mar, entrou no meio da multidão e sumiu de vista.
NA ESTRADA QUE CORRIA PARA O SUL A LESTE DE SURRATTSVILLE, BOOTH
E Herold seguiam sem mais ninguém — não viram nem foram vistos por
ninguém. Embora desesperados por aumentar ao máximo a distância a que
se encontravam de Washington, precisavam tomar cuidado para não
estropiarem os cavalos. Tinham um caminho longo pela frente e não
poderiam arriscar uma fadiga dos animais durante uma tirada prolongada e
perigosa. Booth já levara sua montaria ao limite cruzando todo o centro da
cidade a galope, mas foi vital conseguir fugir do Baptist Alley e colocar
logo uns dois ou três quilômetros de diferença a partir do Teatro Ford.
Depois que saiu da taverna de Lloyd, passou a imprimir no animal um ritmo
mais cuidadoso.
Os DOUTORES LEALE, TAFT E KING SUBMETERAM O CORPO DE LINCOLN A
um exame minucioso, na frente e atrás, em busca de outros ferimentos, a
bala ou a faca, mas nada encontraram além do orifício aberto pelo tiro na
cabeça. Durante o exame, eles perceberam que as extremidades inferiores
do presidente — pés e pernas — já começavam a se resfriar. Os olhos de
Lincoln estavam fechados. As pálpebras e os tecidos circunvizinhos
estavam tão cheios de sangue que deram ao dr. Taft a impressão de estarem
contundidos, como se alguém tivesse dado um soco no rosto do presidente.
Os médicos ergueram a pálpebra que cobria o olho esquerdo do presidente:
a pupila estava bastante contraída. Ergueram a pálpebra do olho direito: a
pupila estava amplamente dilatada, e ambas estavam absolutamente
insensíveis à luz — todos sinais coerentes com uma lesão cerebral,
catastrófica e irreversível. Ao comando dos médicos, o despenseiro de uma
instalação militar nas cercanias, o Hospital Lincoln, partiu às pressas e logo
retornou trazendo água quente, conhaque, cobertores e um grande
sinapismo, ou cataplasma de mostarda. Em pouco tempo os médicos
haviam coberto toda a superfície anterior do corpo de Lincoln, do pescoço à
ponta dos pés, com cataplasmas de mostarda, para mantê-lo aquecido. Em
seguida, cobriram-no até o pescoço com um lençol, cobertores e uma
colcha. Sua respiração estava regular, mas pesada, ocasionalmente
interrompida por um suspiro. Eles colocaram um guardanapo branco limpo
sobre as manchas de sangue no travesseiro. Colocaram uma cadeira baixa
próximo à cabeceira da cama, perto do rosto de Lincoln. Agora o presidente
estava pronto para que Mary o visse novamente. Leale enviou um oficial à
sala da frente para informá-la. Ela correu para o quarto e se sentou à
cabeceira do marido.
— Amor, viva pelo menos um instante para falar comigo uma vez, para
falar com nossos filhos.
Lincoln não escutou os apelos.
Ante a condição por ora estável do presidente, ou pelo menos tão
estável quanto pudesse ser a de um moribundo com uma bala no cérebro, o
dr. Leale desviou sua atenção das preocupações médicas para as práticas.
Enviou mensageiros em busca de Robert Todd Lincoln, o filho mais velho
do presidente; o cirurgião-geral Joseph K. Barnes; o cirurgião D. Willard
Bliss no Armory Square Hospital; o médico da família Lincoln, dr. Robert
King Stone; e o pastor do presidente, reverendo dr. Phineas T. Gurley.
Enviou também um despenseiro atrás de um equipamento médico especial,
uma sonda Nelaton. Havia trabalho a ser feito no interior do cérebro de
Lincoln.
O secretário da Guerra Stanton forçou caminho pelo meio da multidão,
subiu a escadaria da Estalagem Petersen e percorreu rapidamente o
corredor. Ao ver o presidente, ficou chocado. Não precisou de médicos que
viessem lhe dizer o que iria acontecer: Abraham Lincoln iria morrer, e não
havia o que se pudesse fazer para evitar. Mas ele poderia fazer uma coisa:
na ausência do presidente, ele poderia proteger e defender o país.
Stanton assumiu o comando da Estalagem Petersen e confiscou o salão
dos fundos, o que ficava mais perto do quarto, como seu escritório de
campanha. Tomou uma rápida decisão executiva. Não voltaria ao
Departamento da Guerra hoje à noite; ficaria com o presidente. A pensão
dos Petersen era agora o Departamento da Guerra. Edwin Stanton assumiu
que os assassinatos de Lincoln e Seward haviam trazido à tona uma trama
demoníaca dos confederados para acabar com a liderança do governo
nacional, reverter o veredicto do campo de batalha e, num último e
desesperado ataque, ganhar a Guerra Civil. Stanton e seus tenentes
assumiram que todos os chefes das pastas estavam marcados para morrer
hoje à noite. E um exército rebelde poderia estar avançando sobre
Washington nesse momento.
Stanton queria seu comandante-geral imediatamente de volta a
Washington e mandou os ajudantes de ordens encontrarem o general Grant.
Foi o primeiro telegrama enviado da sede interina do Departamento da
Guerra na Estalagem Petersen.
24 horas de 14 de abril de 1865
Washington D.C.
Para: general de exército Grant
No Trem Noturno para Burlington
O presidente foi traiçoeiramente atacado hoje à noite no Teatro
Ford às
22h30 e não vai sobreviver. O ferimento é um tiro de pistola
disparado contra a cabeça. O secretário Seward e seu filho Frederick
também o foram em sua residência e se encontram em condições
críticas. O secretário da Guerra requer o seu retorno imediato a
Washington. Favor responder prontamente.
Major Thomas Eckert.
Ocorreu ao subsecretário de Guerra Charles A. Dana que o general
Grant poderia estar em perigo. Os jornais noticiaram o seu comparecimento
ao Teatro Ford e talvez ele também estivesse na lista de Booth. Dana enviou
um telegrama para a Filadélfia, alertando o comandante-geral sobre
assassinos ou sabotagem na ferrovia: “Permita-me sugerir que tome cuidado
com todas as pessoas que se aproximem do senhor nos vagões ou de
qualquer outra forma; e também que a locomotiva vá à frente do trem para
proteção contra qualquer coisa que possa ser colocada nos trilhos.” Stanton
enviou guardas correndo para as casas de todos os secretários de Estado
para protegê-los do assassínio iminente, se é que já não estivessem mortos.
Deu ordem para que as unidades militares tomassem as ruas. À meia-noite,
o intendente de Guerra Meigs, que viera para a Estalagem Petersen na
carruagem com Stanton, despachou uma mensagem urgente para o general
de divisão Christopher Columbus Augur (que se assinava “C.C.” por razões
óbvias), comandante do distrito militar de Washington: “O secretário ordena
que as tropas se apresentem, a guarda seja dobrada, os fortes fiquem de
alerta, as armas estejam guarnecidas; vigilância e guarda especial para a
Prisão do Capitólio. Se o seu contingente não for suficientemente
numeroso, aconselho a pedir ajuda ao general Rucker para o suprimento de
mais guardas.” Os soldados devem manter a ordem e estar prontos para
qualquer coisa nesta noite bravia. E afastem essa multidão da rua na frente
desta casa, Stanton ordenou. Os soldados tentaram afastar dali as pessoas
persistentes que se aglomeravam cada vez mais, obstruindo a escadaria da
Estalagem Petersen.
Stanton se voltou então para a sua segunda missão, lançando uma
investigação para apurar o que acontecera no Teatro Ford e na casa dos
Seward. Ele estava determinado a apreender os criminosos. Montou em
torno da sua mesa um tribunal de inquérito formado por três integrantes —
o juiz Abram B. Olin, o advogado Britten A. Hill e o presidente do supremo
tribunal do Distrito de Columbia David K. Cartter — para interrogar as
testemunhas. O secretário de Guerra deixou claro que estava no comando.
Mais tarde, chegando ao leito de morte, o vice-presidente Johnson preferiu
ficar em segundo plano, sem se declarar. Nos dias que se seguiram, o novo
presidente deixou para Stanton a incumbência de trazer o assassino de
Lincoln e seus cúmplices à justiça.
Stanton mandou seus soldados darem caça a testemunhas do Teatro
Ford e trazê-las à sua presença. Elas falavam tão rápido que ele recrutou um
veterano do exército da União que havia perdido as pernas e morava na
vizinhança, James Tanner, para taquigrafar os depoimentos. Todas, uma
depois da outra, juravam que tinha sido Booth, John Wilkes Booth. Stanton
distribuiu ordens pelo telégrafo — seus operadores podiam enviar notícias e
ordens para o país inteiro — e em breve as linhas telegráficas de toda a
nação transmitiam a mesma frequência: o presidente e o secretário de
Estado haviam sido assassinados. Partiam mensagens do Departamento da
Guerra para Baltimore, Nova York e daí para adiante. Vasculhem os trens.
Identifiquem suspeitos. Efetuem prisões.
Stanton não tinha tempo para escrever cada ordem e telegrama
pessoalmente na mesa redonda da sala de Petersen. Logo a estrutura de
comando tomou conta quando seus subordinados de confiança emitiram
uma saraivada de instruções. Durante toda a madrugada do dia 15 de abril,
os fios do telégrafo transmitiram mensagens entre Washington e
comandantes de campo. Às 00h20, o general James A. Hardie enviou uma
ordem para a Ferrovia Militar dos EUA em Alexandria: “Há relatos de que
o assassino do presidente saiu daqui para Alexandria e de lá tomou o trem
para Fairfax. Parem todos os trens indo naquela direção. Recorra ao
comando militar em Alexandria para que sua guarda prenda todas as
pessoas no trem ou na estrada que não se identificarem. Por ordem do
secretário da Guerra.”
Em Winchester, Virginia, o general Stevenson recebeu uma mensagem
urgente sobre os trens: “Algum trem chegou a Harper’s Ferry esta
madrugada?... É possível que os assassinos tentem fugir pelo sul através das
suas linhas em algum ponto.” Num telegrama de 1 hora, Augur informou ao
general de divisão Winfield Scott Hancock, no comando da Divisão Militar
do Meio em Winchester, que não economizasse homens: “O presidente, sr.
Lincoln, sofreu um atentado no Teatro Ford... e está à beira da morte. O
secretário de Estado, sr. Seward, também foi esfaqueado em sua cama e não
há esperança de que se recupere. Não terei condições de enviar cavalaria,
conforme as suas ordens, pois desejo utilizá-la para vasculhar todo o
interior atrás dos assassinos.” Por volta da mesma hora, Augur ordenou ao
general Gamble, comandando a partir do Tribunal de Fairfax, que “leve sua
cavalaria, à luz do dia, para o rio e a espalhe em direção a Leesburg para
deter e prender todas as pessoas suspeitas; e também ao longo de toda a sua
linha, de lá até Washington”.

A 1H10 DE 15 DE ABRIL, STANTON ENVIOU UM TELEGRAMA URGENTE PARA


John Kennedy, chefe de polícia da Cidade de Nova York, pedindo-lhe que
enviasse detetives para Washington: “Envie para cá imediatamente três ou
quatro dos seus melhores detetives para investigar os fatos relativos aos
atentados contra o presidente e o secretário Seward. Eles ainda estão vivos,
mas o do presidente é um caso perdido e a situação do sr. Seward é
praticamente a mesma.”
EM ALGUM MOMENTO ENTRE MEIA-NOITE E UMA DA MANHÃ, GEORGE
Atzerodt chegou à Estalagem Pensilvânia. James Walker, um empregado
negro cuja função era “acender o fogo, carregar água e atender os
cavalheiros que viessem, cedo ou tarde”, o cumprimentou. Atzerodt estava
novamente a cavalo e mandou que Walker segurasse o animal enquanto ele
ia tomar uma bebida no bar. Ao sair do bar, ele tomou a montaria e foi
embora, mas voltou a pé por volta das 2 horas. Quis uma cama e pediu o
quarto 51, onde já se instalara antes. Walker e o estalajadeiro, John
Greenawalt, disseram-lhe que seu velho quarto estava ocupado — ele se
instalaria no 53, quarto com várias camas que teria de partilhar com outros
ocupantes. Quando George estava se encaminhando para o quarto,
Greenawalt lhe disse que voltasse:
— Atzerodt, você não fez o registro de entrada.
— Você quer o meu nome? — ele relutou em assinar o livro.
— Certo — retrucou Greenawalt.
O estalajadeiro achou estranho o comportamento do alemão. “Ele
hesitou um pouco, mas voltou atrás e se registrou, e foi para o quarto. Ele
nunca havia hesitado em se registrar.”
Depois que Atzerodt já havia se instalado em seu quarto, outro hóspede,
tenente W. R. Keim, tomou a cama em frente. Eles haviam se conhecido de
passagem, por terem compartilhado o quarto 51 uma semana ou dez dias
antes. Keim mencionou a novidade: “Eu perguntei se ele tinha ouvido falar
do assassinato do presidente, e ele disse que tinha; que fora uma coisa
horrorosa.”
A 1H30 DA MADRUGADA, STANTON ENVIOU UM TELEGRAMA PARA o
general de divisão John A. Dix em Nova York, contendo os primeiros
detalhes do atentado:
Por volta das 22h30 de ontem no Teatro Ford, o presidente, sentado em
seu camarote privado na companhia da sra. Lincoln, da srta. Harris e do
major Rathbun [sic] foi alvejado por um assassino que entrou no camarote
de súbito e se aproximou do presidente pelas costas. O assassino em
seguida saltou para o palco brandindo um enorme punhal ou faca e
conseguiu escapar pelos fundos do teatro. A bala da pistola penetrou pela
parte de trás da cabeça do presidente e quase chegou ao outro lado. O
ferimento é mortal. O presidente está insensível desde que o ferimento lhe
foi infligido e está moribundo agora.
Aproximadamente na mesma hora, um assassino (talvez o mesmo,
ou outro) adentrou a casa do sr. Seward e, a pretexto de uma receita
médica, foi levado aos aposentos de repouso do secretário, onde o
mesmo se encontrava na cama, acompanhado de um enfermeiro e da
srta. Seward.
O assassino correu para a cama e infligiu-lhe duas ou três
punhaladas na garganta e duas no rosto. Espera-se que os ferimentos
não sejam mortais; minha apreensão, contudo, é de que vão acabar se
mostrando fatais. O barulho alertou o sr. Frederick Seward que se
encontrava num quarto vizinho e se apressou em chegar à porta do
quarto do pai, onde encontrou o assassino que infligiu nele
aparentemente mais de um ferimento sério.
Há dúvidas quanto à recuperação de Frederick Seward. Não é
provável que o presidente ainda esteja vivo até o final da noite. Fora
anunciado que o general Grant e esposa estariam no teatro à noite,
mas ele partiu para Burlington às 6 horas da tarde.
Numa reunião do alto secretariado do governo, à qual o general
Grant esteve presente, foram discutidos o assunto do estado do País e
a perspectiva de paz em breve. O presidente estava alegre e
esperançoso, foi gentil ao falar do general Lee e outros da
Confederação, e a perspectiva de se estabelecer o governo na
Virginia.
Todo o gabinete da presidência, à exceção do sr. Seward, está
agora às voltas com o presidente. Eu já fui ver o sr. Seward, mas tanto
ele quanto Frederick estavam inconscientes.
Em breve o telégrafo enviaria de volta mensagens dos comandantes
militares para Stanton. Recebemos suas notícias. Estamos obedecendo às
suas ordens. John Wilkes Booth poderia estar seguindo em qualquer
direção: para Baltimore, a cidade onde Lincoln quase fora assassinado em
1861, a fim de rever velhos amigos e os lugares mais frequentados. Para
Nova York, a capital desleal do comércio americano. Ou mais para o norte,
para o Canadá, sede de operações do Serviço Secreto confederado. Booth
poderia estar em qualquer lugar. Às 2 horas, o general de divisão Halleck,
chefe do estado-maior do exército, telegrafou para o general W. W. Morris,
comandante do distrito de Baltimore: “Esta noite foram cometidos
atentados contra a vida do presidente e do secretário de Estado. Prendam
todos os que saírem de Washington hoje por qualquer estrada ou via
navegável, e mantenham essas pessoas detidas até segunda ordem.
Entrementes, informem toda e qualquer prisão efetuada.” Às 3 horas,
Stanton escreveu outro telegrama para o general Morris a partir de seu
posto na Estalagem Petersen: “Tomem imediatamente as providências para
montar guarda absoluta em todas as avenidas que levem a Baltimore, e se
possível prendam John Wilkes Booth, o assassino de Abraham Lincoln.
Favor acusar recebimento deste telegrama, informando hora et cetera.
Edwin M. Stanton, secretário da Guerra.” Antes de dar a ordem para o
mensageiro correr ao escritório do telégrafo do Departamento da Guerra, o
major Eckert acrescentou um breve postscriptum de próprio punho, dirigido
aos operadores: “Bates, Steward ou Maynard: Andem rápido com isto e
ordenem entrega imediata.” Apesar da exigência de Eckert, a mensagem
levou cinquenta e cinco minutos entre sair da mesa de Stanton na sala dos
fundos da Estalagem Petersen e chegar às mãos de Morris em Baltimore.
Ele escreveu sua resposta às 4h15: “Seu despacho recebido. Serão tomadas
medidas as mais rigorosas. Há guardas em todas as avenidas. Nenhum trem
ou barco terá permissão para partir.”
De Baltimore, o oficial comandante da polícia James L. McPhail enviou
uma ordem para B. B. Hough em Saint Inigoes, Maryland: “O presidente
foi assassinado: sr. Seward e filho também quase. Um dos assassinos, J.
Wilkes Booth, ator, se apresentou na Holliday Street faz um ano. Vinte e
cinco anos, l,73m de altura, cabelo e bigode escuros. Ele saiu de
Washington em direção aos condados de Saint Mary e Calvert. Lance mão
de todos os recursos para pegá-lo.”
Em Washington, o general Halleck, talvez exageradamente otimista,
fazia planos para prender os assassinos. Seus esforços seriam justificados,
se Booth fosse capturado, pois o exército teria de ocultá-lo com cuidado
para evitar os vingadores de Lincoln — multidões furiosas que poderiam
invadir a prisão no prédio do antigo Capitólio, caso descobrissem que ele
estava detido ali. Era arriscado demais prender Booth em qualquer lugar em
terra firme. Halleck -enviou uma ordem para o general Augur: “Caso
qualquer dos assassinos de ontem à noite seja pego, acorrente-os e leve-os
sob escolta reforçada para o comandante do Estaleiro Naval, que tem
ordens para recebê-los e confiná-los num monitor ancorado no rio.” Um
fosso d’água protegeria Booth dos washingtonianos enfurecidos.
A água era o elemento do secretário, de forma que Gideon Welles
enviou pessoalmente as instruções para o comodoro J. B. Montgomery no
Estaleiro Naval: “Se as autoridades militares prenderem o assassino do
presidente e o levarem para o estaleiro, coloquem-no num monitor e
ancorem a embarcação no rio, sob guarda reforçada a bordo, no cais e no
estaleiro. Peça guardas ao comandante do Corpo dos Fuzileiros Navais.
Mantenha a embarcação pronta para recebê-lo a qualquer hora, do dia ou da
noite, com as instruções necessárias. Ele deverá ser fortemente acorrentado
e preso, para que não fuja e não inflija nenhum mal a si mesmo.”
Dificilmente Welles iria permitir que Booth cometesse suicídio a bordo de
um dos seus navios. Somente para se assegurar, Welles também enviou uma
ordem para o coronel Zeilin, comandante do Corpo dos Fuzileiros Navais:
“Mantenha um contingente de guardas, fortes e cuidadosos, pronto para
serviço especial, se necessário.” O exército, a marinha e os fuzileiros navais
estavam prontos. Agora, tudo o que tinham a fazer era prender John Wilkes
Booth, Lewis Powell, John H. Surratt, David Herold e George Atzerodt.
Halleck passou um telegrama para o general de divisão Ord em
Richmond: “Hoje à noite foram cometidas tentativas de assassinato contra o
presidente e o secretário de Estado. Prenda todas as pessoas que entrem em
suas linhas por água ou por terra.” Mais tarde ainda no mesmo dia, o
general Grant, já de volta a Washington, enviou um telegrama para Ord
mandando que ele prendesse todos os oficiais e cirurgiões confederados em
liberdade condicional. Grant advertiu: “Deverá ser observado rigor extremo
enquanto o assassínio for a ordem do dia para os rebeldes.”
Prender todo mundo?, telegrafou de volta Ord, incrédulo. Inclusive o
general Lee e seu estado-maior? Isso seria perigoso e ainda por cima uma
tolice, advertiu Ord, podendo inclusive incitar um levante violento na antiga
capital confederada caso os soldados rebeldes e a população local viessem a
recear que o seu herói Robert E. Lee estivesse correndo algum perigo. Ord
continuou: “Se eu os prender nas atuais circunstâncias, acho que a rebelião
poderá ser retomada aqui.” Grant cedeu: “Refletindo melhor, retiro meu
despacho.”
OS MÉDICOS CONTINUARAM A DISPENSAR SEUS INÚTEIS CUIDADOS AO
presidente moribundo. Sondaram o ferimento sem o uso de proteção
alguma, de forma insalubre, enfiando os dedos mínimos no cérebro de
Lincoln. Empregaram a sonda Nelaton para localizar a bala com vistas a
uma possível extração, como se isso pudesse ajudar o presidente. Verteram
um pouco de conhaque na boca do paciente para ver se ele conseguia reter e
engolir. O experimento desnecessário detonou em Lincoln um espasmo de
tosse que quase o matou engasgado. Os médicos ali reunidos acabaram por
abrir mão de tanto desperdício e se contentaram em simplesmente observar,
monitorando os sinais vitais de Lincoln. O dr. Ezra Abbott, um dos doze
médicos que acudiram ao leito de morte de Lincoln, anotava o pulso e a
respiração do presidente.
Emocionado, o dr. Leale tomou a mão do presidente: “Saber que é
frequente, pouco antes da partida, o retorno do reconhecimento e da razão
para aqueles que estiveram inconscientes me fez segurar a mão direita do
presidente com firmeza durante horas a fio para que ele, em seu desalento,
soubesse, se possível, que estava em contato com a humanidade e que tinha
um amigo.”
ENQUANTO LINCOLN AINDA VIVIA TEVE INÍCIO A CAÇADA HUMANA.
Soldados e detetives acorreram ao quarto de Booth, de número 228, no
National Hotel. Obviamente, Booth não estava, mas eles vasculharam sua
mala e descobriram uma carta incrível e misteriosa, com uma simples
assinatura dizendo “Sam”, que apontava para uma grande conspiração
contra o governo.
A vários quarteirões do National, poucas horas após o assassinato, um
grupo invadia a pensão de Mary Surratt. Na balbúrdia das ruas próximas ao
Teatro Ford e à Estalagem Petersen, ao menos um informante anônimo
divulgava que John Wilkes Booth e John H. Surratt Jr. eram amigos
íntimos, e que a pensão da sra. Surratt ficava a apenas alguns quarteirões
dali. Lewis J. Weichmann, pensionista e amigo de escola de John Surratt,
foi o primeiro a responder à chegada da patrulha.
“Ouvi a campainha da porta da frente tocar com muita violência.”
Weichmann vestiu correndo uma calça e foi até lá para atender. Sem abrir a
porta, ele falou com o visitante do outro lado.
— Quem é?
— Detetives — foi a resposta. — Viemos revistar a casa atrás de John
Wilkes Booth e John Surratt.
— Eles não estão — respondeu Weichmann.
— Deixe-nos entrar, de qualquer forma. — Eles queriam revistar a casa.
Weichmann se afastou e foi bater à porta do quarto de dormir de Mary
Surratt no primeiro andar.
— Sra. Surratt, estão aí uns detetives que vieram revistar a casa.
— Pelo amor de Deus! Deixe-os entrar. Eu esperava mesmo que a casa
fosse revistada.
Weichmann voltou para o hall da frente e destrancou a porta.
John Clarvoe, James A. McDevitt, Daniel R. P. Bigley e John F. Kelly
entraram na casa. Weichmann recordou: “Eles exploraram a casa de alto a
baixo, foram aos quartos ocupados pelas moças e procuraram saber quem
elas eram.”
Quando os detetives chegaram ao quarto de Weichmann, ele perguntou:
— Senhores, qual é o problema? O que significa esta revista à casa?
Clarvoe explicou:
— O senhor finge que não sabe o que aconteceu?
Weichmann disse que não.
— Então eu vou lhe dizer. John Wilkes Booth deu um tiro no presidente
e John Surratt cometeu um atentado contra o secretário de Estado.
— Meu Deus! Agora eu entendo — desabafou Weichmann.
Ele contou aos detetives que John Surratt estava no Canadá e ofereceu-
se para fazer o que estivesse ao seu alcance para ajudar na investigação.
Quando Clarvoe perguntou a Mary onde estava o seu filho, ela disse que
não sabia. Ante a descrença que ele demonstrou, ela redarguiu que, nesta
guerra, muitas mães não sabiam onde estavam seus filhos.
Weichmann perguntou a McDevitt como eles haviam chegado à sra.
Surratt em tão pouco tempo após o assassinato. O detetive falou que um
homem na rua dissera:
— Se você quiser saber tudo sobre esse negócio, vá à casa da sra.
Surratt na rua H.
De onde os detetives não poderiam ouvi-la, Anna Surratt revelou seu
temor.
— Oh, mãe, o sr. Weichmann está certo. Pense só naquele homem aqui
uma hora antes do assassinato. Receio que isso vá atrair suspeitas a nosso
respeito.
Mary retrucou:
— Anna, haja o que houver, estou resignada. Acho que J. Wilkes Booth
foi apenas um instrumento nas mãos do Todo-Poderoso para punir esse
povo permissivo e orgulhoso.
Depois que os detetives foram embora, Weichmann voltou para o seu
quarto e não conseguiu mais dormir a noite inteira.
À mesa do desjejum com as Surratt na manhã seguinte, Weichmann
lamentou o assassinato e sugeriu que as várias visitas de Booth à casa delas
pudessem provocar uma investigação oficial. Anna Surratt o interrompeu,
dizendo que a morte de Lincoln “não era pior do que a morte do pior negro
do exército”. Weichmann discordou. “Eu lhe disse que, na minha opinião,
ela iria acabar mudando de ideia.”
DURANTE TODA A NOITE E ATÉ O INÍCIO DA MANHÃ, MARY LINCOLN FEZ
peregrinações regulares da sala da frente até o pé do leito do marido. Por
volta das 3 horas da madrugada, estando ela sentada ao lado dele, o
presidente emitiu um som alto, horrível, e arfou. Assustada, Mary
exclamou:
— Que o meu pequeno Taddy possa ver o pai antes que ele morra!
Em seguida, conforme uma testemunha, “ela se levantou de repente
com um grito lancinante e caiu desmaiada no chão”. Stanton, nervoso com
o grito (e temendo que o presidente tivesse acabado de falecer), veio
correndo do quarto adjacente e, com os braços erguidos, gritou:
— Levem essa mulher para fora e não a deixem entrar novamente.
Ela não merecia essa crueldade. Mas não fez diferença: Stanton foi
obedecido. Stanton voltou para a sala dos fundos e rascunhou mais um
telegrama:
Cidade de Washington,
N°458 da rua 10, 15 de abril de 1865 — 3 horas General de
divisão Dix:
Nova York,
O presidente ainda respira, mas se encontra inconsciente, como
esteve desde que foi alvejado. Evidentemente, ele não viu a pessoa que
o alvejou pois estava olhando para o palco e foi abordado por trás.
O sr. Seward se reanimou e há esperanças de que sobreviva.
Frederick Seward se encontra em condições críticas. O criado que
estava presente foi esfaqueado pelas costas, tendo sido atingido nos
pulmões, e há poucas esperanças de que sobreviva. Os ferimentos do
major Seward não são sérios. A investigação só indica J. Wilkes Booth
como o assassino do presidente. Se foi a mesma pessoa que tentou
matar o sr. Seward, isso ainda não se sabe. O presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, juiz Cartter, está se empenhando para recolher
provas. Todas as providências foram tomadas para evitar a fuga do
assassino. Seu cavalo foi encontrado na estrada, nas proximidades de
Washington.
Edwin M. Stanton
Secretário da Guerra
Stanton pegou uma folha de papel em branco e escreveu outro
telegrama.
Departamento da Guerra
Washington, 15 de abril de 1865 — 3 horas
General de brigada Morris
Comando do Distrito de Baltimore:
Tome as providências imediatas para guarda total de cada avenida
de acesso a Baltimore, e se possível prenda J. Wilkes Booth, o
assassino do presidente Lincoln. Confirme recebimento deste
telegrama, informando hora et cetera.
Edwin M. Stanton
Secretário da Guerra
Booth precisava de um amigo na estrada solitária saindo de Surrattsville
rumo ao sul. Após cavalgar metade da noite, ele e David Herold estavam
perto do seu destino — uma fazenda isolada no Condado de Charles,
Maryland, alguns quilômetros ao norte de um vilarejo chamado Bryantown.
Um habitante dali que não conhecesse bem aquela região pouco habitada da
cidade, cavalgando na escuridão que precedia a alvorada daquele 15 de
abril, teria continuado pela estrada sem encontrar a entrada de acesso à
casa, mas Booth esporeou a montaria com toda a confiança e encontrou o
caminho, conduzindo Davey até a bela e sólida construção de dois andares
que se destacava numa pálida luz branca à distância. Booth reconheceu de
imediato seu santuário. Já estivera aqui antes.
Eram 4 horas, menos de seis horas depois de Booth ter atirado no
presidente e, na companhia de David Herold, os dois não tinham visto
vivalma ao longo de vários quilômetros. Isso era auspicioso para um
homem que, em poucas horas, seria amaldiçoado pelos jornais matutinos
como o mais procurado de toda a América. Eles poderiam descansar aqui, o
assassino assegurou ao seu fiel companheiro. Não seria como o apressado
interlúdio de apenas cinco minutos na taverna dos Surratt, que ficava perto
demais de Washington e de possíveis perseguidores. Aqui, mais ao sul, e
nas altas madrugadas desse rincão afastado, eles poderiam tardar, descansar,
comer e até dormir. E Booth poderia conseguir atendimento médico para
sua perna dolorida, padecendo do que ele agora tinha a certeza de ser um
osso quebrado. Ele também precisava recobrar as forças, depois de ficar
acordado quase vinte e quatro horas. Estava exausto e seu corpo cansado
doía das cinco horas no lombo de um cavalo.
A essa altura, o Departamento da Guerra já havia expandido a busca
para além das vizinhanças de Washington, amealhando caçadores de
cabeças em locais distantes como Delaware e Pensilvânia. Em Wilmington,
o oficial comandante, general de brigada J. R. Kenly, recebeu este
telegrama: “J. Wilkes Booth, ator de tragédias, é o assassino do sr. Lincoln.
Nenhum trem poderá sair desta cidade. Faça o máximo para preservar a
ordem e mantenha vigilância constante para encontrar Booth. Comunique
suas ações.” Na Filadélfia, o general de divisão George Cadwalader foi
advertido por Halleck: “Agora à noite foram cometidos atentados contra a
vida do presidente e do secretário de Estado. Prenda todos os que saírem de
Washington hoje e mantenha essas pessoas detidas até segunda ordem.”
Mais perto de Washington, o general Augur mandou que o general J. P.
Slough, governador militar de Alexandria, Virginia, fosse tomar parte na
caçada: “Não há dúvida de que o assassino do presidente é o ator J. Wilkes
Booth. O outro envolvido é um homem bastante robusto, de rosto liso. É
melhor enviar um esquadrão na direção do Occoquan para interceptar
qualquer coisa que cruzar o rio. Os pescadores das redondezas precisam ser
informados e devem ser mantidos em alerta.” Slough cumpriu as ordens em
menos de uma hora: “Todas as ordens recebidas da sua parte durante a noite
foram obedecidas, exceto a de enviar cavalaria na direção do Occoquan, o
que será feito assim que seja reunida quantidade suficiente de pessoal. O rio
e as praias desde Alexandria até Washington estão abundantemente
patrulhados e todos estão ativos e vigilantes. Um rebocador em breve
começará a notificar os pesqueiros.” Augur enfatizou a importância do rio
numa segunda ordem para Slough: “É possível que os envolvidos tenham
cruzado o rio. Patrulhe o rio. Intercepte todas as embarcações. Não deixe
ninguém passar pelo rio, a menos que seja assunto de nosso conhecimento.”
Booth e Herold saíram da estrada principal e foram até a casa da
fazenda, menos de quinhentos metros adiante. O ar úmido da noite
primaveril estava parado, assombrosamente silencioso. Nenhum latido de
cachorro avisou da chegada deles, e o ritmo lento e tranquilo dos cascos dos
cavalos não conseguiu despertar nenhum dos seis ocupantes — um homem
e uma mulher com seus quatro filhos pequenos — nem os três empregados
que dormiam em dependências próximas.
Herold apeou, entregou as rédeas para Booth e caminhou na direção da
casa. O assassino permaneceu em sua sela, alerta a quaisquer sinais de
perigo. Não havia luz de lamparina vazando da janela para o quintal da
frente. Davey teria de acordar as pessoas no interior da casa. Ele bateu à
porta da frente e prestou atenção para ver se ouvia sinais de vida. Nada.
Ninguém respondeu. Bateu com mais força e, depois, voltou para perto de
Booth. Desta vez, as batidas penetraram a sólida barreira, ecoando em todos
os cinco cômodos do primeiro pavimento e atiçando os ouvidos do casal
que dormia no quarto dos fundos.
A pancadaria assustou o fazendeiro: “Fiquei bastante alarmado com
aquilo, com medo de ser alguém que tivesse vindo com intenções não muito
boas”, ou pelo menos assim ele alegou mais tarde. Levantou-se da cama e,
sem acender nenhuma vela ou lamparina a óleo que pudesse entregá-lo,
encaminhou-se até a porta da frente.
— Quem está aí? — perguntou à pessoa lá fora. Dois desconhecidos,
retrucou uma voz de rapaz, chegados do Condado de St. Mary e a caminho
de Washington. Um dos cavalos caíra, alegou o homem, jogando ao chão o
cavaleiro, que quebrara a perna. Hesitante, o fazendeiro espiou pela janela
e, satisfeito com a explicação, destrancou a porta.
No jardim da frente da casa, ele encontrou dois homens parados a uns
vinte passos de distância, embaixo de um cedro, “um montado num cavalo
conduzido pelo outro que amarrara a própria montaria a uma árvore
próxima”. John Wilkes Booth viu a porta se abrir e o homem se aproximar.
O assassino o olhou desconfiado até que a figura se aproximou, e logo
relaxou ao reconhecer um rosto familiar. O fazendeiro ajudou Booth a
desmontar, escorando-o quando o peso do corpo do fugitivo se apoiou sobre
a perna dolorida. Os dois pés tocaram o chão. Exausto, contorcendo-se de
dor, porém aliviado e grato, Booth recebeu cambaleando o abraço do dr.
Samuel A. Mudd.
Ele foi até a escada de acesso à casa claudicando ao lado do doutor, que
o ajudou a subir e entrar. Davey ficou do lado de fora, propondo-se a cuidar
dos cavalos até que eles pudessem ser levados para um estábulo. Mudd
acordou Frank Washington, seu ajudante contratado “de cor” — a
emancipação havia-lhe roubado os escravos meses antes —, e mandou que
ele colocasse os animais no estábulo. Em questão de minutos, Herold
também entrou na casa. O doutor não conhecia Herold, nunca o vira antes,
apenas o seu senhor.
A SUCESSÃO DE EVENTOS QUE LEVARAM JOHN WILKES BOOTH À PORTA DO
dr. Samuel A. Mudd na véspera de raiar o dia 15 de abril de 1865 começara
seis meses antes na distante cidade canadense de Montreal. Em fins de
1864, Booth tomara suas providências para consumar um fantástico
esquema de sequestrar o presidente Lincoln. Tentou recrutar conspiradores
na inconfidente e aguerrida cidade de Nova York, um reduto de
Copperheads1 que Walt Whitman descreveu como corrompido pela
“essência da roubalheira, das drogas, da velhacaria, e gangrenado pela
prostituição”. Naturalmente, Booth conhecia bem a cidade. Nova York era a
capital nacional da dramaturgia americana e ele se dava intimamente com
seus interlocutores — atores, agentes e funcionários, e os próprios teatros
em si — e com as fãs, que os serviam.
Ao norte de Nova York ficava o Canadá, fundamental base de operações
para o Serviço Secreto Confederado. Em Montreal, ninhos de agentes
rebeldes armados de planos e ouro se ocupavam em fomentar conspirações
contra a União. A promessa de ajuda e ânimo atraiu Booth para o lado de lá
da fronteira. Porém, mais do que dinheiro, o ator queria contatos. Queria
aproveitar a rede de operativos e estafetas confederados montada desde
Washington até Richmond, e além. Ele e seu pequeno bando conseguiriam
pegar Lincoln; mas sequestrar o presidente não bastaria. Seria preciso tirá-
lo de Washington. E para carregar Lincoln a cavalo ou de carruagem até
Richmond, cerca de 150 quilômetros ao sul, Booth necessitaria de ajuda:
nada menos do que uma versão rebelde da detestada “ferrovia clandestina”
que transportava escravos fugidos para a liberdade no norte. Mas a ferrovia
de Booth funcionaria ao contrário, levando para o sul o tirano que ousara
libertar os escravos. Para executar esse ousado plano de sequestro do
presidente, Booth precisava de leais agentes confederados e refúgios
seguros localizados em pontos estratégicos ao longo do caminho.
Em outubro de 1864, lançou-se ao norte, para o Canadá, a fim de
encontrar agentes confederados que lhe pudessem assegurar o sucesso da
empreitada. Em 18 de outubro, registrou-se no hotel St. Lawrence Hall. Ao
longo das nove noites que passou na cidade, ele se reuniu secretamente com
diversos rebeldes, dentre os quais destaca-se Patrick Charles Martin. Afeito
a superar obstáculos, Martin já comerciara com bebidas alcoólicas em
Baltimore, cidade que Booth conhecia bem e onde em breve iria recrutar
sua gente. O ator confiara a Martin seus figurinos, propriedade
extremamente valiosa numa época em que as grandes figuras do palco
viajavam com baús sobrecarregados de fabulosas fantasias feitas por
encomenda. Booth mandou seus figurinos de navio para o sul. Depois de
sequestrar Lincoln, dificilmente poderia voltar ao Norte para recuperar suas
ferramentas profissionais de trabalho. Martin concordou em cuidar do
assunto.
E também prestou um serviço infinitamente mais valioso: deu-lhe os
nomes de dois proeminentes moradores do Condado de Charles, Maryland,
que poderiam ajudá-lo a executar seu plano. Melhor até, Martin ofereceu-se
para escrever cartas de apresentação afiançando a dedicação do ator à
Confederação e pedindo ajuda. Antes de John Wilkes Booth partir de
Montreal para a cidade de Nova York em 27 de outubro de 1864, Patrick
Martin deu- lhe duas cartas, uma endereçada ao dr. William Queen e a outra
ao dr. Samuel A. Mudd.
Mudd estava com 32 anos de idade e frequentara a Faculdade de
Georgetown. Diplomou-se em medicina pela Universidade de Maryland em
1858. Ele e a esposa Sarah Frances, então com 30 anos de idade, viviam
numa fazenda de 88 hectares com os quatro filhos, três meninos e uma
menina, com idades variando entre um e seis anos. Em 1859, ele construiu
na fazenda uma bela casa nova e levava uma vida de médico-fazendeiro.
Era contra a União, contra os negros, e proprietário de onze escravos antes
da emancipação os libertar.
Em 9 de novembro, Booth estava de volta a Washington em seu covil
primordial, o National Hotel. Dois dias depois, ansioso por fazer contato
com as pessoas indicadas por Patrick Martin, tomou uma diligência para a
Taverna de Bryantown no Condado de Charles, Maryland. Combinação de
salão, estalagem e agência dos correios — nada diferente da Taverna dos
Surratt — o estabelecimento era conhecido entre operativos e simpatizantes
confederados como guarida confiável e local para troca de informações.
Para os curiosos, o ator explicava a viagem como mera procura de imóveis
para comprar por especulação. Sabia-se de seu gosto por investimentos
especulativos nos campos de petróleo da Pensilvânia, de forma que era
crível quando se fazia passar por investidor imobiliário. Ele logo encontrou
o dr. Queen e passou a noite de 12 de novembro em sua fazenda.
Booth falou a Queen da trama do sequestro e o doutor concordou em
ajudar. O condado inteiro era contra Lincoln — na eleição presidencial de
1860, Abraham Lincoln conseguiu seis votos de um total de 1.197 apurados
— e abrigava diversos agentes, operativos e estafetas confederados. Queen
assegurou a Booth que não teria dificuldade alguma em identificar aqueles
que se solidarizariam com seu plano. E na manhã seguinte, na igreja,
apresentaria Booth a um deles, o dr. Samuel A. Mudd. Entrementes, Queen
precisaria avisar ao dr. Mudd que não deixasse de comparecer à missa na
Igreja Católica de St. Mary, sua paróquia, em vez de ir à igreja de St. Peter,
que Mudd costumava frequentar.
A família Queen levou Booth para a igreja na manhã de domingo, 13 de
novembro de 1864, e John C. Thompson, genro do dr. Queen, fez a fatídica
apresentação de Booth ao dr. Mudd. No dia seguinte, Booth voltou de
diligência para Washington e se alojou no National.
Em 17 de novembro de 1864, Booth voltou ao Condado de Charles para
visitar seus novos amigos e conhecer mais um. Passou a noite na casa do dr.
Queen e na manhã seguinte foi à igreja com a família. O dr. Mudd apareceu
novamente na igreja de St. Mary. Booth acrescentaria elementos à sua
trama. Agora, além de procurar terras para comprar, ele disse que desejava
comprar um cavalo. Essa parte de sua história, de fato, era verdade —
Booth precisaria mesmo de cavalos para o bando que pretendia montar com
vistas a executar o sequestro. Ele bem poderia comprar montarias em
Washington com toda a facilidade, mas procurá-las no Condado de Charles
dava-lhe a desculpa para viajar a Bryantown. Samuel Mudd estava satisfeito
de poder oferecer ajuda. Depois da igreja, Booth foi para casa com o doutor
e passou a noite de 18 de dezembro em sua fazenda. No dia seguinte, Mudd
apresentou o hóspede a um dos seus vizinhos, George Gardiner, que lhe
vendeu um peculiar cavalo caolho. Na Taverna de Bryantown, Mudd
também apresentou Booth a um amigo muito mais importante — o
proeminente operativo confederado Thomas Harbin. O trabalho de Harbin
seria ajudar Booth depois que o sequestrador e sua recompensa
continuassem rumo ao sul, de passagem pelo Condado de Charles,
chegando ao baixo Potomac para fazer a travessia. Harbin aderiu à
conspiração e, no dia 22 de dezembro, Booth voltou para Washington
montado no cavalo caolho.
O dr. Mudd servira bem aos propósitos de Booth no Condado de
Charles mas agora o ator precisava de sua ajuda em Washington. Um
estafeta confederado de nome John H. Surratt Jr. operava a partir da casa de
cômodos de sua mãe na rua H e da taverna da família em Surrattsville,
Maryland, localizada a menos de vinte quilômetros ao sul de Washington e
num ponto estrategicamente situado bem na provável rota de fuga de Booth.
O ator então pediu que Mudd viesse à capital em 23 de dezembro e o
apresentou a Surratt. Mudd concordou e foi visitar Booth no National Hotel
no dia seguinte. Os dois caminharam juntos até a pensão de Mary Surratt,
mas, antes de lá chegarem, Mudd avistou John Surratt e outro homem vindo
em sua direção na rua 7. Mudd apresentou Booth a Surratt e o ator convidou
todos — Mudd, Surratt e Louis Weichmann, amigo de Surratt e pensionista
na casa da rua H — para o seu quarto no National para tomarem uns
drinques e participarem de uma conversa particular. Booth recrutou Surratt
para a conspiração e em breve se tornou frequentador assíduo da rua H,
onde fez amizade com a mãe de Surratt, a viúva Mary, e a sugestionável
irmã do rapaz, Anna.
Tendo feito seu trabalho, Samuel Mudd retornou à sua fazenda pouco
antes do Natal de 1864 e ficou aguardando notícias de Booth, que jamais
chegaram. A segunda posse de Lincoln veio e se foi em 4 de março de
1865, Richmond caiu em 3 de abril e Lee se rendeu em 9 de abril, mas o dr.
Mudd não voltou a ver Booth. Sim, Booth enviou bebida e suprimentos
para esconder na fazenda de Mudd até que chegasse o dia, mas o dia nunca
chegou e Booth jamais voltou a procurá-los. Considerados os desastrosos
eventos de abril de 1865, Mudd assumiu que a vitória da União teria
subjugado Booth e que o ator decerto abandonara sua trama para sequestrar
o presidente.
AGORA, QUATRO MESES MAIS TARDE, BOOTH ESTAVA DE VOLTA, EMBORA O
doutor, parado ali na escuridão do quintal da frente de sua casa, ainda não
soubesse. Uma vez lá dentro, Mudd orientou o sumido a se sentar no canapé
estofado da sala da frente. Booth se sentou, girou o corpo cansado e
imediatamente se deitou sobre o tecido macio e aconchegante. Mudd
acendeu um fósforo. A minúscula fonte de luz permitiu-lhe distinguir
apenas uma vaga silhueta humana deitada no sofá. Mudd acendeu uma
lamparina a óleo e girou a torneirinha para aumentar a chama de forma a
poder fazer um exame adequado do seu novo paciente. Seus olhares se
cruzaram em mútuo reconhecimento e, num instante, o médico identificou o
homem que jazia ali deitado à sua frente. Como poderia deixar de
reconhecer a vasta cabeleira negra, a compleição lustrosa, o bigode
marcante e a aparência impressionantemente bela, traços tão familiares do
grande astro da ribalta? Mas ficou intrigado com o que Booth poderia estar
fazendo aqui, no meio da noite? Booth não viu razão alguma para lhe dizer,
pelo menos agora. Então, diferentemente do que fez na taverna dos Surratt,
onde horas antes se vangloriara promiscuamente para John Lloyd, desta vez
o assassino ficou de boca fechada.
Antes de fazer um exame e dar algum tratamento, Mudd teria de retirar
a bota alta de montaria que Booth trazia calçada no pé esquerdo. Booth não
estava em condições de fazê-lo. Mudd se postou numa das extremidades do
canapé, pegou com força o solado da bota e puxou-a. Booth trincou os
dentes de dor. A bota não cedeu. Mudd tentou fazer o cano de couro
flexível passar pelo calcanhar de Booth mexendo-a de um lado para o outro
mas a bota estava apertada, como se colada ao pé. E, de uma certa forma,
estava. O ferimento fizera inchar os tecidos, criando uma selagem tal que
não se romperia sem infligir muita dor ao paciente, podendo até aumentar o
dano causado.
Mudd foi buscar um bisturi cirúrgico e voltou com a polida lâmina de
aço reluzindo sob a luz amarela da chama da lamparina. Já que não
conseguia tirar a bota, iria cortá-la. O médico abriu uma incisão
longitudinal de quinze centímetros na parte próxima do calcanhar, cuidando
para não fazê-la funda demais de forma a evitar cortar a pele menos
resistente do paciente. Colocou o instrumento de lado, tornou a segurar a
bota com firmeza e puxou devagar. Desta vez ela cedeu. Ele a jogou no
chão, tirou a meia de Booth, levantou a perna da calça até a panturrilha e
começou o exame.
David Herold o interrompeu e lhe disse que eles estavam com pressa.
“O amigo dele me pediu que cuidasse rapidamente da perna dele pois os
dois queriam chegar logo em Washington”, observou Mudd. O médico
passou os dedos pela panturrilha, tornozelo e pé, procurando sentir o osso
por baixo dos músculos, tendões e tecidos de Booth. Rapidamente ele
encontrou a fíbula quebrada perto do calcanhar. O diagnóstico era
elementar: Mudd informou a Booth que ele havia sofrido uma “‘fratura
direta’ — um osso quebrado cerca de cinco centímetros acima da
articulação do tornozelo”. O médico “não o considerava um ferimento
peculiarmente perigoso ou doloroso”, assegurando ao paciente que “não
encontrara fratura alguma no osso adjacente... não havendo o que pudesse
indicar uma fratura composta”.
E sim, poderia tratar do ferimento, mas não possuía talas para ossos
fraturados e improvisou. Saiu atrás de uma velha chapeleira. “Eu não tinha
papelão adequado para fazer talas... [então] peguei um pedaço da chapeleira
e parti ao meio, dobrei-o em ângulos retos e peguei um pouco de pasta e fiz
uma tala.” O dr. Mudd concluiu o trabalho em três quartos de hora.
Eram mais ou menos cinco horas da madrugada. Booth sabia que
deveria partir. Se as tropas federais tivessem a sorte de captar sua pista,
poderiam capturá-lo na casa do dr. Mudd com os primeiros raios de sol.
David Herold soltou a língua mais uma vez. Se Booth não podia cavalgar,
ponderou ele, talvez o dr. Mudd pudesse ajudá-los a encontrar outro meio
de transporte? “[Herold] perguntou se eles não poderiam chegar a um ponto
no Potomac onde pudessem pegar um barco para Washington.” Booth
ponderou as opções que tinha. Sim, poderia continuar cavalgando, porém,
quanto mais ele e os cavalos iriam aguentar, levando em conta as condições
em que se encontravam, e até onde conseguiriam correr sem se deixar
abater? E os primeiros raios de sol exporiam o assassino a grandes perigos
na estrada aberta. Satisfeito com o fato de que ninguém na estância de
Mudd — inclusive o próprio médico — sabia do assassinato ainda, Booth
calculou seu próximo passo. O assassino sabia que ainda viajava adiante da
notícia, mas também sabia que em breve a notícia se espalharia e o
ultrapassaria, tornando as horas do dia inseguras para o seu deslocamento.
Booth ponderou os riscos e preferiu o santuário. Ninguém no mundo
sabia que ele tinha ido parar no dr. Mudd esta noite. Ele próprio não sabia
que iria parar lá até que atirou em Lincoln e quebrou a perna. Seria melhor
se esconder e arriscar a ser descoberto ali do que pego em campo aberto ao
nascer do sol. Passariam as poucas horas que ainda restavam da noite na
fazenda, ali descansariam até a noite de sábado, 15 de abril, e mais uma vez
sumiriam na calada da noite.
Mudd convidou Booth e Herold a ficarem na casa, falando-lhes de
camas confortáveis e colchões macios enquanto os conduzia à escada no
hall da frente. Booth segurou-se no corrimão com força para se apoiar
enquanto o médico o ajudava a subir para o segundo andar. Mudd lhes
ofereceu um quarto conjunto, deu-lhes boa noite e desceu de volta para o
lado da esposa no seu quarto. Os homens iriam passar a noite ali, informou-
lhe. Sem sabê-lo, Mudd acabara de estender sua hospitalidade ao assassino
de Lincoln e seu cúmplice. Foi lá fora, passeou pelas instalações da fazenda
dando instruções para o dia de trabalho aos funcionários e voltou para a
cama.
Tendo seu segredo salvaguardado dos Mudd e seu paradeiro
desconhecido dos caçadores de cabeças, Davey e Booth desabaram na
cama. Ao cair no sono, Booth ainda não sabia se o plano geral obtivera
êxito ou fracasso. Será que George Atzerodt e Lewis Powell conseguiram
dar cabo de suas missões e assassinaram o vice-presidente Johnson e o
secretário de Estado Seward? E quanto ao presidente — teria ele matado
Abraham Lincoln ou o tirano ainda estaria vivo?
Enquanto Booth dormia, a primeira patrulha de cavalaria partia de
Washington para o sul, em direção a Piscataway, Maryland. Em breve esse
contingente da 13a Cavalaria de Nova York, sob o comando do tenente
David Dana, estaria passando perto da fazenda do dr. Mudd. Booth tinha
cerca de sete horas.

________________
1 Copperhead — nortista simpatizante do Sul na Guerra de Secessão.
(N. do T.)
CAPÍTULO 5 Encontrem os assassinos
ABRAHAM LINCOLN NÃO FOI MAIS ACOMETIDO POR SONHOS EM SEU último
e profundo sono na Estalagem Petersen. Seu cérebro estava morto, além do
alcance de quaisquer imaginários noturnos. Sua alma em breve embarcaria
na jornada que tantas vezes ele empreendera em seu sonho recorrente de
outrora. Em breve Lincoln viajaria para muito mais longe do que jamais
viajara antes, atingindo finalmente a costa indistinta que, para ele, antevia a
chegada de grandes eventos.
Por volta das 4 horas da madrugada, Edwin Stanton tinha certeza de
estar lidando com uma conspiração. Dentre as provas recolhidas no quarto
de Booth no National Hotel havia uma carta misteriosa que parecia predizer
o assassinato.

Hookstown, Condado de Balto 27 de março de 1865.


