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IFRS – CAMPUS OSÓRIO - é um Corvo hierático2 e soberbo, egresso de eras ancestrais.

LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA


Prof. Me. Dudlei Floriano de Oliveira
Como um fidalgo passa, augusto, e, sem notar sequer meu susto,
adeja3 e pousa sobre o busto que se encontra em meus umbrais,
bem sobre o pórtico; e lá se instala, sobre a cabeça de Palas 4,
O Corvo empoleirado e nada mais.
Edgar Allan Poe
Tradução: Milton Amado (alterado) "Sem crista embora,” digo “ó Corvo, não tens pavor antigo e singular amigo que na noite
Era uma vez, eu refletia, à meia-noite erma e sombria, me pede abrigo.
a ler doutrinas de outro tempo em curiosos manuais, Diga-me: qual é o teu nome, ó nobre Corvo, o nome teu no inferno torvo!"
e, exausto, quase adormecido, ouvi de súbito um ruído, E o Corvo disse: "Nunca mais".
tal qual se alguém houvesse batido em meus umbrais (...)
"É um visitante que vem bater em meus umbrais O ar pareceu-me então mais denso e perfumado, qual se incenso
- é só isso e nada mais." ali descessem a esparzir turibulários5 celestiais.
"Mísero!” exclamo. “Enfim teu Deus te dá, mandando os anjos seus,
Ah! Claramente eu o relembro! Era no gélido dezembro esquecimento para as saudades de Lenora.
e o fogo agônico pintava o chão de sombras fantasmais. Sorve6 o nepentes7. Sorve-o, agora! Esquece, olvida essa Lenora!"
Ansiando ver a noite finda, em vão, a ler, buscava ainda E o Corvo disse: "Nunca mais."
algum remédio à amarga, infinda, atroz saudade de Lenora (...)
- essa, mais bela que a aurora, a quem os céus chamam Lenora "Sejam palavras da nossa despedida, ave de agouro!”, ergo-me e grito:
e nome aqui já não tem mais. Volta de novo à tempestade, aos negros antros infernais!
Nem leve pluma de ti reste que tal mentira ateste!
A seda rubra da cortina arfava em lúgubre surdina1, Deixe- me só neste ermo agreste! Sai do busto em meus portais!
arrepiando-me e evocando medos sepulcrais. Retira a bico que me fere o peito, alça voo e deixa meus umbrais!"
De susto, o coração batia e a sossegá-lo eu repetia: E o Corvo disse: "Nunca mais!"
"É um visitante que pede abrigo e bate em meus umbrais.
É apenas isso e nada mais." E lá ficou! Hirto8, sombrio, ainda hoje o vejo, horas a fio,
sobre busto pálido de Palas, inerte, sempre em meus umbrais.
No momento em que me senti forte, sem hesitar, lancei a sorte: No seu olhar medonho e enorme o anjo do mal, em sonhos, dorme,
"Senhor”, disse eu, “ou então, senhora, perdoai, se há muito me esperais; e a luz da lâmpada, disforme, atira ao chão as suas sombras imortais.
mas é que estava adormecido e foi tão débil o batido, Nelas, que ondulam sobre a alfombra9, está minha alma; e, presa à sombra,
que eu mal podia ter ouvido alguém bater em meus portais, não há de erguer-se nunca mais!
assim de leve, a horas tais." Escancarei então a porta:
- escuridão, e nada mais. 2 Sacerdotal, de aspecto religioso
(...)
Com a alma em febre, eu novamente entrei no quarto e, de repente,
3 Se dirige, voando
o ruído recomeça e ressoa em meus umbrais. 4 Palas Atena, deusa grega da sabedoria, correspondente à deusa romana Minerva
"Com certeza", pensei eu, "Com certeza é na janela, 5 Pessoas que carregam o turíbulo, vaso onde se depositam incensos.
vamos ver o que está nela e ao mistério dar finais.” 6 Bebe, toma
Abro a janela e eis que, em tumulto, a esvoaçar, penetra um vulto 7 Remédio contra a tristeza
8 Parado, imóvel
1 Som abafado 9 Tapete

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