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ÍNDICE:
Observações 7
Apresentação 8
Prefácio 9
ANO LITÚRGICO
ADVENTO
I SEMANA DO ADVENTO 14
II SEMANA DO ADVENTO 20
III SEMANA DO ADVENTO 26
IV SEMANA DO ADVENTO 32
VÉSPERA DE NATAL 38
NATAL 39
OITAVA DE NATAL
FESTA DE SANTO ESTEVÃO 40
FESTA DE SÃO JOÃO EVANGELISTA 40
FESTA DOS SANTOS INOCENTES 41
FESTA DA CIRCUNCISÃO 44
FESTA DA EPIFANIA 48
TEMPO COMUM (I PARTE)
II SEMANA 60
III SEMANA 66
IV SEMANA 73
V SEMANA 78
VI SEMANA 84
VII SEMANA 90
VIII SEMANA 96
IX SEMANA 102
3
QUARESMA
QUARTA-FEIRA DE CINZAS 104
I SEMANA 107
II SEMANA 113
III SEMANA 118
IV SEMANA 124
DOMINGO DA PAIXÃO 130
DOMINGO DE RAMOS 136
SEMANA SANTA
QUINTA-FEIRA SANTA 139
SEXTA-FEIRA SANTA 140
SÁBADO DE ALELUIA 141
DOMINGO DE PÁSCOA 142
TEMPO PASCAL
DOMINGO IN ALBIS 148
II SEMANA 154
III SEMANA 161
IV SEMANA 166
V SEMANA 170
QUINTA-FEIRA ASCENSÃO DO SENHOR 173
PENTECOSTES 179
TEMPO COMUM (II PARTE)
X SEMANA 180
SANTÍSSIMA TRINDADE 184
XI SEMANA DO TEMPO COMUM 185
QUINTA-FEIRA SANTÍSSIMO SACRAMENTO 187
XII SEMANA TO TEMPO COMUM 190
FESTA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 194
4
XIII SEMANA DO TEMPO COMUM 196
XIV SEMANA 202
XV SEMANA 207
XVI SEMANA 213
XVII SEMANA 219
XVIII SEMANA 225
XIX SEMANA 231
XX SEMANA 236
XXI SEMANA 242
XXII SEMANA 248
XXIII SEMANA 253
XXIV SEMANA 259
XXV SEMANA 264
XXVI SEMANA 270
XXVII SEMANA 276
XXVIII SEMANA 282
XXIX SEMANA 287
XXX SEMANA 293
XXXI SEMANA 298
XXXII SEMANA 304
XXXIII SEMANA 310
XXXIV SEMANA 316
PRÓPRIO DOS SANTOS
APRESENTAÇÃO DE JESUS NO TEMPLO 322
SÃO JOSÉ 323
ANUNCIAÇÃO DA SANTÍSSIMA VIRGEM 323
SÃO JOÃO BATISTA 324
SÃO PEDRO E SÃO PAULO 325
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VISITAÇÃO DE NOSSA SENHORA 326
ASSUNÇÃO DA SANTÍSSIMA VIRGEM 327
NATIVIDADE DE NOSSA SENHORA 328
SANTOS ANJOS DA GUARDA 329
FESTA DE TODOS OS SANTOS 330
COMEMORAÇÃO DOS FIÉIS DEFUNTOS 330
APRESENTAÇÃO DA SANTÍSSIMA VIRGEM 331
IMACULADA CONCEIÇÃO DE MARIA 332
CORAÇÃO IMACULADO DE MARIA 333
6
Observações
O revisor.
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Apresentação
8
PREFÁCIO
9
aspirações e elevações de nossa alma que nos dirigimos a
Deus. "Non pedibus sed afíectibus", diz santo Agostinho. Seria
necessário expor as vantagens de um exercício que nos
aproxima sempre mais do foco do eterno amor?
Se, das relações com as pessoas sensatas, resulta um
aperfeiçoamento do nosso proceder; se, do entretenimento
com os sábios, nos tornamos mais cultos; quanto proveito não
havemos de tirar desses íntimos colóquios com o Deus das
virtudes, nestas comunicações com o céu? Não é tanto pelo
ensino, como pela prática e pelo exercício, que a alma se inicia
nestes suaves mistérios. É, contudo, salutar seguir os avisos
de guias experimentados. São todos unânimes em nos
aconselhar a prepararmos a ascensão do nosso coração, pela
aplicação do pensamento nos exercícios da meditação. Para
se acender o fogo, deve-se primeiramente juntar a madeira, a
resina, o combustível que irá alimentar a chama. O alimento da
meditação são os atos da vida e da morte de nosso Senhor
Jesus Cristo, são as emocionantes passagens de sua Paixão
ou ainda as vivificadoras palavras consignadas na Escritura. A
não ser que uma alma, favorecida por graça especial, se eleve
espontaneamente aos cumes do amor, a criatura deve procurar
e seguir fielmente um método de oração adaptado a suas
disposições particulares e necessidades íntimas.
Santa Teresa, santo Inácio, são Francisco de Sales e
outros diretores eminentes, explicaram esses santos métodos.
Uns visam principalmente o espírito, outros diretamente o
coração, e ainda outros combinam os diversos processos; mas
todos recomendam deixar às almas humildes uma grande
liberdade em suas comunicações com Deus.
Não é preciso arte para regular o amor. Há, contudo,
conselhos que variam para os principiantes, para os mais
adiantados e ainda para os que já atingiram maior perfeição. O
método mais fácil consiste em ler algum ponto em livro
autorizado, e em seguida refletir sobre as verdades expostas,
digeri-las, por assim dizer, assimilar a substância nutritiva e
retirar a verdade que deverá ser aplicada à vida prática. Para
esta espécie de meditação, é preciso ler pouco e bem.
Assim como a pomba que pousa à margem do riacho para
sorver algumas gotas e, depois, reabrindo suas asas, desfere o
voo para as nuvens, a alma contemplativa toma as migalhas da
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palavra de Deus e, depois de revigorar suas forças, estende as
asas dos seus bons desejos e remonta aos céus.
Os espíritos fortes aproveitam mais neste exercício
espiritual; encaram de um modo mais real o mistério que
desejam meditar; abrangem, ao princípio, as considerações
gerais, convergem depois a aplicação sobre si e daí retiram as
conclusões práticas.
Este sistema de meditação tem a vantagem de ocupar
todas as faculdades espirituais, pois que, enquanto a memória
se fixa e o entendimento reflete, os pensamentos santos se
formam e tomam vigor.
Santa Teresa compara estes métodos de orações a
andaimes sobre os quais a alma se eleva a uma certa altura. É
evidente que uma alma, atingindo as culminâncias da união
com Deus, conseguindo expandir-se em atos inflamados de fé,
esperança e amor, não deve se deter no pedestal, não
necessita mais descer ao pé da escada, para metodicamente
galgar os degraus.
Parece que nosso Senhor reservou a si mesmo o ensino
da oração. É a ele que se dirige o chefe dos apóstolos para
obter esta sagrada ciência. "Domine, doce nos orare. Senhor,
ensinai-nos a orar". Ouçamos a lição do divino Mestre:
"Quando orardes, entrai em vossa cela, fechai a porta e orai a
vosso Pai em segredo; e vosso Pai, que vê o que é oculto, vos
atenderá". A cela de que aqui se trata é o nosso coração. —
"Meu reino está dentro de vós", diz Jesus Cristo. — É aí que
Deus reside, nos fala, nos ouve e nos responde; aí é que ama-
mos e que somos amados. A Escritura nos revela que ele se
delicia entre os filhos dos homens. Mas, para tornar o coração
sensível a esses sublimes contatos, é necessário recolhimento,
calma, silêncio. É preciso que permaneçam fechadas as portas
dos sentidos, sob a guarda de uma vigilância atenta, a fim de
impedir que os rumores externos venham perturbar a
solenidade interior. Nesse pacífico abandono, pouco se fala;
contempla-se, goza-se, saboreia-se o dom de Deus; e a alma,
emocionada, expande-se com a singeleza de uma criança.
Como vibra ao mínimo sopro a corda musical, assim responde
a alma à ação do Espírito Santo e exclama, com amor: Abba,
Pater! Benditas as almas que, em troco de humilde fidelidade,
chegam à experiência destes profundos sentimentos de amor
de Deus, seu Pai! Desfrutam já neste mundo as primícias da
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futura alegria, exclamando com Davi: "Que haverá para mim no
céu e que poderia pedir à terra, senão vós, ó Senhor, que sois
o Deus do meu coração e minha partilha na eternidade?" É
Jesus Cristo que, cumulando-nos do seu espírito e dos seus
sentimentos, nos ensina a divina oração, em que damos ao
Deus Altíssimo o nome de Pai!
Chamamo-lo: nosso Pai, para dilatar a alma na caridade,
ao mesmo tempo que ela aumenta no amor. Ele nos move a
pedir que o nome deste Pai todo poderoso seja para sempre
glorificado — que o seu reino se estabeleça em nós e fora de
nós — que sua vontade — expressão de sua sabedoria, de sua
providência, de sua terna solicitude — seja feita na terra como
no céu. Então, depois de prestar ao Autor de todo o bem as
adorações a ele devidas, imploramos para nós a graça que nos
é necessária quotidianamente e, como muito recebemos,
prometemos dar muito, tudo perdoar; derramamos sobre o
nosso próximo a misericórdia que nos foi oferecida; pedimos,
enfim, o auxílio contra a tentação, suplicando a nosso Pai
celeste terminar em nós a obra da Redenção, livrando-nos de
todo o mal.
Tal é a oração divina, a oração-mater, de onde provêm
todas as filiações da oração; ela resume em si todos os outros
objetos de oração e cada uma de duas palavras contém
aplicações infindas. Enquanto, pois, outros assuntos de
meditação deixam a alma em completa aridez; quando esta aí
não encontra nem a luz, nem o alimento precisos, deve-se
então recorrer assiduamente à meditação sobre a oração
dominical. Quando mesmo as curtas meditações propostas
neste livro não tivessem a prerrogativa de vivificar a nossa
oração, trariam pelo menos a preciosa vantagem de nos unir
quotidianamente ao espírito da Igreja e às lições evangélicas
lidas no altar.
Consagrando-lhes alguns instantes à noite, estas palavras
germinariam durante o sono, como grãos de luz, e nosso
primeiro pensamento, ao despertar, pela manhã, seria bom e
santo.
As disposições de nossa alma nos primeiros momentos da
manhã influem sobre todos os atos do dia, e imprimem um feliz
impulso ao tempo decorrente.
É no seio de Deus que devemos sorver a água viva que se
derrama como uma benção sobre as obras e atividades diárias.
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Esperamos que nada de inexato nos haja escapado no
decurso destas páginas. Mas cumpriremos um dever de
consciência, submetendo-o, como todos os escritos nossos, ao
julgamento infalível da Santa Sé, não querendo e não podendo
ensinar na Igreja, senão aquilo que a Igreja nos ensinou.
O Autor
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MIGALHAS EVANGÉLICAS
I DOMINGO DO ADVENTO
Predição do Juízo Final
I — O santo tempo do Advento, que recorda a primeira
vinda do Messias, abre-se na Igreja pelo solene anúncio do
segundo advento de Jesus Cristo. Assim, ao principiar o ano
eclesiástico, o Espírito de Deus aponta-nos o fim dos séculos,
para que encaremos seriamente os nossos últimos destinos.
É por isto que a Igreja desperta em nossa consciência o
temor dos juízos de Deus. Sua intenção é dispor-nos a melhor
interpretação da lei do amor, mostrando-nos as terríveis
consequências da lei da justiça. O preceito do juízo que nos
ameaça leva-nos a recorrer à misericórdia que nos é oferecida.
Então a confiança sucede ao temor e o amor afasta o receio.
II — Consideremos os dois julgamentos sucessivos que
todos os homens terão de sofrer: o primeiro — no momento da
partida deste mundo; o segundo — no dia em que o próprio
mundo será condenado. No juízo particular, a alma chegará só,
tremendo, perante Deus; no juízo universal a sentença divina
será promulgada diante de todas as gerações humanas.
Propriamente falando, estes dois juízos se resumem em
um; sendo o segundo apenas a revelação solene e geral do
primeiro. Se, contudo, o dia do juízo final nos parecer assaz
distante, encaremos, ao menos, conscienciosa e atentamente,
o julgamento particular que está bem próximo de nós e que
fixará para sempre nosso lugar entre os bem-aventurados ou
entre os perversos. Entremos piedosamente no espírito da
Igreja e com ardor peçamos a vinda do reino de Jesus Cristo,
para não termos os rigores da sua justiça.
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no meio das chamas e à sua aparência os ímpios secarão
como a palha, sem conservar nem germe nem raiz".
Compenetremo-nos profundamente destas grandes
verdades consignadas na Escritura, para nos excitar à
contrição e preparar os frutos de salutar penitência.
II — Por que se mostram os homens tão pouco im-
pressionados com o anúncio do último dia? — É que,
preocupados com as coisas terrenas e distraídos pelas
seduções do mundo, não ouvem os avisos de Deus ou ainda
os afastam de seus pensamentos, como se as ameaças nunca
houvessem de ser realizadas. Os apóstolos nos exortam, no
entanto, a conservarmo-nos alertas e o próprio Senhor adverte:
"Vigiai e orai, porque não sabeis nem o dia nem a hora". Esse
dia surgirá subitamente como um relâmpago que ilumina o
oriente e o ocidente. Será então, diz o Evangelho, como no
tempo do dilúvio, em que os homens caíram, inesperadamente,
na perdição, enquanto se entregavam aos divertimentos do
mundo. Reajamos contra esta fatal despreocupação e, já que
não conhecemos o dia nem a hora, vivamos como os primeiros
cristãos, aguardando piedosamente o advento de Jesus Cristo,
na feliz expectativa de contemplar a sua glória.
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cataclismos do mundo não excitarem em nós uma vigilância
maior, receemos, pelo menos, expor-nos às surpresas da
morte. Porque é uma verdade certa: todo homem aparecerá
diante de Deus, no estado em que se achar na última hora, e
esta hora suprema é ordinariamente o resumo da própria vida.
Morre-se como se viveu. A melhor preparação para uma santa
morte é, por conseguinte, uma vida cristã.
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Ó minha alma! se partilhares aqui as humilhações e os
sofrimentos da cruz, participarás também de seus inefáveis
triunfos!
17
SEXTA-FEIRA DA I SEMANA DO ADVENTO
"Considerai a figueira e as outras árvores" (Lc 21, 29).
I — O divino Mestre se compraz frequentemente em nos
mostrar, nos fenômenos da natureza, os misteriosos
ensinamentos que concordam com a sua palavra e com os
pressentimentos do nosso próprio coração. É que o mundo
visível é apenas um reflexo do mundo invisível e, sob este
ponto de vista, apresenta-nos ele as mesmas verdades que
revelam as Sagradas Escrituras e as luzes da nossa
consciência. A natureza, o coração humano e a Bíblia, são três
livros que em graus diversos exprimem a mesma linguagem.
Todos três, como tríplice eco da Verdade eterna, revelam ao
universo ás maravilhas de Deus, publicam as leis da vida
presente e as condições do futuro destino; narram a história do
homem, profetizam sua grandeza e sua nobre imortalidade;
entoam o cântico da justiça e da misericórdia de Deus. Estes
três livros se explicam e se completam mutuamente; são como
as três notas predominantes que constituem o acorde perfeito
das verdades reveladas. Peçamos ao Senhor a graça de
compreender e falar as coisas da eternidade.
II — Segundo a interpretação de são Bernardo, é a figueira
o símbolo do povo de Israel: "Produziu figos selvagens", diz o
Cântico dos Cânticos (Cap. 1°). "Vi seus pais como os
primeiros figos que aparecem nos mais altos ramos das
árvores" — assim se exprime o profeta Oseias (9, 10). Jesus
Cristo se serve da mesma figura em suas divinas parábolas:
"Um homem havia plantado uma figueira no meio do seu
campo". Em outra ocasião disse ele a Natanael: "Eu te vi
quando estavas debaixo da figueira". Em outra vez, Jesus
amaldiçoou a figueira por não haver dado frutos. E eis que a
analogia desta árvore misteriosa reaparece ainda entre os
sinais precursores do segundo advento. Anunciaria o despertar
da árvore seca, a volta de uma primavera de graças e de luz?