Caro John:
Os negócios foram tão importantes que você não pôde ficar em
Balto até que eu fosse vê-lo. Vim assim que pude, mas vi que você
havia partido para W n. Fui ver Mike, mas a mãe dele me disse que ele
havia saído com você e não voltara. Concluí, portanto, que ele foi com
você. Que falta de consideração a sua! Quando eu fui embora, você
disse que não nos veríamos pelo prazo de mais ou menos um mês.
Assim, me candidatei a um emprego e espero resposta ainda esta
semana. Eu falei para os meus pais que não estou mais com você. Será
que, nas atuais circunstâncias, eu posso ir conforme você solicita?
Você sabe muito bem que o G____t suspeita de que algo esteja
acontecendo por lá. A empreitada, portanto, está ficando mais
complicada. Por que não desistir por ora, devido a várias razões que,
se considerar bem, você vai ver, sem que eu precise mencionar. Nem
você nem ninguém pode me censurar pelo caminho que escolhi. Você
foi a causa, pois como poderei vir depois de lhes dizer que deixei
você? Minha família inteira agora suspeita de mim, e até outros
espalhados por aí. Serei forçado a sair de casa, quando ou como eu
não me importo. Ninguém, absolutamente ninguém era mais a favor
da empreitada do que eu, e estaria lá hoje se você não tivesse feito do
jeito que fez — quero dizer, a sua maneira de proceder. Estou, como
você bem o sabe, necessitado. Estou, pode-se dizer, aos frangalhos,
embora hoje devesse estar bem vestido. Não acho direito espreitar à
soberba, e mais na aparência um mendigo. Sinto a minha
dependência, mas mesmo tudo isso seria e já foi esquecido, pois eu
estava inteiro com você. Tempo mais propício ainda há de chegar. Não
aja precipitada ou apressadamente. Eu preferiria que você pedisse
primeiro: “vejamos como vai ser recebido em R____d”, e aí eu estarei
mais preparado para estar com você. Não gosto de escrever e
preferiria dar a conhecer minhas opiniões verbalmente. Entretanto, o
fato de você não escrever me leva a fazê-lo. Não faça mau uso disto
quando estiver com raiva. Pondere tudo o que eu disse e, como homem
racional e AMIGO, você não poderá censurar ou reprovar minha
conduta. Eu confio sinceramente que isso ou qualquer outra coisa que
venha a acontecer não virá a se constituir num obstáculo ou obliterar
nossa amizade e proximidade. Escreva para mim em Balto pois espero
estar por lá na quarta ou quinta-feira. Ou se você puder vir, irei
encontrá-lo em Balto na terça. Em B____, assina
O seu amigo,
Sam.
A descoberta dessa carta, que Booth descuidadamente — ou
propositadamente, dada a incriminadora carta dele para o National
Intelligencer — deixou de destruir, foi um desdobramento impressionante.
Stanton se deu conta de que ela transbordava de pistas: Booth tinha pelo
menos dois conspiradores chamados “Sam” e “Mike”; Sam estava em
Baltimore; o assassinato fora premeditado, planejado antes de 27 de março;
e a Confederação poderia estar envolvida. O que mais poderia querer dizer
“vejamos como vai ser recebido em Richmond”?
O Daily Morning Chronicle, um dos principais jornais de Washington,
descreveu o início frenético da caçada humana:
Tão logo o horrível evento foi divulgado pelas ruas, o
superintendente Richards e seus assistentes se empenharam em
descobrir os assassinos. Em poucos instantes, o telégrafo avisara a...
força policial da cidade... Foram tomadas todas as medidas de
precaução para preservar a ordem na cidade e todas as ruas foram
patrulhadas. Ante a solicitação do sr. Richards, o general Augur
enviou cavalos para montar a polícia. Todas as estradas saindo de
Washington foram cercadas e toda possível rota de fuga interceptada
pela guarda. Todos os vapores ao longo do Potomac foram proibidos
de zarpar.
Como se suspeita que esta conspiração tenha se originado em
Maryland, o telégrafo enviou as pesarosas notícias para Baltimore e
toda a cavalaria foi imediatamente colocada de plantão. Toda as
estradas foram cercadas e todas as precauções tomadas para evitar a
fuga dos assassinos.
Stanton enviou outro telegrama para o general Dix contando-lhe das
novas evidências e dando-lhe as últimas notícias sobre as condições de
Lincoln:
Cidade de Washington,
N° 458 da rua 10, 15 de abril de 1865 — 4h10
General de divisão Dix:
O presidente continua inconsciente e está piorando. O secretário
Seward continua sem alterações. O crânio de Frederick Seward está
fraturado em dois lugares além de um corte sério na cabeça. O
serviçal está vivo mas não há esperanças. Os ferimentos do major
Seward não são perigosos.
Já se apurou com razoável certeza que dois assassinos estavam
engajados no horrível crime, Wilkes Booth sendo o que atirou no
presidente e o outro é um companheiro seu cujo nome não se sabe mas
cuja descrição é tão clara que ele dificilmente escapará. A partir de
uma carta encontrada no baú de Booth, parece que o assassinato foi
planejado antes do dia 4 de março mas não deu certo na ocasião
porque o cúmplice recuou até receber notícias de Richmond. Booth e
seu cúmplice estiveram na estrebaria às 6 horas da tarde e saíram de
lá com o cavalo por volta das 10, ou pouco antes. Parece que vinham
procurando uma chance já havia alguns dias, mas por qualquer razão,
que não se sabe qual, só levaram a cabo ontem à noite. Há evidências
de que um dos dois tenha ido para Baltimore e o outro ainda não foi
rastreado.
Na Estalagem Petersen, o dr. Abbott registrava estatísticas
desanimadoras nas atas do ocorrido:
“5h50, respiração 28 e sono regular.”
“6 horas, batimentos fracos, respiração 28.”
Às 6 horas da manhã, uma certa indisposição se apoderou do secretário
da Marinha Welles. Ele passara a noite inteira enfurnado na claustrofóbica
Estalagem Petersen. Levantou-se então da sua cadeira à cabeceira do leito
de Lincoln, onde ficara a ouvir sua respiração. Welles precisava de ar fresco
e resolveu sair para andar um pouco. Quando chegou lá fora, parou no
degrau de cima da escadaria e olhou para a rua, presenciando uma cena
notável: milhares de cidadãos, mantendo vigília a noite inteira pelo
presidente moribundo. Welles desceu a escada em curva e caminhou entre
as pessoas. Elas reconheceram o “Pai Netuno” barbudo de Lincoln, e alguns
rostos se destacaram no meio da multidão para lhe falar: “[Eles] se
aproximavam para me perguntar sobre o estado do presidente e saber se
havia esperança. Estampava-se um profundo pesar no rosto de cada uma
dessas pessoas quando eu dizia que o presidente sobreviveria apenas mais
alguns momentos. As pessoas de cor, principalmente — e havia, nesse
momento, talvez mais delas que de brancos — ficavam tomadas pelo
pesar.” Depois de algum tempo, Welles voltou: “Foi uma manhã sombria e
melancólica, e já começara a chover quando eu voltei para a casa.” Ele
queria estar presente no fim.
“6h30, respiração ainda fraca e difícil.”
“7 horas, sintomas de dissolução imediata.”
Em Maryland, à mesma hora, o tenente Dana chegava em Piscataway.
Embora de patente menos graduada, Dana tinha altas conexões em
Washington. Seu irmão Charles era vice-secretário de Guerra de Lincoln e
confidente de Stanton. David Dana e sua patrulha da 13a Cavalaria de Nova
York partiram de Washington duas horas antes, às 5 horas. Assim que
chegou a Piscataway, ele telegrafou para Washington relatando o
andamento de sua expedição matinal. “Cheguei neste lugar às 7 horas e de
pronto enviei um homem a Chapei Point para informar à cavalaria de lá
sobre o assassinato do presidente, com uma descrição dos elementos
responsáveis pelo feito. Com as providências que foram tomadas, é
impossível eles cruzarem o rio nesta direção.” Dana já tinha sua primeira
pista e repassou-a para o quartel-general: “Tenho informação confiável de
que a pessoa que assassinou o secretário Seward é Boyce ou Boyd, o
homem que matou o capitão Watkins em Maryland. Esta é a verdade, eu
não tenho dúvidas.” Está claro que não era. Menos de nove horas depois de
iniciada a caçada humana, Dana estava perseguindo o tipo de falsa
indicação que viria a atormentar os caçadores nos dias que se seguiram.
NA ESTALAGEM PETERSEN, ABRAHAM LINCOLN COMEÇOU A SE DEBATER
com a morte.
O fim se aproximava rapidamente. O cirurgião geral Barnes pôs o dedo
na artéria carótida de Lincoln, o dr. Leale pôs o dedo no pulso direito do
presidente e o dr. Taft pôs a mão no coração. Os médicos e quase todos os
homens no cômodo tiraram dos bolsos relógios pendurados em correntes de
ouro. Eram 7h20 do dia 15 de abril de 1865. Mais de uma vez eles acharam
que Lincoln havia falecido. Mas o corpo forte resistia à morte e revivia
novamente, conforme fizera tantas vezes ao longo da noite.
Eram 7h21. A morte era iminente.
Às 7h21 e 55 segundos, Abraham Lincoln deu seu último suspiro.
Seu coração parou de bater às 7h22 e 10 segundos. Acabou-se.
— Foi-se. Está morto — disse um dos médicos.
O reverendo dr. Gurley, pastor da família Lincoln, teve a impressão de
que se passaram quatro ou cinco minutos “sem o menor ruído ou
movimento” de ninguém no quarto. “Ficamos todos estupefatos, parados,
mudos, em volta do corpo inerte daquele homem grandioso e bom.”
Edwin Stanton falou primeiro. Ele se virou para a direita e olhou para
Gurley.
— Doutor, o senhor quer dizer alguma coisa?
O pastor respondeu:
— Vou falar com Deus. Vamos rezar.
Ele evocou preces tão comoventes que mais tarde ninguém, nem mesmo
o próprio, conseguiu se lembrar do que foi dito. James Tanner tentou anotar
as palavras, mas naquele momento crucial a ponta de grafite do seu único
lápis se quebrou e ele não conseguiu mais escrever.
Gurley terminou e todos murmuraram “Amém”. Em seguida, ninguém
mais ousou falar.
Novamente Stanton quebrou o silêncio.
— Agora ele pertence aos anjos.
Edwin Stanton se recompôs, pegou uma caneta e um papel, e escreveu
uma única frase. Não havia mais o que dizer. Era o telegrama que iria,
assim que um mensageiro o levasse até o Departamento da Guerra para ser
transmitido, anunciar a triste notícia para a nação.
Cidade De Washington, 15 de abril de 1865.
General de divisão Dix,
Nova York:
Abraham Lincoln faleceu esta manhã às 7 horas e 22 minutos.
Edwin M. Stanton
Os que presenciaram o fim foram saindo do quartinho dos fundos, um
por ma, em silêncio. O reverendo dr. Gurley e Robert Lincoln contaram a
Mary. Ela não quis ir à câmara mortuária; não conseguiria aguentar. Mary
Lincoln nunca mais tornou a ver o rosto do marido. Por volta das 9 horas,
ela deixou a Estalagem Petersen. Quando desceu as escadas, o cocheiro
Francis Burke, que esperara a noite inteira para levar o presidente para casa,
prontificou-se a levar a enviuvada primeira-dama. Antes de entrar na
carruagem, ela lançou um olhar para o Teatro Ford do outro lado da rua e
murmurou:
— Que casa horrorosa... que casa horrorosa...
O quarto se esvaziara de todos os visitantes menos um. Edwin Stanton e
o presidente estavam sozinhos. A luz matinal que penetrava pelas janelas
dos fundos se projetava agora sobre o rosto imóvel de Lincoln. Stanton
fechou as cortinas e se aproximou do corpo do presidente. Tirou do bolso
um canivete pequeno ou uma tesoura e se inclinou sobre a cabeça de
Lincoln. Cuidadosamente, cortou uma mecha de cabelo — mais de cem fios
— e a guardou num envelope branco liso. Stanton assinou seu nome a tinta
no canto superior direito e em seguida endereçou o envelope: “Para a sra.
Welles.” A mecha não era para ele mas sim um presente para Mary Jane
Welles, esposa do secretário da Marinha Gideon Welles e uma das poucas
amigas de Mary Lincoln em Washington. Em 1862, a sra. Welles ajudara a
cuidar de Willie Lincoln, acometido da febre tifoide, até o seu falecimento
em 20 de fevereiro. E depois disso, Mary Jane dobrou o turno ao continuar
cuidando de Tad Lincoln, igualmente doente, enquanto também cuidava de
Mary Lincoln, desvalida pelo pesar. Nove meses depois, em novembro de
1863, o filho de três anos dos Welles morreu de difteria. Com essa perda,
Mary Jane Welles e Mary Lincoln compartilharam uma tristeza que as
aproximou ainda mais. Antes de decorrida a primeira hora depois do
atentado, Mary Lincoln já despachara mensageiros com a incumbência de
trazerem Mary Jane para o seu lado. Stanton sabia que, se alguma mulher
em Washington merecia uma mecha sagrada do cabelo do mártir, essa
mulher era Mary Jane Welles. Mais tarde, a sra. Welles mandou emoldurar a
querida relíquia com flores secas que adornaram o caixão do presidente nos
funerais na Casa Branca. Perdido em devaneios, o deus da guerra de
Lincoln olhou para o seu chefe caído e chorou. Abraham Lincoln se fora.
“Para os anjos.”
Era hora de levá-lo para casa. Stanton ordenou que alguns soldados
fossem rapidamente buscar todo o necessário para transportar o corpo do
presidente assassinado. Mandou que outro soldado guardasse a porta da
câmara mortuária e não deixasse ninguém entrar para perturbar o corpo do
presidente. Quando os soldados voltavam com o que lhes fora
encomendado e viravam na rua 10, a multidão caiu em pranto. Os homens
traziam uma caixa de pinho lisa, sem adereços, contestação final de suas
esperanças. Eles já sabiam, claro, que o presidente estava morto. Viram os
secretários do gabinete deixando a casa e, em seguida, Mary Lincoln. Mas a
visão do caixão bruto, improvisado, deu destaque à realidade. Estava
acabado. A caixa parecia um engradado de carga, não um caixão apropriado
para um chefe de Estado. Lincoln não teria se importado; sempre foi um
homem de gosto simples. Pois este era o caixão despojado,
rudimentarmente talhado, de um lenhador.
Os homens subiram a escadaria em curva com o caixão, passaram pelo
estreito corredor e, sob a supervisão de Stanton, colocaram-no ao pé da
cama. Eles desfraldaram uma bandeira americana e a levaram para perto do
corpo nu do presidente. Enrolaram-no em seguida na estamenha de algodão
e, se seguiram os costumes, tiveram o cuidado de posicionar as trinta e seis
estrelas de cinco pontas do cantão bem sobre o rosto dele. Eram as cores
nacionais da União. Durante a guerra, Lincoln insistiu que a bandeira
mantivesse o complemento de todas as estrelas, recusando-se a reconhecer
que os estados separatistas houvessem de fato deixado a União. Os homens
ergueram o presidente do leito, colocaram-no dentro da caixa e
aparafusaram a tampa. O único ruído no cômodo era o ranger dos parafusos
sendo apertados em seus orifícios.
Stanton assentiu com um nuto. Em sincronia, os homens se abaixaram e
deslizaram os dedos por baixo dos cantos inferiores da caixa; não havia
alças para os portadores. Levantaram-no devagar e, passo a passo, se
puseram a caminho da porta da frente pelo corredor estreito. Carregaram o
presidente até a rua e o colocaram sobre uma carroça simplória puxada por
um cavalo apenas. O cocheiro sacudiu as rédeas e a modesta procissão,
escoltada por um pequeno contingente de oficiais caminhando sem quepe
logo atrás, levou Abraham Lincoln para a sua residência na Casa Branca.
Não houve bandas, tambores, ou trompetes, apenas a cadência dos cascos
dos cavalos e os passos dos oficiais. Lincoln teria gostado da simplicidade.
Depois que o corpo foi removido, Stanton e os outros integrantes do
gabinete da presidência — exceto Seward — se reuniram na sala dos
fundos da Estalagem Petersen. Andrew Johnson não estava presente quando
Lincoln morreu, de forma que o gabinete lhe enviou um oficio por escrito
notificando do falecimento do presidente e da sua sucessão à presidência.
Todos reiteraram que o novo presidente tomasse posse imediatamente e
Johnson enviou resposta dizendo que teria prazer em prestar o juramento do
cargo às 11 horas em seu quarto no Kirkwood. No final da manhã de 15 de
abril, o presidente do Supremo Tribunal e dois oficiais presentes
encontraram um homem mudado. Seis semanas atrás, intoxicado, Johnson
se pusera numa situação embaraçosa ao proferir a esmo um discurso tolo no
Dia da Posse. Lincoln o perdoou e não falou mais no assunto. A manhã do
falecimento de Lincoln veio encontrar Johnson sóbrio, solene, digno e
profundamente tocado. Dadas as circunstâncias trágicas e inéditas de seu
alceamento à presidência, ficou decidido que não seria apropriado fazer um
discurso de posse formal e público.
Entre o momento em que Lincoln morreu e a remoção de seu corpo da
Estalagem Petersen, o primeiro furo de reportagem sobre o assassinato
chegou às ruas de Washington. O Daily Morning Chronicle divulgou a
terrível notícia com uma série de manchetes:
“ASSASSINATO DO PRESIDENTE LINCOLN. / TENTATIVA DE
ASSASSINATO DO SECRETÁRIO DE ESTADO. / MODO DO
ASSASSINATO / Segurança dos Outros Membros do Gabinete. / Descrição
do Assassino / INVESTIGAÇÃO DA POLÍCIA / ÚLTIMOS PARECERES
DOS MÉDICOS.”
Na suspeita de que todo o gabinete do presidente tivesse sido marcado
para morrer e tendo ouvido que um pretenso assassino havia sido
afugentado da casa de Stanton, os repórteres do Chronicle partiram em
direção à casa de todos os demais para saberem se também eles haviam
sofrido atentados:
Está, portanto, evidente que o alvo da trama era paralisar o país
derrubando de uma vez só a cabeça, o coração e o braço.
Fomos atrás do vice-presidente e descobrimos que ele estava a
salvo em seus aposentos no Kirkwood. Visitamos o presidente do
Supremo Tribunal e lá ficamos sabendo que também ele estava a salvo.
Os secretários Stanton, Welles e Usher, e... os outros membros do
gabinete estavam com o presidente... e temos a satisfação de poder
anunciar que todos os membros do gabinete, exceto o sr. Seward, estão
sãos e salvos.
Esse homem, Booth, já encenou mais de uma peça no Teatro Ford
e, obviamente, está familiarizado com as entradas e saídas, e bem se
compreende a facilidade com que escapou pelos bastidores... [Booth]
há muito se mostra um homem de hábitos destemperados e sujeito a
acessos temporários de grande excitamento. Sua captura é certa, mas
se seguir sua natureza verdadeira, ele há de cometer suicídio, assim
encerrando sua carreira de forma apropriada.
Nos dias que se seguiram, os jornais de Washington, Baltimore, Nova
York, Filadélfia e Chicago publicaram resmas e mais resmas de fofocas
infundadas. Eles atormentaram os leitores alegando que certas prisões
estavam por uma questão de dias, ou mesmo horas; os leitores assumiram
que líderes de alto nível da Confederação, inclusive o presidente Jefferson
Davis, que ainda estava à solta, seriam tachados de conspiradores. Um
jornal de Washington alardeou que mais de cem criminosos iriam a
julgamento, enquanto outro escreveu que era certo o enforcamento de vinte
e um, talvez até vinte e três. O público devorava cada palavra, e pedia mais.
As notícias chegaram a Elmira, Nova York, na manhã de 15 de abril.
John Cass, proprietário de uma loja de roupas na esquina das ruas Walter
com Baldwin, pegou seu jornal matutino, o Elmira Advertiser, em casa, e
por volta das 7h30 já lera que o presidente sofrera um atentado mas ainda
estava vivo. Ele foi até o escritório do telégrafo em frente à sua loja mas
não havia novidade alguma. Pouco depois das 9 horas foi que chegou: o
presidente estava morto. Cass atravessou a rua e mandou que seus
funcionários fechassem a casa dando por findo o dia. De repente, ele
percebeu um homem atravessando a rua, tirando uma reta em direção à sua
loja. Vestido com uma casaca que parecia confeccionada no estrangeiro, o
homem adentrou o estabelecimento. Cass achou-o com jeito de canadense.
O desconhecido pediu camisas brancas de estilo e fabricante particulares.
Por não tê-las no estoque, Cass tentou atrair o interesse do cliente para
outras camisas. O homem fez objeção, lembrou-se Cass: “Ele as examinou
mas disse preferir aquelas às quais estava acostumado.”
Manhã de 15 de abril de 1865. Leito de morte de Lincoln logo após seu
corpo ser levado para a Casa Branca.
Cass disse ter acabado de receber “notícias muito ruins”.
— O quê? — perguntou o cliente.
— Sobre a morte de Abraham Lincoln — disse Cass.
Ouvindo isso, John Surratt saiu da loja.
O QUARTO DOS FUNDOS DA ESTALAGEM PETERSEN FICOU VAZIO PELA
primeira vez em doze horas. Stanton saiu do recinto sem guarda-costas. A
casa onde Lincoln morreu não foi a cena do crime como foi o Teatro Ford.
Ninguém foi recolher lençóis, fronhas, travesseiros e toalhas
ensanguentados como evidências do grande crime. E logo um dos hóspedes,
fotógrafo de nome Julius Ulke, montou sua câmera num canto do quarto, de
frente para o leito de morte de Lincoln. Banhada pelo sol matinal, a roupa
de cama ensanguentada ainda estava úmida. Perdida durante quase um
século inteiro, a assombrosa fotografia que Ulke tirou da câmara mortuária
preservou uma cena que não se pode descrever adequadamente com
palavras.
William Clark voltou para a Estalagem Petersen e encontrou seu quarto
em frangalhos. Naquela noite ele se deitou no leito de morte de Lincoln e
adormeceu sob a mesma colcha que aquecera o corpo do presidente
moribundo. Quatro dias depois, quando ocorreu o funeral de Lincoln, ele
escreveu uma carta para a irmã, Ida F. Clark, em Boston:
Desde a morte do nosso presidente, centenas de pessoas vêm todo
dia à Estalagem para visitar o meu quarto.
Passei quase o domingo inteiro envolvido com um dos Artistas
Especiais do Frank Leslie, a saber, ajudando-o a fazer um desenho
correto dos últimos momentos do sr. Lincoln, pois eu sabia a posição
de todos os presentes. Ele conseguiu fazer um bom esquete, que vai
aparecer no jornal deles no fim desta semana. A partir desse desenho
mesmo, ele pretende fazer umas gravuras grandes em aço. Ele também
fez croquis de quase todos os objetos do meu quarto que vão aparecer
no jornal. Ele queria mencionar os nomes de todos, particularmente
você, Clara e Nannie, mas eu falei que não, pois são membros da
minha família e eu não queria que fossem tão divulgados assim. E
ainda me pediu que lhe desse uma fotografia minha ou que pelo menos
o deixasse fazer um croquis meu, mas isso eu também não deixei.
Todo mundo quer muito levar algum objeto de recordação do meu
quarto deforma que eu preciso vigiar muito bem cada pessoa que
entra por receio de que ela vá roubar alguma coisa.
Eu tenho uma mecha do cabelo dele que mandei emoldurar bem
bonita, e também um pedaço da roupa de cama com um pedaço do
cérebro dele, a fronha do travesseiro onde ele estava apoiado quando
morreu, e praticamente tudo o que ele estava vestindo mas isto eu
pretendo enviar para Robt Lincoln assim que acabar o funeral, pois o
considero quem mais faz jus a essas roupas.
O mesmo colchão está na minha cama e me cobre toda noite a
mesma colcha que o cobria quando ele estava morrendo.
Você vai encontrar junto com esta um pedaço da renda que a sra.
Lincoln usava na cabeça naquela noite e deixou cair quando entrou no
meu quarto para ver o marido moribundo. Vale a pena guardar pelo
valor histórico.
William Petersen, na noite anterior meramente um proprietário anônimo
de uma das várias centenas de estalagens igualmente anônimas espalhadas
pela capital do país, tornara-se, logo de manhã bem cedo, o proprietário da
famosa “casa onde Lincoln morreu”. Tal honraria nada bem-vinda — e a
frenética atenção de jornalistas e curiosos — o desagradou. Petersen se
ressentiu particularmente da implicação de que o presidente teria morrido
de maneira desonrosa, não na Mansão Executiva mas sim numa estalagem
esmolambada. Lincoln não teria reclamado. Dezoito anos atrás ele
começara sua carreira em Washington numa estalagem não muito diferente
daquela onde acabou. Eleito para o Congresso em 1846, Lincoln veio a
Washington pela primeira vez em 1847 e se mudou para a hospedaria da
sra. Sprigg em frente ao Capitólio, perto das ruas 1 e Leste. Não havia
vergonha alguma na ocasião. Lincoln não teria sentido vergonha alguma de
morrer numa delas agora.
POUCO MAIS DE UMA HORA ANTES DE LINCOLN MORRER, GEORGE
ATZERODT se levantou em seus humildes aposentos na Estalagem
Pensilvânia e foi para a rua. Um criado, que acabara de ir buscar uma
carruagem para uma mulher poder pegar o trem das 6h15, cruzou com ele
do lado de fora da hospedaria:
— Por que está saindo tão cedo assim?
— Bem, tenho um negócio para resolver.
Quando Atzerodt passou pela Estalagem Creaser na rua F, entre a 8 e a
9, no lado oposto do Escritório de Patentes, e pela rota de fuga de Booth a
apenas dois quarteirões do Teatro Ford, ele jogou sua faca na sarjeta
embaixo do degrau de madeira de uma carruagem. Minutos depois, uma
mulher de visão aguçada, olhando pela janela do terceiro andar do prédio
vizinho à sapataria Creaser, avistou-a e mandou uma negra ir pegá-la. Mas
ela não quis ficar com a faca em casa, de forma que um transeunte, William
Clendenin, ofereceu-se para levar a pista, ainda embainhada, para Almarin
C. Richards, o chefe de polícia.
Na noite anterior, as autoridades pouco fizeram para partir no encalço
de Booth durante a primeira hora que se seguiu ao assassinato. No Teatro
Ford, a preocupação imediata foi com as condições do presidente, não com
o paradeiro de Booth. Mas já no início da manhã, Stanton havia retomado a
vontade férrea pela qual era conhecido e planejou a caçada ao homem. Até
o final da noite, o governo — vice-presidente Johnson e o gabinete — havia
sobrevivido; não houve mais assassinatos, nem exércitos inimigos
invadiram a capital. Stanton coordenou — ou pelo menos tentou — as
providências tomadas em âmbito local pela força policial, pelos detetives e
pelo exército.
Chegou da cidade de Nova York outra oferta de ajuda, doze horas
depois de Stanton pedir ao chefe de polícia de lá que enviasse para
Washington seus melhores detetives. Em 15 de abril, à 1h40, Stanton
recebeu um telegrama do detetive H. S. Olcott, propondo-se a tomar parte
na caçada humana: “Se o tenente-coronel Morgan ou eu ou qualquer dos
meus funcionários puder desta forma servir ao senhor e ao país, para o que
der e vier, em qualquer lugar, estaremos prontos.” John Wilkes Booth ainda
estava à solta. Escapara de seus perseguidores à primeira noite frenética.
Agora talvez já não seria tão fácil capturá-lo com rapidez. Stanton aceitou a
mão estendida de Olcott, enviando-lhe de imediato uma resposta pelo
telégrafo: “Quero os seus serviços. Venha já para Washington e traga o seu
contingente de detetives.” Olcott não tardou em atender: “Parto à meia-
noite com todos os meus homens que aqui residem. Os demais seguirão
oportunamente.”
Na mesma tarde, Stanton também convocou um dos seus favoritos, o
tenente-coronel Lafayette C. Baker, chefe da “National Detective Police”,
organização moldada ao estilo do próprio.
Departamento Da Guerra
Cidade de Washington, 15 de abril de 1865 — 15h20
Cel L. C. Baker
Nova York:
Venha imediatamente para cá e veja se consegue encontrar os
assassinos do presidente.
Edwin M. Stanton, Secretário da Guerra.
Stanton estava determinado a apreender Booth e todos aqueles que com
ele conspiraram para cometer o que ficou conhecido como “o grande
crime”. Líderes sulistas tiveram receio de que Stanton os acusasse de
cumplicidade no assassinato. Um deles, o governador da Virginia E H.
Pierpont, enviou uma mensagem para o Departamento da Guerra alegando
que seu estado não tinha culpa e condenando Booth por gritar “Sic semper
tyrannis” no Teatro Ford: “O leal estado da Virginia envia os pêsames pelo
falecimento do presidente desta Nação, vitimado pelas mãos de um
pusilânime agente da traição, que ousou repetir o lema de nosso estado no
momento em que perpetrava seu crime execrável.”
Soldados, policiais e detetives particulares se espalharam por
Washington, Maryland e Virginia em perseguição ao ator e seus cúmplices.
Na noite do assassinato, John H. Surratt foi apontado como um dos
possíveis cúmplices de Booth e tido como o primeiro suspeito de ter
apunhalado Seward. Mas quando soldados foram procurá-lo na estalagem
de sua mãe poucas horas depois de Lincoln ter sido alvejado, ele não estava
lá. Stanton declarou que a busca e a captura de John Wilkes Booth eram a
prioridade máxima do país. Booth e seus conspiradores precisavam ser
capturados antes de desaparecerem no Extremo Sul, onde encontrariam
socorro no âmago da Confederação vencida. Na manhã de 15 de abril, a
nação, coletivamente, conteve o fôlego e, a uma só voz, indagou: “Booth
vai ser preso?”
ERA UM MOMENTO PERIGOSO PARA SE SER AMIGO DE JOHN WILKES BOOTH.
Na noite de 14 de abril, quando os atores se acotovelavam nos bastidores do
Teatro Ford minutos após o tiro disparado contra Lincoln, John Matthews
temia pelo pior. Mais tarde ele se lembrou de que “houve gritos da plateia
com pedidos de ‘queimem’, ‘enforquem’ e ‘linchem’”. Em seguida,
Matthews fez uma descoberta que o levou a temer pela própria vida.
Quando eu estava tirando o casaco, a carta que Booth me dera caiu
do bolso. Eu havia me esquecido disso. E falei: “Meu Deus! Essa é a
carta que John me deu à tarde.” Era um envelope, selado e carimbado
pelo Correio. Eu o abri e dei uma lida rápida. Vi que era uma
declaração do que ele iria fazer. Li com muita pressa. Estava escrita
num tipo de vertente patriótica, e queria dizer basicamente o seguinte:
Que ele há muito dedicava seu dinheiro, tempo e energias à conquista
de um fim; que pouco tempo atrás ele valia muito dinheiro — vinte ou
trinta mil dólares, acho eu — dinheiro esse que gastou tocando o seu
empreendimento; mas que o mesmo se frustrara. E prosseguia:
“Chegou afinal o momento em que meus planos precisam mudar. O
mundo pode me censurar pelo que estou prestes a fazer; mas tenho
certeza de que a posteridade irá me justificar.” Assinado: “Homens que
amam seu país mais do que ouro ou a vida: J. W. Booth, Payne,
Atzerodt e Herold.”
Nos atabalhoados camarins, cercado de agitadíssimos atores em frenesi,
Matthews leu a carta de Booth. Ninguém prestou atenção ao pedaço de
papel que ele segurava. Ele a leu mais uma vez e se perguntou: “O que devo
fazer com esta carta?” O público do teatro não parava de gritar. Matthews
considerou entregá-la para as autoridades. O clamor da multidão o
convenceu do contrário. Ele raciocinou: “Se esta carta for encontrada
comigo, vou ficar comprometido — sem dúvida serei linchado na hora.”
Mesmo que sobrevivesse até o dia seguinte, ele sabia que o toque da carta o
deixaria maculado para sempre: “Ficarei associado à carta e surgirão
suspeitas que jamais poderão ser explicadas, e estarei arruinado.” Ele sabia
o que precisava fazer para se proteger: “Eu a queimei.”
Matthews não estava só. Na noite de 14 de abril, outras pessoas em
Washington tentaram obliterar evidências de suas ligações com o assassino
de Lincoln. E na manhã seguinte, muitas outras cartas escritas com a
caligrafia de Booth decerto acabaram em chamas. A bem da verdade,
menos de cem das cartas e manuscritos de Booth sobreviveram aos dias
tumultuosos que se seguiram ao assassinato. Uma de suas amantes chegou a
tentar se destruir. Ella Turner, prostituta ruiva de pequena estatura e muita
sensualidade, colocou uma fotografia de Booth embaixo do travesseiro,
saturou um pedaço de pano com clorofórmio, comprimiu o anestésico
venenoso contra o delicado rosto e tentou encher os pulmões de uma dose
fatal. Às 11 horas de 15 de abril, moradores da hospedaria a encontraram
em seu quarto caída sobre a cama, inconsciente porém viva. Vários médicos
foram chamados. A imprensa ficou sabendo da história e o Evening Star de
Washington publicou os detalhes sensacionalistas do salvamento: “Foram
aplicados imediatamente remédios apropriados e ela logo despertou,
perguntando sobre a fotografia de Booth, que havia escondido embaixo do
travesseiro na cama ao mesmo tempo que destacava para os médicos que
não lhes agradecia por terem salvado sua vida.” Em pouco, ela voltou à
razão e preferiu continuar vivendo depois do crime cometido pelo seu amor.
As correspondentes de Booth tinham mais com o que se preocuparem
do que as cartas que ele lhes enviara. Poderiam livrar-se de tais documentos
com muita facilidade. O que lhes importava eram os bilhetes amorosos que
tinham enviado para ele. Será que ainda os teria consigo? Muitas mulheres
— solteiras, noivas e casadas — haviam escrito cartas incriminadoras para
o seu ídolo oferecendo propiciar-lhe os prazeres que ele delas escolhesse.
George Alfred Townsend registrou uma vinheta inesquecível de um caso
típico:
A beleza desse homem e sua simpatia, não familiar, porém
marcada por uma dignidade suave e tranquila, deixavam as mulheres
apaixonadas. Ele gozava de muita confiança junto aos homens em
geral, particularmente os atores, mas não era um sedutor, pelo que
consegui saber. Investiguei um caso na Filadélfia onde uma moça o viu
no palco e se apaixonou.
Ela passou a enviar-lhe buquês, bilhetes, fotografias e todos os
acessórios de uma intriga. Booth, para quem esse tipo de coisa era
comum, cedeu aos importunos da moça e concedeu-lhe uma entrevista.
Ficou surpreso de ver que uma correspondente tão ousada fosse tão
moça, tão jovem e tão bela.
Por pena, falou-lhe das consequências de procurá-lo; contou-lhe
que não sentia por ela afeição alguma, mas apenas desejo, o suficiente,
e que ele era um homem do mundo por quem as mulheres acabavam
nutrindo desgosto. Afinal, disse:
— Vá para casa e tome cuidado com os atores. Eles servem para
serem vistos, não para serem conhecidos.
A moça, ainda mais apaixonada, persistiu. Booth, que não tinha
senão lampejos de virtude, acabou se tornando o que havia prometido,
e mais uma alma se desiludiu.
Em 14 de abril, e durante algumas semanas que se seguiram, houve
mais de uma mulher rezando para que Booth tivesse destruído suas cartas
antes de matar o presidente. A sorte salvou a reputação das suas
admiradoras: nenhuma de suas cartas de amor foi descoberta e publicada
durante a caçada ao assassino. Mas quando a notícia do assassinato chegou
a Boston, uma moça incomum resolveu relembrar, e não aniquilar, sua
ligação íntima com o assassino de Lincoln.
Eles haviam se conhecido no ano anterior, durante a bem-sucedida
temporada de Booth no Museu de Boston ao longo de um mês inteiro. Foi
uma rodada impressionante: entre 25 de abril e 28 de maio de 1864, no
palco quase todas as noites, Booth interpretou os maiores papéis no cânon
shakespeariano — Ricardo III, Hamlet, Romeu, Otelo, Shylock e Macbeth.
Ele a conheceu na cidade em algum momento daquele mês. O nome dela
era Isabel Sumner. Filha de uma respeitável família de comerciantes, a
moça possuía um ar inteligente, a estrutura esbelta e uma beleza
arrebatadora. Tinha dezesseis anos de idade e Booth propôs que se
tornassem amantes. O ator fora atingido de chofre e perseguiu Isabel com
um ardor incomum para um homem acostumado a mulheres se jogando em
cima dele. Olhando para uma fotografia que ela lhe dera, chegou a escrever
o seguinte galanteio: “Deus abençoe esse rosto tão doce, que me levaria a
fazer absolutamente qualquer coisa.”
O astro da ribalta cortejou a beldade adolescente numa série de cartas
emocionalmente desinibidas que o faziam soar qual um adolescente: “EU
TE AMO... na fonte do meu coração há um lacre para manter as águas
puras e cristalinas somente para ti.” Booth deu a Isabel uma fotografia sua
assinada, uma mecha de seu cabelo e um anel. Por que o ator mundano e
debochado desejou tanto essa moça inocente? O próprio Booth respondeu a
essa pergunta numa carta: “Eu jamais... jamais deixarei de pensar em ti
como algo puro e sagrado. Um sonho luminoso e feliz, do qual despertei
para a Tristeza.”
Quando soube que o assassino de Lincoln era o seu amante, Isabel não
conseguiu destruir suas cartas e presentes. O que fez foi guardar tudo
durante os sessenta e dois anos que se seguiram até sua morte em 1927.
Pelo que todos se lembram, ela não voltou a pronunciar o nome John
Wilkes Booth. Felizmente para Isabel Sumner, Booth não trazia sua foto na
carteira na noite em que saiu do National Hotel para assassinar Abraham
Lincoln. Nem os detetives de Stanton ou os jornais a descobriram, e sua
ligação com Booth continuou em segredo durante cento e trinta anos.
FRANCES MUDD SE LEVANTOU ÀS 6 HORAS E MANDOU QUE SEUS CRIADOS
preparassem o café da manhã. Às 7 horas, a sra. Mudd acordou o marido.
Depois de descansar apenas duas horas, David Herold desceu a escada
cambaleante. Esgotado física e mentalmente do grande dia, John Wilkes
Booth ficou na cama. Ele cavalgara para bem longe de Washington, o
suficiente para não ouvir os sinos das igrejas e estações dos bombeiros da
cidade dobrando em luto. O dr. Mudd convidou Herold para tomar café da
manhã junto com a família. Frances preparou um prato de comida para
Booth e mandou um criado levá-lo para o andar de cima e colocá-lo na
mesa de cabeceira.
Herold indagou a Mudd sobre seus contatos locais, especialmente
aqueles que moravam perto do rio. O conhecimento evidente que Davey
tinha da área levou Frances Mudd a perguntar se ele morava no condado.
— Não, senhora, mas venho brincando por aqui há uns cinco ou seis
meses.
Entretida com a postura infantil do rapaz, Frances o provocou:
— Só brincando sem trabalhar, você acaba seguindo um mau caminho.
Seu pai deveria botá-lo para trabalhar.
— Meu pai está morto — Herold respondeu — e — acrescentou com
bastante autoconfiança — eu cuido da minha mãe.
Enquanto se divertia à mesa do desjejum, o boa-praça Davey Herold
parecia esquecido do grande perigo que enfrentava. Corria para salvar a
própria vida, mas Frances Mudd observou que “ele parecia não ter
preocupação alguma no mundo”. Antes de Mudd sair de casa, Herold lhe
pediu dois favores. “Depois do café, quando eu estava prestes a sair para
cuidar da fazenda, esse jovem me perguntou se eu tinha um barbeador em
casa pois seu amigo desejava se barbear, para talvez se sentir melhor.” O
médico arranjou-lhe uma navalha, sabão e água. E Davey quis saber se
Mudd não faria um par de muletas para Booth, nada sofisticado, só uma
coisa simples para ele “sair mancando por aí”. Afeito às ferramentas e ao
trabalho com a madeira, o médico consentiu: “Peguei dois pedaços de pau e
os talhei da melhor forma que pude.” Depois, Mudd os levou para um de
seus empregados, um velho inglês chamado John Best, e, com um serrote e
uma verruma, “eu e ele fizemos um par de muletas rudimentares a partir de
uma tábua” que mandaram para Booth.
Encerrada a refeição matinal, Herold voltou para a cama. O tenente
Dana e a patrulha da Décima Terceira Cavalaria de Nova York saíram de
Piscataway direto para Bryantown. Frances Mudd não ouviu nem sinal de
Herold ou de Booth durante as quatro horas que se seguiram, até cerca do
meio-dia, quando Davey desceu para devorar a segunda refeição do dia.
Durante a refeição de Herold ao meio-dia, a Décima Terceira de Nova York
chegou a Bryantown. Os homens de David Dana se encontravam a poucos
quilômetros de distância da casa do dr. Mudd. Era o mais perto que os
perseguidores chegavam de Booth desde o assassinato. Tal como fizera
antes, Booth ficou na cama. O criado que lhe trouxe o almoço encontrou a
bandeja com a refeição matinal de sábado ainda sobre a mesa de cabeceira,
intocada. Imprevidentemente, Booth dispensou a refeição do meio do dia
também. Ele deveria estar com fome e quem sabe quando veria outra
refeição pela frente?
POR VOLTA DAS 8 HORAS DA MANHÃ, GEORGE ATZERODT JÁ CHEGARA A
Georgetown. Ele foi à loja Matthews & Co. no número 49 da High Street
visitar um amigo, John Caldwell. Atzerodt disse que ia para o campo e
perguntou se Caldwell queria comprar seu relógio. “Eu lhe disse que já
tinha um relógio e não queria outro.” Então, Atzerodt pediu um empréstimo
de 10 dólares. Caldwell recusou. “Eu disse que não tinha dinheiro
disponível.” Atzerodt tirou do cinto o revólver e o ofereceu a Caldwell.
“Empreste-me os 10 dólares e fique com isto como garantia de que lhe
trarei o dinheiro ou mandarei entregar na semana que vem.” O lojista
estudou a arma. “Achei que o revólver seria boa garantia pelo dinheiro e
emprestei, na esperança de que ele pagasse... Não perguntei por que a arma
estava carregada e pronta para uso.” Atzerodt saiu da loja e continuou sua
jornada. Resolvera ir embora de Washington. Conhecia um lugar onde
achava que ficaria seguro.
NA MANSÃO EXECUTIVA, OS SOLDADOS CARREGARAM O CAIXÃO
PROVISÓRIO do presidente até o quarto de hóspedes no segundo andar para
autópsia. Abrir o cérebro e o corpo de Abraham Lincoln não teve quase
propósito algum. Os cirurgiões sabiam o que o havia matado — uma única
bala que lhe atravessara o cérebro. Eles estavam ocultando seu voyeurismo
por trás da camuflagem da iniciação científica. O cirurgião escolhido foi
pegar suas serras e bisturis enquanto os outros médicos observavam. E eles
queriam a bala. A nação não conseguiria enterrar seu martirizado Pai
Abraham com uma bala de chumbo alojada no cérebro. Eles a extirparam,
marcaram-na como prova criminal e preservaram-na para a história.
Quando terminaram, Mary Lincoln enviou um pedido: Por favor, cortem
uma mecha do cabelo dele para ela. Segundo uma notícia de jornal, o
sangue foi drenado do cadáver pelo embalsamador — o mesmo artista
mortuário que preservara o pequeno corpo de Willie Lincoln em 1862 —,
transferido para jarros de vidro e “sagradamente preservado”.
Gideon Welles, que estava na Casa Branca para ver a esposa, Mary
Jane, enquanto ela cuidava da sra. Lincoln, desceu a escada, acompanhado
do procurador geral James Speed. Ao pé da escada, eles encontraram Tad
Lincoln olhando pela janela. Welles jamais se esqueceu do olhar de aflição
do menino: “‘Tad’... ao nos ver, chorou em voz alta. ‘Oh, sr. Welles, quem
matou meu pai?”’ Foi demais para o secretário da Marinha. Durante toda a
noite anterior e até quando viu o presidente morrer de manhã, Welles
contivera suas emoções. Agora, ali ao lado do pequeno Tad, ele perdeu toda
a compostura e derramou seu pranto.
NA MESA DA COZINHA DO DR. MUDD, DAVEY LHE PERGUNTOU ONDE
PODERIA arranjar uma carroça ou carruagem para transportar Booth. Mudd
sugeriu que Davey viesse com ele a cavalo até a casa de seu pai e tentasse
ali primeiro. Thomas Davis, o empregado encarregado dos cavalos de
Mudd, selou suas montarias.
Frances Mudd estava preocupada com Booth, que não comera nada o
dia inteiro, e quando o marido ia saindo com David Herold ela perguntou se
poderia visitá-lo. É claro que pode, respondeu ele. Ela preparou uma
bandeja com quitutes — “bolo, laranjas e um pouco de vinho” — e levou
para o quarto no segundo andar. Colocando a bandeja em cima da mesa, ela
perguntou a Booth como ele estava se sentindo.
— As minhas costas doem tanto que me deixam em desespero! —
reclamou ele. — Eu devo ter me machucado quando o cavalo caiu e
quebrou minha perna.
Booth recusou o bolo e o vinho mas pediu um conhaque. Frances
lastimou não terem nenhum em casa mas ofereceu como substituto “um
bom uísque” — sua bebida favorita no Salão Star e na taverna dos Surratt.
Por estranho que pareça, ele recusou o uísque também.
A sra. Mudd se desculpou:
— Acho que o senhor me considera pouco hospitaleira. O senhor
passou mal o dia inteiro e eu não subi para vê-lo.
Mais uma vez ela perguntou a Booth se haveria alguma coisa que
pudesse fazer por ele. Ele não falou mais nada e ela saiu do quarto.
Quando Samuel Mudd e David Herold chegaram a Oak Hill, a fazenda
de seu pai alguns quilômetros para o leste, o dr. George Mudd não se
encontrava em casa. O irmão caçula de Sam, Henry Lowe Mudd Jr., avisou
que todas as carruagens estavam quebradas, precisando de reparos, menos
uma. Ele não poderia deixá-los levá-la sem a permissão do pai pois amanhã
era o Domingo de Páscoa e o sr. Mudd poderia precisar dela. Herold sugeriu
que eles prosseguissem até Bryantown para tentar a sorte por lá. Samuel
Mudd concordou e eles tocaram suas montarias num ritmo não muito
acelerado. Quando chegaram nas proximidades da cidade ao alcance da
vista, Davey puxou com força as rédeas num gesto súbito estancando
totalmente o cavalo. Não conseguiu acreditar no que viu algumas centenas
de metros adiante. Homens montados, vestindo casacas azuis adornadas
com rolotês amarelos. Cavalaria ianque. Uma caçada humana!
Herold acabara de avistar a vanguarda da Décima Terceira Cavalaria de
Nova York. Tendo recebido em Washington a incumbência de perseguir
John Wilkes Booth, Dana levou seus homens para Bryantown, conhecido
reduto da perfídia dos confederados, confiscou a taverna e ocupou a cidade.
O tenente pretendia estabelecer ali um centro de comando e, a partir de
Bryantown, lançar patrulhas de cavalaria por todas as cercanias, em busca
dos culpados pelos atentados a Lincoln e Seward.
Herold tomou uma rápida decisão. Não precisava da carruagem, afinal,
disse a Mudd. Booth ainda consegue cavalgar uma montaria. Antes que os
soldados pudessem avistá-los, Davey girou o cavalo e partiu a todo galope
na direção da fazenda de Mudd para avisar a Booth. Intrigado com a súbita
retirada (Booth ainda não dissera ao médico que era o assassino de
Lincoln), Mudd continuou na direção de Bryantown em ritmo de passeio,
conforme já fizera centenas de vezes nas tranquilas tardes de sábado.
Ele foi cuidar dos seus afazeres, comprar mantimentos, chita e pimenta
na loja do sr. Beans, e pregos de ferro noutra loja. Cumprimentou amigos e
vizinhos por quem passou nas ruas, como sempre. Mas havia um clima
estranho em Bryantown, de uma certa ferocidade. “A cidade estava cheia de
soldados e gente indo e vindo o tempo todo”, observou um dos homens
envolvidos na caçada humana, o coronel H. H. Wells. Os rostos
determinados dos homens da cavalaria reluziam com a raiva e a seriedade
do seu objetivo. Mudd ficou cismado quanto ao que teria acontecido.
De repente, alguém soltou a notícia. Abraham Lincoln fora assassinado
em Washington ontem à noite. Morrera hoje de manhã cedo. A cavalaria
está aqui em perseguição ao assassino, que fugiu. Detetives e soldados vão
revirar o Condado de Charles atrás do culpado. Os pensamentos de Mudd
teriam se voltado num átimo para as batidas em sua porta às 4 horas da
madrugada? Seria possível?
Quem matou o presidente?, os cidadãos perguntavam aos soldados. Era
impossível manter segredo. Foi o ator. Booth. Edwin Booth?, perguntavam
vozes no meio da multidão. Não, Edwin não; seu irmão John, disseram os
soldados. O assassino de Lincoln era John Wilkes Booth.
Mudd não deixou transparecer nenhum sinal de ter ficado alarmado. E
não houve olhares crivando-o acusadoramente. O médico permaneceu
calmo e não traiu, por palavras ou feitos, o terrível segredo que só ele sabia
agora: o homem mais procurado da América estava escondido na sua casa,
a menos de oito quilômetros dali. A Décima Terceira de Nova York poderia
chegar lá em meia hora.
Chegando na fazenda de Mudd, David Herold saltou do cavalo e entrou
apressado na casa. Frances estava na cozinha supervisionando os criados
enquanto eles preparavam o almoço de Páscoa de domingo. Davey a espiou
pela janela e bateu de leve para que lhe abrisse a porta da frente. Ela
perguntou se ele havia encontrado uma carruagem.
— Não, senhora. Nós paramos na casa do pai do doutor e pedimos uma,
mas como amanhã é Domingo de Páscoa a família vai ter de ir à missa e ele
não pôde emprestar. Então, eu segui pela estrada um pouco com o doutor
mas resolvi voltar e tentar mesmo com os cavalos.
Herold foi tão convincente ao falar com a sra. Mudd que não levantou
suspeitas.
Ele pediu licença e subiu para o quarto. Booth ainda estava na cama,
mas não ficaria muito mais tempo. A cavalaria está aqui, Davey o alertou;
eles estão em Bryantown, estrada abaixo, logo ali. Herold explicou como
havia retornado e que o dr. Mudd prosseguira até a cidade. Booth se sentou
na cama imediatamente. Davey o ajudou a se levantar e Booth se ajeitou
nas muletas. Frances foi alertada pelo ranger do soalho no segundo andar —
“Eu ouvi uma movimentação lá em cima e em pouco tempo eles desceram”
— e esperou por eles ao pé da escada. Quando Booth desceu no passo
incerto das muletas, com a perna direita protegida até o joelho pela bota de
montar e a esquerda descalça, e o pesado cinturão com as cartucheiras dos
revólveres em torno da cintura, seu rosto era o próprio “retrato da agonia”
para Frances Mudd. Ela insistiu que Davey deixasse Booth ali para
descansar, mas o jovem a tranquilizou:
— Se ele estiver sofrendo muito, nós não iremos longe. Eu o levarei,
então, para a casa da minha namorada, que fica mais ou menos perto daqui.
Eram cerca de 3 horas da tarde de sábado, 15 de abril, e Booth estava
correndo sério perigo. Apenas um homem, Samuel Mudd, interpunha-se
entre ele e a ruína. Na vizinha Bryantown, o dr. Mudd tinha o poder de
acabar com a caçada humana naquela mesma tarde. Bastava contar aos
soldados. Ele poderia fazê-lo com umas poucas palavras bem escolhidas:
John Wilkes Booth e um cúmplice estão se escondendo na minha fazenda;
ele está no quarto da frente no segundo andar da casa; está com a perna
quebrada; sem correr, não tem como escapar; vou levá-los até lá agora.
Bastava falar estas palavras que o dr. Samuel Mudd se tornaria, da noite
para o dia, um herói nacional.
Booth estava às voltas com a opção mais difícil de sua fuga. Deveria
abandonar imediatamente a fazenda de Mudd ou deveria esperar pela volta
do doutor? Ambas as opções apresentavam riscos. A fazenda de Mudd
ficava na região do grande pântano de Zekiah, território que ele e Davey
não conheciam. Um passo em falso e os dois ficariam presos no temeroso
lamaçal. Além disso, apesar de Booth saber que moravam nas proximidades
alguns operativos rebeldes, inclusive William Burtles, ele não conhecia o
caminho até suas casas. A fuga agora somente os exporia, em plena luz do
dia, pelas estradas afora, sem saber para onde ir.
Aguardar a chegada do dr. Mudd também apresentava grandes riscos.
Se o médico o houvesse traído contando para os soldados em Bryantown,
Booth era um homem morto. Se não o matassem ali mesmo na fazenda de
Mudd, seus perseguidores iriam levá-lo prisioneiro de volta até Washington
para lá enforcá-lo. Booth já vira isso antes. Precisava decidir agora. Sim,
talvez devesse ter trazido Mudd para a sua confiança. Teria sido melhor
para o doutor ouvir a verdade dita por ele e não pelos soldados na cidade.
Ainda assim, Booth concluiu que Mudd não o trairia. Em vez de fugir da
fazenda imediatamente, ele esperou pela volta do médico.
A avaliação que Booth fez do caráter de Mudd mostrou-se correta. Ao
concluir seus afazeres em Bryantown, ele pegou seu cavalo e, ignorando os
soldados que cruzou pelo caminho, saiu calmamente da cidade. Resolveu
proteger Booth e não falou nada para ninguém. Mas escolheu algumas
palavras para dizer a Booth cara a cara.
EM WASHINGTON, CLARA HARRIS, SEU PAI E O JUIZ CARTTER
RETORNARAM, à luz do dia, para a cena do crime da noite anterior. Juntos,
estudaram as trancas das portas que davam para o camarote do presidente,
examinaram o canto na parede onde Booth raspou o emboço e espiaram
através do orifício que o assassino usou para vigiar Lincoln. A princípio
pensaram tratar- se de um furo de bala — evidência de que Booth teria
atirado em Lincoln às cegas e a bala passado através da porta antes de
encontrar seu alvo. Depois se deram conta de ser mesmo um orifício de
espia. Entraram no camarote. Fazia um silêncio tenebroso no teatro agora e
quase não havia mostras do pandemônio da noite anterior — apenas
algumas cadeiras derrubadas, pedaços de papel espalhados pelo chão e o
camarote vazio, já sem as bandeiras e galhardetes tirados como suvenires.
As manchas de sangue ainda estavam lá.
Stanton queria ver o camarote, também, e refez, qual seus detetives à
cata de pistas, os passos de Booth de forma a poder visualizar cada cena do
roteiro do assassino. Também queria ver a peça. Talvez uma reapresentação
de Nosso primo americano propiciasse uma pista vital até agora
despercebida. Stanton reuniu os integrantes do elenco que puderam ser
encontrados, confiscou o Ford e mandou que fosse feita uma surreal
encenação privativa no teatro vazio. Ninguém riu desta vez ante a outrora
tola fala que, doravante, há de ser petrificante: “Você é um traste na vida de
um homem!” Quando Stanton e seus ajudantes de ordens ouviram as
palavras ecoando pelo recinto, será que lançaram olhares involuntários para
o camarote do presidente? A reencenação da peça provou que Booth
cronometrara o ataque de forma a coincidir com o momento solitário e
engraçado de Harry Hawk no palco.
Stanton estava determinado a preservar a cena do crime. Mandou que
ficasse cercada de guardas 24 horas por dia. E resolveu que queria
fotografias do interior, para registrar exatamente como estava no momento
do assassinato. Permitiu que Matthew Brady e seu assistente montassem a
grande câmera de chapas sensíveis de vidro e tirassem uma série de poses
que, juntas, ofereceriam um panorama do palco inteiro e do cenário
montado durante a cena dois do terceiro ato. Em seguida, Brady fotografou
o exterior do camarote do presidente, novamente decorado com bandeiras e
galhardetes, em substituição aos que haviam sido retirados, somente para
cumprir este objetivo. Também fotografou o acesso ao camarote e a porta
de fora que dava no vestíbulo. A tarefa era um desafio à habilidade de
Brady. Para fotografar o vasto interior, iluminado apenas por luz a gás e
talvez um pouco da luz do dia que chegasse ao palco pelas portas e janelas
abertas na extremidade oposta do teatro que davam para a rua 10, o
profissional precisava fazer exposições prolongadas de forma a permitir que
os negativos absorvessem luz suficiente para capturar os detalhes
necessários.
NA FAZENDA, BOOTH E HEROLD ESPERAVAM PACIENTEMENTE A CHEGADA
do dr. Mudd. Mas não havia sinal dele. Já eram quase 6 horas da tarde e ele
ainda não voltara de Bryantown. Por que estaria levando tanto tempo? Mas
a delonga de Mudd era um bom sinal. Se o médico houvesse traído Booth, a
cavalaria já teria chegado à fazenda no galope duas horas atrás.
Finalmente, em algum momento entre 6 e 7 horas, um homem a cavalo
saiu da estrada principal e tomou o rumo da fazenda. Era o dr. Mudd. Ele
estava só e não trouxera consigo ninguém da cavalaria. O julgamento de
Booth fora correto — o médico não era um judas. Mas estava zangado.
Mudd cavalgou direto até os seus hóspedes, saltou da sela e caminhou a
passos largos na direção de Booth. Seu rosto não escondia a aflição.
Mandou que Booth e Herold fossem embora da fazenda imediatamente e
acusou o ator de mentir para ele. Booth não tinha contado a Mudd o que
fizera e colocara o médico e sua família em grande perigo.
Ignorando a raiva de Mudd, Booth aproveitou a inestimável notícia que
o médico trouxera de Bryantown. O presidente estava morto e a fama era
sua. Vinte horas após o assassinato, o dr. Mudd acabava de dar a John
Wilkes Booth a primeira confirmação oficial de que ele havia matado
Lincoln. É verdade, o assassino não tinha como pensar que houvesse
errado. Mas tudo aconteceu rápido. Lincoln se mexeu no último instante e
logo Rathbone atacou Booth, deixando o ator sem tempo de parar e
observar a sua obra. Havia uma possibilidade de o ferimento não ter sido
fatal. Havia espaço suficiente para dúvida, tanto que em Surrattsville Booth
qualificou a gabolice para John Lloyd dizendo apenas que estava “bem
certo” de ter assassinado o presidente.
O dr. Mudd não ficou tão entusiasmado com a notícia quanto o seu
paciente. Booth podia se regozijar com a morte do presidente mas Mudd
estava zangado e amedrontado. Vindo até eles, Booth colocara Mudd e sua
família em grande perigo. Sim, Mudd havia concordado em facilitar o
sequestro de Abraham Lincoln, mas ninguém o consultara sobre
assassinato. Entretanto, agora, ao oferecer hospitalidade a Booth, ele sem
querer se implicava no crime mais chocante da Guerra Civil, a bem da
verdade, de toda a história da América — o assassinato do presidente dos
Estados Unidos.
Mudd continuou a exigir que Booth e Herold saíssem de sua fazenda
imediatamente. Uma patrulha da Décima Terceira Cavalaria de Nova York
poderia chegar a eles sem aviso algum no prazo de aproximadamente uma
hora. Se as tropas federais descobrissem o assassino de Lincoln em sua
casa, o dr. Mudd temia que pudesse sofrer consequências terríveis. A única
maneira de evitar tal desastre seria fazer com que Booth e Herold selassem
seus cavalos e fossem embora.
Mas Mudd ainda estava simpático à condição do assassino. Não era fã
de Abraham Lincoln, da União, ou do homem negro, e teria se regozijado
com o sequestro do presidente. Booth abusara de sua hospitalidade, mas não
o suficiente para fazer com que Mudd o traísse. Ele assegurou a Booth que,
contanto que ele e Herold concordassem em sair de imediato, ainda os
ajudaria.
Primeiro, deu-lhes os nomes de dois confiáveis operativos confederados
em Maryland, William Burtles e o coronel Samuel Cox. Em seguida,
explicou-lhes o caminho até a próxima parada na ferrovia clandestina dos
rebeldes. Eles deveriam se deslocar em direção ao sudoeste, descrevendo
um grande arco para fazerem o contorno por baixo de Bryantown de forma
a evitarem as tropas que ali estavam. Depois, virando para o oeste,
encontrariam a casa de Burtles, “Hagen’s Folly”, cerca de três quilômetros
ao sul de Bryantown. A fazenda de Cox ficava a vários quilômetros da de
Burtles, em direção sudoeste, onde os dois estariam bem ao alcance do rio
Potomac, e da Virginia, na margem ocidental. Mudd deu a Booth o nome de
um médico no lado da Virginia, caso a perna continuasse a atormentá-lo.
Mudd prometeu a Booth que não iria traí-lo. Não voltaria a Bryantown
na mesma noite para relatar que o assassino viera visitá-lo na calada da
noite. O dr. Mudd se conteria para dar a Booth uma boa distância. Se os
soldados viessem procurá-lo, diria apenas que dois desconhecidos
apareceram de passagem por sua fazenda precisando de cuidados médicos.
E em seguida lhes indicaria a direção errada.
Davey ajudou Booth a montar em seu cavalo, cuidou para que se
ajeitasse na sela e lhe entregou o par de rudimentares porém sólidas muletas
que Samuel Mudd e John Best haviam lhe confeccionado. O ator as
equilibrou deitadas transversalmente à sela, enfiou o bico da bota do pé
direito dentro do estribo e cautelosamente enfiou o outro pé, calçado num
velho sapato acalcanhado, frouxo e desamarrado, no estribo esquerdo. O
calçado foi um presente de despedida que lhe deu o dr. Mudd — Booth
jamais conseguiria enfiar a perna machucada no outro pé da bota. Ele
abandonou o calçado caro e luxuoso, agora maculado pelo bisturi de Mudd,
no chão do quarto. Suas mãos seguraram desajeitadamente as muletas e as
rédeas ao mesmo tempo. Herold subiu em sua montaria de um salto apenas.
Samuel Mudd, aliviado com a partida dos dois e por haver escapado ao
desastre iminente, ficou olhando-os seguir rumo ao sudoeste até que Booth
e Herold desapareceram de vista.
Eram mais ou menos 7 horas da noite de 15 de abril, quinze horas
depois que David Herold batera à porta de Mudd e pouca coisa além de
vinte e quatro horas desde que John Wilkes Booth assassinara o presidente.
O lusco-fusco do entardecer foi virando escuridão da noite enquanto Booth
e Herold continuavam indo para o sul, tendo o cuidado de observar sempre
o horizonte ocidental, à sua direita, em busca de sinais da cavalaria que
estava em Bryantown. Tinham uma longa cavalgada a fazer noite adentro.
Mas haviam sobrevivido até o pôr-do-sol do primeiro dia.
Lá na fazenda, Mudd retomou os seus afazeres habituais de fim de dia.
Nas horas que se seguiram à partida de Booth, uma tranquilidade pacata se
instalou por ali. Cavalos no estábulo, criados terminando suas tarefas, seu
próprio trabalho concluído e a família na segurança das portas bem
trancadas da casa. Mudd contemplou seu encontro com a história, e o
perigo. A hora de se recolher foi chegando e nenhum soldado apareceu. Ele
e Frances baixaram as luzes das lamparinas. Nessa noite, nenhum forasteiro
— assassino ou caçador — apareceu pelas redondezas no meio da noite
para tirá-lo de seus sonhos. Ele também sobrevivera ao dia.
MUITO EMBORA O DR. MUDD TENHA IDENTIFICADO A ROTA QUE DEVERIAM
seguir, Booth e Herold se perderam. Felizmente encontraram um homem
que morava nas redondezas, Oswell Swann, mestiço de negro com índio
Piscataway, andando a pé pelas estradas. Swann conhecia o território.
Ouvira falar do assassinato do presidente, mas não se mostrou alarmado
quando dois desconhecidos a cavalo o abordaram na escuridão, perguntando
se ele conhecia o caminho para a casa de William Burtles. Eles lhe
ofereceram dois dólares para ser seu guia, perguntaram-lhe se tinha uísque e
disseram-lhe que fosse até sua cabana pegar um cavalo. Então,
inexplicavelmente, por razões que jamais revelou, Booth mudou de ideia.
Esqueça o Burtles, disse o assassino, e leve-nos diretamente para o capitão
Cox. Booth ofereceu-lhe mais cinco dólares. Swann concordou.
O anjo do brejo Oswell Swann fez por merecer seu pago nessa noite.
Booth e Herold, havendo se livrado do lodo, das cobras e da vegetação
bravia do pântano infernal de Zekiah, voltaram à civilização dos campos
cultivados e das casas familiares de Maryland. Swann os guiou em
segurança até a porta do capitão Samuel Cox, senhor de Rich Hill. Isso foi
em algum momento entre a meia-noite e 1 hora da madrugada do novo dia,
16 de abril, Domingo de Páscoa, aproximadamente vinte e seis horas desde
o assassinato, e dezessete horas desde que Abraham Lincoln morrera.
A Sexta-feira Santa de 1865 foi o dia mais obscuro da América desde a
inesperada morte de George Washington em 14 de dezembro de 1799, 66
anos antes, um momento que os washingtonianos recordavam, alguns ainda
dos tempos da juventude. O domingo seguinte à morte de Lincoln era
Páscoa e esta ficaria eternamente conhecida como a “Páscoa Negra” para
aqueles que a vivenciaram. O Morning Chronicle de domingo resumiu o
estado de espírito de todo o país ao dizer que o assassinato transformou
“uma temporada de júbilo em luto” e entoou “o pranto por toda a nação”.
Por todo canto, pastores ficaram acordados até tarde na noite de sábado
escrevendo, à luz de velas, lamparinas ou gás, as últimas frases de novos
sermões que começaram a compor assim que ficaram sabendo, na manhã do
dia 15, da terrível notícia.
Nas primeiras horas da Páscoa Negra, Booth e Herold buscavam sua
salvação, não numa igreja mas à porta de um fiel confederado. Caso Cox se
recusasse a recebê-los, as palavras de Cristo morrendo na cruz na sexta-
feira da paixão, “tudo está consumado”, descreveriam seu destino. Os
assassinos ainda estavam muito ao norte. O osso quebrado na perna de
Booth e o desvio não planejado para atendimento médico até a fazenda do
dr. Mudd custaram-lhes não apenas quinze preciosas horas mas também os
deslocaram em direção ao leste, para fora do caminho, de forma que seu
crono- grama de fuga estava agora praticamente um dia atrasado.
Booth e Herold se aproximaram da casa de Cox. Resolveram usar a
mesma estratégia que usaram na taverna de Surrattsville: Booth ficaria na
penumbra enquanto Herold entabulava conversa, mas com o capitão Cox
eles não iriam desembuchar logo o segredo. Se necessário, estavam
dispostos a implorar por suas vidas. Cox era a última esperança que tinham
em Maryland e não havia como retornar se ele os renegasse. David Herold
apeou, percorreu a piazza na frente da grande e requintada casa de fazenda,
e acionou a aldrava. Booth permaneceu em sua montaria à sombra de um
frondoso ailanto no quintal. Cox colocou a cabeça para fora de uma janela
do segundo andar e perguntou:
— Quem está aí?
Herold se recusou a dar o nome, sem saber se poderia confiar no
capitão. Revelou apenas estar acompanhando um homem que precisava de
ajuda. Cox avistou Booth à espreita na sombra da árvore, se escondendo do
luar. Herold perguntou se eles poderiam entrar.
Desconfiado, mas intrigado o suficiente para descer, Cox abriu a porta e
avaliou o homem exausto de olhos insensatos que viu à sua frente. O
forasteiro de aspecto pueril parecia mais um garoto que um homem. O olhar
astuto do fazendeiro varreu todos os arredores. Talvez Herold fosse um
marginal e seu pretexto um truque para deixar que outros facínoras
invadissem a casa. Apreensivo, percebendo que o forasteiro ocultava sua
verdadeira história, Cox foi fechando a porta. Desesperado, Booth
desmontou com alguma dificuldade e subiu mancando o pórtico para chegar
à porta. Sentindo muita dor, ele pleiteou ajuda. Segundo o filho do capitão,
“foi ali sob a claridade do luar que Cox viu as iniciais ‘J-W.B.’ tatuadas no
braço dele”. E foi ali que o ator de fala melíflua, conforme fizera com o
sargento Cobb na Ponte do Estaleiro Naval, tornou a usar sua arte sedutora
na intenção de ganhar um homem para a sua causa. Cox abriu totalmente a
porta e convidou os fugitivos para entrar. Para a nação, a Páscoa Negra
raiou como um dia de grande luto; para John Wilkes Booth, começou como
um dia de salvação.
O que Booth disse para Cox no pórtico de Rich Hill em torno da 1 hora
da madrugada de 16 de abril — bem como as conversas e planos que se
seguiram nas poucas horas em que o ator e Herold passaram na casa —
continua sendo um mistério. Naturalmente, Cox e o filho depois negaram
que o assassino e seu batedor tivessem sequer pisado na casa. Quando
Oswell Swann jurou que vira Booth e Herold entrarem, uma fiel escrava de
Cox, Mary Swann, o chamou de mentiroso e apoiou seu capitão. Mas,
considerando o estado de espírito de Booth, a precariedade das condições
em que se encontrava e a coisa extraordinária que o coronel e o filho
estavam prestes a fazer para auxiliar seus hóspedes, resta pouca dúvida de
que Booth tenha desabafado e confessado tudo para seus anfitriões. O
assassino do presidente dos Estados Unidos estava ah, machucado,
desesperado e fugindo de uma frenética caçada humana. Pai e filho olharam
para o assassino e resolveram salvá-lo. Cox disse a Booth que só havia um
homem, pessoa de grande habilidade, capaz de ajudá-lo a cruzar o Potomac
e entrar na Virginia.
Pela manhã, depois do nascer do sol, iriam chamá-lo. Mas, por ora, era
perigoso demais Booth e Herold ficarem em Rich Hill. Cox explicou-lhes,
então, que iria escondê-los num pinheiral muito denso, quase impenetrável,
a pouca distância da casa. Lá ninguém iria procurá-los, assegurou-lhes Cox,
e era extremamente improvável que algum morador das redondezas
esbarrasse com eles naquelas paragens. Eles não deveriam fazer fogo
algum. E pela manhã, alguém iria buscá-los. A pessoa deveria sinalizar com
um assobio peculiar. Eles deveriam desconfiar de qualquer um que não
fizesse o sinal. Depois de devorarem a comida que Cox lhes ofereceu,
Booth e Herold voltaram às suas montarias para a cavalgada até o pinheiral.
Cox mandou que seu capataz, Franklin Robey, os levasse até lá.
Oswell Swann ainda esperava por eles do lado de fora da casa, talvez na
esperança de ganhar honorários adicionais para levá-los a outra localidade.
Quando Booth e Herold saíram da casa, Davey foi direto para o seu cavalo,
esquecendo-se da incapacidade do ator. Booth, parado ao lado do seu,
impaciente e desamparado, repreendeu-o em tom aborrecido.
— Você não sabe que eu não consigo montar sozinho?
Davey voltou e ajudou o seu senhor a subir na sela. Booth pagou a
Swann doze dólares por seus serviços e, em seguida, para afastar qualquer
suspeita que pudesse recair sobre seus anfitriões, reclamou ostensivamente
com Herold da falta de hospitalidade recebida.
— Eu achava que Cox fosse um homem de sentimento sulista.
Se Swann pegasse a isca, iria para casa pensando que Cox havia
renegado as visitas indesejáveis no meio da noite. Só para garantir, David
Herold o ameaçou:
— Se você disser alguma coisa, se disser que viu alguém, não vai viver
muito tempo.
A persistir-lhes a sorte, eles cruzariam o rio e estariam na Virginia
pouco depois do cair da noite de 16 de abril, num prazo de dezesseis a vinte
e quatro horas a partir de agora. Mas isso só se conseguissem sobreviver
mais um dia em Maryland.
BOOTH E HEROLD ADENTRARAM O PINHEIRAL, APEARAM E AMARRARAM OS
cavalos. Os animais haviam lhes servido muito bem, mas estavam com
fome e sede, e não eram habituados a passar a noite ao relento. Eram
cavalos de uma estrebaria da cidade, para aluguel por hora ou pelo dia, não
animais de expedição adequados para a vida ao ar livre, no campo.
Exaustos, os dois homens desenrolaram suas cobertas sobre a terra úmida,
deitaram-se e miraram o céu imenso decorado por inúmeros pontinhos de
luz cintilante. Em pouco tempo raiaria o dia. Se o coronel Cox mantivesse a
palavra, seria seguro deixar-se levar pelo sono por algumas horas.
Os primeiros raios de sol e o canto dos passarinhos despertaram Booth e
Herold bem cedo. Agora não tinham o que fazer senão esperar. Em Rich
Hill, Samuel Cox precisava descobrir se a pessoa de quem lhes falara
estaria disposta a ajudar Booth e Herold. Instruiu então seu filho de 18 anos,
Samuel Jr., a pegar um cavalo e ir até a Fazenda Huckleberry, pouco mais
de seis quilômetros a sudoeste, e trazer o dono, Thomas A. Jones, para Rich
Hill imediatamente. Cox avisou para o rapaz tomar cuidado e lhe disse que
se alguém, especialmente soldados, perguntasse para onde estava indo, ele
deveria dizer a verdade quanto ao seu destino. Mas se perguntassem por que
estava indo para lá, o rapaz não deveria revelar a verdade. Deveria, sim,
mentir, dizer que ia a Huckleberry pedir a Jones um pouco de semente de
milho. Era estação de plantio e ninguém iria suspeitar de um pedido tão
inocente feito de um fazendeiro a outro.
Por volta das 8 horas, Samuel Cox Jr. chegou a Huckleberry, bem
quando o agente confederado e barqueiro do rio acabava de tomar seu
desjejum. O veterano do serviço secreto passara a vida desbravando
campos, matas e florestas de uma Maryland rural, navegando seus córregos,
brejos e rios.
Durante a guerra, trasladou centenas de homens, e uma ou outra mulher
como a bela Sarah Slater, para o lado virginiano do rio Potomac. Houve
noites em que Jones organizou até duas viagens de um lado ao outro do rio
num pequeno barco a remo. Além disso, transportava de um estado para o
outro a correspondência dos confederados e mandava para o sul jornais
recém-publicados da União que municiavam de informações as lideranças
confederadas. Jones era um agente secreto indispensável, misterioso e
lacônico, lutando uma guerra à sombra, nas fronteiras ribeirinhas entre a
União e o território rebelde. O exército da União nunca o pegou em ação —
ele era um fantasma do rio para os rapazes de uniforme azul.
“Nunca perdi uma carta ou um jornal sequer”, gabava-se. E dominava o
rio de tal forma que conseguia até calcular o momento mais propício, com
precisão de minutos praticamente, para começar uma travessia.
“Eu tinha percebido que, um pouco antes do pôr-do-sol, o reflexo dos
costões perto de Pope’s Creek se estendia pelo Potomac até quase se
encontrar com a sombra projetada pelas matas da Virginia, de forma que
nessa hora da tarde era difícil perceber um objeto pequeno como um barco a
remo flutuando no rio.”
Os serviços de Jones para a Confederação lhe custaram caro. Na
suspeita de atividades desleais, as forças federais o capturaram e levaram
para a prisão no prédio do antigo Capitólio em Washington. Então, sua
amada esposa faleceu. Jones precisou vender a outra fazenda que tinha em
Pope’s Creek e, quando foi a Richmond no início de abril de 1865 para
pegar o dinheiro que o governo confederado lhe devia, descobriu que o
exército tinha evacuado a cidade e ele acabou sem o dinheiro. Perdeu 2.300
dólares de três anos de serviços e, o que foi pior, na queda da Confederação,
perdeu os 3.000 que tinha investido em títulos confederados no início da
guerra. Tudo isso significava que Thomas Jones precisava de todo o
dinheiro que conseguisse colocar as mãos.
O filho de Cox mencionou devidamente as sementes de milho mas, ao
ver que Jones estava só, transmitiu-lhe aos sussurros a verdadeira natureza
da missão. Seu pai queria vê-lo imediatamente.
— Chegaram uns forasteiros lá em casa ontem à noite...
Os olhos de Jones se abriram — estaria falando dos heróis que haviam
assassinado o presidente Lincoln? O relato o deixou elétrico. No dia
anterior, sábado à noitinha, 15 de abril, por volta da mesma hora em que
Booth e Herold saíram do refugio do dr. Mudd para enfrentar a próxima
etapa de sua fuga, Jones estava fazendo uma visita casual à sua antiga
fazenda em Pope’s Creek. Dois soldados da União vieram lhe fazer o que
pareceu ser uma pergunta inocente. Quem era o dono daquele barquinho à
beira do riacho? Para Jones, a guerra terminara quando Richmond caíra em
3 de abril e o exército da Virginia do Norte se rendera no dia 9. Não haveria
mais travessias secretas pelas águas do rio, nem fugas emocionantes das
perseguições do exército ou da marinha da União, ou luzes misteriosas
piscando às margens do outro estado no lado de lá. A guerra acabara, e
Jones não via razão para prolongar a manha. Disse aos soldados que o barco
era seu.
A resposta detonou um alerta estranho que um dos soldados fez em
fraseado vago.
— É melhor ficar de olho nele. Há umas figuras suspeitas andando pelas
redondezas que podem estar querendo cruzar o rio; se não tomar cuidado,
você poderá acabar perdendo o barco.
Desde quando os soldados da União se preocupavam que um fazendeiro
sulista em território desleal pudesse perder o barco a remo? Havia algo por
trás disso. Ele retrucou:
— Pode deixar, vou tomar conta. Eu não gostaria de perdê-lo porque é o
meu barco de pesca e as savelhas estão começando a aparecer.
Os soldados trocaram cochichos entre si e pareceram concordar com
alguma coisa. O que havia perguntado sobre o barco se virou para Jones e
disse:
— Soube da novidade, amigo?
Não, Jones respondeu que não sabia.
— Vou lhe contar, então. O nosso presidente foi assassinado às 10 da
noite de ontem.
Jones redarguiu com uma exclamação ambígua.
— Mas, será possível?
Sim, respondeu o soldado, “e os homens que o mataram vieram nesta
direção”.
Agora, um dia depois, Jones sentiu nas entranhas: o coronel Cox queria
vê-lo a respeito de algo em conexão com o assassinato.
Jones selou uma montaria e acompanhou o jovem Cox até Rich Hill.
Embora tivesse perguntas a fazer, falou muito pouco durante a viagem. As
experiências do tempo de guerra haviam lhe ensinado a não falar de
assuntos perigosos a menos que fosse absolutamente necessário. Quando
chegassem a Rich Hill, Cox falaria tudo e ele apenas escutaria. Mas, até
então, os cavaleiros continuariam no seu trote rumo ao nordeste, quebrando
o silêncio apenas com comentários inofensivos sobre o tempo ou as
condições das estradas. Quando chegou a Rich Hill por volta das 9 horas da
manhã, Jones avistou Cox esperando no portão. Ele desmontou e o coronel
o levou a um lugar aberto onde ninguém pudesse se esconder para escutá-
los. Agente secreto experiente, Jones percebeu que Cox queria lhe dizer
algo importante. Mas a experiência também aconselhava a aguardar que o
amigo lhe contasse ao seu próprio modo, em seu próprio ritmo. Eles
trocaram amabilidades durante bons minutos até que Cox não conseguiu
mais evitar o assunto.
— Tom, recebi visitas por volta das 4 horas da madrugada de hoje.
Normalmente, Jones possuía o talento de manter um silêncio pétreo e
deixar que o outro falasse, mas agora ele não conseguiu se conter e soltou:
— Quem eram, e o que queriam?
— Eles querem cruzar o rio — Cox explicou.
Depois de uma pausa, sussurrou:
— Você soube que Lincoln foi morto sexta à noite?
Sim, retrucou Jones, falando-lhe do encontro com os dois soldados.
Durante um bom minuto, Cox ficou calado. E então falou:
— Tom, nós precisamos levar esses homens que estiveram aqui hoje de
manhã para o outro lado do rio.
A intuição de Jones estava correta: não só Cox viera vê-lo a respeito do
assassinato como os assassinos estavam aqui! Diante disso, Cox desabafou
logo de uma vez e contou a Jones tudo sobre a visita de Booth e Herold no
meio da madrugada.
— Tom, você precisa levá-los para lá.
Jones não era nenhum covarde — quatro anos de serviços leais e
perigosos para a Confederação provavam bem isso! Mas a guerra acabara.
Jones reconsiderou toda a situação: “Eu sabia que ajudar o assassino do sr.
Lincoln, de qualquer forma que fosse, iria colocar a minha vida em perigo.
Sabia também que todo o sul de Maryland logo estaria — não, já estava —
cheio de soldados e caçadores de cabeças no encalço deles, ávidos por
vingarem o assassinato de seu amado presidente e receberem a recompensa.
Cheguei a hesitar um instante enquanto ponderava essas questões.”
Cox implorou uma terceira vez.
— Tom, você não consegue levá-los para o lado de lá?
Jones se decidiu.
— Vou ver o que posso fazer, mas as chances não são muitas. Eu
preciso ver esses dois homens; onde eles estão?
ONDE ESTAVA JOHN WILKES BOOTH? ERA EXATAMENTE O QUE QUERIA
saber o país inteiro — Stanton e seus homens em Washington, soldados e
detetives no campo, marinheiros nos rios e no mar, o povo americano por
todo canto, e obviamente os jornais. E quando seria capturado? Os
periódicos estavam repletos de previsões ridículas. Em 16 de abril, o
Chicago Tribune, a vários quilômetros do centro da ação em Washington,
anunciava que o assassino de Lincoln estava para ser capturado: “A fuga do
parricida, Booth, e de seus confederados só vai durar alguns dias, ou horas.
Milhões de olhos estão vigilantes à sua procura e logo eles estarão nas mãos
da justiça... não há lugar neste lado da perdição que os possa abrigar.”
Exceto um bosque de pinheiros, talvez. Ignorando a situação, os editores
otimistas na longínqua Chicago previam para “muito breve a captura e o
enforcamento” de Booth. Então, para garantir suas apostas, eles publicaram
uma manchete absurda e contraditória: “Assassino Preso, ou Ainda à
Solta”. Ele ainda estava fugindo, perguntava o Tribune, ou haveria algum
fundo de verdade na “reportagem não confirmada de que Booth foi preso às
9 horas, perto de Fort Hastings na estrada de Bladensburg” quando o
assassino idiota “se aproximou audaciosamente da nossa guarda”.
O número do New York Herald de 16 de abril partilhava do mesmo
otimismo do Chicago Tribune: “Os detetives mais talentosos do país estão
envolvidos na investigação e não serão poupados esforços, mão de obra,
habilidades ou despesas nesta perseguição.”
O CAPITÃO COX DISSE A THOMAS JONES QUE O SEU CAPATAZ FRANKLIN
ROBEY havia levado Booth e Herold no meio da noite para um pinheiral
localizado a pouco mais de um quilômetro de distância de sua casa. O
assassino de Lincoln estava lá agora, aguardando que alguém viesse
resgatá-lo. Passou-lhe o código do assobio, um trio de notas diferentes, e o
preveniu que se aproximasse dos fugitivos com cautela. Estando muito bem
armados e ressabiados, eles poderiam matá-lo.
— Cuidado ao se aproximar. Eles estão bem armados e podem atirar em
você por engano.
Sozinho, Jones conduziu sua montaria para o oeste, em direção ao
inoportuno encontro com o assassino de Lincoln. O sol estava batendo por
trás. Isso faria dele um alvo mais difícil.
Assim que entrou no pinheiral, Jones percebeu movimento. Não eram
os fugitivos. Ele encontrou uma égua baia solta, com patas, crina e cauda
pretas, e uma estrela branca na testa. Com sela e arreios, o animal vagueava
por ali, pastando numa pequena clareira aberta antigamente para o cultivo
de tabaco. Jones amarrou-a a uma árvore e prosseguiu. Em silêncio, foi
adentrando o bosque. O pinheiral se adensou de forma tal que em pouco
tempo ele já não conseguia enxergar além de dez ou doze metros. Era
melhor dar logo o sinal, pensou, antes que os pegasse de surpresa e os dois
disparassem contra ele. Jones então parou e assobiou a estranha combinação
de notas, qual um azulão intoxicado.
David Herold, “pouco mais do que um garoto”, pensou Jones, se
levantou por detrás de uma moita e apontou-lhe uma carabina Spencer. A
arma estava engatilhada e pronta para disparar.
— Quem é você e o que quer? — perguntou ele, brandindo a arma
ameaçadoramente.
— Vim a mando do Cox. Ele me disse que eu iria encontrá-los aqui.
Sou amigo; vocês não precisam ter medo de mim.
Herold olhou fixamente para Jones e, em seguida, satisfeito, relaxou a
empunhadura da Spencer e falou bruscamente:
— Siga-me.
Ele guiou Jones pelo meio do pinheiral mais uns trinta metros adiante
até chegarem a um homem parcialmente escondido atrás do mato alto. A
empolgação de Jones aumentou. Estava prestes a descobrir a resposta à
pergunta que, durante as últimas trinta e seis horas, arrebatava o país
inteiro: onde estava John Wilkes Booth?
— Este amigo vem a mando do capitão Cox — disse Herold, olhando
para um homem deitado no chão.
Tomado por uma mistura de êxtase e medo, Jones viu John Wilkes
Booth pela primeira vez. “Ele estava deitado no chão com a cabeça apoiada
na mão. Atrás dele, bem pertinho, estavam uma carabina, pistolas e uma
faca. Um cobertor cobria parte do seu corpo. Um chapéu de abas moles e o
par de muletas se encontravam ao seu lado. Suas roupas eram escuras —
acho que pretas — e davam mostras da viagem... embora ele estivesse
excessivamente pálido e seus traços demonstrassem sinais evidentes de
sofrimento, quase nunca eu vi, se é que algum dia vi, um homem de tanta
elegância.”
Antes de conhecer Booth, Jones não estava muito entusiasmado com
esse esquema tão arriscado. Sim, havia prometido a Cox que iria ajudar, e
jamais faltaria com a palavra a um velho amigo. Mas não gostou da tarefa.
Ao conhecer o assassino, tudo mudou.
Mais tarde, Jones observou, em tom de aprovação, que “ele tinha a voz
agradável e, embora parecesse estar sentindo muita dor na perna quebrada,
portava-se com cortesia e seus modos eram refinados”. Mesmo em tais
circunstâncias, Booth se lembrava de como agradar ao público, e Jones
ficou encantado. “Mas bastou vê-lo naquelas condições de sofrimento,
indefeso, para eu me concentrar totalmente na questão de levá-lo para o
outro lado do rio. Embora eu o soubesse um assassino, sua condição
conquistou a minha solidariedade de forma tal que o meu horror pelo feito
deu lugar à minha compaixão pelo homem e eu me senti compelido a fazer
o que pudesse para ajudá-lo; então resolvi, fossem quais fossem as
consequências que eu viesse a enfrentar depois, que daquele momento em
diante todas as minhas energias se voltariam para o cumprimento do que
então parecia ser a tarefa bastante improvável de levá-lo até a Virginia.”
Booth confessou o que Jones já sabia — matara Lincoln. O assassino
reconheceu não ter muita chance. “Ele disse que o Governo dos Estados
Unidos usaria de todos os meios ao seu alcance para assegurar sua captura.”
Porém, jurou o ator, com os olhos pretos reluzindo com seu brilho típico,
“John Wilkes Booth jamais será pego vivo”. Thomas Jones teve certeza de
que ele falava sério.
Jones propôs um plano. Faria o que pudesse para levar Booth e Herold
até a Virginia, mas os dois deveriam deixar por sua conta a decisão de
quando e como empreender a tentativa. Paciência era essencial. Jones
estava disposto a assumir um grande risco pessoal, mas não a embarcar
numa missão obviamente suicida.
— Vocês devem ficar aqui, o tempo que for necessário, e esperar até
que eu arranje um jeito de tirá-los com segurança; e eu não creio que
consiga antes de todo esse clamor público diminuir um pouco. Nesse meio-
tempo, vou ficar providenciando comida para vocês.
Jones tinha a esperança de que os soldados e detetives encarregados de
vasculhar aquela área acabassem desistindo e partindo logo para outro
território depois de chegarem à conclusão de que Booth não estava
escondido nas redondezas.
Até tal momento, Booth e Herold não deveriam sair do bosque dos
pinheiros, fazer barulho ou qualquer outra coisa que pudesse revelar o seu
esconderijo. Jones disse que eles deveriam esperar pelo momento exato
para cruzar o Potomac. Precisariam esperar por uma noite escura, águas
calmas, ninguém nas margens, e pela partida de muitos dos soldados e
detetives que já haviam seguido Booth na direção sul até Maryland. Poderia
ser uma questão de dias. Jones convenceu Booth e Herold a adotarem o seu
engenhoso plano, por mais que ele próprio se opusesse às suas intuições. A
melhor maneira de escaparem, segundo o raciocínio de Jones, seria parando
de fugir dos seus perseguidores e se escondendo. Já os havia em grandes
números ao sul de Washington. Em breve as forças federais viriam se juntar
a David Dana e infestariam o Condado de Charles. Seria mais inteligente
tentar escapar ficando parados, deixando que os caçadores de cabeças
varressem toda a região até resolverem ir procurar noutro lugar.
Com esse plano simples, Jones confundiu toda a caçada que estava
sendo empreendida atrás de John Wilkes Booth. Um único agente
confederado, sem recursos e praticamente sem um centavo sequer, acabava
de dar um xeque-mate na frenética perseguição de milhares de homens
orquestrados a partir de Washington pelo secretário da Guerra Stanton.
STANTON PODIA TER PERDIDO A PISTA DE BOOTH NO PINHEIRAL, MAS
ESTAVA fechando o cerco em torno de “Sam”, o autor da notória carta
encontrada no quarto que Booth ocupava no National Hotel na noite do
assassinato. Na tarde de 16 de abril, Charles Dana recebeu um telegrama do
oficial comandante da polícia James L. McPhail em Baltimore: “Segui as
pistas de Samuel Arnold até a Fortaleza de Monroe. Enviarei até ele dois
homens que o conhecem. Mande pelo telégrafo uma ordem para eu prendê-
lo na fortaleza. Telegrafar para lá mandando prendê-lo pode estragar tudo.”
Dana respondeu em menos de quinze minutos: “Prenda Samuel Arnold,
suspeito de envolvimento no assassinato do presidente.” Começava a
caçada ao velho amigo de escola de Booth.
No mesmo dia, 16 de abril, o general do exército confederado R. S.
Ewell enviou uma carta notável para U. S. Grant, assinada por ele mesmo e
em nome de outros dezesseis generais confederados. Eles não haviam
matado Lincoln, jurava Ewell. O general expressou “repugnância e
indignação inqualificáveis pelo assassinato do presidente dos Estados
Unidos... Não há palavras para expressar o choque que sofri, eu em comum
com todos os demais oficiais aqui reunidos, face à ocorrência desse crime
hediondo e da aparente tendência da opinião pública a conectar o Sul e os
sulistas com isso... Não somos assassinos, nem aliados dos assassinos,
sejam eles do Norte ou do Sul.”
Stanton, juntamente com quase todo o governo e os oficiais militares,
bem como o povo americano, ainda culpava a Confederação pelo
assassinato de Lincoln. Acreditava-se francamente que Booth tivesse agido
meramente como agente. Mas se assim não fosse, talvez os recursos da
Confederação pudessem ser empregados para auxiliar na perseguição. Num
gesto surpreendente, Stanton considerou recrutar para a caçada humana o
legendário gênio da cavalaria dos “casacas cinza”, o confederado John
Singleton Mosby. No dia 16 de abril, Stanton enviou um telegrama com
instruções para o general Hancock, marcando para em breve discutir os
termos da rendição com Mosby em Winchester, Virginia: “Numa entrevista
com Mosby, talvez não seja necessário precaver um velho soldado como
você para se proteger contra qualquer surpresa ou perigo à sua pessoa; mas
os assassinatos recentes demonstram malícia tão assombrosa que nunca é
demais prevenir. Se Mosby for sincero, ele será capaz de ajudar muito a
detectar e apreender os assassinos do presidente.”
CAPÍTULO 6 “Aquela corja vil de sanguinários’
NINGUÉM ESPERAVA QUE BOOTH PARASSE DE CORRER. LOGO SEGUI- riam
seus passos até a taverna de Surrattsville, em seguida até o dr. Mudd. Mas
daí por diante as pistas esfriavam. Parecia que o assassino desaparecera
simplesmente. Lá em Washington, o estado de espírito no Departamento da
Guerra ficou horrível. Será que ele conseguira? O assassino de Lincoln
conseguira mesmo escapar?
Booth era homem de impulso e ação, não de paciência e inércia.
Sabendo que o rio estava sofrivelmente perto, ficou ansioso por cruzá-lo,
para que ele e Davey pudessem estar logo entre amigos do lado da Virginia
ainda esta noite. E convencera-se de que poderia estar, se ao menos Jones
concordasse em agir de forma decisiva. Ficar escondido no meio de um
pinheiral dias a fio só parecia aumentar o perigo da captura, não diminuí-lo.
Ainda assim, submeteu-se ao julgamento do fantasma do rio. Booth sabia
que, por ora, não tinha opção. Thomas Jones era sua única esperança. Se ele
e Herold desafiassem Jones, se saíssem do pinheiral naquela noite e
tentassem uma corrida desesperada até o rio por conta própria, é quase certo
que seriam capturados ou mortos. Mesmo que chegassem à margem do rio,
onde iriam encontrar um barco? Jones era a única opção. E mais, havia algo
em Jones que fez Booth confiar nele. O jeito lacônico, a robustez, a falta de
propensão para rodeios agradaram a Booth, que se achava perspicaz para
julgar o coração dos homens. E Jones conhecia o terreno e o rio tão bem
quanto Booth conhecia as ruas de Washington e as passagens do Teatro
Ford. Se esse rebelde astuto, criatura rapineira da noite, não conseguisse
levar Booth para a outra margem do rio, ninguém mais conseguiria.
Jones falara com toda a ênfase: “Vocês devem ficar aqui, o tempo que
for necessário, e esperar até que eu arranje um jeito de tirá-los com
segurança.” Mas não haveria médico. Jones explicou que seria perigoso
demais trazer um médico de Maryland para o pinheiral. Depois que
cruzasse o rio, Booth poderia consultar um médico rebelde na Virginia.
Booth e Herald se renderam ao plano de Jones e se colocaram nas suas
mãos. Mas o assassino tinha algumas perguntas urgentes. O que o povo
achara? O que Jones poderia lhe contar sobre o que o povo dizia do
assassinato? Jones lhe assegurou que a maioria das pessoas solidárias ao Sul
se sentia gratificada com o ato de Booth.
E ele queria mais. Se não fosse muito incômodo, perguntou, será que
Jones conseguiria trazer algum jornal atual de Washington — talvez um
exemplar de ontem do Daily Morning Chronicle, do Evening Star, ou do
National Intelligencer— sábado, 15 de abril, dia em que Lincoln morreu,
ou de hoje, dia 16, a Páscoa Negra? Inacreditavelmente, apesar da dor, da
exaustão e das condições calamitosas que lhe ameaçavam a vida, o ator
estava ansioso para ler suas resenhas. Booth estava especialmente
interessado em ler o Intelligencer com afinco e apreciar um artigo em
particular — cujo conteúdo já lhe era familiar — que esperava encontrar
naquelas páginas.
Quando se preparava para sair do pinheiral, Jones ofereceu a David
Herold algo de uso bem mais prático do que jornais — a localização de uma
fonte de água doce a trinta ou quarenta metros dali. Os assassinos estavam
com sede e a fonte os sustentaria enquanto aguardavam até cruzar o rio.
Jones avisou para Herold tomar cuidado quando fosse até lá porque havia
nas proximidades uma pequena trilha que a população local costumava usar.
As tropas federais jamais a iriam descobrir, mas era melhor que ninguém,
nem mesmo sulistas amigáveis, deitasse os olhos nos fugitivos.
Jones montou em seu cavalo. Eles iriam até o rio assim que fosse seguro
fazê-lo, reiterou. Mas até lá, prometeu ainda, ele não abandonaria os
assassinos. Viria vê-los todo dia pela manhã, trazendo alimento e jornais —
e esperança. Jones esporeou a montaria e saiu ziguezagueando por entre os
pinheiros até sumir de vista. Durante as próximas vinte e quatro horas, até
que — ou se — Jones voltasse na segunda-feira de manhã, 17 de abril,
Booth e Herold estavam por conta própria.
A CAMINHO DE CASA DEPOIS DE SAIR DO BOSQUE DE PINHEIROS, Thomas
Jones refletiu sobre o apuro em que acabava de se meter. Quando acordara
no dia 16 de abril, era apenas mais um veterano do serviço confederado
para quem a guerra terminara. Tudo o que queria fazer era ficar lambendo
as feridas, se recuperar da melhor maneira que pudesse das perdas
financeiras sofridas e tocar sua fazenda. Mas agora, um mero punhado de
horas depois, ele se colocava num perigo muito maior do que em qualquer
momento de todos os anos em que desempenhou atos de bravura junto ao
serviço secreto nos tempos da guerra. Jamais lhe fora confiado um segredo
mais perigoso e, como ele logo viria a saber, valioso. Toda uma nação
perguntava em uníssono: “Onde está John Wilkes Booth?” Thomas Jones
era um dos quatro homens no país inteiro, incluindo os Cox e seu capataz,
que sabiam a resposta. Jones também sabia mais uma coisa. Se as tropas da
União o pegassem acoitando o assassino de Abraham Lincoln, o melhor que
ele poderia esperar seria um retorno prolongado à prisão do antigo prédio
do Capitólio. A pena mais provável seria a morte. Jones não tinha ilusão
alguma sobre a maneira como o Norte o enxergaria: “Eu seria visto como o
vil partícipe de um patife maculado pelo crime mais odioso que o anjo da
anunciação já registrara no livro das condenações.”
O plano improvisado de Jones tinha um tema primordial: não fazer nada
que pudesse levantar suspeitas. Isso significava cumprir com suas rotinas
diárias, sem fazer nada fora do comum. Arranjar os jornais era fácil. Ele os
pegava sempre durante a guerra, e pegar mais jornais agora não seria
incomum. Afinal de contas, todos queriam ler as últimas notícias sobre o
assassinato de Lincoln e, se as tropas federais o pegassem com vários
jornais nos alforjes de sua montaria, poderia alegar curiosidade inocente e
natural. A comida seria um pouco mais difícil de explicar. Por que um
fazendeiro da região andaria por aí com uma sacola de mantimentos
pendurada na sela? E como poderia explicar as várias sacas de ração para os
famintos cavalos de Booth e Herold? E quanto ao barco? Ele precisaria
mantê-lo pronto para ser usado a qualquer momento. Quando chegasse a
hora de fugir para o rio, Jones teria de correr até o pinheiral e fazer com que
Booth e Herold andassem depressa. No dia anterior, ele havia descoberto
dois soldados da cavalaria da União à espreita nas proximidades do seu
bateau em Pope’s Creek. Talvez estivessem mesmo de atalaia, esperando
que o assassino de Lincoln viesse pegá-lo. Não, era perigoso demais se
arriscar com o bateau. Felizmente para Booth e Herold, Jones possuía mais
um barco, um esquife de onze pés, fundo chato e cor de chumbo, escondido
no matagal do brejo rio acima de Pope’s Creek, onde se encontrava o
bateau. Pelo que soubesse, os soldados da União ainda não haviam
encontrado o esquife.
Jones precisava preparar esse segundo barco imediatamente: “A única
chance de Booth cruzar o rio dependia de eu conseguir assegurar posse e
controle sobre um desses dois barcos.” Para formular um plano, Jones se
baseou em toda a sua experiência dos tempos de guerra em fugir das
patrulhas da União. Assim que chegou em casa, mandou seu ex-escravo
Henry Woodland tirar o esquife toda manhã para ir pescar savelhas com as
redes de espera. Nessa época, não era raro se encontrar um homem negro
pescando com rede nos rios do sul de Maryland e Woodland não iria atrair a
atenção das patrulhas da União. Jones mandou que ele desatracasse em
Pope’s Creek na segunda pela manhã mas que não remasse de volta para o
córrego. Ele deveria atracar, sim, num local chamado Dent’s Meadow.
Então, Woodland deveria passar o resto da semana seguindo essa rotina,
largando da campina toda manhã e voltando para o mesmo lugar ao fim do
dia com o pescado, cuidando para esconder o barco fora do alcance dos
ladrões. Jones nunca contou a Henry a significância especial de Dent’s
Meadow — o local que ele escolhera como o melhor para levar Booth e
Herold até a outra margem do rio.
Jones considerava aquele ponto como terreno favorável: “Dent’s
Meadow era então um ponto bastante retirado ao fundo da fazenda
Huckleberry, pouco mais de dois quilômetros ao norte de Pope’s Creek e
nem quase dois da estrada, sem residência alguma ao alcance da vista. Essa
campina era um vale estreito que chegava ao rio entre penhascos altos e
íngremes que na época tinham arvoredos cerrados e um quase impenetrável
matagal de louros. Um córrego pequeno passa pelo meio da campina e se
alarga quando vai chegando ao rio. Foi esse o ponto que eu determinei para
fazer a tentativa de mandar Booth para o lado da Virginia.” Jones já
escolhera o local, agora precisava esperar o momento certo.
No DOMINGO DE PÁSCOA, ENTRE 10 E 11 HORAS DA MANHÃ, GEORGE
Atzerodt apareceu na casa de Hezekiah Metz, a uns trinta e cinco
quilômetros de Washington, no Condado de Montgomery, Maryland.
Atzerodt foi almoçar com Metz e três convidados, Somerset Leaman, James
E. Leaman e Nathan Page. Atzerodt era conhecido pelo povo dessa região
por outro nome, “Andrew Atwood”. Somerset o conhecia há anos e quando
Atzerodt chegou na casa de Metz, ele o provocou:
— É você o homem que matou Abe Lincoln? — A piada deve ter
deixado o alemão petrificado.
Atzerodt riu e disse:
— Sou.
E Leaman continuou:
— Ora, Andrew, eu quero saber a verdade; é mesmo?
Ele perguntou se Lincoln fora mesmo assassinado.
— Foi, sim. E morreu ontem por volta das três da tarde.
Leaman perguntou se também era verdade que a garganta de Seward
fora cortada e dois de seus filhos esfaqueados.
— É verdade, o sr. Seward foi esfaqueado, ou levou um corte na
garganta, mas não morreu, e dois de seus filhos foram esfaqueados.
Leaman perguntou se também era verdade que o general Grant fora
assassinado.
— Não, isso eu não sei se aconteceu; acho que não. Se tivesse sido, eu
teria ouvido falar.
À mesa, James Leaman também perguntou sobre Grant, e Atzerodt
respondeu:
— Não, acho que não foi; se fosse o caso, teria sido pelo homem que
entrou no mesmo vagão que ele.
Atzerodt não se deu conta, mas com essas palavras ele acabava de selar
o seu destino. Após o almoço, alheio ao perigo, foi para a casa do primo,
onde chegou por volta das 2 ou 3 da tarde.
SAMUEL MUDD RESOLVEU QUE NÃO DEIXARIA O DOMINGO DE PÁSCOA
passar sem fazer alguma coisa. Na hora do café da manhã, Booth e Herold
já teriam uma vantagem de doze horas a partir da sua fazenda. Se tudo
correu bem, eles deveriam ter chegado à casa de William Burtles bem antes
do nascer do sol. Embora Mudd ainda não soubesse, os fugitivos tinham
avançado muito mais, deixando de parar na casa de Burtles e indo direto até
a do capitão Cox.
Mudd considerou o aperto que estava passando. Ele poderia optar por
não fazer nada e esperar até que as tropas federais viessem ter à sua
fazenda, como também poderiam não vir. Ou poderiam. Alguém poderia
dar-lhes uma pista. Os criados e ex-escravos do doutor sabiam que ele
recebera um visitante machucado na mesma noite do assassinato de
Lincoln. Alguns chegaram a ver Booth enquanto ele repousava no quarto ou
ensaiava os primeiros passos incertos com as muletas. Foi gente demais
vendo Booth para que Mudd pudesse guardar segredo da visita para sempre.
Vários vizinhos de Mudd tinham ciência de que ele conhecia John
Wilkes Booth. Os frequentadores do culto os tinham visto juntos duas vezes
no último inverno na igreja de St. Mary. E quanto tempo demoraria até que
as autoridades entrevistassem George Gardiner, o homem que vendeu a
Booth o cavalo caolho, ou Thomas L. Gardiner, o jovem que entregou o
animal ao ator? Peter Trotter, o ferreiro, haveria de se lembrar do dia em
que Mudd e Booth trouxeram a égua mutilada para trocar as ferraduras. E
várias testemunhas mais haviam visto Mudd e Booth juntos em
Washington. Era inevitável. Em algum momento, provavelmente não muito
distante, os soldados ou detetives iriam descobrir duas coisas sobre o dr.
Mudd: ele recebera visitas na noite do assassinato e, a afronta maior, ele
tinha elos com Booth.
Mudd resolveu tomar a iniciativa de uma forma calculada para se
inocentar de qualquer suspeita. Daria hoje mesmo a informação sobre o
assassino de Lincoln, sem chegar a traí-lo de fato. Mudd elaborou uma
história para se acobertar, simples porém arguta. Relataria apenas que dois
forasteiros, um homem com a perna quebrada e um jovem acompanhante,
vieram parar em sua casa inesperadamente na madrugada de 15 de abril. Ele
tratou do ferimento e os dois não ficaram muito tempo. Ele suspeitou dos
visitantes, diria, e por isso se sentiu na obrigação de dar parte deles na
Décima Terceira Cavalaria de Nova York em Bryantown. Essa era a
essência dos fatos.
Depois ele fez um retoque esperto. Em vez de pegar o cavalo e ir até
Bryantown para enfrentar as tropas ele mesmo, pediria a seu primo de
segundo grau, o dr. George Mudd, leal à União, espécie rara por estas
bandas, para dar parte dos forasteiros em seu lugar. Esperava que uma
informação como essa passada por um homem acima de qualquer suspeita
para as autoridades federais lhe permitiria ocultar-se atrás das abas das
casacas azuis caso os soldados viessem interrogá-lo. Um relato vago, feito
em segunda mão por George Mudd, conteria tão poucos detalhes que
dificilmente levaria os soldados a montarem seus cavalos e partirem a todo
galope atrás de dois forasteiros desconhecidos. Não, a informação não teria
utilidade alguma até que eles seguissem a pista até sua fonte, Samuel Mudd.
O tenente Dana teria de enviar uma patrulha até a fazenda de Sam para tirar
dele mais detalhes sobre os forasteiros. Tudo isso levaria tempo, o que daria
a Booth ainda mais tempo para aumentar a distância que já lhes interpusera.
Após o culto da Páscoa na manhã do dia 16, Mudd pediu ao primo
George o favor de repassar sua história para a cavalaria em Bryantown. E
voltou para casa, com uma enorme sensação de alívio. Agora, quando os
soldados viessem, seria por uma injunção sua e não por suspeita. Mudd
passou a tarde inteira e um bom bocado da noite esperando a chegada dos
caçadores de gente. Sem que ele soubesse, o primo George não conseguiu ir
a Bryantown para dar parte dos forasteiros.
Na noite de 16 de abril, Booth já desfrutava de uma vantagem de vinte e
quatro horas sobre quaisquer perseguidores vindo da fazenda de Mudd. E
graças à demora de George Mudd em repassar o relato do primo, as tropas
da União, sem saberem que Booth estivera na casa de Samuel Mudd, não
haviam começado a perseguição a partir dali. Do ponto de vista de ansiosos
oficiais em Washington — sendo o principal deles todos o secretário da
Guerra Stanton — o andamento da caçada ia ainda pior. John Wilkes Booth
havia assassinado o presidente quarenta e oito horas atrás e os seus
perseguidores ainda não tinham nenhuma pista concreta. Sim, a polícia, os
detetives e os militares haviam descoberto várias pistas dos auxiliares e
conspiradores de Booth, mas nenhuma delas levava ao assassino-chefe.
Chapéus, pistolas Deringer, facas abandonadas, revólveres quebrados,
casacas, cavalos caolhos, cadernetas bancárias, cartas misteriosas, toras de
tabaco, fichas em hotéis, notas para vice-presidentes, baús de teatro,
esporas, arreios, selas e relatos de testemunhas oculares eram pistas boas
que faziam com que o assassino e seus cúmplices parecessem
assustadoramente vívidos e próximos. Essas pistas dariam boas provas a
serem apresentadas num tribunal para identificar e condenar um criminoso.
As evidências levantadas em 14 e 15 de abril confirmavam com toda a
certeza que fora John Wilkes Booth o autor do disparo contra Lincoln e que
ele parecia ter não apenas um mas vários coconspiradores. E o que fora
encontrado no quarto de Atzerodt no Kirkwood — mais o bilhete de Booth
para Johnson — sugeria que o vice-presidente também havia sido marcado
para morrer. Mas todas essas evidências falavam da culpa de Booth, não do
seu plano de fuga. Somente a carta de “Sam”, que sugeria a existência de
dois cúmplices morando em Baltimore, dava alguma indicação do possível
destino de Booth. Ele poderia estar em qualquer lugar. Declarações de que
Booth fora avistado ou de falsos Booth não ajudavam em nada aos seus
perseguidores. A cada hora que passava, o rasto esfriava um pouco mais.
Em breve, desapareceria de vez, deixando Stanton e seus homens
frenéticos. A capacidade com que Booth vinha despistando os caçadores
aumentava ainda mais a vergonha que o governo estava passando por não
ser capaz de prendê-lo.
Na noite de 16 de abril, Stanton não fazia ideia do paradeiro ou destino
de Booth. Sim, foi provavelmente o assassino que deu o nome “Booth” ao
sargento Cobb na ponte e fugiu para Maryland. Foi sorte de Stanton que o
persistente cocheiro Fletcher tivesse perseguido Herold tão longe daquele
jeito e revelado a travessia de Booth mais cedo do que os caçadores de
cabeça a teriam descoberto. Mas para onde ele foi depois disso? Às 20h30,
o intendente de guerra general Meigs enviou um telegrama para o coronel
Newport, intendente-chefe em Baltimore, com novas instruções para a
caçada que revelavam a confusão dos caçadores acerca das intenções de
Booth: “Os responsáveis pelo assassinato do presidente e pelo atentado ao
secretário de Estado tomaram, ao que tudo indica, o rumo sudoeste, e talvez
tentem escapar pelo rio para a margem oriental ou usem alguma
embarcação que esteja à sua espera, ou peguem alguma outra a caminho do
mar. O Potomac será patrulhado por vapores a partir de Washington... O
objetivo é capturar os assassinos. Vigilância e velocidade.” O que Meigs
temia era que talvez outros conspiradores estivessem esperando por Booth
às margens do rio com outra embarcação pronta para se fazer ao mar, à vela
ou a vapor, e navegar em busca de asilo na França ou na Inglaterra. Durante
a guerra, confederados em fuga haviam feito essa perigosa travessia
inúmeras vezes. Talvez houvesse uma embarcação dessas ancorada no
litoral de Maryland, pronta para seguir numa última viagem ousada.
NA MANHA DE SEGUNDA-FEIRA, 17 DE ABRIL, Thomas Jones parecia estar às
voltas com seus afazeres habituais. Cumpriu suas tarefas, tomou seu
desjejum normal no horário costumeiro e certificou-se de que Henry
Woodland desse continuidade às suas expedições pesqueiras cotidianas. No
bosque dos pinheiros, Booth e Herold, há horas acordados, estavam
curiosos para saber se seu benfeitor iria retornar. Jones pegou um largo
sobretudo de bolsos profundos e enfiou os braços pelas mangas. Pegou um
pouco de pão, manteiga e presunto, encheu um cantil com café, e enfiou
tudo nos bolsos. Dobrou os jornais, impressos em papel grosso e macio, e
os colocou no casaco também. Em seguida, num estratagema esperto, levou
consigo uma cesta de milho para despistar quaisquer tropas da União que
viesse a encontrar pelo caminho. Se fosse parado e interrogado, alegaria
estar indo alimentar seus porcos que viviam soltos pelas matas. Pouco antes
das 10 horas, Jones montou no seu cavalo e partiu para o pinheiral.
A cerca de cem metros de distância de onde Booth estava acampado,
Jones desmontou e passou a conduzir seu cavalo a pé, amarrando-o logo em
seguida. Conforme fizera na manhã anterior, caminhou devagar até chegar a
uma distância boa para ser ouvido pelos assassinos e assobiou a melodia
secreta. Desta vez Booth e Herold o receberam não com uma carabina
apontada para o coração mas sim com os braços abertos. Fazia quase trinta
horas que eles não comiam e ficaram vendo Jones esvaziar os bolsos com
avidez. Booth queria, em especial, os outros agrados que havia ali —
jornais! Afinal, três longos dias depois do assassinato, ele poderia ler sobre
as suas ações que ficariam na história e como elas haviam sido divulgadas
para a nação.
O prazer de Booth não bastou para ocultar a piora de suas condições. A
perna ia mal e ele agora sentia obviamente mais dor do que quando Jones o
vira pela primeira vez vinte e quatro horas atrás. O assassino disse estar
impaciente para prosseguir com a escapada até o lado de lá do rio onde
poderia ser atendido por outro médico e ficar ao abrigo do relento. Jones
começou a explicar novamente a situação mas se distraiu ao ouvir sons
familiares e aterrorizantes à distância: o ruído de metal se chocando contra
metal e um tropel de cascos. Instantaneamente Jones reconheceu o barulho
— sabres da cavalaria chacoalhando de encontro às selas dos soldados da
União que cavalgavam na direção de onde eles estavam. Era tarde demais
para Herold e Jones colocarem Booth em cima da sela da égua baia e
partirem, e uma luta estava fora de cogitação: Booth não conseguia andar,
Jones estava desarmado e Herold nunca havia participado de uma batalha.
Além do mais, com apenas duas pistolas e uma carabina eles não
conseguiriam deter uma patrulha da cavalaria da União durante muito
tempo. O trio se abraçou ao solo e conteve a respiração. Os cavalos,
embrenhados por uma trilha perto do pinheiral, diminuíam a distância.
Chegaram a uns duzentos metros. Era o contato mais próximo que Booth
tinha com seus perseguidores desde que saíra do beco atrás do Teatro Ford a
todo galope. Então, em lugar de enveredarem pelo meio dos pinheiros, os
soldados permaneceram na estrada, passaram ao largo do bosque e
continuaram até que o tropel acabou se extinguindo à distância.
Jones olhou Booth firmemente nos olhos:
— Está vendo, meu amigo? Precisamos esperar.
Booth concordou.
— Está certo. Deixo tudo por sua conta.
NA MANHÃ DO DIA 17, OUTRO HOMEM TAMBÉM ESPERAVA. AS TROPAS
AINDA não haviam comparecido à casa do dr. Mudd para seguir sua pista —
porque não sabiam dela. Somente na tarde da segunda-feira foi que George
Mudd conseguiu ir até Bryantown. Ele pediu para ver o oficial comandante
e, ao ser apresentado ao tenente Dana, divulgou o vago relato que seu primo
lhe fizera no dia anterior sobre dois forasteiros suspeitos. Então, num
inacreditável rasgo de sorte para Booth e Herold, Dana descartou a notícia
como sendo algo do passado e sem importância. O oficial agradeceu a
George Mudd e se despediu dele. Foi providencial para os assassinos ele ter
resolvido não enviar soldados à fazenda de Samuel Mudd para investigar.
Distraído por outras pistas, Dana ignorou justamente aquela que colocaria o
assassino de Lincoln — ainda que momentaneamente — dentro do seu
alcance.
Ao ver que os soldados não vieram naquela noite, Mudd relaxou.
Talvez, pela sua ótica, eles não viessem mais. Segundo os cálculos de
Mudd, Booth já estaria longe, provavelmente até do lado de lá do rio
Potomac, dentro da Virginia a essas alturas. Esfriando o rasto do assassino
em Maryland, os perseguidores logo deixariam o Condado de Charles e
reverteriam a ação para lugares distantes de Bryantown e de sua fazenda.
Segundo os primeiros relatos nos jornais, Booth já dera mais um passo
adiante. O número do Chicago Tribune de 17 de abril dava como fato ele ter
feito a travessia do Potomac, dizendo que “já é impressão geral que o
assassino Booth e seus cúmplices tenham escapado para a Virginia. É
improvável que uma pessoa tão conhecida tentasse viajar pelo Norte”.
Obviamente, o Tribune publicou artigo sobre a mesma questão: “Booth foi
capturado hoje de manhã. A história é que seu cavalo o derrubou, deixando-
o tão machucado que ele foi obrigado a buscar ajuda na estrada que sai da
rua 7” na periferia de Washington. O New York Herald de 17 de abril
garantia para os leitores que “os detetives estão à caça. Os melhores
profissionais, de Nova York e de outras cidades, estão aqui com este
propósito. O coronel L. C. Baker chegou hoje e está empenhado em
desencavar os assassinos. Acredita- se que eles venham a ser pegos nas
próximas vinte e quatro horas”.
THOMAS JONES JÁ SE AGITARA O SUFICIENTE POR UM DIA. CONCORDOU EM
voltar ao pinheiral à mesma hora no dia seguinte, terça-feira 18, trazendo
mais comida e jornais, mas recusou-se a trazer ração para os cavalos
novamente. Era impossível esconder as sacas de ração e ele não tinha como
carregar uma quantidade suficiente para saciar os dois animais esfomeados
do jeito que estavam. Depois de dois dias sem comer, eles estavam com um
apetite atroz — e também faziam muito barulho. Jones aconselhou Booth e
Herold a se livrarem dos cavalos. Não seriam necessários para os dois
chegarem até Dent’s Meadow e tampouco poderiam ser levados para a outra
margem do rio num pequeno barco a remo. Seria melhor descartá-los aqui e
agora, antes que a próxima patrulha da cavalaria passasse por perto e eles
traíssem sua presença. Booth concordou:
— Se nós conseguimos ouvir os cavalos deles, eles certamente
conseguem ouvir os relinchos dos nossos, que estão irritadiços pela falta de
comida e abrigo.
David Herold relutou em aceitar. Ele adorava animais, mas percebeu
que, com Booth desamparado no chão, ele mesmo deveria dar cabo do
assunto. Jones se despediu e partiu para Huckleberry.
Os cavalos haviam lhes servido muito bem. A baia da estrela branca que
se movia qual um felino salvara Booth no beco atrás do Teatro Ford.
Cruzou todo o centro da cidade de Washington de forma soberba,
aumentando a distância entre Booth e quaisquer perseguidores durante o
emocionante galope ao luar. O cavalo ruão permitiu que Herold escapasse
do frustrado atentado contra a vida de Seward. Agora, sua recompensa por
esse serviço fiel era a morte. Davey desamarrou os dois animais e os levou
pelas rédeas a um brejo de areia movediça a pouco mais de um quilômetro
do pinheiral. Rapidamente, ele disparou contra a cabeça de cada um deles,
com a pistola ou a carabina, e afundou seus corpos, ainda com arreios,
selas, peias, bridão, estribos e tudo mais. Lá eles jazem num túmulo não
identificado e suas ossadas não foram encontradas até o presente.
Ao matar os cavalos, David Herold desistia pela terceira vez de
abandonar John Wilkes Booth. Na noite de 14 de abril, ele manteve o
encontro em Soper’s Hill quando poderia ter fugido para se esconder. No
dia 15, quando montou seu cavalo na casa do dr. Mudd e foi até as
redondezas de Bryantown, ele poderia ter deixado Booth na fazenda e
continuado pela estrada afora. Agora, no pinheiral, bastava matar um dos
cavalos, montar no outro e ir embora. Sem o ator manco — que era, afinal
de contas, a presa mais importante dos caçadores de cabeças —, Herold
tinha mais chances de desaparecer pelos campos afora.
Davey voltou ao pinheiral e se sentou ao lado do seu senhor. Em
nenhum momento da fuga eles estiveram tão sós e vulneráveis. Se a
cavalaria da União os pegasse ali agora, não poderiam nem tentar fugir.
Mesmo dois homens saudáveis e bem descansados, condições em que
Booth e Herold não se encontravam, jamais conseguiriam correr mais do
que perseguidores em montarias. E se Thomas Jones resolvesse abandoná-
los, como iriam encontrar um barco para cruzar o rio? Eles ficaram ali, ao
rés-do-chão, esperando o cair da noite.
Refugiado naquele lugar desolado, teria Booth relembrado dias mais
felizes quando ele e sua adorada irmã, Asia, adolescentes despreocupados,
brincavam pelas florestas de Bel Air, Maryland? Houve uma época, antes
de ele se tornar um grande ator e adotar as grandes cidades da América, em
que Booth adorava comungar com a natureza. As agridoces lembranças que
Asia guardava consigo de suas brincadeiras juntos a atormentaram nos dias
que se seguiram ao assassinato: “Quando andávamos pelo mato, ele adorava
se deitar de bruços a toda hora e quase encostar o nariz no chão para inalar
o hálito saudável da terra’... Ele dizia que esse processo de inalar os odores
plenos e as ricas essências era delicioso... chamava isso de ‘cavoucar’, e
adorava mordiscar raízes e galhos adocicados, de forma que eu o chamava
de coelho.”
Quando a escuridão da noite baixou pela segunda vez no solitário
acampamento de Booth no pinheiral, teria ele recordado uma noite, passada
na companhia de Asia entre os pinheiros noutra época e lugar às vésperas
do Dia das Bruxas, que fora fantasticamente parecida com esta? Ela
relembrou: “A noite estava fria e muito escura, e as estrelas brilhavam
imensas lá longe sobre o fundo preto. Um perfeito chão de estrelas o céu
naquela noite! E o cheiro da terra — que pode ser o cheiro dos ossos de
homens bons apodrecendo, tão agradável e sagrado — o aroma das pinhas e
a noção arrebatadora de um silêncio solene nos fizeram sentir felizes ao
ponto de cantarmos ‘Te Deum Laudamus’.”
Não haveria cantoria alegre esta noite. Booth e Herold teriam ficado
murmurando baixinho, provavelmente falando dos seus crimes e
especulando sobre seu futuro. O que iriam fazer? O que lhes reservaria o
dia de amanhã? Quando cruzariam o rio para poderem descansar do outro
lado?
Quando Booth sentiu o cheiro da essência silvestre daquele bosque, será
que o doce aroma do pinho o remeteu a um tempo de inocência jovial,
permitindo-lhe, por pouco que fosse, esquecer assassinatos e caçadas
humanas? Na segurança da calada da noite, Booth e Herold desenrolaram
seus cobertores de lã crua e dormiram, bem perto da terra.
NAQUELA NOITE EM WASHINGTON, OS INQUILINOS DA ESTALAGEM DE
MARY Surratt também se preparavam para dormir. Os caçadores de gente já
haviam estado ali antes. Quando vieram ao número 541 da rua H em 14 de
abril, poucas horas depois do assassinato, os detetives saíram de mãos
abanando. Sua presa, John H. Surratt, não estava em casa, e tampouco eles
encontraram John Wilkes Booth escondido lá. Mas as autoridades voltaram,
novamente à noitinha, num horário em que Mary e Anna Surratt e seus
inquilinos provavelmente estariam em casa. Os perseguidores estavam
desesperados. Três dias depois do assassinato e John Wilkes Booth ainda
estava foragido. Eles haviam desencavado inúmeras provas de que ele era o
assassino, estava à frente da conspiração e provavelmente fugira em direção
ao sul, para Maryland, mas não tinham nenhuma pista quente sobre o seu
paradeiro atual. E o assassino de Seward continuava sendo um mistério —
Stanton sequer sabia seu nome. O Departamento da Guerra suspeitava que
John Surratt tivesse perpetrado o ataque a Seward mas não tinha prova
alguma. Alguém naquela Estalagem deveria saber alguma coisa sobre o
assassinato, raciocinavam Stanton e seus subordinados. Booth visitava
sempre a casa e era amigo de John Surratt. Estava na hora de voltar lá para
fazer um pouco mais de pressão. Eram mais ou menos 11 horas da noite de
17 de abril.
O coronel H. W. Wells enviou o major W. H. Smith à Estalagem para
prender os moradores e dar uma batida na casa. Lá chegando, Smith
colocou alguns homens a postos do lado de fora e mandou que os demais o
seguissem pela escadaria até a porta da frente. Ele tocou a campainha, Mary
Surratt veio até uma janela aberta e perguntou:
— Sr. Kirby? É o senhor?
Ela achou que fosse um vizinho. Smith disse que não era Kirby e
mandou que ela abrisse a porta. Tão logo ela abriu, ele entrou no hall.
— É a sra. Surratt?
— Sou a viúva de John H. Surratt.
Smith continuou por ela:
— E a mãe de John H. Surratt Jr.?
— Sou, sim.
— Vim para prendê-la e a todos os demais que estiverem nesta casa, e
levá-la para interrogatório no quartel-general do general Augur.
Smith mais tarde se recordou de que foi estranho a sra. Surratt “não ter
sequer perguntado a razão para estar sendo presa e não ter demonstrado
surpresa ou qualquer emoção”.
Enquanto Smith e seus homens abordavam os moradores e se
preparavam para transportá-los de carruagem até o quartel-general do
general Augur, outro oficial chegou, por volta das 23h30. Era R. C.
Morgan, do Departamento da Guerra, a mando do coronel Olcott para,
conforme Morgan relatou, “supervisionar o arresto de papéis e a prisão dos
inquilinos da casa”. Quando Morgan chegou, Smith e sua equipe já haviam
efetuado as prisões e os inquilinos estavam todos juntos na sala de visitas,
prontos para partir.
Morgan mandou vir uma carruagem para transportar as mulheres, voltou
para o interior da casa e fechou a porta da frente. Em pouco tempo, um
homem que vinha andando pela rua H parou no número 541, deu uma
olhadela na casa e subiu a escadaria. Ele nem percebeu os homens parados
ali perto da entrada. Chegou até a porta e bateu, em seguida tocou a
campainha. Morgan e o capitão Wermerskirch abriram a porta. Estava ali
parado um homem grande, muito forte, carregando uma picareta, vestido
com um casaco cinza, uma calça preta e um bom par de botas. Na cabeça,
ele trazia um estranho chapéu improvisado a partir de uma manga de
camisa cortada. Tão logo o homem pisou no hall da casa, Morgan fechou a
porta atrás dele.
O homem percebeu que havia algo errado.
— Acho que me enganei.
— Quem deseja ver?
— A sra. Surratt.
— Está certo: entre.
Morgan crivou o visitante noturno de perguntas: “Perguntei o que ele
vinha fazer ali àquela hora da noite. Ele disse que veio cavar uma valeta: a
sra. Surratt tinha mandado buscá-lo. Eu perguntei quando.”
— De manhã — respondeu o homem.
Morgan perguntou onde ele havia trabalhado a última vez.
— Às vezes na rua I.
Morgan perguntou onde ele se hospedava. “Ele disse que não ficava em
nenhuma hospedaria; era um homem pobre, que ganhava a vida com a
picareta.”
— Quanto ganha por dia? — Morgan perguntou.
— Às vezes não ganho nada, às vezes um dólar, às vezes um dólar e
meio.
— Tem algum dinheiro aí?
— Nem um centavo sequer.
Morgan perguntou ao homem por que ele vinha trabalhar a essa hora da
noite, e ele respondeu que veio apenas para saber a que horas começaria no
dia seguinte. O homem alegou não ter nenhum contato prévio com a sra.
Surratt; ela o vira trabalhando pelas redondezas, sabia que era um homem
pobre e lhe ofereceu trabalho. Morgan perguntou que idade ele tinha.
— Por volta de vinte.
De onde era?
— Condado de Fauquier, Virginia.
O homem tirou um pedaço de papel do bolso. Era um juramento de
fidelidade à União, do tipo assinado por ex-soldados confederados. Powell
assinara “L. Paine”. Ele foi dar logo de cara com uma incursão do
Departamento da Guerra! Mas Smith, Morgan, Wermerskirch e os demais
não haviam se dado conta disso ainda.
Os oficiais perceberam que suas roupas, embora surradas, eram
refinadas demais para um diarista. A suspeita foi crescendo à medida que o
homem gaguejava suas desculpas. O assassino de William Seward era um
homem grande, jovem e forte, também.
O major Smith foi até a passagem que dava para o salão de visitas da
frente onde Mary estava sentada e lhe pediu que viesse para o hall:
— Sra. Surratt, venha aqui um minuto, por favor.
Quando ela saiu, Lewis Powell estava a menos de três passos de
distância, perto de uma luminária a gás, e, conforme Smith se recordou, “o
gás estava todo aberto”.
— Conhece este homem? E, por acaso, o contratou para vir cavar uma
valeta?
Era o homem que ela conhecia como reverendo Wood! Mary deve ter
estremecido ao vê-lo. Não, ele não, ela deve ter gritado em silêncio. Seu
olhar cruzou com o do homem, reconhecendo-se os dois mutuamente. O
rosto notável de Powell era inesquecível e ele já estivera em sua casa pelo
menos duas vezes antes.
Mary levantou a mão direita como que fazendo um juramento.
— Por Deus, senhor, não conheço esse homem; nunca o vi e nunca o
contratei para cavar uma valeta para mim.
Powell ficou olhando para Mary sem dizer nada.
Lewis Powell fora pego numa mentira. Em breve, George Alfred
Townsend faria troça do seu álibi tão transparente: “Naquela noite, aquele
homem cavou uma valeta larga e profunda o suficiente onde caberiam eles
todos para sempre.” Agora Powell não tinha como sair da casa. Os soldados
haviam fechado a porta da frente logo depois que ele entrou; numa questão
de momentos, estariam tentando prendê-lo. Porém, a menos que todos se
movessem ao mesmo tempo, que o pegassem de surpresa, que o atacassem
de uma vez só, talvez perdessem a vantagem. Tecnicamente, Powell estava
desarmado. Havia abandonado o revólver quebrado no chão da casa de
Seward, e a faca, que largara na rua em frente à casa do secretário, se
encontrava nas mãos do governo. Ele carregava consigo nada mais que a
ferramenta de um trabalhador. Mas sua força prodigiosa poderia fazer
daquela ferramenta uma arma mortal. O cabo de carvalho da picareta era
um porrete robusto; e as extremidades pontiagudas de ferro, perfuratrizes
letais. Nas mãos dele, aquela humilde ferramenta equivalia a um primitivo
bordão para o combate corpo-a-corpo na Idade Média.
Ele parecia não ter muita chance; cinco homens contra um, confinados
num saguão compacto. Mas o espaço apertado favorecia Powell. Os
soldados começaram a apertar o cerco e, quanto mais perto chegassem,
mais danos ele poderia causar. Estavam todos dentro do seu alcance mortal
agora.
Se Powell optasse por lutar, o cronômetro começaria a marcar o tempo a
partir do primeiro golpe. Se fosse rápido, conseguiria desferir uma segunda
bordoada mortal antes que as mãos chegassem a abrir as cartucheiras e
ainda uma terceira antes que os sobreviventes tivessem tempo de sacar,
engatilhar e apontar seus revólveres. Se Powell tivesse sorte, talvez pudesse
atingir um quarto soldado antes que o outro puxasse o gatilho para disparar
um primeiro tiro às pressas no meio do pânico. Se o projétil saísse a esmo,
ou até o atingisse mas sem efetivamente matá-lo instantaneamente, Powell
poderia ainda responder com mais um baque violento da picareta.
Ele poderia fazer isso tudo em menos de dez segundos e, quando
acabasse, sairia, assim como fez na casa de Seward, passando por entre
corpos arrebentados, crânios estraçalhados e feridas abertas, direto pela
porta da frente da casa da sra. Surratt para as ruas no meio da noite. Powell
cravou o olhar nos soldados. Seria capaz de brandir a picareta mais rápido
do que eles sacariam suas pistolas. Era a vez dele.
Mas o poderoso Lewis Powell fez algo extraordinário.
Inexplicavelmente, ele se submeteu de forma pacata e sem protestos,
entregou-se sem lutar.
Os soldados prenderam Powell, Mary Surratt, sua filha Anna, Lewis
Weichmann, amigo de John Surratt, e os demais inquilinos, inclusive uma
aterrorizada srta. Appolonia Dean, estudante, contando então 11 anos de
idade, que morava sem os pais na hospedaria da sra. Surratt.
Os soldados revistaram a casa e descobriram, ou acreditaram ter
descoberto, mais provas incriminadoras: fotografias de generais
confederados — uma do presidente Jefferson Davis, alguma munição solta
para armas de pequeno porte, um molde para fundir balas. E o golpe de
misericórdia: uma fotografia de John Wilkes Booth escondida atrás de um
porta-retrato.
Powell e Mary Surratt foram levados ao quartel-general do general
Augur para interrogatório. Antes de sair da estalagem, Mary Surratt pediu
ao coronel Wells que a deixasse fazer uma oração. Ela se pôs de joelhos e
rezou em silêncio.
Se Lewis Powell não tivesse cometido a asneira de ir direto para as
mãos do governo, talvez ele conseguisse fugir de Washington e sumir da
história. Mas o governo comemorou sua captura como o primeiro grande
tento da caçada humana. A captura do agressor de Seward na terceira noite
desde a sexta-feira santa foi um triunfo, de importância secundária apenas
se comparada ao feito de encontrar o arqui-inimigo John Wilkes Booth. Os
fotógrafos que se rivalizavam atrás dos maiores furos em Washington
salivavam ante a perspectiva de tirarem as primeiras fotografias de Lewis
Powell e venderem cópias para um público desesperado por notícias e
imagens do grande crime. Mas Stanton ainda não estava preparado para
conceder essa permissão. Com Booth, Herold, Atzerodt e John Surratt ainda
à solta, forçar Powell a posar para fotografias de recordação enquanto a
caçada humana ainda se desenrolava poderia se revelar um ato de
comemoração prematura. Mais adiante haveria tempo para fotografias — de
todos eles.
Wells tentou interrogar Powell mas o assassino lacônico se recusava a
cooperar. O coronel percebeu manchas de sangue nos punhos da camisa
dele.
— O que você acha disso? — escarneceu Wells.
— Isso não é sangue — Powell alegou timidamente.
No prazo de poucas horas depois da prisão de Powell, William Bell, o
criado de Seward, identificou-o como o maníaco que desferira punhaladas
ensandecidas contra todos na casa do secretário de Estado. E quando Gus
Seward veio vê-lo, recebeu a instrução de segurar Powell conforme fizera
durante o ataque. Então, Wells mandou que Powell dissesse duas palavras
para Gus: “Estou louco.” Sim, afirmou Seward, esse era o homem.
Henry Wells queria interrogar Mary logo depois de ser detida de forma
que ela tivesse pouco tempo para refletir e ensaiar respostas bem elaboradas
para as perguntas. Talvez o experiente advogado e oficial estivesse
esperando uma mulher intimidada a quem pudesse lograr facilmente
levando-a a revelar tudo o que soubesse sobre o filho, sobre John Wilkes
Booth e sobre outros conspiradores. Se era isso, ele estava errado. Mary
Surratt mostrou- se um páreo à altura, comportando-se com frieza, sem
revelar nenhuma pista que ajudasse os perseguidores de Booth a encontrá-
lo. Logo de início, admitiu tranquilamente fatos que sabia já serem do
conhecimento de Wells a partir de outras fontes, especialmente sua conexão
com Booth:
— Booth vem frequentando a nossa casa faz dois meses; em certas
ocasiões vinha duas vezes por dia; nós o tínhamos por cavalheiro. Suponho
que meu filho o tenha convidado para vir à casa... Meu filho é um jovem
cavalheiro criado no campo. Não fiquei surpresa ao vê-lo fazendo amizade
com um homem como o sr. Booth pois o considero capaz de se aproximar
do melhor que há na sociedade.
Wells começou o interrogatório:
— O que levou o seu filho e J. Wilkes Booth a se aproximarem?
— Não sei.
— Essa pergunta não lhe ocorreu nenhuma vez desde o
assassinato?
— Ocorreu sim, senhor; mas eu não saberia explicar, e acho que
ninguém poderia ficar mais surpreso do que nós ao ver que ele é
culpado de um ato desses.
Wells indagou sobre a ligação de John Surratt com os outros
conspiradores de Booth.
— A senhora não sabe que ele tinha conhecido alguém chamado
Atzerodt?
— Era um alemão, acho eu. O nome que ele me deu foi “Port
Tobacco”.
Ele só ficou uma parte da semana, até quando eu descobri bebida
em seu quarto; nenhum cavalheiro se hospeda comigo e guarda bebida
nos aposentos.
Wells reverteu o interrogatório para o assunto Lewis Powell. O coronel
suspeitava que ele houvesse visitado a hospedaria recentemente fazendo-se
passar por um pastor chamado “Wood”.
— Qual era o nome do outro rapaz?
— Acho que o nome dele era Wood.
Wells mostrou-lhe uma fotografia de David Herold e ela negou
conhecê-lo. Isso era verdade. Nem Booth nem John Surratt haviam trazido
Herold à estalagem. Wells continuou a brincar de gato e rato com Mary,
convidando-a a identificar outros visitantes da casa e dando a entender que
era melhor ela dizer logo pois ele já sabia as respostas.
— Asseguro-lhe pela honra de uma dama que eu não lhe diria uma
inverdade.
Sem deixar-se impressionar, Wells contra-argumentou:
— Asseguro-lhe pela honra de um cavalheiro que vou tirar essa
informação da senhora.
Mas Wells não estava conseguindo chegar a lugar algum. Resolveu
então fazer uma pausa e disse a ela:
— Reflita por alguns instantes enquanto mando buscar-lhe um
copo d’água.
Depois que um servente trouxe a água para ela, Wells fez algumas
perguntas aparentemente inócuas sobre cavalos antes de mudar subitamente
para o verdadeiro assunto do seu interesse — Lewis Powell.
— A senhora se encontrou com o jovem que foi preso há pouco no
prazo de dois ou três dias e combinou que ele viesse à sua casa hoje à
noite?
— Não, senhor; o biltre que estava à minha porta quando eu me
afastei? Trata-se de um sujeito tremendamente desagradável com um
casquete na cabeça, e minha filha começou a gritar dizendo que esses
homens [o grupo de incursão do major Smith] vieram para salvar
nossas vidas. Espero que o tenham prendido.
— Ele me disse que a conheceu na rua e que a senhora lhe pediu
para vir à sua casa.
— Oh, oh! Não é nada disso, senhor; pois acredito que ele tenha
matado alguém, isso eu posso lhe garantir.
— Quando foi a primeira vez que o viu?
— Foi quando a carruagem parou, ele tocou a campainha e minha
filha disse: “Oh, lá vem um assassino.”
Talvez Wells apreciasse a verdade irônica do depoimento de Mary
Surratt.
De fato, ela estava correta. Powell era um matador, mas não apresentava
ameaça alguma a Mary Surratt, a sua filha, ou a moradores da rua H.
Durante a entrevista com o coronel Wells, ela enrolou o experiente
investigador com evasivas o tempo todo e, com isso, serviu a Booth. Sim,
ela admitiu a ligação com Atzerodt, mas os perseguidores já sabiam disso
há três dias. Na noite do assassinato, John Fletcher havia identificado o
bridão de Atzerodt e reconhecera o cavalo caolho; os detetives também o
conectaram a Booth a partir da batida que deram no quarto do alemão na
Estalagem Kirkwood. Mas Mary Surratt não contou a Henry Wells sobre a
visita que Booth lhe fizera no dia 14 de abril, sobre os binóculos, sobre sua
ida de carruagem até Surrattsville, sobre os “paus de fogo” — ou que tinha
visto Lewis Powell antes.
Terminado o interrogatório — por ora — Wells se recusou a deixar que
Mary voltasse para casa. Disse-lhe que ainda estava presa e que iria mandá-
la para a prisão no prédio do antigo Capitólio, onde ela se juntaria a
diversos outros suspeitos e testemunhas detidas após o assassinato do
presidente. Embora nem o suspeitasse ainda esta noite, Mary Surratt jamais
tornaria a ver sua estalagem novamente.
A segunda-feira, 17 de abril, se encerrou como o dia mais bem-sucedido
da caçada humana que já durava três. Mais cedo naquele mesmo dia,
agentes do governo prenderam Samuel Arnold em Baltimore. Em 14 de
abril, detetives haviam revirado o quarto de Booth no National Hotel, na
esquina da 6 com a Pensilvânia, bem pertinho do Teatro Ford. A carta de
“Sam”, descoberta poucas horas depois do assassinato, juntamente com o
palpite de um detetive, levara à prisão de Arnold. Agora com 33 anos de
idade, o antigo colega de escola de Booth e veterano do exército
confederado confessou ter participado no esquema anterior de Booth para
sequestrar o presidente, mas negou envolvimento e sequer conhecimento do
assassinato. Argumentou que a carta de “Sam”, em lugar de incriminá-lo,
provava que ele havia saído da conspiração semanas antes do assassinato.
Michael O’Laughlen, com 28 anos de idade, outro dos amigos de
infância de Booth, também ex-soldado confederado de Baltimore e
participante da trama do sequestro, foi pego igualmente em 17 de abril. O
comandante da polícia McPhail conhecia a família O’Laughlen, e Michael
se entregou para “poupar sua mãe”. Após a prisão de O’Laughlen, Charles
Dana telegrafou a McPhail em Baltimore com instruções sobre a maneira de
transportá-lo para Washington. “Traga-o aqui no trem que sai de Baltimore
às 6 horas da tarde. Acorrente-o bem e tome todas as precauções contra
fugas, mas até onde for possível evite qualquer coisa que possa levar o povo
no trem a suspeitar de alguma coisa que acabe eclodindo numa tentativa de
linchamento. Haverá uma carruagem à espera no depósito para levar o
prisioneiro até o local de confinamento.”
Edman Spangler, o cenotécnico de 33 anos de idade do Teatro Ford que
segurou as rédeas do cavalo de Booth durante um breve intervalo de tempo,
fora preso em 15 de abril e em seguida liberado, tornando a ser preso no dia
17 junto com Arnold, O’Laughlen e Powell. No quarto de Spangler,
descobriram o que consideraram um elemento sinistro: um grande rolo de
corda forte. Seria usada para Booth descer do camarote de Lincoln de rapei
até o palco? Em qualquer outra circunstância, a corda é um acessório
inocente de qualquer cenotécnico; porém, no desenrolar do assassinato de
Lincoln, ela levou à prisão de Spangler. O pobre não tinha nada a ver com o
assassinato — tampouco com a trama anterior para o sequestro. Mas sua
associação de longas datas com Booth, a corda, o fato de ter segurado as
rédeas da égua baia e a alegação de outro funcionário do teatro de que
Spangler falou para ninguém dizer aos perseguidores em que sentido do
beco Booth havia seguido, tudo isso junto lhe rendeu uma cela na prisão do
prédio do antigo Capitólio. Muitas outras pessoas no teatro sofreram
diligências da polícia, inclusive os Ford. Edwin Stanton declarou o teatro
um covil para o qual Lincoln fora atraído, e todos que estivessem ligados a
ele de alguma forma deveriam certamente ter conspirado com o assassino.
Se assim não fosse, como Booth conseguiria escapar com tanta facilidade?
O próprio prédio do teatro foi “apreendido” pelo governo — recebeu ordem
de fechar e talvez acabasse sendo confiscado dos Ford.
Estas não foram as únicas apreensões. A batida policial atingiu mais de
cem suspeitos: Junius Booth, um dos irmãos do assassino; um estranho
português, capitão de navios, chamado Celestino; vários simpatizantes e
agentes da causa confederada; e outros que expressavam sentimentos
desleais.
Embora a apreensão de um suspeito atrás do outro enchesse as
manchetes, Booth e Herold haviam desaparecido. O New York Herald
divulgou que Booth estaria tranquilamente sentado num trem a caminho da
Filadélfia; os jornais de Washington defendiam que Booth estava escondido
na capital. Um dos homens mais famosos e reconhecíveis da América
continuava em liberdade. O povo americano exigia vingança. Por todo o
país, bandos espancavam aqueles que fossem suspeitos de simpatizar com
Booth e, em vários casos, chegavam a matá-los. Um soldado da União
chamado John F. Madlock, oficial da Cavalaria de Soldados Negros dos
EUA em Port Hudson, Louisiana, escreveu: “um homem que se regozijava
com a morte de Lincoln levou 16 tiros na carcaça... bem feito!” Grupos de
vingadores e soldados forçavam os simpatizantes de Booth a usar placas de
madeira crua pintadas à mão com os dizeres: “simpatizante do assassinato”.
Segundo o Daily Morning Chronicle, na vizinha Baltimore, um grupo não
identificado arrasou todo um estúdio fotográfico quando surgiu um boato de
que o dono vendia fotografias do ator infame.
A desordenada notícia do assassinato se espalhava pelo país inteiro
através do telégrafo e logo chegou aos postos do Exército dos EUA na
Califórnia. Em San Francisco, o general McDowell deu ordem para prender
qualquer um que falasse mal de Lincoln.
Departamento do Quartel-General no Pacífico San Francisco,
Cal., 17 de abril de 1865.
ORDENS GERAIS, n° 27
Chegou ao conhecimento do general comandante que foram
encontradas dentro do Departamento pessoas tão infames ao ponto de
exultarem ante o assassinato do presidente. Tais pessoas tornam-se
partícipes post-factum e serão presas de imediato por qualquer
policial, oficial ou superintendente que tenha conhecimento do caso.
Qualquer jornal igualmente ofensivo ou que expresse alguma
simpatia pelo ato, seja da forma que for, será prontamente confiscado
e suprimido.
POR ORDEM DO GENERAL DE DIVISÃO MCDOWELL:
R. C. DRUM, Subchefe Assistente do Estado-Maior
Naquele mesmo estado, em Grass Valley, um pastor escreveu uma carta
para um amigo no leste descrevendo a violência que se seguiu à divulgação
da notícia: “Quando chegou a notícia do assassinato de Lincoln, a agitação
foi tremenda! Vários homens foram mortos a tiros pelos Copperheads! E
outros foram mortos por republicanos em autodefesa! Eu carreguei minhas
espingardas de cano duplo, com quatro balas pequenas em cada um, e
deixei no meu escritório para qualquer emergência. Achei bom pedir a Deus
que tivesse clemência pelo nosso País, mas não deixei de ter um pouquinho
de chumbo para os Rebeldes!”
Em Illinois, um fuzileiro naval dos EUA escreveu uma carta para a mãe
em Lockport, Nova York, descrevendo o perigo que corriam aqueles que
falassem mal de Lincoln.
Mound City, III.
18 de abril de 1865
Querida mãe,
Estamos todos num tumulto muito grande por aqui com a morte do
presidente e houve gente da região que já ganhou tiro por causa de
sentimentos desleais e mais gente vai ganhar se não ficar de boca
calada. Espero que o presidente enforque todos eles agora e não deixe
nenhum sobrando, que extermine toda a raça. Não há segurança para
se ficar na rua depois que escurece por aqui embora eu passe a noite
inteira acordado... não dá para expressar sentimentos desleais onde se
possa ouvir sem que a pessoa seja açoitada imediatamente. Eu tinha
esperança de que a guerra estivesse para acabar mas pelo jeito como
as coisas vão eu acho que acabou de começar, mas espero que não...
foi duro Lincoln morrer logo agora que estava prestes a ver essa
rebelião ser esmagada quando todo mundo estava adorando o seu
governo e ele tinha todo um caminho aberto pela frente. Eu gostaria
de dizer algumas verdades para esse Booth. Aposto que ele nunca
mais iria querer matar outro presidente. Eu gostaria de pegar uma
tesoura e picotá-lo em pedacinhos como se corta um pedaço de pano.
Depois eu arrancaria os olhos dele e jogaria óleo fervendo. Eu daria
um bom jeito nele... mãe, mande minhas lembranças para todos da
família e acredite no seu filho, com todo o carinho,
William Severs
Quartel da Marinha dos EUA
Mound City, III.
A fuga de Booth enfureceu mas também emocionou o país. Fotografias
dele eram tão procuradas que em pouco tempo o governo proibiu a venda.
Por ser impossível fazer cumprir a proibição, Stanton acabou mandando
suspender a ordem. Apareceram anúncios no Harper’s Weekly, no Frank
Leslie’s e noutros jornais que, descaradamente, ofereciam fotos de Booth
para vender — junto com tiras e emblemas de luto e fotos do presidente que
virou mártir. Em Boston, uma empresa de litografia encomendou a um
artista a confecção de um belo retrato do busto do assassino que vendia em
dois tamanhos — pequeno, como um cartão de visita para o álbum da
família, e grande, para emoldurar e colocar na parede. Outras gráficas
colocaram à venda produtos menos lisonjeiros — imagens de satã
sussurrando ao ouvido de Booth momentos antes do assassino disparar
contra Lincoln, e outras de Booth cavalgando em fúria através de um
pântano infestado de jacarés e monstros. Um desses cartões reproduzia uma
pintura alegórica intitulada A visão do assassino, onde apareciam Booth
fugindo de Washington, o grande domo bem longe ao fundo e várias
imagens do fantasma de Lincoln brotando das árvores ao seu redor. Uma
editora de Boston lançou uma partitura musical — “A balada da visão do
assassino / letra e música de J. W. Turner” — para acompanhar a obra
sobrenatural. Foi a primeira canção composta para John Wilkes Booth e a
caçada humana.

