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Admin,+1245 3442 1 PB
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Abstract:
In this paper, I focus the Brazilian literatura de cordel, popular literature in verse,
typical of Brazilian Northeast. The paper is based on interviews, carried through
between 2002 and 2004, with diverse social actors involved in the production
of the cordel. The interviews were carried through in Campina Grande (PB),
Caruaru, Bezerros and Recife (PE), Juazeiro do Norte and Fortaleza (CE) and
in Rio de Janeiro, where there is the Brazilian Academy of Literatura de Cordel
(ABLC). The objective of the paper is thinking the relations of the cordel with
the media and the implications of these relations for the cordel as social and
discursive practice.
Introdução1
1
Este trabalho é um recorte da dissertação de Mestrado intitulada “Literatura de cordel
no contexto do novo capitalismo: o discurso sobre a infância nas ruas”, defendida em
março de 2005 junto ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística, da Universidade
de Brasília. A dissertação foi publicada integralmente no TELA 3 – Textos em Lingüística
Aplicada, organizado por Vilson J. Leffa. Este recorte foi apresentado no seminário Prá-
ticas socioculturais e discurso: debates transdisciplinares, organizado pelo Núcleo de Estudos de
Linguagem e Sociedade (NELiS), do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares
(CEAM), da Universidade de Brasília, em março de 2006.
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Registro aqui meu agradecimento a Ana Ferraz, Gonçalo Ferreira da Silva, Vicente
Pereira, José Lourenço, Rouxinol do Rinaré, Manoel Monteiro, Abraão Batista, J. Borges,
J. Miguel, José Costa Leite, Mestre Azulão e Klévisson Viana.
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(1) (a) Hoje não tem mais essa questão da oralidade, do poeta recitar
um pedacinho. Não tem mais isso. Não tem mais aquela coisa do
cara vender... Porque o que eu achava bonito demais era que o cara
mandava fazer o cordel, jogava na sua malotinha quadrada de couro.
Jogava debaixo do braço e se danava para a feira vender o seu cordel.
Aquilo que era bonito (José Lourenço).
(b) Porque hoje em dia não existe nem o poeta que lê em feiras
livres, não tem. O contexto de venda do cordel, não é mais na mão
do cordelista que se compra, não. Hoje as pessoas ligam pra editora
ou ligam pro cordelista, que envia pelo correio. Ou nas livrarias.
Mas esse tipo de trabalho dos poetas venderem diretamente em feiras
realmente está se acabando, não tem mais... (Ana Ferraz).
(d) Vendia o cordel nas praças, nas feiras, nas festas. Aonde tinha
a regência de muita gente, a gente ia. Eram muitos cordelistas aqui
no Nordeste. Toda feira, sempre tinha cinco, seis cantando, fazendo
aquelas rodadas de gente. Cada um beco na rua, um fim de feira
assim, um espaço, tinha um cordelista. Aquilo foi diminuindo, di-
minuindo, hoje você anda dez feiras, vinte feiras, cinqüenta feiras no
Nordeste e não vê um. O cantador de cordel mesmo, ele não existe
mais (J. Borges).
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O cordel era considerado o ‘jornal do Sertão’. Era por meio dele que as no-
tícias chegavam ao interior do Nordeste. Nesse sentido, pode-se dizer que o cordel
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foi uma mídia importante na região. O depoimento de Gonçalo a esse respeito pode
esclarecer a importância que o cordel assumia na difusão de informação:
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A referência a ‘os cordelistas’ aqui não é uma ocorrência do chamado ‘masculino gené-
rico’: a inserção de mulheres entre cordelistas é posterior ao período mencionado, sendo
característica do período contemporâneo de produção (Resende, 2005; 2007).
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(3) (a) Está havendo uma procura muito grande, até costumo dizer
que o cordel mudou de público. Porque, a partir do momento que
a televisão penetrou no interior do estado, as pessoas mais velhas
raramente lêem cordéis. Elas querem ver a novela, ver o filme. E hoje
o público das escolas, que eu acho que é o novo público do cordel, e
é um público que eu acho interessante, a gente aposta nesse público
porque é uma nova geração. Quem sabe vai surgir atrás dessa nova
geração novos poetas para dar continuidade à nossa cultura? Então
eu acho que o cordel nunca morreu. Esteve num embate, aí houve
uma renovação (Rouxinol do Rinaré).
(b) Eu acho que o que houve mesmo foi uma mudança grande.
Porque você analisa o seguinte: antigamente o folheteiro pegava o
seu poema, seus folhetos, ia para a feira livre. Chegava lá, ele tinha
que cantar aquele folheto para o público. Porque o público era 80
a 90% analfabeto. Então, uma coisa é você lidar com um público
dessa natureza. Hoje, por exemplo, é exatamente o oposto. Eu acho
que houve realmente uma revolução porque o público mudou, né?
(Klévisson Viana).
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(4) No tempo que o povo era analfabeto, mas conhecia o cordel e conhecia
a rima, quando a pessoa lia um cordel que a rima quebrava, o cara anal-
fabeto já dizia logo: ‘Epa, aí tá errado’. Agora não, agora o povo todo
sabe ler, mas não entende, passa por cima da rima errada. (...) Aí aquilo
ofende muito o cordel. Eu gostaria que esse povo, esses professores,
doutores, esse povo ficasse só lendo o cordel e não metesse a escrever
porque está esculhambando o ambiente. E tem uns professores que
inventam de escrever cordel, faz até graça. Porque aí eles se agarram
com a gramática e se esquecem que cordel não existe gramática para
um cordel. A gramática de cordel é a rima positiva e as sílabas medidas.