Indicariam suas folhas, ao retornar à vida, as primícias da volta
de Israel? É o que o profeta Isaías anuncia formalmente: "Um
dia as raízes de Jacó reanimar-se-ão com vigor; Israel
reflorescerá e encherá de frutos toda a superfície da terra" (27,
6). Em vista desta promessa que a Igreja repete após todos os
profetas, exclamaremos com o Eclesiástico: "Senhor, abreviai
os tempos, apressai o fim; reuni as tribos de Israel!".
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Quão feliz é a vocação daqueles que são chamados a
contribuir por seus labores, seus sacrifícios e suas preces ao
cumprimento dessas grandes esperanças!
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II DOMINGO DO ADVENTO
"João, ao ouvir, em sua prisão, as obras maravilhosas de
Cristo, enviou-lhe dois de seus discípulos" (Mt 11, 2).
I — Nestes dias de expectativa e de preparação, a Igreja
nos recorda os diversos testemunhos prestados por são João
ao Messias, a fim de nos demonstrar que as profecias do
Antigo Testamento se cumpriram em Jesus Cristo. Ao
testemunho de sua palavra, o santo Precursor alia o
testemunho do seu exemplo. Não se receia dos perigos que o
ameaçam, nem das contradições que se opõem, contanto que
Jesus Cristo seja anunciado, conhecido e amado. Conserva-se
calmo e paciente em suas cadeias, e sua fé se eleva acima de
todas as apreensões. Essa calma profunda, essa tranquilidade
constante, entre privações crudelíssimas, é efetivamente um
dos sinais mais evidentes da firmeza da fé cristã. Seguindo o
exemplo de são João Batista, suportemos dignamente as
aflições da vida presente e entreguemos a Deus o passado e o
futuro.
II — Consideremos o zelo de são João Batista, que, bem
longe de esmorecer em meio às contradições e aflições,
aumenta ainda de força na sua prisão, como o fogo que,
quanto mais comprimido, tanto mais vivo e ardente se torna.
Algemado, não pode ir a Jesus, mas envia-lhe seus discípulos.
Concede de bom grado a outros o consolo de que é privado.
Modelo de conduta para nós que nunca nos devemos abater
quando Deus nos experimenta, mas ainda nos aplicarmos a
consolar os outros, mesmo quando a nossa partilha forem só
cruzes e privações.
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com Deus: precisamos de Jesus Cristo, o único libertador dos
homens. É ele o prometido desde o começo dos séculos, a
quem o mundo não cessou de esperar. Só ele, nem outro mais,
é que deveria vir para nos libertar do jugo de satanás. E ele
veio no tempo marcado, dando-nos de novo a luz e a vida. É a
ele, portanto, que devemos irrevogavelmente nos unir, sem nos
deixar desviar por nenhuma criatura, sem que nos detenham
razões humanas ou considerações terrestres. Nada prevaleça
sobre a obrigação absoluta de seguir a Jesus Cristo.
Renovemos-lhe do fundo do nosso coração o dom de toda
a nossa vida.
II — O exemplo de são João Batista, enviando seus
discípulos a Jesus, deve servir de regra aos pais e a todos que
instruem ou dirigem almas. Ai dos que, por interesse
mercenário ou para satisfazer uma vaidade oculta, ou ainda
para obedecer a um impulso do amor próprio, trouxerem
presas em suas armadilhas as almas que deviam formar para
Jesus Cristo! Jesus é o Esposo, o Deus zeloso, o único Senhor
e Mestre, o foco único para onde deve convergir todo o amor.
Colocar outro em seu lugar é adorar a criatura, renovar as
corrupções da idolatria, é destruir a ordem da criação. Por con-
seguinte, o amor filial, bem como o amor fraterno, só é legítimo,
salutar e sagrado, quando tem por princípio e por fim: Jesus
Cristo, o Deus do amor. É em Jesus Cristo que os laços de
amizade se purificam, consolidam e se perpetuam na
eternidade.
Meditemos a conduta de são João e a dos seus discípulos.
Estes não violam os direitos de Jesus Cristo pelo amor que
dedicam ao santo Precursor; João não usurpa os títulos de
Jesus Cristo pelo amor que o une aos próprios discípulos. O
mútuo amor que se dedicam só tem por fim Jesus Cristo.
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goza de modo inefável as realidades que principiara por admitir
e adquire a evidência com uma clareza que aumenta cada vez
mais; como um cego de nascimento que pede a cura, por ter
acreditado na luz antes de tê-la visto e, após seu
restabelecimento, contempla com seus próprios olhos o que
fora antes o objeto de sua crença. Assim a fé, por muito tempo
obscura, justifica-se pela consideração de suas obras e de
seus frutos. "Provai e vede", diz o salmista. A palavra provada
por um coração humilde torna-se fecunda e luminosa na vida
prática.
II — Nosso divino Modelo revelou-se por suas palavras e
suas ações; será igualmente por estes dois modos que
faremos conhecer o que somos. Mas se nossas palavras
devem ser sempre a expressão simples da verdade, será mais
ainda com nossos atos que mostraremos o que somos, pois,
conforme as nossas obras, seremos julgados. Lembremo-nos,
portanto, que as testemunhas de nossa vida dirão de nós o que
viram e ouviram, e procedamos de maneira que a visita de
Deus, que tudo vê, e o ouvido que tudo escuta, encontrem em
nossa vida interior, bem como na exterior, os traços pelos quais
são reconhecidos os verdadeiros discípulos de Jesus Cristo.
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coração e o coração empedernido pelo orgulho torna-se
inacessível à graça.
II — Os milagres de Jesus Cristo possuem outra si-
gnificação. Segundo a opinião de santo Agostinho, são os
sinais visíveis das operações análogas que o Senhor faz nas
almas. Os prodígios perpetuam-se ininterruptamente através
dos séculos. As graças de salvação não cessam: propagam-se
pelos sacramentos e por diversos modos, segundo a natureza
das enfermidades espirituais. O sacerdócio católico reproduz
incessantemente as obras de Jesus Cristo; por menos que
atentemos nos fatos deslumbrantes, desenrolados sob nossa
vista, havemos de notar com admiração que os cegos
readquirem a visão, os surdos ouvem a palavra de Deus, a
lepra do pecado desaparece, os mortos revivem, os pobres de
espírito adquirem tesouros de ciência e de luz.
Não nos detenhamos a admirar estas maravilhas.
Saibamos aproveitar-nos delas, quando gemermos sob o peso
de qualquer enfermidade, dirijamo-nos confiantes a Jesus
Cristo, o Médico divino de nossas almas.
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significação é de mais sublime alcance. Seria inútil des-
prezarmos os bens terrestres, se não renunciássemos à
importância que damos aos nossos pensamentos, à nossa
opinião, às riquezas do nosso talento. Os verdadeiros
discípulos, depois de tudo abandonarem, devem renunciar-se a
si próprios; e, tudo entregando a Deus, nele encontram o
cêntuplo. Sob este ponto de vista, é a pobreza condição
essencial para a perfeição evangélica; é o pedestal da
verdadeira grandeza e o penhor da futura bem-aventurança.
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Eis o que a consola e esclarece; e, feliz em viver para
aquele que lhe deu o ser, nunca se lastima, nunca perde a
confiança e a energia, persevera em meio às provações
interiores e exteriores, porque sabe que tudo contribui para a
santificação e para a felicidade dos que amam a Deus.
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III DOMINGO DO ADVENTO
"Os judeus de Jerusalém enviaram a são João sacerdotes
e levitas" (Jo 1, 19).
I — A embaixada de Jerusalém demonstra, ao mesmo
tempo, a grandeza e a humildade de são João Batista. Sua
grandeza — pois que os povos o tomam por um dos antigos
profetas, cuja vida fora um desenrolar de prodígios; e até pelo
Messias, isto é, pelo Santo dos santos, por aquele que era a
esperança dos patriarcas e a promessa de Israel. Quanto mais
cresce, porém, no espírito dos homens, mais foge o precursor
às suas homenagens. Assim como a estrela d'alva desaparece
no firmamento ante a luz do sol, rei dos astros, são João
eclipsa-se inteiramente na ocasião em que se manifesta ao
mundo o Sol da Justiça — Jesus Cristo. Sua resposta aos
judeus é a simples expressão da humildade; não faz prevalecer
nenhuma de suas prerrogativas, não fala nem de seu
nascimento ilustre, nem de sua missão de profeta, nem do
título de anjo que a sagrada Escritura lhe outorga: diz o que
não é, mas não diz o que é. Eis como devemos agir, como
devemos falar de nós.
II — A humilde atitude de são João ante a legação dos
judeus apresenta-nos a ocasião de observar os movimentos
opostos da humildade e da vaidade. Enquanto a vaidade se
atribui méritos que não possui, a humildade não se prevalece
dos que pode possuir; e tanto se empenha esta em ocultar
seus predicados, quanto se esmera a vaidade em subtilmente
fazê-los realçar e enaltecer. Há a vaidade que se prende às
próprias virtudes, qual peçonhentos insetos que infectam as
mais belas flores. Nada mais pérfido do que tais ilusões em
matéria de religião. Ora, a vaidade que foge às advertências e
se desvanece com os elogios, acaba infalivelmente na
confusão, pois não pode perdurar a glória que se dão
reciprocamente os homens. A humildade, pelo contrário, é o
santo aniquilamento que purifica a alma e a induz a se elevar
até aos esplendores de Deus.
Acautelemo-nos para nunca seguir os impulsos do amor
próprio e, como João Batista, atendamos unicamente às
inspirações da santa humildade.
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SEGUNDA-FEIRA DA III SEMANA DO ADVENTO
"Perguntaram-lhe eles: Quem és tu?"
I — Coloquemo-nos em espírito na situação em que se
encontra são João Batista e suponhamos que nos venham
perguntar: Quem sois? Que dizeis de vós mesmo? Se esta
pergunta nos fosse formulada com autoridade, qual seria nossa
resposta? Confessaríamos simplesmente o que nos falta ser?
Ou responderíamos de maneira engenhosa, a fim de fazer crer
a outros ser justo o bom conceito em que nos têm? Seria bem
pouco protestar não sermos possuidores dos méritos a nós
atribuídos, se dissimulássemos os nossos defeitos, as
fraquezas que as aparências não acusam. Como são raras as
almas que, seguindo o exemplo do Precursor, se empenham
mais em fazer conhecer o que as humilha, do que aquilo que
as eleva!
Se não temos o ânimo de expor o lado defeituoso da nossa
vida, levemos, todavia, essa humilde sinceridade ao tribunal da
penitência. Não raro a vaidade espiritual induz até a provocar
elogios justamente naquilo que somente deveria
produzir uma humilhação salutar.
II — "Quem és tu?" Devem todos responder com são João:
De mim nada sou; tudo que sou, tudo que possuo, vem
daquele que me deu o ser. É dele que procedem todas as
graças da ordem natural e da ordem sobrenatural. "Que
possuis que não tenhais recebido? E se recebestes, por que
vos gloriais como se nada houvésseis recebido?" (1 Cr 4, 7).
Dizem que satanás não permaneceu na justiça e na verdade,
por ter sido o primeiro a recusar sua homenagem ao Autor da
vida. Aqueles que, seguindo o exemplo do príncipe do orgulho,
atribuem a si os dons do alto, para deles se vangloriar, co-
metem um roubo e uma depravação. A verdadeira humildade
atribui tudo a Deus, somente ela permanece na justiça e na
verdade. "Dizei às criaturas, exclama santo Agostinho, que se
elas possuem algum encanto, algum atrativo, alguma qualidade
amável, receberam estes predicados daquele que é mais belo,
melhor, mais atraente do que elas, e, por conseguinte, mais
amável e mais digno de ser amado...".
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TERÇA-FEIRA DA III SEMANA DO ADVENTO
"Sou a voz que clama no deserto"
I — Eis a resposta de são João Batista aos delegados de
Jerusalém; e nada mais acrescentou. Ele se tem como um leve
sopro, como um som que de si mesmo não passa de um vão
ruído, como voz que transmite a palavra; mas esta voz, este
som, este sopro, era animado do espírito de Deus. João Batista
tinha razão, portanto, em se considerar unicamente como uma
voz, porque a voz não pode atribuir a si a verdade da qual é
mediadoras, assim como a pena não pode atribuir a si o
pensamento de que é instrumento; assim como o pincel não se
atribui a harmonia das cores. O homem nunca é proprietário e
ainda menos o autor dos dons de Deus; é apenas o
usufrutuário, e seu único mérito consiste em bem empregá-los
para a glória daquele que lhos confiou. A verdadeira humildade
não nega os dons de Deus, mas também deles não se
envaidece; não recusa os talentos, mas deles se utiliza em
proveito daquele de quem emanam.
Compreendamos que a humildade é a condição da in-
tegridade que devemos ter no serviço de Deus.
II — À imitação dos instrumentos sonoros que modulam e
diversificam as entoações da música, é necessário que os
mediadoras do Espírito Santo sejam puros e vazios de si
mesmos, a fim de transmitir sem alteração as graças que
propagam. Toda criatura tem a missão de fazer o bem; mas
aquelas que são particularmente consagradas ao serviço de
Deus têm vocação mais ou menos análoga à de são João
Batista. Anunciar Jesus Cristo, fazê-lo conhecido e amado,
salvar as almas, elevá-las e edificá-las, eis o mais nobre de
todos os ministérios. Mas, para dignamente exercê-lo, não é
suficiente a palavra, é preciso obras e a vida inteira deve ser
uma prédica. Seja no falar, no agir, ou no sofrer, em tudo que
fizerdes, deixai agir o espírito de Deus, para que através a
transparência da vossa vida se reconheça Jesus Cristo. É a
grande recomendação do Evangelho: "Que vossa luz brilhe
ante os homens; que eles vejam vossas obras, a fim de
glorificarem vosso Pai que está no céu".
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QUARTA-FEIRA DA III SEMANA DO ADVENTO
"Por que batizas, se não és o Cristo, nem Elias, nem o
profeta?"
I — Sabiam perfeitamente os judeus que à vinda do
Messias haveria um novo batismo; os profetas haviam predito
este mistério. "Nesse dia, diz Zacarias, uma fonte brotará na
casa de Davi para lavar-se aí o pecador" (13, 1). — Mas, cegos
pela presunção, não entendiam que o batismo de João era
apenas a preparação para o batismo de Jesus Cristo. Não
admitiam que o verdadeiro batismo fosse a aplicação do
sangue e dos méritos da divina Vítima. O batismo de são João
figurava a graça, mas não a conferia; preparava os corações,
mas não os purificava.
Nós, que fomos regenerados pelo batismo de Jesus Cristo,
usemos com dignidade o título de cristãos; provemos por uma
vida santa e celestial que nos tornamos novos homens.
II — Os judeus, repreendendo João por batizar, sem ser
nem o Cristo, nem Elias, nem profeta, oferecem-nos ocasião de
observar que, desde a imolação de Jesus Cristo, a missão de
conferir o batismo foi generalizada. O Salvador do mundo quis
facilitar a difusão da graça da regeneração das almas; mas
esta divina dádiva em nada altera a santidade do sacramento.
O batismo do precursor era uma cerimônia figurativa da qual
dependia a obrigação de uma vida de reparação e de pe-
nitência; mas o batismo de Jesus Cristo é um ato real e
substancial que purifica a alma de todas as suas faltas, a
desliga de todas as suas dívidas, a une como um ramo
degenerado à árvore da vida, e a torna fecunda em frutos de
bênçãos.