“A visão do assassino”. Fantasma de Lincoln assombra Booth em fuga.


O Assassino cavalgou seu garanhão fogoso, Sua obra assassina foi
feita...
Na escuridão da noite em velocidade fugaz, Pelas matas correu o
seu corcel!
Enquanto se afastava da cena da morte, Em seu cenho havia ares
de desespero:
À sua frente! ao seu redor! O hálito da noite Dizia que a vingança
de Deus ali estava!
A lua clara brilhava enquanto ele fugia, As estrelas espiavam lá do
alto,
As colinas e vales estavam vermelho-encarnado Como sangue aos
olhos do assassino!
Ele estremeceu! ele tremeu! E a toda hora olhava ao redor, E
lúgubre lhe parecia cada sopro da brisa,
E eis que a cada curva do caminho o assassino Via uma aparição
nas árvores.
O céu era testemunha! Ele não poderia escapar! Estava selado o
destino do assassino...
“A vingança me pertence!” diz Deus em sua força, Como a visão
naquela noite revelou.
O assassino cavalgou com medo, tremendo, E pesarosamente a
brisa murmurou;
À frente, ao redor dele, tudo vívido e sombrio, A visão apareceu
nas árvores.
Edwin Stanton precisava de ajuda. No terceiro dia já era óbvio que não
poderia dedicar seu tempo e sua razão exclusivamente à caçada humana.
Ele tinha muita coisa na cabeça. O assassinato do presidente não foi só uma
tragédia nacional, mas também uma profunda perda pessoal para o
secretário. Desde o tresloucado passeio de carruagem na noite de 14 de abril
e a primeira visão do amigo no leito de morte, Stanton vinha usando sua
vontade férrea para suprimir as poderosas emoções. Ele quase desmoronou
na Estalagem Petersen depois que Lincoln morreu, mas o cérebro conseguiu
comandar o coração. Havia outras preocupações: tinha uma guerra a vencer.
Só porque Lee havia se rendido não significava que a Guerra Civil
houvesse acabado. Poderosos exércitos confederados continuavam em
campo na Carolina do Norte, Texas e outros lugares, e seus generais não
seguiram o exemplo de Lee. Jefferson Davis ainda estava à solta, alvo de
outra formidável caçada humana. E, qual a procura por Booth, a caçada a
Davis havia fracassado. Em breve a situação poderia se degenerar num
conflito de guerrilhas brutais que poderia levar anos para ser vencido. E
sem Lincoln ao seu lado, Stanton precisaria seguir em frente só. O novo
presidente não estava preparado para assumir o papel de comandante-em-
chefe.
E mais, ainda! Stanton precisava organizar o majestoso funeral de
Lincoln e, em seguida, enviar o corpo numa turnê nacional inédita, a
caminho de casa em Springfield. Ele precisava ajudar a planejar a
reconstrução do Sul, cuidar de todo o exército da União, conduzir os
negócios cotidianos mas ainda assim vitais do Departamento da Guerra,
resolver o que fazer com os partícipes da conspiração de Booth capturados
e organizar um tribunal militar para julgá-los. Precisava investigar o crime,
determinar a natureza e a extensão da conspiração para enviar
perseguidores atrás do assassino e demais integrantes de sua gangue. Era
mais do que uma mente podia dar conta, mesmo a brilhante e disciplinada
mente de Stanton. Ele precisava delegar autoridade para um pequeno
círculo de subordinados confiáveis.
QUANDO PLANEJOU O ASSASSINATO E A FUGA, JOHN WILKES BOOTH NÃO
SE preparou para um acampamento prolongado ao relento. Não, ele se
concentrou totalmente na necessidade de velocidade e movimento, não em
se esconder na floresta qual um animal ferido, temendo que todo ruído
passageiro significasse a chegada dos seus perseguidores para capturá-lo.
Booth fugiu do Teatro Ford qual um cavaleiro do Pony Express, só com a
roupa do corpo para ficar mais leve e viajar mais rápido. É claro que o
cavaleiro do Pony Express transportava notícias: Booth fugia delas.
Desprezou o equipamento que um militar da cavalaria leva consigo para o
campo: cinturão da pistola, caixas de cartuchos, muita munição e cápsulas
explosivas, alça da carabina, binóculos, cantil, caneca de latão, farnel
emborrachado, cobertor de lã, embornal, mantimentos e outras coisas mais.
Booth sacrificara necessidades para atingir o desempenho de velocista que
seu cavalo precisava para chegar do Teatro Ford até a ponte da rua 11.
A estratégia funcionou soberbamente bem e assegurou-lhe uma
escapada rápida do centro da cidade de Washington. Mas deixou-o mal
preparado para os imprevistos na fase seguinte da jornada: sobreviver ao
relento no campo, consequência de uma perna quebrada e do perigoso
desvio até o dr. Mudd, que o atrasou consideravelmente. Booth fugiu do
Teatro Ford usando o equivalente a um terno completo nos dias de hoje. O
tecido da casaca e da calça de lã preta era mais rústico, resistente, espesso e
um pouco mais quente, mas o terno elegante continuava sendo inadequado
para acampar no meio de um pinheiral. E Booth não levava nenhuma muda
de roupa; assim, a que usava no corpo logo ficou imunda. Foi uma das
primeiras coisas que Thomas Jones percebeu nele. De fato, a cada dia que
passava Booth e Herold ficavam menos apresentáveis, o que arruinava um
elemento fundamental do estilo conquistador, marca registrada de Booth:
uma aparência elegante, bem trajada. Eles não podiam tomar banho e se
trocar, sequer lavar a roupa do corpo, e sua aparência piorava — o cheiro
também — a cada dia. Pareciam os fugitivos que de fato eram. Muito mais
do que a estética, o aspecto maltrapilho e bestial atrapalhava a recepção
calorosa que eles esperavam receber nas casas de famílias de bem na
Virginia, do outro lado do rio.
Embora o clima primaveril de meados de abril em Maryland não
estivesse muito frio, a temperatura baixava e a umidade aumentava à noite,
especialmente para quem não estivesse usando um sobretudo. O tempo
castigava os assassinos, extraindo calor dos seus corpos, fazendo-os tremer.
E o chão não era nada confortável. Eles não tinham camas apropriadas,
apenas um cobertor para cada, que lhes fornecera o dr. Mudd ou o capitão
Cox. Pelo menos Herold podia se levantar e andar para um lado e para o
outro, esticar as pernas de forma a aliviar a câimbra dos músculos. Mas o
corpo de Booth doía e se atrofiava por ficar o tempo todo deitado no chão,
com mudanças ocasionais de posição que mal aliviavam a dor. Pelo que
Thomas Jones pôde dizer a partir das visitas diárias que vinha fazendo,
Booth jamais se levantou do chão durante a estada no pinheiral.
Na manhã de terça-feira, 18 de abril, Jones fez a terceira visita aos
fugitivos. Esta foi mais breve e conversou-se menos pois Jones estava
correndo perigo mortal. Ele arriscava a própria vida cada vez que se
aventurava pelo bosque dos pinheiros. Os homens da cavalaria federal e os
detetives dos EUA se espalharam ao longo de toda a margem do rio, dia e
noite, à procura de Booth. Se o pegassem com o assassino do presidente, os
soldados poderiam matá-lo na hora ou enforcá-lo do alto de um pinheiro.
Soldados haviam ido à Fazenda Huckleberry várias vezes e chegaram a
revistar a casa uma vez. Desta vez, Jones lhes entregou rapidamente os
jornais e a comida, partindo logo em seguida. A curiosidade que Booth
tinha acerca do país era insaciável e ele implorava que Jones lhe trouxesse
todos os jornais que pudesse. Jones se lembrava da cena de forma bem
vívida e relatou: “Ele não se cansava dos jornais. E ah, cercado de
melancólicos pinheiros, lia sobre a condenação que o mundo demonstrava
contra o seu feito e o preço oferecido por sua vida.”
O que lia deixava-o impressionado. Todo e qualquer jornal que pegasse
— o Daily Morning Chronicle, o Evening Star, ou o National Intelligencer
de Washington; o Sun de Baltimore; o Inquirer de Filadélfia; ou o Herald, o
Tribune ou o Times de Nova York — todos o insultavam por seu ato
hediondo. O que é pior, Booth testemunhou os primeiros esboços da
história a transformarem Abraham Lincoln de um polêmico líder de guerra
às vezes até impopular no santo secular da América. Os jornais de todo
canto condenavam o assassino na linguagem mais inclemente, indócil e
malévola que se possa imaginar. Os relatos do ataque a Seward o
atordoaram. Powell ficou maluco? A perversidade indiscriminada do ataque
desferido pelo coassassino deixou Booth chocado e revoltado. Sim, Seward
precisava morrer também, e as primeiras notícias erradas acerca de sua
morte haviam deleitado o ator. Mas os filhos, o enfermeiro, o mensageiro?
Pelo menos Powell não atacou a garota! Herold se recordou: “Booth aí fez o
comentário de que sentia muito pelos filhos, mas só pedia a Deus que
Seward morresse.”
Booth não foi o único de seus coconspiradores que ficou atordoado com
as notícias da tentativa de assassinato a Seward. John Surratt, ainda em
Elmira alguns dias depois do assassinato, comprou, em 17 de abril, vários
jornais de Nova York. O que leu deixou-o aterrorizado. Os relatos o
identificavam como o perpetrador do atentado a Seward. “Eu mal conseguia
acreditar no que estava se passando. Olhava para o meu nome e as letras
iam crescendo até ficarem do tamanho de montanhas, depois iam
diminuindo até desaparecerem.” Ele concluiu que era hora de fugir do país.
Booth buscava convulsivamente nos jornais o artigo que escrevera —
sua justificativa pessoal para matar o presidente — para ser publicado no
Intelligencer. Na tarde do assassinato, ele o entregara ao seu amigo ator
John Matthews dentro de um envelope lacrado e endereçado que deveria ser
entregue no dia seguinte. Inacreditavelmente, nenhum jornal publicou ou
sequer mencionou o manuscrito. Então, ele escreveu outro.
Tirou do bolso uma pequena agenda de compromissos do ano anterior,
1864. Embora obsoleto, o caderno de capa preta já desgastada tinha
algumas páginas que não haviam sido usadas. Booth o folheou até encontrar
uma delas, onde havia anotado “Ti amo/ 13-14 de abril, sexta-feira, idos”.
Então, com a mão tensa, apressada, diferentemente do seu estilo usual
expansivo, começou a escrever seu manifesto.
“Até o presente, nada se PENSOU em sacrifício pelos erros do nosso
país. Durante seis meses trabalhamos para capturar. Estando nossa causa
quase perdida, porém, é preciso fazer algo decisivo e grandioso. Mas esse
fracasso se deu por causa de outros que não atacaram, por seu país, com o
coração. Eu ataquei com ousadia, e não como dizem os jornais. Caminhei
com passo firme por entre milhares de amigos dele, fui parado, mas
prossegui. Havia um coronel ao lado dele. Gritei Sic semper ANTES de
atirar. Ao pular, quebrei a perna. Passei por todos os piquetes dele,
cavalguei cem quilômetros naquela noite, com o osso da minha perna
rasgando a minha carne a cada pulo. Jamais vou me arrepender, embora
detestemos matar. O nosso país devia todos os seus problemas a ele, e Deus
simplesmente me fez o instrumento de sua punição. O país não é o que FOI.
Esta União forçada não é o que eu já amei. Não me importo com o que
possa acontecer comigo. Não tenho desejo algum de viver mais que o meu
país. Nessa noite (antes do feito), escrevi um longo artigo, que deixei para
um dos editores do National Intelligencer, no qual disserto sobre todas as
razões que levaram aos nossos procedimentos. Ele ou o Governo...”
Naquele momento, no meio da frase, algo — talvez uma interrupção de
David Herold, um ruído alarmante à distância, ou o cair da noite escura —
levou Booth a parar de escrever e o seu manuscrito se encerra
abruptamente. Booth estava errado quando acusou o jornal ou o governo de
suprimir seu manifesto. Ele achava que podia confiar que John Matthews
iria entregá- lo. Mas não considerou que o amigo, aterrorizado com a
possibilidade de fazerem uma ligação sua com o assassino de Lincoln,
pudesse ler a carta e depois destruí-la.
Quando Booth não estava escrevendo em seu caderninho nem lendo os
jornais, o que ele fazia enquanto se encontrava no bosque de pinheiros? Não
havia o que fazer a não ser conversar. Booth e Herold não falavam muito na
frente de Thomas Jones, restringindo a conversa a questões práticas como
alimento e jornais, a necessidade de atendimento médico para Booth e as
perspectivas para efetuarem a travessia do rio em momento oportuno. Para
Jones, assim estava bem. Ele não era de falar muito, tampouco de fazer
perguntas; então, prudentemente, preferia ficar o mínimo possível no
esconderijo dos fugitivos. Segundo Jones, Booth não o atraiu para
discussões políticas abstratas, não tentou impressioná-lo com historietas
divertidas, contadas em primeira mão, sobre o tiro fatal, sobre o pulo do
camarote para o palco, ou sobre a cavalgada inesquecível para sair de
Washington — tampouco tentou justificar o assassinato. Ele disse a Jones
que matara Lincoln, que não se arrependia, e pronto! Booth e Herold
guardavam para si a maneira como pretendiam escapar depois de cruzarem
o Potomac, ou qual seria seu destino final, se é que tinham um.
Mas, quando estava a sós com Herold, Booth podia desabafar. Não há
dúvida de que assegurasse ao outro as mesmas coisas das quais ele mesmo
tanto precisava se convencer — eles cruzariam o Potomac e encontrariam
socorro na Virginia; iriam sobreviver. E não há dúvida de que Booth tenha
presenteado Davey com inúmeras narrativas do drama do assassinato. E se
os jornais não deixavam Booth contar à nação os motivos nobres de seu
crime, ele poderia ensaiá-los várias vezes para o seu público cativo de um.
Para Herold, não importava o que Booth dizia. O jovem impressionável não
aderira à conspiração por razões ideológicas. Deixara-se atrair para a órbita
de Booth por causa de seu carisma, não pelo ódio que este nutria por
Lincoln. Ele simplesmente se conformava na presença de seu herói,
desfrutando da atenção particular do ator, sem ter que dividi-la. Embora se
conhecessem há mais de um ano, nunca passaram tanto tempo juntos assim.
Depois de compartilhar o astro com outros conspiradores, e com seus
inúmeros amigos e fãs, Herold se sentiu privilegiado em tê-lo só para si.
Perdido no pinheiral, Herold tornou-se, por eliminação, o centro de atração
das atenções de Booth. Era como se um grande ator estivesse fazendo uma
maratona de apresentações só para ele. O futuro era incerto. Mas Booth
estava certo de que David Herold jamais o abandonaria.
Jones percebia a impaciência cada vez maior de Booth de forma que
resolveu pegar o cavalo e ir até a cidade de Port Tobacco muna missão de
reconhecimento para descobrir quantos soldados da União estavam
varrendo a área. Algumas semanas depois do assassinato de Lincoln, o
jornalista da Guerra Civil George Alfred Townsend classificou a cidade de
valhacouto da corrupção rebelde: “Se há algum lugar no mundo se
entregando à depravação, esse lugar é Port Tobacco... Antes da guerra, era a
sede da aristocracia do tabaco e o reduto dos comerciantes de negros.
Passou muito naturalmente a ser um posto rebelde para fugitivos e uma
sede dos correios rebeldes. Jogatina, lutas e concursos de tiro eram
educação escolar. A violência e a ignorância desfrutavam de todo privilégio
na cidade... existem quinhentas pessoas em Port Tobacco; a vida lá me
lembra, coligada ao rio lodacento e aos pântanos das adjacências, da era dos
grandes répteis sobre o planeta, quando iguanodontes e pterodátilos e
pleossauros comiam-se uns aos outros... os detetives entraram nessa
Gomorra resumida qual os anjos que visitaram Lot.” De fato, a cidade era
frequentada pelo dissoluto George Atzerodt, coconspirador de Booth e
assassino pateticamente fracassado do vice-presidente Andrew Johnson. Ele
era tão associado ao lugar que na verdade o chamavam de “Port Tobacco”.
Quando Jones entrou em Port Tobacco, tropas da União finalmente se
aventuraram a sair de Bryantown e ir até a fazenda de Samuel Mudd. Era
meio-dia de terça-feira, 18 de abril, e a caçada humana estava parada.
Naquela manhã, o tenente Alexander Lovett acompanhado pelos detetives
William Williams, Simon Gavacan e Joshua Lloyd, e por nove soldados da
Cavalaria Provisional, chegaram em Bryantown. Quando David Dana e
Alexander Lovett estavam discutindo os progressos feitos até o momento,
Dana mencionou a história que o dr. George Mudd lhe contara em segunda
mão sobre os dois forasteiros. Intrigado, Lovett resolveu investigá-la. A
última vez que John Wilkes Booth havia sido comprovadamente visto
ocorrera há quatro dias, por volta da meia-noite de sexta-feira, 14 de abril,
quando Booth e Herold pararam na taverna Surratt para pegar os “paus de
fogo” e binóculos com John Lloyd. De fato, foi o tenente Lovett que fez a
incursão à taverna, interrogou Lloyd e o levou sob custódia. Dada a
carência de pistas quentes, Lovett resolveu que valia a pena investigar a
pista de George Mudd e mandou buscar o médico.
Assim que George Mudd chegou, soldados o trouxeram até a hospedaria
para ser interrogado. Lovett levou-o “para um quarto do hotel e pediu- lhe
que fizesse um depoimento do que ouvira”. Lovett não levou muito tempo
para apurar que o médico era-lhes praticamente inútil. Não sabia de detalhe
algum e jamais vira os dois forasteiros. Só sabia o que o primo lhe dissera,
o que não era muito: dois homens vieram dar na casa do dr. Samuel Mudd
tarde da noite do assassinato, e Sam os achou suspeitos. Este, então, pediu a
George que contasse o fato aos soldados.
Lovett resolveu seguir a pista até a fonte. Mandou que seus detetives e
soldados pegassem suas montarias de imediato. Levando George Mudd
consigo, eles cavalgaram até a fazenda de Samuel Mudd. Quando lá
chegaram, Frances Mudd cumprimentou George e os desconhecidos e
explicou que o marido estava trabalhando na roça. Lovett pediu que o
mandasse buscar. Enquanto isso, sugeriu o oficial, talvez ela pudesse
responder algumas perguntas.
POR VOLTA DO MOMENTO EM QUE LOVETT E OS DETETIVES ESTAVAM
interrogando a sra. Mudd, Thomas Jones aprontava o rosto mais impassível
que conseguiu fazer, passava despreocupadamente pela porta do Brawner
Hotel em Port Tobacco e descia a escada que dava no porão. Conforme
George Alfred Townsend observou, “lá tem um bar na adega mais ao fundo,
onde os frequentadores, farreando a meia-luz, mostram-se bastante afeitos
ao covil dos ladrões e falam de roubos entre um copo e outro”. Era dia de
atividade no mercado e havia muitos homens e fofocas circulando pela
cidade. A estratégia simples de Jones era “misturar-se ao povo e escutar”.
Um detetive do exército, capitão Williams, captou Jones com o olhar e lhe
ofereceu uma bebida. Alguém nesta cidade periclitante, viciada e rebelde
deve saber alguma coisa dos assassinos, Williams estava convencido. Jones
aceitou e apertou o copo entre os dedos. Antes que ele pudesse erguê-lo
para molhar os lábios, Williams o encarou firmemente nos olhos e alardeou:
— Dou cem mil dólares para quem me passar a informação que venha a
conduzir à captura de Booth.
— É uma quantia muito grande e há de levar a ele — concordou Jones,
que em seguida acrescentou com certa dubiedade: — se o dinheiro for
capaz disso.
Jones estava precisando desesperadamente de dinheiro e sabia o que
aquele montante poderia comprar. Em 1865, quando um soldado do
exército da União ganhava treze dólares por mês e o presidente dos EUA
ganhava um salário anual de vinte e cinco mil dólares, cem mil dólares era
uma fortuna estupenda. Jones pensou na esposa e na fazenda que perdera,
no tempo que a União lhe roubara durante sua detenção na prisão do prédio
do antigo Capitólio, no dinheiro que a Confederação lhe devia e na
economia incerta do Sul derrotado. E ele não estava ficando mais jovem —
logo estaria com 45 anos de idade. Tinha, portanto, todas as razões do
mundo para revelar o esconderijo de Booth e pegar o dinheiro da
recompensa. Mas não disse nada. O instinto de Booth acerca do caráter de
Jones estava certo. Jones era um homem de verdadeiros sentimentos sulistas
a quem não se podia comprar. De fato, sua explicação parece uma coda do
Sul antes da guerra: “Se, por DINHEIRO, eu houvesse traído o homem a
quem estendi a mão, cuja confiança eu ganhara e a quem eu prometera
socorro, eu teria sido, de todos os traidores, o mais abjeto e desprezível.
Dinheiro ganho por meio tão vil seria amaldiçoado e a imagem macabra do
rosto do homem cuja vida eu tivesse vendido haveria de me acompanhar até
o túmulo. É verdade que as esperanças da Confederação ESTAVAM iguais
às folhas no outono quando soaram os clarins. É verdade que o pouco que
eu havia acumulado em vinte anos de labuta incessante ESTAVA
irremediavelmente perdido. Mas, graças a Deus, havia alguma coisa que eu
ainda possuía — uma coisa que posso dizer sempre minha, e essa coisa se
chama Honra.”
TRAZIDO DA ROÇA, SAMUEL MUDD VOLTOU PARA A CASA DA FAZENDA
ansioso e encontrou a patrulha da cavalaria à sua espera. A situação não
parecia nada boa: nove soldados uniformizados, mais quatro homens em
trajes civis. Muitos deles, inclusive o tenente Lovett, haviam tirado o
uniforme azul de oficiais do exército e vestido roupas civis como disfarce
para se mesclarem ao populacho e conseguir pistas de maneira furtiva e
astuta. Alguns chegaram até a assumir identidades falsas, fazendo-se passar
por confederados ou amigos de Booth, numa tentativa de convencer os
simpatizantes do assassinato a baixar a guarda.
Mudd apeou do cavalo, saudou os inquisidores e rapidamente ensaiou a
história que o acobertaria uma última vez. Tivera três dias para forjá-la
bem. Caso ele se ativesse à história, se comportasse com naturalidade e não
fizesse nada para levantar suspeitas, daria tudo certo.
Sam lhes contou o que acontecera: dois forasteiros chegaram a cavalo
antes do raiar do dia, um deles estava com a perna quebrada e ele colocou o
osso no lugar. O homem machucado descansou no sofá da sala do andar
térreo. Ele não mencionou que Booth fora para o segundo andar. Os
forasteiros não ficaram muito tempo, Mudd assegurou ao oficial. Lovett
perguntou distinta- mente se Mudd conhecia os homens. Não, respondeu o
médico, eram-lhe totalmente desconhecidos. Ele “não sabia nada a respeito
dos dois” e eles não se demoraram muito, enfatizou. Lovett achou que
Mudd estava preocupado: “Ele parecia bastante agitado e ficou pálido como
uma folha de papel quando lhe perguntaram, mas admitiu... que dois
forasteiros haviam estado lá.” Os modos lacônicos de Sam — ele deu
poucos detalhes — e a linguagem corporal de culpa levaram Lovett a
suspeitar: “Ele não parecia preocupado em dar qualquer satisfação.” Mudd
ofereceu informações de somenos, inclusive sobre haver confeccionado um
par de muletas para o homem que estava machucado. E sobre eles terem
partido a cavalo. É claro que a cavalo eles foram, Lovett deve ter pensado.
Afinal, não haviam chegado a cavalo?
Enquanto Lovett continuava interrogando Mudd, o detetive Joshua
Lloyd foi vasculhar o paiol e os anexos da fazenda atrás de sinais de John
Wilkes Booth.
Lovett pediu que Mudd descrevesse os forasteiros. O médico falou de
forma vaga, propiciando pouco mais que estimativas de altura, peso e faixa
de idade. As descrições eram parecidas com as de Booth e Herold,
convencendo Lovett de que os fugitivos haviam estado ali. O dr. Mudd
então falou por que havia suspeitado deles — o ferido pediu um barbeador,
sabão e água, e raspou o bigode. Vários soldados que ouviam a conversa
soltaram resmungos, concordando com a natureza da suspeita. Lovett
perguntou a Mudd se o homem também tinha barba:
— Ah, sim, costeletas bem grandes! — exclamou o médico.
Lovett sabia que John Wilkes Booth não usava barba. Ninguém que viu
o assassino no Teatro Ford mencionara barba. E a barba de Booth não teria
crescido tanto em apenas quatro dias.
Mudd alegou que os forasteiros perguntaram como chegar à casa de
Parson Wilmer em Piney Chapei, a oeste de sua fazenda. Era um destino
estranho para o assassino de Lincoln. Wilmer era leal à União e as
autoridades federais o tinham como cidadão irrepreensível. Lovett
descartou a pista por tratar-se de um estratagema para causar desencontro.
O detetive Lloyd voltou para a casa. Não havia nada no paiol e nos
anexos, relatou.
Depois de interrogar Samuel Mudd durante cerca de uma hora, o
tenente Lovett e sua patrulha saíram da fazenda por volta de 13h30 de terça-
feira, 18 de abril. Se o médico achou ter-se desincumbido a contento, estava
errado. Enquanto os soldados e detetives galopavam pela estrada de volta,
Alexander Lovett chegou à conclusão inversa: “Eu estava decidido a
prendê- lo quando chegasse a hora certa.” Embora Lovett achasse que
Mudd havia mentido quanto ao destino alegado por Booth, ainda assim, por
uma questão de dever, precisaria investigar a indicação do médico: “Fui ao
sr. Wilmer e revistei a casa — algo que não gostei de fazer. Mesmo antes da
revista, eu sabia não haver nada ali, pois conhecia a reputação do homem.
Eu tinha certeza: tratava-se apenas de uma tentativa para nos despistar.”
No primeiro encontro com os perseguidores, o dr. Mudd serviu a John
Wilkes Booth muito bem. Ele negou conhecer o forasteiro machucado.
Mentiu a respeito da barba. Não avisou aos soldados que Booth e Herold
estavam bem armados. E plantou a pista falsa para enganar os soldados,
mandando-os investigar a oeste dali quando Booth havia partido para o
sudeste. Mas o que isso lhe custou? Ele havia chegado a um ponto do qual
não poderia mais voltar — e estava enquadrado agora. Propiciara ajuda e
apoio aos assassinos de Abraham Lincoln. Nesse momento, na tarde de 18
de abril, o dr. Samuel A. Mudd estava correndo mais perigo do que Booth e
Herold, que se escondiam na relativa segurança do bosque de pinheiros.
EM 18 DE ABRIL, MILHARES DE PESSOAS CONTINUAVAM A CHEGAR A
Washington, D.C., para ver o cortejo fúnebre de Abraham Lincoln, marcado
para o dia seguinte. Tão logo o Departamento da Guerra anunciou os
eventos planejados para 19 de abril, o Willard Hotel recebeu quatrocentos
telegramas implorando por reservas de quartos. Todos os hotéis da cidade
ficaram lotados, o que levou milhares de visitantes a dormirem nas ruas e
parques. A essa altura, papel crepom e estamenha pretos já haviam
substituído as efêmeras placas e flâmulas patrióticas que adornavam a
cidade na semana anterior. Gideon Welles registrou a transformação em seu
diário: “Todas as casas, praticamente, exibem reposteiros, especialmente as
dos pobres. Os prédios públicos e as casas mais abastadas apresentam
profusas manifestações, mas a fita preta ou tira de pano preto na choupana
do negro pobre ou branco necessitado é o mais tocante.”
Na manhã de 19 de abril, o dia mais solene da história do país começou
com o cortejo fúnebre do presidente saindo do Quarto Leste da Mansão
Executiva. Os operários vararam a noite para construir um palanque de
madeira capaz de acomodar os seiscentos convidados. Incapacitada pelo
luto, Mary Lincoln não estava entre os presentes. Permaneceu reclusa nos
aposentos da família, mandando os filhos Robert e Tad como representantes
seus no andar debaixo. O reverendo dr. Gurley, que rezou ante o defunto de
Lincoln na Estalagem Petersen, presidiu a cerimônia.
Na avenida Pensilvânia, dezenas de milhares de pessoas se
acotovelavam atrás de boas posições em ambos os lados da rua para verem
o catafalco do funeral quando seis magníficos cavalos puxando o féretro de
Abraham Lincoln saíram da rua 15 e entraram na avenida. Crianças ágeis
subiram em árvores para aproveitarem os melhores pontos de observação e
nos hotéis, restaurantes, lojas e escritórios ao longo da avenida, muitas
janelas se recobriram de crepe preto enquanto outras se abriam para que as
pessoas, chorando seu luto, pudessem ver a procissão passar.
A procissão passava devagar; o andamento da marcha era medido pelo
som abafado dos surdos e bumbos enfaixados em crepe. O cortejo fúnebre
de Lincoln foi o espetáculo mais triste, mais profundamente tocante que já
se produziu na história da República. E ainda, no Capitólio dos EUA, na
rotunda abaixo do Grande Domo, um catafalco aguardava para receber o
caixão de Lincoln. Milhares de cidadãos aguardavam horas a fio
enfileirados para verem o Pai Abraham. Os jornais disseram que seria um
caixão aberto. Lincoln recebera um tiro na cabeça, mas a bala não
desfigurou seu rosto, à parte o hematoma arroxeado em torno do olho
direito. A arte do agente funerário dera conta disso. Quando terminasse o
funeral, sendo encerradas a procissão e as vistas, o corpo do presidente seria
colocado a bordo de um trem especial que o levaria para casa em
Springfield.
Mas havia um sacrilégio naquele dia. O assassino, John Wilkes Booth,
ainda estava à solta. Ao longo de todas as solenidades do 19 de abril,
nenhum pastor ou autoridade governamental mencionou o nome do
assassino em público. Pronunciá-lo seria violar a memória do honrado
defunto. Mas o espectro de Booth era uma pústula, se não na língua pelo
menos na mente. Já se passavam cinco dias desde a Sexta-feira Santa. A
Páscoa se fora. E o assassino de Lincoln permanecia à solta, zombando dos
seus perseguidores. Era preciso fazer alguma coisa. Amanhã, depois que o
corpo do presidente saísse de Washington, Edwin Stanton daria um passo
inédito. Ele planejou fazer um comunicado dramático para o povo
americano que combinava uma recompensa incrível com uma ameaça
terrível. Mas Stanton não podia interromper a caçada humana um instante
sequer. Na manhã do funeral, antes da missa do meio-dia no Salão Leste,
ele enviou uma mensagem para o general Hancock em Winchester retirando
o que dissera três dias antes sobre convocar o general confederado Mosby
para empreender perseguição ao assassino: “Existem evidências de que
Mosby sabia do plano de Booth e esteve aqui nesta cidade com ele; e
também parte do bando está tentando escapar cruzando o alto Potomac para
ir se juntar a Mosby ou aos secessionistas de lá. Sabe-se que Atzerodt, ou
Port Tobacco como ele é chamado, fugiu na direção de Rockville no
sábado.”
Em Nova Orleans, o famoso detetive Allan Pinkerton só ficou sabendo
do assassinato na manhã do funeral de Lincoln. Não houve como fazer a
notícia chegar à cidade antes de passados cinco dias do atentado. Pinkerton
detestou o fato de não estar participando da ação e mandou um pomposo
telegrama fora de hora para Stanton na tentativa de conseguir um papel de
destaque na caçada humana:
Os jornais matutinos de hoje contêm a deplorável informação acerca
dos atentados cometidos contra o presidente Lincoln e o secretário Seward.
Pela providência de Deus, em fevereiro de 1861, me foi dado
salvá-lo do destino que ele agora encontrou. Como me ressinto de não
haver estado por perto antes desse ato fatal! Eu poderia ter sido o
meio de sustá-lo. Se eu puder ser útil de alguma forma, queira por
favor me informar. Os serviços de toda a minha força, ou da própria
vida, estão à sua disposição, e tenho certeza de que me desculparás
insistir na necessidade de tomar enorme cuidado pessoal da sua parte.
Neste momento, a nação não pode deixar de contar com a sua pessoa.
A autopromoção e a bajulação servil de Pinkerton não tiveram efeito
algum. Nova Orleans ficava muito longe de Washington. Booth já estava
fugindo há cinco dias e Pinkerton levaria diversos dias para se deslocar até
Washington. Àquela altura, Stanton tinha em campo já alguns milhares de
homens empenhados na caçada humana. Ele não precisava daquele olhar
fanfarrão que a tudo enxergava. O detetive cujo lema era “nós não
dormimos” conseguira dormir cinco noites antes de saber da notícia mais
importante da guerra.
ENQUANTO DEZENAS DE MILHARES DE PESSOAS ENLUTADAS DAVAM UM
ÚLTIMO adeus a Lincoln em Washington no dia 19 de abril, os perseguidores
se preparavam para fazer uma incursão à casa da irmã do assassino, Asia
Booth Clarke, na Filadélfia. Tudo por culpa do marido dela, John Sleeper
Clarke! No domingo, dia 16, Asia lembrou-se de que, um tempo atrás, John
Wilkes lhe confiara alguns papéis de cunho pessoal para guardar no cofre.
Quando destrancou o cofre e abriu os envelopes do irmão, ela descobriu
vários documentos, inclusive duas cartas impressionantes. Uma delas era
muito carinhosa e intima, dirigida à mãe deles, preparando-a para o
sacrifício que ele iria fazer em prol da causa.
Sempre me esforcei para ser um filho bom e responsável e, até
hoje, estaria disposto a morrer antes de lhe dar algum desgosto.
Porém, minha querida mãe, embora tudo eu lhe deva, existe outra
obrigação a cumprir, uma obrigação nobre, em prol da liberdade e da
humanidade devidas ao meu país. Durante quatro anos fui (posso
dizer) um escravo no Norte (um escravo favorecido, é verdade, mas
não menos odioso por isso), sem poder ousar expressar meus
pensamentos ou sentimentos... mas parece que o destino incontrolável
conduzindo-me para os seus propósitos, tira-me da senhora, querida
mãe, para fazer o trabalho que eu puder fazer por um povo pobre,
oprimido e maltratado... E caso o último raio atinja o seu filho,
querida mãe, aceite com paciência e saiba que, na melhor das
hipóteses, a vida é curta.
A segunda carta de Booth, endereçada “A quem interessar possa”, era o
seu manifesto político que descrevia o amor pela Confederação, o ódio por
Lincoln e o desprezo pelos negros. No desenrolar dos fatos após o
assassinato, o texto incriminava e era sensacional, até explosivo:
Se estou certo ou errado, Deus há de me julgar, não o homem.
Pois, seja bom ou ruim o meu motivo, de uma coisa tenho certeza: a
condenação eterna do Norte.
Amo a paz mais do que a vida. Tenho amado a União mais do que
se pode dizer com palavras. Durante quatro longos anos eu aguardei,
cheio de esperanças, rezando para que as nuvens sombrias se
dissipassem e o nosso sol voltasse a brilhar. Esperar mais seria um
crime. Todas as esperanças de paz já se foram... Seja feita a vontade
de Deus! Vou providenciar e partilhar do amargo fim.
Sempre sustentei que o Sul estava certo. A mera indicação de
Abraham Lincoln quatro anos atrás dizia simplesmente: guerra —
guerra aos direitos e instituições do Sul. A eleição dele comprovou
isso...
Povo do Norte, execrar a tirania, amar a liberdade e a justiça,
combater o que está errado e a opressão foram os ensinamentos de
nossos pais...
Este país foi formado para o homem branco, não para o homem
negro...
Meu amor... é pelo Sul apenas. E não acho desonra alguma tentar
entregar-lhe prisioneiro o homem a quem essa terra deve tanta
miséria.
Um confederado, cumprindo o seu dever por responsabilidade
própria.
John Wilkes Booth
Sem atentar para as consequências, John Sleeper Clarke levou esses
documentos até John Millward, o delegado federal dos EUA na Filadélfia, e
depois mostrou-os a um editor do jornal Philadelphia Inquirer. Clarke,
pouco preocupado com o bem-estar da esposa grávida ou do restante da
família Booth, tentou se proteger levando os manuscritos a público.
Millward proibiu a publicação da carta endereçada à mãe por temer que ela
pudesse aliciar solidariedade para com o assassino. Mas deixou que o
Inquirer publicasse o manifesto, o que o jornal fez no dia 19 de abril, em
seguida a uma série de manchetes instigantes: “Carta de John Wilkes
Booth”; “Prova de que ele premeditara o crime meses antes”; “Confessa
estar engajado numa trama para capturar e levar o presidente”; “Rapsódia
da Secessão”.
A tolice de Clarke provocou o contrário do efeito pretendido. Qual
alarme de incêndio no meio da noite, o documento atraiu hordas de
detetives para a sua porta. Asia ficou furiosa: “O sr. J. S. Clarke deu
impensadamente aquela carta guardada que aludia a um esquema de
sequestro para o sr. Stockton, amigo pessoal dele e repórter de um
periódico, e, à medida que as notícias foram aceitas com toda voracidade, a
carta foi publicada e prisões efetuadas subsequentemente.” Esta traição foi
apenas a primeira que Clarke cometeu. Ele agora tinha vergonha do nome
Booth. Em breve estaria dizendo a Asia que deveriam se divorciar para
salvar sua reputação e carreira. John Wilkes Booth jamais gostou do
cunhado. De fato, quando Clarke pediu Asia em casamento, Booth advertiu
a irmã de que o homem era um oportunista a fim de explorar o nome da
família para impulsionar a própria carreira nos palcos. “Nunca se esqueça
de que você é um degrau profissional”, advertiu-a Booth. “O nome de nosso
pai é um portento... nesta terra. É um ótimo dote para quem quer engrenar
na carreira de ator.”
John Sleeper Clarke não afastou de si as suspeitas; estimulou-as. O que
mais, perguntavam-se os detetives do governo, as entranhas daquela
mansão da Filadélfia hão de entregar além da espantosa declaração do
assassino? Asia descreveu o frenesi dos caçadores de gente: “Foi como nos
dias da Bastilha na França. Efetuavam-se prisões súbitas na calada da
noite... Detetives, homens e mulheres, chamarizes e toda aquela escória de
gente sanguinária infestaram a cidade.” John Sleeper Clarke foi detido e
levado para Washington, e passou um mês na prisão do antigo prédio do
Capitólio.
Asia descreveu como os detetives assomaram à sua casa: “Essa
desafortunada publicação, tão inútil agora depois que o esquema havia
fracassado — e não levou a nenhuma nova descoberta —, trouxe uma série
de desalentos, pois não só alimentou os noticiários e inimigos ávidos por
novidades como também direcionou uma horda de detetives para a nossa
casa... Minha casa, que era uma grande mansão antiga (agora chamada de
CONSTRUÇÃO MISTERIOSA), foi toda revistada; depois, sem aviso
prévio, chegou todo um contingente da polícia, que a cercou e tomou a
revistar. Ficamos sendo vigiados pelo lado de fora da casa
ininterruptamente... nossas cartas eram poucas mas foram todas abertas, e
ninguém se deu ao trabalho de esconder que as havia lido.”
Edwin Booth escreveu para a irmã com frequência durante a caçada a
John Wilkes. “Não pense mais nele como seu irmão; ele está morto para nós
agora, tanto quanto em breve estará para o mundo inteiro, mas imagine o
menino cuja melhor parte convivia intensamente com você, noutro mundo.”
As autoridades reviraram a casa inteira e confiscaram toda e qualquer coisa
ligada a John Wilkes Booth, inclusive álbuns de família, fotografias e
documentos que nada tinham a ver com o assassinato. Asia catalogou as
transgressões. “Toda informação contida em suas resenhas, cartas,
programas das peças e registros dos teatros se perdeu na destruição geral de
papéis e bens que pertenciam a John. Todo material escrito ou impresso
encontrado em nossa posse, tudo que trouxesse o seu nome foi entregue, até
mesmo o retratinho dele que ficava pendurado sobre os berços no quarto
dos meus filhos. Ele mesmo o colocara lá dizendo: ‘Bebês, lembrem-se de
mim em suas orações.’ Não sobrou um vestígio sequer do que pertencesse a
ele; seus livros de música foram roubados, confiscados ou ferozmente
destruídos.” Em Maryland, na madrugada do dia 20 de abril, duas equipes
separadas de caçadores de gente estavam planejando outra incursão e
fechando o cerco em torno de George Atzerodt. Ele passara as últimas
quatro noites na casa de Hartman Richter, desligado do risco que corria.
Não sabia que Booth havia assinado os nomes dos conspiradores numa
declaração de assassínio — por sorte sua, John Matthews a havia destruído
— mas deveria desconfiar que a essa altura os detetives já teriam
vasculhado seu quarto na Kirkwood e descoberto sua ligação com Booth, e
assim com os demais. Deveria ter fugido, mas não, cometeu a tolice de se
delongar na companhia do primo. Elartman Richter se recordou do
comportamento descuidado de George. “Ele ficou na minha casa de
domingo até terça-feira de manhã, e se ocupou em zanzar pela casa, cuidar
um pouco do jardim e passear pela vizinhança. Não se preocupou em fugir
ou se esconder.”
Tampouco tentou ser discreto. Demonstrou conhecimento de causa ao
conversar sobre o assassinato durante o almoço da Páscoa e, em especial,
fez um estranho comentário sobre um homem seguindo Grant no trem, de
forma que um dos convidados de Hezekiah Metz, Nathan Page, desconfiou.
Três dias depois, na quarta-feira 19 de abril, Page relatou suas suspeitas
para um informante local, James Purdum, que repassou a pista para as
forças da União em Monocacy Junction. Assim que ficou sabendo, o
capitão Solomon Townsend da Primeira Cavalaria de Delaware agiu
prontamente: mandou que o sargento Zachariah W. Gemmill pegasse
Purdum para ser seu guia e fosse até a casa de Richter prender Atzerodt.
Um segundo grupo de caçadores de gente também visava a casa de
Richter na manhã do dia 20 de abril. James L. McPhail, o competentíssimo
oficial comandante da polícia do exército dos EUA, também estava na
perseguição. Ele vinha participando ativamente da caçada desde a noite do
assassinato de Lincoln, quando Stanton suspeitou que Booth talvez tivesse
fugido para Baltimore. McPhail já contribuíra nas detenções de Samuel
Arnold e Michael O’Laughlen em 17 de abril. E, infelizmente para George
Atzerodt, seu irmão John e seu cunhado John L. Smith serviam ambos no
estado-maior de McPhail. John Atzerodt era um patriota e se sentiu na
obrigação de ajudar McPhail a capturar o irmão fugitivo. Ele informou
saber que George estaria visitando o primo Hartman Richter no condado de
Montgomery e sugeriu que talvez McPhail o encontrasse por lá. O
comandante da polícia mandou os detetives fazerem uma incursão na casa
de Richter.
Mas o sargento Gemmill e seis soldados da cavalaria sob o seu comando
chegaram lá antes, por volta das 4 horas da madrugada. Gemmill bateu à
porta e, antes de abrir, Richter perguntou quem era duas vezes. Gemmill era
impaciente: “Eu disse que ele viesse ver.” Quando Richter chegou à porta,
Gemmill lhe perguntou se alguém chamado Atwood — o pseudônimo que
Atzerodt usava na casa de Metz — estava lá. O homem estivera lá, disse
Richter, mas havia partido para Frederick, Maryland. Quando Gemmill
disse que iria revistar a casa de qualquer maneira, Richter admitiu que
Atzerodt estava dormindo no quarto de cima. A esposa de Richter avisou
que havia três homens lá em cima. Gemmill pegou uma vela ou lamparina e
subiu com dois soldados. Eles encontraram o desafortunado na cama.
Atzerodt se rendeu humildemente, sem sequer perguntar por que estava
sendo preso.
Interrogado pelo comandante da polícia McPhail, Atzerodt logo
confessou. O oficial nem precisou pressioná-lo. Atzerodt pedira a reunião.
Contou-lhe do quarto na Estalagem Kirkwood e do casaco, da pistola e da
faca. Tudo isso pertencia a David Herold, alegou. Contou também como
havia jogado fora a faca nas ruas de Washington na manhã do falecimento
de Lincoln e penhorado a pistola em Georgetown. Revelou a trama para o
sequestro e como ela acabou em assassinato. Descreveu a última reunião
dos conspiradores na Estalagem Elerndon. E implicou Mary Surratt e o dr.
Samuel Mudd. A captura de Atzerodt foi um golpe magistral. Agora, além
de prender Mary Surratt, Samuel Arnold e Michael O’Laughlen, o
Departamento da Guerra tinha em seu poder dois — Powell e Atzerodt —
dos homens que haviam estado de fato presentes na conferência realizada
na Estalagem Herndon com vistas ao assassinato.
Na manhã de 20 de abril, enquanto Stanton dava os retoques finais em
seu comunicado, antes de enviá-lo para a gráfica produzir os cartazes de
divulgação e mandar publicá-lo nos jornais, chegou aos ouvidos do
Departamento da Guerra que os caçadores de cabeça haviam capturado
George Atzerodt, o pretenso assassino do vice-presidente. A lista de
descuidos bobos do alemão — abandonar provas incriminadoras na
Estalagem Kirkwood, jogar a faca fora com toda negligência, penhorar a
pistola e falar com conhecimento de causa sobre o assassinato — criou um
roteiro de culpas que levou o sargento Gemmill até Atzerodt em pleno sono.
Não deveria surpreender que ele tenha sido o único conspirador de Booth a
ser pego desprevenido na cama. Os jornais se deleitaram em retratar as
circunstâncias humilhantes.
O comunicado do dia 20 de abril oferecia uma recompensa de US$
25.000 por Atzerodt. Logo antes do texto ir para o prelo, Edwin Stanton o
refez, retirando o nome do recém-capturado Atzerodt e colocando em seu
lugar John Surratt, o filho desaparecido de Mary. Em pouco tempo o
comunicado chegaria às ruas, oferecendo uma inédita recompensa de US$
100.000 pelos assassinos de Lincoln e ameaçando de morte qualquer um
que lhes desse apoio ou guarida. As recompensas anteriores de US$ 10.000
em 15 de abril e US$ 30.000 em 16 de abril não haviam logrado êxito.
Stanton tinha esperanças de que sua nova e estupenda oferta conseguisse
motivar os caçadores de Booth — e quem quer que o estivesse ajudando.
Departamento da Guerra, Washington, 20 de abril de 1865
US$ 100.000 EM RECOMPENSAS!
O ASSASSINO de nosso querido presidente Abraham Lincoln
AINDA ESTÁ À SOLTA.
RECOMPENSA DE US$ 50.000
será paga por este Departamento por sua detenção, além de qualquer outra
recompensa
oferecida pelas autoridades Municipais ou Estaduais.
RECOMPENSA DE US$ 25.000
será paga pela detenção de JOHN SURRATT, um dos cúmplices de
Booth.
RECOMPENSA DE US$ 25.000
será paga pela detenção de DAVID C. HEROLD, outro cúmplice de
Booth.
RECOMPENSAS GENEROSAS serão pagas por qualquer informação que
conduza à detenção de um dos criminosos citados acima, ou de seus
cúmplices.
Todos aqueles que derem acolhida ou esconderem essas pessoas, ou
qualquer uma delas, ou ajudarem a escondê-las ou auxiliarem sua fuga,
serão tratados como cúmplices do assassinato do presidente e do atentado
ao secretário de Estado, e ficarão sujeitos a julgamento perante uma
Comissão Militar e a punição com a MORTE.
Que a nódoa do sangue inocente seja lavada desta terra com a prisão e a
punição dos assassinos!
Todos os bons cidadãos são exortados a auxiliar a justiça pública nesta
ocasião. Todo homem deve empenhar sua própria consciência nesta solene
incumbência e não descansará, de dia ou de noite, até que ela seja
cumprida.
EDWIN M. STANTON, secretário da Guerra.
CAPÍTULO 7 “Caçado como um cão”
JOHN WILKES BOOTH E DAVID HEROLD PADECERAM NO BOSQUE DOS
Pinheiros durante cinco dias e quatro noites. No fim da tarde de quinta-feira
20 de abril, algumas horas após o encontro matutino com os fugitivos,
Thomas Jones acudiu a Allen’s Fresh, um vilarejo situado a mais ou menos
cinco quilômetros de Huckleberry, onde termina o pântano de Zekiah e
começa o rio Wicomico. Ele foi se aboletar no armazém do Colton e
empregou sua técnica preferida de recolher informações: sentar, olhar,
escutar e não falar. A espera durou pouco. Uma patrulha da cavalaria da
União, identificável pela assinatura sonora de sabres com lâminas de aço e
punhos de latão tilintando dentro das brilhantes bainhas de ferro prateado,
guiada pelo batedor John R. Walton dali mesmo de Maryland, adentrou a
cidade em marcha de trote. Alguns dos soldados foram ao armazém do
Colton tomar uns tragos. Jones prestou bastante atenção a cada palavra que
eles falaram. De repente, Walton adentrou o recinto:
— Acabamos de saber que aqueles sujeitos foram vistos no Condado de
Mary.
O aviso alvoroçou os soldados qual o velho toque de encilhar. Eles
saíram todos de uma vez, montaram em seus cavalos e partiram a galope.
Jones não deixou transparecer agitação alguma. Pronto! Era a abertura
pela qual esperara pacientemente a semana inteira. Várias centenas de
detetives e soldados vinham varrendo o Condado de Charles, Maryland, há
dias mas não conseguiram encontrar o faro de Booth. Era hora de
continuarem a busca noutro lugar. De fato, havia relatos de que Booth
cruzara o Potomac e estava agora na Virginia. Sim, alguns dos caçadores de
gente continuariam na região, só para prevenir, mas Jones teve a impressão
de que a busca nas imediações estava diminuindo. A cavalaria da União
saía da área e ia para longe do bosque de pinheiros. Confiando que não
haveria nenhuma outra tropa federal escondida pelas vizinhanças, Jones
resolveu que era “agora ou nunca, é a minha chance”. Ele quis sair
disparado do armazém do Colton e meter a pua no cavalo para chegar logo
ao esconderijo de Booth. Mas sabia que não deveria agir assim. Para evitar
suspeitas, demorou-se no armazém como se não tivesse preocupação
alguma no mundo. Passado algum tempo, saiu caminhando tranquilo,
montou no cavalo e, sem a menor pressa, foi-se embora de Allen’s Fresh.
Quando atingiu distância segura do vilarejo, desceu o chicote na montaria e
disparou num galope alucinante a caminho do pinheiral.
Já se fizera o crepúsculo e Jones achou que as condições meteorológicas
estavam perfeitas para uma missão clandestina. “O céu ficou nublado o dia
inteiro, com muita névoa”, ele escreveu, “e quando baixou a escuridão da
noite, as nuvens ficaram ainda mais carregadas e a umidade aumentou.
Subiu lá do brejo uma cerração densa que envolveu todo o vilarejo e o
pântano, encobrindo as árvores cujas formas imóveis foram ficando cada
vez mais turvas nas trevas da noite.” Quando Jones chegou ao pinheiral, a
escuridão era absoluta. Ele desmontou e se embrenhou pelo bosque adentro,
tomando cuidado especial. Nunca estivera ali no escuro antes, e Booth e
Herold não o estavam esperando. Jones sabia que os dois estavam
impacientes e nervosos, e não queria assustá-los a ponto de dispararem
contra ele logo quando estava prestes a concluir sua missão. A uma
distância segura, contraiu os lábios e emitiu o assobio em código secreto de
três notas. Tal como das vezes anteriores, Herold respondeu e logo surgiu
por entre os troncos escuros dos pinheiros que o ocultavam para conduzir
Jones até o ponto do bosque em que Booth jazia no seu leito de enfermaria
improvisado sobre o chão de terra. O assassino e seu camareiro mal podiam
esperar para saber que razão, eles já previam, o traria ali àquela hora. Essa
visita inesperada depois do cair da noite só poderia significar uma coisa:
Thomas Jones trazia notícias importantes. Seria chegada a hora?
Ele relatou com a fala impassível e quase insuficiente que era sua marca
registrada:
— A margem do rio parece tranquila e a escuridão nos favorece. Vamos
tentar fazer a travessia.
Booth e Herold mal acreditaram no que ouviram. Finalmente, libertos
da prisão desse bosque maldito onde os pinheiros altos e inflexíveis
despontavam sobre suas cabeças como as barras de uma cela, eles poderiam
seguir para a Virginia. Recolheram seus parcos pertences, incluindo o
precioso binóculo, que Booth considerava muitíssimo importante para a
fuga, tanto que, na tarde do assassinato, enviou Mary Surratt numa missão
especial com a incumbência de deixá-lo na taverna de Surrattsville. Mas o
instrumento era inútil no pinheiral pois a visibilidade ali no meio podia ser
medida em metros, não em quilômetros, quando seu propósito era
perscrutar os horizontes para sondar a segurança dos novos terrenos a serem
percorridos. Booth pegou o binóculo para não perder de vista o que
esperava apreciar nos próximos dias.
Jones os preveniu a manterem-se alertas e não baixarem a guarda. Para
chegarem ao Potomac, eles teriam de enfrentar uma caminhada arriscada de
quase seis quilômetros cruzando trilhas encobertas e vias públicas.
Contando apenas com um cavalo para três homens, Jones propôs que Booth
fosse montado em sua égua e que Herold a conduzisse pela brida. Ele
mesmo, a pé, iria de guia. Jones e Herold se esforçaram para conseguir
erguê-lo do chão e colocá-lo sobre a sela. Booth sentia muita dor. A bem da
verdade, Jones observou, “cada movimento, apesar do estoicismo,
arrancava-lhe da garganta gemidos de sofrimento”. Entregaram-lhe a
carabina Spencer e os dois revólveres, enrolaram os cobertores e os
amarraram atrás da sela, e se puseram a caminho, tomando a estradinha
rústica aberta para carroças que ia dar na via pública. Jones insistiu que
ninguém deveria falar, nem fazer barulho. Assim que pusessem o pé na via
pública, ele avisou, estariam correndo grande perigo de cruzar com
viajantes ou simplesmente quando passassem por duas casas que havia bem
perto da estrada.
Jones caminhava cinquenta ou sessenta metros adiante, qual um piquete
de infantaria sondando à frente do corpo principal, atento a qualquer ruído,
vasculhando a cerração para enxergar qualquer viajante hostil. Reinava a
quietude. Jones parou subitamente, hesitou alguns instantes e em seguida
assobiou para que os companheiros se aproximassem. E foi repetindo o
processo de poucos em poucos minutos até chegar ao segmento da jornada
que mais temia — o trecho de um quilômetro e meio de via pública entre a
estradinha e a sua fazenda. Eles estavam tão vulneráveis na via aberta que
até mesmo Thomas Jones, traquejado veterano de centenas de perigosas
missões noturnas dos confederados, ficou apreensivo: “Quando eu parava
para escutar, o coaxar de um sapo, o latido longínquo de um cão, o zumbir
da asa de algum pássaro noturno passando por cima da minha cabeça
bastava para me disparar o coração e a respiração.” Jones assobiou para
Booth e Herold entrarem na via pública e segui-lo. Quando eles o
alcançaram, Jones pegou a brida, deu um puxão para que o cavalo viesse
alguns metros mais para o lado da estrada e os mandou esperar. Passou
cuidadosamente pela primeira casa, ocupada por Sam Thomas, um negro
cujos filhos chatos estavam sempre atrapalhando. Pela janela, via-se lá
dentro a luzinha de uma lamparina, fraca demais para iluminar a estrada.
Jones assobiou para os companheiros continuarem quando já havia coberto
uma boa distância depois da casa. “Quando dei o assobio baixinho que
acertáramos como sinal de que a estrada estava desimpedida, aquilo soou
para os meus ouvidos como o toque de uma trombeta e, embora o chão
estivesse macio e fofo, os passos lentos do cavalo... pareciam o tropel de
uma cavalaria inteira.” Booth e Herold passaram pela casa de Thomas sem
serem detectados.
Jones temia a próxima casa ainda mais pois o dono, John Ware, tinha
vários cães. Ele passou pelo portão de Ware e prestou atenção. Sem ter
escutado barulho algum, continuou até passar da casa e assobiou, com medo
de fazer latir uma matilha inteira. Nenhum dos cães se sentiu atiçado pelo
sinal. Finalmente, Jones chegou ao fim da via pública e levou Booth e
Herold, com os nervos seriamente abalados, para o regaço de sua fazenda.
Eram 9 ou 10 horas da noite. Àquela altura, “a noite ficara negra como o
breu. Não estava chovendo mas a umidade se agarrava a tudo e caía em
gotas sobre nós à medida que íamos caminhando sob a copa das árvores”.
Jones sustou o passo do grupo embaixo de duas pereiras perto do estábulo,
a uns cinquenta metros da casa.
Booth precisava do abrigo — ainda que por poucos instantes — de um
teto sobre a cabeça e do calor reconfortante de um fogo na lareira e assumiu
que Jones os iria acolher em sua casa antes da última tirada até o rio.
Jones falou:
— Esperem um instante que eu vou entrar e trazer um jantar para vocês
comerem aqui enquanto arranjo alguma coisa para mim.
O coração de Booth se apertou e ele pediu:
— Ah, será que eu posso entrar e tomar um pouco do seu café quente?
Jones respondeu:
— Meu amigo, não vai dar. Na verdade, não seria seguro. Há criados na
casa que o veriam e aí estaríamos perdidos. Lembre-se, é a sua última
chance de escapar.
Booth sabia que Jones estava certo. Em breve, no lado da Virginia,
haveria abrigo, uma lareira e uma cama. Sabedor do quanto Booth sofria
com a perna quebrada e a vida ao relento, Jones detestou ter de recusar o
pedido: “Fiquei de coração partido ouvindo aquela pobre criatura, que
estava sem um teto sobre a cabeça, sem alimentos quentes, sem sentir o
calor de uma fogueira, sem o ânimo de uma luz havia quase uma semana,
ali exposto à escuridão e umidade da noite, parada na entrada da minha
casa, fazer aquele pedido comovente.”
Jones entrou na casa pela cozinha onde Henry Woodland se encontrava
à mesa fazendo uma refeição tardia. Jones deu o melhor jeito que pôde para
fingir-se à vontade numa típica noite de primavera na fazenda Huckleberry
e não no clímax de um dia em que estivera espiando as tropas da União,
galopando a toda para resgatar o assassino de Lincoln e seu companheiro,
levando-os numa arriscada travessia noturna e postando-os na entrada da
sua casa a menos de cinquenta metros da mesa da sua cozinha.
— Quantas savelhas você pegou? — Jones perguntou a Henry.
A pesca fora boa e ele respondeu:
— Peguei umas setenta, meu senhor.
Então Jones foi direto à pergunta crítica que decidiria tudo aquela noite:
— Você trouxe o barco para Dent’s Meadow e o deixou lá, Henry?
As vidas de John Wilkes Booth e David Herold dependiam daquela
resposta.
— Sim, senhor.
Ocultando o contentamento que sentiu, Jones continuou a conversa
inocentemente.
— É bom colocarmos outra rede amanhã. Está dando bastante peixe.
Jones foi até a sala de jantar, onde a sua refeição o esperava na mesa.
Diante de vários membros da família e sem trocar uma palavra sequer
com qualquer um deles, pegou comida suficiente para dois homens e a
levou para fora da casa: “Eles sabiam que não deveriam me questionar
sobre nada naquela época”, Jones se lembraria mais tarde. Ao sair, ainda
pegou uma vela e a colocou num dos bolsos do casaco.
Assim que Booth e Herold devoraram o jantar, a primeira vez que
faziam mais de uma refeição no mesmo dia durante o confinamento no
bosque de pinheiros, Herold e Jones tornaram a colocar Booth na sela do
cavalo e partiram para o rio, a cerca de um quilômetro e meio dali. Jones foi
caminhando à frente, assobiando quando era hora de cruzar campo aberto.
A uns trezentos metros do rio, eles depararam com uma cerca de madeira
alta demais para o cavalo passar por cima e bem construída demais para ser
desmontada com facilidade. Daqui em diante, o ator estropiado deveria
vencer a pé o caminho até o rio. Herold e Jones ajudaram Booth a apear e
ele se contorceu de dor quando os dois o passaram por cima da cerca.
Deixando o cavalo para trás, Jones e Herold pegaram as muletas que o dr.
Mudd improvisara e ajudaram Booth a se equilibrar nelas com todo o
cuidado para descer a trilha estreita e íngreme que ia dar onde o barco
estava. E se não estivesse lá? Jones teve essa preocupação. A menos que os
soldados da União tivessem topado com ele nas últimas horas, o barco
deveria estar poucos metros mais adiante, bem onde Henry Woodland o
deixara. Durante o progresso lento até a campina, Booth deve ter reanimado
os sentidos, escutando as águas do rio a correr pelas barrancas. Jones
também ouviu: “À medida que nos aproximamos, fomos escutando o ronco
surdo da correnteza... um barulho sinistro varando a escuridão.”
Os três seguiram em frente, até começarem a perceber um contorno
cinzento que se destacava no meio das trevas. Finalmente! Booth se animou
bastante quando enxergou a humilde embarcação. A perna quebrada, os
relatos degradantes dos jornais e a monotonia do bosque de pinheiros
haviam corroído seu otimismo. A visão do esquife deve ter-lhe
proporcionado um excitamento que ele não sentia desde a travessia triunfal
pela Ponte do Estaleiro Naval, o primeiro marco fundamental de toda a fuga
desde que escapara do Teatro Ford. Atravessar o Potomac de Maryland para
a Virginia seria o segundo. Jones entrou nas águas rasas e trouxe o barco
para a margem.
Os dois ajudaram Booth a entrar no barco e o fizeram sentar-se na popa.
Depositaram as armas e muletas com um baque surdo sobre as tábuas da
estrutura do casco. Entregaram-lhe o remo que serviria de leme. Herold
entrou, tomou posição na proa, pegou os outros dois e se preparou para
remar. Jones se agachou, tirou do casaco a vela que trouxera e mandou
Booth pegar a bússola de bolso. O ator abriu a caixinha quadrada forrada de
veludo enquanto Jones escondia a vela sob um pano impermeável e riscava
um fósforo para acender o pavio. Reunidos em torno da bússola e da vela,
com os rostos a poucos centímetros um do outro, Jones aproximou a vela
pingando sobre o vidro que protege a agulha magnetizada e mostrou a
Booth o curso a seguir.
— Mantenha este rumo que você vai chegar ao Machodoc Creek.
Entregou-lhe a vela com o aviso de que escondesse a luminosidade, por
mais fraca que fosse, durante a travessia do rio e depois deu-lhe um último
presente, o nome de um contato do lado de lá:
— A sra. Quesenberry mora perto da embocadura do ribeirão. Se lhe
disser que eu o mandei, talvez ela cuide de você.
Jones segurou a popa do barco com firmeza e começou a empurrar
Booth e Herold devagar para dentro do Potomac. Booth se virou de súbito e
falou:
— Espere um minuto, meu amigo.
O assassino, por gratidão, estendeu um punhado de cédulas da União
para Jones. Jones recusou o gesto, protestando que não o ajudara por
dinheiro. Concordou em aceitar apenas US$ 18,00, o preço que pagara pelo
barco um ano atrás em Baltimore.
Engasgado de emoção, Booth compreendeu que jamais tornaria a ver
Jones:
— Deus o abençoe, meu caro amigo, por tudo que você fez por mim.
Adeus, meu amigo.
Jones deu um último empurrão no barco e Herold começou a remar em
direção ao litoral da Virginia, três quilômetros adiante. O rio estava preto
como breu e o barco logo desapareceu de vista na vastidão negra e lisa
como um espelho à superfície da poderosa correnteza que passava com seu
rugido surdo sob a noite sem luar. Jones ficou para trás, cismando sobre
quem seria capaz de dizer os pensamentos que se apossaram de Booth ao se
entregar “à mercê das águas escuras”.
Mais certo é o significado dos dias vividos no bosque de pinheiros — a
“semana perdida” de John Wilkes Booth — no meio da caçada de doze dias
ao assassino de Lincoln. Booth e Herold passaram mais de um terço de toda
a perseguição no pinheiral. Foi ali, naquele bosque, onde Booth se
confrontou com a reação do país à sua pessoa e ao seu crime, onde a notícia
do ataque tresloucado de Powell chocou-lhe a consciência, onde soube que
o seu manifesto não seria publicado e a sua voz se calaria, onde ele se deu
conta de que, embora tivesse executado o crime com magnificência, não
planejara direito o próximo ato, o desenlace de uma fuga que fosse
incólume e bem-sucedida, e onde percebeu que fizera de Abraham Lincoln
um herói martirizado maior do que o presidente foi em vida. O misterioso
sumiço do assassino também afetou o país. Desaparecendo, ele conseguiu
despistar os perseguidores e abalar a confiança que o povo depositava no
governo, conquistou a reputação de criminoso e facínora- mor, e alimentou
rumores de uma conspiração em massa. De que outra forma um homem, o
homem mais procurado da história americana, conseguiria escapar da
justiça?
A fuga e o sumiço de John Wilkes Booth se desdobraram não como se
planejados por um criminoso-mor mas sim como se escritos por um
dramaturgo-mor. Cada dia a mais de sua ausência no palco intensificava o
fio dramático da história. Na sua ausência, os pontas, personagens
secundários, elenco de apoio e coadjuvantes construíam o drama: atores,
cenotécnicos e proprietários do teatro eram todos presos; a amante suicida
de Booth, exposta; suas outras amantes, escondidas; a suspeita viúva Mary
Surratt, presa numa incursão às altas horas, juntamente com inquilinos e
empregados; o maníaco e desamparado Lewis Powell, pego na porta da
casa dela; Edman Spangler, solto, e preso novamente; Sam Arnold e
Michael O’Laughlen, acorrentados; detetives em franca perseguição a
George Atzerodt, fracassado assassino do vice-presidente, o capturavam na
manhã do dia 20; e o dr. Samuel Mudd caía sob suspeita certeira. A cada
dia, o público esperava que os jornais matutinos e vespertinos trouxessem
notícias de mais uma prisão impressionante ou revelação chocante. Os
eventos se desdobravam inexoravelmente em direção a um clímax,
aguardando apenas o retorno do protagonista ao palco. Na noite de 20 de
abril, Thomas Jones o colocou nesse rumo. Embora tenha desencorajado
Booth, a semana perdida também lhe deu esperanças. A espera no bosque
de pinheiros evitara sua captura. Ele não sabia quem eram os caçadores à
sua cata, quantos eram, que plano de busca eles tinham, mas sentia sua
presença, vaga, pairando nas cercanias. Embora não os tenha visto, e só os
tenha ouvido uma vez, no dia em que a patrulha da cavalaria passou ao lado
do bosque, ele sabia pelos jornais que o Departamento da Guerra estava
envidando todos os esforços para pegá-lo. Jones podia fazer o que ele não
podia: deslocar-se entre os caçadores, observar seus movimentos, escutar-
lhes as conversas e até falar com eles. Deus — ou o destino — lhe trouxera
um anjo da guarda, um homem de honra sulista e seguidor do velho código
que, arriscando a própria vida, salvou a sua. Se Deus quiser, rezava o
assassino, outros homens como Thomas Jones o receberiam do outro lado
do rio, na Virginia. Homens assim eram melhores do que ouro, e ele só
precisava encontrar uns poucos deles.
THOMAS JONES JAMAIS TORNOU A VER JOHN WILKES BOOTH OU DAVID
Herold — ou seu barco. Assim que as vastas águas do Potomac tiraram os
dois do alcance da vista e dos ouvidos, Jones subiu a margem íngreme do
terreno no ponto do atracadouro, recuperou o cavalo do outro lado da cerca
e voltou para o regaço do seu lar na fazenda Huckleberry. As estradas
estavam desertas, assegurando que ninguém poderia dar testemunho do seu
paradeiro naquela noite. Quando chegou, ele desencilhou a montaria e foi
direto para a cama, sentindo-se intimamente satisfeito com o êxito da
missão mais espetacular que tivera na vida. Um homem esperto acabara de
baldar os planos e os recursos de toda uma nação. Durante cinco dias e
quatro noites, da manhã de domingo, 16 de abril, à noite de quinta-feira, 20
de abril, enquanto todo um país frustrado buscava a desforra no assassino
de Lincoln, Jones dera um jeito de esconder, proteger e sustentar o homem
mais odiado e procurado dos EUA. E naquela escura noite de quinta-feira,
enquanto a cavalaria do exército e as canhoneiras da marinha davam batidas
furiosas para prevenir a travessia de Booth e seu fiel assecla, Jones os
despachara tranquilamente rumo à obscura margem oposta. Eles deveriam
estar atracando no litoral da Virginia mais ou menos agora, pensou Jones,
enquanto caía no sono. Porém, enquanto Jones dormia com mais
tranquilidade e paz agora do que fora capaz nas últimas semanas, John
Wilkes Booth e David Herold remavam na direção errada!
QUANDO CHEGOU A QUINTA-FEIRA, 20 DE ABRIL, SAMUEL A. MUDD JÁ
NÃO vinha dormindo bem desde que respondera às perguntas do tenente
Lovett três dias antes. A experiência o deixara muito nervoso. Os detetives,
em lugar de expressarem gratidão, haviam se comportado com desconfiança
e demonstraram suspeitar dele. Mudd estava preocupado com o que lhes
dissera — e mais ainda com a informação vital que não revelara. Talvez
devesse revelar que já conhecia John Wilkes Booth antes. Mas não teve a
oportunidade de consertar a história pois Alexander Lovett e os detetives
não voltaram. E, decerto, Mudd raciocinou, John Wilkes Booth e David
Herold já deveriam ter cruzado o Potomac; decerto já teriam se embrenhado
pelo interior da Virginia. Os soldados e os detetives deveriam estar agora
concentrando a caçada por aquelas bandas, a muitos quilômetros de
Bryantown, do outro lado do rio.
Na manhã de sexta-feira, 21 de abril, o dr. Mudd tomou o desjejum e foi
cuidar dos afazeres normais na roça de sua fazenda. A caçada humana já
durava sete dias e não havia uma pista de verdade a seguir. Sem pistas
concretas, sem perspectiva de pegar Booth logo, as autoridades se
lembraram de Samuel Mudd. Em Washington, o coronel H. H. Wells
resolveu vir a Bryantown coordenar a busca pessoalmente. Era hora de se
encontrar com o médico suspeito de quem o tenente Lovett lhe falara.
Embora tenha se mostrado uma testemunha relutante na entrevista de 18
de abril, Mudd prestou alguma informação útil. Graças ao médico,-as
autoridades sabiam que Booth não viajava sozinho mas sim na companhia
de um homem mais jovem, muito provavelmente David Herold. E sabiam
que Booth estava com a perna quebrada, tendo dificuldades para se
locomover. E graças a Mudd, sabiam que o assassino havia raspado o seu
bigode característico. De fato, com base nas informações propiciadas por
Mudd, o Departamento da Guerra pôde rever o comunicado de Stanton feito
no dia 20 para todo o país. As três primeiras tiragens do cartaz diziam que
Booth usava “um vasto bigode preto”. Rapidamente o Departamento
revisou o texto e mandou fazer uma quarta tiragem, acrescentando a frase
“que ele pode ter raspado”.
O tenente Lovett e sua companhia partiram de Bryantown para
entrevistar Mudd novamente e trazê-lo à presença do coronel Wells.
Quando Lovett chegou de manhã, o médico havia saído novamente. Frances
mandou buscar o marido. Quando este chegou, Lovett o interceptou no
quintal e entrou na casa com ele. O oficial mandou que Mudd trouxesse a
navalha que havia emprestado ao desconhecido. E os homens eram
desconhecidos, Mudd destacou para Lovett. Mas o médico começou a se
lembrar de outros detalhes. O homem da perna quebrada estava armado: “O
homem ferido tinha um par de revólveres.” Mudd falou que havia
esquecido de mencionar aquilo na terça- feira. Frances Mudd declarou que
o desconhecido usava uma barba falsa — ela viu a barba soltando do rosto
quando ele desceu a escada.
Pistolas? Barba falsa? O tenente Lovett disse que ele e seus homens
precisariam revistar a casa. Ah, isso mesmo, o forasteiro que estava
machucado deixou para trás um pé da bota. Mudd explicou que o havia
cortado para tirá-lo da perna inchada. A bota — escondida embaixo da
cama do forasteiro no quarto da frente no segundo andar — foi trazida para
Lovett inspecionar. O oficial espiou dentro do cano até que alguma coisa
lhe chamou a atenção. Ele enrolou o cano de couro um pouco para baixo e...
lá estava, escrito a mão em tinta preta! Era o nome de um sapateiro em
Nova York. O médico exclamou prontamente que não notara aquilo antes.
Ao lado da marca do fabricante havia outra coisa escrita, o nome do dono.
Lovett leu o nome. Mudd sabia. Seu coração disparou enquanto ele olhava
para a prova irrefutável — “J. Wilkes”.
Lovett trouxe Mudd até Bryantown para levá-lo à presença do coronel
Wells. Durante a viagem, o oficial continuou fazendo perguntas e o médico
continuou revelando detalhes ainda não mencionados. Lovett perguntou se
os forasteiros “traziam muito dinheiro consigo”. Sim, Mudd confessou,
Booth tinha um maço grosso de dinheiro — “uma quantidade considerável
de cédulas”. Lovett se virou e falou com um dos seus homens: Mostre-lhe a
fotografia, foi a ordem que deu. O detetive tirou do bolso um cartão
pequeno e mostrou a imagem de John Wilkes Booth para que Mudd a visse
com clareza. Não, o homem não era aquele, insistiu Mudd, embora,
acrescentou o médico de forma enigmática, parecesse um pouco no formato
dos olhos.
Mudd e Lovett continuaram cavalgando lado a lado durante alguns
minutos sem falar nada. Então, o oficial percebeu que o médico
“empalideceu bastante e ficou com os lábios roxos, como alguém que leva
um susto”. Samuel Mudd ficara aterrorizado. Ele começou a recear que as
autoridades viriam a descobrir o seu terrível segredo muito em breve.
Talvez o coronel Wells, aguardando em Bryantown para confrontá-lo, já
soubesse. Mudd procurou se convencer de que as coisas poderiam se
reverter a seu favor caso ele contasse, espontaneamente, a verdade — ou,
pelo menos, uma parte cuidadosamente editada da verdade. Ele conduziu
seu cavalo para perto de Lovett e falou com toda a calma e desprendimento
que um homem bem diante do laço da forca seria capaz: ele conhecia John
Wilkes Booth. Conhecera-o no último outono.
Lovett chegou a cambalear ante a bombástica revelação e a maneira
prosaica do dr. Mudd ao fazê-la. Sim, continuou o médico, ele travara
conhecimento com Booth no ano passado, em novembro ou dezembro,
quando o ator passara pela região à procura de terras. Disse que foi
apresentado a ele na igreja e o ajudara a comprar um cavalo.
Em Bryantown, Mudd repetiu para o coronel Wells a mesma história
que acabara de contar diversas vezes ao tenente Lovett. Os forasteiros
eram- lhe desconhecidos:
— Eu nunca vi nenhum dos dois antes, nem faço ideia de quem os tenha
mandado à minha casa.
O jovem disse chamar-se “Henson” e o que estava machucado disse
chamar-se “Tyson” ou “Tyser”, Mudd não se lembrava direito. Wells pegou
de imediato a tentativa de dissimulação de Mudd. Perguntou se o homem
machucado se parecia com Booth. Não, Mudd retrucou. Wells achou
estranho Mudd não conseguir reconhecer um homem — especialmente um
tão famoso — que já conhecesse antes, e com o qual conviveu não por
pouco tempo. Afinal, Mudd e Booth se conheceram na igreja em plena luz
do dia, saíram para comprar cavalos juntos, visitaram o ferreiro e Booth
dormiu na casa de Mudd.
Mas Mudd protestou dizendo que não chegou a olhar direito para o
forasteiro:
Fotografia entregue a um dos caçadores, com anotações dos
sentimentos vivenciados no momento.
— Eu nem vi o rosto dele. O homem trazia um xale pesado em torno do
pescoço o tempo todo... e o usava alto de forma a esconder metade do rosto.
Mesmo quando foi se deitar, ele falava muito pouco... e manteve a capa
jogada por cima do corpo... e parecia só estar interessado em dormir.
Neste caso, cismou Wells, como Mudd conseguiu dar uma descrição tão
precisa do forasteiro? O relato do médico denotava um elevado grau de
observação:
— Ele tinha a testa larga e a pele bem clara. Estava pálido quando o vi e
parecia mais habituado à vida ao abrigo que ao relento.
Ainda por cima, o homem tinha bigode e “uma barba grande, cerrada”;
mais comprida até que a considerável barba do coronel Wells, assegurou
Mudd. Mas, infelizmente, desculpou-se o médico, ele não conseguiu
distinguir se a barba era natural ou artificial. Afinal, Mudd confirmou que o
homem raspou mesmo o bigode quando recebeu a navalha. O médico
chegou até a descrever as qualidades do cabelo do desconhecido. E viu os
olhos. Todos interessantes detalhes sobre um rosto que Mudd alegava não
ter chegado a ver direito!
Sim, Mudd admitiu ter conhecido Booth antes, mas jurou que o homem
machucado não era o assassino de Lincoln. E, acrescentou, não apenas o
homem da foto não se parecia com o forasteiro como sequer se parecia com
John Wilkes Booth. “Uma fotografia de Booth... me foi mostrada por um
detetive, mas eu não percebi qualquer semelhança entre os dois, embora eu
deva dizer que costumam me mostrar semelhanças entre amigos próximos
que eu nem consigo reconhecer nas fotos.”
Um dos detetives interrompeu o interrogatório para dar a Wells uma
prova da qual ninguém lhe falara até o momento — a bota de John Wilkes
Booth recém-trazida da casa de Mudd. Wells olhou bem a bota durante um
instante e, frustrado, fingindo preocupação com o bem-estar do médico, deu
um aviso: “Eu disse ter a impressão de que ele estava ocultando os fatos e
não saber direito se ele tinha ciência de que aquela era a mais forte prova de
culpa que poderia ser apresentada naquele momento, podendo colocar sua
segurança em perigo.”
A tarde já ia pelo meio. Wells estava com Mudd havia três horas
seguidas e ainda não conseguira dobrá-lo. “Ele não se mostrava contrário a
responder perguntas diretas; mas eu descobri quase imediatamente que, a
menos que fizesse a pergunta direta, fatos importantes seriam omitidos.”
Wells continuou sem parar. Sua estratégia era não ameaçar o médico
abertamente, mas mantê-lo falando durante horas a fio até cansá-lo. O
médico apresentou detalhes triviais, sem valor algum para os perseguidores
do assassino de Lincoln:
— Eles me pagaram US$ 25,00 pelos meus serviços, que precisaram me
forçar a aceitar. Eu lhes disse que honorários modestos seriam o suficiente.
Embora os homens tenham permanecido quinze horas em sua casa,
Mudd alegou mal ter falado com eles:
— Eu praticamente não conversei com eles durante o dia.
Wells quis saber se Mudd notara a tatuagem proeminente que Booth
tinha mandado fazer, as iniciais JWB entre o polegar e o indicador da mão
esquerda. Espertamente, o médico negou ter visto a tatuagem na mão:
— O meu exame foi bem breve... Sequer observei se sua mão era
pequena ou grande.
Ou, implicitamente, se era tatuada. Mudd repetiu a parte em que
mandara Booth e Herold seguirem na direção de Piney Chapei:
— Antes de saírem, eles perguntaram o caminho para a casa do
reverendo Wilmer... os vizinhos o acham favorável à União.
De qualquer forma, Mudd não viu que rumo eles tomaram:
— Não vi os dois quando eles saíram no meio da tarde... nem saí de
casa.
E, a propósito:
— Eu sempre me declarei a favor da União, embora nunca tenha votado
no partido do governo.
Mudd advertiu Wells de que o forasteiro de pele clara estava bem
armado mas não falou nada sobre a carabina Spencer de Davey:
— O homem machucado tinha um cinturão com dois revólveres
escondidos sob a roupa, que descobri quando ele foi para a cama com o
ferimento já tratado.
A tarde já estava no fim. Wells passou quase seis horas interrogando o
dr. Mudd — e o médico se esquivando. O coronel apresentou outra
fotografia pequena do assassino de Lincoln e mandou que Mudd a olhasse
com atenção. O senhor o reconhece como o forasteiro, ou não?, insistiu
Wells. Não, não foi esse o homem. Pensando bem, Mudd admitiu. Disse
estar se dando conta disso agora. Sim, o forasteiro era John Wilkes Booth.
O assassino de Lincoln buscara refugio na sua casa, sim. E, de propósito ou
não, o dr. Samuel A. Mudd o ajudara a escapar.
Quando encerrou a entrevista por volta das 6 horas da tarde, na sexta-
feira 21 de abril, o coronel Wells mencionou uma pequena formalidade que
gostaria de cumprir. Para evitar confusão e deixar tudo bem claro, iria
escrever uma declaração do testemunho de Mudd. O médico poderia ir
agora. Mas por favor retorne a Bryantown no sábado para assiná-la. Quando
Mudd estava saindo, o coronel Henry Wells falou em tom trágico:
— Uma das circunstâncias mais fortes contra o senhor é não ter
prestado as informações logo de início, como deveria ter feito com um
assunto desses.
Exaurido pelo interrogatório do tenente Lovett de manhã seguido de
mais seis horas com o coronel Wells, Mudd pegou o cavalo e voltou para
casa. Havia cumprido sua missão. À noite, em poucas horas, Booth e
Herold estariam aportando em segurança na Virginia, longe do alcance do
coronel Wells, do tenente Lovett e seus detetives, e do tenente Dana da
Décima Terceira Cavalaria de Nova York. Eles haviam perdido o faro do
assassino e jamais tornariam a pegá-lo. A menos que outros caçadores de
gente pegassem os rastros de Booth e continuassem com a perseguição, ele
escaparia. Em breve, a menos que alguém o detivesse, John Wilkes Booth
desapareceria no Extremo Sul. Uma vez que isso acontecesse, as forças da
União jamais o encontrariam. Mudd desempenhara um papel importante ao
ajudar Booth a fugir de Maryland. Mas em breve ele pagaria um preço
terrível por suas mentiras.
DEPOIS QUE JOHN WILKES BOOTH TENTOU FAZER A TRAVESSIA DO
POTOMAC na quinta-feira 20 e final mente chegou à Virginia no início do
domingo 23, Huckleberry, o santuário de Thomas Jones, não passou muito
tempo sem ser perturbado. Detetives da União desconfiaram de que um
homem com a reputação de Jones deveria saber alguma coisa sobre a fuga
de Booth e o prenderam. Mas não tinham provas e, fiel à sua natureza, ele
não ofereceu nenhuma. Os soldados o trancafiaram na Taverna de
Bryantown, num quarto dos fundos no segundo andar. Qual a Taverna de
Surratt, o estabelecimento de Bryantown servia de estação intermediária
para as intrigas misteriosas dos confederados em guerra.
Sem sabê-lo, os detetives haviam, de uma certa forma, levado Thomas
Jones a uma cena do crime. Nesta mesma taverna, num salão do primeiro
andar abaixo do quarto que servia de prisão improvisada para o fantasma do
rio, John Wilkes Booth se reunira com Samuel Mudd e o agente rebelde
Thomas Harbin quando o ator tramava seu desvairado esquema para
sequestrar Abraham Lincoln. Os detetives também pescaram o capitão Cox
na mesma rede. Oswell Swann, que guiara os fugitivos até Rich Hill bem
cedinho na manhã de Páscoa, domingo 16 de abril, deu informação contra o
capitão. Cox insistiu em dizer que, quando os dois desconhecidos vieram
bater à sua porta, ele não os atendeu e mandou que seguissem seu caminho.
Mas Swann o contestou, jurando que Cox convidara os dois criminosos
para entrarem em sua casa, onde passaram algumas horas. Os detetives
trancafiaram Cox junto com Jones e postaram dois guardas diante da porta.
Antes de adormecerem no chão, com as cabeças apoiadas nas selas, Cox foi
pedir conselho ao bom amigo e experiente agente secreto.
— O que devo fazer, Tom? — sussurrou na escuridão.
— Mantenha o que você disse; não admita nada diferente.
Frustrados ante a falta de progresso, os detetives tentaram enganar Jones
para levá-lo a confessar. Foram até o jardim em frente à janela do quarto em
que ele estava e começaram a conversar em voz alta sobre o seu iminente
enforcamento. Ainda assim, Jones não falou. Mesmo quando foi transferido
para a temível prisão no prédio do antigo Capitólio, onde ele vivera uma
experiência devastadora e onde agora viviam John T. Ford, Junius Brutus
Booth, John Sleeper Clarke e vários outros capturados na varredura desta
caçada humana, ele se recusou a dar qualquer informação sobre John
Wilkes Booth. Durante o traslado de Bryantown para Washington, um
indiscreto agente do governo tentou novamente soltar a língua do
prisioneiro com álcool. O detetive Franklin lhe ofereceu cordialmente uma
garrafa de uísque, que Jones fingiu beber. Vendo que o prisioneiro se
recusava a ficar bêbado, ele passou a xingá-lo e amaldiçoá-lo ao longo de
todo o percurso até chegarem na capital.
Os detetives não conseguiram perceber mas, ao prenderem Jones,
capturaram também uma testemunha ocular que detinha conhecimento
pormenorizado de como ele ajudara Booth e Herold. Só que jamais a fariam
falar. Jones foi forçado a deixá-la em Bryantown, mas riu-se da ignorância
dos detetives acerca de seu valioso prêmio — sua montaria: “Essa égua era
a mesma que Booth montara para ir do pinheiral até o rio naquela noite-
memorável! Era uma égua cinza e pulguenta chamada Kit. Caso sua
cumplicidade fosse demonstrada, que objeto de interesse teria sido!” E
assim Kit viveu o restante dos seus dias, em silencioso anonimato.
Jones sabia ter em mãos a carta trunfo que poderia jogar para ganhar de
qualquer blefe dos detetives: nenhuma testemunha ocular conseguiria
colocá-lo na companhia de Booth e Herold. Sempre que ia e voltava do
pinheiral, estava só. Quando guiou os assassinos até Dent’s Meadow, foi
sozinho, e ninguém o viu indo ou vindo. Contanto que o capitão Cox e seu
filho mantivessem a fé e não o entregassem, os detetives não teriam
argumentos contra ele. Booth e Herold eram os únicos que poderiam trair
Jones. Mas Booth jurara sua preferência por morrer a ser pego com vida.
Jones então raciocinou que o governo o acabaria libertando.
E foi exatamente isso o que aconteceu. Libertado no desenrolar da
caçada humana, Thomas A. Jones ficou na lembrança e acabou ficando
também na história como uma esquecida nota de rodapé, meramente mais
um dentre as centenas de homens e mulheres detidos que jamais sofreram
acusação alguma e logo foram liberados durante a grande caçada humana
de abril de 1865. Também o capitão Cox ganhou sua liberdade. Oswell
Swann era a única testemunha contra ele. A leal criada de Cox, Mary,
denunciou Oswell como mentiroso e jurou que Booth nem chegou a entrar
na casa. Jones supôs corretamente que as duas testemunhas negras iriam se
cancelar mutuamente com seus depoimentos: “A posição afirmativa e
persistente de Mary declarando que Booth não entrara na casa — sem se
deixar abalar por ameaças ou suborno — salvou a vida de Cox exatamente
quando a colocaram na balança.” Eternamente vigilante, Jones espiava pela
janela do prédio do antigo Capitólio quando viu Swann saindo da prisão em
direção à ponte do Estaleiro Naval a caminho de Maryland e soube logo que
Cox estava salvo. Jones informou ao amigo, que ficou aliviado:
— Você não tem mais o que temer. A única testemunha contra foi
dispensada e está indo para casa.
THOMAS JONES VOLTOU PARA HUCKLEBERRY E GUARDOU O SEGREDO DE
John Wilkes Booth durante quase vinte anos. Por causa do seu silêncio, a
