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Gênero Neutro Impasses e Aplicabilidade
Gênero Neutro Impasses e Aplicabilidade
RESENHA CRÍTICA
Introdução
Segundo o linguista brasileiro Mattoso Camara Jr. (2011, p. 88), com relação à flexão
de gênero nas gramáticas tradicionais do português, ocorre uma incompreensão semântica da
sua natureza. É comum que associemos o gênero ao sexo dos seres. Contudo, existem duas
ponderações que ele assinala em relação a esta associação. Uma delas é de que o gênero, na
língua portuguesa, abarca todos os substantivos, sejam eles seres sexuados ou apenas
“coisas”. A outra é que, em muitos casos, haveria uma “discrepância entre gênero e sexo”
(Ibidem). Alguns exemplos que podemos apontar, a partir dessa ponderação de Camara Jr.
(2011), são os substantivos criança, sempre feminino, porém pode se referir tanto à menino
ou menina, e cadáver, sempre masculino, que também pode se referir a ambos os sexos.
Esses substantivos são chamados de epicenos.
Mais um ponto, no nível semântico, assinalado por Camara Jr. (2011, p. 88), é o de
que o masculino seria “uma forma geral [e] não marcada” e o feminino indicaria “uma
especialização qualquer”. Assim, podemos pensar, segundo o autor, que o substantivo barco,
no masculino, se refere de forma geral a qualquer espécie de barco, enquanto que o
substantivo barca, feminino, gênero marcado com -a, se refere a um tipo específico de barco.
Outra confusão que ocorre em relação à flexão de gênero no português é a de confundir
flexão com derivação. Que é o caso dos sufixos -triz e inha para a derivação de imperador
[masculino] em imperatriz [feminino] e galo [masculino] em galinha [feminino] (Ibidem,
p.89).
Para o autor existe apenas uma flexão de gênero no português, com pouquíssimos
alomorfes. Nessa perspectiva, o masculino é sempre Ø, não marcado, ao contrário do
feminino, que é marcado pela flexão em -a. Camara Jr. (2011, p. 92) ainda coloca que as
“gramáticas escolares podem, portanto, ensinar o gênero dos nomes substantivos na base da
forma masculina ou feminina do artigo, que eles implicitamente exigem”.
Como contraponto, Kehdi (1990, p. 30) aponta um problema nessa perspectiva.
Segundo o autor, Mattoso teria desconsiderado a questão de que o falante, comumente, ao
flexionar uma palavra feminina em masculina, recorre à utilização da desinência -o. É o caso
das palavras mulher, em feminino, que vira mulheraço, em masculino, e coruja, em feminino,
que vira corujo, em masculino. Kehdi (1990), resumidamente, defende que a “a flexão de
gênero não se reduz a uma oposição Ø / -a, e, sim, a uma oposição -o / -a” (Ibidem, p. 31) .
Analisando essas duas perspectivas, percebe-se que as ponderações de Mattoso
Camara Jr. são imprescindíveis para pensarmos a maneira que a flexão de gênero é abordada
nas gramáticas tradicionais do português. O caso de não considerar as flexões de palavras
femininas flexionadas a partir da desinência -o em masculino, como apontada por Kehdi
(1990), não impossibilita de pensarmos o gênero como uma oposição entre o masculino, não
marcado, Ø, e, o feminino, marcado pela desinência -a. Certas formas, que fazem exceção a
regra, como as assinaladas por Kehdi (1990) – corujo, crianço, madrasto – são praticamente
inutilizáveis no português cotidianamente e não soam naturais. Também teríamos que, a partir
das considerações de Kehdi (1990), pensar como ficariam os substantivos marcados por -e,
que podem ser utilizados tanto para o masculino quanto para o feminino. Apesar das
ressalvas necessárias, a proposta de Mattoso Camara Jr. se mostra mais completa e viável
para a discussão em torno da flexão de gênero no português brasileiro.
Considerações finais
Referências bibliográficas