Ó cristãos, quão grande é vossa dignidade! Participais, de
um certo modo, da própria natureza divina; sois herdeiros de
Deus, co-herdeiros de Jesus Cristo. "Sede, portanto, imitadores
de Deus!" — exclama o grande apóstolo: "Imitatores Dei
estote!".
29
luz indescritível. Ele nos dá o movimento, o ar e a vida. A
atmosfera que respiramos, e dentro da qual nos movemos,
pode nos oferecer uma outra imagem dessa presença; aí
haurimos o elemento vital que está, ao mesmo tempo, dentro e
fora de nós. É assim que nossa vida se alimenta e conserva
por suas comunicações incessantes com Deus, fonte única de
tudo quanto existe. Mas, além da presença universal da di-
vindade, o Filho de Deus, assumindo a nossa natureza,
aproximou-se de nós de uma maneira mais íntima: vive na
Igreja, que é seu corpo, reside em nossos tabernáculos; age
pelos sacramentos, habita substancialmente em nós por sua
graça e seu amor. "O reino de Deus está dentro de vós —
disse Jesus Cristo. Eu estou em vós e vós estais em mim".
Recolhamo-nos ao mais profundo da nossa alma para aí
adorarmos nosso Deus, em espírito e em verdade.
II — Se contemplarmos com admiração a presença de
Deus na marcha regular das constelações celestes, quão mais
admiravelmente se revela esta divina presença na assembleia
das almas cristãs aplicadas unanimemente em satisfazer ao
Deus que servem com amor! O pensamento de que o Senhor
nos vê, nos ouve e nos protege, faz nascer em nós um
profundo sentimento de paz e de confiança. Este pensamento
sustenta principalmente a oração: ela brota com mais
frequência e fervor quando se sabe que, perto do coração que
sofre, está aquele que atende. É, por conseguinte, para
reanimar a piedade que são João Batista lembra ao povo a
presença do Salvador, presença tão frequentemente esquecida
ou ignorada. O próprio Jesus nos dirige esta palavra
consoladora: "Onde diversas pessoas se reunirem em meu
nome, aí estarei no meio delas".
30
conservarmos a preferência e o primeiro lugar. E, em geral,
comparamo-nos de melhor grado aos que nos são inferiores,
do que aos que estão acima de nós, a fim de pôr em relevo
nossa distinção e, por assim dizer, justificar a nossa própria
estima. Folga são João, pelo contrário, com o último lugar aos
pés de Jesus. Imitemos sua humildade, olhando sempre os que
são mais santos, mais hábeis, mais ilustrados e mais perfeitos
do que nós.
II — Se são João Batista não se achava digno de desatar
as sandálias de Jesus, que deveremos sentir a respeito da
mais modesta prática no serviço de Deus? Nosso Senhor vive
em seus membros; vive particularmente nos pobres e
considera como feito a ele mesmo o bem que se faz ao menor
de seus filhos. Haverá, então, na casa do Senhor, ofício que
não seja glorioso, por vil que pareça aos olhos do mundo? Para
nos impregnarmos da humildade de são João Batista, devemos
reputar-nos tão ínfimos que a todos reconheceremos acima de
nós.
Realmente, se em nós predominasse o sentimento de
nossa fraqueza, nunca teríamos a tentação da nos lastimar,
quer dos trabalhos, quer dos nossos superiores, nem
ousaríamos mesmo supor haver na terra algo que de nós fosse
indigno ou a nós inferior. De modo que, embora fôssemos
colocados pela Providência acima dos outros,
permaneceríamos pequenos diante de Deus, utilizando-nos de
nossa posição proeminente apenas para, em maior amplitude,
exercermos a abnegação e a caridade.
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favor junto ao trono da graça; é ela a medianeira pela qual
Deus vem a nós e pela qual nossa alma sobe até ele.
Lembremo-nos, portanto, em todas as circunstâncias da
nossa vida, que Maria não está longe de nós.
II — Diz-nos o Evangelho: "Onde estiver o Mestre aí
estarão os discípulos". Com mais razão ainda cabem estas
palavras a Maria, mãe dos discípulos e do Mestre. Desde que
Jesus permanecerá conosco até à consumação dos séculos,
Maria também estará conosco em todos os momentos de
nossa vida. Poderá um coração de mãe viver distante de seus
filhos? É verdade que não podemos vê-la; mas o nosso
coração sente que está perto dos que a invocam e, quanto
maior é a nossa confiança, tanto mais vivo e manifesto se torna
este sentimento. Viver sob o seu olhar maternal, testemunhar-
lhe constantemente nossa sujeição, corresponder com humilde
fidelidade à graça da qual é ela o canal; aprender em sua
escola a doçura, a modéstia e a abnegação de nós mesmos,
trabalhar e honrar com ela a Deus, edificar o nosso próximo;
tais são os frutos evangélicos que produz a convicção da
presença de Maria.
IV DOMINGO DO ADVENTO
"Preparai os caminhos do Senhor" (Lc 3, 4).
I — A preparação do caminho do Senhor consiste nas
disposições com as quais nossa boa vontade corresponde à
vontade de Deus. Ora, Deus quer salvar nossa alma e para
esse fim desce até nós. Ele nos traz a graça, a luz e todos os
meios de santificação. Faz-se homem para ao homem servir de
modelo. E, ao mesmo tempo que nos traça as normas de uma
vida santa, dá-nos forças divinas para cumpri-las. Da parte de
Deus, a medida dos dons é completa, mas o homem é livre de
se aproveitar deles; e deles não se utiliza senão conforme a
preparação de sua vontade e a cooperação fiel à graça.
Invoquemos Maria, invoquemos João Batista e peçamos ao
Espírito Santo para excitar nossa vontade, a fim de que esta se
aplique em realizar os desígnios da Providência.
II — Para concorrer aos atos da misericórdia divina, é
necessário oferecer a Deus a nossa boa vontade, primeira
condição de verdadeira penitência; porque a penitência
pregada por João tem por único objetivo tornar nossa vontade
simples e reta diante do Senhor. Somos o que somos pela
32
vontade; é por ela que nos afastamos do mal para nos
apegarmos ao bem; é pela vontade que derrubamos a
montanha do orgulho e da vaidade, que preenchemos o vale
de uma vida inútil, que concertamos os caminhos de nossos
pensamentos errôneos, que extirpamos os defeitos de um
caráter desigual e teimoso. É insuficiente almejar o fim, urge
querer os meios que a ele conduzem.
Saibamos, portanto, mover nossa vontade com energia;
voltemo-la para o lado de Deus, tornemo-la boa e santa,
unindo-a à vontade divina. Somente então seremos apontados
entre os homens de boa vontade aos quais os anjos trazem a
paz do céu.
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fazei que eu vos conheça e que eu me conheça! A mim, para
sentir minha impotência, a vós, para que experimente a força
do vosso auxílio. Que me conheça para ser humilde; que vos
conheça, para vos implorar com confiança. Humildade e
confiança! Eis os atos que devemos formular sem cessar; mais
eficazes não existem para atrair as graças do céu.
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QUARTA-FEIRA DA IV SEMANA DO ADVENTO
"Colocarei uma pedra nos alicerces de Sião" (Is 28, 16).
I — Meditemos o pensamento do profeta, que compara o
Messias à pedra fundamental sobre a qual descansa o edifício
da Igreja. As almas regeneradas são as pedras vivas que
entram na estrutura deste admirável edifício e elas
permanecerão sólidas somente enquanto se apoiarem nos
alicerces. É o que fazia clamar são Bernardo: "Levanto-me
sobre a pedra, estou firme sobre a pedra, estou em segurança
sobre a pedra; e como esta pedra está no céu, minha conversa
está no céu, isto é, minha vida e minha esperança estão no
céu". É forçoso, contudo, observar, com são Gregório, que
cada uma das pedras vivas que descansam sobre a pedra
central, ampara igualmente outras pedras; e assim a Igreja,
baseada na fé, não se expande e levanta senão pela caridade.
Desde que a montanha de Sião é o símbolo dessa união cristã,
esforcemo-nos por realizar este símbolo, aperfeiçoando cada
vez mais nossa fé, nossa esperança e nossa caridade fraternal.
II — Nosso Senhor, sendo a única base do edifício dos
eleitos, é, pela mesma razão, seu princípio de santificação e a
fonte da vida que anima todas as partes da Igreja. É a fonte de
águas vivas que buscamos nos sacramentos, e o foco de todas
as virtudes evangélicas. A ele devemos admirar nos santos; a
ele devemos glorificar nas obras de caridade. Ele produz as
maravilhas dos apóstolos, a força e a constância dos mártires,
a dedicação dos confessores, a pureza das virgens. Quanto se-
ríamos poderosos e profundos, se, em vez de contarmos com a
nossa habilidade, nosso talento e nossa competência, o
deixássemos agir só!
"Aqueles que depositam sua confiança no Senhor, são
inabaláveis como a montanha de Sião" — diz o salmista. Como
Abraão, esperam contra toda esperança; triunfam pela
perseverança; dizem com os livros sacros: "In Sion firmata
sum!"
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augusto mistério que se perpetuará para sempre sobre os
nossos altares. Os templos terrestres podem desaparecer, o
tabernáculo vivo, porém, subsistirá em nossos corações. É aí
que o Deus de amor quer se deliciar. Aí se realiza a inefável
aliança com o seu Deus; aí se encontra o altar dos perfumes
sagrados; aí arde a lâmpada misteriosa que jamais se
extinguira. Somente poderão gozar e compreender as doçuras
dessa íntima união as almas recolhidas, calmas e humildes; e
somente as que fazem violência a si mesmas para se
arrancarem às seduções dos sentidos, é que pressentem as
atrações por esses êxtases divinos. A oração e a meditação
abrem os caminhos do tabernáculo interior e a perseverança aí
nos introduz.
II — O doce Emanuel está conosco, pertence-nos e está
em nós. Se está conosco, quão grande deve ser nossa
confiança! Ele nos vê, nos ouve e nos fala; ele nos protege,
dirige, ilumina e consola! Se ele nos pertence, este dom
supremo nos deve cumular de gratidão. Ele é, na realidade,
nosso pão, nosso vinho, nosso óleo, nosso maná celeste,
nosso tesouro inextinguível. Ele é nosso, sejamos todos dele;
façamos-lhe a doação integral da nossa fé, de nosso amor e de
todo o nosso coração. Ele está em nós: "Vós estais em mim e
eu em vós!", diz a Escritura. Permaneçamos, pois, em sua
dileção. É entregando-nos a Jesus Cristo assim como ele a nós
se deu, deixando-o viver e reinar em nós, que chegaremos a
repetir com são Paulo: "Vivo, mas não sou eu que vivo, é Cristo
que vive em mim!" E acrescentaremos com o mesmo apóstolo:
"Seja que vivamos — é para o Senhor que vivemos; seja que
morramos — é para o Senhor que morremos!".
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vamos dele bem distantes. Quanto mais nos há de amar
quando, purificados de nossas manchas, o servirmos com
humilde e fiel piedade! Imitemos os santos, cuja vida era uma
união constante com Jesus Cristo.
II — O Pai todo poderoso, como nos amasse com infinito
amor, deu-nos seu Filho, objeto eterno de sua predileção, para
que dele fizéssemos também as nossas delícias; de modo que
em Jesus Cristo encontram-se Deus e o homem em santo
ósculo! Mas, para desfrutarmos deste divino gozo, precisamos
purificar nossos corações pela renúncia de todos os prazeres
passageiros. O sentimento divino não pode desenvolver-se em
nossa alma e não podemos apreciar senão superficialmente as
doçuras da piedade, enquanto nossa alma procura alegria,
consolo e alívio fora de Jesus Cristo. Mas unicamente as almas
generosas, que tudo abandonam para seguir a Jesus, e a si
mesmas renunciam, encontram em nosso Senhor o maná
escondido. Essas é que sabem saborear o Pão dos anjos que
em si contém todas as delícias e sabores divinais!
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II — Todo o progresso da Igreja é fruto da fecundidade de
Maria. Esposa do Espírito Santo e Mãe do Filho de Deus,
coopera para o desenvolvimento das gerações espirituais.
Somos incapazes de explicar o mistério desse concurso, mas
todo cristão sente-lhe os efeitos.
Quanto mais nos apegarmos a Maria por filial e fervorosa
devoção, tanto maior será o número de graças que
receberemos por seu intermédio. Ela não só contribui para
nossa santificação, como também para a nossa regeneração.
Porque os sacramentos, que nos transmitem a vida divina,
procedem de Jesus Cristo, seu Filho, fruto de suas entranhas.
Eis por que sua mão repleta de graças exerce tão poderosa
ação sobre a Igreja e seus fiéis. Que faremos para merecer os
desvelos de Maria? Sigamos o seu próprio conselho: Façamos
tudo o que Jesus nos disser.
VÉSPERA DE NATAL
"Derramai, ó céus, lá dessas alturas, o vosso orvalho, e as
nuvens façam chover o Justo; abra-se a terra e brote o
Salvador" (Is 45, 8).
I — Na véspera de celebrar a vinda daquele que é o bem-
amado do céu e da terra, volvamos para ele nosso olhar,
nossos desejos e nossas esperanças. Busquemos nos livros
sagrados as palavras que devem animar nossas orações
jaculatórias. Digamos com a Igreja: Ó sabedoria
incompreensível, que tudo empreendeis com força e sua-
vidade, vinde mostrar-nos o caminho do céu! Ó esplendor do
Pai, vinde e derramai sobre nós a luz do vosso semblante! Ó
sol de justiça, vinde a nós e vivificai todos que vegetam à
sombra da morte! Ó Salvador do mundo, Rei dos reis, Senhor
das nações! Vinde reinar soberanamente sobre nós!
Formulemos estas súplicas ardentes e acrescentemos
nossas próprias aspirações. Só em Jesus Cristo se encontra o
remédio, o bálsamo, a luz, a unção e os alimentos que nos
podem curar, esclarecer, consolar e saciar!
II — Não nos limitemos a responder com passageiro fervor
às atenções de Deus; ofertemos-lhe nossa firme e perene boa
vontade. Repilamos o que lhe ofende, reavivemos as virtudes
que lhe agradam. Nosso Senhor ama as almas humildes e
generosas; desenvolvamos, pois, estes preciosos sentimentos
e lancemos para bem longe as tentações que exaltam, bem
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como as que desanimam. Que desapareça o amor próprio ante
o amor de Deus! Que a celeste caridade dilate nossos
corações!
Vamos, cheios de confiança filial, à Virgem, nossa Mãe! Foi
ela quem preparou o berço do menino Jesus num presépio; ela
também preparará nossa alma à recepção daquele que vem
deliciar-se em nós.
NATAL
"Encontrareis um menino envolto em panos" (Lc 2, 12).
I — Contemplemos com respeitoso carinho o Deus-Menino
e a Virgem, sua mãe! O Evangelho no-los apresenta
inseparáveis, desde o presépio até à cruz. Quer em Belém,
quer no Gólgota, Maria mostra-se calma, humilde e forte. Goza,
no intimo de seu coração, os mistérios do amor de Deus. Vê
germinar sobre a palha o fermento dos eleitos, o grão que deve
morrer para frutificar nas almas regeneradas, contendo a
semente e a substância de todas as virtudes evangélicas; e
assim pode-se admirar a humildade, a doçura, a pobreza, a
confiança, a resignação, a mortificação, e todos os traços da
santidade que fulgem, como auréola, envolvendo a cabeça de
Jesus. Consideremos esta criança como nosso modelo,
amemo-la como nossa vida e lembremo-nos que a ela nos
devemos assemelhar, para sermos herdeiros do céu.
II — Apliquemos nossos sentidos interiores a ouvir a
melodia dos anjos que cantam o nascimento do Salvador dos
homens. É o cântico da caridade; os espíritos bem-aventurados
se regozijam pela graça concedida aos homens e pela glória
que resulta para Deus. O concerto de suas vozes angelicais é
a expressão dos seus sentimentos e é a vibração dos corações
que se querem em Deus. Exultam felizes no seio da luz,
porque a terra se reconcilia com os céus e o homem é
chamado a viver a vida dos anjos.