saga da “semana perdida” de Booth ficou sendo um enigma, a bem da
verdade, o principal mistério por resolver da caçada de doze dias ao
assassino de Lincoln. Então, em 1883, George Alfred Townsend prometeu
resolver o mistério. Amigo de Mark Twain, um dos principais jornalistas do
século XIX e um dos melhores escritores que cobriram a Guerra de
Secessão, Townsend relatou o assassinato de Lincoln para um jornal e
também escreveu um expressivo e divertido livro sobre John Wilkes Booth.
Possuído pelo assassinato e pela caçada humana, Townsend não conseguiu
se desvencilhar. Começando em abril de 1865 e dando continuidade aqui e
ali durante as duas décadas subsequentes, ele repassou as cenas do crime,
rastreou muitos dos sulistas que ajudaram Booth durante a caçada humana e
entrevistou vários dos caçadores. Townsend desencavou nomes e fatos
obscuros que teriam se perdido na história sem a sua sanha de detetive.
Em 1883, durante a terceira tentativa de traçar a rota de fuga de Booth,
Townsend persuadiu o juiz Frederick Stone, em 1865 advogado de defesa
no julgamento de diversos conspiradores de Booth e agora deputado, a falar
sobre a notória semana perdida de Booth. Stone confessou ter havido um
homem que ocultara Booth e Herold e os ajudara a cruzar o Potomac. Esse
homem ainda estava vivo. Talvez depois de todos esses anos ele falasse
com Townsend. A pista estimulou o jornalista, cuja sensibilidade para
pescar furos de reportagem o alertava para o valor de contar a história a
partir do grande mistério da caçada humana. Mas Stone se negou a dar o
nome do salvador de Booth. Em Port Tobacco, exatamente o lugar onde
Thomas Jones se recusara a trair o assassino por US$ 100.000, Townsend
convenceu vários jovens da região, inclusive gente da família do capitão
Cox, a revelar o nome tão sigiloso. Townsend escreveu uma carta para
Jones: “Eu escrevo para a imprensa e, às vezes, escrevo livros. Talvez seja
vantajoso para ambos se nos encontrarmos.”
Townsend ficou cercando Jones com cartas até que finalmente o
veterano envelhecido mas ainda muito vivaz concordou em se encontrar
com ele em Baltimore, Maryland, em 11 de dezembro de 1883, para revelar
sua história. Ali, no quarto 52 do Barnum Hotel, Jones rompeu o silêncio
guardado a vida toda e contou a história que, dezoito anos antes, se recusara
a confessar, mesmo sob ameaça de morte, ou a vender, por uma recompensa
de US$ 100.000. Os tempos eram outros agora, pensou Jones. Não faria mal
algum a John Wilkes Booth hoje. E ele já estava velho! Se não preservasse
suas memórias logo, a história de sua grande aventura iria com ele para o
túmulo. Tantas histórias da Guerra da Rebelião já haviam morrido com seus
contadores! Townsend ficou sentado com a atenção grudada em Jones
enquanto este lhe regalava até quase a meia-noite com a emocionante
história do bosque de pinheiros e da travessia do Potomac que se havia
perdido até agora. Jones deixou Townsend tão impressionado que o escritor
implorou por outro encontro no dia seguinte para continuar a história. Jones
concordou. Pela entrevista, e pela informação tão cobiçada que já tivera
valor incalculável e poderia ter levado Thomas Jones à morte súbita — ou à
riqueza instantânea — George Alfred Townsend lhe pagou a enorme
quantia de sessenta dólares.
Mais tarde, vários anos depois de Townsend ter escrito sobre Jones,
outro jornalista conseguiu uma dramática reunião entre o fantasma do rio e
o capitão Williams. Modestamente, Jones ficou intrigado em saber se o
capitão sequer iria se lembrar dele. Williams o reconheceu
instantaneamente:
— É claro que eu me lembro de você. Jamais me esqueci daquela
expressão de venha-ao-Senhor-e-se-salve que você usa aqui e ali. Mas se eu
soubesse naquela época o que sei agora, como seriam diferentes as coisas!
Ora, você merecia um tiro! Se tivesse me contado onde Booth estava, você
seria o maior homem dos EUA e ainda teria enchido a barrica de dinheiro.
Jones contestou, assim como fizera naquele dia muito tempo atrás na
Taverna de Bawner:
— É, e uma consciência cheia de purgatório, e o ódio eterno do povo
que eu amava. Não, capitão, eu nem cheguei a pensar em trair Booth.
Depois que ele foi colocado nas minhas mãos, eu me determinei a morrer
antes de traí-lo... como poderia entregar a vida daquele pobre-diabo lá no
meio do pinheiral flutuando entre a vida e a morte?
O capitão disse que Jones não o enganou na ocasião:
— Eu e os outros oficiais acreditávamos que você soubesse mais do que
estivesse disposto a dizer, mas essa sua cara de santinho o salvou.
Williams aprofundou a questão: “Eu me lembro de quando fiz a oferta-
no salão, ele estava perto de mim no bar e eu não consegui perceber um
movimento sequer ou mudança na fisionomia. Alguma coisa me disse que o
sujeito sabia onde Booth estava, ou poderia nos dar alguma indicação que
levasse à sua captura, mas ele não se deixava convencer. Não havia dinheiro
ou glória que o tentasse. Não há ser humano capaz de ler seu rosto e dizer o
que se passa em sua mente. É como uma pedra.”
Em abril de 1894, vigésimo nono aniversário do assassinato de Lincoln,
um homem idoso caminhava a passo curto pela rua 10 em Washington e
parou diante do número 453. A placa retangular de madeira pintada
pendurada na frente da famosa casa de tijolo dizia: “ESTA CASA ONDE
ABRAHAM LINCOLN MORREU GUARDA A COLEÇÃO DO
MEMORIAL DE LINCOLN PERTENCENTE A OLDROYD QUE
CONTÉM MAIS DE 3.000 ARTIGOS RELATIVOS A ABRAHAM
LINCOLN. ABERTA DA MANHÃ À NOITE. ENTRADA 25$.” Osborn
H. Oldroyd, um excêntrico de Washington, ficara, qual George Alfred
Townsend, obcecado pelo assassinato. Ele ocupou a Estalagem Petersen e a
transformou numa atração turística quase três quartos de século antes de o
Teatro Ford, então uma ruína eviscerada, se tornar o museu que é hoje. No
porão da estalagem, Oldroyd instalou seu museu pessoal, um armário de
fins do século XIX cheio de curiosidades onde relíquias absurdas de
procedência duvidosa jazem lado a lado com tesouros históricos
incalculáveis, tudo preservado por trás de um mostrador de vidro em
estantes de carvalho e iluminado por lâmpadas elétricas de luz
incandescente amarela. Com o passar dos anos, Oldroyd foi amealhando um
impressionante mas indiscriminado monte de lixo e tesouros, e pela
bagatela de um quarto de dólar os turistas podem olhar sua coleção e visitar
o quarto em que Lincoln morreu. Em breve Oldroyd, qual Townsend,
estaria refazendo a rota de fuga de Booth e escrevendo sobre suas
aventuras. Mas hoje a história apareceu na sua porta.
O velho, agora com 74 anos, segurou no corrimão de ferro fundido e
subiu a mesma escada por onde, uma geração atrás, o dr. Leale e os outros
carregaram o presidente moribundo para o quartinho nos fundos do
primeiro andar. Ele ficou parado em silêncio na câmara mortuária. O
cômodo estava tranquilo agora, diferente daquela noite vinte e nove anos
atrás quando médicos agitados tiraram a roupa de Lincoln em busca de
ferimentos em seu corpo, enquanto o desconcertante pranto de Mary
Lincoln ecoava por todos os cômodos. O velho visualizou a cena terrível
que se desenrolara ali e trouxe à tona lembranças do assassino que tecera
aquela noite sombria. Satisfeito, ele foi procurar o proprietário deste
assombroso memorial à tristeza e à morte.
— Meu nome é Thomas A. Jones — ele informou a Oldroyd — e sou a
pessoa que cuidou e alimentou Booth e Herold enquanto eles estavam
escondidos, depois de terem cometido o feito horrível.
No prazo de um ano, em março de 1895, Thomas Jones veio a se juntar
a Abraham Lincoln e John Wilkes Booth na morte. Seu espólio foi avaliado
em parcos US$ 271,70, sem os descontos, que reduziam o saldo para US$
181,60. Os obituários publicados nos jornais sulistas destacaram seu “zelo”,
“fidelidade”, “coragem” e, obviamente, acima de todas as outras virtudes
anteriores à guerra, sua “honra”. Um jornal publicou a seguinte bênção:
“Não há quem não acredite que Thomas A. Jones fez papel de herói.” Seu
túmulo na igreja de Saint Mary em Newport, Maryland, foi marcado por
uma perfumada estaca de cedro, que apodreceu há muito tempo.
DAVID HEROLD MERGULHOU AS PÁS DOS REMOS BEM FUNDO E PUXOU COM
força, e o esquife, sem o fardo das redes molhadas e dos peixes, respondeu
ao seu trato experiente. Ele e Booth viram Thomas Jones parado à beira do
rio, observando a partida. E logo seu anjo da guarda, como o fantasma do
rio que era, desapareceu de vista, bem como todos os sinais do litoral,
encobertos pela forte neblina. O balanço tranquilo e ritmado do barco sobre
as águas alegrou Booth. Depois do desvio para a fazenda do dr. Mudd e do
atraso interminável no bosque de pinheiros, era boa a sensação de estar se
movimentando novamente. Miraculosamente, esses dias, embora os tenham
exposto a um grande perigo, não se mostraram fatais para a fuga. Agora
Booth e Herold podiam se ver livres de Maryland e de todos os seus
problemas por lá, deixando numa sinuca os detetives e tropas federais que
os perseguiam. A cada remada, Herold os levava mais alguns metros para
perto da Virginia.
Booth se abaixou bem, recurvando-se sobre a bússola, e verificou o
rumo. Não ousou acender a vela novamente — o reflexo dela na água
poderia amplificar a minúscula chama, transformando-a num reluzente farol
a revelar sua posição para as canhoneiras da União que patrulhavam o rio.
Porém, ele não tinha escolha: não conseguia ler o mostrador no escuro.
Intrigado, olhou fixamente para a agulha dançando em torno do eixo
enquanto cera derretida pingava em cima do vidro e da carcaça de madeira.
Eles deveriam cruzar o Potomac rumando de Maryland para oeste em
direção à Virginia e depois para o sul até chegarem a Machodoc Creek. Mas
a agulha indicava que eles estavam rumando para noroeste, a direção
oposta. Será que a bússola estava quebrada? Booth a sacudiu e girou, mas a
agulha sempre voltava para a mesma posição, pendendo para o norte. Não,
a bússola estava funcionando.
Se ao menos Thomas Jones os tivesse conduzido até o outro lado do rio,
guiando Herold nos remos e Booth no leme improvisado enquanto ele
mesmo traçava o rumo com a bússola! David Herold era um navegador
suficientemente competente para os pântanos litorâneos, riachos e rios de
Maryland e Virginia, mas não era um marinheiro profissional. E uma coisa
era andar pelos rios à luz do dia atrás de entretenimento e prazer; outra
coisa era enfrentar as águas à noite correndo o perigo de ser ele próprio o
objeto da caçada. Herold nunca tinha feito uma travessia do Potomac em
condições como estas: sob pressão, perseguido e numa escuridão quase
total. Thomas Jones, escolado agente confederado, já a fizera centenas de
vezes.
Eles tinham entrado na água há muito tempo: já deveriam estar na
Virginia. David Herold não precisava de um relógio para saber disso. As
palmas das mãos calejadas e os músculos dos braços e das pernas ardendo
lhe diziam com clareza suficiente. Ele e Booth ouviram barulhos, mas a
água prega peças no meio da noite com barulhos impossíveis de localizar
ou de ao menos ter uma noção da distância em que ocorreram. Eles
perceberam algumas luzes, mas não conseguiram saber se estavam paradas
ou se movendo, se era um barco se deslocando sobre as águas ou uma
marca fixa em terra firme. Desorientados, sem saberem sua localização
exata, os fugitivos continuaram remando para o norte, em seguida viraram
para o oeste, passando de Mathias Point. O barco deles era um cisco
minúsculo flutuando num rio inclemente. A água exalava uma friagem
úmida que penetrava até os ossos, mas pelo menos o velho e surrado
esquife cinzento estava aguentando bem. Cercados de trevas e água,
remando devagar mas com uma boa distância a percorrer, Booth e Herold
confrontaram o óbvio: estavam perdendo a corrida contra os seus caçadores.
Precisavam atracar logo. Com sua baixa estatura, Herold não era um
Lewis Powell e não tinha força para remar a noite inteira. Booth percebeu o
esforço no rosto dele e viu que o rapaz estava fraquejando. Mas onde iriam
aportar o esquife? Herold se virou para trás e esquadrinhou o horizonte para
ver se achava algum marco. À direita, ele divisou o contorno de um local
conhecido: Blossum Point, depois do qual se estendia para o norte uma
enseada com ampla embocadura. Herold avisou a Booth que reconhecia o
lugar. Se dirigissem o barco para lá, chegariam ao Nanjemoy Creek, local
que ele conhecia muito bem, pois fora caçar várias vezes nessa região rural
de Maryland: “Eu sou aficionado da caça à perdiz e praticamente todo
outono dedico dois ou três meses a isso”, confessaria mais tarde.
Na foz do riacho, do lado oriental, eles encontrariam, Herold explicou,
uma fazenda chamada Indiantown, e dois homens, Peregrine Davis e John
J. Hughes. Herold garantiu a Booth que os conhecia bem:
— São pessoas que conheço faz uns cinco ou seis anos e visito sempre
há bastante tempo.
Davis era o dono da fazenda e o genro Hughes cuidava da roça. Este era
o lado bom da história. O lado ruim era que Indiantown ficava em
Maryland. Depois de uma noite assustadora e exaustiva navegando sem
norte pelo Potomac, eles estavam no lugar errado. De fato, haviam voltado
para Maryland, de onde tinham partido, porém duas vezes mais longe do
destino almejado ao começarem a travessia, que era o Machodoc Creek, na
Virginia. Agora, ao norte da posição original onde Thomas Jones lhes dera
o empurrão inicial, eles estavam mais uma vez vulneráveis às patrulhas
errantes da União que os perseguiam. Haviam empreendido muitos esforços
na água, durante mais de cinco horas. Cansados, decepcionados, atrasados
em mais um dia e novamente correndo grave perigo, eles adentraram
Nanjemoy Creek na madrugada de sexta-feira 21 de abril.
Booth e Herold esconderam o barco da melhor forma que conseguiram.
A casa da fazenda de Hughes não ficava longe do ribeirão e Herold
convenceu Booth a fazer o percurso a pé. Herold queria evitar o risco de
Booth ser descoberto a sós enquanto ele visitava Hughes. Os dois pegaram
as armas, cobertores e demais pertences, e partiram para Indiantown.
Herold estava confiante de que Hughes os receberia bem. Os modos afáveis
do rapaz, que a todos cumprimentava com simpatia, haviam lhe
conquistado muitos amigos no sul de Maryland durante a caça à perdiz dos
últimos anos e eles viram um adolescente ansioso se transformar num
jovem adulto com boa experiência da vida ao ar livre. Além disso, Davey
sabia que Perry Davis e John Hughes eram homens que simpatizavam e
agiam em prol do Sul. Não iriam entregá-lo às autoridades da União.
Também havia uma grande chance de o fazendeiro já saber que Davey
estava implicado como um dos cúmplices de Booth no assassinato. Vários
jornais o haviam citado e, no dia anterior, na manhã de 20 de abril, o
Departamento da Guerra mandara imprimir cartazes imensos oferecendo
uma recompensa de US$ 50.000 por Booth e US$ 25.000 por Herold.
Hughes ficou feliz de rever o velho conhecido mas chocado com sua
aparência pífia. E de imediato soube a identidade de Booth. O fazendeiro os
convidou à casa e deu-lhes de comer. Quais eram seus planos?, Hughes
perguntou. Davey explicou o apuro em que se encontravam: depois de
passarem a noite remando, no rumo errado, sem chegar à Virginia, ali
estavam eles, exaustos, sem recurso. Tentariam cruzar o rio novamente à
noite, mas até lá não poderiam ser vistos. Era perigoso demais andar por
qualquer canto ou lançar o barco nágua à luz do dia. Uma canhoneira da
União ou um barco de patrulha costeira poderia vê-los facilmente. Herold
então perguntou se eles não poderiam se esconder em Indiantown desde a
manhã até o cair da noite.
Hughes queria ajudar, mas não queria morrer. Ele argumentou que era
perigoso demais os fugitivos ficarem na casa toda a manhã e a tarde. Havia
agora mais caçadores de gente e eles estavam, a cada dia, mais organizados.
Havia detetives e tropas da União por todo lado em Maryland, salivando
ante a perspectiva das novas recompensas que o Departamento da Guerra
anunciara em 20 de abril. Sim, eles poderiam se refugiar em Indiantown,
Hughes concordou, mas precisariam sair da casa e se esconder lá fora. Ele
mandaria comida e notícias. Além disso, pouco poderia fazer por eles deste
lado do rio, em Maryland. Não existia possibilidade de fuga por terra de
Nanjemoy Creek. A única rota por terra levaria os assassinos ainda mais
para o norte, na direção oposta à Virginia, e diretamente ao encontro das
forças da União que desciam para o sul. O rio Potomac ainda era a única
escapatória possível para eles, e Booth e Herold já possuíam um barco
robusto. Hughes sugeriu um lugar viável para eles se esconderem. Os três
concordaram que seria melhor para todos se os fugitivos saíssem de
Indiantown assim que possível.
Booth ficou aflito. Estava fadado novamente a se deitar no chão — e
esperar. À noitinha somariam mais vinte e quatro horas que ele e Herold
passavam ao relento. Estavam vivendo ao relento havia cinco dias, desde
que saíram da casa do dr. Mudd na noite de 15 de abril. Os fugitivos não
aguentariam mais uma experiência penosa como a que acabavam de passar
no bosque de pinheiros: cinco dias e quatro noites sem abrigo, esperando
para cruzar o rio. Não, precisavam cruzar hoje à noite. Até então, não
tinham opção além de se esconderem perto dos brejos de Nanjemoy Creek.
Aborrecido, Booth tirou a agenda de 1864 do bolso do casaco e olhou o
calendário que traçara para o fim de abril, maio e junho de 1865. Encontrou
a data de 21 de abril e tomou nota de uma palavra que resumia o seu
entendimento da situação: “Pântano”.
Com a agenda na mão, ele passou as páginas até encontrar aquela que
continha a primeira anotação feita após o assassinato. Faria mais uma agora,
decidiu. Colocou mãos à obra e, passados uns poucos porém intensos
minutos, ele produziu um documento impressionante.
Depois de ser caçado como um cão através de pântanos e matas, e
de ser perseguido ontem à noite por canhoneiras até ser forçado a
voltar molhado, faminto e com frio, tendo todos contra mim, aqui
estou em desespero. E por quê; por fazer aquilo que rendeu a Brutus
honrarias, aquilo que fez de Tell um Herói. Contudo, eu, por derrubar
um tirano maior do que eles poderiam sonhar, sou visto como um reles
cortador de gargantas. Meu ato foi mais puro que o de qualquer um
deles. Um esperava a grandeza pessoal. O outro tinha a revidar não
apenas os erros cometidos contra o seu país como também contra si
próprio. Eu não estava atrás de ganho algum. Não tinha o que
reclamar para mim. Agi por meu país, apenas isso. Um país se remoía
sob essa tirania e rezava pelo seu fim. Contudo, agora, vejam a mão
fria que me estendem. Deus não poderá me perdoar se o que fiz foi
errado. Mas não vejo erro a não ser o de servir a um povo aviltado. O
pouco, muito pouco que deixei para trás com o fito de limpar meu
nome, o Governo não permite imprimir. E assim termina tudo. Por
meu país, abri mão de tudo que torna a vida doce e sagrada, joguei
minha família na miséria e tenho certeza de que não há perdão para
mim no Céu quando os homens assim me condenam. Eu ouvi dizer o
que foi feito (exceto o que fiz eu mesmo) e isso me deixa horrorizado.
Que Deus me perdoe, e abençoe minha mãe. Hoje à noite vou tentar
cruzar o rio novamente, embora tenha um grande desejo e esteja
quase decidido a voltar a Washington para em grande medida limpar
meu nome, o que acho ser capaz de fazer. Não me arrependo do golpe
que desferi. Talvez diante de Deus, mas não diante do homem.
Acho que fiz bem, embora esteja abandonado, com a maldição de
Caim pairando sobre mim, quando, se o mundo conhecesse o que se
passa no meu coração, aquele golpe teria me tornado grandioso,
embora eu não deseje grandiosidade.
Hoje à noite tentarei fugir desses cães sanguinários novamente.
Quem, quem é capaz de ler o seu destino, o de Deus será cumprido.
Tenho a alma grandiosa demais para morrer como criminoso. Oh,
que ele me livre disso e me deixe morrer com bravura!
Abençoo o mundo inteiro. Jamais odiei ou fiz mal a ninguém. Este
último feito não foi um erro, a menos que Deus assim o considere. E
cabe a ele amaldiçoar-me ou abençoar-me. E por este bravo rapaz que
está comigo e reza sempre (sim, antes e desde então) com o coração
honesto e sincero, teria sido um crime o dele, e se foi, porque ele pode
rezar igual eu não quero derramar uma gota de sangue, mas hei de
“aguentar o ataque”. É tudo o que resta de mim.
Booth se comparou não apenas a um vilão perseguido noutras épocas,
mas a dois, o primeiro bíblico, o segundo shakespeariano. Ao citar Caim,
Booth invocou a maldição primordial do primeiro livro da Bíblia, em
Gênesis 4:8-14: “Estando eles no campo, Caim se levantou contra o seu
irmão Abel, e o matou. Perguntou, pois, o Senhor a Caim: Onde está Abel,
teu irmão? Respondeu ele: Não sei; sou eu o guarda de meu irmão? E disse
Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão está clamando a mim
desde a terra. Agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para
da tua mão receber o sangue de teu irmão. Quando lavrares a terra não te
dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra. Então disse Caim
ao Senhor: É maior a minha punição do que a que eu possa suportar. Eis
que hoje me lanças da face da terra; também da tua presença ficarei
escondido; serei fugitivo e vagabundo na terra; e qualquer que me encontrar
me matará.”
Do segundo vilão Booth não identificou pelo nome, mas citou:
“aguentar o ataque.” Com esta passagem, Booth invocou o espírito
assombrado da figura mais trágica de Shakespeare, Macbeth. No ato V, cena
VII, início da última cena do último ato, a morte se aproxima. O ato
tiranicida de Macbeth atrai seu próprio fim. Abundam maus presságios:
seus inimigos se concentram para a batalha, o bosque de Birnam está a
caminho, soam as trombetas da guerra, o clímax é iminente. Encalacrado,
Macbeth jura continuar lutando: “Amarraram-me ao poste; é-me impossível
fugir, / Mas, como o urso, hei de aguentar o ataque.” Qual no medonho
esporte de açular cães contra um urso acorrentado, onde a fera perigosa mas
definitivamente fadada é amarrada a um poste e cães ferozes atiçados contra
ela, Macbeth é fadado a lutar, e depois morrer.
Booth fechou o livro e acompanhou o pôr-do-sol, aguardando a
escuridão. Eles teriam chegado à Virginia cerca de vinte e seis horas atrás se
tivessem conseguido atravessar o Potomac direito na noite anterior, quinta-
feira 20 de abril. Agora, estavam com mais um dia de atraso nos seus
planos, por mais que os planos não lhes tivessem sido úteis. Booth matara
Lincoln em 14 de abril e agora, sete dias depois, ainda estava em Maryland.
A cidade de Washington ficava a apenas 60 quilômetros dali. O Extremo
Sul, muito abaixo de Maryland e da Virginia, onde, em quatro anos de
guerra civil, muitas cidades e condados nunca viram um soldado ianque,
começava a parecer um sonho intangível. O coração da Dixielândia estava
muito longe dali.
Quando a noite baixou em Indiantown, era hora de seguir. Eles
conheciam a rota: sul até Blossum Point, leste contornando Mathias Point,
depois sul novamente, abraçando a costa até chegarem em Machodoc
Creek, onde eles rezavam para que o contato memorável de Thomas Jones,
a sra. Quesenberry, os estaria esperando. Então, nesse momento crítico,
quando precisavam escapar de Maryland o mais rápido possível, Booth e
Herold fizeram o inexplicável: nada. Durante a noite de sexta-feira 21 de
abril, eles não foram até a embocadura do Nanjemoy para pegar o esquife,
entrar no Potomac e remar até a Virginia. Pelo contrário; ficaram parados
no escuro, sem fazer nada.
Por que eles não entraram n’água naquela noite? Será que David Herold
estava cansado demais, com os músculos exauridos a ponto de não
conseguir remar durante duas noites consecutivas? Será que Booth teve
medo das canhoneiras federais pelas redondezas? Estariam eles explorando
uma nova opção, uma nova rota de fuga, talvez uma ousada incursão por
terra, por mais infundada que fosse, rumo ao norte? Ou será que estariam
desanimados demais após a fracassada tentativa da noite anterior? Seja qual
for a razão, Booth e Herold preferiram não fazer nada. Pagaram um preço
alto pela demora. Agora precisariam desperdiçar mais um dia em
Indiantown, escondendo-se durante manhã e tarde, até que o sol se pusesse
e a escuridão chegasse.
Enquanto Booth e Herold ficavam no mesmo lugar, seus caçadores os
perseguiam com renovado vigor. As provas colhidas na casa do dr. Mudd,
além dos relatos de que os fugitivos tinham sido avistados a sudoeste da
fazenda dele, sugeriam que o assassino de Lincoln estava indo para o
Potomac a fim de fazer uma travessia para a Virginia. Os estafetas e os fios
do telégrafo não pararam o dia inteiro por causa do tráfego intenso de
notícias e mensagens. O general Augur escreveu para o general Slough em
Alexandria: “A Cavalaria de Michigan já partiu para a baixada conforme
conversamos hoje de manhã? Caso contrário, apresse-se.” W. W. Winship,
capitão e comandante da polícia em Alexandria, relatou ao coronel Taylor
em Washington que “a cavalaria partirá imediatamente com a instrução de
divulgar para pescadores, negros e outros, uma descrição dos assassinos e a
recompensa por detê-los, e de bater o rio e armar piquetes em toda a sua
extensão que vai além de Dumfried, até segunda ordem”.
Winship também recebeu notícias frescas do general Augur: “As
últimas notícias de Booth indicavam que ele se encontrava perto do rio
Wicomico, em Maryland. Receia-se que ele o tenha cruzado e ido para a
Virginia. Tinha uma perna quebrada e andava de muletas. Também raspou o
bigode. Informe esses detalhes à sua cavalaria; mande os seus soldados
irem até depois de Aquia e, se possível, entrem em contato com a cavalaria
que estou enviando de barco hoje à noite para o Condado de
Westmoreland.” A resposta lacônica de Winship prometia ação: “O seu
despacho foi recebido. A cavalaria partiu às 17 horas.”
De Washington, o coronel Taylor, subchefe do estado-maior do
Vigésimo Segundo Corpo do Exército, mandou uma ordem para N. B.
Sweitzer, comandante da Décima Sexta Cavalaria de Nova York. “O
general comandante ordena que um batalhão do seu regimento vá a bordo
de um vapor... e desça pelo Potomac, desembarcando na Virginia o mais
perto possível da desembocadura do rio Wicomico, provavelmente em
Nomini Bay, ou nas proximidades. Havendo desembarcado seu pessoal,
use-o como achar melhor para encontrar Booth, o assassino do presidente, e
quaisquer dos seus cúmplices que possam ter conseguido cruzar o
Potomac.”
Às 9 horas da noite de sábado 22 de abril, Gideon Welles telegrafou
para o capitão de corveta Eastman, à frente do vapor Don dos EUA, em
Saint Inigoes, Maryland: “Booth estava perto de Bryantown no último
sábado, onde o dr. Mudd tratou do seu tornozelo, que estava quebrado
devido a uma queda do cavalo. É preciso máxima vigilância no Potomac e
Patuxent para evitar sua fuga. Todos os barcos devem ser revistados e
destruídos, e uma patrulha montada dia e noite em ambas as margens.
Informe ao seu pessoal que estão sendo oferecidos mais de US$ 100.000
por ele. Não deixe que nenhuma embarcação sua saia, a menos que seja
para dar uma busca noutro lugar.”
O general Augur enviou ordem urgente para o comandante Parker,
Marinha dos EUA em Saint Inigoes, Maryland. “Existem razões para
acreditar que Booth e um cúmplice estejam nos pântanos perto de Allen’s
Fresh, que desembocam no rio Wicomico. É evidente que ele está tentando
atravessar para a Virginia. Você tem o Potomac bem guardado ali e acima?
Receio que ele já tenha cruzado o rio e desejo enviar uma força de cavalaria
para Nomini Bay. Posso desembarcar cavalos ali ou nas proximidades?
Qual é o calado? Favor informar de imediato.”
Augur despachou logo uma segunda mensagem para Parker: “Já não há
mais dúvida de que Booth e um cúmplice estavam perto de Bryantown no
último sábado, perguntando sobre Piney Church. Ele está mancando, com a
perna quebrada, e foi visto pela última vez andando de muletas. Sem
dúvida, estava tentando cruzar o rio para chegar à Virginia. Quero solicitar a
sua máxima cooperação na vigilância, executando um bloqueio rígido e
ativo ao longo de todo o Potomac, de forma a evitar que ele fuja para a
Virginia.”
CAPÍTULO 8 “Tenho um pouco de orgulho”
NA NOITE DE SÁBADO 22 DE ABRIL, JOHN WILKES BOOTH E DAVID HEROLD
se prepararam e foram para o barco. Estariam na Virginia há cinquenta
horas se tivessem feito a travessia no dia 20 e há vinte e seis horas se
tivessem partido de Indiantown na primeira oportunidade, na noite do dia
21. Eles agravaram o erro original ao se retardarem em Indiantown mais um
dia. No cômputo geral, haviam perdido dois dias desde que se separaram de
Thomas Jones e desperdiçaram mais de horas na digressão em Indiantown.
Se tinham qualquer esperança de escapar com vida da caçada humana que
lhes era empreendida, não poderiam mais esbanjar tempo nem cometer
erros. Já vinham enfrentando muitos contratempos: o ferimento debilitante
de Booth; os atrasos decorrentes da ida ao dr. Mudd e da estada no
pinheiral; a abortada travessia do rio; a extravagância em Indiantown. Esses
episódios tiraram de Booth e Elerold tempo, ímpeto e firmeza de
propósitos.
Quando embarcaram no esquife e começaram a remar pelo Potomac,
eles sabiam que suas vidas dependiam de navegar pelo curso correto até
Machodoc Creek, na Virginia. O primeiro sinal não foi auspicioso. Herold
quase remou em direção ao problema logo depois da partida: “Naquela
noite, ao pôr-do-sol, cruzamos a embocadura do Nanjemoy Creek e
passamos a 300 metros de uma canhoneira.” Mas o esquife cor de chumbo
se mesclou com as águas do rio e os marinheiros não o avistaram. Tendo a
sorte de escapar da embarcação da marinha dos EUA, Herold manteve o
curso certo e, depois de várias horas, avistou a foz de um riacho no
horizonte, à sua direita. Ele rumou para o oeste e continuou remando. Os
dois atracaram o esquife e desembarcaram com as pistolas, carabina e
cobertores. Afinal, na manhã de domingo 23 de abril, nove dias após o
assassinato, John Wilkes Booth e David Herold pisaram o solo da Virginia.
Eles esquadrinharam o terreno em busca de soldados inimigos ou
virginianos amigáveis. O córrego parecia deserto e ninguém os vira. Mas
algo estava errado. Em poucos segundos, Booth e Herold se deram conta do
erro. Haviam repetido a façanha. Isto aqui não era Machodoc Creek. Eles
estavam novamente no lugar errado.
Remando para o sul ao longo da costa, David Herold confundiu a foz do
Gambo com a do Machodoc e acabou atracando o barco prematuramente.
Mas este erro não atingiu as proporções catastróficas do desembarque em
Nanjemoy Creek e Indiantown. Lembrando-se de passeios que fizera no
passado, Herold reconheceu exatamente o lugar onde estavam. O Machodoc
ficava a pouco mais de um quilômetro a sudoeste do Gambo. Nem seria
necessário lançar o esquife n’água novamente. Era possível chegar ao
Machodoc e à casa da sra. Quesenberry por terra. Herold chegaria lá a pé
em menos de meia hora. A perna de Booth tornava-lhe a breve jornada
impossível, de forma que ele esperou enquanto Herold foi à procura da sra.
Quesenberry. Ela fora muito bem recomendada e Booth esperava que
Herold voltasse logo com boas notícias, comida e cavalos.
Herold chegou na casa por volta de 1 hora da madrugada do domingo
23 de abril. Elizabeth Quesenberry, uma viúva de 39 anos com três filhas
jovens, era uma mulher notável. Figura de boa formação e linhagem
distinta, ela servira ao corpo de sinaleiros e estafetas confederados que
operavam na extremidade norte da Virginia. Qual Sarah Slater, Belle Boyd,
Rose Greenhow e diversas outras mulheres sulistas — talvez incluindo até
as intrigantes e tentadoras irmãs Branson, de Baltimore, amigas especiais de
Lewis Powell — Elizabeth Quesenberry serviu à causa por trás dos panos
ajudando o trabalho clandestino dos confederados. Os nomes da maioria
dessas mulheres se perderam na história e o de Elizabeth Quesenberry teria
desaparecido da memória há muito se o assassino de Lincoln não tivesse
vindo visitá-la.
Estranho foi que, naquela manhã, espalharam-se relatos falsos de que
Booth estava vestido de mulher. O general James Barnes, comandante em
Point Lookout, Maryland, encaminhou um relatório esquisito para Stanton,
explicando que acabara de receber o seguinte despacho de um certo capitão
Willauer em Leonardtown: “O sargento Bagley, do destacamento montado
estacionado em Millstone Landing, me informa que J. Wilkes Booth foi
avistado passando a pé por Great Mills por volta das 9 horas da manhã. Ele
estava vestido com roupas de mulher. O sargento e seus homens estão
dando busca. Vou enviar toda a cavalaria que tenho imediatamente. Será
feito tudo que for necessário para detê-lo. Os cidadãos o reconheceram
quando ele estava passando.” Barnes informou a Stanton que “Great Mills
fica situada na cabeceira do rio Saint Mary, a cerca de quinze quilômetros
de Saint Inigoes e a trinta daqui.”
O general Hancock espalhou o boato enviando-o para o general de
divisão Torbert em Winchester, o general de divisão Emory em Cumberland
e o general Stevens em Harper’s Ferry. Hancock mandou que eles
dissessem a todos os seus comandantes subordinados ao longo da ferrovia
de Baltimore e Ohio e na Virginia Ocidental até o Kanawha para não
relaxarem a vigilância: “Booth ainda não foi preso e supõe-se que ele possa
tentar fugir disfarçado de mulher ou de qualquer outra forma através
daquela região.”
A sra. Quesenberry não estava em casa quando Herold chegou. Ele só
encontrou a filha, de quinze anos. O emissário do assassino perguntou pela
mãe e a menina disse que ela havia saído mas poderia mandar chamá-la.
Por favor, mande chamá-la, solicitou Herold. O jovem cúmplice de Booth,
apesar do estado desconcertado, sujo e barbado, condições inadequadas
para travar conversação educada com moças decentes, tentou puxar assunto
com a adolescente:
— Eu suponho que vocês aproveitem bastante o rio.
— Não temos barco — retrucou resumidamente a menina.
Nesse caso, Herold teve o prazer de informar que possuía um barco nas
proximidades de Gambo Creek e que, se ela quisesse, poderia ficar com ele.
A menina ponderou sobre o significado da estranha oferta do desconhecido.
Assim que Elizabeth Quesenberry voltou, David Herold foi direto ao
assunto. Quesenberry manteve a guarda: a experiência durante os tempos de
guerra havia-lhe ensinado a suspeitar de desconhecidos, especialmente
daqueles que se apresentavam como Herold e ofereciam barcos de presente
a moças. Herold comunicou que Thomas Jones o enviara. Essa
recomendação e mais alguns detalhes específicos a convenceram de que
este desconhecido de fato conhecia Jones e não era um detetive da União
disfarçado tentando cercá-la. Se Herold vinha recomendado por Jones e este
revelara seu nome a ele, ela se sentia obrigada a oferecer assistência. Mas
que tipo de assistência?
Herold revelou que havia outro homem com ele. O outro, incapacitado
para andar, estava esperando em Gambo Creek. Davey pediu comida e
transporte — cavalos selados ou carroça com animal de tração — para
poderem prosseguir rumo ao sul. Suspeitando, ou até já sabendo quem era o
companheiro de Herold, Quesenberry calculou tratar-se de uma tarefa
grande demais para ser cumprida por uma pessoa apenas. A essa altura, a
notícia de que o assassino de Lincoln estava foragido já se espalhara por
toda a região rural da ponta norte da Virginia. Só um tolo não suspeitaria
que John Wilkes Booth estivesse se dirigindo para o estado. Se não tivesse
atravessado o Potomac ainda, em breve o faria; e seu provável ponto de
chegada seria pelas redondezas. E eis aqui, no quintal da frente da casa da
sra. Quesenberry, um forasteiro suspeito, oferecendo dar seu barco de
presente e pedindo cavalos. Como experiente agente confederada, ela sabia
o que fazer: buscar ajuda, logo. Mandou buscar Thomas Harbin,
proeminente agente confederado na área com o tipo de experiência para
lidar com essa delicada situação. E mais, Harbin possuía ainda duas outras
credenciais igualmente importantes. Era cunhado de Thomas Jones. E
conhecia Booth. Em dezembro de 1864, o dr. Mudd o apresentara a Booth
na Taverna de Bryantown quando o ator estava organizando a trama para
raptar Abraham Lincoln.
Thomas Harbin respondeu prontamente ao chamado de Elizabeth,
trazendo consigo outro operativo, Joseph Baden. Herold explicou a situação
e pediu ajuda. Rapidamente, Harbin resolveu qual seria a melhor estratégia:
ir até onde Booth estava por volta do pôr-do-sol, dar-lhe comida e colocá-
lo rumo ao sul com a máxima brevidade. Era uma corrida agora. Não havia
mais tempo para se esconder em posições fixas, driblando os caçadores
apenas com astúcia e camuflagens. Booth deveria sair correndo do norte da
Virginia, pelo interior do estado, e dali chegar ao Extremo Sul. Velocidade
de movimento era a chave agora, como fora na noite de 14 de abril quando
Booth saiu disparado de Washington.
A SRA. QUESENBERRY PREPAROU COMIDA PARA OS FUGITIVOS E A
ENTREGOU a David Herold. Ela não iria até Gambo Creek e nunca pôs os
olhos em Booth. Um operativo jamais corria riscos desnecessários. Ela não
precisava encontrar Booth para ajudá-lo. Herold podia levar a comida e
Harbin providenciaria os cavalos. O seu trabalho estava feito. Uma ida a
Gambo Creek poderia até atender à sua curiosidade pessoal, mas não era
essencial para a missão. Harbin mobilizou um terceiro operativo, William
Bryant, com instruções para selar dois cavalos e trazê-los a Gambo Creek.
Manco e desamparado, Booth não poderia vir até eles. Bryant precisava ir
pegar o assassino, colocá-lo sobre a sela e acompanhá-lo até a próxima
parada do caminho. Cerca de uma hora antes do pôr-do-sol, Harbin e
Herold apareceram na casa daquele, ao norte de Machodoc Creek e cerca de
cinco quilômetros abaixo de Mathias Point. Dali eles foram a cavalo até o
lugar onde Booth estava escondido perto do Gambo. Quando chegaram
perto, Herold fez o sinal combinado para que Booth não atirasse neles,
assim como Thomas havia sinalizado para eles no bosque de pinheiros.
Bryant e Herold ergueram Booth e o colocaram em cima da sela, partindo
os três em seguida para o próximo destino, a casa do dr. Richard Stuart, a
uns doze quilômetros da casa de William Bryant.
Chegaram à casa de Stuart depois de escurecer, por volta das 8 horas,
justamente quando ele e a família estavam terminando de jantar. Quando
chegou à porta, o médico viu dois homens que conhecia, William Bryant e
outro chamado Crisman, na companhia de dois forasteiros. David Herold
estava a pé e os demais a cavalo, Booth num alazão marrom-avermelhado e
Bryant num cinza. Sem sair de perto da porta, Stuart se dirigiu aos dois com
a aparência abatida:
— Quem são vocês?
— Somos de Maryland e estamos procurando alojamento para passar a
noite — respondeu Herold.
Stuart não estava interessado:
— É impossível; não tenho onde alojar ninguém.
Davey expôs seus argumentos: o irmão estava com a perna quebrada e
alguém recomendara que fossem ao dr. Stuart procurar tratamento médico e
ajuda com a viagem.
Sem se comover, Stuart sustentou a mesma resposta — não.
Bem, ele não era um médico?, Herold indagou.
Stuart tinha uma resposta rápida para qualquer pergunta.
— Não sou cirurgião. Sou apenas um médico — argumentou, sugerindo
que não entendia de ossos quebrados, nem de consertar fratura ou fazer
talas.
Mas a recomendação fora dada pelo dr. Mudd, ufanou-se Herold.
Sem se deixar impressionar, Stuart alegou não conhecê-lo:
— Não conheço nenhum dr. Mudd; nunca vi. Não tenho a menor ideia
de quem seja o dr. Mudd.
E, de qualquer forma, continuou:
— Ninguém está autorizado a me recomendar para ninguém.
Booth não falou nada, deixando que Herold continuasse tentando dar
conta do assunto:
— Se escutar as circunstâncias do caso, o senhor há de nos atender.
Alarmado com a insistência do forasteiro, Stuart retrucou:
— Eu não quero saber nada a seu respeito.
Stuart concordou em lhes dar um pouco de comida, mas só isso. Ele não
gostou da aparência deles, nem da maneira como se apresentavam, e ficou
suspeitando da história: “Eu não acreditei que ele estivesse com a perna
quebrada; achei que era uma armação.” A história que contaram de fato não
fazia sentido. Herold alegou serem ambos soldados confederados com
vontade de dar continuidade à guerra após a rendição de Lee:
— Somos de Maryland e estamos indo ao encontro de Mosby.
Mas Stuart sabia que a guerra de Mosby havia se acabado.
— Mosby se rendeu, pelo que sei; vocês vão ter de arranjar um salvo-
conduto.
Stuart relutou mas acabou deixando-os entrar na casa para comer.
Quanto mais cedo comessem, mais cedo o médico se livraria deles. Herold
entrou e Booth seguiu logo atrás com suas muletas. As três filhas adultas e
o genro de Stuart estavam sentados à mesa. Os fugitivos se juntaram a eles
e começaram a comer. Booth e Herold eram um espetáculo estranho na
requintada mesa de Stuart. Como estavam deslocados esses viajantes
abatidos! Mas, estariam mesmo? Tudo bem, Herold era um jovem falastrão
e rústico do povo. Mas as roupas imundas, o rosto barbado e o corpo
malcheiroso de Booth não conseguiam camuflar quem ele realmente era.
Seus modos educados, a voz colocada e a postura física denotavam um
cavalheiro. A dicotomia entre a aparência de Booth e as condições em que
se apresentava deve ter deixado intrigados os seus refinados comensais.
E também deixou intrigado o dr. Stuart. Enquanto os forasteiros
jantavam, o médico ficou lá fora, conversando com William Bryant:
— Que estranho! Não sei nada sobre esses homens; não tenho como
lhes dar acomodação; você terá de levá-los para outro lugar.
Bryant declarou não saber seus nomes, tampouco, e que eles haviam
vindo dos brejos perto de sua casa e pedido para serem levados ao dr.
Stuart. O médico entrou na casa para verificar como estavam seus
indesejáveis hóspedes. Quando tornou a sair, Bryant e os cavalos haviam
sumido! Ele se aproveitou da breve entrada do outro na casa e escapou,
deixando o problema nas mãos do médico. Bryant já fizera o que os
forasteiros lhe haviam pedido; sua tarefa fora cumprida.
Stuart entrou em pânico. Seus olhos percorreram a estrada e foram bater
em Bryant a uns duzentos ou trezentos metros adiante. Stuart começou a
correr até alcançar Bryant e implorou:
— Você precisa levar esses homens embora. Eu não tenho como alojá-
los.
Stuart voltou ligeiro para casa e dispensou os hóspedes. Eles estavam ali
havia um quarto de hora. Já haviam feito a refeição prometida. Precisavam
ir embora, agora:
— O velho está esperando vocês, ansioso para ir embora; faz frio; ele
não está bem e quer ir para casa.
Booth e Herold obedeceram; saíram da mesa imediatamente e foram
embora sem protestar.
Lá fora, tornaram a pedir ajuda a Stuart mais uma vez: “Foi depois que
saíram da casa que eles me importunaram dizendo que eu tinha de arranjar
acomodação para eles.” Se Stuart não queria tratar do ferimento de Booth
nem deixar os dois passarem a noite na sua casa, não poderia ao menos
fazê-los chegar a Fredericksburg? Stuart negou-se a atendê-los mais uma
vez, oferecendo apenas uma possibilidade de ajuda: “Eu lhes informei que
tinha um vizinho perto, um homem de cor que às vezes alugava a carroça e
provavelmente a alugaria para eles se não estivesse muito ocupado; não
custaria tentar.”
A essa altura, Stuart sabia exatamente quem eram os visitantes.
Obviamente, eles não eram soldados confederados. O frágil estratagema
não resistiu ao mais superficial dos exames. O homem manco era um
cavalheiro bem falante e seu jovem companheiro tagarela, de origens mais
humildes. A julgar pela aparência de ambos, vinham vivendo ao relento,
desabrigados, há uma semana ou mais. Vinham viajando no rumo sul de
Maryland para a Virginia. Estavam desesperados. E um deles tinha uma
perna quebrada. Encaixavam-se nos perfis de dois homens conhecidos do
país inteiro neste momento. Quem mais eles poderiam ser além de John
Wilkes Booth e David Herold? Stuart não ousou pronunciar seus nomes,
mas a vontade de expulsá-los de sua terra mostra que estava bem a par do
perigo que os dois poderiam significar para ele e sua família: “Eu estava
suspeitando deles. Eu não sabia ao certo mas eles poderiam ser algumas das
pessoas ligadas aos atentados infames... dos quais eu ouvira falar poucos
dias antes.”
Novamente, Booth recebeu “a mão fria que me estendem”. Bryant e
seus encargos deixaram Cleydael e partiram para a casa do “homem de cor”
de que falava Stuart, William Lucas.
POR VOLTA DA MEIA-NOITE, BRYANT, BOOTH E HEROLD CHEGARAM À
humilde choupana de Lucas — um mundo à parte da opulenta propriedade
de Cleydael onde morava o dr. Stuart. Lá dentro, reinavam o silêncio e a
escuridão. William, a esposa e o filho dormiam. Davey se inclinou para
perto da rústica porta de tábuas.
— Lucas! — chamou prontamente.
O chamado de Herold acordou os cães que dormiam nas proximidades,
o que detonou um coro de latidos. O barulho despertou William Lucas que,
ao ouvir um dos cavalos de Bryant relinchando no quintal, suspeitou de
ladrões atrás dos seus animais. De repente, tornou a ouvir a voz
desconhecida:
— Lucas!
Ele não reconheceu a voz e recusou-se a destrancar a porta. “Muita
gente já levou um tiro desse jeito”, raciocinou.
Lucas pediu que a voz se identificasse. Mas o dono da voz não queria
revelar sua identidade e, comunicando-se como se tivessem um código
secreto, pronunciou três nomes e perguntou se Lucas os conhecia, sugerindo
com o tom da voz que deveria. O pobre não sabia quem eram e ficou com
medo. A voz desconhecida deve ser de um ladrão de cavalos ou um bandido
qualquer. Ele não estava disposto a abrir a porta para um desconhecido
misterioso e ameaçador parado a poucos centímetros no lado de fora da sua
casa. O desconhecido falou um quarto nome, William Bryant. Lucas
conhecia este, mas que diferença fazia? O desconhecido poderia ter
conseguido o nome em qualquer lugar. Em seguida, uma segunda voz o
chamou:
— Lucas! Sou eu, William Bryant. Você me conhece.
Aliviado, Lucas destrancou a porta, abriu-a e saiu de dentro de casa.
Bryant e os dois desconhecidos se aproximaram.
— Queremos passar a noite aqui — disse secamente o mais jovem dos
três, omitindo a cortesia de uma apresentação.
Confuso com a solicitação inesperada e desanimado pela indelicadeza
de Herold, Lucas resistiu:
— Não podem. Eu sou um homem de cor e não tenho o direito de
cuidar de gente branca; só tenho um cômodo na casa e minha esposa está
doente.
Herold assumiu uma postura beligerante:
— Somos soldados confederados, estamos a serviço faz três anos;
passamos a noite procurando onde ficar por aí e não pretendemos procurar
mais... vamos ficar.
Antes que Lucas pudesse objetar novamente, Booth se aproximou dele
capengando com as muletas, forçou entrada na choupana e ocupou uma
cadeira.
Perseguindo o homem manco no interior de sua casa, Lucas os
repreendeu pelo desaforo:
— Cavalheiros, estão me tratando muito mal.
Agitado pela recusa do dr. Stuart, Booth não estava com ânimo algum
para receber aulas de etiqueta de um negro livre e atrevido que não sabia
qual era o seu lugar. Como pôde o dr. Stuart, aquele velho caduco, ter a
ousadia de dispensá-lo no meio da noite? Ele ainda iria ouvir falar de John
Wilkes Booth. E como pôde insultá-lo, ainda por cima, mandando-o para o
barraco de um negro qualquer, aviltando o grande ator como se fosse um
homem do mais baixo calão, como um mendigo nojento ou um escravo
foragido? “Este país foi formado para o homem branco, não para o homem
negro”, declarara em seu secreto manifesto político de 1864; “Cidadania
negra”, cuspira maliciosamente em resposta ao discurso de Lincoln em 11
de abril de 1865. E agora estava aqui, sentado dentro de um barraco,
implorando a um negro que lhe desse acolhida, recebendo em troca apenas
insultos: Jamais!
O sangue de Booth ferveu de uma forma que não acontecia desde a
noite do assassinato. Ainda sentado, o ator cravou em William Lucas um
olhar de ódio enquanto levava a mão à cintura e com os dedos buscava o
cabo da faca. Ele não a desembainhava com raiva desde que a batizara com
o sangue do major Rathbone, ainda grudado em crostas na lâmina de forma
que obscurecia parcialmente os desafiadores lemas patrióticos gravados por
infusão de ácido na lâmina. Decerto ele poderia tê-la lavado na pia da casa
do dr. Mudd ou na fonte de água doce no meio do pinheiral, mas preferiu
não fazê-lo. Estava satisfeito de ver a superfície espelhada manchada qual
relíquia de um santo tornado mártir, uma recordação vívida e tangível do
assassinato. Perdera o grande suvenir — a Deringer — quando se
engalfinhara com Rathbone no camarote do presidente. Mas ainda possuía a
faca como lembrança pessoal de que fora derramado sangue e não havia
caminho de volta: “Consegui”, nas palavras de Macbeth. A lembrança
sangrenta ressoava qual estigma simbólico de feridas não sofridas, mas
infligidas, pela mão do assassino.
A mão de Booth subiu da cintura para o alto até que a lâmina rápida
capturou o olhar de William Lucas.
— Que tal isso aqui, meu velho? — rosnou Booth, brandindo a faca no
ar.
— Não gosto, de jeito algum — alegou Lucas, que sempre tivera muito
medo de facas.
Faltava apenas mais uma provocação para Booth desferir outro
poderoso golpe circular com a lâmina, mas ele se acalmou. Matar uma
família de negros em sua própria choupana iria atrair uma atenção que ele
certamente não queria. E Booth se considerava uma categoria acima do
reles cortador de gargantas. Conforme argumentava em seu caderno de
anotações, seus motivos eram mais puros que os de Brutus ou até os de
Guilherme Tell. Booth ainda se corroía por um mundo às avessas, mas a
razão mandava que ele usasse William Lucas, não que o matasse.
O ator embainhou a faca e assumiu uma postura menos ameaçadora. Já
deixara claro o que queria, sem que precisasse brandir as pistolas e a
carabina. Na parca luz do interior da choupana, Lucas as via com clareza
suficiente agora. Booth informou a Lucas o que eles realmente queriam:
— Fomos mandados aqui, homem de Deus; sabemos que tens uma boa
parelha.
Então, eram mesmo os animais que eles queriam, exatamente como
Lucas pensou quando ouviu a voz desconhecida no outro lado da porta da
sua casa. Lucas pediu a Booth que deixasse seus animais em paz,
explicando que tinha contratado gente para vir na segunda-feira plantar
milho. Convencido de que os forasteiros tentariam roubar-lhe os cavalos,
Lucas saiu-se com evasivas alegando que os animais estavam longe dali, no
pasto. Seria difícil procurá-los na escuridão. Booth se virou para Herold e
encerrou o assunto:
— Pois bem, Dave, não iremos mais longe; vamos ficar aqui e fazer
com que esse velho vá pegar os cavalos para nós amanhã de manhã.
Tendo cumprido sua tarefa, William Bryant foi embora, abandonando
Lucas e sua família na companhia dos forasteiros que ele havia trazido até
sua choupana.
Lucas ficou apavorado de ficar sozinho com eles e, com medo de que
Booth lhe cortasse a garganta com a faca no meio do sono, entregou-lhe a
choupana: “Fiquei com medo de dormir de modo que eu e minha esposa
saímos e passamos o resto da noite no degrau da porta.”
Pela manhã, pouco depois das 6 horas, Booth e Herold mandaram Lucas
ir atrás dos cavalos. Eles os atrelaram à carroça do negro e subiram. Pela
última vez, Lucas implorou: iriam mesmo levar aqueles cavalos sem lhe
pagar nada? Sentindo-se generoso, Booth perguntou que preço ele cobrava
para uma ida até Port Conway, uma cidadezinha às margens do rio
Rappahannock, a uns quinze quilômetros dali. Dez dólares em moedas de
ouro ou vinte em cédulas de dinheiro, orçou Lucas. Mas Booth e Herold
iriam, obviamente, fazer uma viagem só de ida; como o pobre iria recuperar
os cavalos e a carroça? Lucas pediu que os dois levassem consigo seu filho
de 21 anos de idade, Charles, para que ele pudesse trazer a parelha de volta.
Booth disse que não, mas Herold, numa rara discordância do seu senhor,
cedeu:
— Tudo bem, ele pode ir, pois tens uma família grande e uma plantação
para dar conta; podes ficar com sua parelha de volta.
Tudo se acertou. Numa questão de minutos, William Lucas estaria livre
dos assassinos de Lincoln, aguardando pacientemente, com mais US$ 20 no
bolso, pela volta de Charlie à casa com os cavalos num prazo de poucas
horas. Então, ainda se remoendo de indignação por ter sido expulso da
própria casa no meio da noite, Lucas cometeu um erro. Não conseguiu
manter a boca calada e fez troça dos forasteiros pela derrota da
Confederação:
— Achei que vocês não iriam mais confiscar cavalos aqui na ponta
norte...
E acrescentou:
— ... depois da queda de Richmond!
A insolência de Lucas enfureceu Booth, causando uma erupção do seu
temperamento vulcânico. Richmond? Esse negro maldito, esse patife ousou
mencionar Richmond? Asia Booth Clarke conhecia a sensibilidade do
irmão quanto ao assunto e descreveu a ocasião em que o irmão Junius,
passeando com Wilkes “uma noite... pelas ruas de Washington... viu as
lágrimas rolarem de seus olhos quando ele virou o rosto na direção de
Richmond e, arruinado, disse: ‘Virginia — Virginia!’ Foi como um pai
romano derramando seu pranto sobre o filho morto. Essa cidade idealizada
do amor calava mais fundo em seu coração do que qualquer beleza
feminina”.
Sem saber da paixão de Booth, Lucas não poderia ter feito provocação
mais perigosa. Asia, no entanto, reconheceu que a queda daquela cidade
uma semana antes do assassinato de Lincoln ajudara a levar o irmão a
cometer o grande crime: “A queda de Richmond soou como um clamor de
júbilo enlouquecedor, e a entrada triunfal na cidade conquistada... lançou
mais uma lufada de ar para reacender a fogueira que o consumia.” Se a
queda de Richmond foi capaz de levar John Wilkes Booth a assassinar o
presidente dos Estados Unidos, o que a calúnia de Lucas não seria capaz de
levá-lo a fazer como punição?
Os inclementes olhos negros de Booth fulminaram Lucas por inteiro:
— Repete isso — instigou Booth.
Mais um insulto e Booth estaria pronto para sacar um dos revólveres e
atirar no velho negro ali na hora. Lucas percebeu que havia cometido um
engano terrível. Provocara Booth além da conta e o ator estava prestes a
irromper numa explosão de violência. Mas o velho foi sábio o suficiente
para se retrair: “Eu não falei mais nada.” O jovem Charlie Lucas subiu na
carroça e pegou as rédeas, sinalizando que estava pronto para servir a Booth
e Herold levando-os para Port Conway ou — naquele momento tenso —
qualquer lugar que eles quisessem. Sem dizer nada, Booth enfiou a mão
dentro da casaca e tirou não um revólver mas sim um maço de notas.
Separou US$ 20 em cédulas, inclinou-se para baixo e entregou o dinheiro à
sra. Lucas.
Quando a carroça começou a andar, às 7 da manhã, Booth se deu conta:
sabia o que fazer com o dr. Stuart.
Eles chegaram a Port Conway por volta do meio-dia e Charlie parou a
carroça junto à plataforma de embarque para a travessia do rio, perto da
casa de William Rollins. Booth pediu que Charlie esperasse um pouco antes
de levar a carroça do pai de volta para casa. O ator queria escrever uma
carta para o dr. Stuart e precisava que Charlie a entregasse.
Uma carta? John Wilkes Booth estava fugindo para salvar a própria
pele. Ele não sabia onde os seus caçadores se encontravam. Os jornais que
lera não revelavam o posicionamento, a força numérica, nem as
providências de buscas das unidades. Em sua ignorância, e para que
pudesse assegurar a própria sobrevivência, Booth tinha de assumir que
pudesse encontrar tropas e detetives da União a qualquer momento, em
qualquer ponto de sua rota. Eles poderiam estar tanto atrás dele quanto à
frente, esperando. O perigo era constante. Dava para entender que cada
minuto contava e até um mínimo retardo poderia ser a diferença entre a
liberdade e a morte. Incrível e tolamente, com a vida em risco, Booth
gastou tempo para ceder aos seus indisciplinados impulsos teatrais. Insistiu
em ficar com a última palavra e repreender Stuart pelos modos horrorosos e
pela falta de vergonha. Ele abriu sua agenda de 1864 numa página em
branco e começou a escrever com exaltação. Concluído o bilhete, ele o leu
e, insatisfeito, arrancou-o do caderno e o tirou de vista, enfiando-o numa
das abas interiores da agenda. Começou a escrever novamente, compôs
outro bilhete e, ao final, destacou a página com cuidado.
Datado de 24 de abril de 1865, a repreensão cáustica de Booth assumia
pretensões shakespearianas:
Prezado Senhor:
Queira me perdoar, mas eu tenho um pouco de orgulho. Detesto
culpá-lo por sua falta de hospitalidade: o senhor sabe dos seus
próprios assuntos. Eu estava doente e cansado, com uma perna
quebrada, precisando de uma consulta médica. Eu não teria recusado
um cachorro que viesse à minha porta em tais condições. Entretanto, o
senhor foi gentil o suficiente para me dar um pouco de comida, pelo
que eu não apenas lhe agradeço como, pela maneira relutante em que
me foi concedida, sinto-me compelido a pagar por ela. Não é a
substância, mas sim a maneira como se faz uma gentileza, que satisfaz
quem a recebe. O tempero melhor em casa alheia é sempre a cortesia,
parecendo sem ela as reuniões lugar deserto. Tenha a gentileza de
aceitar os dois dólares e meio (embora façam falta) pelo que
recebemos.
Respeitosamente,
O FORASTEIRO.
Booth julgou Stuart culpado de ter cometido o pecado máximo na
sociedade elegante da Virginia — falta de hospitalidade. Era o tipo de
acusação que, feita em tempos mais ociosos, poderia levar a um duelo. De
fato, se Booth tivesse mais tempo, talvez tentasse fazer pessoalmente um
solilóquio para o médico. A carta de Booth atingia seu clímax no insulto de
oferecer-se para pagar uma quantia irrelevante em espécie por conta da
rabugenta hospitalidade. Dramático até o fim, Booth invocou Shakespeare
para enfatizar seu argumento, tirando a “cortesia” que usou na penúltima
linha no original de sua carta da quarta cena do terceiro ato de Macbeth.
Ali, Lady Macbeth, falando no espantoso jantar que se seguiu ao
assassinato de Duncan em pleno sono por seu marido, expressa opinião,
dentre todas as coisas, sobre hospitalidade apropriada: “Fica estragada a
festa, quando muitas e muitas vezes, enquanto ela dura, não afirmamos
quanto nos é grata. Para comer, têm todos suas casas; o tempero melhor em
casa alheia é sempre a cortesia, parecendo sem ela as reuniões lugar
deserto.” Booth citou a obscura frase quase perfeitamente de memória,
cometendo apenas o pequeno erro de escrever a preposição “in” em lugar
de “to”.1
Noutras palavras, Booth estava dizendo que se dá uma festa de forma
mercenária e rancorosa, a menos que se o faça repetindo diversas vezes as
graças das boas-vindas. Comer pura e simplesmente é melhor se feito no
próprio ambiente doméstico; em ocasiões mais sociais, o condimento da
comilança é a cortesia; as reuniões carecem de adorno quando ela falta.
Os dois esboços de Booth pouco diferiam. As principais diferenças
estavam na quantia que ele oferecia e na saudação de fechamento. Primeiro
Booth escreveu “US$ 5,00”. Pensando bem, cortou o valor pela metade. E
talvez sua intenção com a quantia menor fosse um insulto maior. Booth
fechou o primeiro esboço com “Mui respeitosamente, seu obediente
criado”. O ator julgou essa saudação respeitosa demais para o médico que
não fazia jus e a substituiu pela menos floreada “Respeitosamente”.
Que estranho, também, Booth ter citado em seus últimos escritos — as
anotações no diário e a carta final — passagens dos textos favoritos de sua
vítima. As cadências da Bíblia do rei Tiago ressoam em muitos dos
melhores escritos de Abraham Lincoln e sua paixão por Shakespeare não
tinha limites. Durante as noites sociais de cunho privado na Casa Branca, o
presidente costumava se sentar perto da fogueira e ler em voz alta para o
pequeno círculo de amigos íntimos. Numa carta ao celebrado ator James
Henry Hackett, Lincoln esclareceu seus favoritos: “Algumas das peças de
Shakespeare eu nunca li; outras eu talvez tenha lido e relido tantas vezes
quanto qualquer leitor não profissional. Entre estas estão Rei Lear, Ricardo
III, Henrique VIII, Hamlet e especialmente Macbeth. Acho que nada se
iguala a Macbeth. É maravilhosa.”
Foi Macbeth que Lincoln escolheu para ler em voz alta para seus
convidados num cruzeiro pelo Potomac a bordo do River Queen no
domingo cinco dias antes do assassinato. Um dos acompanhantes do
presidente descreveu a performance memorável:
No domingo, 9 de abril, estávamos subindo o Potomac num vapor.
Durante o dia inteiro, a conversa versou sobre assuntos literários. O
sr. Lincoln leu para nós, horas a fio, passagens tiradas de
Shakespeare. A maioria foi de Macbeth e, particularmente, dos versos
que se seguem ao assassinato de Duncan. Não posso recordar essa
leitura sem ficar espantado com a lembrança, quando Macbeth se
torna rei após o assassinato de Duncan, ele fica à mercê do mais
terrível dos tormentos da mente. Seja porque foi arrebatado pela
estranha beleza desses versos ou por causa de um vago pressentimento
que se apoderava dele, o sr. Lincoln fez uma pausa na leitura aqui e
pôs-se a explicar-nos quão verdadeira aquela descrição do assassino
de fato era; quando, uma vez cometido o tenebroso ato, o perpetrador,
atormentado, chegou a invejar o sono da vítima; e tornou a ler a
mesma cena.
Exultante com a perspectiva de ir simbolicamente à forra com Stuart,
Booth dobrou dois dólares e meio até formar um quadradinho pequeno e o
embrulhou com a carta. Chamou Charlie Lucas e lhe entregou o pacotinho
do insulto. Se ao menos pudesse ver a cara do Stuart quando o velho
médico lesse a sua admoestação!, regozijou-se Booth.
Charlie Lucas freou a carroça em frente à casa de William Rollins,
antigo proprietário de loja em Port Conway que ganhava a vida plantando e
pescando. Booth e Herold não o conheciam. Rollins estava no quintal dos
fundos preparando suas redes de pesca e não viu a carroça chegar. Quando
veio para a frente da casa, reconheceu os cavalos de William Lucas. Depois
viu os dois forasteiros, David Herold parado perto do portão e outro homem
sentado na carroça. Herold pediu água a um velho que estava sentado por
ali, que encheu uma caneca de lata até a borda e a entregou a Herold.
Quando Davey começou a caminhar de volta para a carroça, derramou um
pouco da água para fora da caneca:
— Está cheia demais — gritou para Booth. — Vou beber um pouco.
Sedento, Booth gritou de volta: — Traga essa água até aqui.
Ainda segurando a caneca, Herold virou-se para Rollins e perguntou se
ele conhecia alguém que pudesse levá-los até a Estalagem Orange Court.
Rollins disse que não e Herold perguntou se ele não os levaria pelo menos
até uma parte do caminho. Rollins se ofereceu para levá-los até Bowling
Green, a pouco mais de vinte quilômetros dali, em troca de um pagamento.
Intrigado, Herold convidou Rollins para se aproximar da carroça e conhecer
seu amigo.
— Esse homem diz que tem uma carroça e nos levará até Bowling
Green por dez dólares — relatou Herold enquanto subia na carroça de
Lucas e entregava a caneca com a água. Booth pediu que Rollins
confirmasse a distância e o pescador acrescentou que a ferrovia de
Fredericksburg e Richmond ficava apenas a quatro quilômetros de
distância.
Então, inconsequentemente, Herold perguntou se havia um hotel pelas
redondezas onde Booth pudesse descansar com a perna para o alto por uns
dois dias. Ele deveria saber que não havia tempo para isso. Dando
continuidade ao disfarce de soldados confederados, Herold contou a história
a que estava habituado: o companheiro se acidentara perto de Petersburg.
Rollins lhes falou de um hotel em Bowling Green. Então, Booth mudou de
assunto, indagando se Rollins os atravessaria para o outro lado de
Rappahannock, que tinha apenas duzentos ou trezentos metros de largura
nesse ponto, e os desembarcaria do outro lado em Port Royal. Rollins
ofereceu levá-los pelo mesmo preço que cobrava a barcaça encarregada de
prestar o serviço entre Port Conway e Port Royal — dez centavos pela
travessia de ida. E teria prazer em levá-los no seu barco depois de lançar as
redes de pesca no rio. A maré estava subindo e era a melhor hora para
pescar.
Booth queria cruzar logo. Assim que as redes estiverem colocadas,
reiterou Rollins. Frustrado, Booth tentou convencê-lo com mais dinheiro:
— Eu não quero ficar esperando aqui. Pagaremos mais do que a tarifa
da barcaça.
O ator não conseguiu convencê-lo. A maré estava subindo agora e o
pescador não ia perder uma boa pescaria. Naquele momento, três figuras a
cavalo apareceram na colina logo acima de Port Conway, a mais ou menos
uns cinquenta metros do rio, e observaram a cidade. Eram soldados. E uma
carroça perto do porto, estacionada em frente à casa de William Rollins,
chamou sua atenção.
Os soldados tocaram os cavalos para a frente e desceram devagar até
Port Conway. Quando chegaram a vinte metros da carroça, Herold pulou
fora e enfiou a mão dentro do casaco na altura do peito. Um dos homens
percebeu de imediato o movimento obviamente grosseiro. Já vira outros
homens sacarem pistolas antes. Outro integrante do trio percebeu a carroça,
que era puxada, ele pensou, “por dois cavalos muito ruins”. Então, todos
olharam para o homem sentado na carroça: “Ele estava vestido com um
traje escuro que parecia rasgado e amarrotado, como se tivesse atravessado
um matagal. Usava na cabeça um chapéu mole de aba larga preto e surrado,
que trazia enfiado até a testa... tinha uma barba bem preta, por fazer havia
umas duas semanas, o que lhe dava um aspecto de muita sujeira.”
NA SEGUNDA-FEIRA 24 DE ABRIL, O DR. SAMUEL A. MUDD VIU SOLDADOS
também. Não haveria mais perguntas hoje, nem mais revistas na casa e nos
anexos, nenhuma maratona de interrogatório do tipo gato-e-rato em
Bryantown. Os soldados vieram à sua fazenda para prendê-lo e levá-lo para
Washington. E lá ele ficaria, trancafiado na temível prisão do prédio antigo
do Capitólio, em frente ao grande domo, destacado símbolo da União que
ele, John Wilkes Booth e todos os demais haviam tentado derrubar. Sob
confinamento incomunicável, Samuel A. Mudd aguardaria para saber o
preço terrível que o governo viria a lhe cobrar.
BOOTH E HEROLD VINHAM TEMENDO ESSE MOMENTO SE NÃO EM PORT
Conway, então em qualquer ponto de sua rota de fuga. Era só uma questão
de tempo. Seu primeiro encontro com soldados era inevitável. O destino
escolheu Port Conway. Os dois se prepararam para agir. Quando os
cavaleiros chegaram mais perto, Herold caminhou na sua direção, criando
distância entre eles e Booth, enquanto sondava seus uniformes e
equipamento. Os casacos não eram azuis. Adotando sua postura habitual de
simpatia que a todos desarmava, Herold interpelou os homens:
— Cavalheiros, a que comando vocês pertencem?
Um deles, oficial, respondeu:
— Ao comando de Mosby.
Herold ficou aliviado. Eram confederados!
Não eram soldados quaisquer. Embora dois deles tivessem 18 anos e o
outro 19, o primeiro-tenente Mortimer B. Ruggles, o soldado Absalom R.
Bainbridge e o soldado William S. Jett eram veteranos de uma das mais
renomadas unidades de cavalaria de elite da Confederação, comandada pelo
legendário John Singleton Mosby. Herold ficou exultante e perguntou a
Ruggles:
— Não quero ser intrometido, mas para onde estão indo?
William Jett atalhou:
— Isso é segredo. Ninguém nunca sabe para onde estamos indo pois eu
nunca digo a ninguém.
E quem estava perguntando? Eles resolveram virar a mesa em cima do
desconhecido e perguntaram a que comando ele pertencia.
Davey se saiu bem:
— Pertencemos à Corporação de A. P. Hills; estou com meu irmão
ferido, somos de Maryland, ele se feriu no combate abaixo de Petersburg.
— Onde é o ferimento? — indagou Jett.
— Na perna.
Jett deu continuidade ao interrogatório e perguntou seus nomes.
— Nosso nome é Boyd; o dele é James William Boyd e o meu é David
E. Boyd.
Herold assumiu o disfarce de um entusiasta confederado, um militante
intransigente que se desvelava em continuar a luta, onde quer que fosse.
— Ora, cavalheiros, eu suponho que vocês estejam todos indo para o
exército sulista — Herold se encheu de confiança e acrescentou: — Nós
também estamos ansiosos para chegar lá e gostaríamos que vocês nos
levassem junto.
Booth fez um esforço e saiu da carroça, apoiando-se nas muletas, e foi
se aproximando deles.
Os homens de Mosby acharam Herold esquisito e ansioso demais, por
isso não lhe deram resposta nem desmontaram de seus cavalos. Achando o
momento oportuno para um amolecimento social, Davey bancou o
anfitrião:
— Vamos, cavalheiros, apeiem; temos bebida por aqui; vamos tomar
um trago.
Jett rejeitou abruptamente:
— Obrigado, senhor, eu não bebo.
Jett se afastou de Herold mais ou menos vinte metros, desmontou e
amarrou o cavalo a um portão. Ruggles e Bainbridge desmontaram e foram
se sentar na escada da casa de Rollins.
Assim que Jett tornou ao grupo, Herold deu-lhe um tapinha nas costas e
perguntou se eles poderiam conversar em particular. Os dois caminharam
até o cais e Herold propôs um plano:
— Suponho que vocês estejam montando um comando para irem até o
México e eu gostaria que vocês nos deixassem ir juntos.
Soldados de verdade não falavam desse jeito, Jett sabia: “Fiquei
impressionado que uma ideia dessas pudesse surgir na cabeça de um
homem.” O prolixo “David E. Boyd”, se fosse este o seu verdadeiro nome,
estava guardando algum segredo.
— Não posso sair na companhia de um homem sobre o qual nada sei —
explicou Jett.
Ele analisou Herold com o olhar e fez uma pergunta simples:
— Quem são vocês?
Com a voz quase embargada, Herold soltou:
— Nós somos os assassinos do presidente.
Apontando para onde Booth estava a poucos passos de distância, ele
continuou:
— Ali está o assassino. Ali está J. Wilkes Booth, o homem que matou o
presidente.
Emudecido, o soldado William Jett não disse nada. Interpretando o
silêncio de Jett como sinal de incredulidade, Herold perguntou se ele havia
percebido a indelével prova de identidade de Booth — as iniciais “JWB”
tatuadas na mão esquerda. Ruggles foi para perto dos dois, mas Jett só
conseguiu balbuciar para o amigo que “aquilo era muito estranho”. Então
eles contaram a Ruggles a formidável notícia. Booth estava a poucos passos
de distância, inclinado sobre as muletas. Numa questão de segundos, eles
estavam face a face com o assassino de Lincoln, que trazia a mão marcada
discretamente recoberta por um xale.
— Suponho que vocês já tenham sido informados de quem eu sou —
indagou Booth.
Ruggles ficou paralisado: “De repente, ele apoiou o peso na muleta e,
sacando um revólver, falou com severidade e tranquilidade: ‘Eu sou John
Wilkes Booth, sim, o assassino de Abraham Lincoln, e valho US$ 175.000
para o homem que me capturar.’”
— O senhor quer cruzar o rio agora? — interrompeu-os uma voz que se
aproximava. Era William Rollins, voltando depois de lançar suas redes no
rio. Ele já fora até a casa, pegara o agasalho e viera chamar Booth na
plataforma de embarque onde este se encontrava com Herold e os soldados.
— Quero — respondeu Booth.
— Então venha — retrucou Rollins.
Mas Booth hesitou e se aproximou um pouco mais de Herold e dos
soldados.
Rollins tornou a chamar:
— Se quiser cruzar o rio, pode vir.
Herold falou em lugar do seu senhor:
— Se está com pressa, pode ir; nós não vamos agora.
Os fugitivos se misturaram a Ruggles, Jett e Bainbridge para elaborar
uma alternativa. Disseram ao trio que gostariam de se colocar totalmente
sob a sua proteção. Jett concordou em ajudar e Ruggles afiançou sua
confiabilidade:
— Nós não estamos atrás de “dinheiro sanguinário”.
Os soldados prometeram acompanhar os assassinos na travessia de
barcaça e ajudá-los no outro lado do rio.
Booth conquistou a lealdade dos rapazes não com a estonteante história
de como derrubara o presidente mas com sua postura lacônica e estoica. O
assassino confidenciou para William Jett que não achava o assassinato
“algo de que se vangloriar” e o soldado concordou:
— Eu também não.
Ruggles percebeu em Booth a mesma coisa que seus camaradas
perceberam: o ator estava sofrendo mas aguentava feito homem: “Eu
percebi que a perna ferida estava muito inchada, inflamada e escura, de
sangue batido, e parecia ter sido mal engessada, com talas de papelão mal
colocadas. Que ele sentia fortes dores o tempo todo, disso não há dúvida,
embora tentasse ocultar a dor, tanto física quanto mental.”
A confissão de Booth os pegou de surpresa e o fato de estarem na
presença do assassino de Lincoln, inclusive conversando com ele, os deixou
impressionados. Mas Ruggles não conseguiu deixar de admirá-lo: “A
tranquilidade do homem ganhou a nossa admiração; nós vimos que ele
estava ferido, desesperado e encurralado. Seu rosto estava acabado,
marcado pelo sofrimento, os olhos pretos inchados mas estranhamente
brilhantes.”
Antes de partir na barcaça, Herold e Jett voltaram à casa de Rollins,
encontraram-no do lado de fora e lhe fizeram um pedido estranho: ele teria
um pote de tinta? Rollins entrou com eles na casa, pegou um pote no
armário e o colocou em cima da mesa. Jett se sentou numa cadeira,
preparou um pedaço de papel e começou a escrever. Herold pediu para que
Jett o deixasse cuidar do assunto e Jett rasgou a parte do papel onde já havia
escrito. Herold a copiou, escrevendo cinco ou seis linhas. Eles forjaram um
documento de salvo-conduto do exército para Jett caso encontrassem tropas
da União.
A barcaça estava quase chegando do lado de Port Conway. Era hora de
cruzar para Port Royal. Herold pegou sua carabina, passou a alça de
algodão branca pelo ombro e disse mais uma vez a Rollins que ele e seu
companheiro não precisavam mais do transporte:
— Encontrei alguns amigos por aqui e eles dizem que não vale a pena
alugar uma carroça para ir até Bowling Green pois podemos nos juntar e ir
a cavalo.
Enquanto Davey enrolava o cobertor, Rollins, admirando o luxuoso
acabamento felpudo num dos lados, fez o elogio mais estranho:
— Que negócio interessante esse seu!
— Pois é, uma senhora lá em Maryland me deu — Herold agradeceu,
orgulhoso.
James Thornton, um negro livre que operava a barcaça para o
proprietário, Champe Thornton, atracou a embarcação. David Herold
dispensou a carroça e Charlie Lucas virou sua parelha de animais na direção
de casa e partiu. Herold relembrou que ele deveria entregar a carta do sr.
Boyd ao sr. Stuart. Booth explicou a Ruggles que não conseguia mais andar,
de forma que o tenente o ergueu para o lombo da montaria e se preparou
para embarcar. James Thornton abriu o portão e mandou entrar os
passageiros que estavam esperando — cinco homens e três cavalos. Para
Thornton, os forasteiros não se destacavam por nada; eram apenas um
bando de rebeldes emporcalhados voltando para casa depois de terem
perdido a guerra.
Herold, Jett e Bainbridge caminharam sobre o tabuado plano da
barcaça, os dois confederados levando suas montarias pelas rédeas.
Ruggles, também a pé, levava as muletas de Booth, Herold a carabina e
Booth as pistolas e a faca. Ruggles percebeu que o sangue do major
Rathbone ainda estava na lâmina. Ao pescoço, Booth trazia pendurado o
binóculo numa correia de couro fechada por uma fivela ajustável de metal.
Descumprindo as regras da barcaça para a travessia, o assassino, querendo
evitar a dor insuportável que acompanhava cada subida e descida do lombo
do animal, permaneceu montado no cavalo de Ruggles enquanto esteve a
bordo. Homens montados em cavalos deslocavam para cima o centro de
gravidade da embarcação, mas Thornton deixou passar o pequeno delito de
Booth. Mais tarde, depois de tudo acabado, o apresentador de espetáculos R
T. Barnum ofereceu a Ruggles um bom preço pela sela que sustentara o
traseiro de John Wilkes Booth durante a breve travessia do rio.
Tendo todos os passageiros a bordo, Thornton desatracou do porto e
conduziu a lenta e desajeitada embarcação para o outro lado do
Rappahannock, até a velha e dilapidada cidade colonial de Port Royal.
Durante a travessia, os homens pouco falaram, por não quererem que o
homem de cor ficasse sabendo de qualquer coisa a seu respeito. Bainbridge
começou a suspeitar de Thornton, de qualquer forma: “O barqueiro ficou
nos olhando a todos de alto a baixo e nós falamos pouquíssimo.”
Bainbridge desgrudou os olhos do barqueiro e, estando Booth num plano
mais elevado, testemunhou uma cena memorável: “Booth estava sentado
ereto sobre a montaria, mirando a margem de lá do rio com os olhos cheios
de esperança.” Assim que eles atracaram novamente e Thornton abriu o
portão, Booth cutucou o cavalo de Ruggles e passou logo à plataforma de
desembarque.
O assassino estava animado novamente e riu quando Herold e seus
novos amigos se juntaram ao seu redor para comemorar o êxito da travessia.
Singrar o humilde Rappahannock não era um grande feito em si, mas
representava a culminação desta fase da fuga. Booth e Herold haviam
cruzado o poderoso Potomac, fugido de Maryland, aportado na Virginia,
encontrado camaradas confederados leais depois de amargas decepções,
passando finalmente com segurança para o sul através da estreita ponta
norte do estado. Agora, ao sul do Rappahannock, John Wilkes Booth
antevia uma viagem ligeira pelos campos abertos no interior do Velho
Domínio. Tomado de emoção, Booth desabafou:
— Estou a salvo na velha e gloriosa Virginia, graças a Deus!
Estaria mesmo? Havia algo a respeito do jovem Willie Jett que Booth
não sabia. Se soubesse, o assassino teria fugido da companhia deste rapaz
mais rápido do que fugira a galope do Teatro Ford. Talvez até lhe desse um
tiro. Na superfície, a coisa parecia inócua, até inocente. Nem Booth nem
Jett sabiam disso ainda, mas o encontro deles detonara uma cadeia de
eventos que levariam à derrocada do ator.
Por ora, tudo estava bem e Jett chefiou a caravana ao longo dos poucos
quarteirões que os separavam da casa de Randolph Peyton em Port Royal.
Jett o conhecia e achou que ele lhes daria acolhida. Antes de Jett chegar à
casa, Booth pediu-lhe que desse continuidade ao estratagema e o
apresentasse como um soldado confederado ferido de nome James Boyd.
As duas irmãs solteironas de Peyton, Sarah Jane e Lucy, atenderam a porta.
Jett perguntou se elas fariam a gentileza de dar abrigo por duas noites a um
soldado confederado e seu irmão. Elas concordaram em acolher os
forasteiros e Jett fez sinal para Booth entrar. Booth veio capengando e se
recostou numa chaise-longue. Era a primeira vez que se esticava num
móvel desde que tirara uma soneca no sofá preto estofado em crina de
cavalo na sala da frente na casa do dr. Mudd. Depois de alguns minutos,
Sarah Jane chamou Jett para um canto, pois queria falar com ele a sós na
sala. Pensando bem, explicou ela, esse homem não poderia ficar aqui. Seu
irmão Randolph estava na fazenda e não voltaria hoje à noite. Não era certo,
sem o irmão em casa, permitir que gente desconhecida dormisse na mesma
casa que duas moças solteiras. Sarah Jane lamentava informar a Jett mas
deveria rescindir sua oferta prematura de hospitalidade. Ela detestava ter de
dizer não a um soldado confederado ferido mas, na ausência do irmão, não
tinha escolha.
Jett aceitou tranquilamente a recusa. Fazer uma cena não seria bom. Ele
perguntou se os vizinhos dos Peyton, do outro lado da rua, os Catlitts,
aceitariam receber o sr. Boyd. Sarah Jane disse não saber. Jett resolveu
tentar mas acabou sendo informado de que, qual Randolph Peyton, o sr.
Catlitt não estava em casa. Sarah Jane fez uma sugestão para ajudar:
— Vocês podem hospedá-lo em qualquer lugar rua acima, na casa do sr.
Garrett ou noutra qualquer.
Jett concordou em tentar. Por volta de 1 hora da madrugada, ele ajudou
Booth a se levantar da chaise-longue na casa dos Peyton e se apoiar nas
muletas. Enquanto saíam da casa, Jett avisou aos camaradas:
— Vamos subir a rua um pouco mais.
Depois de colocarem Booth no cavalo de Ruggles, os homens montaram
em duplas nos cavalos restantes, Herold na garupa de Jett e Ruggles na de
Bainbridge.
A CINCO QUILÔMETROS DALI, RICHARD H. GARRETT TOMAVA CONTA DOS
duzentos hectares de sua fazenda, Locust Hill. A época era boa. Os dois
filhos mais velhos, ambos no serviço confederado, acabavam de voltar da
guerra para casa. A caravana de cavaleiros, rumando devagar para o
sudoeste a partir de Port Royal, chegou no final da tarde. David Herold
pulou do cavalo de Jett assim que eles passaram pelo portão e ficou
esperando perto da estrada junto com Bainbridge, que desmontara deixando
seu cavalo para Ruggles. Jet, Booth e Ruggles continuaram montados até se
aproximarem da casa. Booth pediu a Jett que o apresentasse qual fizera com
a srta. Sarah Jane Peyton, pelo seu pseudônimo. Willie Jett se apresentou ao
sr. Garrett de cima da montaria e em seguida apresentou James Boyd:
— Temos aqui um soldado confederado ferido e queremos que o senhor
cuide dele durante um dia ou dois; é possível?
Garrett pensou nos filhos que acabavam de voltar sãos e salvos poucos
dias atrás. Resolveu devolver a bênção com uma gentileza:
— Certamente.
Por volta das 3 da tarde de segunda-feira 24 de abril, John Wilkes Booth
recebeu guarida para passar a noite. E sobreviveu mais um dia.
Booth desceu do cavalo de Ruggles. Tendo cumprido a missão, os
confederados quiseram seguir caminho. Jett e Ruggles se despediram
brevemente do assassino — “vamos nos encontrar de novo” — e partiram
de Locust Hill, levando pelas rédeas o cavalo desocupado de Bainbridge.
Sem que Booth o soubesse, Jett não tinha intenção alguma de voltar à
fazenda de Garrett ou de tornar a ver o assassino novamente. Quando os
dois chegaram ao portão, puxaram as rédeas das montarias. Bainbridge
subiu em seu cavalo e David Herold na garupa. Davey queria acompanhá-
los até Bowling Green para comprar nada mais do que um par de sapatos
novos. Resolvera passar a noite com os jovens confederados e voltar para a
companhia de Booth na fazenda de Garrett amanhã, 25 de abril.
Quase como faz um irmão caçula invejoso a se mostrar, Herold gabou-
se para Jett de ter também uma tatuagem, igual à de Booth. A bem da
verdade, Booth tinha só uma mas ele tinha duas. Davey enrolou as mangas
do casaco até pouco acima do cotovelo e mostrou um coração e uma âncora
no braço direito e suas iniciais “DEH” no esquerdo. Jett percebeu que a
letra “H”, embora ainda legível, estava borrada: durante o tempo ocioso no
pinheiral, Davey passara horas esfregando-a, numa tentativa desesperada de
apagar, pelo atrito e calor, a marca identificadora.
A presença de Booth, Jett e Ruggles no quintal da frente dos Garrett
provocara um latido de cachorro e o barulho alertou John M. Garrett, um
dos filhos de Richard, que estava deitado num dos quartos do andar de
cima. John entrara para o exército confederado no início da guerra em 1861,
servindo primeiramente na Artilharia de Fredericksburg e depois no
Batalhão de Lightfoot. Ficou na ativa o tempo todo até a rendição de Lee
em 9 de abril, quando voltou para a fazenda da família. Ao olhar pela janela
pouco depois das 3 horas da tarde, ele viu um homem com duas muletas,
que estava apoiado apenas numa. O homem estava enrolado num xale cinza
e parado perto do seu pai, enquanto dois outros homens a cavalo
conversavam ali perto. Em poucos minutos, os cavaleiros foram embora,
levando consigo a montaria do homem manco. John viu seu pai e o
desconhecido caminharem em direção à casa. Tudo parecia bastante normal
e John Garrett voltou para a cama.
Booth e o velho Garrett ficaram descansando no alpendre, que pegava
toda a extensão da frente da casa. Cerca de meia hora mais tarde, pouco
depois das 15h30, John Garrett desceu e saiu pela porta da frente da casa
para passar o fim de tarde com um vizinho. Seu pai o apresentou a James
Boyd. Nem pai nem filho suspeitaram que Boyd fosse outro que não aquele
que ele alegava ser — um simples veterano confederado no caminho de
volta para casa.