Aí dá o tempero da poesia (J. Borges).
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2. Cordel e mídia
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Alguns exemplos são os sítios www.literaturadecordel.hpg.ig.com.br, www.ablc.hpg.com.br,
www.cordelon.hpg.ig.br, www.mocoto.com.br, www.jangadabrasil.com.br.
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Na edição de 20 de dezembro de 2001, na editoria Coisas da vida, página 08.
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(7) É um cordel de peleja, uma peleja recriada. (...) eu fiz com o Klévisson mes-
mo pela Internet. (...) Aí, o Klévisson estando lá na editora [Tupynanquim],
a gente começou a mandar o e-mail de um para o outro, uma estrofezinha.
E isso virou um desafio, não é? Depois juntamos tudo e fizemos a peleja,
imprimimos a peleja. Foi feita totalmente virtual, mas depois impressa no
folheto. E a gente diz aqui no final de uma nota que a gente casou a moder-
nidade com a tradição, mantemos a tradição da poesia do cantador. Usamos
os seus estilos como os cantadores usam na realidade, no repente mesmo,
mas usamos de forma virtual. Mas a estrutura é a da poesia de cordel, não
tem jeito. Então é isso. Eu acho assim é uma forma, se nós quisermos que
a nossa cultura seja perpetuada, que outras gerações possam conhecê-la,
nós temos que viver o nosso momento, mantendo a tradição do formato
da poesia e da estrutura da poesia.
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O deslocamento espacial do cordel ampliou-se ainda mais. Recentemente há edições de
folhetos em línguas estrangeiras, como é o caso de Enfants des rues et le massacre de la Candelária
e Un ethnologue suisse agressé au Brésil, traduzidos para o francês por Jean Louis Christianat
em 2003 e 2000 respectivamente; Tobias Barreto de Menezes von Sergipe in die welt e Mahatma
Gandhi, versões em alemão e inglês, respectivamente, sem atribuição de tradução e data.
Todos esses folhetos são traduções de originais de Gonçalo Ferreira da Silva editadas pela
Academia Brasileira de Literatura de Cordel.
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(11) (a) Agora tem uma minoria que é feita no manual ainda, tem uns
cordéis aí que foi aqui feito no manual. Só que a maioria agora tá
saindo mais off-set porque compensa mais por causa da impressão
mais bem feita, a rapidez (J. Miguel).
(c) Aí você também não pode estar trabalhando hoje, com todos os
recursos que dispomos, trabalhar como se estivesse na pré-história da
imprensa. Não tem como. Eu não vou passar um mês trabalhando no
cata-cata, juntando letrinha por letrinha para imprimir o folheto numa
tipografia quando a gente dispõe de off-set (Klévisson Viana).
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l amentando não ter ido ainda às bienais do Rio de Janeiro e de São Paulo, “não
creio que ninguém [do ramo do cordel] tenha grana para entrar”. Ainda acerca
da participação em feiras desse tipo, Ana Ferraz registrou um testemunho in-
teressante, a respeito da desvalorização de produtos culturais tradicionais em
face de produtos de grandes corporações globais:
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(13) (a) Eu me convenci que não tem jeito. É melhor não perder tempo.
Cheguei à conclusão que o governo não atrapalhando já está aju-
dando muito. (...) Essas coisas de governo dá vontade até de desistir
(Gonçalo Ferreira da Silva).
Considerações finais
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sobre o cordel que não ‘pare no tempo’, que não se limite a exaltar sua produ-
ção tradicional sem perceber os rumos que toma a produção contemporânea.
Procurei também refletir acerca da produção de cordel na contemporaneidade,
pensando sua relação inclusive com produtos culturais globalizados.
A discussão acerca das transformações operadas nas práticas discursiva
e social do cordel, de seu período tradicional para seu período contemporâneo
de produção, ilustra a dialética entre discurso e sociedade. Isso porque as trans-
formações do gênero estão intimamente relacionadas a mudanças articulatórias
nos momentos da prática do cordel e nas redes de prática das quais participa.
Nesse sentido, procurei mostrar, com base nas entrevistas que realizei com
diversos atores sociais envolvidos na prática do cordel, que as transformações
na composição genérica e temática do cordel são uma adequação ao momento
histórico em que se insere e à rede de práticas em que atua. A relação do cordel
com os meios de comunicação de massa também foi alterada nesse processo,
o que tem implicação na internalização e no questionamento de discursos
hegemônicos em folhetos, como demonstrei na pesquisa de que esse ensaio é
um recorte.
A reflexão acerca das transformações na literatura de cordel brasileira,
de seu período tradicional para a produção contemporânea, nos termos aqui
explorados, é também uma reflexão acerca de traços salientes de sociedades
hodiernas, como a separação entre os contextos de produção e consumo, os
mecanismos de desencaixe e a conseqüente externalização da reflexividade. Para
que o estudo do cordel possa articular tais conceitos faz-se necessário, antes de
tudo, o abandono à visão romântica ou folclórica acerca desse produto cultural,
que passa a ser visto como prática social contextualizada no presente.
Referências bibliográficas
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