Apreciemos a nossa felicidade, compreendamos a nossa
dignidade! Com os espíritos angélicos, vivamos de obediência
e de amor!
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FESTA DE SANTO ESTEVÃO
"Vejo os céus abertos e Jesus Cristo à direita de Deus"
(At 6, 55)
I — A Igreja comemora a festa do martírio de santo
Estevão no dia seguinte à do nascimento do Salvador, porque
esses dois atos se correspondem mutuamente. Depois de
Jesus ter nascido na terra, seus discípulos nascem para o céu
e este nascimento se celebra no dia de sua morte. A morte
propriamente não existe para os discípulos fiéis, alimentados
com o Pão da imortalidade. A Escritura diz que, para o justo,
mais lhe vale o dia da morte que o do nascimento. Esta palavra
é aplicável, sobretudo, aos que vivem e morrem em Jesus
Cristo. Assim santo Estevão que, consoante o exemplo do
Mestre, consagrou sua vida às obras evangélicas. Sua cari-
dade expandiu-se com sua morte: sucumbiu intercedendo por
seus algozes e, por sua morte como por sua vida, atraiu sobre
seu povo as misericórdias de Deus.
Ponderemos sobre este nobre exemplo e, se não formos
destinados a derramar nosso sangue pela salvação de nossos
irmãos, dediquemos-lhes, todavia, os nossos trabalhos e
sofrimentos.
II — No momento de expirar, viu santo Estevão o céu
aberto e Jesus Cristo de pé à destra do Pai. Acrescenta a
Escritura que o rosto do mártir resplandecia como o de um
anjo. Sublime esperança para os que morrem no amor de
Jesus! À medida que se desprendem dos laços terrestres, vão
percebendo os esplendores da Pátria e, enquanto o corpo sofre
as humilhações da agonia, a alma exulta jubilosa à vista de
Jesus Cristo. Este sentimento é tão vivaz, tão intenso, tão
inebriante que transparece num sorriso de beleza sobre a face
dos moribundos. Sejamos fiéis a Jesus na vida e na morte,
para no derradeiro momento podermos exclamar: Vejo os céus
abertos e Jesus à direita de meu Deus!
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quanto mais combustível encontra, assim o coração do Deus
de amor abrasa o coração de seu predileto, nele ateando
inefável incêndio de amor. As comunicações recíprocas entre
esses dois corações avivam-se; as expansões de um crescem
em proporção às atrações do outro; quanto maior é essa mútua
doação, mais se dão amor por amor. Quão ditosa é a alma
amante que, reclinada sobre o coração de Jesus, aí busca seu
repouso, seu consolo e sua vida! É especialmente nos
colóquios após a comunhão que saboreia esses deliciosos
segredos do céu.
II — Sobre o peito de Jesus é que o apóstolo privilegiado se
alimenta misteriosamente das efusões da caridade; farta-se da
própria essência do amor. E, mergulhado na fonte da vida, é
como esponja embebida nas águas da graça. Seu amor
liquefaz-se, por assim dizer, sobre o coração ardente de Jesus
e transforma-se no próprio Jesus, como em ígnea chama se
transforma o metal colocado ao fogo. É peculiar ao amor unir
aqueles que se estimam e assemelhá-los mutuamente. São
João, que atingiu, em grau supremo, a união íntima com o
Mestre amado, reproduz sua imagem e semelhança; como
Jesus, torna-se o filho querido de Deus e predileto de Maria.
Ponderemos sobre este mistério da vida interior; en-
tendamos que foram manifestados na pessoa de são João, tão
somente para nos dar a compreender o manancial de graças
reservado por Deus à alma fiel.
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para o céu transplanta as primeiras flores dos bem-
aventurados.
Aqui, as provações, os combates, os sofrimentos; lá, a
Pátria e a recompensa. No céu, portanto, devemos firmar
nossa felicidade verdadeira e eterna.
II — A astúcia e a espada, que Herodes emprega para
atentar contra a vida do menino Jesus, manifestam os
processos de que se utiliza o espírito do século para com os
que entram nas vias da verdadeira piedade. Desde que uma
alma começa a viver para Jesus Cristo, deve dispor-se a sofrer
muitas provações e munir-se de paciência; mas, quer o inimigo
nos ataque sorrateiramente, por insidiosas tentativas, quer nos
faça guerra aberta, saibamos que as perseguições fazem bem
porque nos mantêm alertas, desprendidos da terra, servem de
estímulo às virtudes, provocam a oração e são causas de
triunfo. Bem-aventurados os que sofrem pela justiça: entrarão
no reino de Deus.
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infância evangélica brotam à sombra da humildade. Cultivemos
estas virtudes; aos pés do presépio aprendamos a divina
obediência, a simplicidade, o amor ao silêncio, o gosto pela
vida interior, a indiferença ao bem estar, a paciência nas
privações, o sacrifício pessoal. Então amaremos e seremos
amados.
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SEXTO DIA NA OITAVA DE NATAL
"Maria conservava todas estas coisas em seu coração" (Lc
2, 51)
I — A santíssima Virgem, atenta às maravilhas que se
operavam ante suas vistas, recolhia-se no íntimo do seu
coração para meditá-las e gravá-las em seu espírito. Eis em
poucas palavras a história de sua vida. Participar dos mistérios
de Jesus Cristo e aderir-lhes por frequentes atos de
submissão; era esta toda a ocupação de Maria. Conquanto
cooperadora dos fatos extraordinários que medita, não se
prevalece de nenhuma prerrogativa, esquece, quase, que é
filha de reis e Mãe de Deus; sua única aspiração é viver
escondida à sombra de sua humildade virginal. Se desejarmos
apreciar, como Maria, o segredo da vida interior, renunciemos
generosamente a nós mesmos e nos entreguemos sem
reserva à glória de Deus e à salvação das almas.
II — O Evangelho nos inicia nos segredos do coração de
Maria, mostrando ser sua perfeição fruto de sua humildade. A
própria Virgem no-lo declara: "O Altíssimo olhou a humildade
de sua serva!" Não é nem o número, nem a grandeza das
ações que operam a santificação do homem. O perfeito cristão
é aquele que, sob a influência do espírito de Deus, vive
humildemente com Jesus e para Jesus. Se aspiramos,
portanto, à santidade, guardemos em nosso coração a palavra
divina e meditemo-la constantemente para encontrarmos nossa
luz e nossa força. Ela santificará nossos deveres quotidianos e
todos os nossos pensamentos futuros. Imitando Maria,
estamos certos de agradar a Deus.
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cruz, é uma série ininterrupta de generosos atos de obediência,
imolação e sacrifício. Eis como deve ser a vida dos verdadeiros
discípulos de Jesus. É justamente ao iniciar-se um novo ano
que convém recordar esta grande verdade, pois a sabedoria
cristã e a felicidade sólida consistem em imitar nosso divino
Modelo, desde o princípio até ao fim. Deixemos atrás o
passado; demos um novo e vigoroso impulso no serviço de
Deus, para, em progressiva carreira, atingirmos o fim elevado
do nosso glorioso destino.
II — Considerando a brevidade da vida e a fragilidade das
coisas transitórias, despertemos fortemente em nós as
esperanças evangélicas e apeguemo-nos fielmente aos bens
eternos. Volvamos ao passado para recomendá-lo à divina
misericórdia; o futuro confiemo-lo à Providência! Apliquemo-
nos, no entanto, a bem empregar o presente, para que ele nos
conduza a uma feliz eternidade. O Senhor, ao nos conceder
este ano, quiçá o último de nossa peregrinação terrestre, quis
continuar a fertilizar nossa alma com sua palavra, suas graças
e seus sacramentos.
A vontade de Deus é que colhamos muitos frutos. Tra-
balhemos, portanto, com duplo fervor no serviço daquele que é,
unicamente, bom; tomemos corajosamente seu jugo, tão suave
às almas amorosas, e permaneçamos dignos de nossa
vocação.
2 DE JANEIRO
"E ao Menino foi posto o nome de Jesus" (Lc 2, 21).
I — Do santíssimo nome de Jesus, conferido ao Deus
menino no dia da circuncisão, emana inesgotável fonte de
assuntos para meditação. Contém em substância os mistérios
do coração de Deus e os mistérios do coração do homem. É o
objeto da nossa fé, da nossa esperança e do nosso amor;
resume toda a religião. O apóstolo são Paulo nos ensina que
esse nome augusto está acima de todos os outros e que, ao
nome de Jesus, todos os joelhos se dobrem no céu, na terra e
nos infernos. Faz palpitar de júbilo os bem-aventurados e
tremer os pecadores. Mas já que, segundo o apóstolo, a
nenhum ente é dado pronunciar eficazmente este nome
bendito, sem uma graça especial, peçamos esta graça e
atraiamo-la, repetindo frequentemente o nome de Jesus, como
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se fora o objeto de nossas mais vivas aspirações e de nossos
mais fervorosos atos de amor.
II — O adorável nome de Jesus é cheio de vida, de luz e de
virtude. Alimenta a alma, ilumina o pensamento e cura todas as
nossas fraquezas. Por nenhum outro nome poderemos ser
salvos. A este nome único, prendamos todas as perfeições do
nosso coração, todas as potências do nosso espírito, todas as
fibras de nossa vida. Ele é nosso consolo, nossa salvação,
nosso tesouro. Por ele somos resgatados, por ele somos
atendidos, por ele são dominadas as nossas tentações. É
nossa caução perante Deus, nossa glória ante os anjos, nosso
estandarte perante os homens, nossa armadura perante o
mundo.
Apoiados perpetuamente sobre este nome salutar, nada
temamos, mas tenhamos confiança. Juremos viver e morrer
pelo nome de Jesus!
3 DE JANEIRO
Festa de santa Genoveva, padroeira de Paris
I — Consideremos o traço característico da santidade
dessa humilde pastora. Disse o apóstolo: "Que as virgens se
ocupem das coisas de Deus, para serem puras de corpo e de
espírito". E foi esta palavra que Genoveva realizou
generosamente. Prevenida com as bênçãos celestes,
consagrou-se desde criança ao Senhor e, fiel nas mínimas
coisas, seguia firme o caminho que lhe traçara a obediência.
Amava sua pobreza, seu cajado, sua obscuridade; sua única
aspiração era conformar sua vida com a que levaram Jesus e
Maria. E por este caminho é que galgou os cumes da perfeição
evangélica. Tornou-se modelo para as virgens, edificação para
os seus contemporâneos, consolo para toda a Igreja.
II — Ânimo, minha alma! Abre-te às inspirações generosas,
e entrega-te sem reservas àquele que entre mil te escolheu! A
eminente santidade de Genoveva nos demonstra que as
graças maiores brotam no seio da fraqueza e que tudo pode
esperar de Deus quem lhe corresponde à graça. Se aspiramos
gozar a paz de Deus, estimemos a santa obediência,
dominemos a natureza pela mortificação e pela oração;
permaneçamos no amor de Jesus Cristo. Desta forma
progrediremos gradualmente no caminho dos santos e,
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ascendendo de virtude em virtude, seremos afinal unidos por
laços inefáveis ao celeste Esposo.
4 DE JANEIRO
"Havia uma profetisa por nome Ana, que dele falava a
todos que aguardavam a redenção de Israel" (Lc 2, 36. 38)
I — Sigamos o exemplo da santa mulher do Evangelho. O
que ela fez no templo, façamo-lo na casa de Deus. Permanecia
constantemente na presença do Senhor, servindo-o dia e noite,
em jejuns e orações. A melhor prática do jejum consiste, sem
dúvida, em conceder ao corpo apenas o estritamente
necessário; mas, para que seja eficaz, é forçoso também impor
um rigoroso freio aos apetites desregrados do amor próprio, da
nossa vontade e da natureza corrupta. É o exemplo que nos
oferece esta viúva tão avançada em idade; ao jejum associa a
meditação e a prece, pois estas duas últimas práticas se
completam mutuamente. A meditação nutre a vida da alma,
aumentando-a, enquanto o jejum diminui a vida carnal e a
mortifica. Eis o duplo trabalho da mortificação: destruir o
homem antigo, edificar o novo, morrer quotidianamente a si
próprio, e viver sempre mais na vida de Deus.
II — Diz santo Agostinho que a meditação é o movimento
do coração tendendo para Deus; movimento de atração e de
expansão; porque, por um primeiro ato, atrai o espírito, a luz e
a vida, e depois, por um segundo ato, reage para Deus e lhe dá
amor por amor. É um comércio, diz o mesmo santo, mas esse
comércio ou comunicação recíproca age mais pela efusão do
coração do que pela profusão de palavras. Para falar ao ouvido
do homem, serve-se da boca, mas para falar ao ouvido do
Senhor, faz-se uso do coração. A oração íntima e silenciosa
torna a língua por si mesma eloquente e, como a santa
profetisa Ana, os que perseverarem na piedade fazem
conhecer Jesus Cristo, não somente por suas obras, como pela
sua conduta e seus discursos.
5 DE JANEIRO
"O menino crescia e se fortalecia em espírito" (Lc 2, 40)
I — As condições para o crescimento espiritual são
idênticas às do desenvolvimento corporal. Na ordem da graça
assim como no reino da natureza, os progressos se efetuam
gradualmente. A humanidade de Jesus quis submeter-se a
47
essa lei, e a plenitude da sabedoria, residente no divino infante,
ia se manifestando exteriormente, conforme às condições
ordinárias da vida. Nosso divino Modelo quis atravessar os
diversos graus do crescimento para nos deixar, em todas as
idades, os tipos e as graças da santidade. Ele nos mostra que
na vida espiritual é necessário progredir sempre, sem nunca re-
cuar, e gradualmente, de virtude em virtude, de claridade em
claridade, atingir a madureza da idade perfeita.
II — Já que o próprio Santo dos santos não quis alcançar
de outro modo, a não ser gradualmente, o seu completo
desenvolvimento, não estranhemos, pois, com nos acontecer
da mesma forma na vida espiritual. O progresso, tanto na
ordem da graça quanto na ordem da natureza, segue seu curso
normal, não vai aos pulos e saltos. Ordinariamente são
imperceptíveis e só verificamos os seus frutos após um período
mais ou menos longo. A semente deverá germinar no coração
do homem antes de surgir a árvore da perfeição cristã; e é
somente depois de exercitar seriamente a paciência e prová-la
bastante que, finalmente, a alma se desenvolve e frutifica;
como seu divino Modelo, ela se transforma num jardim de
delícias, em um templo de glória, em um santuário de virtudes
e, por assim dizer, em um céu na terra.
1
Depois da reforma do calendário litúrgico de 1969, a Igreja deixou
de fixar a data da festividade da Epifania do Senhor no dia 06 de
janeiro, indicando o segundo domingo depois do Natal para tal
celebração. (N. do revisor)
48
do Oriente ilumina os Magos e os guia; por outro,
compreendem eles a significação da estrela e seguem-na até
aos pés de Jesus. Exemplo sublime de fidelidade para todos os
que ouvem o chamado de Deus e obedecem com ânimo e
retidão.
II — Após a graça do batismo que principia a nossa
salvação e a graça de uma boa morte que a termina, não há
graça mais importante que a da vocação, pois é como o ponto
intermediário que une a primeira graça à última. É ela o
primeiro elo da cadeia de ouro que se desenrola sobre nosso
destino neste mundo e vai se fixar na eternidade. Todo o
mistério do nosso futuro versa sobre este ponto e nele se
encontra a chave da nossa felicidade ou da nossa desdita. A
teologia nos explica sua razão. Deus confere sua graça ao
estado para o qual nos chama; portanto, sair deste estado ou
recusar nele ingressar, é privar-se voluntariamente da graça, é
desmanchar os desígnios de Deus, é seguir rumo contrário às
vistas da Providência. De fato, quantos condenados não
haverá no fundo do inferno que seriam talvez santos, se
houvessem trilhado o caminho traçado por Deus! "Felizes
daqueles que seguem o caminho que o Senhor lhes
manifestou, que o percorrem com constância e dele nunca se
desviam", diz o livro sagrado. Maldição, pelo contrário, aos que,
pela sua culpa, rompem a cadeia de graças que o Senhor lhes
havia preparado para os conduzir à felicidade!