________________
1 No bilhete de Booth: “... the sauce in meat is ceremony”; no original
de Shakespeare: “... the sauce to meat is ceremony.” (N. do T.)
CAPÍTULO 9 “Inúteis, inúteis”
BOOTH TIVERA SORTE. EM 24 DE ABRIL, A MAIORIA DOS CAÇADORES DE gente
ainda via baldarem seus esforços em Maryland, sem saber se sua caça havia
cruzado o Potomac. Comparada ao nível de atividade em Maryland, a
estreita ponta norte da Virginia ainda estava muito pouco patrulhada. Isso
logo mudaria.
Naquela manhã, o major James O’Beirne mandou um telegrama para o
escritório do telégrafo do Departamento da Guerra em Washington. Foi esse
mesmo escritório que, na noite do assassinato, enviou os telegramas de
Stanton dando a notícia para os comandantes militares e o resto do país. Foi
esse mesmo escritório que transmitiu as ordens de Stanton para dar início à
caçada humana. E desse escritório partiu o comunicado urgente da morte do
presidente. Agora, dez dias depois, o major Thomas Eckert, chefe do
escritório do telégrafo, recebia uma mensagem do major O’Beirne que
galvanizaria a caçada. Dois homens, relatava O’Beirne, foram vistos
cruzando o Potomac em 16 de abril. Caso fossem Booth e Herold, então o
assassino de Lincoln estaria na Virginia há oito dias. Esse relatório exigia
providências.
E acontece que o coronel Lafayette C. Baker estava em cena quando o
telégrafo chegou. O notório detetive e “agente” do Departamento da
Guerra, um dos favoritos de Stanton, estava na cidade desde 16 de abril,
atendendo ao dramático telegrama em que o secretário da Guerra o
mandava vir de Nova York para participar da caçada humana e encontrar os
assassinos do presidente. Desde que ele chegara, além da sua falsidade, a
sua postura imperiosa e autopromocional já irritara muitos dos caçadores.
Ele tentara roubar as pistas de outros detetives e, sem autorização prévia,
chegara até a emitir uma proclamação de recompensa de US$ 30.000 por
conta própria. Pois o coronel andava xeretando pelo escritório do telégrafo
quando Eckert recebeu a notícia de O’Beirne. Baker leu a mensagem:
PORT TOBACCO, MD, 24 de abril de 1865
10 horas (Recebido às 11 horas)
Major Eckert:
Acabo de conhecer o major O’Beirne, cuja força prendeu o doutor
Mudd e Thompson. Mudd tratou da perna esquerda de Booth
(fraturada), providenciou muletas e ajudou Booth e Herold a fugir. Já
seguiram seus passos até o pântano perto de Bryantown e há uma
hipótese de que eles ainda estejam escondidos no pântano que vai de
Bryantown até Allen’s Fresh, ou num braço de terra entre os rios
Wicomico e Potomac. Outra prova leva a crer que eles tenham feito a
travessia a partir de Swan Point até White Point; na Virginia, na
manhã de domingo 16 de abril, por volta das 9h30, num pequeno
barco, também capturado pelo major O’Beirne.
John M. Lloyd também foi preso e praticamente reconheceu
cumplicidade.
Vou continuar com o major O’Beirne, em quem tenho muitíssima
confiança. Propomos fazer primeiro uma varredura do pântano todo e
da área rural ainda hoje; se não tivermos êxito e se houver mais
provas que justifiquem, então propomos cruzar com a força para a
Virginia e lá seguir a trilha enquanto houver alguma esperança. Em
todos os casos, não vamos ficar parados; e se houver alguma chance,
pode ter certeza de que a aproveitaremos ao máximo. Toda a região
rural daqui está sendo esquadrinhada pela infantaria e cavalaria.
S. H. Beckwith
Baker pegou o telegrama, voltou correndo para o seu quartel-general na
Avenida Pensilvânia, do outro lado da rua do Willard, e contou a notícia ao
primo, o detetive Luther Byron Baker.
— Temos algo certeiro aqui — disse Lafayette. — Acho que Booth
atravessou o rio e quero que você vá para lá agora.
— Não há homens para ir comigo.
— Vamos destacar alguns soldados.
Lafayette começou a escrever um pedido de soldados ao general
Hancock.
— Não tem ninguém no escritório que possa ir com você? — ele
perguntou ao primo.
— Ninguém além do coronel Conger — Luther respondeu.
— Ele anda a cavalo?
— Acho que sim.
Só havia um problema com a pista de O’Beirne. Sim, dois homens
foram vistos cruzando o rio em 16 de abril. Mas não eram John Wilkes
Booth e David Herold.
POR VOLTA DA MESMA HORA EM QUE BOOTH CHEGOU À FAZENDA DE
GARRETT, um insuspeito jovem oficial do exército em Washington foi
sugado pelo redemoinho da caçada humana. Na tarde de 24 de abril,
capturar o assassino de Lincoln era a última coisa na mente do tenente
Edward P. Doherty, comandante de uma companhia no Décimo Sexto
Regimento da Cavalaria de Nova York. Enquanto outras unidades se
empenhavam na frenética perseguição a John Wilkes Booth, a de Doherty
não recebeu ordens de tomar parte na perseguição. Por isso, ele matava o
tempo desfrutando de uma agradável tarde de primavera: “Eu estava
sentado, com outro oficial... num banco do parque em frente à Casa
Branca.”
Um mensageiro o encontrou e interrompeu seu lazer com uma
mensagem escrita urgente:
“QUARTEL-GENERAL, DEPARTAMENTO DE WASHINGTON / 24
de abril de 1865 / oficial comandante da 16ª Cavalaria de Nova York /
Senhor: Destaque imediatamente um oficial comissionado confiável e
discreto com vinte e cinco homens, bem montados, com mantimentos e
ração para três dias, para se apresentar ao coronel L. C. Baker, Agente do
Departamento da Guerra, no número 211 da Avenida Pensilvânia. /
Comando do general C. C. Augur.” O oficial comandante de Doherty,
coronel N. B. Switzer, tinha anotado a ordem e designado a missão a
Doherty: “Conforme a ordem precedente, o primeiro-tenente E. P. Doherty
fica nomeado para a tarefa e se apresentará imediatamente ao coronel
Baker.”
Doherty voltou correndo para o quartel, mandou o clarim soar o toque
de encilhar e pegou os primeiros vinte e cinco homens que atenderam ao
chamado. Doherty quis saber qual seria a missão, mas não cabia a um mero
tenente fazer perguntas. Em breve ele descobriria, quando chegasse ao
quartel de Baker. Em meia hora, trazendo seu destacamento, o tenente se
apresentou ao coronel Baker, que lhe entregou fotos de três homens recém-
impressas em papel-cartão para ele levar no bolso. Doherty não conseguiu
reconhecer dois deles — eram poses de corpo inteiro e os rostos estavam
pequenos — porém a imagem mais nítida do terceiro o deixou eletrizado.
Era John Wilkes Booth. Ele ia partir atrás do assassino de Lincoln!
Mas não sozinho, advertiu-o Lafayette Baker. O tenente deveria levar
dois detetives, o primo de Lafayette, Luther Byron Baker, e Everton J.
Conger, ex-coronel da Cavalaria do 1o Distrito de Columbia. O coronel
Baker resolveu ficar em Washington, onde poderia continuar interceptando
telegramas e também salvaguardar seu interesse no dinheiro da recompensa.
O coronel Baker deu ao tenente Doherty seu destino e, com isso, o
destacamento de vinte e seis homens da Décima Sexta Cavalaria de Nova
York, acompanhado de dois detetives, começava sua perseguição ao
assassino de Lincoln. Doherty conduziu seus homens ao porto da rua 6,
onde todos embarcaram no vapor John S. Ide — nome incomum que
combinava o primeiro nome do assassino com uma insinuação aos idos de
março e ao infortúnio de Júlio César. A embarcação singrou as águas do
Aquia Creek e atracou no porto de Belle Plaine, Virginia, onde os soldados
desembarcaram e continuaram sua jornada por terra para Fredericksburg,
rumo ao sul. Sem parar, o destacamento da Décima Sexta Cavalaria de
Nova York chegaria a Port Conway, onde Booth e Herold haviam cruzado o
Rappahannock, antes do cair da tarde de 25 de abril.
Luther Baker, Lafayette Baker e Everton Conger posam de caçadores
para o Harper’s Weekly.
NINGUÉM EM WASHINGTON CONFIAVA QUE A DÉCIMA SEXTA CAVALARIA
DE Nova York estivesse na trilha certa de Booth. E a dramática proclamação
de Stanton emitida quatro dias atrás, em 20 de abril, com todo o lucro
prometido, ainda não havia resultado na captura de Booth. O Departamento
da Guerra emitiu uma nova em 24 de abril. Esta não oferecia mais
recompensas e apelava não para a ganância mas sim para o patriotismo da
população negra de Washington, Maryland e Virginia.

O ASSASSINATO DO PRESIDENTE LINCOLN.


APELO ÀS PESSOAS DE COR! QUARTEL-GENERAL DA
DIVISÃO MILITAR INTERMEDIÁRIA,
Washington, D.C., 24 de abril de 1865.
Às pessoas de cor do Distrito de Columbia e Maryland, de
Alexandria e condados vizinhos da Virginia:
O seu presidente foi assassinado! Ele foi morto sem aviso algum,
simples e exclusivamente por ser seu amigo e amigo do nosso país. Se
tivesse sido infiel a vocês e à grande causa da liberdade humana, talvez
ele tivesse vivido. A pistola que o levou à morte, embora empunhada
por Booth, foi disparada pelas mãos da traição e da escravatura.
Pensem nisso e lembrem-se de quanto tempo e com que dedicação esse
bom homem trabalhou para romper as suas correntes e torná-los
felizes. Eu agora imploro a vocês, por toda a consideração capaz de
emocionar corações leais e gratos, que ajudem a descobrir e prender
esse assassino. Acobertado por traidores, acredita-se que ele esteja de
atalaia dentro dos limites do Distrito de Columbia, do Estado de
Maryland ou da Virginia. Fiquem atentos, então; ouçam, indaguem e
vasculhem por todo lado, e rezem, dia e noite, até conseguirem tirar
esse criminoso sanguinário e monstruoso de seu esconderijo. Vocês
podem fazer muita coisa: até o mais humilde e mais frágil dentre
vocês, com paciência e vigilância incansáveis, pode prestar ajuda
importante.
Grandes recompensas estão sendo oferecidas pelo Governo e pelas
autoridades municipais, e serão pagas pela apreensão desse assassino
ou por qualquer informação que ajude na sua captura. Mas eu acho que
vocês não precisam desse tipo de estímulo. Vocês caçarão esse covarde
assassino do seu melhor amigo como caçariam o assassino do seu
próprio pai. Façam isso e Deus, cujo servo foi assassinado, e o país,
que lhes deu a liberdade, os abençoarão pelo nobre cumprimento do
dever.
Toda e qualquer informação que leve à prisão de Booth, ou Surratt,
ou Herold, deverá ser divulgada para este quartel-general, ou para o
general Hold, procurador geral em Washington, ou, caso seja
necessária alguma ação imediata, às autoridades militares mais
próximas.
Impõe-se a todos os oficiais e soldados neste comando, e a todo o
povo leal, a maior vigilância.
W. S. HANCOCK
General de divisão dos Voluntários dos EUA
Comandante da Divisão Militar Intermediária

