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A FAMILIA 5

— A ’s vezes essa cegueira é que nos ductoras. Elle beijava-m e toda com o
mata. seu amor brutal, o seu amor hediondo.
No boudoir
— Justam ente, llontem á noite nos — Hediondo ? disse Virginia.
salões do Conde S. Toledo a sua esposa Foi ha muito tempo já .
— Nefasto I Nefasto !
festejou o seu anniversario. Estive pre­ Eu estava nesse marasmo de idéas
— Porque tu não fugiste ?
sen te ... em que o espirito alheio ao que se pas­
— As portas estavam fechadas.
— E Ai mando. — E então? sa vae soudar o Infinito, demandando
— Também. O am or venceu ! uma luz nova, sequiosa dessa clarida­
— Já vejo que divertiu-se muito. de que o abraça, sem poder explicar o
— Muito. Correu tudo muito anima­ amplexo tão prolongado é.
O lympia de M endonça.
do. Toda fidalguia se fez representar Meia adormecida, fictava essa cupu­
pelo melhor de sua sociedade. O luxo --------■ ·---------- la immensa que nos serve de lecto com­
era real, um luxo de principes ingle- muni, onde, sob a pressão da phanta­
zes. Canto da roceira sia, o azul que vemos não é formado
A ’ hora do chá, Armando deu-me o pelas camadas do ar atmosphérico, mas
hraço e em vez de conduzir-me para o Sou bem ditosa, sim p< r um véo natural recamado
Pois que em meus lares do estrellas que ornam o reposleiro do
salão levou-me para o jardim que es­ Não ha pozares,
tava todo ¡iluminado. Era uma ventu­ Não ha tristor ; palacio onde tem seu throno Deus !
ra perigosa a nossa ausencia naquelle
Somente ha sonhos Ainda com a a ln a muito cheia, mui­
D’amor, poesia,
momento. Eu tremia de medo. Muita harmonia, to crente, eu sonhava com anjos e san­
— E depois ? Sorrindo á llor. tos, e ouvi o murmurio da naturo-
— Armando propoz-me a nossa sa e esse longo rumor trazido pelas on­
Surgindo a aurora, das do m ar, eu muito nova idealista,
fuga. Criança arteira,
— Para onde ? lhe disse eu. Qual mais ligeira, fazia u imaginação caminhar pelo
— Para a minha casa; o padre e os Do que eu, não sei ; mundo dos sonhos, acastellando o fu­
Por montes, campos, turo.
padrinhos estão a nossa espera; nada Sem ter receio
receies, está tudo preparado, respon­ Irei, eu creio, Uma sombra querida, quasi ethe-
deu-me elle.
Não tenho lei !
ua >- rea, prostou-se diante de mim e, com
— E ’ o papae ? a susceptibilidade que possue meu co­
Não ha palacios
— Não tem nada; deixar-lhe-hei Na minha roça, ração virgem , eu, impressionada pelo
uma carta amanhã mesmo partiremos Mas nesta choça choque de um sentimento novo que iïie
Que Deus me deu, embalava a alm a, cerrei os olhos para
para Londres, como dois pombos fugi­ Ha mais encantos,
dos. Mais harmonia, vèr essa v isão ....D e repente, vejo uma
$ § — Accedi afinal; e o primeiro carro E mais poesia sombra alva se approxiinar do mim,
Do que no céo ! beijar-m e. E strem ecí...ergui-m e, sentia
de praça que passava nos conduzia
á moradia da Armando Cavallier. Não tenho inveja
uma chamma desconhecida circundar­
Ahi levfu-m e elle para uma alcova. Dos diamantes, m e. . . O espirito elev o u -se.... o cere­
Não havia ninguem na casa: tudo
Gentis brilhantes bro, como que avolu m ava... alguma
Que as outras tém ;
atemorisa v a-m e. Pois cá na roça cousa pr is me impedía para dar ex­
— E o padre e os padrinhos ? inler- Tenho eu fulgores, pansão a um quê desconhecido.
E lá traidores
roguei eu. Ha mil também ! O perpassar das brizas trouxe-m e
— N aluralim nte retiraram -se com um ruido lento, monotuno e triste ....
a nossa dem ora. Sou bem ditosa Era a vóz do mar !
Pois em meus lares Inconsciente, apertei a fronte nas
— E agora ? Não ha pezares,
— Vou mandar cham al-os, disse Não ha tristor : mãos; eu sentia elevarem -se o pensa­
Armando, dirigindo-se para os fundos Sómente ha sonhos mento e o coração, de harmonia com
D'amor, poesia,
da casa. Muita harmonia, idéas novas, desconhecidas.
Mas tudo isso era uma farça. Sorrindoá flor. Machinalmente sentei-me a escrever;
Logo depois Armando apparecôra na ao terminar, liquei surpreza !
JULIETA MONTEIRO. lluvia cscripto uns versos longos
alcova com um ar de louco, olhos bri­
lhantes e labios tremulos. cheios de sent inmuto, de tristeza e
— Mereèdes, Mercôdes disse elle, A confissão de um amor que se partilha, é expontaniedade.
caindo de joelhos aos meus pés, beijan­ um raio de luz que traz um novo dia a nossas A virgem da poesia dera-m e, o os­
do-me as mãos, implorando o meu idéas, um encanto desconhecido que se espa­ culo da inspiração e a natureza e o
amor e seguraudo-me pela cintura. amor, lizeram-ine entrar no gremio d’
lha sobre tudo que nos cerca ; os objectos se esses loucos que escrevem o que sen­
— Eu afastei-m e, impelliudo-o para tranformam a nossos olhos, tornando-se mais tem, sem ;amais convencerem os pro­
longe. . . risonhos e mais am aveis: em uma palavra, fanos que seja verdade o que sentem
__ E elle cada vez mais possesso de quando sabemos que somos amadas, vemos a porque o escrevem ! .. ..
am or, envolvia-m e nos seus braços cada instante a natureza embelezar-se ao redor
que eram então terríveis serpentes se­ de nós. Ι θνβζ Sabino de P inho M a u .

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