"Ó homem! — exclama são Basílio — quem quer que
sejas! Se amas teu Deus, se temes o inferno, sê fiel à tua
vocação e nela persevera até ao fim".
49
completa submissão à vontade de Deus. Ora, esta vontade
divina a nós se manifesta pela nossa consciência, pela palavra
de nossos superiores, pelos ditames da santa regra, pelos
deveres de nossos encargos. São estes os diversos raios da
estrela que nos guia no caminho de Deus.
II — Os reis magos não esmorecem ante nenhuma
consideração da prudência humana; não desanimam mesmo
quando a estrela se oculta a seus olhares. Privados da luz
visível, apoiam-se unicamente na sua fé e prosseguem
corajosamente em seu caminho, embora privados das celestes
consolações. Eis como deve proceder a alma cristã nas
provações da fé, porque Deus às vezes parece esconder-se,
para experimentar nossa paciência, e nos retira o fervor
sensível para nos arrancar dos sentidos e fortificar nossa
vontade. O perigo nessas privações tão salutares é de estacar
no caminho ou retroceder; o mérito está em continuar o tra-
balho iniciado e em perseverar na confiança que nunca será
desiludida; assim como ela conduziu os reis do Oriente ao
termo feliz de sua peregrinação, nos conduzirá igualmente a
nossos imortais destinos.
50
II — Compreendamos a santa alegria dos reis do Oriente
quando, ao saírem de Jerusalém, encontraram novamente a
estrela bendita que os guia até ao berço do Deus de amor.
Essa luz celeste é para eles, então, ainda mais preciosa, pois
se haviam conservado fiéis a ela, mesmo quando a tinham
perdido de vista. Sua fé obtém a melhor das recompensas: eles
contemplam os semblantes admiráveis de Jesus e de Maria!
Eles transbordam de alegria. Esta consolação suprema é
concedida unicamente àqueles que, como os Magos,
perseveram no caminho de Deus, apesar dos sofrimentos,
obscuridades, combates e fadigas; e que, em meio a tantas
provações, conservam o coração cheio de ânimo e de es-
perança. Felizes os que alcançam a vitória! O Senhor os
alimentará com o maná escondido e os deliciará plenamente!
51
que interessam à salvação. Os ensinamentos sagrados brilham
com intensa luz para as almas de boa vontade, e hoje, para
progredirmos no caminho da salvação, não carecemos nem de
novas revelações, nem de estrelas milagrosas. É suficiente
ouvirmos docilmente as instruções ministradas pela Igreja e
transladá-las para a vida prática. Nesta escola infalível,
aprenderemos tudo o que devemos saber, amar e esperar. Aí
aprenderemos que é a humildade que eleva a criatura à ver-
dadeira ciência; a caridade que lhe faz atingir a santidade, e a
pureza de coração que a conduz à visão de Deus.
52
trabalhos, nossos pesares; aí busquemos nosso descanso e o
alimento para o nosso coração. Junto a Maria sentiremos os
irresistíveis atrativos do amor de Jesus e, então, exultaremos
com Davi: "Senhor, vossas consolações encheram de alegria a
minha alma, na proporção das muitas dores que atormentaram
o meu coração" (SI 93, 19).
53
tamanha aflição? Ansiosamente rebuscam por toda parte, sem
se permitirem descanso, dia e noite, até que o encontram no
templo! Proveitosa lição que ensina às almas dos fiéis a não
desanimar nas fugas do Senhor, quando ele as experimenta
com a retirada de sua presença sensível. Esta espécie de
provação produz uma ação purificadora. A alma que, vencendo
as securas e angústias que lhe desolam a piedade, persevera,
contudo, nos seus trabalhos e fadigas, excede-se a si mesma;
aprende a se dominar na paciência; sua vontade torna-se mais
generosa, suas afeições mais sobrenaturais; e, no seu
desprendimento exterior, mais intimamente se une a Deus.
Aprendamos ciosamente esta lição evangélica, para,
quando nos ferir a provação, sabermos dela retirar os devidos
frutos.
II — Atentemos na resposta dada por Jesus a seus pais:
"Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo ocupar-me
com os negócios de meu Pai?" Tal palavra desconcerta os
sentimentos da natureza. Mostra-nos ela, no entanto, que, se é
grande o preceito de obedecer aos pais, bem maior ainda é o
que ordena obediência a Deus; e, apresentando-se em conflito
essas duas autoridades, é nosso dever preferir Deus aos
homens, conforme ensinam as sagradas Escrituras. E o nosso
divino Modelo quis, nesta conjuntura, apoiar sobre seu próprio
exemplo a regra da conduta traçada no Evangelho: "Aquele
que ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno
de mim. Aquele que por mim deixar seu pai, sua mãe, seus
irmãos, suas irmãs e tudo o que lhe pertencer, receberá o
cêntuplo neste mundo e possuirá a vida eterna". Concluamos
com santo Agostinho e com toda a teologia que, quando Deus
nos chama para o seu serviço, não podemos alegar nenhuma
consideração humana que nos dispense de responder a seu
chamado. Em matéria de vocação qualquer resistência
compromete a eterna salvação.
54
o Salvador a insubordinação do primeiro homem; foi a condição
da nossa reconciliação com o céu. Um único pensamento
dominava Jesus, em Nazaré, e em qualquer momento de sua
vida: fazer a vontade do Pai celeste. Como discípulos de
Cristo, devemos pautar os nossos atos por pensamento, seja
para trabalhar ou sofrer, para viver ou morrer. A obediência é a
estrada real que conduz ao reino de Deus; que possamos, por
conseguinte, em todas as horas da vida, afirmar com Jesus:
"Faço sempre aquilo que apraz a meu Pai".
II — Representemo-nos a oficina de Nazaré. Nosso
Senhor, bem criança ainda, auxilia são José em suas rudes
tarefas; cumpre a lei primitiva que ordena ao homem ganhar o
pão com o suor do seu rosto. É um menino ativo, cheio de vigor
e de zelo; e ao mesmo tempo conserva-se calmo, paciente,
modesto. Permanece tranquilamente unido à vontade de seu
Pai por seu silêncio, seu recolhimento e sua oração habitual.
Imitemos o nosso supremo Modelo, aprendamos com ele a
santificar as nossas obrigações, até as mais vulgares, pela
oração do coração. Compreendamos que se pode praticar a
mais alta perfeição, executando os mais humildes propósitos, e
que a alma, unida a Deus pelo amor e pela obediência,
ascende, em progressão constante, até atingir a mais eminente
santidade.
55
aproximarmos. A vontade de Deus é que sejamos santos e o
ideal da santidade é Jesus Cristo.
II — Consideremos que o estado religioso protege e facilita,
de modo singular, o crescimento espiritual dos que foram
agraciados com o chamamento divino; basta-lhes seguir o
caminho traçado pela regra, para escalar com passo firme os
degraus da santificação. Na realidade, a regra da vida religiosa
baseada na prática da abnegação, da obediência e da caridade
é, de certo modo, o vínculo que subordina todos os atos da
vida à vontade de Deus. A regra traça à nossa conduta a linha
reta que leva ao céu; mantém o equilíbrio das disposições da
alma e gradativamente a faz ascender até alcançar a completa
conformidade com o divino Modelo.
Olhos fixos em nosso fim sublime, prossigamos firmes,
sustentados pela graça e estimulados pelas promessas do
Evangelho.
56
quem escorregou uma vez, está arriscado a facilmente cair. O
meio seguro de evitar as quedas é cumprir humildemente o re-
gulamento que consagra o tempo da oração e salvaguarda os
deveres quotidianos.
57
17 DE JANEIRO APÓS A OITAVA DA EPIFANIA
"Somos um só corpo em Cristo, e cada um de nós,
membros uns dos outros" (Rm 12, 5).
I — A santidade é a irradiação da caridade evangélica. O
Senhor entrelaça as nossas almas ao estreitar-nos em seu
abraço de amor; e é seu desejo que, todos juntos, não façamos
senão uma única e viva unidade: "Sint unum!" O apóstolo
compara esta união àquela existente entre os membros de um
mesmo corpo. Concorrem todos às funções gerais da vida;
mas, sendo entre si subordinados, e prestando-se recíproca
assistência, conserva cada um seu lugar na ordem hierárquica
e exerce seu ofício na respectiva esfera de atividade. Esta
admirável organização é aplicável à Igreja e especialmente às
famílias religiosas; ela mantém a boa ordem, a paz, a saúde
moral. Onde são violadas essas condições de união, desfalece
o corpo, e a vida comum irá em decadência. A fonte dessa
desordem é o amor próprio, que atribui tudo a si e que mais se
preocupa do seu interesse particular, que do bem geral.
Evitemos as singularidades, as distinções, o egoísmo, e
santifiquemo-nos pela caridade largamente compreendida,
generosamente praticada.
II — Quando cada membro contribui com seu quinhão para
o bem estar do corpo ao qual pertence, trabalha em seu próprio
proveito e participa da prosperidade geral. Seja qual for o papel
que desempenhemos na corporação: — sejamos pés ou
braços, olhos ou mãos — seremos tanto mais vivos e felizes
quanto menos nos isolarmos da vida comum, o que supõe
espírito de abnegação e sacrifício dos atrativos particulares. O
grau da bem-aventurança, que Deus nos reserva, não será
medido pelos encargos que houvermos desempenhado no
mundo, mas sim pela fidelidade com que os houvermos
exercido.
Sacrifiquemos, portanto, a Deus os atrativos do nosso
amor próprio; não nos anime outro desejo, outro pensamento,
outra ambição a não ser permanecermos sob a mão divina,
como instrumentos dóceis e fiéis.
58
18 DE JANEIRO APÓS A OITAVA DA EPIFANIA
"Peço a Deus que a vossa caridade cresça cada vez mais"
(Fp 1, 9).
I — A caridade é a vida do céu; e, como tem sua origem
em Deus, não se pode demarcar limites à sua expansão. Jesus
Cristo reverteu sobre nós a caridade do Pai celeste e quer que
a exerçamos uns para com os outros. "Amo-vos como meu Pai
me amou. Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei".
Eis a lei da dileção sobrenatural dos membros do corpo de
Jesus Cristo, dileção que não procede da carne e do sangue;
não provém da natureza, mas desce do alto. Ela foi infundida
em nosso coração pelo Espírito Santo que nos foi dado. A
perfeição consiste em desenvolver esta divina chama, pois
contém em sua substância todas as virtudes.
Empenhemo-nos em crescer na caridade, lembrando-nos
de que, sem ela, as outras virtudes e as obras mais admiráveis
nenhum valor possuem perante Deus.
II — A caridade é a liga da união evangélica; é igualmente
o bálsamo reparador das faltas e saneador das enfermidades
morais. Afirma a Escritura que ela cobre a multidão dos
pecados. O que nos permite considerá-la como a melhor
condição da santidade e como a mais salutar de todas as
penitências. Muitos foram os pecados perdoados a Madalena,
porque muito amou.
A caridade é também penhor de uma boa morte, de um
julgamento feliz, de uma bem-aventurada eternidade. É indício
de estado de graça; porque, conforme atesta são João, aquele
que permanece na caridade, permanece em Deus. Apreciemos
e louvemos a vida religiosa, que não é outra coisa senão uma
vida de amor e de caridade. Unamo-nos interiormente ao
Coração de Jesus, para nele haurir a unção divina que deve
animar nossos pensamentos, nossas palavras e nossos
sentimentos.
59
em obscuros trabalhos, e seus braços, que sustêm o Filho de
Deus, entregam-se aos propósitos mais vulgares. Não reclama
distinções nem privilégios; foge às homenagens do mundo, e,
durante sua longa permanência em Nazaré, esmera-se em
cumprir santamente seus deveres quotidianos. Eis os traços da
vida modesta daquela que é filha de reis de Israel, a exaltada
nas Escrituras, a Mãe imaculada do Salvador do mundo. Que
nos ensine este belo modelo a nos aperfeiçoarmos na situação
e nas condições em que estamos colocados. Os elementos
que nos rodeiam devem influir como instrumentos para nossa
santificação.
II — A santidade interior de Maria se revela exteriormente
pelo seu porte modesto, e esta modéstia exterior era, por sua
vez, a salvaguarda de sua vida interior. Existe, efetivamente,
uma estreita ligação e uma ação recíproca entre o corpo e o
espírito, entre o homem exterior e o homem interior; de
maneira que tudo quanto aí se passa, reflui de um para outro.
Quando os movimentos do espírito são bem coordenados e
dirigidos, os do corpo igualmente o são, assim como no interior
ressoam os rumores de fora. É por isto que a modéstia exterior
é ao mesmo tempo o meio e o indício do recolhimento interior,
assim como o ponteiro de um relógio marca o movimento das
rodas escondidas. A suave paciência com que Maria continha
sua alma, garantia a paz celestial que se espelhava em seu
semblante, e esta paz, sob a guarda da modéstia, entretinha
misteriosamente sua união com Deus.
Tais eram a atitude e as disposições da mãe de Jesus.
Amoldemo-nos à sua imagem. Vigiemos e oremos; e, com
humilde abnegação, pratiquemos a virtude.
2
Na edição de 1941, ao invés de Tempo Comum havia: “depois da
Epifania”. Tal alteração foi feita para manter maior assimilação com a
nomenclatura do atual calendário litúrgico, embora as leituras bíblicas
não correspondam necessariamente às atuais, conforme explicado nas
Observações da página 7 (confira). (N. do revisor)
60
título de filhos de Deus; e, para esse fim, os fez de tal modo
participantes de suas prerrogativas que não somente assim o
designa, mas os considera realmente e lhes concede todos os
direitos de herdeiros do céu. E não se limitou a isso o adorável
Salvador: no excesso do seu amor, quis escolher almas
consagradas para elevar à categoria de esposas e com elas
contrair uma aliança verdadeiramente nupcial. Este mistério é o
mistério augusto que antecipadamente celebram o salmista e
os profetas; são estas as núpcias celestes que nos representa
a Igreja sob as formas sensíveis das bodas de Caná e que nos
explica pela boca de seus doutores e pelas cerimônias solenes
da profissão religiosa. Espetáculo verdadeiramente
maravilhoso perante os anjos e os homens, ao contemplarem o
mistério em que a alma consagrada a Deus ouve inebriada o
convite: "Vem, esposa de Cristo, e recebe a coroa que te
preparei desde toda a eternidade!".
Este mistério inefável permite-nos avaliar o quanto nos
ama o Coração de Jesus.
II — Nas alianças da terra, a morte de um dos cônjuges
dissolve o matrimônio; acaba-se o compromisso e a aliança. O
mesmo não se dá com as núpcias celestes; seus laços são
imortais, nem a morte os pode romper; pelo contrário, aperta-
os ainda mais e consolida-os eternamente. São Bernardo, em
duas palavras, resume as condições deste contrato: amar e ser
amado. Amar — não somente enquanto fruírem as
consolações, as prosperidades e as delícias, mas em meio às
provações, às tentações, às trevas e à aridez. A coroa real só
será solenemente conferida às esposas do Rei dos reis que
perseverarem até ao fim com amor generoso e fiel.
61
Salomão, a respeito da Sabedoria: "Todos os bens me vieram
por seu intermédio e de suas mãos recebi riquezas infinitas".
Estas riquezas que, das mãos de Maria, se transmitem a suas
dignas herdeiras, são aquelas de que fala Jesus, quando diz
em seu Evangelho: "Todo aquele que por mim abandonar seus
irmãos ou suas irmãs, seu pai ou sua mãe, sua mulher ou seus
filhos ou seus bens terrestres, receberá o cêntuplo neste
mundo e a vida eterna no século futuro".