Hancock mandou imprimir o texto em linotipo, evidência crua da pressa


com que foi produzido. Depois mandou imprimir sua proclamação em
cédulas de papel-carta ou em forma de cartazes, que foram distribuídos por
seus homens à população negra de Washington, Maryland e Virginia. O
instinto de Hancock, que lhe disse ser impossível Booth escapar sem a
ajuda de negros, estava correto — o assassino havia sido visto por alguns
negros — e talvez, raciocinou Hancock, sua convocação pudesse inspirar
alguém a caçar Booth ou, pelo menos, a dar informações sobre seu
paradeiro.
NO DIA 24 DE ABRIL À TARDINHA, ANTES DE ESCURECER, RICHARD GARRETT
convidou seu hóspede para jantar. Booth ficou feliz com a hospitalidade
genuína do velho, tão diferente da mão fria do dr. Stuart. Ninguém na mesa
dos Garrett o apressou para terminar logo de comer e ir embora da casa.
Pelo contrário, Booth pôde saborear tranquilamente o seu jantar e desfrutar
da agradável companhia e da conversa simpática da família. John Garrett
voltou para casa depois do cair da noite e viu que Boyd ainda estava à mesa
com toda a família — o pai, Richard; a madrasta, Fannie; os irmãos mais
novos, William e Richard; três irmãs e mais a srta. Lucinda K. B. Holloway,
irmã solteira de Fannie e tutora residente das crianças. Depois do jantar,
Booth foi capengando até a varanda da frente, sentou-se nos degraus de
madeira e tirou do bolso da casaca um cachimbo. Será que John Garrett
poderia lhe arranjar um pouco de tabaco e um fósforo, Booth perguntou.
Em pouco tempo, o assassino acendia o fornilho cheio de tabaco Virginia,
curado num paiol da região — talvez dos próprios Garrett, antes de eles
terem parado de secar as folhas ali mesmo — e desfrutou da primeira
oportunidade que teve para fumar depois de vários dias. Booth aproveitou o
relaxante repouso da caçada humana e encontrou paz temporária no
alpendre daquela tranquila e afastada casa de fazenda no Condado de
Caroline, com uma lauta refeição a lhe aplacar o estômago e o doce aroma
do tabaco de seu cachimbo a lhe apaziguar os sentidos.
John Garrett sugeriu que se recolhessem e convidou Booth a
compartilhar seu quarto. Booth iria dormir numa cama de verdade hoje à
noite. Apoiando-se na perna sã, que podia suportar-lhe o peso, ele caminhou
até a escada e subiu aos pulos para o segundo andar. Retirou a casaca e
desabotoou o colete, expondo ao rapaz o cinturão com os dois revólveres e
a faca de caça. Booth dobrou sua roupa, colocou-a sobre uma cadeira e
desafivelou o cinturão, que pendurou à cabeceira de uma das duas camas no
quarto. A casa da fazenda dos Garrett poderia ser um refugio de paz, mas o
assassino queria suas armas por perto, bem ao alcance da mão, enquanto
dormia. Quem sabe os problemas que a noite poderia lhe trazer?
BOOTH SE SENTOU NUMA CADEIRA E PEDIU QUE GARRETT O AJUDASSE A
Tirar a bota de couro com cano alto para montaria. Garrett a agarrou com
firmeza e deu um bom puxão até que a bota justa cedeu. No outro pé, Booth
calçava um sapato de couro do exército com patente do governo, rasgado na
parte superior para facilitar sua colocação e retirada. Quando Booth tirou a
calça, Garrett pôde dar uma olhada melhor na perna machucada e perguntou
o que tinha acontecido. Considerando os quatro anos de serviço de John,
Booth viu que não adiantaria tentar ludibriar o rapaz por conta dos
inúmeros ferimentos de guerra que ele deveria ter visto. Sua história
funcionou novamente: “Ele me contou que foi ferido na evacuação de
Petersburg. Ele... manteve a imagem de que era mesmo um soldado
confederado o tempo todo e agora disse que pertencera à Corporação de A.
P. Hill, e que fora ferido por um fragmento de obus na evacuação de
Petersburg. Ele disse que a ferida não doía muito, só quando tocava nela.”
Garrett ofereceu-lhe uma das camas e ficou na outra com seu irmão
William. O hóspede estava exausto. Booth se deitou na cama, virou de lado
e falou apenas duas palavras:
— Boa-noite.
John Garrett presumiu, corretamente, que o sr. Boyd não queria mais
conversar naquela noite. O colchão e o travesseiro macios ajudaram Booth
a cair rapidamente em sono profundo. Era sua primeira noite numa cama de
verdade — sem contar a noite na rudimentar choupana de Lucas — desde
15 de abril, nove dias atrás. A sensação de sair do chão frio e dormir
novamente como um homem civilizado era boa. Foi também a primeira
noite de toda a caçada humana em que Booth e Herold dormiram separados.
Em Belle Plaine, os perseguidores dividiram suas forças, também. Duas
colunas, uma de cinco homens comandados por Everton Conger, e a outra
com os demais, sob a liderança de Edward Doherty, vasculhavam o sul. Os
cavaleiros revistavam as casas e os paióis das fazendas, interrogavam os
moradores e, às vezes, adotavam certos estratagemas para enganá-los. À
medida que a Décima Sexta de Nova York chegava mais perto de Port
Conway, noite adentro, a vantagem de Booth conseguida a duras penas ia
encolhendo. Booth levara dez dias para vir do centro da cidade de
Washington até a estação de travessia em Port Conway. A Décima Sexta de
Nova York, alertada pelo telégrafo e transportada de barco a vapor, levaria
apenas um dia para percorrer todo o trajeto de Washington a Port Conway.
A mesma tecnologia superior que a União usara para derrotar a
Confederação agora era usada contra Booth.
A mente do assassino se entregou à fadiga e perambulou ao léu pelos
vastos campos dos sonhos, onde nenhum homem conseguia segui-lo. Ele
não precisou das pistolas durante a noite. Dormiu profundamente, sem ser
perturbado, e só acordou quando a manhã já ia alta na terça-feira 25 de
abril. Era o décimo primeiro nascer do sol desde o assassinato. John Garrett
acordou cedo. Observando o hóspede ainda ferrado em sono profundo, ele
se vestiu em silêncio e desceu. Quando William Garrett seguiu o irmão
alguns minutos depois, Booth ainda estava dormindo. O ator não estava
acostumado aos horários dos fazendeiros. Seu corpo seguia os ritmos da
noite na cidade e da vida do teatro, não dos rigores crepusculares da vida no
campo. William falou para seu irmão Richard, de 11 anos, ficar de olho no
hóspede até ele acordar para, então, levar-lhe as muletas e o cinturão das
pistolas, e ajudá-lo enquanto ele se vestia. William saiu de casa para levar o
gado até o pasto antes de voltar e tomar o seu desjejum.
Ao ver que Booth não respondeu ao chamado para o café da manhã,
John Garrett subiu para verificar como ele estava. Tendo acordado com os
chamados ecoando pela casa toda, Booth acabava de se levantar. Garrett lhe
disse que o café estava pronto, mas Booth, ainda cansado, escusou-se. Por
favor, diga à sua família para não esperar por mim para comer, solicitou.
Tudo bem, respondeu Garrett: “Não era preciso pois não tínhamos o hábito
de esperar para comer com os soldados já que eles eram personagens
privilegiados e poderiam comer quando estivessem prontos.” John Garrett
desceu novamente, comeu e pegou um cavalo para ir até o sr. Acres,
sapateiro das redondezas, mandar consertar um par de botas.
Booth acabou se levantando. O pequeno Richard Garrett levou-lhe suas
roupas e muletas e o ajudou a se vestir. Booth se sentou na cadeira, enfiou a
perna na bota de cano alto e, sem conseguir usar a perna machucada como
alavanca, deu um forte puxão com os músculos dos braços e costas. Com
delicadeza, ele enfiou o pé da perna quebrada no sapato baixo. Deu uma
olhadela no cinturão das pistolas, ainda pendurado na cabeceira da cama.
Resolveu que não iria precisar das pistolas ou da faca hoje de manhã.
Deixou o cinturão na cama. Levantou-se, pegou as muletas e, desarmado,
desceu com todo o cuidado para não pisar em falso e despencar escada
abaixo. Já era manhã alta. Ele foi até o alpendre, pegou no bolso da casaca
o cachimbo e um bocado de fumo, e ficou ali fumando. Depois de terminar
com um fornilho inteiro, Booth desceu para o quintal da frente da casa e
deu um passeio de reconhecimento pelo terreno, aventurando-se até o paiol
e os fundos. No alpendre da frente, ele se encostou num banco e logo caiu
no sono. O corpo exausto e a mente esgotada pediam o sono reparador.
Quando Booth acordou, William Garrett foi fazer-lhe companhia na
varanda. O rapaz fez a mesma pergunta que o irmão havia feito na noite
anterior: onde ele se feriu? Mediante a deixa, o ator entabulou a história de
Petersburg, do obus de artilharia, do ferimento na perna. Por que William
estava perguntando? Será que seu irmão ainda não havia relatado hoje de
manhã o que Booth lhe contara na noite de ontem? Talvez por suspeitar que
William o estivesse sondando para ver se haveria alguma discrepância na
história, Booth teceu uma narrativa complicada para explicar como acabara
indo parar em Locust Hill.
Tudo começou em Petersburg, foi dizendo Booth, ao mesmo tempo que
mostrava a William a perna machucada como objeto de cena. Após a
evacuação da cidade, ele queria ir para Annapolis, Maryland. Atravessou o
Potomac mas aí descobriu que os federais estavam forçando todos os
soldados confederados a fazer juramento de lealdade à União e, claro, ele
jamais concordaria com isso. Booth alegou que, até poucos dias atrás, ele se
refugiara num pequeno vilarejo sem nome de Maryland. Então, ele e o
primo, também chamado Boyd, deram-se alguns “luxos”, alugaram dois
cavalos e acabaram encontrando soldados da cavalaria da União.
Cometeram a tolice de se vangloriar para os ex-inimigos sobre a facilidade
com que atravessaram o Potomac. Isso aborreceu os homens, que deram
parte deles e a queixa detonou uma perseguição. Booth já estava
começando a exagerar para Garrett. Quando a cavalaria os alcançou, eles se
envolveram numa “pancadaria” que levou a “uma pequena troca de tiros”
antes de escaparem e irem se esconder num pântano, onde passaram a noite.
Na noite seguinte, explicou Booth, ele e o primo deixaram os cavalos
amarrados num pinheiral e foram andando até o rio Potomac, onde
precisaram gastar quase todo o dinheiro que tinham para comprar um barco
e atravessar de volta para a Virginia. Mas, durante a travessia, caiu uma
tempestade; eles então passaram a noite inteira no rio sem conseguir
atravessá-lo e foram parar do lado oposto a Mathias Point. Em seguida,
chegando finalmente ao ponto, eles conseguiram achar Port Royal e a
fazenda dos Garrett.
A história era tresloucada e falsa, mas inteligentemente salpicada de
detalhes verdadeiros — Booth foi perseguido pela cavalaria, estava
viajando na companhia de outro homem, cruzou um pântano, se escondeu
num bosque de pinheiros, comprou um barco e atravessou o Potomac — de
forma tal que parecia crível, ou pelo menos coerente. Booth contou essa
história complexa para estabelecer na mente de Garrett duas ideias vitais,
uma verdadeira e a outra falsa: a verdade de que a cavalaria da União estava
atrás dele e a mentira sobre o motivo da perseguição. Booth quis que
William Garrett soubesse, por conclusão própria, antes de acabar
descobrindo mais tarde, que a cavalaria poderia estar a caminho. E quis que
ele acreditasse ser de fato isso, mas por uma razão trivial. Assim, se
soldados montados chegassem à vizinhança, fazendo perguntas sobre dois
homens, William Garrett não se surpreenderia e jamais suspeitaria que os
hóspedes em sua casa eram os assassinos de Lincoln. William Garrett não
questionou a autenticidade da saga. Satisfeito por ter atingido seu propósito,
Booth se levantou do alpendre e, com o auxílio das muletas, foi dar mais
um passeio solitário, novamente na direção do paiol. Em seguida, voltou
para a casa e se sentou no gramado com as crianças da família Garrett.
O DIA ESTAVA LINDO, LEMBROU-SE RICHARD BAYNHAM GARRETT, DE 11
anos: “Fazia sol e calor. A primavera havia chegado mais cedo naquele ano,
o que é raro, e a grama do quintal estava um veludo enquanto o pomar
grande na frente da casa estava todo branco com as flores das macieiras.”
Booth relaxou enquanto entretinha a pequena plateia. Richard Garrett se
lembrou que “o nosso hóspede passou a manhã inteira no gramado embaixo
das macieiras falando ou brincando com as crianças... ele tinha uma bússola
de bolso, que se deu ao trabalho de explicar para os pequeninos, e ria das
carinhas intrigadas quando fazia a agulha se mexer passando a ponta do
canivete por perto”. Booth se deleitou em especial com Cora Lee Garrett,
de três anos: “Ele a tratava por seu animalzinho de estimação de olhos
azuis”, lembrou-se a irmã Lillian Florence Garrett, a Lillie, então com nove
anos. “Na última refeição que ele fez conosco, ela ficou sentada ao lado
dele na sua cadeirinha de bebê.” À mesa do almoço, a mãe de Cora falou
com a menina de maneira severa e, segundo o relato de Lillie, a menina
“caiu no choro. Booth começou a consolá-la imediatamente e disse: ‘Ora
essa, os meus olhinhos azuis estão chorando?’”
À tardinha, os Garrett e o hóspede se sentaram à mesa do jantar. John,
tendo voltado da visita ao sapateiro Acres, sentou-se ao lado do irmão
William, em frente a Booth. Ele soube de notícias interessantíssimas
durante a saída, anunciou. Um homem lhe contara que uma edição de um
jornal de Richmond anunciava que o governo dos EUA estava oferecendo
US$ 140.000 de recompensa pelo assassino de Abraham Lincoln. Os
Garrett tinham ouvido falar do assassinato em 22 ou 23 de abril mas sem
confirmação até que John ficou sabendo da história da recompensa poucas
horas atrás. William alardeou que se a recompensa era grande desse jeito,
“seria melhor o assassino não vir por estas bandas senão ele seria
devorado”. Booth deu um sorriso amarelo. De quanto mesmo era a
recompensa?, ele perguntou. John repetiu o valor.
— Eu teria imaginado alguma coisa como US$ 500.000 — sugeriu
Booth, contendo uma leve mágoa ante o que ele achou ser uma quantia
modesta demais.
Decerto o assassino do presidente, o homem mais procurado da
América, valeria mais de US$ 140.000? Se Booth tivesse sabido a verdade,
um valor muito mais baixo — meros US$ 50.000 — ele teria se sentido
realmente insultado.
A família então travou uma animada discussão sobre o assassinato.
“Durante o jantar, o trágico evento foi comentado, falou-se do motivo que
teria levado ao feito e seu impacto sobre o bem-estar da população”,
Lucinda Holloway observou. Booth prestou atenção a tudo, sem dizer uma
palavra. Então, uma das filhas de Garrett sugeriu que o assassino de Lincoln
pudesse ser um matador de aluguel.
Booth fitou a menina, sorriu e quebrou seu silêncio:
— A senhorita pensa isso mesmo? E por quem ele teria sido alugado?
— Ah, talvez pelo Norte e pelo Sul — respondeu ela, sem saber muito
bem o que estava dizendo.
Booth redarguiu com conhecimento de causa:
— Na minha opinião, não lhe pagaram um centavo sequer.
E especulou para a família:
— Acho que ele fez isso por uma questão de notoriedade.
Booth improvisou esse curto ato de maneira impecável. Os Garrett não
sabiam mas o ator-assassino acabava de fazer uma encenação espontânea,
fora do script, na sua mesa de jantar. “Eu não percebi nenhum desconforto
da parte dele”, admitiu John Garrett.
Mui engenhosamente, enquanto se fazia passar por outro homem, Booth
comentou sobre o próprio crime e analisou, para entreter sua plateia
privada, e também para o seu deleite pessoal, os motivos do assassino de
Lincoln.
Depois do jantar, Booth saiu para relaxar um pouco no banco do
alpendre, a essa altura o seu lugar favorito na casa. Não estava com pressa
de sair de Locust Hill. Ele precisava descansar. Considerando toda a sua
provação nos últimos onze dias, sentiria imenso prazer em passar um mês
inteiro na companhia dos Garrett para se recuperar do ferimento e recobrar
as forças. Muito sono, comida bem-feita, umas boas cachimbadas, roupas
limpas e descansar despreocupadamente pelos campos lhe fariam muito
bem ao corpo e à alma. E talvez um traguinho ou outro de uísque ou
conhaque, os seus favoritos. Relutando em romper a magia desse idílio,
Booth não falou com os Garrett, a manhã inteira nem à mesa do almoço,
nada sobre ir embora de Locust Hill.
Mas já era hora. Booth perguntou a John Garrett se ele tinha um mapa
da Virginia. Booth tinha um, mas o seu exemplar do “Novo Mapa
Topográfico dos Estados do Sul na Guerra, da Perrine”, um excelente guia
de campo que vinha dobrado em formato de bolso e era protegido por uma
capa de cartolina amarela, tinha ficado em Washington nas mãos dos
detetives dos EUA que o haviam encontrado no quarto de George Atzerodt
na Estalagem Kirkwood. Garrett disse a Booth que tinha, sim, um mapa do
estado. Então, e quanto àquele mapa grandão de vários estados do sul que
ficava pendurado numa parede da casa, sugeriu Booth. Será que John faria a
gentileza de trazê-lo para que ele pudesse estudá-lo? Garrett entrou na casa,
desprendeu da parede o mapa escolar e o abriu sobre a mesa.
Booth percorreu todo o mapa com o olhar e pediu a Garrett um pedaço
de papel. John o atendeu, perguntando por que queria o mapa. Ele explicou
que estava traçando o percurso de Locust Hill até Orange Court House. Ah,
esperava conseguir um cavalo com um dos muitos moradores de Maryland
que frequentam a área. Então, contou a John, assim como contara a William
Garrett pela manhã, que se recusava a voltar para Maryland pois jamais
assinaria um juramento de submissão à União. De Orange Court House,
planejava ir se juntar ao exército do general confederado Joe Johnston,
ainda em campo e ainda uma força de combate viável, não um exército
como o da Virginia do Norte de Lee que havia se rendido. E dali cruzaria a
fronteira para o seu destino mais almejado, o México. Booth declarou que
seria melhor ir embora do país do que jurar lealdade à União. Garrett saiu
do quarto e ele continuou inclinado sobre a mesa, estudando o mapa,
anotando as rotas para locais distantes onde esperava chegar. Quando ficou
só, rasgou um pedaço do mapa e guardou a Virginia no bolso.
Não era hora para uma aula de geografia. Booth deveria ter ido embora
de Locust Hill com a primeira luz do dia e certamente muito antes de
muitas horas atrás, quando acordou já com o sol alto. Ainda se encontrava
muito ao norte e a fazenda de Garrett ficava a uma distância tangível para
as tropas da União. Na verdade, naquele exato momento ele já não deveria
estar mais ali. Os caçadores poderiam aparecer a qualquer momento, sem
aviso. Ele deveria ir embora de imediato; não ousaria ficar ali além de mais
uma noite. Tendo acabado com o mapa, Booth foi para o alpendre e se
sentou no banco. John Garrett o viu tirar do bolso “um pequeno livro de
recados” e começar a escrever. Da posição em que se encontrava, sentado
nos degraus de entrada abaixo de Booth, ele não conseguiu ver o que o
hóspede escreveu.
Atraído por um barulho vindo da estrada, Garrett olhou na direção de
onde vinha o som e viu alguns homens a cavalo passarem pelo portão da
frente.
— Lá vão alguns dos seus amigos — disse John, supondo que os
cavaleiros fossem os mesmos que haviam deixado Booth em Locust Hill
ontem à tarde. Booth desgrudou o olhar do livro. Pediu que John entrasse na
casa, fosse até o quarto de cima e trouxesse o seu cinturão das pistolas.
Confuso, Garrett perguntou por que Booth queria os revólveres.
— Você tem de ir pegar minhas pistolas — mandou o assassino, sem dar
explicação. Garrett obedeceu, mas quando chegou ao quarto e olhou pela
janela, os homens haviam ido embora. Depois de passarem pelo portão, eles
seguiram caminho na direção de Port Royal, sem entrar na fazenda. Ele
deixou o cinturão pendurado na cabeceira da cama, voltou para o alpendre
sem as pistolas e disse a Booth que os homens haviam ido embora. O
assassino e Garrett tornaram a se sentar.
Cinco minutos depois, John Garrett percebeu um desconhecido entrando
a pé pelo portão e vindo na direção da casa. Booth se levantou do banco e
gritou para que o pequeno Richard Garrett subisse ao quarto e trouxesse
suas pistolas imediatamente. Como um raio, o menino já estava de volta ao
alpendre carregando o pesado cinturão com as armas. Booth passou-o
rapidamente por baixo do casaco em torno da cintura e o afivelou. Então,
saiu do alpendre e começou a caminhar na direção do desconhecido que
chegava. John e o pequeno Richard Garrett ficaram assistindo à cena
perplexos, esperando um tiroteio no quintal de casa a qualquer instante.
Booth e o desconhecido, que trazia uma carabina pendurada ao ombro, se
encontraram no meio do caminho entre o portão de acesso da estrada e a
casa da fazenda. Booth não sacou as pistolas nem o desconhecido apontou a
arma. Era David Herold, que voltava depois de ter passado a noite na casa
de Joseph Clarke, amigo de Bainbridge, alguns quilômetros a sudoeste de
Bowling Green. Depois de esperar por Davey o dia inteiro, Booth estava
começando a pensar se ele iria voltar.
Booth e Herold ficaram ali parados a uns cinquenta metros da casa e
conversaram durante alguns minutos.
— O que você pretende fazer? — perguntou Davey.
— Bem, eu pretendo passar a noite toda aqui — anunciou Booth.
Herold não gostou do plano. Demorar-se muito no mesmo lugar
aumentava o risco de uma captura. E ele já estava desanimando da vida de
fugitivo:
— Eu gostaria de ir para casa. Estou cansado de viver deste jeito.
Então, juntos, eles voltaram para a casa. Booth apresentou Davey como
seu primo, David E. Boyd. Booth perguntou a John Garrett se o primo Boyd
poderia passar a noite ali, também. Naturalmente, depois do régio
tratamento que os Garrett haviam dado a Booth, o assassino assumiu que
eles iriam oferecer ao primo a mesma hospitalidade.
A resposta de John o deixou chocado: “Eu lhe disse que o meu pai era o
proprietário da casa e que eu não podia recebê-lo.” John adotou de repente
uma postura brusca e um tom de voz frio para passar uma mensagem
adicional, “na intenção de que ele percebesse que eu não queria dar-lhe
acolhida”.
O pânico de Booth ao ver os cavaleiros passando e o desconhecido
vindo da estrada deixou Garrett desconfiado. Para desencorajar os Boyd,
John acrescentou que o pai não estava e ele não fazia ideia de quando
retornaria para aprovar ou negar o pedido de Booth. Sem se deixar
perturbar, Herold disse que poderia esperar sentado nos degraus do alpendre
o tempo que fosse necessário até o velho Garrett chegar em casa. Depois de
onze dias escondido, ele estava acostumado a esperar.
E DEPOIS DE ONZE DIAS DE BUSCAS, ALGUNS CAÇADORES DE GENTE estavam
ficando frustrados. O capitão William Cross Hazelton da Oitava Cavalaria
de Illinois, uma das unidades que estavam perseguindo Booth em
Maryland, escreveu à mãe uma carta bem típica da exasperação sentida por
muitos dos soldados e detetives em campo:
Venho tentando encontrar uma oportunidade para escrever mas o
movimento foi tanto nestas duas últimas semanas que não tenho tido
chance.
Primeiro fomos mandados a Washington para formarmos a escolta
militar no funeral do presidente Lincoln; imediatamente depois, fomos
mandados para cá, em Maryland, para perseguirmos Booth e alguns
dos seus cúmplices que, sabia-se, tinham vindo para cá. Rastreamos
Booth até a casa de um médico, dr. Mudd, onde Booth tinha ido para
tratar da perna, um osso que fraturou ao cair do cavalo. Ele chegou
na casa desse médico na manhã depois do assassinato. Tinha na sua
companhia um homem chamado Harrold, um dos seus cúmplices e um
facínora conhecido por estas bandas. Aqui ele ficou até as 2 horas da
tarde do mesmo dia.
Daqui em diante não conseguimos rastrear seus passos durante
alguns dias. Vasculhamos toda a região em todas as direções. Eu
estava na minha Companhia noite e dia. Junto conosco estavam
alguns dos detetives mais experientes dos Estados Unidos, mas todos
os nossos esforços fracassaram até que afinal um negro livre veio dar
parte de ter servido de guia para eles até a casa de um capitão
chamado Cox a quase vinte e cinco quilômetros daqui. Na ocasião, eu
era o único oficial que não estava de plantão e, à meia-noite, parti
com trinta homens, dois detetives e esse negro servindo de guia para a
casa do capitão Cox.
Chegamos lá já com a luz do dia e vimos o capitão Cox (um
notório secessionista!) mas ele disse que não conhecia ninguém.
Acontece que nós conseguimos provas de que Booth e Harrold
ficaram na casa do capitão durante umas quatro horas conversando
em particular com ele. Depois montaram no cavalo, sendo Booth
colocado sobre a sela pelo guia negro a quem eles dispensaram, e em
seguida perdemos o rastro.
Cox, nós o prendemos, e ele agora está na prisão do prédio do
antigo Capitólio.
A grande dificuldade aqui é que o povo todo é de traidores e não
temos como conseguir informações com essas pessoas. Chegou-nos
um relatório anteontem de que eles foram vistos não muito longe de
onde escrevo agora.
Eles chegaram à beira de uma floresta e pediram a uma mulher de
cor (nossa informante) que lhes desse comida. Ela descreve os dois e
diz que um deles estava de muleta. Nós cercamos a área
imediatamente e pusemos cem homens para vasculhar tudo, mas não
encontramos nada. A região aqui tem muitas matas, o que torna quase
impossível encontrar qualquer um que esteja tentando fugir. Mas eu
espero que o achemos se ele ainda não cruzou o Potomac.
A esperança do capitão Hazelton foi em vão. Booth havia cruzado o
Potomac dias antes, deixando para trás não só ele como também as centenas
de outros soldados, detetives e policiais que, sem pista alguma a seguir,
ainda o buscavam em Maryland. Sem que eles soubessem, o teatro da ação
havia passado para o lado de lá do rio, para a Virginia.
A DÉCIMA SEXTA CAVALARIA DE NOVA YORK ENTROU EM PORT CONWAY,
Virginia, na terça-feira 25 de abril, entre 3 e 4 horas da tarde. Sentado nos
degraus da frente de sua casa, William Rollins assistiu à chegada. Luther
Baker o avistou e veio ter com ele. Rollins teria visto algum forasteiro
cruzando o rio neste ponto nos últimos dois dias?, perguntou Baker. O
detetive não estava interessado em ninguém cruzando de Port Royal para
Port Conway, somente nas pessoas que fizeram a travessia a partir de Port
Conway. Claro que sim, disse Rollins:
— Muita gente atravessou daqui, sem dúvida.
E um homem com a perna quebrada?, continuou Baker. Cruzou, sim,
ontem por volta do meio dia, revelou o pescador. A notícia deixou Baker
eletrizado. Só podia ser Booth. Finalmente, onze dias depois do assassinato,
e mais de uma semana depois de Booth ter como que sumido da superfície
da terra durante vários dias durante o acampamento no bosque de pinheiros,
os caçadores pegaram um faro recente de sua presa. Se fosse mesmo Booth,
então o assassino de Lincoln só estava a menos de um dia de cavalgada à
sua frente.
Rollins contou mais alguns detalhes:
— Dois homens chegaram... numa carroça ontem... e... cruzaram o rio...
Eu conversei um pouco com eles.
No dia anterior, Booth e Herold estavam ali mesmo, diante daqueles
mesmos degraus, conversando com Rollins da mesma forma que Baker
conversava com ele agora. O detetive devorava cada bocado de informação
que Rollins conseguia recordar. Esses homens queriam ir a Bowling Green,
disse Rollins, e ofereceram pagar para que ele os levasse até lá na sua
carroça. Mas não tiveram paciência de esperar que ele terminasse de
colocar suas redes de pesca. O homem manco e o companheiro mais jovem
mudaram de plano assim que depararam com três soldados confederados,
cada qual em sua montaria. Os cinco juntos cruzaram o Rappahannock na
barcaça do Thornton.
Baker ficou intrigado com esses soldados confederados. Informações
prévias — relatórios da taverna de Surratt e da fazenda do dr. Mudd —
indicavam que Booth e Herold viajavam sós. Esta era a primeira vez que
tinham notícias de uma articulação com soldados rebeldes. Se Rollins
estivesse dizendo a verdade, isso significaria que os assassinos haviam
conseguido a proteção do exército confederado e estavam sendo escoltados
a cavalo para o sul. Agora ficaria mais difícil pegá-los. Rebeldes que
conheciam a região se deslocavam com rapidez e conseguiriam vencer a
Décima Sexta de Nova York na corrida. Além do mais, os três soldados na
barcaça poderiam fazer parte de uma força confederada maior,
numericamente superior à patrulha da União. Quanto mais Baker, Conger e
Doherty se aprofundassem no território rebelde com uma unidade pequena
e armamentos leves, maior o risco de sofrerem uma emboscada das forças,
das guerrilhas ou dos mateiros confederados.
Luther Baker resolveu se preocupar com essas coisas mais tarde.
Ontem, John Wilkes Booth estava em Port Conway. Hoje, Baker não tinha
escolha além de dar caça à sua presa a partir daquele ponto. Ele enfiou a
mão no bolso e tirou três fotografias em sépia de formato cartão, recém-
saídas do laboratório fotográfico no Museu de Medicina do Exército dos
EUA. Mostrou a primeira a Rollins: este é um dos forasteiros que cruzaram
o rio ontem? A imagem era de um homem magro e alto, sem pelos no rosto.
Não, respondeu o prestimoso pescador. Ele nunca tinha visto aquele
homem. Sem se dar conta, Rollins acabava de dar a Baker uma informação
valiosa. John Surratt, operativo confederado, filho de Mary Surratt e
homem procurado, não estava viajando com Booth.
Baker mostrou a segunda fotografia, uma imagem de corpo inteiro de
um homem mais jovem — parecia um adolescente — fazendo pose com a
mão apoiada sobre uma mesa. E este? Sim, Rollins respondeu, este era o
homem que chegara a Port Conway na carroça com o manco. Eles estavam
juntos e era ele quem falava quase tudo pelo outro da perna quebrada.
Rollins acabava de identificar David Herold. O excitamento de Baker
aumentou quando ele entregou a Rollins a última fotografia — um retrato
de busto de um homem bem apessoado, de cabelo e bigode preto, usando
uma casaca preta. Os detalhes nesta foto estavam mais nítidos do que nas
outras duas, parecendo ser mais profissional.
Baker não falou nada enquanto William Rollins estudava a fotografia.
Ele leu a hesitação no rosto do outro e ficou preocupado. Rollins parecia
intrigado.
— Não sei dizer ao certo se ele tinha bigode — admitiu o pescador.
Baker relaxou. Rollins acabava de confirmar o que os caçadores já
suspeitavam — que o dr. Mudd tinha falado a verdade quanto à navalha e à
barba. E, de fato, a última edição do cartaz da recompensa lançado no dia
20 de abril estava correta ao proclamar que “Booth... usa um vasto bigode
preto... e há razões para acreditarmos que ele possa tê-lo raspado”.
Rollins acrescentou mais uma qualificação:
— E quando eu o vi, ele estava com o chapéu enfiado na cabeça até a
testa.
Ouvindo isso, Baker sentiu um pouco de incerteza quanto a Rollins ter
de fato visto o rosto do homem manco. Rollins continuou:
— Mas eu achei os olhos parecidos.
O olhar penetrante de Booth era difícil de esquecer. Rollins falou:
— Parece com o homem da perna quebrada, sim.
Baker se regozijou ao ouvir aquilo. Rollins havia identificado John
Wilkes Booth. Eles estavam na pista certa. Embora o assassino estivesse um
dia inteiro na dianteira, em algum momento ele precisaria parar para
descansar. Baker acreditava que um galope forçado bastaria para a Décima
Sexta de Nova York cobrir a diferença.
Além de fornecer identificações positivas de Booth e Herold, e
confirmar que os dois haviam cruzado para o lado de Port Royal, Rollins
tinha mais informações que o tornavam um recurso inestimável para os
caçadores. Ele também conseguiu identificar um dos três soldados
confederados que os escoltaram na travessia do rio. Seu nome era Willie
Jett e Rollins tinha uma boa ideia do paradeiro desse rebelde. Ele morava
no condado de Westmoreland e Rollins supunha que, depois de chegar a
Port Royal, ele teria partido direto para Bowling Green: “Ele estava
acostumado a passar um bom tempo por lá.” Os forasteiros haviam lhe
pedido para levá-los a Bowling Green; não seria plausível que houvessem
pedido o mesmo a Jett e que o rebelde os houvesse escoltado até lá? Talvez
ainda estivessem em Bowling Green: o companheiro do homem manco
dissera a Rollins que eles precisavam descansar uns diazinhos.
A sra. Rollins tinha ainda mais a contar antes da partida. Além de Jett,
ela deu o nome dos outros dois soldados confederados — Bainbridge e
Ruggles — que atravessaram com Booth e Herold. E ainda oferecia uma
verdadeira pérola da bisbilhotice: dizia o mexerico local que Jett “andava
namorando uma jovem chamada Gouldman, cujo pai era proprietário de um
hotel em Bowling Green”. A moça era Izola Gouldman, filha de 16 anos do
estalajadeiro. Jett e Ruggles haviam se hospedado lá no dia 24. Bainbridge
tinha um amigo, Joseph Clarke, cuja mãe viúva, Virginia Clarke, tinha uma
fazenda de 400 hectares a sudoeste de Bowling Green. Herold e Bainbridge
passaram a noite lá, depois pegaram Ruggles no Star Hotel, pararam na
Trappe e por fim deixaram Davey na fazenda dos Garrett.
A missão da Décima Sexta de Nova York era óbvia: toque de encilhar já
e perseguição imediata. Primeiro, porém, antes de partirem no galope para
Bowling Green — ou qualquer outro lugar — eles precisariam cruzar o
Rappahannock na lenta barcaça. A travessia consumiria um tempo valioso,
mas eles não tinham opção. A barcaça não comportava mais de nove
homens com nove cavalos por vez. Seriam necessárias três viagens — seis
percursos de uma margem à outra para a barcaça — e quase duas horas para
transportar todo o comando para Port Royal. Baker mandou um negro ir até
o atracadouro chamar a barcaça do lado de Port Royal para o lado de Port
Conway. Entrementes, o tenente Doherty, seguido logo depois pelo detetive
Conger, veio falar com Rollins. Enquanto esperavam pela barcaça, Conger
teve tempo de tomar de Rollins um depoimento por escrito.
Luther Baker, satisfeito com a cooperação e a qualidade da informação
prestada por Rollins, decidiu convocá-lo para o serviço temporariamente. O
pescador deveria acompanhar a cavalaria até o outro lado do rio e ficar à
frente da perseguição a Booth até Bowling Green. Baker perguntou se ele
“iria por livre e espontânea vontade ou sob voz de prisão”? Rollins
considerou as opções que tinha. Não se negava a ir junto com os soldados,
mas ele e a esposa, Betsy, ficaram preocupados com o que os vizinhos
pensariam. Cooperar com os ianques não seria algo bem aceito naquela
localidade e poderia ter repercussões para a família mais tarde. Rollins
pediu que Baker realizasse o ritual de uma prisão simulada para evitar o
aspecto de impropriedade. O detetive concordou com a dissimulação por
significar a garantia do seu apoio.
Rollins montou em seu cavalo e subiu na barcaça. Do outro lado, um
cabo a quem Baker informara do estratagema ficou encarregado de Rollins
e desfilou por Port Royal levando-o como prisioneiro. Por volta das 16h30
do dia 25 de abril, toda a patrulha havia cruzado o rio. Resguardada sua
reputação de bom sulista, Rollins guiou a cavalaria da União para Bowling
Green. A caminho, uns cinco quilômetros depois de Port Royal, eles
encontraram um negro a cavalo vindo em sua direção.
Sem querer interromper o deslocamento da cavalaria para o Star Hotel,
Doherty esporeou sua montaria para interceptar o cavaleiro: “Por não
querer perder tempo, eu me adiantei da coluna e mandei que o negro
voltasse e continuasse cavalgando ao meu lado.” Umas breves perguntas
levaram a crer que Jett ainda estivesse em Bowling Green. Prosseguindo
pela estrada, a patrulha parou numa casa que ficava a meio caminho entre
Port Royal e Bowling Green, uma espelunca notória chamada “The
Trappe”1. Rollins ficou do lado de fora enquanto Conger e Baker entraram e
gastaram algo entre 30 e 45 minutos fazendo perguntas aos fregueses.
Nenhuma taverna de beira de estrada durante a Guerra Civil teve nome
mais adequado. A viúva Martha Cárter e suas quatro ou cinco filhas
solteiras administravam o que Luther Baker descreveu discretamente como
“uma casa de entretenimento”. A cavalaria não encontrou homem algum no
chalé de madeira mas, conforme Baker percebeu, “enquanto revistávamos
as dependências, as moças pareceram ter ficado bastante alvoroçadas”. Elas
revelaram que quatro homens haviam passado por ali no dia 24 de abril mas
somente três deles passaram de volta no dia 25. Baker teve a impressão de
que Booth não estava entre eles. “A partir da descrição delas, não pudemos
apurar se o homem que mancava estava junto.”
ERAM 4 HORAS DA TARDE DE TERÇA-FEIRA, 25 DE ABRIL. O SOL IRIA SE
PÔR em poucas horas e John Garrett tinha a impressão de que os irmãos
Boyd não planejavam ir a lugar algum naquela noite. Dez minutos depois,
enquanto Garrett se debatia para descobrir o que fazer com os hóspedes
agora indesejáveis, ocorreu um incidente ainda mais perturbador. Dois
cavaleiros, vindo em passo acelerado da direção de Port Royal, irromperam
pelo portão da rua dos Garrett e entraram a todo galope na direção da casa.
Booth e Herold saíram do alpendre e foram ao seu encontro. Garrett
reconheceu Ruggles, um dos dois confederados que ele espiara da janela do
quarto ontem à tarde no momento em que entregavam Booth aos cuidados
do seu pai. Bainbridge estava ao lado dele.
Qual Paul Revere, Ruggles e Bainbridge traziam notícias eletrizantes —
a cavalaria estava a caminho! Um deles gritou:
— Gente de Maryland! É melhor tomar cuidado. Há quarenta homens
da cavalaria ianque subindo o morro.
Naquele exato momento, a patrulha atravessava o rio Rappahannock na
barcaça que fazia a travessia entre Port Conway e Port Royal. Os
confederados os tinham visto com os próprios olhos do cume de uma colina
donde se avistava o atracadouro. E os soldados os avistaram lá no alto,
observando os seus movimentos do outro lado do rio. Em breve toda a tropa
teria cruzado o rio e rumaria para o sudoeste, pelo mesmo caminho que
Ruggles e Bainbridge acabavam de percorrer a toda. Sem sequer parar
completamente suas montarias, os dois avisaram que era melhor Booth e
Herold se esconderem. Então, deram meia-volta e partiram a galope para o
sudoeste, no sentido inverso ao de Port Royal, em direção a Bowling Green.
BOOTH E HEROLD SE ENTREOLHARAM E, SEM TROCAR UMA PALAVRA
SEQUER, correram para a mata atrás do paiol dos Garrett. Aguardaram um
tempo, mas não veio cavalaria alguma. Teria sido um alarme falso? Passado
algum tempo, Herold saiu da floresta e voltou para a fazenda, onde John
Garrett se encontrava no quintal da frente da casa. Amigavelmente, sem
demonstrar preocupação, Herold perguntou a Garrett o que ele achava da
novidade de uma cavalaria da União em Port Royal. Seria de acreditar?
Garrett achava que não; ele não conseguia imaginar como a cavalaria teria
chegado a Port Conway. Enquanto eles conversavam, Garrett avistou um
“menino negro” chamado Jim vindo de Port Royal pela rua. Jim pertencera
a J. H. Pendleton e Garrett o conhecia. Deixando Herold no quintal, Garrett
o chamou e perguntou sobre a cavalaria cruzando o rio. Era verdade, sim,
confirmou Jim, Os soldados da União já haviam transposto o rio e estavam
em Port Royal quando ele saiu.
Garrett repassou a informação para Herold, que não demonstrou
preocupação. Se o incidente da pistola deixara Garrett desconfiado, a fuga
de Booth para a mata junto com Davey o assustara ainda mais. Garrett
reclamou, vociferando: “Eu falei para ele... que desde a chegada dele aqui
eu vinha suspeitando de que havia alguma coisa errada com ele e [Booth], e
que eu ficaria muito satisfeito se os dois fossem embora da nossa casa pois
somos pacatos cidadãos e não queremos arranjar dificuldades.”
Herold fez pouco da preocupação de John Garrett:
— Não tem perigo. Não precisa ficar alarmado com isso; nós não vamos
colocar vocês numa encrenca.
Davey pediu alguma coisa para comer mas Garrett recusou: “Eu lhe
dissera que não tínhamos nada preparado e que ele não iria ganhar comida
alguma... até o jantar, a menos que prometesse ir embora.”
Enquanto Garrett e Herold altercavam no quintal, veio dos lados de Port
Royal um estrondoso tropel que sacudiu a terra e os pegou desprevenidos.
— Lá vai a cavalaria agora! — exclamou Garrett.
Inacreditavelmente, na corrida para chegar a Bowling Green, os
soldados passaram direto por Locust Hill e pelo portão da rua que dava na
casa da fazenda dos Garrett. Indiferentes ao que se passava ao redor, os
soldados — por não haverem percebido ou por não se interessarem pelos
dois homens parados ali no quintal da frente daquela casa — passaram a
todo galope. Até mesmo o guia local, William Rollins, não avistou David
Herold, dono daquele belo cobertor.
— Pois bem, é isso — observou Davey com muita indolência.
John Garrett, certo de que Davey conhecia o propósito da patrulha,
pediu que ele fosse embora de Locust Hill.
Quando a cavalaria se perdeu na distância, obscurecida pela nuvem de
poeira levantada, Herold se virou para Garrett e perguntou se o rapaz sabia
onde ele poderia comprar um cavalo. John respondeu que não havia muita
possibilidade:
— Os dois exércitos acabaram com praticamente todos os cavalos por
aqui.
Já que não se podia comprar cavalo a preço algum, que tal alugar uma
parelha e uma carroça, propôs Davey. John lhe falou de um homem de cor
chamado Freeman que morava nas redondezas e às vezes alugava uma
condução. E quanto Garrett achava que custaria o transporte até Orange
Court House? John revelou que Freeman tinha uma fraqueza por dinheiro
em espécie — moedas — e que poderia ir até a Estação de Guineau por
US$ 6. Herold não tinha moedas mas enfiou a mão no bolso e tirou uma
cédula:
— Eu tenho uma aqui do secretário Chase; dou esta para ele me levar lá.
Seria o suficiente? O ex-funcionário de drogaria pegou uma vareta,
sentou-se no chão e traçou a matemática da conversão dos valores na terra,
calculando que a cédula de US$ 10 valia US$ 7,30 em moedas, mais do que
o suficiente para pagar o preço de um passeio de carroça.
HEROLD ENTREGOU O DINHEIRO A GARRETT E PEDIU-LHE QUE
providenciasse o transporte. Deixando Davey na varanda, Garrett correu
atrás de Freeman o mais rápido que pôde. Se conseguisse achá-lo em casa e
o convencesse a transportar os Boyd pela cédula de US$ 10, os Garrett se
veriam livres dos forasteiros suspeitos em menos de uma hora, muito antes
do pôr-do-sol. Quando Garrett voltou para casa, Herold e Booth o
esperavam no quintal.
— Teve sorte? — perguntou Herold.
Garrett contou que Freeman não estava em casa, mas ainda assim
encontraria uma maneira de colocá-los a caminho, ainda que ele mesmo
tivesse de levá-los. Garrett disse saber que Booth não podia andar e não
esperava que ele fosse embora de Locust Hill a pé.
Mas John Garrett não contou aos primos Boyd o que mais ficara
sabendo com a esposa de Freeman. Depois de confirmar para John que os
soldados pertenciam à Cavalaria da União, ela revelou o que eles
buscavam:
— Eles me perguntaram se havia algum homem branco aqui.
A sra. Freeman tinha certeza de que os soldados estavam à caça de
alguém. Ela confirmou todas as suspeitas que Garrett tinha dos forasteiros.
Sim, ele deveria mandá-los embora logo, ainda esta tarde, assim que
chegasse em casa. Que os transportasse ele mesmo! Quando eles queriam
ir?, perguntou Garrett, dando a entender que estava preparado para partir de
imediato. Eles não deram a resposta que ele queria. Sem pressa alguma,
Booth e Herold disseram que não queriam partir antes da manhã do dia
seguinte. Partiriam na manhã de 26 de abril. Mas era hora do jantar agora e
os “Boyd” estavam com fome.
A mesa do jantar não sustentou a simpatia do dia anterior. Embora
Richard Garrett houvesse voltado à fazenda, seu filho John falava pela
família agora. Na presença dos hóspedes, não se tocou mais no assunto do
assassinato de Lincoln. Depois do jantar, Booth trouxe à baila sua partida e
perguntou a John Garrett como ele planejava mandá-los para Orange Court
House. Só havia duas opções: em carroça ou em lombo de cavalo. Garrett
falou com imprecisão, alegando não haver decidido ainda, mas disse que
provavelmente ficaria com a segunda.
Booth respondeu com entusiasmo:
— Pois bem, assim seja, mande-nos a cavalo.
O zelo do assassino exacerbou as suspeitas que John estava nutrindo dos
dois: “Achei logo que eles queriam ir a cavalo para ganhar vantagem com
as montarias.” E por que Booth estava sempre capengando de um canto
para outro da casa, principalmente nas cercanias do paiol? Estaria cercando
o estábulo na intenção de roubar cavalos? Garrett já imaginou como a cena
se daria na manhã seguinte: sozinho, numa estrada isolada, ele contra os
dois primos, eles roubariam os cavalos — e talvez até o matassem — e ele
não teria como impedi-los.
— Não se preocupem — assegurou aos hóspedes. Antes do alvorecer,
decidiria o que fazer com eles.
Booth e Herold se escusaram da mesa e foram para o seu local favorito,
o banco no alpendre da frente da casa, onde ficaram sentados lado a lado
por um bom tempo. John Garrett foi se juntar a eles. Então, Davey começou
a se comportar de maneira estranha. Conversador, ele começou a contar
uma história fantástica para Garrett: “Herold não parava de falar besteira e
eu achei que ele tinha bebido um pouco.” Davey se vangloriou de que ele
também, qual o primo James Boyd e os próprios irmãos Garrett, havia
servido no exército confederado. Descuidadamente, Davey alegou ser
filiado ao Décimo Terceiro Regimento de Infantaria da Virginia. Chegou a
especificar a unidade, Companhia “C”, e a dar o nome do seu comandante,
capitão Robinson. Tudo mentira! Garrett confrontou Davey e revelou seu
conhecimento pessoal do regimento em questão; disse saber que não existia
nenhum “capitão Robinson”. O volúvel companheiro de Booth voltou atrás
e qualificou a história que estava contando:
— Para falar a verdade, só fiquei lá uma semana. Eu estava no piquete e
na primeira noite fui ferido.
Herold não tardou em arregaçar a manga da camisa novamente para
mostrar agora não uma das tatuagens juvenis mas uma cicatriz que alegou
ter sido causada por um ferimento de batalha. O monólogo tolo de Davey
deixou John Garrett ainda mais convencido de que não deveria confiar
neles.
Já estava escuro. Booth e Herold continuavam no banco, vendo as
últimas nuvens e cores do céu da tarde ficarem pretas. A fragrância da noite
primaveril enchia-lhes as narinas até que a fumaça adocicada do cachimbo
de Booth aromatizou o ar. Era mais agradável apreciar a beleza da natureza
a partir do conforto de um alpendre que do chão frio nos seus
acampamentos no bosque de pinheiros, em Indiantown e no Gambo Creek.
Aqueles dias sofridos eram coisa do passado. Eles percebiam que a família
Garrett se voltara contra eles, qual o dr. Stuart, mas isso não importava
agora. O oásis de Locust Hill havia sustentado e reanimado Booth.
Na manhã seguinte, quarta-feira 26 de abril, ele daria continuidade à sua
jornada rumo ao sul para chegar ao seu destino final, ainda desconhecido.
Seria o décimo segundo dia.
ENTREMENTES, BOOTH E HEROLD PRECISAVAM DESCANSAR PARA O
TRABALHO da manhã. Booth sinalizou para Herold que era hora de se
recolherem e eles então propuseram a John Garrett que entrassem. Davey
ajudou seu senhor a se levantar, o ator colocou as muletas sob os braços e
eles se dirigiram para a porta de entrada da casa. Eles planejavam
compartilhar a cama de Booth da mesma forma que John e William Garrett
haviam compartilhado uma das camas para acomodar Booth. Dois
dormindo juntos numa cama macia era melhor do que dois dormindo no
chão duro de um bosque de pinheiros com muito espaço para compartilhar.
John Garrett parou entre eles e a porta e soltou uma pergunta estonteante:
“Eu perguntei onde eles pensavam em dormir.”
Ora, “dentro de casa”, é claro, Booth respondeu.
— Não, cavalheiros, vocês não podem dormir na minha casa.
Booth não acreditou. Por acaso John Garrett estava lhe negando a cama
que uma noite antes era sua? Booth sentiu o peso amarrado em sua cintura.
Ainda estava usando o cinturão das pistolas. Ele não chegou a desafivelá-lo
depois que a cavalaria passou no meio da tarde. E a carabina de Davey
estava por perto. Com os revólveres e a faca ao alcance, Booth ponderou
sobre os maus modos de Garrett. O crime do dr. Stuart foi mau o suficiente:
ele recusou abrigo a um homem ferido e desesperado. Mas a ofensa de John
Garrett era pior: seu pai fizera a gentileza de lhe oferecer abrigo num dia e
John cruelmente lhe roubava a mesma sorte no outro. A perspectiva de
dormir novamente no chão era horrorosa para Booth. Ele tinha a alternativa
de ameaçar os Garrett, tal qual fizera com o amedrontado William Lucas.
Suas armas conseguiriam levá-lo tranquilamente de volta para o quarto no
andar de cima da casa, para o colchão aconchegante e o travesseiro macio.
John Garrett ainda não conhecia a verdadeira identidade do homem que
estava expulsando de sua casa. Ele estava bastante convencido de que os
primos Boyd se encontravam às voltas com algum tipo de encrenca, mas
não conseguia imaginar o tamanho dessa encrenca, nem que era o assassino
de Lincoln quem estava hospedado em sua casa e há pouco estivera
comendo à mesa com sua família; que era esse o homem que enfiara uma
bala no crânio do presidente dos Estados Unidos, que comandara os
atentados contra o vice-presidente e o secretário de Estado, e que ameaçara
cortar a garganta de um inofensivo negro livre que ousou recusar-lhe
acomodação em sua humilde choupana. John Wilkes Booth se achava um
homem paternalista e cortês, o que de fato costumava ser. Mas, sob pressão,
sabia tornar-se bruto e impiedoso. O que, então, deveria fazer com o mal-
educado jovem John Garrett?
David Herold interveio:
— Nós vamos dormir embaixo da casa, então.
Sua esperança foi abrandar a situação, mas o obstinado Garrett não
cedeu um centímetro.
Impossível, redarguiu. Os cachorros dormiam ali e iriam mordê-los,
talvez até os atacassem durante o sono.
Em tom de brincadeira, Herold tentou novamente:
— Bem, e o que tem no paiol?
Feno e forragem, John Garrett respondeu.
— Vamos dormir no paiol, então — Herold anunciou numa voz que
indicava assunto resolvido. Garrett cedeu. Ele não tinha como tirá-los de
Locust Hill à força. Havia crianças na casa. Os Boyd estavam armados e
qualquer violência não só o colocaria em perigo mas também a toda a
família.
Booth e Herold se dirigiram aos seus novos aposentos, um paiol para a
cura do tabaco de tamanho modesto, com cerca de quinze metros de lado e
telhado em forma de “V”, que ficava a uns cinquenta ou sessenta metros da
casa. Além do feno e forragem que Garrett mencionou, os fugitivos
encontraram vários móveis. Vizinhos da colonial cidadezinha de Port
Royal, na intenção de proteger sua mobília antiga dos priscos Estados
Unidos contra vandalismo ou roubo dos invasores ianques, haviam
guardado algumas peças valiosas no paiol. Os Garrett não ofereceram a
Booth e Herold colchões, cobertores, lamparinas, velas ou quaisquer outros
confortos. Booth se embrulhou no seu xale e na coberta de lã crua enquanto
Herold desenrolou o seu cobertor grande e sofisticado, “macio de um lado e
bastante felpudo do outro, mais ou menos da cor de um roupão de búfalo”.
Era uma peça de artesanato impressionante que atraiu a atenção não
somente de William Rollins em Port Conway como também de John
Garrett. Por volta das 9 horas da noite, Booth e Herold já haviam se deitado
no soalho de tábuas e estavam prontos para dormir. Sem que eles
soubessem, os Garrett, já culpados de falta de hospitalidade, naquele exato
momento conspiravam para cometer um crime ainda pior, de traição. O
assassino de Lincoln acabava de entrar numa arapuca.
John e William Garrett fecharam a porta do paiol depois que os
fugitivos haviam entrado. Nem Booth nem Herold prestaram atenção à
trava de ferro preta. Cegados talvez pela escuridão, eles não conseguiram
enxergar a peça rústica e sólida quando passaram pela porta. Tão logo esta
se fechou, John Garrett sussurrou para o irmão:
— Seria melhor nós os trancarmos.
John tinha certeza de que os Boyd estavam tramando roubar-lhes os
cavalos no meio da noite. Haveria maneira melhor de baldar o roubo do que
aprisionando os dois forasteiros no paiol de tabaco até a manhã seguinte?
John se esgueirou ao longo do perímetro da edificação até encontrar uma
fresta entre duas tábuas perto do chão. Ele se deitou de bruços e encostou o
ouvido para escutar o que Booth e Herold estavam dizendo. John queria
“ver se descobria alguma coisa a respeito deles. Achei que talvez os dois
estivessem conversando e eu pudesse ficar sabendo de alguma coisa a seu
respeito”. Mas os forasteiros frustraram o instinto primitivo do qual Garrett
estava lançando mão para apreender alguma informação: “Eles estavam
conversando num tom de voz muito baixo e eu não consegui captar uma
palavra sequer do que era dito.”
Enquanto o irmão John tentava escutar a conversa, William Garrett foi
na ponta dos pés até a porta da frente e, o mais silenciosamente que pôde,
enfiou a chave na tranca. De forma a não alertar os ocupantes do paiol, ele
girou a chave bem devagar para que o mecanismo de trava se encaixasse
com suavidade e não com um tranco barulhento. Funcionou. Booth e
Herold não ouviram o ferrolho deslizando; eles não sabiam que eram
prisioneiros. Os irmãos voltaram para o seio da família em tempo de
participarem de um breve culto noturno conduzido pelo pai. Depois das
orações da noite, eles se recolheram ao quarto, cada qual para a sua cama,
agora que haviam tirado Booth de lá. Mas John Garrett continuou agitado.
E se os Boyd conseguissem fugir do paiol? Então, enraivecidos, roubariam
os cavalos com toda a certeza. John sugeriu que ele e William passassem a
noite lá fora e mantivessem o paiol sob vigilância. Os dois irmãos pegaram
os colchões das camas, William levou sua pistola e ambos saíram de casa
decididos. Escolheram uma das duas tulhas de milho como seu posto de
guarda: “Nós destrancamos a tulha de milho, que ficava entre o celeiro,
nosso paiol de tabaco e os estábulos, esticamos os colchões e nos deitamos
ali.” E dali eles vigiaram e esperaram, observando o paiol e prestando
atenção a qualquer barulho suspeito durante toda a noite.
A PATRULHA DA CAVALARIA SE APROXIMOU DE BOWLING GREEN POR VOLTA
das 11 horas da noite de 25 de abril. Menos de um quilômetro antes,
Doherty mandou dez de seus homens desmontarem e, por uma questão de
dissimulação, seguirem com o detetive Baker até a cidade. Doherty, Conger
e Rollins prosseguiram tranquilamente em suas montarias até a cidade e,
antes da meia-noite, encontraram o Star Hotel. Imediatamente, mandaram
que seus homens cercassem o hotel e não deixassem ninguém sair. Mas sua
missão se frustrou, ainda que temporariamente, por causa de um incidente
embaraçoso. O assassino de Lincoln poderia estar dormindo ali dentro, mas,
comicamente, eles não puderam entrar. “Nós batemos cerca de quinze
minutos em cada porta sem receber resposta alguma”, segundo Doherty. Já
que ninguém atendeu à porta da frente, tentaram a porta do lado, mas
ninguém atendeu ali, tampouco. Acabaram avistando um negro que andava
pela rua e o coagiram a ajudá-los. Ele levou Conger e Doherty para os
fundos do Star e lhes mostrou a entrada para a “casa dos negros”. Baker já
estava a postos na porta da frente. Eles penetraram na edificação e quase
imediatamente encontraram outro negro. Onde está Willie Jett?, Doherty
perguntou. Na cama, o criado respondeu. Conger exigiu que ele lhe
informasse onde ficava o quarto.
A sra. Julia Gouldman, já desperta, abriu a porta entre o hotel e a casa
dos negros. Doherty e Conger entraram sem se apresentar e lhe fizeram uma
única pergunta: onde estava seu filho, Jesse? Ela os levou para um quarto
no segundo andar. Preparados para qualquer coisa, o oficial e os detetives
entraram de uma vez e encontraram Jesse Gouldman e Willie Jett
compartilhando um único colchão. Já desperto por toda a movimentação,
Jett tentou sair da cama.
— Seu nome é Jett? — perguntou Conger.
— É sim, senhor — foi a resposta submissa.
— Levante-se: estamos à sua procura — retumbou a voz do detetive.
Jett se levantou e colocou a calça com um puxão só. Então eles o prenderam
bruscamente e levaram para baixo, trancafiando-o na sala de visitas. O trio
fez todo o possível para amedrontar Jett: “Nós... o avisamos do que
queríamos”, falou Doherty, “dizendo que se não nos informasse de imediato
onde estavam os homens, ele iria sofrer.”
Conger se reclinou numa cadeira e estudou o cativo:
— Onde estão os dois homens que vieram com você na travessia do rio
em Port Royal?
Observando Baker e Doherty com nervosismo, Jett se dirigiu a Conger e
lhe fez um pedido sussurrado:
— Posso falar com o senhor a sós?
— Pode, sim — Conger respondeu de forma magnânima e pediu aos
demais que saíssem. Tão logo eles saíram, Jett estendeu a mão em súplica
para o detetive e traiu John Wilkes Booth:
— Eu sei quem o senhor quer; e vou lhe dizer onde ele pode ser
encontrado.
— É isso que eu quero — encorajou-o Conger.
Tudo que esse judas confederado pediu em troca foi privacidade: Willie
não queria plateia testemunhando sua vergonha.
— Eles estão na estrada que vai dar em Port Royal, cerca de uns cinco
quilômetros para o lado de cá.
Mas onde exatamente, indagou Conger:
— Na casa de quem?
— Do sr. Garrett — Jett falou. E acrescentou: — Eu vou até lá com
vocês e mostro onde eles estão agora, e vocês poderão pegá-los.
Willie Jett provou ser não apenas um judas mas ainda por cima um
entusiástico: “Eu contei tudo, do início ao fim. Disse que serviria de guia
até a casa onde Booth estava.”
Conger percebeu que Jett seria um guia inestimável. Sem ele, talvez
fosse difícil, se não impossível, localizar a casa dos Garrett no meio da
noite.
— Você tem cavalo? — Conger perguntou.
— Tenho sim, senhor.
Conger mandou Jett ir correndo ao quarto no andar de cima
acompanhado de um guarda para terminar de se vestir. Ele colocou
rapidamente uma camisa e o casaco e calçou as botas. Quando voltou à sala
de visitas, os detetives já haviam mandado um criado negro pegar o cavalo
dele.
— Você diz que eles estão na estrada para Port Royal? — Conger
perguntou.
— Sim, senhor — Jett confirmou.
Conger não conseguia acreditar:
— Eu acabo de vir de lá.
Essa notícia assustou o jovem confederado:
— Achei que vocês estivessem vindo de Richmond; se vieram de lá,
então passaram direto por eles. Eu não tenho como dizer se eles estão lá
agora ou não.
Talvez, quando passou a todo galope pela fazenda dos Garrett várias
horas atrás a caminho de Bowling Green, a cavalaria tenha assustado Booth
e Herold levando-os a fugir para outro canto qualquer. E isso estaria fora do
controle de Jett, ele deixou bem claro para o detetive Baker. Não seria culpa
sua se a cavalaria tivesse assustado os assassinos. A notícia aturdiu Baker.
Poucas horas atrás, ele e a Décima Sexta de Nova York passaram por Port
Royal e em seguida pela fazenda. Os fugitivos, supôs Baker, devem ter
ouvido o tropel dos cavalos. Booth e Herold estiveram ao alcance de suas
mãos e ele passou direto pelos dois! Por volta da meia- noite, Conger, Baker
e Doherty, na esperança de que não fosse tarde demais, deram ordem de
meia-volta aos soldados para partirem a todo galope de volta para a
fazenda.
Conger, Baker, Doherty e Jett saíram do Star Hotel e montaram em seus
cavalos. Por volta de 00h30 de quarta-feira 26 de abril, a Décima Sexta
Cavalaria de Nova York saiu em direção à fazenda dos Garrett e, assim
esperavam todos, a um encontro com o assassino de Lincoln. Baker
advertiu Jett que não tentasse nenhum truque: “Ele apertou a mão do
coronel e prometeu por sua própria honra de oficial e cavalheiro que seria
honesto conosco. Nós lhe dissemos que, se ele nos enganasse, isso
significaria a sua morte — pensando que talvez fosse desígnio dele levar-
nos a uma emboscada.”
Depois de duas horas de cavalgada, Jett falou para Conger que seria
melhor a coluna ir mais devagar:
— Estamos bem perto do local onde queremos chegar: vamos parar aqui
e dar uma olhada pelos arredores.
Na escuridão, foi difícil Jett encontrar o portão da rua que dava na casa
dos Garrett. Conger mandou a patrulha parar. Ele e Jett continuaram
sozinhos. É só mais um pouquinho adiante, Wiliie assegurou. Conger foi na
frente, trotando. Seus olhos vasculhavam a estrada escura mas não
detectaram abertura alguma. Tudo o que Conger conseguia ver era uma
cerca viva ininterrupta ao lado da estrada. Ele deu meia-volta na montaria e
retornou. Não existe portão, reclamou com Jett.
Então, fica só mais um pouco adiante na estrada, prometeu o judas de
Booth. É difícil julgar essas distâncias no escuro. Eles prosseguiram mais
trezentos metros e Baker se adiantou do corpo principal para ajudar Conger
a procurar o portão. Desta vez, eles encontraram. Depois de abrir a tranca,
Conger mandou Baker na frente para encontrar e abrir o segundo portão;
Jett lhe dissera que haveria um obstáculo. Baker sumiu na escuridão da
noite enquanto Conger voltava para buscar a cavalaria. O detetive fez a Jett
uma última pergunta: quando a cavalaria descesse pela rua de entrada da
fazenda, onde deveriam procurar a casa?
Assim como fizera antes, Jett atendeu: “Eu os levei até o portão dos
Garrett e orientei sobre como entrar na casa; e eles entraram, deixando-me
no portão.”
Conger mandou que Jett e Rollins ficassem no portão, guardados por
apenas um soldado. Baker logo encontrou na estrada o último obstáculo que
os separava de Booth: “Encontramos um portão fechado por tranca; nós o
desmontamos para poder passar e todo o comando entrou na propriedade; e
foi dado o comando de ataque.” A Décima Sexta Cavalaria de Nova York
enveredou pela estrada de chão batido em direção à casa da fazenda.
Quando a cavalaria se acercou de Booth e Herold, o país inteiro não
prendeu o fôlego de uma vez só, coletivamente, à espera do excitante
clímax da caçada humana. Ninguém, nem Stanton, seus oficiais ou outros
perseguidores, ou a imprensa, ninguém mesmo sabia que Conger, Baker e
Doherty haviam seguido o rastro de Booth até Port Royal e a fazenda dos
Garrett. Noutros lugares, em todo canto da Virginia e de Maryland, os
caçadores continuavam suas perseguições sem saber o que acontecia na
fazenda dos Garrett. Em Maryland, S. H. Beckwith, o homem cuja pista
deslanchara a sequência de eventos que levou a Décima Sexta de Nova
York ao esconderijo de Booth, enviou, à 1h30 de 26 de abril, outro
telegrama ao major Eckert. Este só o recebeu às 8 da manhã. E Booth tinha
escapado de Maryland havia alguns dias.
Imediatamente depois de me reportar ao senhor hoje, prossegui
com o major O’Beirne para Bryantown e de lá para a casa dos Turner,
onde Booth e Herold foram ter com dois criados para pedir comida, e
depois entraram no bosque de pinheiros a cerca de uns cem metros da
casa e a três quilômetros de Bryantown. Destacamentos que estavam
mobilizados perderam a pista e nada conseguiram. Nós chegamos a
penetrar no pinheiral e dar busca. Depois de percorrer as rotas
prováveis, eu encontrei rastros da muleta, que nós seguimos numa
direção dando voltas pelas árvores de onde eles escaparam da
primeira vez para longe o suficiente que justifique acreditar que eles
ainda estão na mesma vizinhança da qual partiram, e que embora os
soldados estivessem procurando no bosque onde eles foram vistos pela
última vez, ao tomarem o curso descrito acima, eles ganharam tempo
para se esconderem temporariamente de novo. De tudo que pudemos
apreender, parece que os soldados não foram levados a agir deforma
muito sistemática. Os soldados de cor, embora empenhados e
avançando, ao ouvirem gritos numa linha do destacamento, partiam
naquela direção, deixando um espaço considerável a descoberto. A
cavalaria está em operação e tem, esta noite, uma quantidade
considerável de piquetes em torno da mata. Fiz um mapa hoje para
uso imediato, mas teria ajudado bastante se tivéssemos um
levantamento topográfico da área e uma bússola. Deixei o major
O’Beirne em Bryantown, onde ele estava se preparando para entrar
em cooperação com outros e fazer logo uma varredura sistemática.
A Décima Sexta de Nova York não precisou de bússolas nem de
levantamentos topográficos da área. Somente algumas centenas de metros
os separavam agora de Booth.
OS CACHORROS OUVIRAM PRIMEIRO. VINDOS DO SUDOESTE, SONS DISTANTES,
ainda inaudíveis para o ouvido humano, de metal esbarrando em metal; de
uma centena de cascos enviando vibrações pela terra; de respiração
profunda, resultante de esforço e cansaço; de indistintas vozes humanas.
Esses primeiros sinais de aviso alertaram os cães que dormiam embaixo da
varanda na frente da casa dos Garrett. Na fazenda, John Garrett, sentinela
na tulha do milho, já estava acordado e foi o primeiro a ouvir a
aproximação. William Garrett, deitado sobre um cobertor a poucos passos
do irmão, também ouviu.
Reinava a escuridão e fazia silêncio dentro da casa. O velho Richard
Garrett e o resto da família já tinham ido dormir havia várias horas.
Fazia silêncio também no paiol de tabaco. Já passava bastante da meia-
noite e os desavisados prisioneiros dos Garrett estavam dormindo. Pelo que
John e William podiam dizer a partir do seu esconderijo, nem Booth nem
Herold haviam se mexido durante a noite, notado a situação em que se
encontravam ou tentado fugir de sua cadeia rudimentar. Os cavalos estavam
a salvo, e os suspeitos primos Boyd, detidos. O latido dos cães e o estalido
metálico num estrondo cada vez maior finalmente acordaram Booth.
Reconhecendo a música ímpar da cavalaria em marcha, o assassino sabia
que só teria um minuto ou dois para reagir antes que fosse tarde demais.
Ele acordou Davey rapidamente. A cavalaria está aqui, Booth sussurrou
baixinho entre os dentes. Meio grogue, o companheiro de Booth se pôs
alerta num sobressalto. Os dois pegaram as armas e foram para a frente do
paiol. “Nós fomos direto para a porta do paiol e tentamos sair”, Davey se
lembrou, “mas descobrimos que estava trancada.” Os Garrett os haviam
aprisionado! Booth não perdeu tempo e tentou logo arrancar a tranca nos
pontos que a prendiam. Cada segundo era precioso: eles precisavam fugir
do paiol antes que as tropas da União cercassem a edificação. Booth supôs
que os soldados fossem primeiro à casa da fazenda. Ele e Herold
precisavam sair do paiol de tabaco antes que os soldados voltassem a
atenção para os anexos. Não havia dúvida de que os traiçoeiros irmãos
Garrett guiariam os ianques direto para a edificação certa.
Booth deu um giro de cento e oitenta graus.
— Venha — falou para Davey. O assassino percorreu ligeiro os quinze
metros até a parede dos fundos. “Nós fomos direto até os fundos do paiol e
tentamos soltar uma tábua aos chutes para podermos sair”, testemunhou
Herold. Prejudicado pelo ferimento, tendo ainda o empecilho das muletas,
Booth não conseguia apoiar o peso todo no pé esquerdo para poder desferir
um chute forte com o direito; consequentemente, ele batia fraco. A tábua
não cedia. Davey tentou e não se saiu muito melhor.
— Vamos chutar juntos — propôs Booth. Os dois fizeram pontaria com
os chutes para acertarem a mesma tábua juntos. Ainda assim, os pregos de
ferro continuaram firmes com se estivessem cimentados ao madeirame.
David Herold estava ficando preocupado: “Embora estivéssemos fazendo
direito, os nossos chutes não davam resultado.”
A COLUNA DA UNIÃO ARREMETEU A TODA PELA ESTRADA DE ACESSO
fazenda dos Garrett e envolveu a casa num cordão de isolamento. Edward
Doherty, Luther Baker e Everton Conger saltaram de suas selas, subiram a
varanda aos pulos e esmurraram a porta. Despertado pela balbúrdia,
Richard Garrett saiu da cama e desceu a escada em trajes de dormir.
DAVID HEROLD ENTROU EM PÂNICO.
— É melhor desistir — falou a Booth.
—Não, não —, o ator declarou. — Morro antes.
DOHERTY, BAKER E CONGER ESPERARAM IMPACIENTEMENTE NA VARANDA
da frente e o trio avançou assim que o velho Garrett abriu a porta.
Conger vociferou primeiro:
— Onde estão os dois homens que pararam aqui na sua casa?
Assustado, Richard Garrett respondeu perplexo:
— Foram embora.
— Embora para onde? — perguntou Conger.
— Para o mato — explicou Garrett.
— O quê! — Luther Baker interrompeu em tom de bazófia. — Um
homem manco fugindo para o mato!?
— Bem, ele tinha muletas —, destacou o velho Garrett.
— Quer me mostrar onde eles estão? — continuou Baker.
— Eu mostro — prometeu Garrett — mas vou querer vestir minha calça
e minhas botas.
Os interpeladores de Garrett se negaram a deixá-lo retornar ao interior
da casa para se vestir, de forma que sua família lhe passou roupas e botas
pela porta. Ali mesmo na varanda, diante dos soldados, ele se vestiu.
Conger resolveu entrar no jogo do velho, pelo menos por ora:
— Muito bem, senhor, para onde no mato eles foram?
Garrett começou a desfiar uma história imensa sobre os dois terem
vindo sem o seu consentimento, que ele não queria deixá-los ficar e que...
— Chega — Conger interrompeu. — Não quero que você me conte uma
história comprida; só quero saber para onde esses homens foram.
Richard Garrett estava com medo e retomou o monólogo defensivo.
Conger já ouvira o suficiente. Virou as costas para a porta e ordenou a um
dos seus homens:
— Traga uma corda aqui que eu vou colocar esse homem no alto de um
desses espinheiros-da-virgínia.2
Conger ficou impressionado pois, mesmo sob ameaça de enforcamento,
Garrett “não pareceu inclinado a falar”. Um soldado foi buscar o cânhamo
persuasivo.
John Garrett saiu do celeiro, andou até o soldado mais próximo e
perguntou quem eles estavam perseguindo.
— Isso eu não posso dizer — o soldado respondeu, por sigilo,
mandando outro soldado levar John para a casa. Quando eles chegaram
perto de lá, John viu Doherty, Conger e Baker na varanda falando com seu
pai. Ao avistar John Garrett, Conger gritou para o soldado que o escoltava:
— De onde você trouxe esse homem?
John Garrett se pronunciou e veio em socorro do pai:
— Não machuque o velho: ele está com medo. Eu conto onde estão os
homens que vocês procuram.
— É isso que eu quero saber — disse Conger, exasperado. — Onde eles
estão?
Antes que John tivesse tempo para responder, Doherty o agarrou pela
gola da camisa, empurrou-o escada abaixo, colocou um revólver na cabeça
dele e mandou que lhe dissesse onde estavam os assassinos.
— No paiol — John Garrett gritou. — Os dois homens estão no paiol.
— Não basta — advertiu Conger. — Existem três depósitos espalhados
por aqui, o paiol de tabaco e e dois de milho; se você não me disser
exatamente aquele em que eles estão, pagará pela omissão com a própria
vida.
— Eles estão no paiol de tabaco — revelou Garrett.
— Me mostre o paiol — mandou Doherty.
BOOTH E HEROLD OUVIRAM A MOVIMENTAÇÃO DOS SOLDADOS CERCANDO o
paiol. Talvez se escondendo eles conseguissem se salvar mais uma vez,
como fizeram no bosque de pinheiros. Booth sussurrou para Herold ficar
calado e não se mexer:
— Não faça barulho algum; talvez eles acabem indo embora achando
que não estamos aqui.
Perto do paiol agora, Conger ouviu alguém se mexendo lá dentro,
farfalhando o feno. Era David Herold se movimentando, sem dar tento à
ordem que Booth lhe dera de se esconder e, estupidamente, revelando que
eles estavam ali.
OS LIDERES DA EXPEDIÇÃO DA DÉCIMA SEXTA DE NOVA YORK NÃO HAVIAM
se dado por satisfeitos com John Garrett ainda. Tinham uma missão especial
para ele. Luther Baker o chamou para perto e apontou para o paiol de
tabaco:
— Você vai entrar no paiol e tirar as armas desses homens.
Garrett se negou a cumprir o plano suicida. Ignorando sua reação, Baker
prosseguiu:
— Eles o conhecem e você pode entrar.
Sim, Booth e Herold conheciam John Garrett — como o homem que os
mandara embora de sua casa, recusara-lhes o conforto de uma cama e os
trancara no paiol. Foi exatamente por isso que ele se recusou a cumprir a
ordem de Baker. Ele tinha visto as armas de Booth e sabia que o homem
não hesitaria em tirar a forra pela falta de hospitalidade e pela traição de
Garrett. Não, ele não queria ser a última vítima do assassino.
Talvez Garrett não tenha entendido que sua missão não era opcional e
Baker, então, lhe explicou:
— Eu quero que você entre nesse paiol e exija a entrega das armas que
esse homem tem e as traga aqui fora para mim. Se você não fizer isso, vou
queimar sua propriedade.
Baker não se referiu apenas ao paiol de tabaco. Referiu-se, sim, à
fazenda inteira — casa, paiol, celeiro de milho e estábulos. Ou John entrava
ou Baker “encerraria o caso com uma fogueira e um tiroteio”.
A essa altura, William Garrett também havia saído de seu esconderijo
no celeiro de milho e estava ao lado do irmão, perto do paiol de tabaco.
William, que prendera os fugitivos, tirou a chave do bolso e a entregou a
Baker.
Baker deu um passo à frente e gritou para John Wilkes Booth:
— Nós vamos mandar este homem, em cuja propriedade você se
encontra, entrar aí para pegar suas armas; e vocês devem sair e se entregar.
Booth não disse nada. Podia ser um truque, considerou. E preparou-se
para um ataque de mais de vinte homens da cavalaria entrando a pé no
momento em que a porta se abrisse. Com a chave na mão, Baker foi até a
porta do paiol. Ele agora estava ao alcance das pistolas de Booth. Colocou a
chave, girou o trinco e, devagar, abriu um pouco a porta. Booth continuou
invisível, se escondendo a vários metros de distância, na escuridão dos
fundos do paiol. Ele viu movimento. Segurou as pistolas com força,
colocou os dedos nos gatilhos e os polegares nos cães, prontos para
engatilhar suas Colts de ação simples. Mas não disparou. Baker pegou John
Garrett e guiou-o ao mesmo tempo que o empurrava porta adentro,
fechando-a em seguida.
John Garrett ficou ali sozinho, no escuro, à mercê do assassino de
Lincoln. Ele falou timidamente para os fugitivos invisíveis:
— O paiol está cercado; é inútil resistir; é melhor vocês saírem e se
entregarem.
Uma voz profunda, de tenor, transbordando de malícia, ecoou na
escuridão:
— Você me comprometeu.
Garrett tentou argumentar com eles:
— Cavalheiros, a cavalaria está atrás de vocês. É a vocês que eles
procuram. É melhor se entregarem.
Então, qual aparição fantasmagórica, a imagem pálida e assombrosa de
John Wilkes Booth surgiu do nada, como um retrato luminoso flutuando
sobre um fundo de tela preta. E ele explodiu:
— Maldito! Você me traiu. Se você não sair daqui, vou lhe dar um tiro.
Saia deste paiol, agora.
Garrett captou a mão direita de Booth em movimento. Enquanto
praguejava contra Garrett, o assassino foi levando a mão às costas para
pegar um dos revólveres.
Qual Harry Hawk fizera no palco do Teatro Ford depois que Booth
saltou do camarote do presidente, John Garrett se virou aterrorizado e fugiu
do paiol, e quase pulou nos braços de Conger. Booth ia matá-lo, alegou.
Conger não acreditou:
— Como você sabe que ele ia fazer isso?
Porque, Garrett explicou com a voz trêmula, “ele levou a mão às costas
para pegar o revólver”. O rapaz insistiu em dizer que havia saído de dentro
do paiol bem a tempo.
Finalmente, no clímax de uma caçada humana de doze dias que
prendera a atenção do país inteiro, uma patrulha fortemente armada da
Décima Sexta Cavalaria de Nova York chegara a acuar o assassino de
Lincoln. A situação exigia ação decisiva, mas no momento crítico, Conger e
os outros hesitaram. Em vez de mandar seus homens adentrarem o paiol e
capturarem Booth, eles resolveram tentar convencê-lo a sair e ainda
delegaram a tarefa a um homem solitário e desarmado, um civil — e nada
menos do que um ex-soldado rebelde — para negociar a rendição de Booth.
Abdicaram, claramente, da responsabilidade do comando. Vinte e seis
soldados da cavalaria, cada qual armado com um revólver de seis tiros, sem
contar outras armas, poderiam despejar uma rajada de 156 projéteis cônicos
de chumbo no interior do paiol antes que fosse necessário recarregar. Em
resposta, Booth poderia disparar meros 12 cartuchos dos revólveres e 7 da
carabina Spencer. Ele não teria tempo de recarregar. Ou os soldados
poderiam, sem aviso, antes de dispararem um tiro sequer, arremeter contra o
paiol e tentar pegar Booth de surpresa. No escuro, e nos poucos segundos
antes de ser pego, Booth não conseguiria pegar mais do que uns
pouquíssimos soldados antes de ser subjugado. Stanton queria Booth vivo
para interrogatório.
Por que eles hesitaram? Se os corajosos soldados da União conseguiram
arremeter contra a Colina de Marye em Fredericksburg em dezembro de
1862 e sofreram vários milhares de baixas, e os valorosos regimentos do
exército da Virginia do Norte conseguiram fazer o desastroso ataque suicida
de Pickett no terceiro dia de Gettysburg, por que vinte e seis soldados,
acobertados pela escuridão, não conseguiriam arremeter contra dois civis
escondidos num paiol? Certamente a honra de capturar o assassino de
Lincoln valia o risco de algumas baixas.
Mesmo depois da desencaminhada e malfadada missão de John Garrett,
Doherty, Conger e Baker vacilaram, buscando uma estratégia de conversa,
não de ação. O trio designou Baker como seu porta-voz. Baker bradou um
ultimato para os ocupantes do paiol:
— Eu quero que vocês se rendam em quinze minutos. Caso contrário,
vou tocar fogo neste paiol.
Se os fugitivos se recusassem a sair por vontade própria, ele calculou
então que as chamas os obrigariam a sair. Baker, Conger e Doherty
esperaram por uma resposta. Eram 2h30 da madrugada de quarta-feira 26
de abril. Desde o momento que a Décima Sexta de Nova York chegara à
fazenda dos Garrett até agora, os fugitivos não haviam falado uma palavra
sequer com seus perseguidores. Então, veio o primeiro contato.
Uma voz saída do interior do paiol berrou três perguntas pontuais:
— Quem são vocês? O que querem? Quem vocês querem?
Era John Wilkes Booth. O assassino fora para a frente do paiol e estava
espiando por uma fresta entre duas tábuas, observando seu interlocutor, a
quem ele erradamente tomou por um capitão do exército.
— Nós queremos você — retrucou Baker — e sabemos quem você é.
Entregue suas armas e saia.
Booth resolveu protelar para preservar suas opções:
— Vamos considerar essa questão um instante.
Surpreendentemente, Baker concordou com a delonga:
— Muito bem.
Passaram-se dez ou quinze minutos sem que houvesse comunicação
entre as partes. Mas os caçadores mantiveram vigilância constante nas
quatro paredes do paiol para garantir que a presa não escapasse sem ser
percebida por uma falha entre as tábuas.
Entrementes, Booth e David Herold enveredaram numa discussão
acalorada. Davey não tinha mais como lutar. “Estou cansado de viver deste
jeito”, ele havia reclamado para o seu ídolo na tarde do dia 25, menos de
doze horas atrás. Herold havia se convencido de que, se explicasse tudo aos
soldados, eles o deixariam ir para casa. Afinal, no seu entender, ele não era
culpado de nada. Booth matou Lincoln e Powell esfaqueou Seward. Davey
veio junto somente para acompanhar. Booth podia se deixar queimar vivo
dentro do paiol mas ele não.
— Você prefere não se entregar, mas me deixe sair e me entregar —
propôs.
— Não, você não vai fazer isso — grunhiu Booth em voz baixa de
forma que os soldados espalhados pelo entorno do paiol não o ouvissem.
Herold implorou a Booth que o liberasse de servir ao assassino em voz
tão alta que alguns dos soldados o ouviram.
Herold partiu em direção à porta mas Booth o ameaçou: “Ele ameaçou
me matar e depois dar um tiro na própria cabeça”, reclamou Herold.
Furioso, o ator passou a condenar aquele que, até o momento, havia sido
seu fiel companheiro:
— Seu covarde maldito! Vai me deixar agora? Pois vá. Prefiro que você
não fique comigo.
Baker, contando os minutos que faltavam no seu relógio de bolso, gritou
para Booth que o tempo estava se esgotando. Mais cinco minutos apenas e
ele atearia fogo no paiol.
MAIS UMA VEZ, BOOTH PERGUNTOU:
— Quem são vocês? E o que querem?
Antes que Baker pudesse responder, Conger o puxou para o lado, onde
os dois não pudessem ser ouvidos, e sugeriu uma forma de continuar as
negociações:
— Não deixe que ele fique sabendo quem nós somos através de
qualquer comentário que você venha a fazer para ele: você não precisa dizer
a ele quem nós somos. Se ele pensar que somos rebeldes, ou achar que
somos seus amigos, vamos aproveitar. Não vamos mentir quanto a isso; mas
não precisamos responder a qualquer pergunta que faça referência ao
assunto e sim insistir simplesmente que ele saia, por favor.
Baker concordou com Conger, dizendo para Booth:
— Não faz diferença quem somos: nós sabemos que vocês estão aí e
queremos vocês. Queremos levá-los prisioneiros.
Booth o corrigiu. Não havia mais do que um prisioneiro a ser levado:
— Eu estou só, não há ninguém comigo.
Baker refutou o assassino:
— Sabemos que há dois homens aí dentro e os dois devem sair.
Conger deu a volta pelo perímetro do paiol para estudar o melhor lugar
onde atear fogo.
— O caso é difícil — Booth confessou a Baker. — Pode ser que meus
amigos estejam querendo me pegar.
O assassino guardava uma última esperança de que os soldados em
torno do paiol fossem confederados, não da União.
— Eu vou sair — Davey se pronunciou. — Não quero ser queimado
vivo.
Booth cedeu. Forçar Davey a compartilhar o seu destino de nada
serviria. E seria errado. Herold tivera diversas chances de abandonar Booth
durante toda a perseguição — em Washington na noite do assassinato, no
bosque de pinheiros, ou durante a noite em que o assassino dormiu sozinho
na fazenda dos Garrett. Mas em cada uma dessas ocasiões, o fiel Herold
voltou para compartilhar do destino de Booth. É quase certo que ele tenha
concluído que seria ingratidão, até deselegância, negar a esse jovem
seguidor a chance de viver. Quando outros o traíram, Herold ficou ao seu
lado. Seria duro chamá-lo de covarde agora. Aquele era o último ato. Estava
na hora de ir para o centro do palco sozinho. O ator chamou Baker:
— Oh, capitão, tem um homem aqui que está querendo muito se render.
Excitado demais para ficar calado, o tenente Doherty soltou:
— Entregue suas armas.
— Isso — acrescentou Baker quase que simultaneamente. — Ele que
entregue as armas.
As demandas deixaram Herold perplexo. Será que iam lhe negar a
rendição até que ele entregasse as armas de fogo de Booth? Seu senhor
poderia deixá-lo partir, mas ele sabia que Booth jamais abriria mão das
armas.
— Eu não tenho armas — disse.
Doherty não acreditou:
— Entregue as armas e você pode sair tranquilo.
— Eu não tenho armas — resmungou Herold. — Deixem-me sair.
Luther Baker riu das obstinadas recusas de Herold:
— Nós sabemos exatamente o que você tem.
Os Garrett, prestativamente, haviam feito para Baker e demais oficiais
um apanhado completo das armas e equipamentos dos fugitivos: dois
revólveres, uma carabina Spencer de repetição, uma faca Bowie, um
cinturão de pistolas, um par de cobertores e as roupas do corpo.
— Você estava com a carabina — Baker falou com firmeza — e deve
entregá-la.
Esse bate-boca a respeito das armas descambava para a comédia, em
que um oficial e dois detetives se mostravam incompetentes para consumar
a rendição pacífica e volitiva do assassino de Lincoln e seu guia. Booth se
pronunciou para acabar com o impasse:
— As armas são minhas e estão em meu poder.
Baker contestou o assassino:
— Esse homem carregava a carabina e precisa entregá-la.
Booth contra-argumentou:
— Você tem a palavra e a honra de um cavalheiro, ele não está com as
armas: as armas são minhas e estão comigo.
Ele não queria abrir mão delas.
— Eu possuo todas estas armas e pretendo usá-las contra vocês,
cavalheiros.
À medida que a coisa foi progredindo, Booth precisou relembrar algo
aos oficiais preocupados com as minúcias:
— Tem um homem aqui querendo sair.
Sim, Herold confirmou:
— Eu quero sair, rápido. Eu não sei nada sobre esse homem; ele é um
sujeito desesperado e vai me dar um tiro.
Booth apoiou a dissimulação de Herold:
— Deixem que ele saia; esse jovem é inocente.
Basta, raciocinou o tenente Doherty. Se eles conseguiram convencer um
dos fugitivos a sair do paiol sem lutar, por que não esquecer as armas, parar
de esperar e aceitar que ele saísse? O tenente se virou para Baker:
— É melhor deixá-lo sair.
— Não — aparteou o detetive —, vamos esperar até o sr. Conger chegar
aqui.
Bem, onde ele está?, perguntou Doherty. Não está por aqui e sim atrás
do paiol se preparando para incendiá-lo. Então eles não iam esperar, decidiu
Doherty.
Mas Baker refutou a lógica do outro:
— Eu não posso deixar esse homem sair sem consultá-lo.
— Não. Abra essa porta — Doherty deu a ordem a um dos seus
soldados. — Eu mesmo vou tirar esse homem daí.
O tenente se posicionou ao lado, e não diante, da porta. Se ele ficasse
fora da linha de fogo, Booth não poderia enxergá-lo — nem atirar nele! —
quando a porta fosse aberta para a saída de Herold. A poucos centímetros
de distância um do outro, separados apenas pela parede do paiol, Doherty e
Herold conseguiam ouvir a respiração um do outro. Eles captaram relances
um do outro pelas frestas entre as tábuas.
Então, nos segundos finais antes de David Herold sair do paiol, Booth
sussurrou as últimas palavras que os dois trocaram entre si:
— Quando você sair, não lhes diga que armas tenho.
— Seja lá quem você for, saia com as mãos para o alto — gritou uma
voz de fora do paiol.
Davey se virou de costas para Booth e ficou de frente para a porta,
agora entreaberta e pronta para propiciar a sua passagem de fugitivo a
cativo. Doherty mandou que Herold não saísse ainda. Primeiro queria ver as
mãos do rapaz para confirmar se ele estava desarmado. O tenente mandou
que Davey passasse apenas uma das mãos pelo vão da porta. O jovem
amedrontado concordou e, no instante seguinte, Doherty viu uma palma de
mão clara surgindo pelo vão. O tenente fez sinal para Davey mostrar a outra
mão. Esta também estava vazia.
Doherty saltou para a frente da porta, segurou Davey pelos pulsos e
deu-lhe um puxão com força, trazendo-o de uma vez para fora e
desequilibrando-o. O captor de Davey enfiou o revólver embaixo do braço e
revistou o corpo inteiro de Herold com as duas mãos para ver se ele não
tinha alguma arma oculta. Não encontrou nada. Então, ele perguntou:
— Você tem alguma arma em algum lugar?
— Nada; eu só tenho isso — Davey jurou, tirando um pedaço de papel
rasgado de um mapa, que Doherty guardou no bolso. O tenente agarrou
Herold pela gola da camisa e, qual um professor pega um aluno fujão pelo
cangote, levou-o para longe do paiol.
Até o momento, a operação na fazenda dos Garrett não era um exemplo
de ação para nenhuma unidade. Um oficial do exército e dois detetives
disputando o comando de vinte e seis praças mal conseguiram a rendição do
inofensivo sequaz do assassino. Herold conseguiu se render apesar das
discórdias e da competição por autoridade entre os caçadores. Agora
Doherty, Baker e Conger enfrentavam um problema maior. John Wilkes
Booth continuava dentro do paiol, bem armado e esperando o próximo
movimento deles. Sim, eles tinham certas vantagens. O assassino estava
acuado, cercado, e era só ele contra vinte e seis. Fugir do paiol de tabaco
parecia impossível. Mas também parecia impossível fugir de uma plateia de
mais de mil pessoas no Teatro Ford. Qual Macbeth, Booth não podia fugir
da fazenda dos Garrett, mas também, qual o urso fadado ao seu destino de
isca para os cães, permanecia letal.
Booth morrera no palco dúzias de vezes em Ricardo III, Hamlet e
noutras tragédias de Shakespeare, mas hoje à noite não era encenação. Ele
queria cair em combate, não ficar pendurado como um ladrãozinho
qualquer. “Tenho uma alma grande demais para morrer como um
criminoso”, escrevera no diário poucas noites antes. “Oh, que ele me livre
disso e me deixe morrer com bravura!” Para Booth, era a sua última e maior
apresentação, não apenas para a pequena plateia de soldados no teatro
improvisado da fazenda dos Garrett, mas também para a história.
Ele já havia perpetrado o assassinato público mais extravagante da
história americana. De fato, Booth não só cometeu um assassinato, ele o
encenou, com direito a palco e a uma casa lotada. No Teatro Ford, Booth
rompeu a quarta parede entre artista e plateia ao criar uma nova e lúgubre
arte — o assassinato-performance. Hoje à noite, ele escreveria o roteiro do
seu próprio fim com uma performance equivalente ao seu triunfo no Teatro
Ford.
As negociações com o assassino não iam bem. Eles exigiram a rendição
imediata de Booth, mas ele os convenceu a lhe darem mais tempo. Eles
exigiram que Herold entregasse ao menos uma das armas, mas Booth
alegou direitos de propriedade sobre as armas e liberou Davey de mãos
vazias. Agora, tinha todas as armas e, além disso, qual Jim Bowie no Álamo
vinte e nove anos antes, uma faca mortal para o combate corpo a corpo
como último recurso. Era Booth — e não Doherty, Baker ou Conger —
quem estava ditando a ordem do dia na fazenda dos Garrett.
De uma certa forma, Booth desfrutava de três vantagens táticas
significativas com relação à Décima Sexta Cavalaria de Nova York: ele
ocupava uma posição fortificada, enquanto eles precisavam entrar para
pegá-lo; eles estavam destacados em torno do paiol a céu aberto e não
podiam vê-lo, enquanto ele estava escondido e podia vê-los; eles queriam
Booth vivo e não queriam ser mortos por ele, enquanto ele estava disposto a
morrer e levar alguns deles consigo. E mais ainda, o tempo corria a favor do
assassino. Em poucas horas, as primeiras luzes do dia iluminariam os
caçadores, fazendo deles alvos perfeitos. A esta distância, a carabina
Spencer era a arma ideal de um franco atirador. Booth não teria como errar.
Frustrado, Doherty queria esperar o amanhecer, mas Baker e Conger
argumentaram veementemente contra. Assim que o sol nascesse,
raciocinaram, Booth enxergaria a tropa toda e abriria fogo. O nascer do sol
transformaria este ambiente pastoril num matadouro. Um dos sargentos de
Doherty, Boston Corbett, candidatou-se a uma missão suicida: ele entraria
no paiol sozinho e lutaria com Booth de homem para homem: “Eu me
ofereci para o oficial detetive sr. Conger e para o tenente Doherty, em
separado, para entrar no paiol e pegá-lo ou enfrentá-lo, dizendo que, se ele
me matasse, suas armas estariam vazias e eles poderiam facilmente entrar e
pegá-lo com vida.” Corbett se candidatou três vezes para arremeter sozinho
e, a cada uma delas, Doherty vetou o tresloucado esquema, mandando
Corbett voltar para sua posição. Corbett era, sem dúvida, a personalidade
mais excêntrica sob o comando de Doherty.
Um esquisito imigrante inglês que adotara o nome “Boston” para
homenagear a cidade onde encontrou Cristo, Thomas Corbett, aos 32 anos
de idade, mostrou-se um combatente ferrenho e um confiável oficial não
comissionado. Chapeleiro antes da Guerra Civil, ele havia cometido um ato
bizarro e horrendo de automutilação quando tentado por mulheres da vida.
Consta no cadastro do Hospital Geral de Massachusetts o horrível evento:
“[Corbett] é metodista e, tendo estudado os capítulos dezoito e
dezenove de Mateus, pegou uma tesoura e fez uma abertura de dois
centímetros na parte inferior do escroto. Em seguida, passou por ali os
testículos e os cortou fora. Depois foi participar de um momento de
oração conjunta, passeou um pouco por lá e fez uma refeição farta.
Não houve muita hemorragia externa, mas um coágulo tapou a
abertura de forma que o sangue ficou confinado ao interior do escroto,
que inchou bastante e acabou ficando preto. Ele foi ver o dr. Hodges...
que o abriu, retirou o sangue, suturou o canal e o enviou para cá.”
Conger e Baker queriam tocar fogo no paiol. As labaredas ardentes e a
fumaça sufocante fariam o trabalho por eles, sem risco algum para os
homens. De fato, o único perigo seria para aqueles que precisassem chegar
perto do paiol o suficiente para atear o fogo na madeira. Booth talvez
conseguisse enfiar a pistola pelos 10 centímetros de afastamento entre uma
tábua e outra e dar um tiro na cabeça de cada um à queima-roupa. Eles
consideraram o perigo envolvido e concluíram que esse risco não precisaria
ser corrido pelos seus próprios homens.
Conger mandou buscar os filhos de Garrett. Havia mais uma tarefa para
eles, explicou: recolham umas braçadas de palha e amontoem tudo contra as
paredes do paiol. John Garrett percorreu todo o terreno mas não conseguiu
encontrar palha seca o suficiente. Estava toda dentro do paiol de tabaco com
Booth, ele disse a Conger. Então, encontre outra coisa que queime, ordenou
o detetive. John Garrett colheu gravetos caídos dos pinheiros e os colocou
perto do paiol. Em seguida, voltou com uma segunda braçada cheia e se
inclinou para ajeitar a pilha. O farfalhar alertou Booth, que correu para
perto do barulho. Garrett deu um salto quando ouviu a conhecida voz
ameaçadora dirigindo-se a ele do outro lado, a um passo de distância:
— Rapaz, para o seu próprio bem, eu aconselho que você não venha
mais aqui.
Era o segundo aviso de Booth para ele naquela noite. Não haveria um
terceiro, prometeu o assassino:
— Se você não sair daqui agora, vou lhe dar um tiro.
John Garrett largou imediatamente os gravetos no chão e saiu do
alcance das pistolas.
Se estavam colhendo gravetos, percebeu Booth, os caçadores não
planejavam esperar até o nascer do sol. Iriam tocar fogo no paiol, e
provavelmente o fariam sem perda de tempo. Booth resolveu retomar a
iniciativa e esquivar-se do fogo. Então, desafiou seus perseguidores para um
combate honrado em campo aberto, dirigindo-se a Baker:
— Capitão, eu sei que o senhor é um homem corajoso e acredito que
seja honrado: eu estou aleijado.
A atormentadora declaração de Booth emocionou a todos que a
ouviram. Eles suspeitavam mas não estavam absolutamente certos de que o
homem no paiol fosse John Wilkes Booth. Tinham recebido relatórios
dizendo que o assassino de Lincoln estava manco e os Garrett lhes disseram
que o sr. Boyd tinha uma perna quebrada. Agora o homem no paiol
confirmava isso. Booth continuou:
— Só posso contar com uma perna. Se retirar os seus homens daí e os
colocar em ‘linha’ a cem metros da porta, eu sairei e lutarei com o senhor.
Como sinal de boa-fé, Booth revelou que optara, pelo menos até o
momento, por poupar a vida de Baker:
— Capitão, eu o considero um homem corajoso e honrado; eu já tive
pelo menos meia dúzia de oportunidades de alvejá-lo, mas não o fiz.
O olhar de Baker foi direto para a vela acesa que ele desprecavidamente
carregava na mão. O assassino falou a verdade! Conger sugeriu que Baker
se livrasse imediatamente do alvo convidativo: “Quando Conger falou que
era presunçoso da minha parte segurar a vela, pois Booth poderia me dar
um tiro, eu a coloquei a uns seis ou sete metros de distância da porta.”
Isso estava melhor do que Shakespeare. O assassino de Lincoln acabava
de desafiar vinte e seis homens, um tenente e dois detetives para um duelo.
Ou seria, na mente de Booth, um embate de cavaleiros, com a vitória como
recompensa pela justa? Baker declinou o desafio:
— Não viemos aqui para lutar com você, viemos simplesmente para
levá-lo preso. Não queremos luta alguma com você.
Tampouco o secretário da Guerra Edwin Stanton, que, lá em
Washington, esperava notícias dos caçadores. Ele queria o assassino vivo
para poder interrogá-lo e expor totalmente os segredos de sua grandiosa
conspiração. Convencido de que oficiais dos mais elevados níveis no
governo dos Estados Confederados da América haviam participado do
assassinato, Stanton queria que Booth desse os nomes daqueles que
tomaram parte na trama junto com ele. Se o homem estivesse morto, o
desejo de vingança do país seria saciado mas a curiosidade de Stanton não.
O secretário da Guerra acreditava ser muito melhor que Booth fosse pego
com vida. Haveria tempo o bastante para enforcá-lo mais adiante, depois do
julgamento.
Booth repetiu o desafio mas reduziu a distância para oferecer melhores
chances aos seus adversários:
— Se o senhor afastar os seus homens 50 metros da porta, eu sairei e
lutarei com o senhor. Dê-me uma chance, pela minha vida.
Baker tornou a declinar.
— Ora, meus corajosos rapazes, preparem uma maca para mim —
retrucou Booth garbosamente.
Conger tomou uma decisão e se virou para Baker:
— Vamos incendiar o paiol.
O outro detetive concordou:
— Vamos. Quanto mais rápido, melhor.
Conger se inclinou e acendeu os gravetos. Os galhos e agulhas de
pinheiro, de alto poder combustível e ainda misturados com um pouco de
feno, logo soltavam labaredas que açoitavam as tábuas castigadas e secas.
Em pouco tempo, o madeirame pegou fogo e, numa questão de minutos,
todo um canto do paiol já ardia em chamas. O fogo iluminou o quintal com
um brilho amarelo-alaranjado que tremelicava fantasmagoricamente pelos
rostos dos soldados da Décima Sexta. Booth podia vê-los com clareza
agora, mas não disparou um tiro sequer.
À medida que o fogo foi pegando força, passou também a iluminar o
interior do paiol de forma que agora, pela primeira vez, os soldados
puderam ver sua presa pelas frestas entre as tábuas. Booth fez uma tentativa
precária de suprimir o fogo emborcando uma mesa sobre as chamas, mas
isso só fez alimentar o fogaréu ainda mais. O assassino estava encurralado.
Ele tinha três opções: ficar no paiol e queimar vivo; apontar o cano de uma
pistola — provavelmente a de calibre .44 com munição mais pesada para
fazer o serviço direito — para a própria cabeça e disparar; ou traçar seu
próprio lampejo de glória ao sair mancando do paiol e enfrentar os
caçadores, num convite à própria morte mas com o risco da captura.
Quando garoto, Booth profetizou para a irmã, Asia, a maneira como iria
morrer: “Não vou morrer afogado, enforcado ou queimado.” Até agora,
estava certo. Ele havia cruzado o rio Potomac em segurança. E não ficaria
dentro do paiol para morrer queimado. Tampouco permitiria que fosse
capturado para acabar estrangulado por uma corda. Suicídio? Jamais esse
fim tão vergonhoso, Booth havia jurado para si mesmo. Ricardo III não
cometeu suicídio, Macbeth não morreu pela própria mão, nem Brutus, ou
Tell. Tampouco ele se suicidaria. Não, não, ele aguentaria o ataque até o
fim. E se houvesse de morrer, morreria em pleno combate contra seus
inimigos.
Booth resolvera que seria melhor morrer a ter de voltar para Washington
e enfrentar a justiça. Já vira um homem ser enforcado antes. Em 1859,
pegou o trem de Charlestown, Virginia, para testemunhar a execução do
abolicionista John Brown, condenado por sua malfadada incursão em
Harper’s Ferry. E viu Brown ser levado para o cadafalso numa carroça
como um pedaço de carne é levado para o mercado. Viu ainda quando
Brown subiu os degraus que davam na plataforma e foi amarrado, e viu
quando colocaram o saco em sua cabeça. Ele viu o carrasco colocar o laço
em torno do pescoço de Brown e depois deixar o velho em suspense durante
vários segundos até que o alçapão se abriu. Brown se retorceu um pouco e,
em seguida, acabou. Quando cortaram a corda para soltá-lo, o rosto do
homem estava roxo.
Não, Booth jurou, a profecia era verdadeira. Ele não seria capturado e
enforcado. O espetáculo de um julgamento o colocaria em exibição pública
para a diversão dos cavalheiros da imprensa, e os curiosos não deixariam de
assistir ao processo. Mas ele não teria o tribunal sob controle como
costumava ter o palco. Não teria a chance de dar entrevistas para a
imprensa; nem declarações dramáticas no tribunal sobre o seu amado Sul,
sobre Lincoln o tirano, sobre seus sonhos ou motivos; e, conforme os
costumes jurídicos predominantes à época, não teria a oportunidade de falar
coisa alguma. No teatro do julgamento de Booth, o personagem principal
ficaria mudo. O assassino de Lincoln seria um astro calado, visto porém
nunca ouvido. Isso, para o ator volúvel e loquaz, seria muito difícil suportar.
Tampouco Booth estava disposto a enfrentar os rituais do cadafalso: a
falta de dignidade de ser amarrado e encapuzado, de passar pelo seu próprio
caixão e cova aberta, de ter seus sapatos retirados dos pés para não serem
atirados longe quando o corpo estremecesse na ponta da corda. As
humilhações corpóreas eram ainda piores: a língua inchada, vasos
sanuíneos rompidos nos globos oculares; rins e intestinos soltos, e um
pescoço marcado de hematomas feitos pela pressão da corda. Essa
vergonhosa morte de um criminoso comum não era para ele.
E ainda seria preciso compartilhar o palco-cadafalso com o elenco de
apoio composto pelos seus coconspiradores. Booth decidiu que seria muito
melhor morrer aqui — se houvesse chegado a sua hora. Ele estava ditando a
ação e seus perseguidores respondendo ao seu improviso.
Booth foi para o centro do paiol, onde ficou parado balançando a
carabina desajeitadamente numa das mãos e a pistola na outra, com uma
muleta sob um dos braços. Ele girou a cabeça para todos os lados, medindo
a velocidade com que as chamas o estavam engolindo e torcendo por um
milagre. Ele olhou na direção da porta e deu um salto para a frente, com a
muleta sob o braço esquerdo e a Spencer na mão direita apoiando a coronha
na cintura.

“Tenho a alma grande demais para morrer como criminoso.” Fazenda


dos Garrett, 26 de abril de 1865.
— Mais uma mancha no velho estandarte! — ele gritou, invocando a
bandeira de batalha confederada Stars anã Bars, talvez imaginando seu
próprio sangue patriótico se misturando ao vasto oceano derramado por um
quarto de milhão de mortos do Sul.
Sem ser visto por Booth, o sargento Boston Corbett observava cada
movimento do assassino dentro do paiol: “Assim que acenderam o fogo...
eu já podia vê-lo mas ele não podia me ver.” Sem que Booth o visse,
Corbett caminhara sorrateiramente até uma das laterais e espiava através de
uma das brechas de dez centímetros entre cada par de tábuas verticais da
parede do paiol. Quando as labaredas aumentaram, Corbett conseguiu ver
Booth com mais clareza ainda: o assassino “se virou para o fogo, para
apagá-lo ou para atirar em quem o acendera, não sei dizer; mas nesse
momento ele estava vindo bem na minha direção... um pouquinho à minha
direita — eu podia vê-lo de corpo inteiro”. Agora Booth estava ao alcance
da pistola de Corbett. O sargento, porém, se conteve: “Eu poderia ter dado
um tiro nele... mas enquanto ele estava ali sem demonstrar que iria
machucar alguém, eu não atirei; fiquei de olho firme nele, sim, o tempo
todo.” Ele viu quando Booth chegou ao meio do paiol e olhou para a porta.
Do lado de fora, Conger, Baker, Doherty e os soldados da cavalaria
postados perto da porta se prepararam para a ação. Ninguém conseguiria
aguentar o calor do fogo e a fumaça asfixiante durante muito tempo. Eles
estavam esperando que a porta se abrisse a qualquer instante e Booth saísse,
com as mãos para cima ou as pistolas em riste.
Corbett acompanhou com os olhos a sua presa se aproximar da porta. A
essa altura, o sargento já havia sacado a pistola. Booth se mexeu novamente
e encaixou a carabina na cintura, como se estivesse se preparando para
colocá-la em posição de disparo. Corbett enfiou o cano da pistola pela fresta
da parede e apontou para Booth. O sargento descreveu o que aconteceu em
seguida.
“Ao ver que o fogo estava ganhando terreno, ele foi para o outro lado do
paiol e ficou perto da porta; e quando chegou ali, eu o vi fazer um
movimento na direção da porta. Achei que ele fosse travar uma luta para
conseguir sair. Um dos homens que estavam observando me disse que
Booth apontou a arma para ele. O homem estava fazendo pontaria com a
carabina, mas em quem eu não consegui saber. Eu estava prestando toda
atenção a ele para cuidar que ele não fizesse mal algum; e, quando tive a
impressão de que era hora, atirei nele. Apoiei a arma no meu braço, fiz
pontaria certeira nele e atirei por uma das frestas grandes na parede do
paiol.”
Os soldados ao redor do paiol ouviram um tiro. Instantaneamente,
Booth largou a carabina e caiu de joelhos. Seu cérebro mandou que ele se
movimentasse mas seu corpo desobedeceu a ordem. Ele não conseguiu se
levantar. Ele não conseguiu levantar os braços. Ele não conseguiu se mexer.
Qual fazem os atletas na pista ao soar o tiro da largada, Baker entrou
correndo no paiol, seguido de Conger logo atrás. Baker pegou Booth antes
que ele caísse no chão e Conger tomou-lhe a pistola, segurada pelo ator
com tanta força que o detetive precisou torcer para arrancá-la da mão.
Conger soltou um grito de contentamento:
— É Booth, com certeza.
Baker cravou-lhe um olhar de reprovação.
— Por que você atirou nele?
Conger protestou: — Eu não atirei. Ele atirou em si próprio! — e olhou
para o assassino: — Ele está morto? Ele se matou?
— Não, não foi ele — disse Baker.
Conger levantou Booth e perguntou:
— Onde foi o tiro?
Conger procurou o tiro:
— Onde foi que pegou o tiro? Na cabeça? No pescoço?
Conger examinou o pescoço de Booth e encontrou um furo de onde saía
sangue.
— Foi isso mesmo. Ele se matou — deduziu Conger.
— Não foi, não — insistiu Baker.
Assim que ouviu o tiro, o tenente Doherty correu para o paiol,
arrastando David Herold consigo. Na hora em que eles entraram, os dois
detetives e vários soldados estavam à volta de Booth no meio de um paiol
em chamas, discutindo acirradamente a origem do ferimento. Havia
melhores lugares para continuar o debate, sugeriu Conger:
— Vamos levá-lo para fora daqui: o fogo já, já vai chegar aqui.
Eles o ergueram do chão, levaram para baixo dos espinheiros-da-
virginia a alguns metros da porta e o colocaram sobre a grama.
Doherty trouxera Herold do alpendre consigo. Ao ver o seu senhor no
chão, aparentemente morto, Davey entrou em pânico e começou a tagarelar:
— Deixem-me ir embora; deixem-me ir embora daqui — pedia ele. —
Eu não vou embora; eu não vou fugir — o pranto de Herold não teria
surpreendido Lewis Powell, que o chamava de “tagarela”. “Eu nunca o
achei satisfatório”, Powell contou ao major Eckert, “e disse isso a Booth.”
— Não senhor — respondeu o tenente.
Fingindo ignorância, Davey lhe perguntou:
— Quem foi que levou um tiro no paiol?
Incrédulo, Doherty atalhou-o:
— Ora, essa! Você sabe muito bem quem foi.
Herold elaborou o seu álibi:
— Não, eu não sei. Ele me disse que o nome dele era Boyd.
Doherty já tinha ouvido o suficiente:
— É Booth e você sabe muito bem disso.
Davey persistiu em suas negativas:
— Não, eu não sabia. Eu não sabia que era Booth.
Em cativeiro, o discípulo do assassino negou uma terceira vez.
Debaixo dos espinheiros-da-virgínia, Conger olhou para o paiol. Se eles
conseguissem salvá-lo, talvez pudessem preservar evidências vitais do
crime: “Eu voltei imediatamente ao paiol para ver se o fogo poderia ser
apagado; e cheguei a tentar um pouco, nas não consegui. Estava queimando
rápido e não havia água por ali, e nada mais que pudesse me ajudar.” John
Garrett correu para dentro do paiol também e tentou ajudar, chamando
vários soldados aos berros.
— Rapazes, vamos apagar o fogo.
Qual Conger, ele se rendeu ao inevitável: “Os soldados correram e
jogaram móveis e outras coisas em cima do fogo, mas já era tarde demais.”
Conger saiu do paiol e voltou para os espinheiros-da-virgínia. Olhando
para o corpo caído de Booth, “eu supus que ele estivesse morto. Ele estava
com todo jeito de um morto”. Porém, qual acontecera com William Seward
na ocasião do seu atentado, quando ele deu ao médico a impressão de “um
cadáver dessangrado”, a força vital de John Wilkes Booth se recompôs. Ele
abriu os olhos e mexeu os lábios.
Conger pediu água e um soldado ofereceu-lhe o conteúdo do seu cantil
de lata fornecido pelo governo. Baker apresentou uma xícara de lata rústica,
utensílio indispensável encontrado na bagagem de praticamente todo
soldado, do Norte ou do Sul, durante a guerra. Os homens jogaram um
pouco da água fresca no rosto de Booth para tentar revitalizá-lo e ele tentou
falar. Jogaram um pouco dentro de sua boca e ele a cuspiu. O assassino não
conseguiu engolir o líquido: estava quase completamente paralisado.
Tornou a mexer os lábios e tentou falar. Com grande concentração e
esforço, Booth conseguiu fazer suas cordas vocais emitirem um sussurro
praticamente inaudível. Pela primeira vez em sua vida, faltaram palavras ao
grande ator e contador de histórias, sua poderosa voz no palco fora
silenciada pela bala que atravessara seu pescoço e coluna vertebral.
Conger e Baker se reclinaram sobre o corpo caído de Booth, inclinaram
a cabeça e aproximaram seus ouvidos da boca de Booth. O ator formou
palavras com os lábios mas não emitiu som algum. Finalmente, depois de
várias tentativas, o assassino de Lincoln falou:
— Digam à minha mãe que eu morro pelo meu país.
Foi difícil ouvir a voz minguada em meio ao crepitar das chamas, os
gritos dos homens e os relinchos e resfolegar dos cavalos. Conger tentou
desesperadamente confirmar a precisão do que Booth dissera. Talvez
fossem as históricas últimas palavras do assassino e deveriam ser relatadas
para o país inteiro exatamente da maneira como foram faladas por ele.
Além disso, o secretário da Guerra Stanton iria exigir um relato completo
dos eventos no paiol dos Garrett, inclusive todas as palavras de Booth.
Enunciando cada sílaba lenta e claramente de forma que Booth pudesse
entendê-lo, Conger repetiu a frase ipsis litteris:
— Foi isso que você disse? — perguntou o detetive.
— Foi — sussurrou o assassino.
O paiol de tabaco estava totalmente em chamas agora e o incêndio
irradiava um calor intenso que ameaçava queimar os espinheiros-da-virginia
onde Booth e seus captores haviam buscado refúgio. Os cavalos, ainda que
os soldados os tivessem amarrado e isolado por piquetes a uma boa
distância antes de incendiarem o paiol, estavam ficando mais e mais
irrequietos à medida que as labaredas se intensificavam. Os detetives
gritaram para que todos fossem se refugiar na casa dos Garrett. Vários
homens pegaram Booth pelos braços, ombros e pernas, levantaram do chão
seu corpo desfalecido e marcharam em passo acelerado para a casa.
Subiram os degraus e colocaram Booth sobre o tabuado de madeira na
entrada, perto do banco onde nos últimos dois dias ele se sentara, fumara,
ressonara, conversara e planejara a próxima etapa de sua fuga. Vazando dos
ferimentos de entrada e saída em seu pescoço, o sangue fez uma poça
embaixo da cabeça de Booth e manchou várias das tábuas do soalho. Para
aliviar o sofrimento do moribundo, as filhas de Richard Garrett trouxeram
uma velha esteira de palha de dentro da casa e a colocaram no chão do
alpendre. Conger e as outras pessoas ali presentes dobraram o acolchoado
flexível ao meio e nele apoiaram a cabeça e os ombros de Booth. Lucinda
Holloway trouxe um travesseiro e, delicadamente, colocou-o sob a cabeça
dele.
Doherty trouxe David Herold até o alpendre e lhe deu uma ordem:
— Venha ficar perto da casa.
O oficial não tinha grilhões de pulso ou tornozelo para acorrentar
Davey, então improvisou com um material que toda unidade de cavalaria
trazia sempre em abundância: corda. Doherty atou as mãos de Herold com
uma corda de piquete e o amarrou a um espinheiro-da-virgínia a quase dois
metros de distância de onde estava o corpo de Booth. Doherty o manteve
amarrado ali até quando finalmente puderam retornar para Washington.
Essa posição a apenas dois metros de Booth deixava Herold na fila da frente
para assistir ao clímax da perseguição ao assassino de Lincoln.
QUANDO BOOTH FOI TRAZIDO PARA A VARANDA, OBSERVOU CONGER, ELE “se
reanimou. Ali ele falou de forma que pôde ser compreendido; mas não
conseguiu falar mais alto do que em sussurros”. A voz grandiosa e teatral
de tenor, que outrora se projetava para além do arco do proscênio e
alcançava os salões de Washington, Filadélfia, Nova York, Boston,
Chicago, St. Louis, Baltimore e Richmond, se calava e não mais se podia
ouvi-la além da primeira fila.
Booth sussurrou pedindo água e Conger e Baker lhe deram de beber. Ele
pediu que os dois o virassem de barriga para baixo. Booth estava sofrendo
muito e quis mudar de posição mas estava incapacitado para se mexer por
conta própria. Conger não achou boa a ideia de virá-lo:
— Você não pode ficar de bruços.
Então, que pelo menos o virassem de lado, pediu o assassino. Eles o
viraram, mas Conger percebeu que o movimento não aliviou o sofrimento
de Booth: “Nós o colocamos de lado três vezes... Ele não tinha como ficar
deitado confortavelmente e pedia para ser virado de volta imediatamente.”
Baker também percebeu isso: “Ele parecia sentir muita dor quando mexiam
nele; e fazia caretas, e repetiu várias vezes: ‘Matem-me’.”
Booth queria tossir mas a bala havia cortado a comunicação entre o
cérebro e a garganta. Ele pediu a Conger que colocasse a mão sobre sua
garganta e fizesse pressão para baixo. O detetive atendeu ao pedido mas
nada aconteceu.
— Mais forte — instruiu Booth.
“Eu fiz toda a força que achei necessária e ele deu fortes manifestações
de que iria tossir, mas não conseguiu — não havia como acionar a
musculatura.”
Supondo que Booth estivesse temeroso de haver alguma obstrução presa
em sua garganta a asfixiá-lo, Conger falou que iria inspecionar:
— Abra a boca e coloque a língua para fora, que eu vou ver se está
sangrando.
Conger tranquilizou Booth:
— Não há sangue na sua garganta; não passou por nenhuma parte ali.
— Matem-me — Booth implorou aos soldados. — Matem-me, matem-
me.
— Nós não queremos matá-lo — Conger reconfortou-o. — Nós
queremos que você fique bem.
Conger estava sendo sincero. Eles queriam Booth vivo de forma que
pudessem levá-lo de volta a Washington como prêmio para Edwin Stanton.
O secretário da Guerra e inúmeras outras personalidades tinham certeza de
que Booth fazia parte de uma conspiração confederada. De fato, o
presidente Andrew Johnson em breve emitiria outra proclamação de
recompensa, esta por Jefferson Davis e outros oficiais confederados,
classificando-os de conspiradores do assassinato. Davis, objeto de outra
caçada humana, havia fugido de Richmond para o interior confederado na
tentativa desesperada de continuar a guerra usando os exércitos do Sul que
ainda não haviam se rendido às forças da União. Sam Arnold e Mike
O’Laughlen já haviam confessado tudo o que sabiam sobre a trama. Se
Booth falasse também, ele poderia prestar um testemunho inestimável que
implicaria oficiais do mais alto escalão da Confederação.
Mas graças a alguém sob o seu comando, estava óbvio para Conger que
John Wilkes Booth não iria voltar vivo para Washington. Quem havia
disparado aquele tiro? Conger exigiu a informação. Baker lhe perguntou se
ele sabia quem havia atirado.
— Não, mas vou descobrir — prometeu Conger.
Conger se afastou para procurar o soldado bom de gatilho. Ele voltou
logo mas, pelo que Baker pôde supor, de mãos vazias.
— Onde está o homem?
Conger soltou uma gargalhada e respondeu:
— Acho que será melhor deixarmos a Providência e o secretário da
Guerra cuidarem dele.
Baker estava bastante intrigado e Conger lhe explicou o que acontecera.
Quando ele saiu para procurar quem matara Booth, Boston Corbett se
aproximou, ficou em posição de sentido, bateu-lhe continência e declarou:
— Coronel, a Providência me guiou.
Corbett fizera a mesma confissão para o seu oficial comandante, o
tenente Doherty:
— A Providência guiou minha mão.
Corbett alegou que não atirara em Booth por vingança mas sim porque
achou que o assassino estava prestes a abrir fogo contra os soldados. Ele
atirou para proteger a vida dos seus colegas de tropa, insistiu em dizer. E,
continuou, não teve a intenção de matar Booth. Quis apenas causar-lhe um
ferimento que deixasse o assassino incapacitado, para que pudesse ser
capturado. E não violou ordem alguma dos seus superiores. Os homens da
Décima Sexta de Nova York não haviam recebido ordens de conter o fogo.
De fato, Conger, Baker e Doherty não lhes haviam dado ordem alguma a
respeito. Corbett exerceu seu próprio julgamento enquanto oficial não
comissionado e atirou em Booth: “Não foi por medo algum que eu atirei
nele, mas sim porque tive a impressão de que era hora de atirar pois ele
estava prestes a ferir os nossos homens na tentativa de sair daquela toca se
eu não o impedisse.”
O dr. Charles Urquhart, médico local chamado por Doherty e Baker,
chegou à cena e examinou Booth durante dez ou quinze minutos. Seu novo
paciente teve lapsos de consciência e inconsciência durante o exame.
Distraído pelas cenas surreais, perplexo e confuso, Urquhart disse que o
ferimento não era fatal e em seguida reverteu o diagnóstico: o ferimento era
mortal; seria impossível Booth se recuperar.
Vários soldados compararam o local do ferimento fatal de Booth com o
local do ferimento de Lincoln. Talvez, estranharam eles, a justiça divina
tenha direcionado a bala de Corbett para a nuca do assassino. Corbett
também ficou cismado com a coincidência: “Enquanto o corpo de Booth
estava ali na minha frente, ainda vivo, mas ferido, e quando eu vi que a bala
o havia atingido bem atrás da orelha, mais ou menos no mesmo lugar que a
bala dele atingira o sr. Lincoln, eu falei comigo mesmo: ‘Que Deus
temerário nós servimos!’” Mais tarde, Corbett recordou uma oração que ele
mesmo conduzira numa capela em Washington antes de entrar para a
caçada humana: “Oh Senhor, não coloque sangue inocente em nossas mãos,
mas traga logo o culpado à punição.”
Booth percebeu Willie Jett nas proximidades. Depois do disparo, o
guarda responsável por vigiá-lo perto do portão da estrada o havia trazido
até a casa. Ao ver o jovem confederado desleal, Booth se agitou.
— Esse homem me traiu? — Booth perguntou a Conger.
Conger fugiu da pergunta:
— Nós o prendemos.
— Jett me traiu? — Booth perguntou a Baker.
— Oh — respondeu Baker —, nem se preocupe com Jett.
O detetive começou a vasculhar os bolsos de Booth, virando-os ao
avesso. Conger admitiu que “ele olhou para mim e logo se apercebeu do
que estava sendo feito”. Desdobrou um lenço e o estendeu bem esticado ao
lado de Booth. E ali foi colocando os pertences encontrados nos bolsos do
assassino. “Peguei o diário dele, essas letras de câmbio, dinheiro, chaves,
bússola, aparas, tabaco e um canivete.” Da camiseta de baixo ele arrancou
um prêmio especial: um belíssimo alfinete de lapela, “uma pedra incrustada
em azeviche e ouro”, Conger descreveu, gravado com os dizeres “Dan
Bryant para J. W. Booth”. Dois anos antes, o famoso comediante de cara
preta e Booth haviam trocado presentes: Booth deu a Bryant uma garrafa de
bolso para bebidas e Bryant deu a Booth este alfinete de lapela.
Ajoelhada ao lado de Booth, Lucinda Holloway cuidou do astro
moribundo. Enquanto ela olhava para o rosto dele — “luminoso” é como
ela se lembrou dele pelo resto da vida — Booth botou a língua para fora.
Ele estava com sede. Tal qual fizeram os estrangeiros no Gólgota por Cristo
na cruz na Sexta-feira Santa, Lucinda atendeu ao seu pedido: “Peguei meu
lenço, molhei-o na água e umedeci os lábios dele. Tornei a molhar seus
lábios e ele repetiu a mensagem para a mãe. Em seguida ele engasgou e eu
tornei a molhar-lhe os lábios e língua uma terceira vez.”
Booth se recobrou e abriu os olhos.
— O maldito rebelde ainda está vivo! — praguejou um soldado.
— Minhas mãos — sussurrou Booth. Baker tomou-as nas suas, banhou
a pele pegajosa com água fresca e as levantou para que Booth pudesse vê-
las. Pela última vez John Wilkes Booth olhou para as próprias mãos, agora
inúteis, que haviam assassinado um presidente. Carinhosamente, Lucinda
Holloway massageou-lhe as têmporas e a testa. As pontas de seus dedos
sentiram a vida se esvaindo dele: “As pulsações em suas têmporas estavam
ficando cada vez mais fracas.”
Reunindo todas as forças que lhe restavam, declinando rapidamente
agora, Booth olhou para as próprias mãos e tornou a falar:
— Inúteis, inúteis.
A respiração de Booth foi ficando esporádica e difícil, e ele ficava
ofegante de tempos em tempos. “O coração quase parava de bater; de
repente, com algumas batidas rápidas, voltava a se mexer”, observou Baker.
Os lábios de Booth ficaram roxos e sua garganta inchou.
Ele arquejou.
O sol despontava no horizonte, colorindo o céu da parte oriental do país.
Em Albany, Nova York, a população de luto que esperara em fila a noite
inteira ia passando pelos restos mortais de Abraham Lincoln,
magnificamente exibidos na Assembleia do Capitólio estadual. Uma das
pessoas que presenciaram a cena disse que, “durante as primeiras horas da
manhã, uma procissão de gente ia e vinha do Capitólio entristecida pelas
ruas. Excetuando-se o passo lento dessa procissão, não se ouvia barulho
algum”. De tarde, o trem do funeral sairia da estação e rumaria para as
pradarias do oeste. Em breve, Lincoln estaria em casa.
Booth tornou a arquejar.
Sua visão ficou turva.
Ele não conseguia respirar. Arquejou uma terceira vez.
O sol se desprendeu do horizonte e encharcou a fazenda dos Garrett de
luz, que brilhou no rosto de Booth. Os soldados tentaram proteger os olhos
dele pendurando roupas no espaldar de uma cadeira que posicionaram no
alpendre entre Booth e o sol.
Não, não o escondam da luz, teria dito Booth se ainda pudesse falar.
Quando menino, seu quarto em Bei Air dava para o leste e ele dizia para a
querida irmã Asia: “Não quero o pôr-do-sol, é muito melancólico; eu gosto
é de ver o sol nascer.”
O palco escureceu. Seu corpo estremeceu. E acabou. John Wilkes Booth
estava morto. A perseguição de doze dias ao assassino de Abraham Lincoln
terminara.

________________
1 The Trappe = A Arapuca. (N. do T.)
2 Espinheiro da Virginia = em inglês “locust tree”, donde “Locust Hill”.
{N. do T.)
CAPÍTULO 10 “Desta arte o mundo avança”
LUCINDA HOLLOWAY, ACARICIANDO O CABELO DE BOOTH, ASSISTIRA À
morte do ator: “Arquejando três vezes e cruzando as mãos sobre o peito, ele
morreu bem quando o dia estava nascendo.” Ela retorceu um cacho do
cabelo dele nos dedos e capturou o olhar do dr. Urquhart. Não precisou
perguntar. O médico ergueu os olhos, procurando uma chance quando
Doherty, Baker e Conger se distraíssem e parassem de olhar para o cadáver
do assassino. Mais rápido que os olhos deles puderam detectar, a mão de
Urquhart pegou uma afiada tesoura cirúrgica e a levou até a cabeça de
Booth. Num átimo, ele cortou uma pequena mecha da farta cabeleira negra
e a colocou na palma da mão de Lucinda Holloway. Com a mesma rapidez,
ela fechou os dedos em torno da mecha cerrando logo o punho para
esconder a preciosa lembrança. Não era um hábito seu guardar relíquias
assim com essa morbidez que tantas outras pessoas demonstraram por
suvenires sangrentos do grande crime. Não, para ela a mecha era uma
recordação particular e romântica do luminoso astro moribundo. Se os
soldados vissem o que ela fez, eles a subjugariam, abririam seu punho
cerrado e confiscariam seu tesouro.
Mais tarde, depois que os soldados se foram, Lucinda entrou na casa e
foi direto para a estante de livros que guardava outra recordação preciosa —
o binóculo de Booth. Num momento em que não havia ninguém olhando,
ela rabiscou suas iniciais na fivela da alça a tiracolo e depois levou o
binóculo para a casa de sua mãe, a uma distância segura de vários
quilômetros da fazenda dos Garrett.
OS HOMENS DA FAMÍLIA GARRETT FICARAM COMO TESTEMUNHAS MUDAS DO
drama que haviam ajudado a montar. Ao trancarem Booth e Herold no paiol
da fazenda, impossibilitaram que o assassino escapasse quando a Décima
Sexta de Nova York chegou. Haveriam eles capturado um notório assassino,
ou traído um homem ferido e desamparado? Ainda por cima, um homem
que estava sob a sua acolhida! Mereceriam honra ou opróbrio? Os Garrett
temiam julgamento pelo velho código sulista. Em breve, tentaram
reescrever os eventos desta noite para colocar suas ações dentro de uma
ótica positiva. Ignorando o fato de terem despejado Booth de sua casa na
noite de 25 de abril, alegaram que ele havia recusado a cama na sua última
noite e que fora o próprio Booth quem insistira em dormir sob o alpendre
com os cães de presas afiadas ou no paiol sobre as tábuas duras. Para sua
maior conveniência, desprezaram a parte da história a respeito de quem
trancara Booth dentro do paiol.
Nos anos que se seguiram, chegaram até a invocar o nome de Edwin
Booth em defesa da reputação de sua família. Edwin, leal partidário da
União, detestava os feitos de John mas não conseguia se forçar a detestar o
irmão. Tocado pelo fato de a família Garrett ter acolhido John e sob a
errônea impressão de que eles haviam oferecido ao seu desorientado irmão
nada além de gentileza e hospitalidade durante os últimos dois dias de sua
vida, Edwin lhes escreveu uma carta de agradecimento: “Sua família
sempre terá os nossos mais sinceros agradecimentos pela gentileza
dispensada àquele cuja loucura nos fez tanto mal.” Se soubesse a verdade,
que os Garrett haviam trancado seu irmão num paiol como um animal e
ajudaram a montar a pira funerária, em vez de louvar-lhes a gentileza talvez
Edwin Booth tivesse sentido vontade de vir a Port Royal para queimar todo
o resto da fazenda.
O emocionante relato da caçada humana feito pelo jornalista George
Alfred Townsend.
E talvez Edwin Booth não tivesse sido o único. Os jornais e o público
satanizaram a fazenda dos Garrett e deram-lhe características humanas,
assim como fizeram com o Teatro Ford. A caracterização sensacionalista de
George Alfred Townsend falava por muita gente: “Sob a parca luz do luar...
uma simples casa de fazenda velha e cinzenta despontava no meio dos
espinheiros-da-virgínia. As paredes caiadas estavam castigadas e
descoradas, e dos dois andares as janelas meio humanas fitavam os
silenciosos soldados da cavalaria qual corujas vigilantes fazendo-se
sentinelas de um segredo horrível adormecido no interior... nesta casa, tão
pacata ao luar, a morte lavara suas mãos sujas e cuidara de saciar seu
apetite.”
Conger, Baker e Doherty queriam ter certeza absoluta, antes de levarem
o corpo de volta para Washington, de que haviam pegado o homem certo,
de forma que tiraram de seus bolsos os cartões com as imagens de Booth.
Impressionadíssimo, o jovem Richard Garrett observou os procedimentos:
“Eu vi tudo... nossa família inteira viu tudo. Ele era um homem
impressionantemente bonito, com um rosto difícil de esquecer. Os detetives
tinham uma descrição impressa que verificaram depois da morte dele.
Todos os aspectos estavam lá, altura, cor do cabelo, olhos, tamanho da
mão... eu vi as iniciais J.W.B. exatamente onde a descrição dizia. Eu vi os
detetives colocarem... a fotografia de John Wilkes Booth... ao lado do rosto
do homem morto que nós já conhecíamos havia dois dias, e nada no mundo
me convenceria de que Deus tivesse feito dois homens tão iguais.”
O tenente Doherty desenrolou seu áspero cobertor de lã regulamentar do
exército e mandou que seus homens colocassem o corpo de Booth em cima.
Mandou que as meninas da família Garrett fossem lá dentro da casa e lhe
trouxessem uma agulha grossa de costura. Então, ele costurou o cobertor
em torno do corpo do assassino, deixando aberta uma das extremidades,
qual um saco de dormir, da qual saíam os pés de Booth. Precisava-se de
uma carroça. Os homens de Doherty acharam pelas redondezas alguém a
quem contratar para levar o corpo até Port Royal. O homem trouxe até o
alpendre da casa dos Garrett a carroça, onde alguns soldados jogaram o
corpo de Booth qual uma saca de milho. David Herold, chorando muito e se
lamuriando, oferecendo desculpas que ninguém estava interessado em
ouvir, a tudo assistiu.
George Alfred Townsend passou para os seus leitores um quadro
inesquecível do rabecão improvisado de Booth:
Um venerável negro velho, que morava nos arredores, tinha o
infortúnio de possuir um cavalo. O animal era uma relíquia de
gerações passadas e mostrava nas costelas aparentes a penúria geral
da terra. Tinha andadura esquipada excêntrica e, quando lhe exigiam
velocidade, marchava mais devagar. À cavalgadura desse negro velho
estava atrelada uma carroça trôpega e absurda, que chacoalhava
como que prestes a se desmantelar e cujas peças funcionavam sem
conexão alguma entre si. A traseira era aberta e os eixos, magros feito
a fome; e neste arremedo de veículo o assassino deveria ser levado até
o rio Potomac... O negro velho manobrou a carroça no cabresto e
quando ela encostou no alpendre dos Garrett, colocaram nela o corpo
descorado. O cadáver foi amarrado com cordas pelas pernas e preso à
lateral da carroça... E assim foi o troço dos cavaleiros da desforra,
com a morte em seu seio, pela estrada de Port Royal... Ao longo de
todo o caminho, o sangue foi pingando do cadáver em lenta e
incessante exsudação.
A procissão com o cadáver de Booth fez exatamente o mesmo percurso
que ele, David Herold e seus três jovens companheiros confederados
haviam feito de Port Royal até a fazenda dos Garrett dois dias atrás. Não
houve público enlutado, pranteando morte alguma, quando ela passou. Os
soldados forçaram Herold a caminhar, mas ele reclamou veementemente
que seus pés o estavam matando. Eles o colocaram num cavalo, amarrando-
lhe os pés aos estribos e as mãos à sela. No trajeto, um dos soldados puxou
conversa e conseguiu um soberbo suvenir — ele convenceu o companheiro
de Booth a trocar o seu colete pelo dele.
Os sacolejos da carroça desfizeram os coágulos que estancavam a ferida
de Booth, observou Townsend. “A ferida de Booth mal pingava até o
momento da partida. Quando a carroça começou a andar, ela tornou a verter
muito sangue, que escorreu pelas frestas da caçamba e pingou sobre o eixo,
deixando a estrada salpicada de hóstias funestas.” Foi uma lúgubre
recriação da cena de rua ocorrida diante do Teatro Ford na noite de 14 de
abril, quando gotas do sangue e dos miolos de Abraham Lincoln escorriam
e se espatifavam na lama do chão. Townsend saboreou o fenômeno do
sangue de Booth escorrendo como os estigmas de um cadáver amaldiçoado:
“Manchou as tábuas e encharcou os cobertores; e o negro velho, numa das
paradas, encostou a mão nele por engano, tirando-a instantaneamente,
estremecendo e soltando um grito abafado:
— Oh! Isso não vai sair nunca daí; é sangue de assassino.
Ele esfregou as mãos e se dirigiu aos soldados com um olhar de súplica:
— Oh! Eu não queria isso pra mim nem por milhares e milhares de
dólares.”
Depois de cruzarem o Rappahannock, Luther Baker e Ned Freeman
levaram o corpo de Booth de Port Conway para Belle Plaine. Cinco
quilômetros ao norte dali, Baker mandou chamar o John S. Ide, que havia
transportado a Décima Sexta Cavalaria de Nova York para Belle Plaine no
dia 24. Não havia cais ao norte de Belle Plaine, de forma que Baker
descarregou o cadáver de Booth da. carroça de Freeman, colocou-o num
barco pequeno e remou até chegar ao Ide.
MILHARES E MILHARES DE DÓLARES ERA EXATAMENTE O QUE CONGER,
Baker, Doherty e os homens da Décima Sexta de Nova York tinham em
mente. De fato, quando a notícia da morte do assassino se espalhou, os
caçadores na Virginia, em Maryland e no Distrito de Columbia começaram
a fantasiar sobre a mesma coisa: aquele cartaz do Departamento da Guerra
datado de 20 de abril de 1865 e sua retumbante proclamação — aUS$
100.000 em RECOMPENSAS! O assassino de nosso querido presidente
Abraham Lincoln ainda está à solta.” Booth estava morto. Mary Surratt,
Lewis Powell, George Atzerodt, Sam Arnold, Michael O’Laughlen, o dr.
Samuel A. Mudd, Ned Spangler e David Herold haviam todos sido presos.
Era só uma questão de tempo até que o governo dos EUA começasse a
emitir cheques — para alguém.
O plano de Conger funcionou. Ele chegou a Washington antes do corpo
de Booth e agora poderia reivindicar o crédito de ter sido o primeiro a
contar a novidade para Edwin Stanton. Foi correndo do cais ao escritório do
coronel Baker, onde deu-lhe a notícia. “Ele entrou no escritório dos
fundos”, declarou Baker, “e me disse que tinha pegado o Booth.” Conger
contou a história da fazenda dos Garrett, abriu o lenço e mostrou a Baker o
que tinha — os pertences retirados do corpo de Booth. Os dois detetives
tomaram uma carruagem e, por volta das 5 horas da tarde, chegavam ao
Departamento da Guerra para dar a notícia a Stanton. Mas o secretário já
havia encerrado o dia no escritório. Então, eles foram para a casa do
secretário, saltaram da carruagem e correram até a porta da frente.
Encontraram Stanton na sala de estar recostado num sofá, descansando, mas
acordado.
— Nós pegamos o Booth — Baker lhe disse.
Stanton cobriu os olhos com as mãos, ficou parado um pouco e se
levantou. Conger e Baker depositaram os pertences de Booth numa mesa.
Stanton pegou o diário e, conforme Baker narrou, “depois de olhar para o
diário durante algum tempo, ele o entregou de volta para mim”. Depois,
continuou Baker, “pegou a pequena bússola de bolso”. Na tranquilidade de
sua sala de estar, Stanton recebeu a notícia — Booth fora pego, estava
morto e a caçada ao assassino de Lincoln estava encerrada. O secretário de
Guerra ainda não estava pronto para comemorar. Ele queria ter certeza de
que o corpo que estava sendo trazido para Washington era mesmo o de John
Wilkes Booth. Conger desenrolara um lenço contendo os tesouros que
surrupiara ao corpo ainda vivo de Booth e compartilhara seu saque com
Stanton. Provas convincentes, Stanton deve ter concordado, mas ele
precisava ter certeza absoluta. Resolveu montar um inquérito a bordo do
Montauk assim que o corpo de Booth chegasse em Washington. As
declarações das testemunhas teriam de ser registradas em cartório. Seria
feita uma autópsia. Aí Stanton teria certeza.
Em Washington, o vapor John S. Ide se encontrou nas águas das
cercanias do Estaleiro Naval dos EUA com uma canhoneira — o couraçado
Montauk —, a mesma embarcação que Abraham e Mary Lincoln visitaram
durante o passeio de carruagem na tarde do assassinato. Stanton tomou
providências imediatas para confirmar a identidade do homem morto na
fazenda dos Garrett. Num primeiro olhar, mal se reconhecia Booth. Ele
havia raspado o bigode, e o ferimento, o estresse psicológico da caçada
humana e os doze dias árduos vivendo ao relento haviam lhe custado
bastante, relatou Townsend sobre a sua doravante magnífica aparência.
“Estava razoavelmente bem preservada, embora de um lado o rosto
estivesse retorcido, no tom azulado da morte, com traços de bandoleiro
arredio, como que expostos por anjos vingadores.” O Departamento da
Guerra queria esmagar qualquer mito que pudesse ser criado em torno de
uma sobrevivência de Booth. Edwin Stanton já havia esmiuçado todos os
pertences pessoais recolhidos na fazenda dos Garrett: as fotografias das
namoradas; a bússola de bolso que guiara Booth para o sul em direção à
segurança imaginada; a agenda de bolso com capa de couro. Stanton foi
virando as páginas e fez uma descoberta impressionante: Booth improvisara
e usara a agenda como diário, registrando ali o seu motivo para matar
Lincoln e todo o tumulto da perseguição. Stanton sabia que somente um
homem poderia ter escrito aquelas palavras exaltadas: o assassino de
Abraham Lincoln. Stanton divulgou a notícia para todo o país.
Departamento Da Guerra Washington, D.C., 27 de abril de 1865
General de divisão Dix, Nova York:
J. Wilkes Booth e Harrold foram afugentados do pântano no
condado de St. Mary, Maryland, e ontem de manhã perseguidos na
fazenda dos Garrett, perto de Port Royal, no Rappahannock, pelas
forças do coronel Baker.
O paiol onde eles se refugiaram foi incendiado. Na tentativa de
escapar, Booth foi atingido na cabeça e morreu, mais ou menos três
horas depois, e Harrold foi pego com vida.
O corpo de Booth e Harrold estão aqui agora.
Edwin M. Stanton
Secretário da Guerra
A notícia da chegada do corpo de Booth se espalhou rapidamente pela
capital e centenas de espectadores acudiram ao rio para dar uma espiada no
assassino morto. “Em Washington”, relatou George Alfred Townsend,
“gente de todos os feitios veio ver Booth. Somente umas poucas pessoas
tiveram permissão para olhar seu cadáver, com o propósito de fazer
reconhecimento.” Um correspondente do Chicago Tribune confirmou, com
notável decepção, que “as autoridades parecem não estar muito inclinadas a
dar à carcaça malévola a honra de um encontro com o olhar público”.
A notícia da morte de Booth circulou pelo país inteiro através do
telégrafo e os jornais de todo canto correram a publicar artigos
entusiasmados repletos de detalhes do clímax da caçada humana na fazenda
dos Garrett. Quando a notícia chegou à Filadélfia, T. J. Hemphill do Teatro
Walnut soube logo o que precisava ser feito. Ele foi bater à casa de Asia
Booth Clarke e ela o recebeu prontamente. Bastou vê-lo para saber logo o
que deveria ter sido. “O velho ficou ali se equilibrando perto da mesa do
centro; não tirou os olhos do chão; seu rosto estava pálido e demonstrava
todo o nervosismo. A atitude e postura passaram a notícia que ele ficara
incumbido de dar.” Asia falou primeiro:
— Acabou?
— Sim, senhora.
— Foi pego?
— Foi.
— Morto?
— Sim, senhora.
Asia, que estava grávida de gêmeos, desmoronou no sofá. Se um dos
bebês fosse menino, ela queria chamá-lo de John. “Meu coração batia como
uma maquinaria pesada, de tão alto e forte. Eu me deitei com o rosto virado
para a parede, agradecendo solenemente a Deus, e ouvi o velho se
engasgando com os soluços, saindo da casa e fechando a porta depois que
foi embora.”
Vários homens que conheceram Booth em vida, inclusive seu médico e
dentista, foram convocados a vir a bordo do couraçado Montauk para
confirmar sua morte. Foi tudo muito oficial. O Departamento da Guerra
chegou até a emitir um elaborado recibo para o tabelião que reconheceu o
testemunho prestado. Durante uma cuidadosa autópsia, os cirurgiões
observaram uma cicatriz antiga e marcante no pescoço, além da tatuagem
“JWB” que Booth mandara fazer na mão quando garoto. A causa mortis foi
fácil de comprovar: ferimento causado por uma única bala através do
pescoço. Como prova, os cirurgiões extirparam as vértebras através das
quais ela havia passado e também removeram parte do tórax de Booth,
colocando ossos e tecidos em salmoura num frasco cuidadosamente
etiquetado. As vértebras de Booth repousam hoje num museu médico pouco
conhecido, uma atração entre milhares de uma funesta coleção dedicada a
documentar as feridas da Guerra de Secessão. O relatório da autópsia do
chefe do serviço de saúde foi clínico e breve, mas traiu a emoção do
momento. Em sua carta a Edwin Stanton, o dr. Barnes assegurou ao
secretário de guerra que John Wilkes Booth havia sofrido:
Tenho a honra de relatar que, em cumprimento às suas ordens,
assistido pelo dr. Woodward, EUA, eu fiz, às 2 horas da tarde de hoje,
um exame post-mortem do corpo de J. Wilkes Booth, que jaz a bordo
do Monitor Montauk nas águas do Estaleiro Naval.
A perna e o pé esquerdos estavam imobilizados num dispositivo de
talas e ataduras, cuja remoção revelou uma fratura da fíbula (osso
pequeno da perna) a sete centímetros e meio acima da articulação do
tornozelo, acompanhada de equimose considerável.
A causa mortis foi um ferimento a bala no pescoço — com
penetração logo atrás do músculo esternocleido, 6,5cm acima da
clavícula, e saída através da ponte óssea entre a quarta e a quinta
vértebras cervicais — decepando a medula espinhal e saindo através
do corpo do esternocleido pelo lado direito, 7,5cm acima da clavícula.
A paralisia do corpo inteiro foi imediata e todos os horrores da
consciência de sofrimento e morte devem ter estado presentes para o
assassino durante as duas horas em que ele sobreviveu.
Stanton havia decidido que um registro escrito da autópsia seria
insuficiente. Ele convocou o gabaritado fotógrafo Alexander Gardner, rival
de Matthew Brady e um dos favoritos do presidente Lincoln, para
fotografar o cadáver de Booth, esticado sem roupa sobre uma prancha no
convés do couraçado. Stanton também permitiu que Gardner fotografasse
os conspiradores presos nos couraçados Montauk e Saugus. Gardner
registrou várias imagens de Arnold, O’Laughlen, Spangler, Atzerodt e
Herold, cada qual usando um tipo raro de algemas chamadas “Lilley irons”,
ligadas por uma sólida barra de ferro que não permitia ao prisioneiro juntar
as mãos. Eles tornariam a ver Gardner em breve, quando ele viesse tirar
seus retratos finais. Gardner se interessou especialmente por Lewis Powell,
retratando-o em diversas poses que em breve passou a reproduzir sob a
forma de cartões em tamanho de bolso para venda ao público. Mas, por
ordem de Stanton, não haveria exibição pública das imagens da autópsia. O
Harpefs Weekly confeccionou uma única matriz baseada numa das tétricas
imagens, mas as chapas de vidro originais e as impressões em papel dos
troféus fotográficos de Stanton desapareceram há 140 anos, logo depois de
feitas, e jamais foram vistas novamente.
O proeminente escultor Clark Mills, que recentemente fizera em gesso
uma máscara de Lincoln em vida, em março de 1865, buscou permissão
para fazer uma máscara do assassino morto. Ele queria subir a bordo do
Montauk, empapar o rosto de Booth com gesso molhado e, quando secasse,
retirar a máscara com as feições ali registradas. Para o secretário da Guerra,
Mills foi longe demais. Segundo a matéria publicada num jornal, “o sr.
Stanton não o considerou um primor de lealdade e respondeu: ‘É melhor
você cuidar da sua própria cabeça”’. Talvez Stanton tenha raciocinado que
máscaras post mortem eram mais adequadas para homenagear grandes
homens, não seus assassinos.
Stanton certamente esperava que, qual as fotografias da autópsia, o
corpo de Booth fosse desaparecer. Sempre atrás de um furo de reportagem,
os jornalistas estavam ávidos por desencavar o último grande episódio nos
doze dias da caçada humana: o destino dos restos mortais do assassino.
Townsend foi sondar Lafayette C. Baker:
— O que vocês fizeram com o corpo?
O coronel Baker deu uma resposta portentosa e dramática, típica do seu
estilo:
— Isso só um homem além de mim sabe. O corpo se foi. Eu não vou
dizer para onde. O único homem que sabe jurou silêncio. Até que soem as
grandes trombetas, ninguém há de descobrir o túmulo de Booth.
“E isso é verdade”, confidenciou Townsend aos seus leitores.
Nos dias que se seguiram ao encerramento da caçada humana, todos os
principais jornais americanos amaldiçoaram John Wilkes Booth com
epítetos de despedida. O mais vívido de todos foi de autoria de George
Alfred Townsend:
Ontem à noite, 27 de abril, um pequeno barco a remo recebeu a
carcaça do assassino; dois homens que ali estavam carregaram o
corpo para o meio das trevas, trevas essas de onde ele jamais sairá...
Nas trevas, qual seu grande crime, que fique para sempre, impalpável,
invisível, indescritível, condenado ao que é pior que a danação — a
aniquilação. O fundo do rio pode engolfá-lo com o grande fardo de
chumbo e grilhões. A terra pode ter-se aberto para dar-lhe o silêncio e
o perdão que o homem jamais dará à sua memória. Os peixes podem
nadar em seu redor ou as margaridas podem florescer sobre ele; mas
nós jamais o saberemos. Misterioso, incompreensível, intangível, qual
os tempos sombrios que vivemos e pensamos que só os sonhássemos
sob febre delirante, o assassino do chefe de uma nação jaz em algum
lugar dos elementos, e só; mas se o mar indignado ou turfa profanada
vier a vomitar seu cadáver de suas entranhas e este receber enterro
humanitário ou cristão de alguém que não o reconheça, que as últimas
palavras proferidas por aqueles lábios decadentes sejam gravadas
sobre ele com uma adaga, para contar a história de uma vida jovem e
um dia promissora — INÚTIL! INÚTIL!
Mas Lafayette Baker havia mentido para Townsend. A segunda caçada
a John Wilkes Booth — esta por seu cadáver — acabava de começar. Para
evitar que o túmulo de Booth se tornasse um santuário e seu corpo uma
relíquia sagrada da Causa Perdida, os marinheiros do Montauk,
acompanhados dos Baker, fingiram levar o corpo no barco a remo para
águas profundas e sepultá-lo no mar, de tal forma lastreado para que jamais
tornasse à superfície. A imprensa pegou a isca e um jornal, o Frank Leslies
Illustrated News, chegou até a publicar um bloco de primeira página
ilustrando a falsa inumação n’água. O que aconteceu de verdade foi muito
menos dramático. Lafayette Baker, Luther Baker e dois marinheiros do
Montauk levaram o corpo de Booth da canhoneira e o colocaram no fundo
de um barco a remo. Os marinheiros largaram do convés baixo do
couraçado e remaram para longe do Estaleiro Naval, descendo o braço
oriental do Potomac. Booth estava novamente no rio, sete dias depois de
Thomas Jones tê-lo levado para as suas barrancas. Os marinheiros rumaram
para um posto do exército em Greenleaf’s Point chamado de Velho Arsenal,
ou Velha Penitenciária, um complexo com várias sólidas edificações de
alvenaria e um pátio cercado por um muro alto também de alvenaria. Eles
atracaram num pequeno cais de madeira anexado ao arsenal. Lafayette
Baker desembarcou no cais e, deixando o primo encarregado do cadáver,
entrou no forte para falar com o major Benton, o oficial de artilharia que
Stanton tinha escolhido para colocar Booth no túmulo. Benton e Baker
voltaram para o cais, olharam para o corpo e, conforme se recordou Luther
Baker, “deram por findo o assunto”. Benton sabia exatamente o lugar onde
enterrá-lo.
Mandou então que alguns dos seus homens carregassem o corpo de
Booth para o interior do forte. Eles o jogaram num engradado retangular de
madeira, usado para guardar mosquetões, e aparafusaram a tampa. Alguém
escreveu o nome de Booth em cima. Então, eles enterraram o assassino num
túmulo secreto, sem identificação, na penitenciária do Velho Arsenal, o
lugar escolhido por Edwin Stanton como sepultura dessacralizada para John
Wilkes Booth e vários de seus conspiradores que em breve viriam juntar-se
a ele no túmulo. Stanton guardou a única chave. “Dei instruções para que
ele fosse enterrado naquele local e que o local fosse guardado a sete
chaves”, disse Stanton. Ele queria ter certeza de que “o corpo não fosse
tornado sujeito de glorificação por pessoas desleais e por aqueles que
simpatizavam com a rebelião”, ou “... o instrumento de júbilo pelo
sacrifício do sr. Lincoln”. Stanton queria manter adoradores e
colecionadores a distância: “O único objetivo era colocar o corpo dele num
lugar onde não lhe pudesse ser dado uso impróprio até que espairecesse a
agitação.” Booth escapara uma vez na noite do assassinato, mas não
escaparia de Stanton novamente.
A morte de Booth não encerrou a caçada humana para aqueles que
haviam entrado em contato com o assassino durante a fuga. Se eles
achavam que Boston Corbett os tinha salvado, estavam errados. Stanton não
se dera por satisfeito ainda. A proclamação de 20 de abril deixava claro:
“Todos aqueles que derem acolhida ou escondam essas pessoas... ou ajudem
a escondê-las ou auxiliem na sua fuga serão tratados como cúmplices do
assassinato do presidente... e ficarão sujeitos a... punição com a MORTE.”
Stanton enviou mais patrulhas a Maryland e Virginia para rastrear todo
mundo que ele soubesse, ou ao menos suspeitasse, ter visto ou ajudado
Booth durante os doze dias da fuga. Thomas Jones, o coronel Cox, os filhos
de Garrett e muitos mais foram presos e levados para a prisão no prédio do
antigo Capitólio. É curioso que, em seguida, poucas semanas depois,
Stanton libertou todos. Ele resolveu levar apenas oito réus a julgamento —
Mary Surratt, Lewis Powell, David Herold, George Atzerodt, Samuel
Arnold, Michael O’Laughlen, Edman Spangler e Samuel Mudd. Nenhuma
pessoa que ajudou Booth e Herold em Maryland ou Virginia, exceto o dr.
Mudd, foi punida por prestar auxílio ao assassino de Lincoln. Eles voltaram
para suas casas e suas famílias e, durante muitos anos, contaram histórias
secretas sobre seus feitos durante a grande caçada humana.
Vários dias depois do enterro de Booth, Luther Baker, numa sequência
da caçada humana, empreendeu nova jornada à fazenda dos Garrett. Foi
depois do pôr-do-sol. Os restos calcinados dos postes de cedro, as tábuas e
pranchas de madeira que tanto arderam na madrugada de 26 de abril haviam
resfriado. Baker caminhou pelas ruínas: “Pouco antes de escurecer, fui até
onde ficava o paiol que pegou fogo, achando que poderia encontrar
vestígios... Vasculhei um pouco as cinzas e encontrei chumbo derretido
(parece que ele tinha alguns cartuchos consigo) e pedaços do cobertor de
Herold.”
Outra caçada — esta pelo dinheiro da recompensa — começou antes
mesmo que o corpo de Booth esfriasse no túmulo. Estando ele morto e seus
principais cúmplices presos, aguardando julgamento pelo assassino do
presidente e pelo atentado a William Seward, era hora de receber. Centenas
de caçadores vieram reivindicar uma parte dos US$ 100.000. Informantes
com pouquíssimas informações e alguns até mesmo sem nenhuma
informação conectada aos eventos de 14 a 26 de abril de 1865 vinham atrás
de recompensas. Dentre os detetives rivais, oficiais do exército, homens
alistados, policiais e cidadãos em geral, a competição era brutal. Os
candidatos exageravam as participações, apequenavam seus rivais e
elaboravam mentiras fantásticas para aumentar sua parte. Num longo aval
de suporte à sua reivindicação, Lafayette Baker vangloriava-se de ter sido o
primeiro a distribuir fotografias de Booth, Herold e Surratt. O tenente
Doherty pediu aos soldados sob seu comando que escrevessem declarações
de apoio à sua versão dos eventos ocorridos na fazenda dos Garrett.
A princípio, as intrigas de Lafayette Baker deram bom retorno — US$
17.000, quantia impressionante levando-se em conta que o salário do
presidente dos EUA era US$ 25.000 ao ano. O coronel Conger recebeu o
mesmo que Baker; Luther Baker recebeu US$ 5.000; e o tenente Doherty,
comandante da Décima Sexta Patrulha de Nova York na Fazenda Garrett,
recebeu apenas US$ 2.500. Juntos, os primos Baker manobraram melhor
que seus rivais e monopolizaram US$ 22.500, quase um quarto de toda a
recompensa de US$ 100.000. Reclamações indignadas e veementes
forçaram o Congresso a investigar o assunto. Reivindicações foram
reavaliadas, relatórios foram publicados pela Gráfica do Governo e, durante
todo o tempo, os gananciosos caçadores fizeram lobby para conseguir seu
quinhão. Booth provavelmente teria se divertido com esse grotesco
espetáculo de contendas por dinheiro sanguinário girando em torno dos
cadáveres de um presidente e seu assassino.
O Congresso ajustou os montantes e, afinal, mais de um ano depois da
caçada humana, o Tesouro dos EUA emitiu ordens de pagamento para o
desembolso da recompensa. O Congresso reduziu a parte de Conger de US$
17.500 para US$ 15.000 e aumentou a de Doherty para um montante mais
generoso de US$ 5.250. Os Baker, porém, sofreram mais. Lafayette, que
não esteve presente na fazenda dos Garrett, enfrentou uma redução de US$
17.500 para US$ 3.750, enquanto a parte de Luther Byron Baker baixou de
US$ 5.000 para US$ 3.000. Deus pode ter guiado a mão de Boston Corbett
na fazenda dos Garrett, mas o Todo-poderoso não interveio para forrar o
bolso do excêntrico sargento. Ele recebeu o mesmo benefício de todo
homem alistado e oficial não comissionado que estivera presente — US$
1.653,84.
Conger, Doherty, os Baker e vinte e seis homens — dois sargentos, sete
cabos e dezessete praças — da Décima Sexta Cavalaria de Nova York não
foram os únicos a receber pagamento pela captura de Booth e a prisão de
Herold. James O’Beirne, H. H. Wells, George Cottingham e Alexander
Lovett receberam a recompensa de US$ 1.000 cada um pelo papel que
desempenharam na caçada humana.
E houve ainda as outras recompensas. Nove homens receberam
gratificações pela captura de George Atzerodt. O sargento Zachariah
Gemmill ganhou a maior — US$ 3.598,54 — e sete outros receberam
somas inferiores, de US$ 2.878,78 cada. James W. Purdum, o cidadão cuja
indicação contribuiu para a prisão do alemão, recebeu o mesmo. O major E.
R. Artman, 213° Regimento de Infantaria dos Voluntários da Pensilvânia,
recebeu US$ 1.250.
Dez reclamantes dividiram o dinheiro da recompensa reservado para a
prisão de Lewis Powell. Comparada ao que alguns outros caçadores
receberam por trabalho menos perigoso, a gratificação pela captura do
perigoso perpetrador do atentado a Seward não foi generosa. O major H. W.
Smith recebeu mais, US$ 1.000, e os outros participantes — o detetive
Richard Morgan, Eli Devore, Charles H. Rosch, Thomas Sampson e
William Wermerskirch — receberam US$ 500 cada. Os cidadãos John H.
Kimball e P. W. Clark também receberam US$ 500 cada, e duas mulheres,
Mary Ann Griffin e Susan Jackson — “de cor” — receberam as menores
recompensas pagas a qualquer um que tenha entrado na partilha das
gratificações, apenas US$ 250 cada.
Os pagamentos de recompensa chegaram ao total de US$ 104.999,60 e
o Departamento do Tesouro emitiu ordens de pagamento “para atender a
todas as reivindicações”, o que deixou insatisfeitos muitos dos reclamantes
— oficiais, soldados, detetives, autoridades do governo, cidadãos e malucos
— que sonhavam ganhar algum em cima da proclamação que Stanton
divulgara em 20 de abril, mas nada receberam.
Richard Garrett também fez uma reivindicação contra o governo, não
por ajudar a capturar Booth e Herold, mas pelo dano que os caçadores
causaram à sua propriedade. O seu inventário foi caro. Dois mil dólares por
um “paiol de tabaco... cujo madeirame era estruturado com postes de cedro,
tabuado de madeira em toda a extensão do piso... equipado com todos os
elementos necessários à cura do tabaco, inclusive uma prensa de qualidade
e varas para pendurar as folhas”. E havia ainda o conteúdo, pelo qual
Richard exigiu US$ 2.670: “Uma máquina para debulhar o trigo (150); dois
fornos (25); um conjunto de mesa grande de jantar (mogno ou nogueira)
(50); dez cadeiras de nogueira, com assento estofado (40); uma cama de
penas (15); uma pá (1); dois machados (3); cinco sacas de semente de milho
doce (7,50); duzentos e cinquenta quilos de feno (10).”
Além disso, Garrett queria US$ 21 pelas sete sacas de milho e 150
quilos de feno consumidos pelos cavalos da Décima Sexta de Nova York. O
governo considerou sua reivindicação, emitiu um laudo oficial e recusou-se
a pagar-lhe um centavo sequer, porque ele havia sido, afinal de contas,
desleal com a União.
Boston Corbett acabou desfrutando de uma compensação adicional —
fama. O público o homenageou como “Vingador de Lincoln”. Ele arranjou
uma infinidade de fãs que o encheram de correspondência, cartas às quais
ele respondia uma por uma, oferecendo às vezes pinceladas biográficas,
aconselhamento religioso ou ainda, ocasionalmente, um cobiçado relato em
primeira mão dos eventos na fazenda dos Garrett. Para deleite dos que
buscam autógrafos, Corbett fazia questão de assinar essas cartas com nome
completo, posto e unidade. As que se seguem são exemplos típicos.
Hotel Clarendon
Washington, D.C.
6 de maio de 1865
Meu jovem amigo devo responder pois a sua pergunta é tão gentil.
Que Deus o abençoe e proteja e 0 resguarde das armadilhas do
Maligno Que prevaleceu sobre aquele que tirou a vida do Nosso
presidente. A Escritura diz: Resiste ao Diabo e ele fugirá de ti...
Boston Corbett / Sarg. Co. L. 16a Cav. de NY.
Quartel Lincoln / Washington, D.C. /11 de maio de 1865 Prezado
Senhor, em resposta à sua solicitação eu diria que Booth foi morto na
madrugada de 26 de abril de 1865 perto de Port Royal, Virginia, local
onde cruzamos 0 Rappahannock em sua perseguição. Ele sobreviveu
apenas um curto período de tempo depois que levou 0 tiro, talvez 3
horas, por volta das 7 horas da manhã, veio a falecer. Atenciosamente
Boston Corbett
Sarg. Co. L. 16a Cav. de NY.
Inacreditavelmente, Corbett também se correspondeu com a família do
assassino. A carta de Corbett, há muito perdida e de conteúdo
desconhecido, existe apenas como sombra nas lembranças guardadas por
Asia Booth Clarke do irmão: “Consideramos Boston Corbett como nosso
liberador, pois com seu tiro ele salvou nosso irmão de uma morte
ignominiosa... Eu devolvi a carta de Boston Corbett; ele não solicitou
exatamente isso, mas achei que seria honrado fazê-lo e mais seguro na
ocasião não mantê-la... Ele ainda está vivo, mas eu sei que não é feliz... Que
não tenha arrependimentos!”
O fotógrafo Matthew Brady deu um golpe de mestre em cima do rival
Alexander Gardner. Embora este tenha ganhado o direito de fotografar os
conspiradores acorrentados nos couraçados da marinha e também a autópsia
de Booth, Brady conseguiu uma sessão exclusiva com o homem do
momento. Sempre alerta às possibilidades comerciais de sua arte, Brady
colocou Corbett em diversas poses: sentado e em pé, lendo um livro e
olhando para a câmera, armado e desarmado. Brady chegou até a convencer
o tenente Doherty a participar tirando um retrato com Corbett, os dois em
pé e totalmente paramentados com a indumentária da cavalaria. Quanto
maior o número de poses que Brady conseguisse induzir Corbett a fazer,
maior a quantidade de cartões que poderia vender a um público abismado.
Alguns fãs sortudos até conseguiram que Corbett lhes autografasse a
fotografia para guardar no álbum. Quando ele aparecia em público, relatou
um jornal, “era tratado como celebridade, nas ruas o povo o cercava e às
vezes até aclamava aos brados”.
Algumas vozes destoantes, entre as quais se incluem os editores do
Chicago Tribune, cismaram por que os homens da Décima Sexta de Nova
York tinham de matar o assassino: “O remorso geral é que Booth não foi
pego com vida, e a disposição geral é reclamar que poderia caso tivesse
sido feita uma investida combinada dos vinte e oito homens que o
cercavam.”
O homem do momento, Boston Corbett (acima), que matou Booth.
Dinheiro sanguinário - a parcela que Corbett recebeu da recompensa de
US$ 100.000 (abaixo). Além do dinheiro da recompensa, Boston Corbett
lucrou pouco com sua fama. Caçadores de relíquias ofereceram quantias
fantásticas pelo seu revólver Colt, até US$ 1.000, mas Corbett se recusou a
ficar sem ele. Não estava à venda: a arma fora comprada pelo Departamento
da Guerra e entregue ao sargento juntamente com seu uniforme, sabre e
outros equipamentos. Não muito tempo depois que ele deu o tiro em Booth,
roubaram-lhe o revólver e, desde então, a arma nunca mais foi vista.
Boston Corbett nunca foi punido por atirar em Booth. Ele não
descumpriu ordens e ninguém pôde provar que o seu motivo real tivesse
sido qualquer outro além de proteger seus homens. Ele tinha reputação de
bom soldado. Luther Baker lembrou-se de que “ele cumpria suas obrigações
de soldado com muito rigor e parecia ter muita dignidade entre seus
homens”. Mas Baker também se lembrou de outra coisa a respeito do
sargento excêntrico e lutador que havia se automutilado: “Eu percebi desde
o início que ele tinha uma expressão estranha.”
Dois MESES E MEIO DEPOIS DA MORTE DE JOHN WILKES BOOTH NA
FAZENDA dos Garrett, por volta das 11 horas da manhã de 6 de julho de
1865, o relógio começou a marcar os momentos de um dos eventos mais
dramáticos da história de Washington, o epílogo da caçada aos assassinos
de Lincoln. Começou quando o general de divisão Winfield Scott Hancock
foi à Penitenciária do Velho Arsenal, agora Forte Leslie McNair, levando
quatro envelopes selados do Departamento da Guerra. Estavam
caprichosamente endereçados em boa caligrafia a quatro prisioneiros que lá
estavam em solitária.
Hancock entregou os envelopes ao general de divisão John E Hartranft,
comandante da prisão. Hartranft recebeu a correspondência com severidade.
Ele suspeitava, antes mesmo de romper os lacres, dos conteúdos e da tarefa
que o aguardava. Juntos, Hartranft e Hancock marcharam até o prédio da
prisão e, percorrendo um comprido corredor, de cela em cela entregaram os
envelopes aos seus destinatários — Lewis Powell, Mary Surratt, David
Herold e George Atzerodt.
Abertos às pressas, os envelopes continham sentenças de morte. Por
terem sido considerados por uma comissão militar culpados de conspirar
com John Wilkes Booth no assassinato de Abraham Lincoln e no atentado
contra o secretário de Estado William Seward, Powell, Surratt, Herold e
Atzerodt foram informados através dessas cartas de que estavam
condenados à morte por enforcamento.
Para os réus, a notícia já era suficientemente ruim, mas o resto foi
igualmente chocante. Por ordem do presidente Andrew Johnson, seriam
enforcados no dia seguinte, 7 de julho. Hartranft deixou os estupefatos
prisioneiros, que tinham menos de um dia de vida, a contemplarem seus
destinos. Ele tinha trabalho a fazer. Será que alguém no forte sabia construir
um cadafalso? Ou como atar um laço de corda?
A rápida condenação, sentenciamento e execução dos conspiradores do
assassinato de Lincoln encerrou um julgamento que tramitara durante maio
e junho. O arqui-inimigo Booth estava morto, mas oito membros do seu
elenco de apoio assumiram o centro do palco em sua ausência.
Por pressão de Edwin Stanton, Johnson mandara que esses oito fossem
julgados por um tribunal militar, ato polêmico que provocou objeções do
secretário da Marinha, Gideon Welles, e do chefe da procuradoria geral de
Lincoln, Edward Bates. O julgamento foi realizado, enfim, e se tornou o
grande destaque daquele fim de primavera e início de verão. Terminado o
julgamento, a comissão havia ficado em sessão durante sete semanas
seguidas, tomado o depoimento de 366 testemunhas e produzido um dossiê
de 4.900 páginas.
Em 29 de junho, a comissão foi à sessão secreta. Depois de um processo
tão demorado e complicado, os observadores acharam que talvez fossem
necessárias algumas semanas até que se chegasse aos veredictos. Mas o fim
veio mais cedo. Após deliberação de apenas alguns dias, o tribunal
apresentou os veredictos e sentenças a Johnson no dia 5 de julho. Ele os
aprovou de imediato e, no dia seguinte, Hancock levava as ordens de
execução para a prisão.
Os moradores de Washington só souberam que quatro conspiradores
seriam enforcados no dia seguinte quando o Evening Star saiu do prelo, na
tarde de 6 de julho. De fato, foi através dos jornais que os advogados de
Surratt ficaram sabendo que sua cliente iria morrer. Jornaleiros percorriam a
Avenida Pensilvânia vendendo aquele número do jornal para os ávidos
leitores: “Extra. A sra. Surratt, Payne, Herold e Atzerodt serão enforcados!
As sentenças serão executadas amanhã! Mudd, Arnold e O’Laughlen
pegarão prisão perpétua! Spangler vai preso por seis anos!”
Quando a tarde se foi e a noite caiu, a notícia agitou a cidade de
Washington. Os repórteres convergiram todos para o Velho Arsenal, mas
Hartranft os proibiu de entrevistarem os condenados. Frustrados porém
recusando-se a serem passados para trás, os cavalheiros da imprensa
puseram-se a espiar os prisioneiros através das janelas das celas e
registraram em seus bloquinhos as últimas visitas dos familiares e o
comportamento dos condenados. No pátio, soldados viraram a noite
construindo um cadafalso enquanto o carrasco preparava quatro laços de
cânhamo de Boston de trinta e um fios e dois terços de polegada, fornecidos
pelo Estaleiro Naval.
Várias pessoas que apoiavam a sra. Surratt, inclusive a própria filha,
acudiram à Mansão Executiva para implorar clemência a Johnson. Ele não
as recebeu nem se deixou abalar. Numa ousada manobra jurídica de última
hora, os advogados dos Surratt conseguiram que um juiz de vara cível
entrasse com um mandado de habeas corpus obrigando o exército a liberá-la
para custódia civil. Johnson acabou com sua última esperança suspendendo
o mandado na manhã seguinte.
Noutros cantos de Washington, muita gente se deliciou com a notícia
dos enforcamentos iminentes. Um passe para as execuções — foram
impressos menos de duzentos — era o bilhete mais badalado da cidade.
Multidões de pessoas assediavam Hancock pelas ruas da cidade e no seu
hotel, o Metropolitan. Segundo o Evening Star, “a caixa de correio dele
estava entulhada de cartas e cartões enfiados pela abertura qual um leque, e
durante algum tempo as entradas de acesso ao hotel estavam
completamente bloqueadas”. Os curiosos não precisavam de passe para
cercar a estalagem dos Surratt na rua H. A casa onde os conspiradores
faziam suas reuniões tornou-se, nas palavras de um repórter, “a estrela guia
para centenas de olhos curiosos”.
Por ordem do presidente Johnson, a execução foi marcada para ser
realizada entre 10 horas e 14 horas do dia 7 de julho. Exatamente às 13h02,
os prisioneiros, tendo Surratt à frente, foram trazidos em fila única ao pátio,
passando em frente a quatro caixas de pinho e quatro covas recém-escava-
das, e subiram os degraus do cadafalso. Aterrorizada, usando um vestido de
alpaca preta e um véu também preto que lhe escondia completamente o
rosto, Mary Surratt mal conseguia andar e precisou que os soldados e o
padre a ajudassem.
Lewis Powell caminhou, empertigado e autoconfiante, destemido
“como um rei prestes a ser coroado”, segundo um repórter. David Herold e
George Atzerodt se arrastavam, tentando se esquivar, irrequietos. Era um
dia claro e quente de verão em Washington. Autoridades gentis protegeram
Surratt com para-sóis e colocaram um lenço sobre a cabeça de Atzerodt
para resguardá-lo do sol.
Os condenados foram amarrados com tiras de tecido de algodão, cada
qual recebeu um laço em torno do pescoço e um capuz branco sobre a
cabeça. O carrasco, que chegou a admirar o estoicismo de Powell, sussurrou
ao seu ouvido quando apertou o laço:
— Eu quero que você morra rápido.
O gigante que quase matou o secretário de estado a facadas respondeu:
— Você é quem sabe.
Surratt implorou aos que estavam perto dela:
— Por favor, não me deixem cair.
Quando ela reclamou que os punhos estavam apertados demais, um
soldado redarguiu:
— Ora, não vai doer por muito tempo.
Momentos antes da queda, Atzerodt gritou:
— Que Deus me ajude agora! Oh! Oh! Oh!
Sua última palavra ainda estava nos lábios quando, às 13h26, ele e os
demais caíram ao encontro de suas mortes, momento preservado para
sempre pelo fotógrafo Alexander Gardner, cuja série de execuções continua
sendo o mais chocante conjunto de fotografias históricas americanas já
feito.
Naquela noite, uma multidão comemorou a execução invadindo a
Estalagem Surratt à cata de suvenires, até que a polícia veio e debandou o
grupo. John Surratt, ainda escondido no Canadá, soube da execução da mãe
pelos jornais. Ele havia fugido dos Estados Unidos e chegado a Montreal
em 17 de abril. De lá, viajou cerca de 50 quilômetros rumo ao leste até St.
Liboire. Um pároco, padre Charles Boucher, deu guarida ao ex-seminarista
católico e Surratt ficou lá escondido desde meados de abril até depois do
julgamento, condenação, sentenciamento e enforcamento de sua mãe. Ele
acompanhou o julgamento pelos jornais e por correspondência trocada
sigilosamente com os amigos em Washington. Durante todo esse tempo,
desde o fim de abril até a primeira semana de julho, Surratt não fez esforço
algum para salvar a mãe da forca. Mais tarde, culpou os amigos por não o
terem informado do perigo real que Mary Surratt enfrentava.
Poucas horas depois do enforcamento, enquanto os corpos dos
conspiradores descansavam nos caixotes de pinho feitos para a guarda de
munição que agora serviam de caixão, os editores do Evening Star
divulgaram estar satisfeitos com o trabalho do dia: “O último ato da
tragédia do século XIX terminou e as cortinas se fecharam para sempre
sobre as vidas de seus atores. Payne, Herold, Atzerodt e a sra. Surratt
pagaram a pena por crime horrendo... Sob a forte luz do sol deste dia de
verão... os malévolos criminosos foram se encontrar mais cedo com a
eternidade; e hoje à noite, serão ocultos em túmulos disfarçados, carregando
as execrações da humanidade.”
Lewis Powell, David Herold e George Atzerodt tornaram a se reunir
com John Wilkes Booth no túmulo, assim como fizeram na tarde daquela
terrível Sexta-feira Santa de abril de 1865, cuja noite testemunhou o início
da caçada ao assassino de Abraham Lincoln.
MAS O ASSASSINO DE LINCOLN NÃO HAVIA CHEGADO AO LOCAL ÚLTIMO DE
seu descanso final. Sobrou-lhe ainda uma derradeira perseguição. O mês de
fevereiro de 186 9 foi o último da conturbada presidência de Andrew
Johnson. Em 4 de março, o grande herói da Guerra Civil, general Ulysses S.
Grant, faria o juramento para assumir o cargo. Em breve o nome de Johnson
seria obscurecido, um efêmero interlúdio entre o antigo governo do mártir
Lincoln e o novo do herói Grant. Fosse qual fosse a sua reputação, Johnson
ainda possuía a plena autoridade executiva da presidência — inclusive o
poder do perdão — até o seu último dia no cargo.
Já se passavam quase quatro anos do assassinato de Abraham Lincoln e
do grande julgamento da conspiração. As feridas abertas de abril de 1865
haviam, pelo menos em parte, sarado. De fato, quando John Surratt Jr., que
fugira dos EUA após o assassinato de Lincoln, foi capturado na Europa em
1866 e trazido de volta aos Estados Unidos para julgamento em 1867, ele
foi submetido não ao tribunal militar que condenara sua mãe mas a um
tribunal civil. E, depois de um processo que gerou dois volumes de atas
contendo 1.383 páginas impressas, foi liberado. As paixões de 1865 haviam
se apaziguado, e os pensamentos do presidente Johnson, voltado para três
dos conspiradores condenados que escaparam do enforcamento em julho
daquele ano — dr. Samuel Mudd, Samuel Arnold e Edman Spangler. O
quarto, Michael O’Laughlen, morrera na prisão. Mudd e Arnold, cumprindo
prisão perpétua, e Spangler, condenado a seis anos, estavam todos
definhando na Ilha do Diabo americana, distante prisão militar em Dry
Tortugas, Flórida.
No dia 8 de fevereiro de 1869, o presidente Johnson perdoou Mudd, e
em seguida Arnold e Spangler. Eles haviam sobrevivido à caçada humana e
agora estavam livres. E, liberado do túmulo por ordem do presidente
transmitida no mesmo dia, estava o corpo de Mary Surratt. Sua filha Anna
mandou desenterrar do Velho Arsenal os restos mortais e deu-lhe um
sepultamento digno no dia seguinte no Cemitério do Monte Olivet, em
Washington.
Na cidade de Nova York, um homem acompanhava as notícias com
ávido interesse. Esperara pacientemente por esse dia, pois também ele
queria redimir um ente querido. O homem se sentou à sua mesa e começou
a redigir uma carta para o presidente.
N.Y., 10 de fevereiro de 1869
PARTICULAR.
Prezado Senhor,
Eu poderia pedir-lhe, por gentileza, que considerasse o pedido de
minha pobre mãe com relação aos restos mortais de seu filho?
O portador desta (sr. John Weaver) é o sacristão da IGREJA DE
CRISTO, em Baltimore, que tratará este assunto com o máximo sigilo
— e o senhor pode ter a certeza de que ninguém da minha família
deseja sua divulgação.
Incapacitado de ir a Washington, deleguei ao sr. Weaver — em
quem tenho a máxima confiança — e imploro que o senhor não
demore em mandar entregar o corpo aos seus cuidados.
Ele o manterá (guardado em câmara mortuária) até o momento em
que possamos remover outros membros de nossa família para o
CEMITÉRIO DE BALTIMORE, evitando assim qualquer percepção
especial do assunto.
Também existe (assim me informaram) um baú dele no National
Hotel — que uma vez solicitei mas não me foi dado — que, estando
sob o selo do Departamento da Guerra, pode conter relíquias do pobre
rapaz desorientado, que seriam preciosas para sua desgostosa mãe e
não teriam uso para mais ninguém. Sua Excelência diminuiria
enormemente o fardo do pesar que aproxima minha Mãe do túmulo se
desse ordens imediatas para que os restos mortais de John Wilkes
Booth fossem entregues em segurança para o sr. Weaver.
Edwin Booth
Cinco dias depois, Andrew Johnson ordenou ao Departamento da
Guerra, que já não era mais domínio do todo-poderoso Edwin Stanton, que
entregasse o corpo do assassino de Lincoln à família. Uma agência
funerária de Washington, Harvey & Marr, recolheu os restos numa
carruagem e os levou para a cidade, percorrendo um conhecido beco que
dava num galpão aos fundos do estabelecimento. O sólido engradado de
madeira foi descarregado e levado para o interior. John Wilkes Booth teria
reconhecido o pequeno galpão, pois o mesmo já fora um estábulo, montado
para ele por um homem chamado Ned Spangler. Booth voltava ao Baptist
Alley, atrás do Teatro Ford, onde começara a caçada humana.
O Washington Evening Star deu destaque à deliciosa ironia: “É uma
estranha coincidência que os restos mortais de J. Wilkes Booth tenham sido
ontem depositados temporariamente no estábulo, situado aos fundos do
Teatro Ford, onde ele guardou seu cavalo, e de frente para o beco pelo qual
ele escapuliu na noite em que assassinou o presidente Lincoln. Os restos
foram depositados no estábulo pelo agente funerário... para enganar a
multidão que cercara sua loja na rua F querendo satisfazer a curiosidade de
ver o corpo.”
Edwin Booth tirou o irmão rapidamente dali e o mandou para
Baltimore, onde os restos permaneceram exatos quatro meses numa câmara
mortuária do Cemitério de Green Mount. Em 26 de junho de 1869, John
Wilkes Booth foi sepultado discretamente no jazigo da família em Green
Mount. Não há nenhuma lápide em seu túmulo. Ali ele jaz até hoje, tendo
seu epitáfio gravado não em pedra fria ou mármore mas no coração
misericordioso da irmã. As carinhosas memórias de Asia Booth para o
irmão se encerram com uma solene elegia:
“Mas, ainda que tenha morrido em vão, ele deu tudo de si na
terra, juventude, beleza, hombridade, um grande amor humano, a
certeza da excelência em sua profissão, um cérebro poderoso, a força
de um atleta, saúde e grande riqueza, por sua causa. Este homem foi
nobre em vida, arriscou sua alma imortal e foi corajoso na morte.
Seus restos ocultos já receberam sepultamento cristão e pessoas
anônimas jogaram flores em seu túmulo.
Desta arte o mundo avança.”
Epílogo
ASIA BOOTH DEU À LUZ GÊMEOS EM AGOSTO DE 1865. UM DELES ERA
menino, mas ela não teve coragem de dar-lhe o nome de John. Quando ele
cresceu, muita gente dizia que lembrava o notório tio. Asia continuou
casada com John Sleeper Clarice, que prosperou na Nova Inglaterra como
célebre comediante, mas não lhe deu uma vida feliz. “Ele vive no mistério e
no silêncio, pelo que sei”, reclamou Asia. “Leva uma vida libertária de
solteiro e faz o que quer.” Em 1879, ela escreveu para o irmão Edwin:
“Estou tão cansada dos ares de nobreza e da gélida indiferença, e tão
desgostosa com as inúmeras coisas falsas que ele me diz.” Lembrou-se do
aviso profético dado pelo irmão John antes do seu casamento: ela seria
apenas um degrau para Clarke. Agora que Clarke atingira a fama através
dos próprios esforços, Asia e seu nome maculado já não lhe serviam de
nada. “É impressionante o quanto ele me odeia — mãe de nove filhos —
mas eu sou uma Booth... e isso basta!”
Asia sabia guardar segredo, também. Sem que John Sleeper Clarke
soubesse, em 1874 ela começou a escrever um livro de memórias para
homenagear o irmão morto. Temendo que o marido queimasse os originais
se algum dia os encontrasse, entregou-os a amigos de confiança. O material
só foi publicado em 1938, cinquenta anos após sua morte e sessenta e
quatro depois de escrito. O irmão John assassinara Abraham Lincoln havia
setenta e quatro anos. Asia Booth Clarke morreu na Inglaterra em 16 de
maio de 1888, aos cinquenta e dois anos de idade. Ela queria ter voltado
para ficar novamente com a família na América. Em Io de junho, foi
enterrada no Cemitério Green Mount, em Baltimore, e descansa no jazigo
da família Booth, perto do irmão John.
CLARA HARRIS E HENRY RATHBONE SE CASARAM EM 1867, TIVERAM TRÊS
filhos e se mudaram para Hanover, Alemanha. Ninguém jamais culpou
Rathbone pela noite no Teatro Ford. Ele era um convidado social, não o
segurança de Lincoln. Não tinha a incumbência de proteger o presidente. E
não viu Booth até o momento seguinte àquele em que o ator disparou a
pistola. Ainda assim, era um oficial do exército. E estava no camarote.
Felizmente para ele, não se espalhou a notícia do pedido feito ao dr. Leale
para que tratasse do seu ferimento antes do de Lincoln. Nem ninguém
sugeriu que ele não tivesse lutado com tanto afinco quanto o sargento
Robinson ou os filhos de Seward. George Robinson se submeteu diversas
vezes às agruras da faca de Powell e o sargento não abandonou seu paciente
mesmo depois do ataque mortal de Powell. Rathbone, ao contrário, se
encolheu ao primeiro contato com a lâmina vingadora de Booth. Talvez
devesse ter feito Booth feri-lo novamente.
Clara estaria melhor se John Wilkes Booth tivesse esfaqueado seu noivo
outra vez, matando-o no Teatro Ford em 14 de abril de 1865. Se Booth lhe
tivesse sido útil naquela noite, ela teria sobrevivido na noite de 23 de
dezembro, dezoito anos depois, em 1883, quando Henry, depois de
comportar-se muito estranhamente e de ter ameaçado as crianças, matou-a
na sua própria casa. Numa bizarra alusão ao crime de Booth, Henry
escolheu as mesmas armas do assassino — a pistola e a faca. Rathbone deu
um tiro na esposa e depois matou-a a facadas. Em seguida, tentou cometer
suicídio com a mesma lâmina. Foi um crime brutal e horrendo que remeteu
à tétrica cena no camarote do presidente. Mas desta vez o vestido de Clara
ficou encharcado não com o sangue de Henry mas com o seu próprio.
Henry jamais voltou à América e passou o resto de seus dias num hospício
na Alemanha.
A VIDA DE BOSTON CORBETT SE DESENROLOU DA FORMA MAIS ESTRANHA
que se pudesse esperar. Sua fama durou uma temporada, chegando ao
clímax quando ele apareceu numa matéria de primeira página no Frank
Leslie’s e por ocasião da sua presença como testemunha no julgamento da
conspiração. A enxurrada de cartas dos fãs diminuiu até que passaram a vir
pingadas e depois acabaram. Os fotógrafos não mais imploravam para tirar
sua foto. Em 9 de setembro de 1865, ele escreveu a Edward Doherty sobre
sua parte da recompensa, buscando aconselhar-se quanto à melhor forma de
ver atendida sua reivindicação: deveria contratar o advogado de Doherty ou
procurar outro por conta própria? Em 9 de setembro de 1866, o Tesouro dos
EUA emitiu-lhe uma ordem de pagamento de US$ 1.653,84. Corbett largou
o exército, mudou-se para o oeste e arranjou um emprego de assistente de
portaria na Câmara dos Deputados do Kansas. Essa sinecura acabou em
1887, no dia em que ele sacou um revólver e fez o legislativo de refém.
Confinado a um sanatório em Topeka, escapou em 1888 e daí se perdeu no
mundo. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu com ele. Talvez tenha
terminado seus dias pregando contra “as armadilhas do maligno”.
THOMAS A. JONES GUARDOU POR DEZOITO ANOS O SEGREDO DO BOSQUE DE
pinheiros e a travessia de Booth pelo rio, até que em 1883 revelou a história
para George Alfred Townsend. Mais tarde, Jones escreveu um livro sobre
suas aventuras: /. Wilkes Booth. An Account of His Sojourn in Southern
Maryland after the Assassination of Abraham Lincoln, his Passage Across
the Potomac, and his death in Virginia. By Thomas A. Jones. The only
living man who can tell the story. (J. Wilkes Booth. Um relato de sua
passagem pelo sul de Maryland após o assassinato de Abraham Lincoln, a
travessia do Potomac e a morte na Virginia. Por Thomas A. Jones. O único
homem vivo que pode contar a história.) Em 1893, ele viajou para Chicago,
no norte, com a intenção de mandar publicar lá os originais numa gráfica
local e montou um estande para vender livros na Exposição Mundial da
Columbia. Diz a lenda que veteranos da União atacaram o local e
destruíram seu estoque. O livrinho, atualmente raro, continua sendo um
inestimável relato em primeira mão da caçada.
Numa estranha reviravolta, Jones tornou-se comerciante amador de
memorabilia do assassinato de Lincoln, vasculhando toda a cidade de
Washington e suas redondezas atrás de objetos cobiçados para fornecer a
colecionadores. Vinte e cinco anos após o assassinato, ele informou a um
cliente que não se encontravam mais os pôsteres das recompensas e que não
se conseguia um cartaz do Nosso primo americano no Teatro Ford em 14 de
abril por menos de cem dólares. Jones traficava fotos da Estalagem Petersen
e da hospedaria de Mary Surratt, e ofereceu-se para localizar fotos de
Boston Corbett. “Eu tive um trabalhão para conseguir essas fotografias”,
Jones disse para um dos seus colecionadores. “Você pode revirar
Washington de cabeça para baixo durante seis meses e não encontrar as
fotografias que vai conseguir comigo.” Jones tentou até rastrear seu velho e
surrado esquife, aquele que havia transportado Booth e Herold para a outra
margem do Potomac. Essa relíquia seria um prêmio sensacional para
qualquer colecionador. A busca acabou revelando mais fotografias raras.
“Quando estava procurando pela cidade para ver se encontrava alguma
coisa sobre o barco que Booth usou na travessia”, Jones explicou, ele
encontrou um soldado que lhe disse que, “indo até uma certa casa”, no
velho arsenal, seria possível fazer uma descoberta interessante — quatro
fotografias que Gardner tirou do enforcamento. “A casa onde o presidente
morreu ainda é a mesma da época”, Jones informou a um cliente, exceto
pela placa de Oldroyd na entrada. Thomas Jones morreu em março de 1895.
Estava com 74 anos de idade.
OUTROS SOBREVIVENTES DA CAÇADA HUMANA TAMBÉM COMERCIALIZARAM
suas lembranças. Em 1867, o coronel Lafayette C. Baker publicou um livro,
agora envelhecido e esquecido, History of the United States Secret Service
(História do Serviço Secreto dos Estados Unidos), que era qualquer coisa
menos uma história verdadeira. Baker exagerou a própria importância, não
apenas na perseguição a Booth como também em toda a Guerra de
Secessão. Ele morreu em 1868.
Seu primo Luther Byron Baker sobreviveu a ele e, em fins da década de
1880, passou a dar palestras, tornando-se o mais bem-sucedido
empreendedor pós-assassinato. Contando com o apoio de um agente
profissional, uma variedade de cartazes e um folheto promocional de quatro
páginas repleto de testemunhos de clientes satisfeitos, Baker fez dúzias de
palestras pagas nos oito anos em que viveu nesse circuito até sua morte em
maio de 1896, aos 66 anos.
Em suas apresentações, vendia um suvenir de peso: uma fotografia
destacando ele próprio montado em seu cavalo, Buckskin, com imagens de
Booth, Corbett e Lincoln montadas ao redor, tudo em papel fotográfico
assentado sobre base de cartolina num formato grande, de l,92m por 2,28m.
Uma etiqueta colada no verso, escrita sob a “ótica” de Buckskin, descrevia
a participação do cavalo na caçada humana. Uma nota conclusiva,
autografada por Baker, homologava a história do animal. Foi uma das
quinquilharias mais atraentes que forjaram do assassinato de Lincoln. A
morte não encerrou a carreira de Buckskin como acompanhante nas
palestras de Baker. Um estudante de taxidermia na Faculdade Agrícola do
Estado de Michigan o empalhou e o venerável caçador de gente subia ao
palco nas palestras de Baker e participava, ainda que mudo, como
inesquecível objeto de cena.
JOHN H. SURRATT JR. ENVEREDOU POR UMA CARREIRA DE PALESTRANTE DE
menos sucesso. Em 1870, cinco anos após o assassinato — e o
enforcamento de sua mãe — e apenas três anos após o próprio julgamento,
Surratt tentou explorar sua história no circuito das palestras.
Tinha algo certamente impressionante a contar. Depois do enforcamento
da mãe, John Surratt resolveu que escapar para a Europa lhe oferecia as
melhores chances de sobrevivência. Em setembro, foi de St. Liboire para
Montreal, chegou ao Quebec e pegou um navio para Liverpool,
prosseguindo ainda até Roma onde, sob o nome de “John Watson”, juntou-
se aos zuavos, dos coloridos uniformes, ao exército dos Estados Papais.
Surratt se mesclou bem a esse ambiente católico e se sentiu em segurança
fora do alcance dos caçadores. Porém, em abril de 1866, por volta do
primeiro aniversário do assassinato de Lincoln, um colega zuavo o
reconheceu e o delatou. O conspirador de Booth foi preso em Verdi no dia 7
de novembro. Ele escapou da prisão de Velletri no dia seguinte. Enquanto
caminhava escoltado pela guarda ao longo de um terraço, Surratt olhou para
o precipício abaixo. Viu rochas pontiagudas a uns quinze ou vinte metros,
mas, depois delas, uma escarpa íngreme. Antes que a sua escolta o pudesse
pegar, Surratt, numa fuga digna de John Wilkes Booth, segurou na
balaustrada, deu um salto por cima dela e caiu no rochedo. Para sua sorte,
não se machucou. As rochas onde ele foi bater eram a área de despejo dos
dejetos da prisão e havia ali uma montanha imensa de excremento humano
e lixo que lhe acolchoou a queda.
Surratt fugiu dos Estados Papais e cruzou para o Reino da Itália.
Prosseguindo até Nápoles e fazendo-se passar por cidadão canadense, ele
convenceu o cônsul britânico a conseguir-lhe passagem num vapor que
rumava para Alexandria, no Egito. Porém, quando desembarcou em 23 de
novembro de 1866, havia autoridades americanas à sua espera. Ele foi preso
e enviado de volta para o seu país num navio de guerra da Marinha dos
EUA. John Surratt desembarcou no Estaleiro Naval de Washington em 19
de fevereiro de 1867 e foi imediatamente preso. Seu julgamento num
tribunal civil, e não no tribunal militar que condenara sua mãe, durou de
junho a agosto daquele mesmo ano. O júri não conseguiu chegar a um
veredicto e ele foi solto. Tornou a ser acusado em 1868, mas em novembro
as acusações foram consideradas improcedentes. John Surratt era um
homem livre. Sua mãe estava morta, ele fora exposto como líder de uma
trama para sequestrar o presidente Lincoln e acabara ganhando a reputação
de covarde que abandonara a mãe à própria sorte. Mas, pelo menos, estava
vivo. Se tivesse sido capturado em 1865 e julgado por um tribunal militar,
teria sido condenado e provavelmente executado.
Depois da facada de Powell.
Surratt juntou coragem para falar, foi a Rockville, Maryland, e, em 6 de
dezembro de 1870, fez sua primeira aparição pública capitalizando em cima
de sua amizade com John Wilkes Booth e seu envolvimento na trama do
sequestro. Surratt teve a audácia de dar uma palestra na Cooper Union, em
Nova York, lugar do triunfal comício de Abraham Lincoln em fevereiro de
1860 que o levou à presidência. Encorajado, ele resolveu voltar à cena do
crime — Washington. Mandou imprimir cartazes grandes, bem desenhados,
para anunciar sua presença no Odd Fellows Hall na rua 7, acima da D, em
30 de dezembro de 1870. A estalagem de sua mãe e o Teatro Ford ficavam a
poucos quarteirões dali. Mas ele se antecipara. Os cidadãos reclamaram e,
apesar de Surratt ostentar em seus cartazes que iria dar a palestra “mesmo
que sejam dados avisos em contrário”, o evento foi cancelado. Um repórter
o encontrou escondido num quarto de hotel. John Surratt jamais tornou às
palestras. Último sobrevivente dos conspiradores de Booth, ele morreu em
abril de 1916.
O SECRETÁRIO DE ESTADO WlLLIAM SEWARD E SEUS FILHOS SOBREVIVERAM
aos ferimentos. Até o fim da vida, William Seward preferiu virar o lado do
rosto com a cicatriz para longe das câmeras e posar de perfil. Um raro
retrato frontal revela a marca terrível de Lewis Powell que lhe desfigurou as
feições. Frederick recuperou a razão depois do sério ferimento na cabeça e
viveu mais cinquenta anos. Numa tragédia familiar, porém, a morte logo
veio reclamar as mulheres da família Seward. Em junho de 1865, Frances
morreu, aos 59 anos de idade. Sua constituição fraca sucumbiu ao
estressante atentado. Mas, pelo menos, William Seward estava preparado
para a morte da esposa. No ano seguinte, ele enfrentou uma perda
alucinante. Sua corajosa filha, Fanny, que destemidamente desafiara Lewis
Powell naquela horrorosa noite sangrenta, deixou o mundo em 29 de
outubro de 1866. Seward referiu-se à morte da filha como “seu grande e
indizível pesar”. O falecimento dela, escreveu ele, deixou seus sonhos de
futuro “partidos e destruídos para sempre”. Fanny tinha 21 anos de idade.
Teria sido uma escritora maravilhosa.
SAMUEL ARNOLD VIVEU TEMPO SUFICIENTE PARA ESCREVER UM LIVRO DE
memórias e o jornal Baltimore American fez dos originais uma série em
1902. A essa altura, ele era o único réu vivo do julgamento da conspiração
para o assassinato de Lincoln em 1865 e o único que escrevera um relato
completo da trama de Booth para o sequestro. Também foi o único que
viveu o suficiente para ver o novo século. Ele morreu em Io de setembro de
1906 e juntou-se a John Wilkes Booth e Michael O’Laughlen no Cemitério
de Green Mount.
O DR. MUDD VOLTOU PARA SUA FAZENDA EM 1869, FELIZ POR SE VER LIVRE
dos guardas negros que ele tanto desprezava na prisão. Pouco tempo depois,
Ned Spangler foi até lá e o médico o acolheu até a morte daquele em 7 de
fevereiro de 1875. Samuel Mudd veio a falecer em 1883. Antes de morrer,
confessou a Samuel Cox Jr. a verdade sobre a noite de 14 de abril de 1865:
Mudd admitiu saber o tempo todo que o forasteiro ferido à sua porta era
John Wilkes Booth. Depois da morte do médico, um de seus advogados
confirmou isso. Em 1906, a filha de Samuel Mudd publicou uma coleção de
suas cartas e, em 1936, um filme de longa-metragem de Hollywood, The
Prisoner of Shark Island (“O prisioneiro da ilha do tubarão”), mostrava
Mudd como um inocente médico do interior obedecendo ao juramento de
Hipócrates, enganado pelo assassino de Lincoln. Essa imagem falsa se
fixou no imaginário popular e, até o presente, muitos americanos ainda
acreditam no mito que o dr. Mudd e seus descendentes se esforçaram tanto
durante mais de um século para perpetuar.
EDWIN M. STANTON MORREU EM 1869, o MESMO ANO EM QUE JOHN
WILKES Booth escapou do túmulo secreto ao qual o Secretário da Guerra de
Lincoln o condenara. Após a caçada humana e o julgamento da
conspiração, a carreira de Stanton foi eclipsada pela polêmica presidência
de Johnson, que acabou sofrendo um processo de impeachment. Quando
Johnson tentou demiti-lo, Stanton se recusou a entregar o escritório no
Departamento da Guerra. O general Grant assumiu a presidência em 1869 e,
em dezembro, indicou Stanton para desembargador na Corte Suprema dos
EUA. Mas o braço direito de Lincoln morreu antes do fim daquele mesmo
mês sem chegar a assumir o cargo.
Stanton viveu o suficiente para ver grande parte do trabalho da caçada
humana ser desfeito. A simpatia pública por Mary Surratt florescia; ele foi
acusado de esconder e mexer no diário de Booth e o Congresso o
investigou; ele viu Booth, Surratt, Powell, Herold, Atzerodt e O’Laughlen
emergirem de seus túmulos; viu os três sobreviventes Mudd, Arnold e
Spangler serem perdoados; e viu o fugitivo John Surratt Jr., que escapara de
suas mãos em abril de 1865, ser capturado, julgado e libertado. Talvez tenha
sido melhor Stanton não ter visto Surratt ousar vir a público se gabando de
sua participação no grande crime e tentando tirar lucro com o assassinato do
comandante-em-chefe — e amigo — de Stanton.
A morte súbita de Stanton — ele tinha apenas 55 anos — abalou Robert
Lincoln e o fez voltar quatro anos, ao quarto dos fundos na Estalagem
Petersen. Assim que recebeu a triste notícia, Robert enviou uma carta ao
filho de Stanton; “Eu sei que é inútil dizer qualquer coisa... ainda assim,
quando me lembro da ternura do seu pai comigo, quando o meu jazia morto
e eu estava absolutamente desesperado, praticamente incapaz de me dar
conta da verdade, sou tão incapaz agora de evitar que se encham de
lágrimas os meus olhos quanto ele foi na ocasião.” Edwin Stanton foi
enterrado no Cemitério de Oak Hill em Georgetown, não muito longe da
capela de pedra onde Abraham Lincoln mandara rezar uma pequena missa
no funeral do seu filho Willie. Poucas pessoas visitam seu túmulo. Quem
passa de carro pela rua R pode ver o obelisco branco castigado pelas
intempéries, poucos metros atrás da formidável cerca de ferro espigada que
serve de sentinela ao seu descanso.
UM SÉCULO DEPOIS, NOUTRO CEMITÉRIO, ANTIQUÁRIOS EQUIVOCADOS
sepultaram os restos mortais de Lewis Powell com honrarias. Seu corpo
havia desaparecido muito tempo antes. Desenterrado do velho arsenal em
1869, Powell recebeu sepultamento no Cemitério de Holmead, em
Washington. Em breve esse sepulcro deixaria de existir e o cadáver de
Powell, ou pelo menos assim pensaram, se perdeu. De fato, seu corpo, ou
uma parte dele, foi temporariamente para o Museu de Medicina do Exército
e acabou nas coleções antropológicas do Instituto Smithsoniano. Em 1993,
alguém descobriu sua cabeça ainda caprichosamente etiquetada no museu
nacional. Os simpatizantes de Powell conseguiram a posse do crânio,
transportaram-no para sua terra natal, a Flórida, encerraram-no num caixão
miniatura e o sepultaram no dia 11 de novembro — Dia dos Veteranos —
de 1994. O esqueleto decapitado de Powell jamais foi encontrado e seus
ossos estão a se desintegrar em algum túmulo desconhecido — ou talvez
nas galerias labirínticas de armazenagem do Smithsoniano. E assim repousa
o violento perpetrador do ataque a Seward, se não em paz, então aos
pedaços.
HOJE, VAI-SE DE WASHINGTON ATÉ LÁ DE CARRO EM POUCAS HORAS. HÁ
vários marcos indicando o caminho: uma casa de alvenaria construída em
série antes da guerra no meio da Chinatown de Washington; uma taverna de
beira de estrada da era da Guerra de Secessão em Clinton, Maryland; uma
modesta casa de fazenda quase totalmente oculta da vista de quem passa
pelo interior do estado; um hotel antigo em Bryantown, Maryland; várias
casas que não se destacam entre si no interior da Virginia; sarrafos de
revestimento com um século e meio de existência recobertos por tapumes
de alumínio barato. Quando se chega na fazenda dos Garrett, não há muito
o que ver. Da densa floresta, sobrevivem umas poucas árvores espalhadas.
A casa da fazenda, que dava frente para o paiol de tabaco onde tudo
aconteceu, há muito se acabou com o tempo e o abandono. Caçadores de
relíquias, qual gafanhotos num trigal, levaram até o último fragmento de
tábua que o tempo não destruiu. Houve até quem usasse pás para cavoucar
o local onde ficava o paiol na esperança de desenterrar pedaços de madeira
calcinada.
Quem vai lá no verão, quando o capim está alto, mal consegue enxergar
o cano de ferro e a placa de confecção caseira que alguém cravou no solo
do terreno para marcar o lugar onde ficava a casa da fazenda. Mas quem vai
na primavera, talvez em 26 de abril, no aniversário, vê — o local, onde, no
meio da noite, a caçada ao assassino de Lincoln chegou ao fim.
O local onde ela começou ainda está lá em Washington, destacando-se
na rua 10. Após o assassinato, o Teatro Ford sobreviveu a incêndio
criminoso, abandono e desastre. Stanton jurou que o lugar do assassinato de
Lincoln jamais tornaria a servir para o riso e o entretenimento público. Ele
cercou de guardas o teatro, mandou fechá-lo e manteve John T. Ford detido
na prisão do prédio do antigo Capitólio por trinta e nove dias. Alguns
secretários do gabinete presidencial se opuseram ao confisco, mas Stanton
não arredou pé: aquela “casa horrível” nunca mais tornará a ser aberta.
Outros concordaram — houve pelo menos duas tentativas de incendiá-la. E
o Army and Navy Journal veiculou a voz de muita gente no elogio à
determinação de Stanton. Se Ford “não teve, por conta própria, o bom-
senso de encerrar a sua função enquanto casa de diversão, ainda bem que
existe um homem em Washington competente e disposto o suficiente para
dar a instrução”. Mas, então, o governo afrouxou e, em 7 de julho de 1865
— dia em que Powell, Surratt, Herold e Atzerodt foram para a forca —, deu
o teatro de volta para Ford. Quando ele anunciou a intenção de reabri-lo, o
público ficou irado e o homem recebeu diversas ameaças. Uma das cartas
advertia: “Você não deve nem pensar em reabrir amanhã. Posso garantir-lhe
que isso não será tolerado. É necessário que a casa tenha outro uso daqui
para a frente. Aceite até cinquenta mil pela propriedade e construa outra,
que lhe dará um ótimo sustento, Mas não tente abri-la novamente.” A
ameaça anônima estava assinada por “um dos muitos determinados a evitar
que isso aconteça”.
Aquilo foi demais para Stanton. Ele tornou a confiscar o Teatro Ford em
nome da segurança pública. O governo decretou que o prédio não mais seria
uma casa de espetáculos e pagou US$ 28.500 a uma empreiteira para
estripar o interior da construção. Toda e qualquer lembrança do aspecto que
a casa tinha na noite de 14 de abril de 1865 — as luzes a gás, a decoração, o
mobiliário, o palco e o camarote do presidente — desapareceu, foi destruída
ou retirada dali. Em fins de novembro de 1865, pouco mais de sete meses
depois do assassinato, o outrora belíssimo teatro fora desfigurado de forma
tal que não podia ser reconhecido e foi relegado à função de insípido
edifício comercial com três andares de escritórios. A Repartição de
Cadastros e Pensões do Departamento da Guerra de Stanton se mudou para
lá e abarrotou o lugar de funcionários do governo e dezenas de milhares de
quilos de arquivos. Em 1866, o governo comprou o Teatro Ford de seu dono
por US$ 100.000. Em 1867, o andar de cima passou a alojar o Museu
Médico do Exército pelos vinte anos que se seguiram como se o lugar não
tivesse visto horror e morte suficientes. No dia 9 de junho de 1893, alguém
colocou uma folha de papel a mais ali dentro e a carga de toneladas de
documentos e demais equipamentos fez desmoronar toda a edificação,
matando esmagados vinte e dois funcionários e ferindo ou aleijando outros
sessenta e oito.
Restaurado na década de 1960 à glória de outrora, o Teatro Ford foi
resgatado na condição de museu e casa de espetáculos. A casa agora é
visitada novamente por presidentes, que vêm para as festas de gala anuais,
embora nenhum deles se sente no camarote presidencial. A restauração foi
feita como uma homenagem a Abraham Lincoln mas o teatro,
inevitavelmente, também se tornou um memorial ao assassino dele. O
tratamento arquitetônico foi dado de forma que a casa se pareça exatamente
ao que era na noite de 14 de abril de 1865. O camarote reservado às
autoridades está decorado de bandeiras e a gravura emoldurada de George
Washington que fica pendurada à sua frente é a mesma que testemunhou o
salto de Booth para o palco. É possível refazer os passos de Booth subindo
a escada circular, percorrendo o corredor até o camarote, entrando no
vestíbulo e ali recriar a visão que ele teve de Lincoln em sua cadeira de
balanço. O visitante também pode se sentar na plateia e, enquanto escuta a
palestra de um historiador do Serviço Nacional de Parques sobre o
assassinato, olhar para o camarote e imaginar Booth suspenso
momentaneamente no ar, no ápice de seu salto.
John Wilkes Booth teria adorado isso: Um museu inteiro — um dos
mais populares dos Estados Unidos — dedicado ao seu crime! “Eu devo ter
fama”, exortou uma vez a si mesmo, “fama.” E a tem, no Teatro Ford,
duradouro monumento onde ele está sempre no palco, sempre famoso. Sua
fama é de um tipo peculiar. Booth foi vilificado como ente maligno durante
a caçada humana. Os editoriais dos jornais, as cartas dos cidadãos, a
violência das multidões e o tratamento dado ao seu corpo são provas
suficientes disso. Sim, em algumas paragens havia quem detestasse Lincoln
e admirasse Booth, mas os devotos do culto “Nosso Brutus” não ousavam
expressar em público sua simpatia pelo assassino. Então, com o passar do
tempo, algo mudou. Booth veio a fazer parte do folclore americano e sua
imagem, outrora a de um maligno assassino de presidente, se transformou
na de um fascinante anti-herói — o assassino trágico, romântico,
equivocado e meditabundo. Booth não é aclamado pelo assassinato, mas, de
certa forma, ele foi perdoado. O que mais poderia explicar a presença de
grandes faixas nas ruas, decoradas com a fotografia do assassino pendurada
nos postes de luz ao longo da sua rota de fuga pela rua R, orientando os
turistas em direção ao Teatro Ford? Numa comparação, a exibição de faixas
de Lee Harvey Oswald em Dallas ou a de James Earl Ray em Memphis
seria obscena.
Asia Booth previu a trajetória de fama do irmão e tentou auxiliar o
movimento em seu livro secreto. Para ela, Abraham Lincoln e John Wilkes
Booth foram figuras trágicas equiparadas, destinadas a morrer e fazer surgir
uma transcendente cura entre o Norte e o Sul. Seu irmão “‘salvou o país de
um rei’, mas criou-lhe um mártir... Ele colocou o selo de grandeza numa
época da história e deu tudo que tinha para construir esse monumento
duradouro ao seu inimigo... O Sul vingou os males infligidos pelo Norte.
Uma vida indizivelmente preciosa foi sacrificada de forma tempestuosa
pelo que o seu possuidor mais considerava. A vida mais amada do Norte foi
loucamente eliminada no auge do triunfo. Que o sangue de ambos
concretize a indissolúvel união de nosso país”.
A lenda de John Wilkes Booth começou poucas semanas após a caçada
humana e sua morte na fazenda Garrett. Um pastor no Texas escreveu um
poema homenageando Booth. Em Nova York, 24 de maio de 1865, menos
de um mês depois da morte de Booth, uma editora anunciou o lançamento
do romance de Dion Haco The Assassinator (O assassino), primeiro relato
ficcional do assassino e da caçada humana. Com uma sábia mescla de fatos
tirados dos relatos nos jornais, de diálogos inventados e de cenas
fantasiosas, Haco sensacionalizou a vida de Booth e implicou a triste
suicida Ella Turner na trama contra Lincoln. Ella, “uma criatura impetuosa
e voluntariosa”, escreveu Haco, queria ter Booth como amante: “Minha
determinação é querer ter aquele homem.” A moça percebeu que o ator era
um homem de destino: “Ella viu que seus contundentes olhos pretos tinham
uma luz quase sobrenatural. Ele parecia penetrar a nebulosa visão do futuro
e ler nessas páginas o seu nome.” Os floreios de Haco levaram Booth,
inexoravelmente, ao clímax da caçada humana na fazenda Garrett: “diante
dele, um mar de chamas pronto para devorá-lo; além do túmulo, um mar
ainda maior de chamas a esperá-lo.” O romance se encerrava com detalhes
sensacionalistas da autópsia do assassino, provocando os leitores com
imagens fantásticas da mutilação do cadáver: “a cabeça e o coração
retirados para serem depositados no Museu Médico”, com o tronco sem
cabeça e sem coração “consignado aos cuidados de agentes secretos”. O
romance deixa a pobre Ella, sozinha e enlutada, agarrada à foto do amante-
assassino, “cobrindo-a de beijos”.
Antes do fim do ano, artistas celebravam o assassino de Lincoln com
um memorial em cera e quadros a óleo de tamanho heroico. Um pôster para
o “Panorama da Guerra segundo Terry!” anunciava “uma estupenda obra de
arte” que demonstrava “cenas estonteantes, terríveis e sangrentas” recém-
tiradas do “carnaval de traição” pelo aclamado artista H. L. Tyng, de
Boston. O anúncio prometia ao cliente uma série de quadros, cada qual com
2,10m de largura e algo entre 5 e 7 metros de altura. “Assassinato de
Lincoln! E o secretário Seward! Retrato em tamanho real de Booth, o
Assassino!” — tudo pela modesta tarifa de ingresso de 25 centavos de dólar
para adultos e 15 para crianças.
Outra exibição artística, “O Grande Museu do coronel Orr”, foi além
ainda do Panorama de Terry. “O Assassinato!” gritava a manchete de um
pôster anunciando um itinerante museu de cera do assassinato. O cartaz
alardeava que o autor, “Sig. Vanodi, maior escultor em cera vivo”, criara
figuras em tamanho real “do presidente Lincoln, da sra. Lincoln, do
secretário Seward, e de Booth e Payne, os Assassinos!” O exibidor dava um
alerta justo aos propensos clientes: “As figuras estão prontas — sob o toque
mágico do Artista, elas saltam para uma existência quase real... como se
estivessem vivas, são tão naturais e perfeitas que, quando olhamos para os
assassinos, estremecemos, como se novamente algum ato de crueldade
fosse acontecer.” Orr construiu uma réplica do camarote do presidente,
colocou os Lincoln de cera ali sentados e posicionou o assassino atrás deles:
“Booth”, prometia o pôster, “foi feito para preservar a atitude exata de
quando ele apontou a arma para a cabeça do presidente e disparou o tiro
assassino.” Outras cenas montadas com as figuras de cera retratavam a
captura de Herold e o momento do tiro em Booth.
A mitificação do assassino de Lincoln continuou nos anos seguintes.
Em 1868, Dunbar Hylton publicou um álbum de poemas com 108 páginas
sobre ele, The Prcesidicide (“O ‘Presidicida’”). No mesmo ano, em Nova
Orleans, uma editora lançou uma partitura musical em solidariedade — Our
Brutus (“Nosso Brutus”) — ornada com uma bela litografia de página
inteira do assassino. Logo surgiu um mito de que o homem morto na
fazenda dos Garrett não era John Wilkes Booth e que o ator havia escapado,
fugindo em seguida para o oeste dos Estados Unidos, onde vivia sob nome
falso. A verdade de que Booth havia morrido perto de Port Royal, na
Virginia, em 26 de abril de 1865, não conseguia suprimir as histórias
bizarras. Antes do fim do século XIX, vários homens já haviam alegado
serem Booth. Um advogado de nome Finis Bates alegou que o assassino era
seu cliente e, em 1903, publicou um livro bastante vendido chamado The
Escape and Suicide of John Wilkes Booth (A fuga e o suicídio de John
Wilkes Booth). Quando esse falso Booth morreu, pelas próprias mãos como
se dizia, sua múmia foi exibida anos a fio num parque de diversões
itinerante. Ela existe até hoje, escondida numa coleção particular. Em 1937,
uma mulher escreveu um livro absurdo alegando que Booth sobrevivera
àquela noite na fazenda Garrett, vivera uma vida secreta e tivera um filho.
A prova? Ora, a autora era a neta do assassino, claro.
O mito da sobrevivência de John Wilkes Booth, vagando pelo país,
evoca o destino tradicional dos amaldiçoados, de um espírito desgraçado
que não consegue encontrar descanso. Não há dúvida de que Booth foi o
homem que morreu na fazenda dos Garrett. Mas o assassino número um da
América, que levou o Pai Abraham no seu apogeu, que deixou enlutada
toda uma nação e nos roubou o resto da história, ainda nos assombra.
John Wilkes Booth não conseguiu o que queria. Sim, ele desfrutou de
um sucesso singular: matou Abraham Lincoln. Mas em todos os outros
aspectos, Booth foi um fracasso. Ele não prolongou a Guerra Civil, não
inspirou o Sul a continuar lutando, nem reverteu o veredicto do campo de
batalha, ou das eleições livres. Tampouco confundiu a emancipação,
ressuscitou a escravidão ou salvou a moribunda civilização do Velho Sul de
antes da guerra. Booth não conseguiu derrubar o governo federal
assassinando suas autoridades máximas. De fato, sequer conseguiu matar
dois dos três homens que marcara para morrer naquela “noite lamentável e
triste”. Não se tornou um herói americano, mas elevou Lincoln ao panteão
americano. E, no seu fracasso-mor, Booth não sobreviveu à caçada humana.
Sua missão não era suicida. Ele queria desesperadamente viver, escapar,
aproveitar a fama e a glória que tinha a certeza de alcançar. Conseguiu sua
fama, sim, ao preço da própria vida. Mas viveu o suficiente para reconhecer
seus fracassos e enfrentar a condenação pública do seu ato. Quando pulou
para o palco e gritou “Sic Semper Tyrannis”, deve ter achado que sua
imortalidade como patriota sulista estava selada. Mas suas últimas palavras
sobrevivem como seu verdadeiro epitáfio: “Inútil, inútil.”1
História do assassinato em figuras de cera.
Booth pode ter morrido na fazenda dos Garrett, mas daquele paiol em
chamas o espírito malévolo do assassino ascendeu para ficar pairando sobre
a terra durante mais de um século. Quando saqueadores noturnos usando
máscaras e roupões brancos se levantaram contra a Reconstrução, Booth
cavalgava junto a eles, murmurando “este país foi formado para o homem
branco, não para o homem negro”. Quando homens com cruzes pegando
fogo e laços de corda aterrorizaram gerações, o espírito de Booth estava por
perto, desdenhando o “sufrágio negro”. E quando um homem eloquente
subiu à varanda do Lorraine Motel no dia seguinte àquele em que proferiu
um dos maiores discursos de sua vida, Booth estava ali presente, querendo
vingança, resmungando que “[aquele] foi o último discurso que ele fez na
vida”.
Se Booth pudesse voltar hoje à cena de seu crime e visitar, conforme
fazem quase um milhão de americanos todo ano, o museu no subsolo do
Teatro Ford, ele poderia concluir, pelo que iria encontrar, que era
novamente o 14 de abril de 1865. Aqui ele encontraria, preservadas em
condição tão imaculada quanto no dia em que ali estivera pela última vez,
protegidas em vitrines à prova de balas e ambientes climatizados, as
valiosas relíquias do assassinato: A porta original do camarote do
presidente, com o orifício de espia ainda a atrair olhares curiosos; a haste de
madeira da estante de música que ele usou para travar a porta; seus
revólveres e faca; a carabina Spencer que ele e David Herold pegaram na
passagem corrida à meia-noite pela taverna dos Surratt; seu apito e chaves;
as fotografias de suas namoradas; e a notória agenda transformada em seu
diário de bolso, com as páginas ainda abertas como que a esperar uma
última anotação.
Quando os turistas que vêm aqui se maravilham com os implementos de
Booth para a violência e a morte — nenhum dos quais é mais popular do
que a pistola Deringer que matou o presidente Lincoln — eles em geral se
esquecem de uma relíquia mais emocionante. Poucos visitantes se abaixam
para olhar na vitrine uma pequena prateleira colocada bem perto do chão e
examinar um prosaico objeto do cotidiano guardado em sua caixinha
forrada de veludo. Trata-se da bússola de bolso de Booth, mais evocativa de
sua fuga desesperada dos caçadores durante nove dias do que qualquer
outra relíquia que tenha ficado para a posteridade.
Esta é a bússola que o guiou durante os perigosos dias da fuga; que ele e
Thomas Jones protegeram e consultaram à luz de vela enquanto traçavam o
curso de Booth para a longa travessia nas águas negras do Potomac; que a
cada dia lhe dava esperança ao apontar o rumo Sul do seu destino final;
com a qual ele brincou no quintal dos Garrett para deleite das crianças; e
que os detetives saquearam de seus bolsos enquanto ele jazia moribundo na
fazenda dos Garrett. Hoje, quase um século e meio desde o início da grande
perseguição ao assassino de Lincoln, sua azulada agulha de aço ainda dança
em torno do eixo, apontando sempre para o Sul.