II — Ensina um padre da Igreja que o matrimônio celeste
opera uma transformação que muda a vida natural em outra
inteiramente sobrenatural e sobre-humana; de maneira tal,
prossegue o santo doutor, que já prova as alegrias dos bem-
aventurados e antecipa na terra a vida do céu, aquele que,
tendo feito sua profissão religiosa, vive de acordo com sua
regra. Realmente, as esposas de Jesus Cristo, vivendo, como
os anjos, de amor e de obediência, já desde esta vida tomam
posse do reino de Deus, na paz e na alegria do Espírito Santo.
Demos graças à divina Bondade pelo benefício que nos
concedeu de habitarmos na morada santa onde está sempre
presente a Virgem de Sion e mostremo-nos agradecidos por
termos por Mãe aquela que é Mãe de nossa vida, de nossa
esperança e de nosso amor.
62
mas permaneçamos tranquilamente sentados na festa das
núpcias: Maria aí está; dela nos há de vir o auxílio.
II — Consideremos as atenções e amabilidades da Virgem
santíssima. Notara a falta de vinho antes que lhe houvessem
avisado. Não espera que recorram à sua intercessão; ela
possui todas as delicadezas e solicitudes de uma mãe
verdadeiramente vigilante e carinhosa. Mal percebeu a
necessidade, imediatamente a expôs a seu Filho. Mas em seu
pedido não mostra nem euforia, nem inquietação. Poucas
palavras pronuncia, confiante na bondade daquele que consola
e atende. É assim que, do alto do céu, Maria continua a se
interessar pelas necessidades da nossa alma. Conhece nossas
fraquezas; previne nossos desejos, ouve nossos lamentos;
identifica com o seu o nosso coração. Seria possível perder-se
o ânimo e a esperança, sabendo que Maria tem seus olhares
constantemente volvidos para as misérias humanas, a fim de
aliviá-las?
63
sua própria carne e o vinha em seu próprio sangue; e até ao
final dos séculos continuará a operar este prodígio de amor
sobre os sagrados altares. É provável que Maria conhecesse
esse seu intento; quis então apressar sua realização, para nos
dar uma antecipação do pão dos eleitos e do vinho que gera as
virgens. Mas não soara ainda a hora das derradeiras efusões;
esta chegaria somente depois de uma longa série de outros
milagres de ternura e de divinas misericórdias.
Mais felizes do que os convivas de Caná, possuímos uma
bebida e um alimento que não acabará nunca. Por nosso lado,
não consintamos que cessem algum dia as expansões da
nossa gratidão.
64
paz. Um coração dócil à palavra de Jesus Cristo julga-se
sempre feliz, está sempre tranquilo, porque sua vida se
desenvolve em harmonia com o espírito de Deus. É esta
harmonia que distingue a santíssima Virgem e todos os santos.
Deve igualmente reinar em nós. Declaremos com Davi: "Meu
coração está preparado, ó meu Deus, para vos seguir e fazer
tudo quanto me disserdes".
65
III — Contemplemos a modesta simplicidade, a calma, a
suave igualdade da Mãe de Jesus na festa de Caná, onde
inteiramente se esquece de si para se ocupar com os outros
unicamente. Não se impressiona seja que o vinho falte ou
reapareça em abundância; mas é a primeira a se compadecer
dos apuros dos convivas. Recebe com a mesma serenidade as
palavras severas do Senhor e a graça milagrosa obtida por sua
intercessão. Fala pouco e bem, quer ao se dirigir ao Filho, quer
ao dar aos servos seus prudentes conselhos. Semelhante às
regiões superiores do firmamento, permanece sempre calma e
tranquila; nem precisa isolar-se para conservar as mesmas
disposições de espírito e de coração, em qualquer tempo e
lugar.
Para nos amoldarmos a este perfeito modelo, precisa-
ríamos conservar em nossa vida ativa as intenções, o espírito
de bondade, as disposições felizes que habitualmente nos
animam por ocasião da meditação e da oração.
IV — O papel de Maria nas bodas de Caná nos mostra
que não quis se furtar a nenhuma das obrigações impostas
pela caridade, para conservar a calma de sua vida interior.
Permanece unida ao Senhor em meio aos convivas que a
rodeiam; e sem se deixar dominar por influência alguma, faz
sempre prevalecer a influência do espírito de Deus que anima
todos os seus atos e palavras, consagrando assim, por seu
exemplo, a regra da conduta cristã.
Se nos conservássemos unidos ao espírito de Jesus, mais
abençoadamente e com maior êxito haveríamos de cumprir os
nossos deveres quotidianos por vezes tão penosos! O Senhor
nos garante no Evangelho: "Aquele que em mim permanecer
produzirá frutos abundantes".
66
milagres quase todas suas ações, e mesmo esses milagres,
que arrebatavam os sentidos, eram símbolos das operações
ainda mais milagrosas que se produziam invisivelmente nas
almas. Exerceu assim seu poder soberano sobre todas as
espécies de enfermidades corporais, com o objetivo de nos
fazer desejar e esperar a cura de nossas enfermidades
espirituais. Declara-nos ter vindo para os enfermos e os
pecadores; se queremos, por conseguinte, participar dos
benefícios de sua infinita misericórdia, precisamos reconhecer
no fundo da nossa consciência o quanto necessitamos de
remédio e de auxílio. É o que fazia São Paulo dizer: "De boa
vontade me gloriarei nas minhas fraquezas, para que habite em
mim o poder do Cristo" (2 Cr 12, 9).
II — A origem de todas as enfermidades da alma é o
pecado, chaga funesta, cuja imagem nos é representada pelo
leproso do Evangelho. A lepra corporal é a corrupção do
sangue, bem como o pecado é a corrupção da alma. A lepra
cobre o corpo inteiro de uma umidade infecciosa e repugnante;
o pecado desfigura a alma, embota a inteligência e cobre-a de
manchas. A lepra é um mal contagioso que se comunica pelo
convívio com os doentes afetados desse mal; o pecado exala
igualmente uma influência pestilenta. Em conclusão, o pecado
exerce sobre a vida moral todo o estrago que a lepra opera
num corpo: destrói a imagem de Deus, perverte a vontade;
desagrega a alma da sociedade de Deus e dos anjos.
Admiremos a bondade de Jesus, que veio, pelo seu san-
gue, apagar os pecados do mundo, e peçamos-lhe que deles
sempre nos preserve.
67
que convergem tuas ações, teus pesares, teus pensamentos.
Examina também teu coração em relação ao próximo. Será a
caridade que lhe regula todos os movimentos? Será essa ca-
ridade leal, fraterna, sincera? Agimos para com os outros
conforme desejaríamos que agissem para conosco? O
conhecimento próprio é condição essencial à salvação, pois
que nele se funda a humildade.
II — Para adquirir um conhecimento exato do nosso estado
interior, devemos aprender, por quotidianas pesquisas, a
verificar nossos defeitos ocultos e as mais sutis imperfeições,
cuja fonte está no amor desordenado de nós mesmos.
Examinemos se nos sentimos envaidecidos com as lisonjas e
os sucessos, ou desanimados e abatidos nas humilhações e ao
sermos admoestados. Examinemos, pois, se somos apegados
aos nossos interesses, às nossas consolações, à nossa própria
glória, mais do que à de Deus e ao que é vantajoso para
nossos irmãos. Quanto às preocupações que nos
acompanham em nossos exercícios espirituais ou aos langores
que nos atormentam no serviço de Deus, procuremos
cuidadosamente a causa. Examinemos se não nos magoa um
secreto pesar ao verificarmos talentos ou virtudes em nosso
próximo ou se não nos atormenta alguma outra espécie de
inveja.
Apesar das repugnâncias do amor próprio, urge sondar as
chagas da natureza corrompida, a fim de expô-las ao médico
de nossa alma.
68
deríamos cobiçar que a saúde da alma? É indispensável a todo
o custo ou conservá-la ou reavê-la; manifesta-se ela por sinais
certos: expulsa a tristeza e faz imediatamente renascer a paz e
a alegria.
II — Esta ordem: "Eu o quero, sê curado!" destina-se a
todos os homens, em vista de serem todos afetados de
enfermidades e todos precisarem ser medicados. Jesus veio
exclusivamente para nos salvar; entregou-se por todos; e sua
vontade, formalmente expressa, é que sejamos todos salvos.
Para este fim deixou-nos sua doutrina, seus sacramentos, seu
sacerdócio. A doutrina evangélica ensina as condições da
salvação, os sacramentos nos ministram os remédios, o
sacerdote no-los aplica. Compete a nós haurir nesta plenitude
de graças, para cada vez mais nos purificarmos e
decididamente progredirmos no caminho da perfeição. Pela
parte de Jesus, foi tudo determinado para nossa felicidade;
cumpre-nos, em retorno, querer o que ele quer e cumprir o que
ele ordena!
69
pronunciar sobre todas as questões referentes à saúde e
enfermidades espirituais; eles têm por missão conhecê-las com
o fim de curá-las. E para evitar qualquer ilusão em matéria tão
delicada, convém submeter a seu juízo, mesmo os favores
diretamente recebidos de Jesus. Cabe ao doente expor-se
inteiramente ao médico da alma, sem rodeios e sem
reticências, pois que a omissão desta lei não somente
impediria a cura, mas agravaria a moléstia.
Repilamos, pois, toda tentação que possa obstar a
expansão do nosso coração. Devemos levar ao tribunal da
penitência uma intenção reta, simples e franca, a fim de que,
separados de toda a consideração humana, nela encontremos
a luz para o espírito e a saúde para a alma.
70
Quantas ocasiões não se apresentam em que poderíamos
exclamar com o centurião: Senhor, eu não sou digno! Mas, Oh!
É o contrário que comumente fazemos! E quando se trata de
alguma honra, de um emprego, do desempenho de alguma
missão importante, julgamo-nos de competência superior à dos
outros. Estes pensamentos presunçosos afastam a graça,
enquanto que a verdadeira humildade atrai as bênçãos do alto.
Eis a razão que fazia o apóstolo preferir gloriar-se mais de
suas fraquezas que de seus méritos. "Comprazo-me, dizia ele,
nas minhas enfermidades, nas afrontas, nas necessidades, nas
perseguições, nas angústias por amor de Cristo, pois que
quando me julgo fraco, é então que estou forte" (2 Cr 12, 10).
71
Jesus venceu o mundo, governou soberanamente toda a
natureza; como seria possível a seu poder divino encontrar
estorvos em relação a nós?
Se o Senhor tanto enaltece a fé do centurião, se nos
concede suas graças na proporção de nossa confiança,
dilatemos nossos corações e lancemos ao seio de Deus o
nosso passado, o nosso futuro e a nossa eternidade.
72
males e de toda categoria de pessoas. Imitaremos, pois, sua
paciência por um contínuo exercício. Como Maria santíssima
procedeu, temos de suportar os homens tais como são, com
seus defeitos e com suas fraquezas; temos de sofrer os
pesares de cada dia com seus constrangimentos e suas
mágoas; precisamos, sobretudo, ter paciência conosco
mesmos, moderando os nossos desejos, abatimentos,
impaciências.
A perseverança neste exercício produz na alma fiel,
admiráveis traços de semelhança com Jesus e com Maria.
73
Como ousaríamos crer que o seguimos, quando queremos
o contrário do que ele ordena e recusamos atender ao que nos
pede?
Deixemo-nos, portanto, guiar pelo divino piloto, sem jamais
lhe resistir e por nossa pronta obediência provemos-lhe a
nossa generosa fidelidade. A vereda do sacrifício é difícil, ao
princípio; mas alarga-se depois, à medida que nos adiantamos,
e termina na santa liberdade dos filhos de Deus.
74
Repitamos com o salmista: "Em vós, Senhor, esperei e
sobre-esperei". In te, Domine, supersperavi.
75
despertam, e uma multidão de tentações nos ataca com
violência. Mas, durante essa crise, a vida espiritual se dilata e
fortifica; o espírito de oração se reanima e a graça, sempre
vitoriosa, faz prevalecer a paciência, a resignação, o desapego
de si mesmo e o abandono em Deus. Assim é que o Senhor
aperfeiçoa a virtude; assim é que purifica a alma antes de nela
derramar o bálsamo sagrado das consolações; e, se ela não
puser obstáculo a esta misteriosa purificação, não tardará a
serenidade do céu a suceder às angústias e aos tormentos.
II — Nosso Senhor atravessou o caminho do abandono e
das humilhações para entrar em sua glória. Jesus vai à nossa
frente; sigamo-lo. Os sofrimentos desta vida servem de
purgatório à alma regenerada e, esgotado o tempo das dores
transitórias, a tristeza mudar-se-á em alegria. A condição
essencial da purificação é a constância, pois que o desânimo
faz abortar a obra de Deus e o fruto viria a cair da árvore antes
de sua maturação.
Além disso, Jesus está permanentemente conosco, mesmo
quando aparenta estar dormindo; faz-nos sentir sua presença
por uma proteção contínua.
76
de indiferença ante nossos sofrimentos. E a realidade é que
sua presença é tanto mais certa quanto mais próxima de nós
está a tentação. "Repeliu o Senhor, algum dia, alguém que em
sua aflição o invocasse?".
77
SÁBADO DA IV SEMANA DO TEMPO COMUM
Recorre a Maria nas tentações e nas provações
I — A Escritura denomina ao tentador: príncipe do orgulho.
Ele reina sobre os espíritos independentes e presunçosos; mas
não tem império algum sobre os mansos e humildes de
coração. Eis por que jamais poderia vencer as almas que se
filiam a Maria como a sua mãe e a tomam por modelo. A
humildade da Virgem imaculada reparou a criminosa exaltação
de Eva. Ela é o contraveneno da falta original. Do mesmo
modo que o fogo faz fundir o gelo — assim se exprime um
doutor da Igreja — a humildade põe em fuga os maus espíritos.
Sua fragrância celeste afugenta as tentações, desfaz as
nuvens e embalsama as feridas. "Deus confundirá a raça dos
soberbos — diz o profeta — e salvará os humildes".
Filhos da santíssima Virgem, refugiemo-nos sob a proteção
de nossa Mãe e sigamos seus exemplos.
II — É um pensamento delicado e frutuoso fazer passar
pela humildade do coração de Maria as orações dirigidas ao
Coração de Deus. Esta mediação as purifica e comunica-lhes
uma virtude que as torna eficazes. O Senhor nunca rejeita um
coração contrito e humilhado. "O que se humilha na oração,
acrescenta o salmista, separará as nuvens do céu". Quanto
mais nos compenetrarmos do espírito e dos sentimentos de
Maria, tanto mais poderosos seremos junto de Deus e
inacessíveis ao nosso inimigo. A humildade é uma égide que
nos põe ao abrigo do mal; e, como o imã, que atrai o ferro, faz
descer em nós a força do alto.
A humildade de nossa divina Mãe será nossa salvaguarda,
se for objeto de nossa imitação. Conservar-nos-á de pé em
meio às tempestades e nos levará ao porto da salvação.
78
na parábola do trigo e do joio. O campo de trigo é o mundo; a
boa semente é a imagem dos filhos de Deus; o joio representa
os frutos do espírito do mal; a colheita é o julgamento de Deus;
os ceifadores são os anjos; o fogo que deve consumir o joio é o
inferno; os celeiros onde são recolhidas as espigas de trigo é o
céu. Observemos os diversos graus de profundeza desta
parábola. Aplica-se ao mundo, que Deus criou puro, e que o
demônio perverteu; aplica-se à Igreja, que Deus formou cheia
de graça e de verdade, e em que o inimigo fomentou
escândalos; aplica-se a cada fiel que Deus santificou, e que o
demônio procura corromper.
Aprendamos a discernir o que, em nós e fora de nós, vem
de Deus ou do demônio, a fim de resistirmos ao mal e
cultivarmos o bem.