________________
1 Em inglês, os adjetivos não se diferenciam em gênero ou número;
portanto, useless se traduz tanto por “inútil” quanto por “inúteis”. (N. do T.)
O diário de John Wilkes Booth
Pântano de Zequiah e Nanjemoy Creek,
Condado de Charles, Maryland,
17 e 22 de abril de 1865
13 de abril 14 sexta-feira, Idos
Até o presente, nada se pensou em sacrifício pelos erros do nosso
país. Durante seis meses trabalhamos para capturar. Estando nossa
causa quase perdida, porém, é preciso fazer algo decisivo e grandioso.
Mas esse fracasso se deu por causa de outros que não atacaram, por
seu país, com o coração. Eu ataquei com ousadia, e não como dizem
os jornais. Caminhei com passo firme por entre milhares de amigos
dele, fui parado, mas prossegui. Havia um coronel ao lado dele. Gritei
Sic temper antes de atirar. Ao pular, quebrei a perna. Passei por todos
os piquetes dele, cavalguei cem quilômetros naquela noite, com o osso
da minha perna rasgando a minha carne a cada pulo. Jamais vou me
arrepender, embora detestemos matar:
O nosso país devia todos os seus problemas a ele, e Deus
simplesmente me fez o instrumento de sua punição. O país não é o que
foi. Esta União forçada não é o que eu já amei. Não me importo com o
que possa acontecer comigo. Não tenho desejo algum de viver mais
que o meu país. Nessa noite (antes do feito), escrevi um longo artigo e
o deixei para um dos Editores do National Intelligencer, em que
disserto sobre todas as razões que levaram aos nossos procedimentos.
Ele ou o Governo...
Sexta-feira 21 —
Depois de ser caçado como um cão através de pântanos e matas, e
de ser perseguido ontem à noite por canhoneiras até ser forçado a
voltar molhado, faminto e com frio, tendo todos contra mim, aqui
estou em desespero. E por quê; por fazer aquilo que rendeu a Brutus
honrarias, aquilo que fez de Tell um Herói. Contudo, eu, por derrubar
um tirano maior do que eles poderiam sonhar, sou visto como um reles
cortador de gargantas. Meu ato foi mais puro que o de qualquer um
deles. Um esperava a grandeza pessoal. O outro tinha a revidar não
apenas os erros cometidos contra o seu país como também contra si
próprio. Eu não estava atrás de ganho algum. Não tinha o que
reclamar para mim. Agi por meu país, apenas isso. Um país se remoía
sob essa tirania e rezava pelo seu fim. Contudo, agora, vejam a mão
fria que me estendem. Deus não poderá me perdoar se o que fiz foi
errado. Mas não vejo erro,a não ser o de servir a um povo aviltado. O
pouco, muito pouco que deixei para trás com o fito de limpar meu
nome, o Governo não permite imprimir. E assim termina tudo. Por
meu país, abri mão de tudo o que torna a vida doce e sagrada, joguei
minha família na miséria e tenho certeza de que não há perdão para
mim no Céu quando os homens assim me condenam. Eu ouvi dizer o
que foi feito (exceto o que fiz eu mesmo) e isso me deixa horrorizado.
Que Deus me perdoe, e abençoe minha mãe. Hoje à noite vou tentar
cruzar o rio novamente, embora tenha um grande desejo e esteja
quase decidido a voltar a Washington para em grande medida limpar
meu nome, o que acho ser capaz de fazer. Não me arrependo do golpe
que desferi. Talvez diante de Deus, mas não diante do homem.
Acho que fiz bem, embora esteja abandonado, com a maldição de
Caim pairando sobre mim, quando, se o mundo conhecesse o que se
passa no meu coração, aquele golpe teria me tornado grandioso,
embora eu não deseje grandiosidade.
Hoje à noite tentarei fugir desses cães sanguinários novamente.
Quem, quem é capaz de ler o seu destino, o de Deus será cumprido.
Tenho a alma grandiosa demais para morrer como criminoso. Oh,
que ele me livre disso e me deixe morrer com bravura!
Abençoo o mundo inteiro. Jamais odiei ou fiz mal a ninguém. Este
último feito não foi um erro, a menos que Deus assim o considere. E
cabe a ele amaldiçoar-me ou abençoar-me. E por este bravo rapaz que
está comigo e reza sempre (sim, antes e desde então) com o coração
honesto e sincero, teria sido um crime o dele, e se foi, porque ele pode
rezar igual eu não quero derramar uma gota de sangue, mas hei de
“aguentar o ataque”. É tudo o que me resta.
Agradecimentos
AGRADEÇO AOS PIONEIROS, GEORGE ALFRED TOWNSEND (1841-1914),
Osborn H. Oldroyd (1842-1930) e James O. Hall — este, já com mais de
noventa anos, continua sendo uma inspiração. Todos os outros estudiosos
do assassinato de Lincoln devem se apoiar na obra deles. Townsend,
Oldroyd e Hall percorreram os caminhos de Booth, fizeram as perguntas,
coletaram documentos e perseguiram o desconhecido. Os demais
caminhamos sobre suas pegadas, e essas trilhas abrangem várias gerações,
conduzindo, numa linha ininterrupta, à noite em que Abraham Lincoln foi
morto. Devo agradecimentos especiais ao sr. Hall pelo dia memorável em
sua casa, quando ele compartilhou parte do conhecimento que dedicara a
vida inteira a adquirir.
De carinhosas lembranças, agradeço ao falecido Michael Maione,
historiador do Serviço Nacional de Parques no Teatro Ford — que, pelo que
eu saiba, jamais apareceu em lugar algum sem o uniforme —, pelas
conversas memoráveis e pelos bons conselhos. Mike era um modelo de
historiador público e todos que o viram em ação no Teatro Ford, passeando
em frente ao palco, ministrando com seu vozeirão a famosa palestra sobre o
assassinato, o viram dando o melhor de si. Uma vez, chamei a atenção de
Mike dizendo-lhe que ele estava assustando as crianças que vinham em
passeios de escola visitar o Teatro Ford todo verão.
— Pois — disse ele exultante —, assim elas se lembrarão de mim!
E se lembram, sim. E Michael, nós também. Foi “absolutamente cabível
e adequad[a]”, para tomar emprestada uma frase tirada dos comentários de
Lincoln em sua homenagem aos mortos de Gettysburg, a missa em memória
de Mike ter sido realizada no local que ele amava — o Teatro Ford.
Agradeço ao especialista da Biblioteca do Congresso Clark Evans pelos
dias tranquilos no salão de livros raros do Jefferson Building, quando ele
trazia os deliciosos tesouros de Lincoln, um depois do outro. Também
agradeço a John R. Sellers, especialista da parte histórica na divisão de
originais da Biblioteca do Congresso, por dicas sobre assassinato, por
conselhos muito úteis sobre as publicações e por disponibilizar alguns dos
tesouros de Lincoln em seu domínio. No Arquivo Nacional, Michael
Musick foi guia indispensável para os complicados registros do assassinato
de Lincoln.
Dois bons amigos na comunidade Lincoln, Edward Steers Jr., o maior
historiador contemporâneo do assassinato, e Michael F. Bishop, diretor
executivo da Comissão do Bicentenário de Abraham Lincoln, leram de bom
grado e aprimoraram os originais. Michael Burlingame, estudioso de
Lincoln, editor e autor incomparável, está sempre disposto a compartilhar
sua pesquisa com colegas e respondeu de bom grado a todas as minhas
perguntas. Na Universidade de Chicago, David Bevington propiciou
vislumbres esclarecedores no uso que Booth fazia de Shakespeare.
Andréa E. Mays, crítica perspicaz da não-ficção histórica, leu e
comentou os originais a partir de sua ótica exclusiva. Ela revisou diversas
versões do livro e me salvou de cometer inúmeros erros e omissões
embaraçosas.
Agradeço também a Lisa Bertagnoli, jornalista, linguista e estudante da
cultura sulista, por ler o original, oferecer vários comentários valiosos e por
suas outras contribuições.
Mara Mills sugeriu que eu fizesse algo de útil com a biblioteca de
Lincoln que pegava poeira nas minhas prateleiras há anos: escrever um
livro!
James Nash, leitor atencioso da literatura da guerra da rebelião, trouxe
questões importantes à minha atenção. Agradeço também a James por uma
macabra noite de verão no centro de Washington, quando fomos à
estalagem de Mary Surratt para assistir, no 140° aniversário do
enforcamento, uma peça sobre o seu julgamento e execução.
Tenho uma dívida de gratidão com Joan Chaconas e Laurie Verge pelo
encorajamento, generosidade e amizade. Sua pesquisa e seus escritos, e
ainda seu papel na preservação da casa de campo de Mary Surratt,
colaboraram para o avanço material do conhecimento acerca do assassinato
de Lincoln. Sandra Walia, da Biblioteca de Pesquisa James O. Hall da
Sociedade Surratt, destrancou o baú do tesouro em arquivos ali guardados.
Fiquei impressionado quando, anos atrás, tomei conhecimento de um grupo
chamado Sociedade Surratt. Eu tinha assumido, incorretamente, tratar-se de
um grupo amador de apologistas do assassinato. Pelo contrário, tanto
equipe quanto membros da sociedade são estudiosos apaixonados em busca
da história objetiva.
Na magnífica casa de William H. Seward em Auburn, Nova York, o
diretor executivo Peter Wisbey forneceu fotografias assombrosas e
informações valiosas sobre Fanny e seu pai.
David Lovett, historiador extraordinário e bibliógrafo dos assassinatos
de Lincoln e Kennedy, forneceu livros e panfletos, praticamente
impossíveis de obter, que foram essenciais à minha pesquisa.
Karen Needles da divisão de Documentos sobre Rodas descobriu o até
então inédito cheque emitido como recompensa paga ao assassino de Booth,
Boston Corbett. Karen é uma pesquisadora infatigável que fez diversas
contribuições ao assunto Lincoln desencavando vários documentos
instigantes e pouco conhecidos no Arquivo Nacional, na Biblioteca do
Congresso e noutros lugares.
Agradeço aos meus amigos na Fundação do Patrimônio, Edwin Meese
III, Todd Gaziano e Paul Rosenzweig, por me darem um lar durante a maior
parte do tempo em que escrevi o livro. E agradeço também a Molly Stark
por me ajudar com o original e por resolver infindáveis mistérios dos
computadores.
Obrigado a Carol Cohen e Elizabeth Kreul-Starr por digitarem
rascunhos dos originais.
Theodore L. Jones e George A. Didden III me deram a chave de um
belíssimo porém assombroso sobrado do século XIX, grande o suficiente
para guardar alguns milhares de livros, documentos e jornais da Guerra
Civil.
Preciso agradecer a Harold Holzer, vice-presidente do Metropolitan
Museum [of Art] e um dos diretores da Comissão do Bicentenário de
Abraham Lincoln, pelo aprofundamento especializado e por sua
hospitalidade na cidade de Nova York, e a Frank Williams, presidente do
tribunal de justiça de Rhode Island e também membro da Comissão do
Bicentenário, por compartilhar seu enorme conhecimento e sua maravilhosa
biblioteca sobre Lincoln.
Valiosos conselhos sobre a maneira de pensar e contar esta história me
foram dados por Douglas H. Ginsburg, presidente do Tribunal de Recursos
dos Estados Unidos da Circunscrição do Distrito de Columbia, e pelo juiz J.
Harvie Wilkinson III do Tribunal de Recursos dos Estados Unidos da
Quarta Circunscrição.
Agradeço também aos amigos que me deram o prazer de me
acompanhar nos passeios anuais pelo centro de Washington nas noites do
aniversário do assassinato de Lincoln.
Agradeço especialmente a uma amiga sulista que, após insistir no
anonimato, revelou o hábito secreto de sua família: desde 15 de abril de
1866 — primeiro aniversário do assassinato — eles realizam seu próprio
cotilhão anual naquele dia para comemorar o assassinato de Abraham
Lincoln e homenagear seu Brutus. O ritual propiciou notável acesso à
maneira como alguns sulistas reagiram aos eventos de abril de 1865 — e
como alguns ainda se lembram deles.
Henry Ferris é um editor paciente e perceptivo que aprimorou o original
de inúmeras maneiras com refinada sensibilidade dramática e instinto
infalível para sugerir cenas-chave que avançaram a narrativa. Estou
convencido de que o fato de ser ele um descendente dos Booth influenciou
o rumo deste livro.
Agradeço também a Michael Morrison, da HarperCollins, e Lisa
Gallagher, da William Morrow, por seu forte apoio ao livro e pelo interesse
pessoal que demonstraram por mim.
Richard Abate, meu agente literário na International Creative
Management, me deu seu entusiasmo, seus vislumbres e sua amizade.
Richard leu vários rascunhos do original, transformou-se num especialista
do assunto e até veio a Washington explorar os locais do assassinato
comigo. Fez deste um livro melhor. Obrigado também aos meus outros
representantes da ICM, Ron Bernstein e Kate Lee.
Minha própria caçada a John Wilkes Booth começou quando minha avó
Elizabeth, veterana da legendária cena dos agora extintos jornais tabloides
de Chicago, deu para um menino de dez anos de idade um presente
incomum: uma gravura emoldurada da pistola Deringer de Booth, junto
com um recorte do Chicago Tribune de 15 de abril de 1865, detonando
assim a obsessão que levou a este livro.
O espírito animado de minha irmã Denise e seu gosto por contos
históricos bizarros me encorajaram desde o início. Ainda em tenra idade,
ela foi partícipe das minhas intenções literárias.
Finalmente, agradeço aos meus pais, Dianne e Lennart Swanson. Sem o
seu amor e apoio generoso ao longo de muitos anos, eu jamais conseguiria
escrever A caçada ao assassino de Lincoln, ou qualquer outra coisa.
James L. Swanson Washington, D.C., 10 de outubro de 2005
Bibliografia
NOTA SOBRE AS FONTES
A LITERATURA SOBRE O ASSASSINATO DE LINCOLN É VASTA
E EU NÃO finjo catalogá-la aqui. A bibliografia completa, que nenhum
estudioso jamais compilou, compreende vários milhares de livros e artigos.
Qualquer tentativa de citá-los todos, quando eu jamais poderia lê-los todos,
parece não servir a propósito algum e pouco uso teria para um leitor que
quisesse aprender mais. A bibliografia que segue está longe de ser
abrangente e é, com algumas exceções, pouco mais do que uma lista de
livros escolhidos nas estantes da minha própria biblioteca e daqueles que
consultei enquanto escrevia A caçada ao assassino de Lincoln. Usei meu
próprio bom-senso para escolher, e citar, as melhores fontes. Seguem-se as
poucas centenas de livros de que eu gostei mais, os quais achei mais úteis
ou supus que seriam os mais interessantes para leitores que possam usar A
caçada ao assassino de Lincoln como ponto de partida para suas próprias
perseguições a John Wilkes Booth. Para iniciar essa perseguição, então,
sugiro um punhado de títulos.
O melhor livro moderno sobre o assassinato de Lincoln é Blood on the
Moon: The Assassination of Abraham Lincoln [Sangue na lua: O
assassinato de Abraham Lincoln], de Edward Steers Jr. Em 1865, três
editoras publicaram as transcrições impressas dos testemunhos do
julgamento da conspiração. Atualmente, a única versão que continua no
prelo se encontra em The Trial: The Assassination of President Lincoln and
the Trial of the Conspirators [O julgamento: O assassinato do presidente
Lincoln e o julgamento dos conspiradores], editado por Edward Steers Jr.
Além de imprimir um fac-símile de todo o volume de Pitman contendo a
transcrição do processo, Steers incluiu ensaios sobre os conspiradores e o
tribunal militar escritos por ele próprio e pelos especialistas no assassinato
de Lincoln Joan Chaconas, Laurie Verge, Percy E. Martin, Terry Alford e
Burrus Carnahan. Com apenas esses dois livros, é possível obter uma
compreensão bastante abrangente das tramas contra Lincoln, dos eventos de
abril de 1865, do tribunal militar e da execução dos conspiradores.
Outra referência essencial é o Trial of John H. Surratt in the Criminal
Court for the District of Columbia [Julgamento de John H. Surratt no
Tribunal Criminal para o Distrito de Columbia], publicado em dois volumes
em 1867. Essa transcrição importante e fascinante inclui material que não
se encontra em nenhum outro lugar. Infelizmente, os volumes de Surratt
nunca foram reimpressos e só estão disponíveis na escassa e cara edição
original. A transcrição mais completa que já foi publicada do tribunal de
1865 é o volume triplo de Benjamin Perley Poore, The Conspiracy Trial for
the Murder of the President [O julgamento da conspiração para o
assassinato do presidente]. Esse conjunto foi reimpresso há alguns anos,
mas a edição em fac-símile, qual o original, é escassa.
As histórias mais bem ilustradas do assassinato são Twenty Days [Vinte
dias] de Dorothy Meserve Kunhardt e Philip B. Kunhardt Jr. e Lincoln’s
Assassins: Their Trial and Execution [Os assassinos de Lincoln: Seu
julgamento e execução] de James L. Swanson e Daniel R. Weinberg.
Aquele contém mais de trezentas fotografias em preto e branco de gente e
lugares ligados ao assassinato e ao funeral de Lincoln. Este contém mais de
duzentas e cinquenta chapas coloridas de raras imagens de época,
fotografias, pinturas, livros, relíquias, jornais, autógrafos e documentos
relacionados com o assassinato, a caçada humana, o julgamento e a
execução.
Entre as obras clássicas que tiveram sustentação estão The Death of
Lincoln [A morte de Lincoln] de Clara Laughlin, Myths After Lincoln
[Mitos depois de Lincoln] de Lloyd Lewis e The Great American Myth [O
grande mito americano] de George Bryan. O The Lincoln Murder
Conspiracies [As conspirações para o assassinato de Lincoln] de William
Hanchett é uma excelente historiografia de todo um século de alternativas
de teorias de conspiração. O Beware the People Weeping: Public Opinion
and the Assassination of Abraham Lincoln [Saibam que o povo chora:
Opinião pública e o assassinato de Abraham Lincoln] de Thomas Reed
Turner é um relato marcante do luto do povo americano por seu presidente
morto.
Dentre os relatos de época essenciais — e meus favoritos — encontram-
se The Life, Crime, and Capture of John Wilkes Booth [A vida, crime e
captura de John Wilkes Booth] de George Alfred Townsend publicado em
1865 poucas semanas após o término da caçada humana; Wilkes Booth,
livro de memórias de Thomas A. Jones publicado em 1893, em que ele
descreve como escondeu Booth e Herold no bosque de pinheiros e depois
os enviou na travessia do Potomac; e, claro, as incomparáveis lembranças
que Asia Booth Clarke tece de seu irmão, The Unlocked Book: A Memoir of
John Wilkes Booth by His Sister [O livro revelação: Memórias de John
Wilkes Booth por sua irmã], escrito em segredo e só publicado em 1938.
Todas as edições originais são escassas, mas foram reimpressas e não são
difíceis de obter, e aproveitar. A coletânea de obras de John Wilkes Booth,
por mais breve que seja por causa da destruição de muitas de suas cartas e
escritos pessoais durante o frenesi da caçada humana, continuou
indisponível por mais de um século até sua publicação em 1997 em “Right
or Wrong, God Judge Me”: The Writings of John Wilkes Booth [“Certo ou
errado, Deus que me julgue”: Os escritos de John Wilkes Booth], editado
por John Rhodehamel e Louise Taper.
As várias publicações da Sociedade Surratt, uma organização de
pesquisadores sérios e não de apologistas do assassinato, são incalculáveis
para quem estuda o crime de Booth, e dentre elas se encontram From War
Department Files: Statements Made by the Alleged Lincoln Conspirators
Under Examination, 1865 [Dos arquivos do Departamento da Guerra: Um
exame das declarações feitas pelos que teriam conspirado contra Lincoln];
In Pursuit of...: Continuing Research in the Field of the Lincoln
Assassination [Em busca de...: Pesquisa continuada no campo do
assassinato de Lincoln]; The Lincoln Assassination: From the Pages of the
Surratt Courier (1986-1999) [O assassinato de Lincoln: Das páginas do
correio Surratt], publicado em dois volumes; On the Way to Garrett’s Barn
[A caminho do paiol dos Garrett]; e Abraham Lincoln Assassination
Bibliography: A Compendium of Reference Materials [Bibliografia do
assassinato de Abraham Lincoln: Um compêndio de materiais de
referência], compilado por Blaine V. Houmes. Essa bibliografia, um livro
substancial por si só, é o mais completo guia já publicado na literatura sobre
o assassinato de Lincoln.
The Surratt Courier [O correio Surratt], a publicação mensal da
Sociedade Surratt, e o Journal of the Lincoln Assassination [Revista do
assassinato de Lincoln] publicada três vezes ao ano por Lrederick Hatch,
contêm valiosos artigos, resenhas de livros e notícias.
Finalmente, dois livros recentes sobre o assassinato de Lincoln,
American Brutus: The Lincoln Assassination Conspiracies [Brutus
americano: As conspirações para o assassinato de Lincoln], de Michael
Kauffman, e The Darkest Dawn: Lincoln, Booth, and the Great American
Tragedy [A mais escura alvorada: Lincoln, Booth e a grande tragédia
americana], de Thomas Goodrich, são compilações maravilhosamente
amplas de informação sobre o assassinato.
Além das fontes impressas coletadas neste ensaio e na bibliografia que
se segue, os escritos originais do Departamento da Guerra e de outros
órgãos do governo ligados à investigação do assassinato de Lincoln, da
caçada humana, do julgamento dos conspiradores e da distribuição das
recompensas formam uma coleção essencial. Infelizmente, esta, que
repousa no Arquivo Nacional, nunca foi publicada. Muitos dos documentos
estão disponíveis em microfilme. As fontes mais importantes — registros
do Escritório do Comissário Geral das Forças Armadas — estão no Grupo
de Registro 153 e trazem o nome “Investigation and Trial Papers Relating
to the Assassination of President Lincoln” [Documentos da investigação e
julgamento relacionados com o assassinato do presidente Lincoln]. Entre os
historiadores, são mais comumente conhecidos como o “Lincoln
Assassination Suspects File” [Arquivo dos suspeitos do assassinato de
Lincoln]. Eles estão disponíveis em dezesseis rolos de microfilme
chamados Microcopy-599, ou M-599. Outra importante coleção de
documentos, primordialmente relativa a várias requisições de parcelas do
dinheiro da recompensa, está guardada no Grupo de Registros 94, registros
do Escritório do Subchefe da Iª Seção do Estado-Maior. Esses materiais
estão disponíveis em quatro rolos de microfilme chamados Microcopy-619,
ou M-619, nos rolos de número 455 até o 458. Para a conveniência dos
leitores que não dispõem de leitoras de microfilme ou não querem gastar
centenas de dólares em vinte e poucos rolos de microfilme, ao longo das
notas dos capítulos eu citei obras em que os documentos microfilmados
foram reimpressos para facilitar referências.
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Notas
PRÓLOGO
O melhor relato do Dia da Posse, 1865, intitula-se Lincoln's
Greatest Speech: The Second Inaugural (“O maior discurso de Lincoln:
o da segunda posse”), de Ronald C. White Jr. (Nova York: Simon 8c
Schuster, 2002). Relatos que descrevem muito bem os eventos do dia
foram publicados em jornais de Washington, inclusive aqueles que eu
considero os melhores “jornais de fatos” — o Evening Star, o Daily
Morning Chronicle e o National Intelligencer. As quatro melhores
biografias de Lincoln também cobrem o evento de forma breve. Queira
ver Lincoln (Nova York: Simon 8c Schuster, 1995), de David Donald,
páginas 565-568; With Malice Towards None: The Life of Abraham
Lincoln (“Sem malícia contra ninguém: A vida de Abraham Lincoln”),
de Stephen B. Oates (Nova York: Harper 8c Row, 1977), páginas 410-
412; Abraham Lincoln, de Benjamin P. Thomas (Nova York: Knopf,
1952), páginas 503-504; e Abraham Lincoln: The War Years
(“Abraham Lincoln: Os anos da guerra”), de Carl Sandburg (Nova
York: Harcourt Brace 8c Co., 1939), volume 4, páginas 85-99. Alguns
críticos podem questionar a inclusão da obra-prima de Sandburg sobre
Lincoln, com seis volumes, The Prairie Years (“Os anos da pradaria”)
(em dois volumes) e The War Years (“Os anos da guerra”) (em quatro
volumes), em qualquer lista das “melhores” biografias. De fato, Gore
Vidal uma vez escreveu que a biografia de Sandburg foi a pior coisa
que aconteceu a Lincoln desde o assassinato. Sandburg também passou
a ser desaprovado entre historiadores profissionais. Apesar de certas
falhas de interpretação e alguns erros inevitáveis, nenhum livro sobre
Lincoln foi mais bem escrito, ou evoca melhor o espírito da era de
Lincoln. O tratamento de Sandburg entre as páginas 246 e 413 do
volume quatro de The War Years, cobrindo os últimos dias de Lincoln,
o assassinato, as providências tumultuadas e o funeral, ainda vale a
pena ler.
A fotografia de William Smith ficou perdida durante quase um
século até a descoberta em 1962 de uma única cópia, em sua moldura
original, contendo a chancela de identificação do artista e do evento.
Smith tirou a fotografia em lugar de Alexander Gardner que,
trabalhando mais perto da frente oriental com outra câmera, não podia
estar em dois lugares ao mesmo tempo. Este espécime foi tido como
único sobrevivente até a descoberta de outro exemplar em fins da
década de 1990. Uma reprodução de página inteira da magnífica
imagem de Smith pode ser encontrada em Lincoln’s Photographs: A
Complete Álbum (“Fotografias de Lincoln: Álbum completo”), de
Lloyd Ostendorf (Dayton, Ohio: Rockywood Press, 1998), página 206.
As fotografias de Gardner aparecem em Ostendorf nas páginas
208-212.
A descrição que Noah Brooks faz do sol abrasador brota em
suas memórias Washington, D.C., in Lincolns Time (“A cidade de
Washington na época de Lincoln”) (Nova York: The Century Company,
1895). Eu usei a melhor edição, a reimpressão da versão de 1971 pela
Georgia University Press, editada pelo perspicaz jornalista e historiador
da Guerra Civil Herbert Mitgang. O apogeu aparece na página 213 e a
visão de Brooks quanto às trevas da morte, na 215.
O texto completo do discurso de Lincoln em sua segunda posse
pode ser lido em vários livros, inclusive Lincolns Greatest Speech (“O
melhor discurso de Lincoln”), de White, páginas 17-19 (White também
ilustra o quase nunca visto rascunho manuscrito de Lincoln); This Fiery
Trial: The Speeches and Writings of Abraham Lincoln (“Esse
julgamento inflamado: Os discursos e escritos de Abraham Lincoln”)
(Nova York: Oxford University Press, 2002), páginas 220-221, edição
de William E. Gienapp; e The Collected Works of Abraham Lincoln
(“A coletânea de obras de Abraham Lincoln”), volume 8, páginas 332-
333 (New Brunswick: Rutgers University Press, 1952), edição de Roy
P. Basler.
As observações de Elizabeth Keckley, costureira e confidente
de Mary Lincoln, aparecem nas páginas 176-177 de suas memórias,
Behind the Scenes. Or, Thirty Years a Slave, and Four Years in the
White House (“Por trás dos panos. Ou, quarenta anos escrava e quatro
anos na Casa Branca”) (Nova York: G. W. Carleton & Co., 1868). Para
obter maiores informações sobre esse relacionamento fascinante e
tumultuoso, queira ver Mrs. Lincoln and Mrs. Keckly (“sra. Lincoln e
sra. Keckly”), de Jennifer Fleischner (Nova York: Broadway Books,
2003). Fleischner explica as ortografias variadas do sobrenome de
Elizabeth.
O relato que Samuel Knapp Chester faz do episódio no
parlamento aparece em The Conspiracy Trial for the Murder of the
President (“O julgamento da conspiração para o assassinato do
presidente”), de Ben Perley Poore (Boston: J. E. Tilton and
Company, 1865), 3 volumes, volume 1, página 49; e em The
Assassination of President Lincoln and the Trial of the Conspirators (“O
assassinato do presidente Lincoln e o julgamento dos conspiradores”), de
Benn Pitman (Cincinnati: Moore, Wilstach & Baldwin, 1865), página 45.
Arthur F. Loux relatou em crônica a cronologia de Booth, até
onde ela pode ser apurada, em Wilkes Booth: Day by Day (“John
Wilkes Booth: Dia a dia”) (impressão privativa, 1989).
O lamento de Booth sobre “a tristeza” foi tirado de Henry B.
Phillips na Estalagem Petersen na noite do assassinato. Ver While
Lincoln Lay Dying: A Facsimile Reproduction of the First Testimony
Taken in Connection with the Assassination of Abraham Lincoln as
Recorded by Corporal James Tanner (“Enquanto Lincoln jazia
moribundo: Uma reprodução em fac-símile do primeiro testemunho
tomado em conexão com o assassinato de Abraham Lincoln conforme
foi registrado pelo cabo James Tanner”), de Maxwell Whiteman
(Filadélfia: Union League of Philadelphia, 1968), em “Statement of Mr.
Henry B. Philips” (“Depoimento do sr. Henry B. Philips”). O livro não
está paginado.
Os comentários que Lincoln fez em IO de abril de 1865 aos
cidadãos-seresteiros estão publicados em Collected Works (“Coletânea
de obras”), de Basler, volume 8, páginas 393-394.
As descrições feitas por Booth sobre o 11 de abril e as
circunstâncias do último discurso de Lincoln aparecem nas páginas
225-227 de Washington, D.C., in Lincoln’s Time. O relato de Keckley,
inclusive a citação de Tad Lincoln, aparece nas páginas 176 e 177 de
Behind the Scenes.
O último discurso de Lincoln está publicado na Collected
Works, de Basler, volume 8, páginas 399-405.
Keckley preservou seus temores do assassinato em Behind the
Scenes, página 178.
A enraivecida declaração de Booth sobre o direito dos negros
ao voto é discutida em American Brutus: John Wilkes Booth and the
Lincoln Conspiracies (“Brutus americano: John Wilkes Booth e as
conspirações contra Lincoln”), de Michael Kauffman (Nova York:
Random House, 2004), página 209; em “Right or Wrong, God Judge
Me”: The Writings of John Wilkes Booth (“‘Certo ou errado, Deus que
me julgue’: Os escritos de John Wilkes Booth), de John Rhodehamel e
Louise Taper (Urbana: University of Illinois Press, 1997), página 15; e
em The Lincoln Murder Conspiracies (“As conspirações para o
assassinato de Lincoln”), de William Hanchett (Urbana: University of
Illinois Press, 1983), página 37. A declaração de Booth sobre o “último
discurso” foi relatada por Lewis Powell para o major Thomas Eckert do
escritório do telégrafo do Departamento de Guerra. Veja o testemunho
de Eckert em House Report 40, na página 674.
A carta de Booth para sua mãe aparece em Right or Wrong, de
John Rhodehamel e Louise Taper, na página 144.
CAPÍTULO UM
O mês de abril de 1865 não foi igual a nenhum outro em nossa
história. Segundo um relato, “observando o desenrolar dessa rápida
sucessão de eventos, fica claro que o povo americano viveu, em menos
de um mês, a série de eventos mais intensamente dramáticos na história
dos Estados Unidos”. Ver Lincolns Assassins: Their Trial and
Execution (“Os assassinos de Lincoln: Seu julgamento e execução”), de
James L. Swanson e Daniel R. Weinberg (Santa Fé, Novo México:
Arena Editions, 2001), páginas 9-11.0 melhor relato dessas semanas é
April 1865: The Month That Saved America (“Abril de 1865: O mês
que salvou a América”), de Jay Winik, uma esplêndida síntese de
matérias civis, militares e políticas. O Battle Cry of Freedom: The Civil
War (“Grito de batalha pela liberdade: A guerra civil”), de James M.
McPherson (Nova York: Oxford University Press, 1988), continua
sendo a história fundamental da guerra num único volume e oferece
valiosos vislumbres do fim. O Freedom Rising: Washington in the Civil
War (“Liberdade em ascensão: Washington na Guerra Civil”), de Ernest
B. Furgurson (Nova York: Knopf, 2004), evoca a capital nacional que
Lincoln e Booth conheciam, assim como o faz o incomparável clássico
Reveille in Washington, 1860-1865 (“Toque de alvorada em
Washington: 1860-1865”), de Margaret Leech (Nova York: Harper &
Bros., 1941). Qualquer estudante do assassinato deveria ler Winik,
McPherson, Furgurson e Leech para compreender o contexto do crime
de Booth. Para ver as ruas e a arquitetura da capital na época da guerra,
assim como Lincoln, Booth, os conspiradores e os caçadores as viam,
não há máquinas do tempo melhores que duas histórias fotográficas:
Mr. Lincoln’s City (“A cidade do sr. Lincoln”), de Richard M. Lee
(McLean, Virginia: EPM Publications, 1981), e Mr. Lincoln’s
Washington (“A Washington do sr. Lincoln”), de Stanley Kimmel
(Nova York: Bramhall House, 1957).
A descrição de Booth como um Adônis é do ator Sir Charles
Wyndham e aparece em Lincoln’s Assassins (“Assassinos de Lincoln”),
de Swanson e Weinberg, página 147.
Meu relato dos eventos de 14 de abril de 1865 — e da maioria dos
eventos no livro — se baseia majoritariamente em matérias de jornais
contemporâneos; testemunhos prestados no julgamento da conspiração em
1865; testemunhos prestados no julgamento de John H. Surratt em 1867;
cartas e memórias dos participantes; fotografias originais, cartazes e
relíquias; vários documentos governamentais; e os melhores livros
publicados sobre o assassinato entre 1865 e 2005. Embora eu atribua
citações diretas, não cito as fontes para todo e qualquer fato no livro. Uma
abordagem assim resultaria numa seção de notas excessivamente volumosa
que sobrecarregaria a maioria dos leitores. A caçada ao assassino de
Lincoln foi feito para ser não uma enciclopédia do assassinato mas sim um
relato dramático dos eventos de 14 a 26 de abril, relato este que se
desenrola, o máximo possível, em tempo real. Quando os estudiosos de
Lincoln em geral concordam com certos fatos (por exemplo, que Booth
vinha bebendo bastante, ou que ele costumava ficar no National Hotel, ou
que as mulheres se sentiam atraídas por ele), eu remeto o leitor às
referências-padrão listadas na introdução à bibliografia. Nas notas que se
seguem, chamo atenção para fatos obscuros e incomuns e também discuto
eventos polêmicos a respeito dos quais estudiosos tenham discordado
quanto aos fatos ou sua interpretação.
Quem quiser ver um histórico da peça e o seu script, queira
consultar Our American Cousin: The Play That Changed History
(“Nosso primo americano: A peça que mudou a história”), de Welford
Dunaway Taylor (Washington, D.C.: Beacham Publishing, 1990).
O secretário da Marinha Gideon Welles registrou o sonho de
Lincoln em seu diário. Diary of Gideon Welles (“Diário de Gideon
Welles”), Howard K. Beale, org. (Nova York: W. W. Norton, 1960),
volume 2, páginas 282-283.
Para obter maiores informações sobre a última reunião de
gabinete de Lincoln, queira ver Team of Rivals: The Political Genius of
Abraham Lincoln (“Equipe de rivais: O gênio politico de Abraham
Lincoln”), de Doris Kearns Goodwin (Nova York: Simon & Schuster,
2005), páginas 731-732; Lincoln, de Donald, páginas 590-592; e With
Malice Toward None, de Oates, páginas 427-428.
O telegrama de Lincoln de 9 de junho de 1863 aparece em
Collected Works, de Basler, volume 6, página 256; e a carta de abril de
1848, em Collected Works, volume 1, páginas 465-466.
A sugestão de Henry Clay Ford para James Ferguson e a
resposta deste aparecem em The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1,
página 190. Queira ver também The Assassination of President Lincoln,
de Pitman, página 76.
Henry Clay Ford testemunhou as risadas de Booth ao meio-dia
de 14 de abril: “Ele estava sentado nos degraus da escada, lendo sua
carta e a toda hora parava de ler e ria.” The Assassination of President
Lincoln, de Pitman, página 101.
Ninguém admitiu ter contado a Booth que o presidente viria ao
teatro. Henry Clay Ford, testemunhando no julgamento da conspiração,
tentou confundir a questão dizendo que não sabia e que poderia ter sido
qualquer um: “Foi quando Booth estava lá que eu acho que ele ficou
sabendo da ida do presidente ao teatro naquela noite. Havia muita gente
em torno de Booth, falando com ele.” The Assassination of Abraham
Lincoln, de Pitman, página 100.
Todas as citações atribuídas ao dr. Charles Leale vêm de uma
fonte: seu próprio relato do que aconteceu na noite de 14 e manhã de 15
de abril de 1865, que só foi publicado muitos anos depois do
assassinato. Ver Address Delivered Before the Commandery of the
State of N. Y. Military Order of the Loyal Region of the U.S.
(“Discurso proferido diante do Comando de Estado da Ordem Militar
de NY da Região Leal dos EUA”), de Charles A. Leale, fevereiro de
1909.
O relato de Ferguson a respeito da gabolice de Booth sobre seu
cavalo de aluguel e a presença de Maddox vêm de The Conspiracy
Trial, de Poore, volume 1, página 190. Queira ver também The
Assassination of President Lincoln, de Pitman, página 76.
A conversa de Booth com Henry Merrick no National Hotel,
publicada em 17 de abril de 1865 no New York Tribune, está
reproduzida em Right or Wrong, de Rhodehamel e Taper, página 150.
O comentário de Booth sobre o “espetáculo esplêndido” está
reimpresso em American Brutus, de Kauffman, página 222.
John Matthews deixou ao menos dois relatos de sua conversa
com Booth. Queira ver Right or Wrong, de Rhodehamel e Taper,
páginas 151-153.
Para obter um relato de Julia Dent Grant sobre quando ela viu
Booth, queira ver Blood on the Moon, de Steers, página 112.
O recado de Booth para o vice-presidente Johnson aparece em
Right or Wrong, de Rhodehamel e Taper, página 146. Existe alguma
discórdia quanto à intenção de Booth ter sido colocar o recado na caixa
de correio de Johnson mesmo ou na caixa vizinha, que pertencia a
William A. Browning, o secretário particular de Johnson. Para uma
discussão mais aprofundada, queira ver as notas de rodapé 1 e 2 na
página 146 de Right or Wrong, de Rhodehamel e Taper.
Spangler descreveu sua ocupação como “carpinteiro de palco”
ao ser interrogado pelas autoridades após o assassinato. Ele também
narrou sua conversa com Booth.
Para saber mais sobre a pistola de Booth, queira ver Henry
Deringer’s Pocket Pistol (“A pistola de bolso de Henry Deringer”), de
John E. Parsons (Nova York: William Morrow, 1952).
Os comentários de Mary Surratt sobre os “paus de ferro”
aparecem no testemunho de Lloyd em The Conspiracy Trial, de Poore,
volume 1, páginas 117, 118, 121, 122, 123 e 125. Queira ver também
The Assassination of President Lincoln, de Pitman, páginas 85-87. O
relato de Lloyd sobre sua intoxicação aparece em Poore, volume 1,
página 132. Queira ver também Pitman, página 87.
Para obter um histórico da conspiração para o sequestro, queira
ver Blood on the Moon: The Assassination of Abraham Lincoln
(“Sangue na lua: O assassinato de Abraham Lincoln”), de Edward
Steers (Lexington: University Press of Kentucky, 2001), páginas 71-78.
O conteúdo declarado da carta de Booth para o National
Intelligencer é altamente polêmico. Anos após o assassinato, Matthews
alegou ter reconstruído o texto de memória. É mais provável que ele
tenha baseado suas ditas recordações no texto do manifesto político de
Booth descoberto no cofre da irmã do assassino. Apesar da confusão
acerca do que a carta de Booth para o jornal realmente dizia, eu me
encontro convencido de que Matthews estava correto quando se
lembrou que Booth assinara os nomes dos seus conspiradores no
documento incriminador. Para saber mais sobre este assunto, queira ver
Right or Wrong, de Rhodehamel e Taper, páginas 147-153.
O bilhete de Lincoln para o general Grant aparece em Collected
Works, de Basler, volume 8, página 411.
Para saber mais sobre os conspiradores de Booth, queira ver os
seguintes ensaios coletados em The Trial: The Assassination of
President Lincoln and the Trial of the Conspirators (“O julgamento: O
assassinato do presidente Lincoln e o julgamento dos conspiradores”),
do editor Edward Steers Jr.: “Mary Elizabeth Surratt”, de Laurie Verge,
páginas LII-LIX; “John H. Surratt Jr.”, de Joan L. Chaconas, páginas
LX-LXV; “George Atzerodt”, de Edward Steers Jr., páginas LXVI-
LXXI; “Lewis Thornton Powell, alias Payne”, de Betty Ownsbey,
páginas IXXI-LXXVII; “Samuel Alexander Mudd”, de Edward Steers
Jr., páginas LXXXVI-LXXXIX; “Samuel Arnold and Michael
O’Laughlen”, de Percy E. Martin, páginas LXXXVIII-XCVI.
Para saber mais sobre Lewis Powell, queira ver Alias “Paine”:
Lewis Thornton Powell, the Mystery Man of the Lincoln Conspiracy
(“Codinome ‘Paine’: Lewis Thornton Powell, o homem misterioso da
conspiração contra Lincoln”), de Betty J. Ownsbey (Jefferson, Carolina
do Norte: McFarland, 1993). Para saber mais sobre John Harrison
Surratt Jr., queira ver The Travels, Arrest and Trial of John H. Surratt
(“As viagens, a prisão e o julgamento de John H. Surratt”), de Alfred
Isacsson (Middletown, Nova York: Vestigium Press, 2003); e The
Pursuit & Arrest of John H. Surratt (“A perseguição & prisão de John
H. Surratt”), de Mark Wilson Seymour (Austin, Texas: Civil War
Library, 2000).
Para saber mais sobre a trama para o sequestro, queira ver
Blood on the Moon, de Steers, páginas 71-78.
O relato de Mary Lincoln sobre o passeio de carruagem vem de
sua carta de 15 de novembro de 1865 para a artista Francis Bicknell
Carpenter, publicada em Mary Lincoln: Her Life and Letters (“Mary
Lincoln: Sua vida e suas cartas”), de Justin G. Turner e Linda Levitt
Turner (Nova York: Alfred A. Knopf, 1972), página 283. O heroico
quadro a óleo que Carpenter pintou de Lincoln lendo a Proclamação da
Emancipação para o seu gabinete foi a fonte da famosa gravura de
Ritchie, uma das imagens mais adoradas na iconografia de Lincoln.
Para saber do uso mais recente do tableau de Carpenter, queira ver a
sobrecapa de Team of Rivals, de Goodwin. Um relato do passeio de
carruagem também aparece em Six Months in the White House with
Abraham Lincoln (“Seis meses na Casa Branca com Abraham
Lincoln”), de Francis B. Carpenter (Nova York: Hurd & Houghton,
1866), páginas 292-293.
A recordação de Clara Harris do percurso transposto na
carruagem e seu comentário na chegada ao Teatro Ford vêm de sua
carta de 29 de abril de 1865 descrevendo o assassinato. Ela pode ser
encontrada em We Saw Lincoln Shot: One Hundred Eyewitnesses
Accounts (“Nós vimos Lincoln levar o tiro: Cem relatos de testemunhas
oculares”), de Timothy S. Good (Jackson: University Press of
Mississippi, 1995), páginas 69-71.
Os comentários de Ferguson aparecem em The Conspiracy
Trial, de Poore, volume 1, páginas 189-194. Queira ver também The
Assassination of Abraham Lincoln, de Pitman, página 76.
CAPÍTULO DOIS
A carta de Clara Harris aparece em We Saw Lincoln Shot, de
Good, páginas 69-71.
Para saber sobre a conversa de Booth com Ned Spangler no
Baptist Alley, queira ver o depoimento de Spangler após sua detenção.
Queira ver o testemunho de John Debonay em The Assassination of
President Lincoln, de Pitman, páginas 105-106, e o depoimento de John
Burroughs em The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, páginas 225-
228. Queira ver também Pitman, página 75. Existe uma certa confusão
quanto à ortografia correta do sobrenome de Burroughs e quanto ao
apelido certo, “Peanut John” ou “John Peanut”. Burroughs usou este
último em seu depoimento prestado às autoridades em abril de 1865.
Mais tarde, no julgamento da conspiração, ele disse, em 16 de maio,
que seu apelido era “John Peanuts”. The Conspiracy Trial, de Poore,
volume 1, página 230.
A visita de Booth ao Star Saloon e a bebida que ele pediu
aparecem no testemunho de Peter Taltavul em The Conspiracy Trial, de
Poore, volume 1, páginas 179-180. Queira ver também Assassination of
the President, de Pitman, página 72, e Trial of John H. Surratt, volume
1, páginas 157-158.
A declaração de Ferguson sobre a aproximação que Booth fez
do camarote do presidente aparece em The Conspiracy Trial, de Poore,
volume 1, página 190. Queira ver também The Assassination of
President Lincoln, de Pitman, páginas 76-77.
A observação de Mary Jane Anderson olhando para Booth
“com gosto” no beco na tarde de 14 de abril está em The Conspiracy
Trial, de Poore, volume 1, página 236. Queira ver também The
Assassination of the President, de Pitman, página 75.
Os entendidos do assassinato já terão notado que, embora
mencione o camareiro ou mensageiro de Lincoln Charles Forbes, eu
omiti da narrativa um certo John Parker, o chamado “guarda-costas” do
presidente. Por três razões ele não aparece na narrativa. Primeiro, ele
não era um “guarda-costas” no sentido moderno da palavra. Era, sim,
um oficial de polícia designado para proteger a Mansão Executiva,
como era conhecida a Casa Branca durante o governo Lincoln, contra
roubo e vandalismo. Segundo, a controvérsia de Parker se oriunda na
imediação da história. Vários livros sobre o assassinato engendraram
momentos de alto — e eu diria falso — drama ao sugerirem que se ao
menos Parker, que estava no Teatro Ford, não tivesse “abandonado” seu
posto para tomar um trago, Booth não teria conseguido entrar no
camarote presidencial e Lincoln não teria sido assassinado. Finalmente,
a questão Parker desvia a atenção. Com Parker ou sem Parker, John
Wilkes Booth teria conseguido entrar no camarote. Forbes deixara pelo
menos duas pessoas entrarem no camarote de Lincoln naquela noite: um
mensageiro, trazendo documentos militares, e Booth. Se estivesse
sentado perto da entrada do camarote com Forbes, Parker teria feito o
mesmo. Para saber mais a respeito da controvérsia em tomo de Parker,
queira ver Blood on the Moon, de Steers, páginas 103,104 e 116.
A observação que Ferguson fez de Booth entrando no camarote
aparece em The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, páginas 190-
191. Queira ver também The Assassination of President Lincoln, de
Pitman, página 76.
As últimas palavras trocadas entre Mary e Abraham Lincoln
foram preservadas pelo dr. Anson Henry, numa carta para sua esposa
datada de 19 de abril de 1865, o mesmo dia do funeral de Lincoln na
Casa Branca. Os Henry eram velhos amigos dos Lincoln dos tempos de
Illinois que moravam em Washington, e Mary Lincoln revelou numa
conversa particular com o médico as últimas palavras faladas pelo
presidente. A carta de Henry aparece em Lincoln and the Doctors
(“Lincoln e os médicos”), de Milton S. Shutes (Nova York: The Pioneer
Press, 1933), página 132.
Para obter o diálogo completo da segunda cena do terceiro ato,
queira ver Our American Cousin, de Taylor, páginas 80-85.
O momento exato do tiro de Booth não pode ser precisado,
parcialmente porque ninguém sabe o horário exato em que a
apresentação começou. Qual muitos teatros daquela época, o Ford
tratava a abertura das cortinas com uma certa informalidade. As
testemunhas não conseguiram chegar a um acordo e os testemunhos,
cartas e narrativas orais que sobreviveram dão apoio a diversas
conclusões. O mais cedo que Booth pode ter disparado contra Lincoln
seria 22h13 e o mais tarde 22h30. Eu suspeito que o horário certo
estaria por volta das 22h15, no mais tardar 22h20. Para uma discussão
mais aprofundada deste ponto, e para obter acesso a diversas
recordações dos presentes no Teatro Ford, queira ver We Saw Lincoln
Shot: One Hundred Eyewitness Accounts (“Nós vimos Lincoln levar o
tiro: Cem relatos de testemunhas oculares”), de Timothy S. Good
(Jackson: University Press of Mississippi, 1995). Good acredita que
Booth tenha disparado bem perto das 22h30.
David Donald descreve os rapazes durões de Clary’s Grove em
Lincoln, páginas 40-41, e confirma, na página 568, que na primavera de
1865 Lincoln “continuava sendo um homem fisicamente forte”.
A descrição que Ferguson faz da posição de Lincoln no
momento em que recebe o tiro aparece em The Conspiracy Trial, de
Poore, volume 1, páginas 190-191.
O major Rathbone relatou que Booth gritou “Liberdade”. O
relato que Rathbone fez do assassinato e da facada aparece em The
Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, páginas 195-198. Queira ver
também The Assassination of the President, de Pitman, páginas 78-79.
Clara Harris também descreveu a facada em sua carta de 29 de abril de
1865. Queira ver We Saw Lincoln Shot, de Good, páginas 69-71.
As testemunhas discordaram quanto ao que Booth disse e
quando ele falou. Mais tarde, Booth alegou ter dito “Sic temper”
enquanto estava no camarote antes de disparar o tiro, mas Rathbone
lembrou-se apenas da palavra “Liberdade”. Durante a caçada humana,
Booth escreveu em seu diário improvisado: “Eu gritei ‘Sic temper’
antes de disparar.” Queira ver Right or Wrong, de Rhodehamel e Taper,
página 154. Com base nas evidências disponíveis, eu acredito que
Booth disse no camarote e no palco as palavras que lhe atribuo na
narrativa. Para uma discussão mais aprofundada, queira ver We Saw
Lincoln Shot, de Good.
O testemunho de Rathbone sobre a porta travada se encontra em
The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, página 195.
Ferguson descreveu a exultação de Booth para Stanton na
Estalagem Petersen na noite do assassinato e James Tanner registrou
seu depoimento de que Booth dissera “Consegui”. Queira ver We Saw
Lincoln Shot, de Good, página 32. Mais tarde, no julgamento, Ferguson
esqueceu-se de mencionar “Consegui” em seu testemunho conforme
publicado em The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, página 197.
As primeiras palavras de Rathbone aparecem em The
Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, página 197.
O osso quebrado de Booth tornou-se objeto de uma pequena
polêmica. Um punhado de entendidos no assassinato insiste que Booth
não se feriu quando caiu no palco no Teatro Ford. Essas pessoas
argumentam que seu cavalo teria escorregado pouco depois de cruzar a
Ponte do Estaleiro Naval e caiu nas estradas periféricas de Washington,
quebrando um osso da perna do ator. Embora uma digressão fascinante,
a questão de onde Booth se feriu, no palco do Teatro Ford entre 22h15 e
22h30 ou nas estradas entre a Ponte do Estaleiro Naval e Surrattsville
em qualquer momento antes da meia-noite, é uma tempestade num copo
d’água na história da caçada humana. Seja lá como isso aconteceu, a
perna quebrada de Booth tornou uma visita ao dr. Mudd algo essencial.
Eu concordo com Edwart Steers que, neste assunto, devemos aceitar,
juntamente com outras evidências, o próprio relato de Booth sobre seu
ferimento, quando ele escreveu: “Ao pular, quebrei a perna.” Right or
Wrong, de Rhodehamel e Taper, página 154.
O acidente de Seward na carruagem está coberto em William
Henry Seward, de Glyndon G. Van Deusen (Nova York: Oxford
University Press, 1967), página 411.
Vários relatos descrevem os eventos na casa do secretário de
Estado Seward. Queira ver William Henry Seward, de Glyndon G. Van
Deusen (Nova York: Oxford University Press, 1967), páginas 412-415;
e Stanton: The Life and Times of Lincoln’s Secretary of War (“Stanton:
A vida e os tempos do secretário da guerra de Lincoln”), de Benjamin
Thomas e Harold M. Hyman (Nova York: Knopf, 1962), páginas 396,
397. Para a versão de Fanny Seward sobre a tentativa de assassinato a
seu pai, eu me baseei primordialmente em seu diário conforme
apresentado em “I Have Supped Full of Horrors”, American Heritage
(“Patrimônio americano”), de Patricia Carley Johnson, outubro de 1959,
volume 10, número 6, páginas 59-65 e 96-101. Um relato do sargento
Robinson aparece em The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1,
páginas 479-480. Queira ver também The Assassination of the
President, de Pitman, páginas 155-156. O testemunho de William Bell
aparece em Poore, volume 2, página 130, e em Pitman, páginas 154-
155; o testemunho de Augustus Seward está em Poore, volume 2,
página 5, e em Pitman, páginas 156-157; o testemunho do dr. Tullio S.
Verdi aparece em Poore, volume 2, página 100, e em Pitman, páginas
157-158; e o testemunho do cirurgião-general Joseph K. Barnes aparece
em Poore, volume 2, páginas 21 e 60, e em Pitman, página 157.
Outras fontes valiosas acerca do atentado contra Seward
incluem o artigo do dr. Tullio S. Verdi, “The Assassination of the
Sewards” (“O atentado aos Seward”), publicado na revista Republic em
julho de 1873 e reimpresso no Journal of the Lincoln Assassination
(“Revista do assassinato de Lincoln”), do editor Frederick Hatch, vol.
16, n° 3, dezembro de 2002, página 46; “I’m mad! I’m mad!” (“Estou
louco! Estou louco!”), de Frederick Hatch, Journal of the Lincoln
Assassination, vol. 3, n° 3, dezembro de 1989, páginas 34-38; e “The
Stabbing of Lincoln’s Secretary of State on the Night the President Was
Shot” (“O esfaqueamento do secretário de estado de Lincoln na noite
em que o presidente foi alvejado”), do dr. John K. Lattimer, Journal of
the American Medical Association (“Revista da Associação Médica
Americana”), vol. 192, n° 2, 12 de abril de 1965, páginas 99-106. O dr.
Lattimer também cobre o ataque aos Seward em seu livro Kennedy and
Lincoln: Medicai and Ballistic Comparisons of Their Assassinations
(“Kennedy e Lincoln: Comparações médicas e balísticas dos seus
assassinatos”) (Nova York: Harcourt Brace Jovanovich, 1980).
CAPÍTULO TRÊS
O relato de Joseph B. Stewart aparece em Trial of John H.
Surratt (“Julgamento de John H. Surratt”) (Washington, D.C.: Escritório
da Gráfica do Governo, 1867), volume I, páginas 125-127, e no volume
2, páginas 984-987.
A descrição que Mary Anderson faz da faca aparece em The
Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, página 237; e seu relato contando
a fuga de Booth a galope está na página 239. O relato de Mary Ann
Turner sobre o barulho dos cascos está em Poore, volume 1, página 234.
A ordem de Booth para John Peanut vem do depoimento de
Peanut, assim como a descrição da pancada que o assassino lhe dá na
cabeça e do chute.
O relato do sargento Cobb sobre seu encontro com Booth na
ponte aparece em The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, páginas
251-252. Queira ver também The Assassination of President Lincoln,
de Pitman, páginas 84-85. O fato de Booth ter revelado seu nome
verdadeiro e destino, na região de Beantown, continua inexplicável.
Para esta continuação dos eventos na casa dos Seward, queira
ver as notas das fontes sobre Seward no capítulo 2.
A carta do sargento Robinson pedindo a faca de Powell está
ilustrada em Lincoln’s Assassins (“Assassinos de Lincoln”), de
Swanson e Weinberg, página 44. Uma réplica em bronze feita na época
da medalha de Robinson aparece na mesma página.
A descrição que Clara Harris fez da facada se encontra em We
Saw Lincoln Shot, de Good.
O relato do dr. Leale apareceu em Harper’s Weekly em 1909.
A descrição de Laura Keene indo para o meio do palco e
fazendo um apelo ao público aparece em The Life of Laura Keene (“A
vida de Laura Keene”), de John Creahan (Filadélfia: The Rodgers
Publishing Company, 1897), página 27.
O testemunho de Fletcher sobre a promessa de Atzerodt acerca
de um presente se encontra em The Conspiracy Trial, de Poore, volume
1, páginas 328, 331. Queira ver também Trial of John H. Surratt,
volume 1, página 229. A perseguição de Fletcher a Herold e o cavalo
está em Poore, volume 1, páginas 328-334. Queira ver também Pitman,
páginas 83-84, e em Trial of John H. Surratt, páginas 227- 229. A troca
entre Fletcher e o sargento Cobb aparece em Poore, volume 1, página
329. Queira ver também Pitman, página 84. A descrição que Fletcher
fez do cavalo está em Poore, volume 1, página 332. Queira ver também
Pitman, página 84.
O episódio da sra. Ord é discutido em Lincoln, de Donald,
páginas 572-573.
Para saber mais sobre Laura Keene, queira ver The Life of
Laura Keene (“A vida de Laura Keene”), de Creahan; Laura Keene: A
British Actress on the American Stage, 1826-1873 (“Laura Keene: Uma
atriz britânica no palco americano, 1826-1873”), de Vernanne Bryan
(Jefferson, Carolina do Norte: McFarland 8c Company, 1997); e Laura
Keene: A Biography (“Laura Keene: Uma biografia”), de Ben Graf
Henneke (Tulsa: Council Oaks, 1990).
A descrição que George Alfred Townsend fez de Lincoln no
chão do camarote presidencial aparece em seu livro The Life, Crime,
and Capture of John Wilkes Booth (“A vida, o crime e a captura de
John Wilkes Booth”) (Nova York: Dick & Fitzgerald, 1865), página 10.
Os comentários depreciativos que Asia Booth faz quanto à
opção de Lincoln pelo entretenimento na Sexta-feira da Paixão
aparecem em suas memórias, página 99.
O testemunho de John Lee sobre a revista ao quarto de hotel de
Atzerodt se encontra em Poore, volume 1, páginas 63-66. Queira ver
também Assassination of the President, de Pitman, página 144.
Os comentários de Seaton Munroe aparecem em The Life of
Laura Keene, de Creahan, página 28, e em “Recollections of Lincoln’s
Assassination”, de Seaton Munroe, North American Review, abril de
1896, páginas 424-434.
Bersch pintou mesmo uma cena de Lincoln sendo levado pela
rua 10 até a Estalagem Petersen. Ela se encontra agora no acervo do
National Park Service e está ilustrada em Ford’s Theatre and the
Lincoln Assassination (“O Teatro Ford e o assassinato de Lincoln”), de
Victoria Greeve (Alexandria, Virginia: Parks & History Association,
2001), página 60. Infelizmente, na ocasião em que A caçada ao
assassino de Lincoln foi para impressão, o Park Service havia retirado o
quadro de exibição no Teatro Ford, onde ficara durante muitos anos.
Para saber mais sobre Safford, queira ver Blood on the Moon,
de Steers, página 123, e American Brutus, de Kauffman, página 19.
CAPÍTULO QUATRO
Para uma descrição, baseada em relatos de jornais de época, de
como a notícia correu por toda a Washington de boca em boca após a
queda de Richmond e a rendição de Lee, queira ver Lincolns Assassins,
de Swanson e Weinberg, páginas 9-11.
Lincoln descreveu sua confiança em Stanton com uma
homenagem magnífica: “Ele é uma rocha na praia do nosso oceano
nacional contra a qual as ondas se quebram estrondosamente, sem
cessar. Ele luta contras as águas violentas e evita que elas prejudiquem
e sobrepujem a terra. Cavalheiros, eu não sei como ele sobrevive, por
que ele não é destruído ou despedaçado. Sem ele, eu seria destruído.”
Um relato de como Stanton recebeu a notícia do assassinato
aparece em Stanton, de Thomas e Hyman, página 396. Para uma
discussão sobre a amizade entre Lincoln e seu secretário da Guerra e
como ela cresceu durante o retiro de verão do presidente, queira ver
Lincoln’s Sanctuary: Abraham Lincoln and the Soldiers’ Home (“O
refúgio de Lincoln: Abraham Lincoln e a Casa do Soldado”), de
Matthew Pinsker (Nova York: Oxford University Press, 2003). Queira
ver também Lincoln’s Other White House: The Untold Story of the
Man and his Presidency (“A outra Casa Branca de Lincoln: A história
não contada sobre o homem e sua presidência”), de Elizabeth Smith
Brownstein (Hoboken, N.J.: John Wiley & Sons, 2005). Thomas e
Hyman dão um relato da noite de Stanton antes do assassinato nas
páginas 395-396.
A ostentação de Seward, cujo inverso foi tragicamente provado
por Lewis Powell, consta numa carta de 15 de julho de 1862 para John
Bigelow e foi publicada em Retrospectives of an Active Life
(“Retrospectivas de uma vida ativa”), de John Bigelow (Nova York:
Baker and Taylor, 1909), volume 1, página 505. Mais conveniente para
os leitores modernos, uma passagem pertinente é citada em Right or
Wrong, de Rhodehamel e Taper, página 1.
Thomas e Hyman descrevem a ida de Stanton e Welles às
pressas para a casa de Seward, em seguida para o Teatro Ford: Stanton,
páginas 396-397. O secretário de Marinha também descreveu os
eventos em seu diário: Diary of Gideon Welles (“Diário de Gideon
Welles”), de Beale, volume 2, páginas 283-286. Breves relatos também
podem ser encontrados em Reminiscences and Souvenirs of the
Assassination of Abraham Lincoln (“Reminiscências e suvenires do
assassinato de Abraham Lincoln”), de J. E. Buckingham (Washington:
Press of Rufus H. Darby, 1894), páginas 21-22, e, para detalhes que não
estão disponíveis em nenhum outro lugar, queira ver “Dickens, Stanton,
Sumner e Storey”, de Moorefield Storey, Atlantic Monthly, abril de
1930, páginas 463-465. O artigo narra um jantar realizado há muito
tempo entre os quatro durante o qual Stanton descreveu a violenta noite
de 14 de abril de 1865.
A taverna de Mary Surratt no campo em Surrattsville
(atualmente Clinton), Maryland, ainda existe e é um esplêndido museu
e centro de pesquisa mantido pela Sociedade Surratt.
A linguagem da nomeação postal de John H. Surratt vem de
uma leitura do documento original, agora numa coleção particular.
Meu relato da visita de Booth e Herold à taverna de
Surrattsville e suas citações diretas vêm do depoimento de John Lloyd.
Queira ver The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, páginas 118-126;
e The Assassination, de Pitman, páginas 86-87.
A fonte primordial para as ações do dr. Leale é o seu próprio
relato, publicado, dentre outros lugares, em Lincoln’s Last Hours (“As
últimas horas de Lincoln”), de Charles Leale (n.p.: impressão particular,
1909).
As recordações abreviadas de Maunsell Field foram publicadas
num artigo e em suas memórias, Memories of Many Men and Some
Women (“Memórias de muitos homens e algumas mulheres”) (Nova
York: Harper & Brothers, 1874), páginas 321-329.
Para obter outro relato do que aconteceu dentro da Estalagem
Petersen, este por George Francis, outro hóspede, queira ver “The
Mystery Occupant’s Eyewitness Account of the Death of Abraham
Lincoln” (“Relato do ocupante misterioso, uma testemunha ocular da
morte de Abraham Lincoln”), de Ralph G. Newman, Chicago History,
Primavera de 1975, páginas 32-33. A carta de Francis de 5 de maio de
1865 é a fonte de duas das declarações de Mary Lincoln: “Onde está
meu marido? Onde está meu marido?” e “Como pode ser? Fale
comigo!”
Rathbone descreveu seu desmaio em The Conspiracy Trial, de
Poore, volume 1, página 197. Queira ver também Assassination of the
President, de Pitman, página 79.
Para saber mais sobre os médicos, queira ver ‘“A Hand to Hold
While Dying’: dr. Charles A. Leale at Lincoln’s Side” (‘“Segure esta
mão enquanto morre’: Charles A. Leale ao lado de Lincoln”), de Harry
Read, Lincoln Herald, primavera de 1977, páginas 21-25, e “Abraham
Lincoln’s Last Hours: From the Note-Book of an Army Surgeon Present
at the Assassination, Death, and Autopsy” (“As últimas horas de
Abraham Lincoln: Dos apontamentos de um cirurgião do exército
presente no atentado, na morte e na autópsia”), de Charles Sabin Taft,
Century Magazine, fevereiro de 1895, páginas 634-636.
As recordações do dr. Taft também foram publicadas em
Abraham Lincoln’s Last Hours: From the Notebooks of Charles Sabin
Taft, M.D., an Army Surgeon Present at the Assassination, Death and
Autopsy (“As últimas horas de Abraham Lincoln: Dos apontamentos do
médico Charles Sabin Taft, cirurgião do exército presente no atentado,
na morte e na autópsia”) (Chicago: impressão particular, 1934).
O relato de Welles aparece em seu diário, volume 2, páginas
283-290.
O telegrama para o general Grant à meia-noite e todos os
demais telegramas deste capítulo aparecem em The War of the
Rebellion: A Compilation of the Official Records of the Union and
Confederate Armies (“A guerra da rebelião: Uma compilação dos
registros oficiais dos exércitos da União e Confederação”) (Washington,
D.C.: Escritório da Gráfica do Governo, 1884-1899; Registros oficiais).
Os telegramas estão reunidos na série 1, volume 46, parte 3, e aparecem
em ordem cronológica nas páginas 752-989.
Para saber mais sobre o Cabo Tanner, queira ver “James
Tanner’s Account of Lincoln’s Death” (“Relato de James Tanner sobre
a morte de Lincoln”), de Howard H. Peckham, Abraham Lincoln
Quarterly, março de 1942, páginas 176-183. Tanner é a fonte do
pronunciamento de Mary Lincoln: “Oh, meu Deus, e eu levei meu
marido para a morte?”
As citações de Walker, Greenawalt e Keim sobre George
Atzerodt vêm de The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1,
respectivamente nas páginas 391-395, 341- 352 e 400-402. O
depoimento de Hezekiah Metz aparece nas páginas 353-357, e o do
sargento Gemmill nas páginas 357-361.
As estatísticas do dr. Abbott sobre o pulso e a respiração do
presidente abatido foram publicadas em todos os principais jornais,
entre os quais se incluem o New York Times, o New York Tribune, o
Philadelphia Inquirer e, em Washington, D.C., o Daily Morning
Chronicle e o National Intelligencer. Apareceram também em livros
contemporâneos sobre o assassinato, dentre os quais The Terrible
Tragedy at Washington: Assassination of President Lincoln (“A terrível
tragédia em Washington: Assassinato do presidente Lincoln”)
(Filadélfia: Barclay & Co., 1865), página 28.
O relato da primeira incursão à estalagem de Mary Surratt na
cidade de Washington é tirado de A True History of the Assassination
of Abraham Lincoln and of the Conspiracy of 1865, by Louis J.
Weichmann, Chief Witness for the Government of the United States in
the Prosecution of the Conspirators (“A verdadeira história do
assassinato de Abraham Lincoln e da conspiração de 1865, por Louis J.
Weichmann, principal testemunha para o governo dos Estados Unidos
no processo contra os conspiradores”), Floyd E. Risvold, org. (Nova
York: Knopf, 1975), páginas 174- 179. Queira ver também Blood on the
Moon, de Steers, páginas 173-174.
As fontes sobre o dr. Mudd incluem declarações escritas,
baseadas em interrogatórios a que o tenente Lovett e o coronel Wells o
submeteram, e no depoimento desses oficiais no julgamento da
conspiração. O testemunho de Lovett aparece em The Conspiracy Trial,
de Poore, volume 1, páginas 258-272, e em The Assassination of
President Lincoln, de Pitman, páginas 87-88. O testemunho de Welles
aparece em Poore, volume 1, páginas 281-293, e em Pitman, páginas
168-169. O testemunho de Joshua Lloyd aparece em Poore, volume 1,
páginas 273-281, e em Pitman, página 90; o testemunho de William
Williams aparece em Poore, volume 1, páginas 294-301, e em Pitman,
páginas 88-89; e o testemunho de Simon Gavacan aparece em Poore,
volume 1, páginas 301-304, e em Pitman, páginas 89-90.
O melhor relato sobre o dr. Mudd é de His Name is Still Mudd:
The Case Against Doctor Samuel Alexander Mudd (“Seu nome ainda é
Mudd: O caso contra o doutor Samuel Alexander Mudd”), de Edward
Steers Jr. (Gettysburg, Pensilvânia: Thomas Publications, 1997). Blood
on the Moon, de Steers, inclui uma cobertura atualizada de Mudd nas
páginas 144-154. Queira ver também “dr. Mudd and the ‘Colored’
Witnesses” (“O dr. Mudd e as testemunhas ‘de cor’”), de Edward Steers
Jr., Civil War History, volume 46, dezembro de 2000, páginas 324-336.
O material sobre o curativo que Mudd aplica à perna de Booth
vem dos três depoimentos do médico e todas as citações de Mudd vêm
de seus três depoimentos escritos ou do testemunho de Lovett e Wells.
Os depoimentos de Mudd estão reunidos em From the War Department
Files: Statements Made by the Lincoln Conspirators Under
Examination, 1865 (“Dos arquivos do Departamento da Guerra:
Declarações feitas pelos que conspiraram contra Lincoln quando
estavam sendo interpelados”) (Clinton, Maryland: The Surratt Society,
1980), páginas 29 e 34.
CAPÍTULO CINCO
A carta de “Sam”, originalmente publicada em jornais de todo o
país poucos dias depois de ter sido descoberta no quarto de hotel de
Booth, pode ser encontrada em American Brutus, de Kauffman, páginas
66-67.
O telegrama de Stanton para o general Dix, revelando parte do
conteúdo da carta de Sam, aparece nos Registros Oficiais, assim como
outros telegramas citados neste capítulo.
A mecha de cabelo de Lincoln cortada por Stanton e
apresentada por ele a Mary Jane Welles, o envelope endereçado por
Stanton e as flores secas do funeral do presidente na Casa Branca foram
examinados numa coleção particular. A maioria dos relatos sobre a
morte de Lincoln cita Stanton dizendo que Lincoln pertence às “eras” e
não aos “anjos”. Na minha opinião, compartilhada por Jay Winik, a
interpretação mais persuasiva apoia “anjos” e também é mais coerente
com o caráter e a fé de Stanton.
Para obter um relato da remoção do corpo de Lincoln da
Estalagem Petersen e os nomes dos homens que o carregaram, queira
ver Blood on the Moon, de Steers, páginas 268-269. Eu obtive uma
cópia datilografada da carta de William Clark dos arquivos da
Sociedade Surratt. Para saber mais sobre Clark, queira ver “The Riddle
of William Clark” (“O enigma de William Clark”), de W. Emerson
Reck, Lincoln Herald, inverno de 1982, páginas 218-221.
O relato que Matthews fez de sua leitura da carta de Booth para
o National Intelligencer está em Right or 'Wrong, de Rhodehamel e
Taper, páginas 150-153.
A descrição que Townsend fez da jovem sedutora de Booth é de The
Life, Crime, and Capture of John Wilkes Booth (Nova York: Dick 8c
Fitzgerald, 1865), página 24.
A conversa ao café da manhã na casa do dr. Mudd vem do
depoimento da sra. Mudd tomado durante seu interrogatório. O relato
das muletas vem dos três depoimentos do dr. Mudd.
O testemunho de Caldwell sobre Atzerodt penhorando sua
pistola está em The Conspiracy Trial, de Poore, volume 1, página 148.
Queira ver também Assassination of the President, de Pitman, página
148.
A história do dr. Mudd é uma das maiores polêmicas que há
muito atormentam os estudiosos do assassinato de Lincoln. Eu
concordo com Steers e outros historiadores quanto à natureza e
amplitude do conhecimento e culpabilidade de Mudd. Apesar das
alegações dos defensores de Mudd, ele não era um inocente médico do
interior que meramente cumpriu com as obrigações pertinentes ao seu
juramento de Hipocrates e tratou de um homem ferido que ele
acreditava ser um desconhecido. Com base numa análise das
evidências, eu tenho certeza de que Mudd reconheceu Booth no
momento em que o assassino entrou em sua casa e estou convencido de
que Mudd retardou dar parte da visita de Booth, permitindo assim que o
assassino tomasse dianteira das tropas nas proximidades de Bryantown.
Optei por não atrapalhar a narrativa escrevendo um arrazoado contendo
os prós e os contras do caso de Mudd. Essa discussão está disponível
em outros textos e eu não a ensaio aqui. Pelo contrário, escrevo, em
tempo real tanto quanto seja possível, o que acredito ter acontecido.
Meu relato de Thomas Jones vem primordialmente de suas
memórias, /. Wilkes Booth: An Account of His Sojourn in Southern
Maryland After the Assassination of Abraham Lincoln, His Passage
Across the Potomac, and His Death in Virginia (“J. Wilkes Booth: Um
relato de sua passagem pelo sul de Maryland após o assassinato de
Abraham Lincoln, a travessia do Potomac e a morte na Virginia”)
(Chicago: Laird & Lee, 1893). Todas as citações diretas vêm dele.
Booth não viveu o suficiente para escrever sobre Jones, e David Herold,
após sua captura, não revelou como o agente confederado os ajudara.
Para obter material adicional sobre Jones, queira ver Thomas A.
Jones: Chief Agent of the Confederate Secret Service in Maryland
(“Thomas A. Jones: Principal agente do Serviço Secreto Confederado
em Maryland”), de John M. e Roberta J. Wearmouth (Port Tobacco,
Maryland: Stones Throw Press, 2000).
CAPÍTULO SEIS
Grande parte do material deste capítulo e todas as citações
diretas de Thomas Jones vêm de suas curtas memórias. Booth, Herold e
Jones foram as únicas testemunhas de suas interações, assim como
Jones planejara.
O testemunho de Somerset e James Leaman sobre suas
conversas com Atzerodt estão em The Conspiracy Trial, de Poore,
volume 2, página 504. Queira ver também Assassination of the
President, de Pitman, página 150. A história de Asia Booth Clarke
sobre o amor de John pela natureza é de suas memórias The Unlocked
Book, páginas 54 (“cavoucar”) e 69 (“ossos de homens bons”).
O diálogo da segunda incursão à estalagem de Mary Surratt em
Washington aparece em The Conspiracy Trial, de Poore, volume 2,
páginas 15-19 e páginas 33-34, e em The Assassination, de Pitman,
páginas 121-124.
O diálogo com Lewis Powell aparece em Poore, v. 2, páginas 9-
11, e em Pitman, páginas 122-123.
As cartas de Madlock e Severs estão numa coleção particular.
Vários exemplos de obras de arte pós-assassinato, inclusive o
cartão “The Assassin’s Vision”, estão ilustrados em Lincoln’s
Assassins, de Swanson e Weinberg, página 54.
O registro de Booth em seu caderno de anotações aparece em
Right or Wrong, de Rhodehamel e Taper, páginas 154-155.
As maldosas descrições que Townsend faz de Port Tobacco e do
Hotel Brawner vêm de seu Life, Crime and Capture of John Wilkes
Booth, página 52.
Todos os telegramas vêm dos Registros Oficiais.
A carta de Booth para sua mãe está em Right or Wrong, de
Rhodehamel e Taper, páginas 130-131; e seu manifesto “A quem possa
interessar” está nas páginas 124-127.
Asia Booth Clarke revelou a traição de seu marido em The
Unlocked Book, página 91.
O comentário de Richter sobre George Atzerodt aparece em
The Conspiracy Trial, de Poore, volume 2, páginas 515-517. Queira ver
também The Assassination, de Pitman, página 153. A história da prisão
de Atzerodt aparece em Blood on the Moon, de Steers, páginas 169-
170. As confissões de Atzerodt estão publicadas em ‘“Lost Confession’
of George A. Atzerodt” (‘“Confissão perdida’ de George A. Atzerodt”),
em The Trial (“O julgamento”), Steers, org., páginas CIV-CVI, e em
From War Department Files (“Dos arquivos do Departamento da
Guerra”).
CAPÍTULO SETE
A narrativa de 20 de abril no bosque de pinheiros e todas as
citações diretas foram tiradas, como antes, das memórias de Thomas
Jones, a única testemunha que sobreviveu aos eventos ali ocorridos
tempo suficiente para relatá-los.
Para uma análise mais profunda da travessia do rio, queira ver
“Booth Crosses the Potomac: An Exercise in Historical Research”
(“Booth atravessa o Potomac: Um exercício de pesquisa histórica”), de
William A. Tidwell, Civil War History 36, abril de 1990, páginas 325-
333.
A pesquisa de Townsend aparece em “How Booth Crossed the
Potomac” (“Como Booth atravessou o Potomac”), de George Alfred
Townsend, Century Magazine, abril de 1884, e está reimpressa em
Thomas A. Jones: Chief Agent of the Confederate Secret Service in
Maryland (“Thomas A. Jones: Principal agente do Serviço Secreto
Confederado em Maryland”), de John M. e Roberta J. Wearmouth (Port
Tobacco, Maryland: Stones Throw Press, 2000), página 56. Wearmouth
cobre a correspondência de Townsend com Jones nas páginas 45-54, e a
“reunião” de Jones com o capitão William nas páginas 154-159.
O relato em primeira mão porém frustrantemente breve de
Osborn H. Oldroyd da visita de Jones ao seu museu na Estalagem
Petersen se encontra em The Assassination of Abraham Lincoln, de
Oldroyd (Washington, D.C.: Osborn H. Oldroyd, 1901), página 101.
Os comentários de Herold sobre caça à perdiz, Davis e Hughes
foram todos tirados de seu depoimento feito sob custódia, que está
publicado em On the Way, de Hall, página 8.
O registro em que Booth se diz “caçado com um cão”, feito em
seu diário no auge do desespero desde o início da caçada humana,
aparece em Right or Wrong, de Rhodehamel e Taper, página 7.
Todos os telegramas são dos Registros Oficiais.
CAPÍTULO OITO
O comentário de Herold sobre a canhoneira vem de seu
depoimento feito sob custódia em 27 de abril de 1865, publicado em On
the Way, de Hall, página 7.
Todos os telegramas são dos Registros Oficiais.
O encontro de Herold com Quesenberrys foi descrito no
depoimento feito por ela em 16 de maio de 1865 ao coronel Wells e está
publicado em On the Way, de Hall, página 108.
A visita dos fugitivos ao dr. Stuart está descrita no depoimento
feito por ele em 6 de maio de 1865 e publicado em On the Way, de Hall,
página 114.
A declaração de Bryant feita em 6 de maio de 1865 está
publicada em On the Way, de Hall, página 116.
A declaração de Lucas feita em 6 de maio de 1865 está
publicada em On the Way, de Hall, página 122.
Os dois esboços da carta de reclamação de Booth estão em
Right or Wrong, de Rhodehamel e Taper, páginas 157-159.
A transcrição da passagem de Shakespeare tirada de Macbeth
que Booth citou em sua nota ao dr. Stuart veio do volume definitivo da
coletânea de obras The Complete Works of Shakespeare, Fifth Edition,
de David Bevington (Nova York: Pearson, 2004), página 1.277.
As duas declarações de Rollins feitas em 25 de abril de 1865
estão publicadas em On the Way, de Hall, páginas 126 e 127.
William Jett deu um depoimento em 6 de maio de 1865 e
também testemunhou no julgamento da conspiração em 17 de maio de
1865. Ambos os seus relatos estão publicados em On the Way, de Hall,
páginas 135 e 139.
CAPÍTULO NOVE
O telegrama de Beckwith e todos os demais telegramas neste
capítulo aparecem nos Registros Oficiais.
A narrativa do tempo que Booth passou na fazenda dos Garrett
e todas as citações diretas foram tiradas de vários relatos. Este acervo
de fontes inclui depoimentos, relatórios e testemunhos, e cobre a
perseguição até Bowling Green, a chegada à fazenda dos Garrett, o
debate com Booth, a rendição de Herold e o disparo contra o assassino e
sua consequente morte.
Os principais relatos do capitão Edward P. Doherty podem ser
encontrados em seu relatório de 29 de abril de 1865; em seu
depoimento no julgamento da conspiração feito em 22 de maio de 1865;
e em sua carta escrita em 21 de março de 1866 para o secretário da
Guerra Stanton. Queira ver On the Way, de Hall, páginas 27-36.
Os relatos do coronel Everton J. Conger podem ser encontrados
em seu depoimento no inquérito a bordo do Montauk em 27 de abril de
1865; em seu testemunho prestado no julgamento da conspiração em 17
de maio de 1865; na investigação de impeachment de Andrew Johnson
em 13 e 14 de maio de 1867; e no julgamento de John H. Surratt em 25
de junho de 1867. Queira ver On the Way, de Hall, páginas 40-63.
Os relatos de Luther Byron Baker podem ser encontrados em
seu depoimento feito em 27 de abril de 1865 no inquérito a bordo do
Montauk, em seu testemunho prestado na investigação de impeachment
de Andrew Johnson em 22 de maio de 1867 e em seu testemunho no
julgamento de John H. Surratt em 25 de junho de 1867. Queira ver On
the Way, de Hall, páginas 74-98.
Em geral, os relatos de Doherty, Conger e Baker concordam
quanto ao que aconteceu na fazenda dos Garrett. Variam em detalhes
mínimos, claro, reflexo não apenas da fragilidade da memória como
também da competição pelo dinheiro da recompensa. Por exemplo, as
partes discordaram quanto à pessoa que “realmente” capturou David
Herold e o puxou pela porta do celeiro para fora, mandando amarrá-lo
em seguida. Os relatos que cada parte faz do diálogo com Booth variam
um pouco quanto a escolhas específicas das palavras de Booth, ou
quanto à se- quência de algumas de suas frases. Mas todos concordam
quanto à substância do debate com Booth, quanto a todos os
sentimentos que ele expressou e quanto às suas tratativas com a família
Garrett.
Eu não incluí toda variação possível de seus relatos. O que fiz
foi usar o meu julgamento mais sensato e os principais relatos deixados
pelos representantes para construir o que eu acredito ser o relato mais
razoável do clímax da caçada humana.
Para facilitar as referências do leitor, eu não faço citações de
cada página de microfilme no Arquivo Nacional, de cada documento e
cada relatório onde esse material pode ser encontrado. O que faço é
indicar ao leitor o On the Way to Garrett’s Farm: John Wilkes Booth
and David E. Herold in the Northern Neck of Virginia, April 22-26,
1865 (“A caminho da fazenda Garrett: John Wilkes Booth e David E.
Herold na extremidade norte da Virginia, 22 a 26 de abril de 1865”), de
James O. Hall (Clinton, Maryland: The Surratt Society), um volume
indispensável que reúne num lugar só muitas das evidências
significativas e que direciona os leitores mais interessados para os
específicos rolos e páginas microfilmados.
Os principais relatos de Boston Corbett podem ser encontrados
em seu relatório de 29 de abril de 1865; em seu testemunho de 17 de
maio de 1865 no julgamento da conspiração; e num artigo publicado em
14 de abril de 1877 no jornal Philadelphia Weekly Times. Queira ver On
the Way, de Hall, páginas 155-162.
Membros da família Garrett deixaram comentários
consideráveis sobre seus visitantes. O depoimento de John M. Garrett
foi tomado no escritório do coronel Lafayette Baker em 20 de maio de
1865, e Garrett testemunhou em 25 de junho de 1867, no julgamento de
John H. Surratt. Suas recordações estão reimpressas em On the Way, de
Hall, páginas 140-146. A reveladora carta escrita por Richard H. Garrett
em 4 de abril de 1866 para Grandison Manning aparece em On the Way,
de Hall, página 170, e a carta do reverendo Richard Baynham Garrett de
24 de outubro de 1907 aparece na página 174.
Queira ver também “True Story of the Capture of John Wilkes
Booth” (“A verdadeira história da captura de John Wilkes Booth”), de
William H. Garrett, Confederate Veteran, volume XXIX, n° 4, de abril
de 1921, páginas 129-130, e “A Chapter of Unwritten History: Richard
Baynham Garrett’s Account of the Flight and Death of John Wilkes
Booth” (“Um capítulo de história não escrita: O relato de Richard
Baynham Garrett sobre a fuga e a morte de John Wilkes Booth”), Betsy
Fleet, org., The Virginia Magazine of History and Biography, volume
71, n° 4, outubro de 1963, páginas 387-404. Este artigo inclui a carta de
Edwin Booth agradecendo aos Garrett e a história de John Wilkes
Booth entretendo as crianças da família Garrett com sua bússola de
bolso.
Para uma retrospectiva pouco conhecida — e estranha —
baseada em entrevistas com alguns dos sobreviventes da família
Garrett, queira ver “John Wilkes Booth: The Scene of the Assassin’s
Death Visited” (“John Wilkes Booth: Visita à cena da morte do
assassino”), de F. A. Burr, Boston Herald, de 11 de dezembro de 1881,
página 9.
CAPÍTULO DEZ
A descrição que Lucinda Holloway faz da morte de Booth
aparece em John Wilkes Booth: Fact and Fiction of Lincoln’s
Assassination (“John Wilkes Booth: Fatos e ficção sobre o assassinato
de Lincoln”), de Francis Wilson (Boston: Houghton Mifflin, 1929),
páginas 209-217. Encontra-se reimpressa em On the Way, de Hall,
página 178.
Todo o material de George Alfred Townsend neste capítulo vem
do seu livro The Life, Crime and Capture of John Wilkes Booth.
O diálogo entre Asia Booth Clarke e T. J. Hemphill vem das
memórias dela, The Unlocked Book, páginas 92-93.
A coleção completa das fotografias que Gardner fez dos
conspiradores cativos foi publicada pela primeira vez em Lincolns
Assassins, de Swanson e Weinberg, páginas 58 a 76.
A história de Clark Mills foi relatada no número do Chicago
Tribune de 2 de maio de 1865.
O diálogo de Townsend com Lafayette Baker e seu relato do
falso sepultamento no mar se encontram em The Life, Crime and
Capture of John Wilkes Booth, páginas 38-39.
Informações importantes aparecem em “An Eyewitness
Account of the Death and Burial of J. Wilkes Booth” (“Um relato de
testemunha ocular da morte e sepultamento de J. Wilkes Booth”), de L.
B. Baker, Journal of the Illinois State Historical Society (publicação da
Sociedade Histórica do Estado de Illinois), de dezembro de 1946,
páginas 425-446.
As ordens de pagamento do Tesouro dos EUA emitidas para
Corbett, Doherty, Baker e todos os demais que receberam o dinheiro da
recompensa foram recentemente recuperadas no Arquivo Nacional e
fotografadas pela primeira vez.
As cartas de Boston Corbett repousam em acervos particulares.
O relato que Asia Booth fez de Corbett aparece em suas
memórias nas páginas 99-100.
Para obter o relato moderno mais detalhado da execução dos
conspiradores e uma coleção completa das fotografias que Gardner
tirou do enforcamento, queira ver Lincoln’s Assassins, de Swanson e
Weinberg, páginas 98-121.
A carta em que Edwin Booth pede a devolução dos restos
mortais de seu irmão se encontra nos documentos de Johnson. Queira
ver The Papers of Andrew Johnson (“Os documentos de Andrew
Johnson”), de Paul H. Bergeron, volume 15, de setembro de 1868 a
abril de 1869 (Knoxville: University of Tennessee Press, 1999), páginas
431-432.
O livro de memórias de Asia Booth Clarke fecha com essa
elegia. Qual seu irmão- assassino, ela não resistiu a citar Shakespeare.
A última linha de seu livro Desta arte o mundo avança vem, sem
surpresa alguma, de Hamlet, segunda cena do terceiro ato: “Uns
precisam velar, outros dormir; desta arte o mundo avança.”
EPÍLOGO
As cartas de Asia Booth Clarke aqui citadas vêm da edição
reimpressa com novo título, John Wilkes Booth: A Sister’s Memoirs by
Asia Booth Clarke (“John Wilkes Booth: Memórias de uma irmã, por
Asia Booth Clarke”) (Jackson: University Press of Mississippi, 1996),
edição de Terry Alford, página 21.
A história triste e estranha de Rathbone e Harris foi assunto do
espantoso romance Henry and Clara (“Henry e Clara”), de Thomas
Mallon (Nova York: Ticknor & Fields, 1994).
O panfleto promocional de Luther Baker, sua “composição de
imagens”, e o relato em primeira mão de seu cavalo Buckskin aparecem
em Lincoln’s Assassins, de Swanson e Weinberg, página 37.
Sobre a palestra de John H. Surratt, queira ver The Death of
Lincoln: The Story of Booth’s Plot, His Deed and the Penalty (“A morte
de Lincoln: A história da trama de Booth, seu feito e a punição”), de
Clara E. Laughlin (Nova York: Doubleday, Page, 1909), páginas 222-
249. Queira ver também “A Remarkable Lecture — John H. Surratt
Tells His Story” (“Uma palestra notável — John H. Surratt conta sua
história”), Lincoln Herald, dezembro de 1949, páginas 20-33, 39. O
raro cartaz anunciando a palestra de Surratt, marcada para 30 de
dezembro de 1870 em Washington porém jamais proferida, aparece em
Lincoln’s Assassins, de Swanson e Weinberg, página 124.
A morte de Frances Seward é discutida em William Henry
Seward, de Van Deusen, páginas 415-416. As palavras de Seward sobre
a morte de Fanny, seu “indizível pesar” e os sonhos destroçados, se
encontram em Van Deusen, página 417.
As memórias de Samuel Arnold só vieram aparecer em forma
de livro após a publicação póstuma de Defense and Prison Experiences
of a Lincoln Conspirator (“A defesa e a prisão de quem conspirou
contra Lincoln”) (Hattiesburg, Mississippi: The Book Farm, 1940).
O dr. Mudd já foi assunto de vários livros, alguns bastante
simpáticos a ele. Na prateleira de Mudd encontram-se The Life of Dr.
Samuel A. Mudd (“A vida do dr. Samuel A. Mudd”), de Nettie Mudd
(Nova York: Neale Publishing Company, 1909); The Union vs. Doctor
Mudd (“A União versus o doutor Mudd”), de Hal Higdon (Chicago:
Follett Publishing Company, 1964); The Riddle of Dr. Mudd (“O
enigma do dr. Mudd”), de Samuel Carter III (Nova York: G. P.
Putnam’s Sons, 1974); His Name Was Mudd (“O nome dele era
Mudd”), de Eiden C. Weckesser (Jefferson, Carolina do Norte:
McFarland and Company, 1991); Dr. Mudd and the Lincoln
Assassination: The Case Reopened (“O dr. Mudd e o assassinato de
Lincoln: Caso reaberto”), John Paul Jones, org. (Conshohocken,
Pensilvânia: Combined Books, 1995); e, finalmente, o melhor relato, e
o mais verdadeiro, His Name is Still Mudd: The Case Against Dr.
Samuel Alexander Mudd (“O nome dele ainda é Mudd: O processo
contra o dr. Samuel Alexander Mudd”), de Edward Steers Jr.
(Gettysburg: Thomas Publications, 1997).
A história do rápido declínio de Stanton e seus tristes últimos
dias está contada em Stanton, de Thomas e Hyman, páginas 627-640. A
carta de pêsames de Robert Lincoln aparece na página 638.
A história bizarra e, em muitos aspectos, perturbadora do crânio
de Powell e da homenagem no sepultamento é destacada em American
Brutus, de Kauffman, página 391.
Um breve histórico pós-assassinato do Teatro Ford aparece em
Ford’s Theatre and the Lincoln Assassination (“O Teatro Ford e o
assassinato de Lincoln”), de Victoria Grieve (Alexandria, Virginia:
Parks & History Association, 2001), páginas 84-91. Restoration of
Ford’s Theatre (“Restauração do Teatro Ford”), de George F. Olszewski
(Washington, D.C.: Escritório da Gráfica do Governo, 1963), relato
essencial e fascinante sobre o resgate da falecida casa de
entretenimento, tem lugar na biblioteca de qualquer pessoa interessada
no assassinato ou na história do teatro americano.
Os comentários conciliatórios porém hagiográficos de Asia
Booth Clarke vêm de suas memórias, The Unlocked Book, página 100.
A narrativa sobre os quadros a óleo do assassinato e as figuras
de cera deriva dos cartazes originais da divulgação do Panorama de
Terry e do Museu do Coronel Orr.
O mito do Booth que escapou vale um livro em si, mas essa
história, infelizmente, está além do âmbito desta. Para uma introdução
ao mito, e para obter fotografias do livro de Bates, quadros a óleo por
ele encomendados de forma a alimentar seu esquema, e para acesso a
uma carta onde ele alega “Eu tive John Wilkes Booth como cliente na
região ocidental do Texas entre 1875 e 1877”, queira ver Lincolns
Assassins, de Swanson e Weinberg, páginas 130-136. Queira ver
também Myths After Lincoln (“Mitos depois de Lincoln”), de Lloyd
Lewis (Nova York: Harcourt, Brace and Company, 1929); The Great
American Myth (“O grande mito americano”), de George S. Bryan
(Nova York: Carrick & Evans, 1940); The Legend of John Wilkes
Booth: Myth, Memory, and a Mummy (“A lenda de John Wilkes Booth:
Mito, memória e uma múmia”), de C. Wyatt Evans (Lawrence:
University Press of Kansas, 2004); e Blood on the Moon (“Sangue na
Lua”), de Steers, páginas 245-267. A irreverente e maravilhosa obra
Assassination Vacation (“Férias de assassinato”), de Sarah Vowell
(Nova York: Simon & Schuster, 2005), cobre as lendas da fuga de
Booth e de sua múmia no passeio que a autora faz pela cultura popular
dos assassinatos de Lincoln, Garfield e McKinley.
O absurdo livro da “neta” impostora de Booth é This One Mad
Act: The Unknown Story of John Wilkes Booth and His Family (“Este
ato maluco: A história desconhecida de John Wilkes Booth e sua
família”), de Izola Forrester (Boston: Hale, Cushman & Flint, 1937).
Minha afirmativa de que muitos turistas que vêm ao Teatro
Ford deixam de ver a bússola de bolso de Booth se baseia em muitas
horas de observações pessoais que eu mesmo fiz no museu durante
vários dias. Da mesma forma, minha afirmativa sobre a popularidade da
pistola Deringer de Booth se baseia em muitas observações pessoais de
visitantes que olhavam e conversavam no museu sobre a arma do crime
e também sobre outras armas de fogo e facas de Booth.
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Este livro foi composto na tipologia Minion, em corpo 11,5/16, e
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Este e-book: Aquisição e fornecimento do original: Tihtih
Digitalização, ocerização, formatação e revisão mínima inicial: The
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