II — A semelhança do campo de trigo com a vida do cristão
sobre a terra induz-nos a refletir nas condições dos nossos
eternos destinos. Nossa existência atual é o início de uma vida
que jamais se findará. Aqui estamos no tempo da sementeira,
da cultura e dos primeiros desenvolvimentos; mas a maturação
só é atingida no termo da vida e a perfeição completa somente
se alcançará no mundo de além. Vivemos na esperança; o
campo está semeado; mas quantas ervinhas inúteis, quanto
joio se entremeiam ao trigo! Serão reconhecidos pelo produto.
O dono é paciente: espera. E somente ao fim da colheita,
quando todos os germes houverem atingido seu pleno
desenvolvimento, é que Deus dará a cada um segundo suas
obras.
Que deslumbramento nos inebriará no grande dia da
colheita, se, fiéis à graça e vitoriosos do inimigo, nos virmos
admitidos na sociedade dos santos e dos bem-aventurados!
79
primeiro homem, quem manchou as obras do Criador, quem
deitou a semente envenenada entre a semente das bênçãos
divinas e, por suas instigações, fez brotar cardos e espinhos,
onde o Senhor semeara os germes das virtudes evangélicas.
Eis a triste causa das complicações da vida atual. O homem
traz em si um misto de elementos incompatíveis; é divino na
parte nobre do seu ser, ao passo que a sua natureza inferior é
infestada pela corrupção. É o trabalho máximo da presente
vida: combater os maus instintos e dominar a natureza
decaída, pelos triunfos da graça.
Cultivemos cuidadosamente os elementos celestiais que
Jesus implantou em nós, a fim de que nossa alma, inundada de
gozo, possa descansar um dia no seio de Deus.
II — Os homens dormiam, anota o Evangelho, enquanto o
inimigo espalhava o joio no campo. Concluímos daí que o
demônio não dorme; espreita as ocasiões em que
adormecemos para por em execução seus planos maléficos.
Quando nos vê negligentes ou sossegadamente entregues a
uma falsa segurança, quando encontra escancaradas e
acessíveis as avenidas dos nossos sentidos, de nossa
imaginação ou de nosso coração, atira-se de chofre sobre nós
e lança as sementes que a seu tempo produzirão os frutos de
morte. Jesus nos previne, aconselha-nos constantemente a
estarmos prevenidos contra perigo tão iminente. "Vigiai, repete
Jesus, pois que o espírito está pronto, mas a carne é fraca. Vi-
giai, pois não sabeis nem o dia nem a hora. Vigiai e orai, para
não sucumbirdes à tentação".
A oração assídua unida à vigilância nos preservará de
qualquer surpresa do inimigo.
80
produzem unicamente obras mortas. Outros, enriquecidos de
virtudes, curvam-se como espigas carregadas de bons grãos.
Ambos vivem do mesmo suco, fazem parte da mesma cultura e
juntos aguardam o dia da colheita. Ora, nessa mistura de bons
e maus, que parte somos? O que são os outros? Ignoramos!
Eis por que a Escritura nos aconselha a sermos sóbrios em
nossos juízos. Quantas vezes, na fase atual de nossa
existência, tomamos o trigo pelo joio e vice-versa.
A caridade nos veda julgarmos os outros e a humildade
nos proíbe a nossa própria estima.
II — Consideremos que, ao crescer, o joio ameaça abafar o
trigo; fenômeno este igualmente aplicável à ordem moral;
porque, se, de um lado, temos de fugir aos maus exemplos,
cuja influência contamina as melhores sociedades, por outro,
nossos próprios defeitos, nossas más qualidades, nossas
imperfeições descuidadas poderão, aos poucos, estragar o
nosso coração. O mal por muito tempo trabalha às ocultas;
deita suas raízes antes que a flor surja da terra; e é muito de
recear o seu triunfo, pois que no começo pode facilmente
escapar às investigações da nossa consciência.
Compreendamos com que severa vigilância é preciso
reprimir as tentações, venham elas de fora ou surjam do nosso
próprio íntimo. Fracas ao princípio, facilmente poderão ser
dominadas; mas depois, estimuladas pelo progresso, tornam-
se audazes e importunas. O cultivo de nossa alma exige
frequentes exames de consciência, para que, purificada das
menores manchas, produza frutos de penitência e de
santidade.
81
II — Os servos, aos quais se refere a parábola, não
possuíam noção alguma do verdadeiro zelo evangélico quando
se propunham suprimir imediatamente o mal e transmudar tudo
em bem. As correções espirituais, mais ainda do que as
corporais, reclamam sábias delongas; e os remédios mais
eficazes, aplicados inoportunamente, poderiam matar em vez
de curar. O zelo que procede de Deus sabe esperar sem
impaciência e agir sem precipitação; nem se deixa abater pelos
fracassos, nem exaltar pelos sucessos. Mas seja que trabalhe
em sua própria santificação ou que se dedique à salvação dos
outros, apoia-se sempre em uma direção superior.
O mais acertado meio para alcançar êxito é auxiliar a graça
e unir as bênçãos da oração ao gênio da caridade.
82
do dia em que Deus de novo separará a luz das trevas. Então,
diz a Escritura, os obreiros da iniquidade serão para sempre
perversos, enquanto aqueles que houverem perseverado no
bem serão coroados de honras e de glória!
83
SÁBADO DA V SEMANA DO TEMPO COMUM
Maria é a celeste flor dos campos
I — A Escritura enaltece a flor misteriosa em cujo seio
germinou a humanidade do Deus do amor, fruto bendito de
suas entranhas. Nela se formou o trigo dos eleitos, a espiga da
santidade, o pão da imortalidade. Esta flor do céu fora
contemplada pelo patriarca Isaac, quando exclamou: "O bom
odor que se desprende das vestes de meu filho é semelhante
ao aroma de um campo de bênçãos". Maria, ao revestir seu
Filho da beleza humana, ficou impregnada de uma unção que
exala sobre todos os filhos dos homens.
E nós também, que nos alimentamos do fruto desta flor
virginal, conservemos ciosamente em nossa alma a graça da
caridade, e espalhemos o bom odor de Cristo.
II — Herdeira dos patriarcas, dos reis, dos profetas e dos
pontífices, a Virgem concentrou em si o foco de todas as
bênçãos que resgataram a natureza humana. Conforme a
expressão dos livros sagrados, Maria recolheu o orvalho do
céu e a nata da terra; possuiu toda a abundância do trigo e do
vinho; conservou o tesouro que enriqueceu o mundo; nutriu em
seu seio a estirpe da árvore da vida. Eis por que esta flor
virginal foi impenetrável às astúcias do inimigo; nunca o joio ou
outra semente nociva teve com ela o mais leve contato. Pura e
inocente, protege a inocência e deita suas raízes nas almas
puras.
Se queremos produzir frutos de santidade, apeguemo-nos
fielmente a Maria, por quem receberemos a seiva do Santo dos
santos.
As almas consagradas a Maria Santíssima são repre-
sentadas, na Escritura, sob o emblema de um pomar de
variadas flores que reproduzem sua imagem e a ela se
assemelham.
84
misterioso deve morrer no sulco; mas do fundo do seu
abatimento se erguerá uma árvore viva da Igreja, cujas almas
regeneradas constituem os ramos. Um mesmo princípio de
vida anima o tronco e os ramos; e quando estas não opõem
obstáculos à circulação da seiva divina, florescem e frutificam
com fecundidade admirável. Todas juntas não formam senão
uma viva unidade. "Aquele que em mim permanece, produzirá
muitos frutos", diz o Senhor.
II — Cada grão confiado à terra produzirá, ao nascer, um
fruto conforme a sua espécie. Esta lei da ordem natural
encontra-se na ordem divina. O Filho de Deus, incorporando-se
na humanidade como um misterioso enxerto, reproduz-se em
seus discípulos e neles forma um novo ser. Conforme a
linguagem dos santos padres da Igreja, o cristão interior é um
novo homem que se desenvolve para o céu à medida que o
antigo decresce e se despoja. O discípulo que é animado da
vida de Jesus Cristo continua a vida de Cristo. São Gregório de
Nazianzo chama-o: "alter Christus" — outro Cristo; donde
provém o sentido profundo do nome de cristão. Significa, diz
santo Ambrósio — caridade, unção, bondade, suavidade,
castidade, paciência, humildade, obediência; exprime tudo
quanto significa o nome de Jesus Cristo. Temos como dever
primordial justificar, pela santidade de nossa vida, a
sublimidade da nossa vocação.
Sejamos humildes e deixemos que o mundo nos calque
aos pés; pois que, depois de sermos homens de dor, como
Jesus, viremos a ser santos e homens de Deus.
85
dimentos. É mais por sua marcha suave e perseverante do que
por impetuosos movimentos, que ela se eleva e se dilata
através dos séculos, vitoriosa sempre. E, para executar esta
obra monumental, Deus se serviu dos mais fracos
instrumentos, para confundir os sábios e os poderosos da terra;
escolheu aqueles que o mundo reputava insensatos.
Que ninguém atribua seus sucessos a suas próprias
aptidões! Que ninguém igualmente se valha de sua in-
capacidade para se dispensar do serviço de Deus!
II — O mistério do grão de mostarda não é aplicável
unicamente à Igreja; visa também a alma cristã; pois, assim
como a semente que, confiada à terra, só sucessivamente é
que produz folhas, flores e frutos, do mesmo modo o germe da
vida divina, lançado na alma, desenvolve-se gradualmente até
sua perfeita maturação. O mesmo Jesus, que é nosso modelo
e nossa vida, crescia em graça e em sabedoria; misterioso
crescimento que deverá produzir-se em cada um de nós e nos
elevar, pouco a pouco, a uma sublime santidade. Mas não so-
mos nós que damos crescimento a esta nova vida. A parte que
compete ao homem, nas obras de Deus, é secundar fielmente
o trabalho da graça. A sabedoria não lhe ordena fazer tudo que
é bom; mas aconselha a fazer bem tudo o que fizer, e a
cumprir dignamente sua obrigação de cada dia.
86
II — São Paulo nos ensina que somos predestinados a ser
conformes à imagem de Jesus Cristo; essa imagem somente
poderá aparecer em nós, depois da destruição de nossa
natureza. A cruz é que opera esta renovação; ela nos mortifica
e vivifica. Livra-nos dos laços terrestres, dos revestimentos
heterogêneos, a fim de nos tornar acessíveis à divina luz e
capazes de nos unir ao Santo dos santos. A mortificação cristã
executa voluntária e gradualmente aquilo que a morte forçosa-
mente o fará; faz-nos morrer cada dia ao que não deverá
subsistir, para que possamos atestar com são Paulo "que o
mundo está morto para nós assim como estamos mortos para
ele".
Mas no seio dessa morte vai surgir a vida divina, e então
afirmaremos com o mesmo apóstolo: "Vivo, mas não sou eu
quem vive; é Cristo quem vive em mim!".
87
ocasião de praticar uma virtude magnânima; mas todos os
dias, a cada instante, temos, ao mesmo tempo, a ocasião e a
missão, tanto de combater o mal, quanto de praticar o bem. Diz
o Evangelho que Jesus fez bem todas as coisas; e depois
deste testemunho, acrescenta que ele deu a vista aos cegos e
desatou a língua aos mudos.
A ordem deste relato nos demonstra que o perfeito
desempenho dos deveres quotidianos é o prelúdio das ações
brilhantes.
88
nenoso, que avoluma as pretensões do orgulho, fomenta as
murmurações contra a autoridade, e excita a fermentação de
todas as concupiscências. É a este fermento que alude nosso
Senhor, quando adverte seus discípulos para que se acautelem
contra o espírito farisaico: espírito de vaidade, de ostentação
que, sempre cheio de si, facilmente se irrita contra o próximo.
Cerremos nosso coração a esse fermento maligno, como o
denominava são Paulo; pois o mínimo pensamento de orgulho,
quando consentido, pode produzir mortais inflamações e des-
truir os melhores sentimentos.
II — O amor próprio, isto é, o amor desordenado de si
mesmo e que se quer impor às outras criaturas, eis o fermento
sutil que incha aos poucos o coração, invade os pensamentos
e envenena a vida toda. Este mal hediondo concentra-se no
egoísmo, espécie de verme solitário que corrói a substância da
alma. Desejamos preservar-nos do fermento farisaico?
Aprendamos com Jesus a mansidão e humildade de coração.
A caridade, o amor de Deus, os sentimentos nobres e
piedosos, somente poderão se erguer sobre as ruínas do
orgulho: "Aquele que se ama, se perderá; e aquele que se
odiar neste mundo, se salvará", diz Jesus.
89
II — O lêvedo que nos regenera e santifica é o sacramento
da carne e do sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. "Ora, esta
carne é a carne de Maria, este sangue é o sangue de Maria!"
exclama santo Agostinho. Grande verdade, que nos deixa
pressentir a intimidade e sublimidade das relações existentes
entre Maria e a alma cristã. O que Maria fez de modo visível
para nosso Senhor Jesus Cristo, fez invisivelmente para nós
que somos os membros de Jesus Cristo e que recebemos, em
nosso coração, seu espírito e sua vida. Ela zelou por Jesus em
seu crescimento; é igualmente sob o seu olhar maternal que
devemos crescer em graça e em sabedoria. É ela quem
protege e favorece o desenvolvimento do fruto da vida que
recebemos na sagrada mesa. Mas estará esse
desenvolvimento em proporção com as graças que
recebemos? Nosso desenvolvimento já estará alegrando a
nossa Mãe do céu? Somos obedientes? Somos humildes e
pacíficos, mansos e generosos? Quais são os nossos
progressos na prática da renúncia, da pobreza, da dedicação,
da divina caridade? Possa o fermento da divina Eucaristia
levedar todas estas virtudes, pois que só se comunga
dignamente quando se comunga frutuosamente. Imploremos
esta graça a nossa divina Mãe.
3
Na edição de 1941, aqui se tinha Domingo da Septuagésima, que
inicia um período de quase 70 dias que precede a Páscoa. Com a
reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, esse período foi introduzido
no que chamamos hoje de Tempo Comum (confira Observações, pág.
7). (N. do revisor)
90
Deponhamos nossa confiança naquele que nos assiste, ao
mesmo tempo, e que nos exorta e nos ilumina. Apoiados em
seu auxílio, tudo nos será fácil.
II — Esta parábola da Septuagésima marca as expansões
sucessivas da divina Bondade que se manifesta em diversos
tempos e de formas variadas. O Pai celeste convida todos os
homens a trabalharem em sua vinha, trabalho que deve visar
primeiramente a nossa própria santificação. Nossa alma é uma
vinha de maravilhosa fecundidade; exige um cultivo esmerado;
deve ser cortada, regada, podada, escorada. Este trabalho é
longo, e a vida é curta, diz o Sábio. Perder o nosso tempo seria
perder nossa vida, seria perder o céu e a eternidade.
91
É este o fim visado pelos obreiros evangélicos. E é também
o que são Paulo escreve aos filipenses: "Prossigo em minha
carreira para chegar ao termo a que me chamou Cristo; e,
esquecendo o que ficou atrás, adianto-me, correndo sem
cessar, para alcançar o fim da minha carreira, e obter o prêmio
da felicidade do céu".
92
QUARTA-FEIRA DA VII SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Por que ficais assim ociosos o dia todo?"
I — Ao considerar a vastidão deste mundo, quantas
pessoas desocupadas nele não encontramos! Quantos cristãos
desperdiçam suas energias, tempo, talento, sua vida inteira em
agitações estéreis! A obra da santificação não consiste
unicamente em se abster do mal, é preciso praticar o bem e
bem o realizar! A atividade que não vem de Jesus e que para
ele não converge, é uma ação morta. A observação sobre a
preguiça recai, por conseguinte, não só sobre aqueles que
nada fazem, mas também sobre os que agem mal e sobre
aqueles que se ocupam em coisas diferentes de sua obrigação.
A mesma sentença os ameaça: "Ligai-lhes os pés e as mãos e
lançai-os às trevas exteriores, onde só haverá lágrimas e
ranger de dentes!".
II — As boas obras cristãs consistem mais em uma vida
santamente ocupada do que na multiplicidade de empresas e
de trabalhos. Há uma série de ações diárias que bastam à
santificação, quando cumpridas regularmente e com reta
intenção. O levantar-se pela manhã, a oração, a meditação, a
tarefa designada a cada hora do dia, o exame de consciência,
as refeições, os recreios os exemplos edificantes, a paciência
em suportar o próximo, os exercícios de piedade aos quais se
prende uma infinidade de ocasiões de praticar o zelo, a
paciência, a caridade, o sacrifício pessoal; eis as comuns
ocupações das almas que aspiram à perfeição; e se
conscienciosamente a elas se aplicam, escapam aos
aborrecimentos causados pela ociosidade, aos assaltos da
tentação e aos perigos de uma vida estéril.
93
santificação. Quando soar essa hora suprema, nossa alma
será chamada perante o ecônomo do pai de família, Jesus
Cristo, o juiz dos vivos e dos mortos; comparecerá em sua
presença adornada com as virtudes que houver cultivado ou,
então, despojada de frutos e empobrecida por inútil existência.
Uma sentença irrevogável será pronunciada e seremos
eternamente felizes ou eternamente desgraçados, conforme
houvermos procedido no serviço de Deus.
Meditemos sobre estas verdades em todos os dias de
nossa vida; incitar-nos-ão ao trabalho, sustentarão nosso
ânimo e hão de nos preservar de qualquer infidelidade.
II — Consideremos que, na remuneração dos trabalha-
dores, o dono da vinha aprecia menos a duração do trabalho
do que o trabalho em si mesmo; pesa a recompensa, não pela
multiplicidade ou importância do trabalho, mas sim pela sua
perfeição. Ora, para que as obras sejam perfeitas, necessário é
que procedam de uma intenção reta e pura e que tenham a
Deus por alvo. Esta disposição do coração enobrece as ações
mais comuns e imprime-lhes um cunho de subido valor, ao
passo que, na sua falta, por numerosas e brilhantes que
pareçam, serão destituídas de todo o mérito e nada valerão
perante Deus. Valorizemos, pois, as nossas ocupações diárias,
vivificando-as com o espírito de caridade e de amor. Que
nossos atos e nossos pensamentos tenham por objetivo
glorificar a Deus, edificar o nosso próximo e santificar nossa
alma. A recompensa que coroará nossos esforços é superior à
nossa compreensão.
94
celestiais delícias, foco da caridade, da vida, do amor, da luz e
da beleza. Ele estanca a sede da alma, sacia-lhe todos os
desejos: "Ele a inebria, diz a Escritura, e com uma torrente de
divinas alegrias". Se tal é a recompensa reservada a seus
discípulos, qual não será o quinhão daqueles que tudo
abandonaram para se entregarem ao seu serviço?
II — Embora seja a sublime bem-aventurança a re-
compensa geral conferida às almas fiéis, contudo, não gozarão
todas em grau igual. Cada um receberá a recompensa
proporcional a seu trabalho, diz são Paulo, porque existem
várias moradas no reino do céu e, por conseguinte, vários
graus de glória e de majestade. Assim como os diamantes
expostos aos raios do sol irradiam conforme sua lapidação,
assim como os diversos astros aumentam ou diminuem seu
brilho, conforme sua posição relativamente ao rei dos astros,
assim as almas recompensadas dos seus trabalhos
participarão dos esplendores divinos em graus diversos,
conforme a medida dos seus sofrimentos, dos seus combates,
da sua dedicação, da sua caridade.
"Ó homem!, exclama santo Agostinho, se queres te animar
à paciência e ao trabalho, pondera na recompensa!".
95
força hão de nos dar tais disposições de alma, na casa do Se-
nhor!
II — Maria acrescenta seu próprio exemplo às instruções
da divina sabedoria; porque ela fez o que nós devemos fazer e,
como Jesus, pôs em prática as virtudes que nos devem servir
de modelo. Desde os primórdios de sua vida, entregou-se a
Deus sem reserva e permaneceu constante e fiel até seu
derradeiro suspiro. Esta disposição do seu coração foi
permanente; por isso é que Deus, quando lhe manifestou seus
desígnios, a encontrou pronta: "Sou a escrava do Senhor, faça-
se em mim segundo a sua palavra!" Maria tudo aceita, não tem
outra vontade senão a de Deus; submete-se às provações por
mais rigorosas que sejam; cumpre sua vocação dia a dia; e sua
vida inteira, é um sacrifício perpétuo, unido ao sacrifício de
Jesus Cristo. Desse modo tornou-se cooperadora da nossa
salvação, o modelo de todos que, seguindo seu exemplo,
trabalham na salvação das almas.
Felizes os operários evangélicos que na escola de Maria
aprendem a servir o bom Mestre, com ânimo e confiança!
96
II — Nada poderemos produzir por nós mesmos. Assim
também todo nosso mérito depende das disposições com que
cultivarmos a semente depositada em nossos corações. Quer a
palavra divina nos instrua interiormente por uma secreta unção,
quer nos seja revelada pelos livros sagrados, quer nos fecunde
pela voz dos ministros da Igreja, devemos conservar a
substância cheia de luz e de virtude.
É uma verdade comprovada que, se os ensinamentos de
Deus não nos melhoram, nos tornam mais culpados e maus.
"Muito será pedido a quem muito recebeu". Não basta ouvir a
palavra com respeito; é preciso dar-lhe franco acesso à nossa
alma e a ela aderir por uma cooperação ativa e perseverante.
97
minhas delícias e transformou-se em mim numa fonte de água
viva".
98
palavra de Deus; apreciam-lhe a beleza, admiram sua
sublimidade, e, cheias de ansiedade, desenhariam recolher
seus frutos logo no dia seguinte à sementeira. Mas estas
almas, acrescenta o Evangelho, não têm constância, porque a
semente da palavra parou na superfície da imaginação, não
desceu até aos sulcos do coração; despertou os bons desejos,
mas não moveu a vontade; produziu flores, mas estas, devido
à falta de raízes, feneceram antes da época dos frutos. Estas
almas, fecundas em teorias e estéreis em realizações, são pro-
missoras na primavera, mas não resistem aos furacões da
estação tempestuosa, esmorecem e se abatem.
Escaparemos a tais perigos, se unirmos aos nossos es-
forços quotidianos a meditação assídua da palavra de Deus.
II — As pedras que se acumulam no campo da nossa alma,
impedindo a semente divina de deitar suas raízes, são bem
mais perigosas porquanto substituem as realidades por ilusões.
O solo de pouca profundidade faz nascer rapidamente um
mundo de bons pensamentos que passam por virtudes;
confundem-se as veleidades passageiras com atos eficazes da
vontade; alega-se com a multiplicidade dos bons desejos, sem
aproveitar os meios e as ocasiões de pô-los em execução; de
maneira que se vive de uma ilusória segurança e uma
esperança estéril. Compete-nos averiguar quais os obstáculos
que obstruem nossa alma. Os empecilhos mais comuns que a
palavra de Deus encontra são: o parecer pessoal, a atenção
demasiada a nós mesmos, as suscetibilidades do amor próprio,
as preocupações do passado e do futuro, ou as antipatias e
afeições exageradas. São João nos aconselha a nos
premunirmos contra certos ídolos espirituais. A alma piedosa
triunfará neste ponto por generosos sacrifícios e pela oração
perseverante.
99
de Deus e intercepta a seiva da graça. As almas afastadas do
mundo se arriscam a sucumbir a essas mordeduras mortais, se
à solidão levam consigo preocupações estranhas à sua
vocação. Como poderia o Evangelho irradiar sua luz, espalhar
a paz e a unção divina, no meio desse emaranhado de urzes
que abafam todas as inspirações do espírito de Deus?
II — O cultivo espiritual exige um trabalho constante; pois
se trata de extirpar instintos viciosos que abundam sob
múltiplas formas na natureza humana. Estes espinhos são
débeis no começo, e basta, para arrancá-los, um pequeno
esforço; mas, se nos descuidarmos e eles crescerem, então se
tornarão vigorosos, resistirão a tudo. Bem felizes seremos se
uma poderosa graça vier em nosso auxílio, para destruir o que
não procuramos arrancar!
Combatamos o mal antes que se degenere em hábito, e
cultivemos o campo de nossa alma com uma conscienciosa
solicitude.
100
são objeto de uma longa e gradual cultura. "Conservo Vossas
palavras ocultas dentro do meu coração!" dizia Davi. Ensina-
nos isto que não devemos arriscadamente exteriorizar as
graças do espírito interior, com receio de que a seiva se esgote
e se dissipe.
Moderemos nossa ansiedade e aguardemos os momentos
de Deus. É a paciência um poderoso instrumento de cultivo
moral; é igualmente a condição da perseverança que coroa
todas as obras e todas as virtudes.
101
IX DOMINGO DO TEMPO COMUM
"Eis que vamos para Jerusalém; e tudo aquilo que foi dito
pelos profetas a respeito do Filho do homem, será realizado"
(Lc 18, 31).
I — Penetremos nas intenções da Igreja, que desde hoje
nos convida a meditar mais consideradamente sobre os
sofrimentos de nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de nos afastar
das vaidades e das desordens do mundo. Enquanto Jesus nos
avisa que vai morrer por nós, quantos cristãos só pensam nos
prazeres! Excedendo em culpa aos judeus, que não sabiam o
que faziam, renovam todas as dores de nosso Senhor,
entregam-no às derrisões do mundo; retribuem seus benefícios
por ultrajes, menosprezam o nome de cristãos e vivem como
pagãos; crucificam-no em seus corações, diz são Paulo, pois
que pisam aos pés o preço da redenção.
Prostrados ante o sacrário, peçamos o perdão para eles e
para nós; deploremos a nossa indolência e nossa ingratidão;
imploremos a divina misericórdia e a infinita bondade do
Senhor nosso Deus.
II — Enquanto a multidão permanece fria e indiferente em
face do Salvador que vai operar a redenção do mundo, um
pobre cego, sentado à beira do caminho, comove-se ao rumor
das maravilhas que o impressionam, e brada: "Jesus, Filho de
Davi, compadece-te de mim!" Jesus o atende prontamente e
devolve-lhe a vista. Não será este cego uma figura do povo de
Israel, que jaz tristemente sentado na escuridão? Reconhece
ele seu infortúnio, e sem se deixar intimidar pela multidão que o
comprime, invoca bem alto o Messias. É em sua última hora
que Jesus opera este milagre. O cego recupera a vista no
momento em que outros a perdem; e a fé se acende em seu
espírito quando se extingue na multidão.
Sejamos nós quais formos, repitamos sempre esta salutar
invocação: "Jesus, Filho de Davi, tende piedade de nós!".
102
sangrenta; prendiam-se de preferência às predições da glória
de seu segundo advento. A esperança que haviam concebido
de uma realeza terrestre não concordavam com as ignomínias
que lhes anunciava o Senhor. Este é ainda o erro dos judeus e
também a causa da incredulidade de muitos cristãos que de
bom modo partilham dos triunfos da Igreja, mas repelem o
mistério da cruz. Ardentes de zelo na prosperidade, desfalecem
à entrada da via dolorosa.
Compreendamos melhor as verdades do cristianismo, e
recordemo-nos que é passando pela morte que chegaremos à
verdadeira vida.
II — Os discípulos não podiam conceber o mistério das
humilhações do seu Mestre, porque geralmente não
compreendemos aquilo que não desejamos compreender. Nós
também, embora sejamos formados na escola de Jesus e
alimentados de sua doutrina, somos falhos de compreensão
nas ocasiões em que se nos mostra necessário tomar uma
parcela da cruz e tragar uma gota do cálice da amargura. A
nossa natureza, que não quer renunciar a si mesma, tem em
horror a mortificação e o sacrifício; e, por uma voluntária ilusão,
olha como práticas supérfluas os atos que contrariam os
gostos, os interesses ou as paixões.
O Espírito de Deus condena esta piedade comodista; e as
almas verdadeiramente cristãs não discutem as condições da
salvação; sabem que o que foi dito do Mestre aplica-se
igualmente aos discípulos e consentem em sofrer com ele, a
fim de, em sua companhia, chegarem à eterna bem-
aventurança.
103
pecado; com Jesus, são atos expiatórios que saldam os
pecados.
Unamo-nos, pois, por uma viva fé, àquele que tão ge-
nerosamente se adianta para a morte, a fim de nos traçar a
estrada da salvação e de nos aplanar a senda da vida.
II — A sentença de morte a que Jesus se vai submeter, em
Jerusalém, foi também pronunciada contra nós; e havemos de
sofrê-la em chegando a nossa hora. A cada passo, a cada
instante da nossa vida, a cada hora, mais se aproxima o nosso
fim. Este pensamento estava sempre presente a nosso Senhor,
e ele o menciona frequentemente aos apóstolos. Não devemos
também nós jamais esquecê-lo; pois a perspectiva do termo da
nossa carreira contribui para nos mantermos mais moderados
e mais pacientes; ele nos previne contra as ilusões do mundo e
nos estimula a santamente empregarmos o nosso tempo e a
trabalharmos eficazmente para a eternidade.
Exercitemo-nos, com são Paulo, a morrer todos os dias;
isto é, a gradualmente nos libertar dos laços que nos prendem
à terra e dos obstáculos que impedem nossa união com Deus.
QUARTA-FEIRA DE CINZAS
"Fazei soar a trombeta em Sião, e ordenai um jejum
sagrado"
(Joel 2, 15)
I — À entrada dos quarenta dias consagrados à penitência,
a Igreja assume a voz severa dos profetas, para nos exortar à
renovação na graça de Deus. Felizes as almas que respondem
ao solene convite; pois aproxima-se a data em que a trombeta
do arcanjo anunciará o fim das provações terrestres. Ter-se-á,
então, esgotado o tempo da penitência, todo arrependimento
será inútil. Façamos agora e sem dilação o que, no último dia,
desejaríamos ter feito. "Agora é a ocasião propícia, diz o
apóstolo, dias de graça e de salvação". Roguemos a Deus que
em nós excite o arrependimento de nossas faltas e que nos
conceda um coração contrito e humilde.
II — A penitência não consiste unicamente em abstinências
e mortificações corporais; visa, sobretudo, o coração, a
vontade e a conduta. Fazer penitência é afastar nosso amor de
toda afeição viciosa, para amar puramente a Deus; é renunciar
a todas as satisfações passageiras, para obedecer filialmente à
vontade de Deus; é reformar as imperfeições de nossa
104
conduta, para viver santamente segundo a lei de Deus; em
suma, fazer penitência é trabalhar para a destruição do homem
velho, para auxiliar a ressurreição do homem novo. Mas o
espírito de penitência não poderia reanimar os que se julgam
justos e virtuosos, mas tão somente àqueles que têm
consciência de suas enfermidades espirituais e que, a título de
pecadores, imploram a misericórdia do Senhor. Sirvamo-nos
das palavras de Davi para pedir a Deus o espírito de penitência
e se não podemos empregar austeridades voluntárias para nos
castigarmos, ao menos aceitemos de bom grado as aflições,
trabalhos, acidentes e sacrifícios que a Providência nos impõe.
105
SEXTA-FEIRA DA IX SEMANA DO TEMPO COMUM
"Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito" (Mt 5,
48)
I — A perfeição exigida à alma cristã, pelo Evangelho, não
é apenas um conselho: é um preceito. A obra de Jesus Cristo é
de restaurar em nós a imagem de Deus desfigurada pelo
pecado, pois está escrito que ninguém entrará no reino dos
céus sem se ter purificado de suas manchas. Não há pretexto
que dispense do trabalho da santificação. O Santo dos santos,
que nos ordena sermos santos, concede-nos os meios de
realizar o que ordena, e opera em nós o que prescreve. Além
disso, a perfeição evangélica não é mais do que a irradiação do
amor, e este amor dá-se a nós. Amai e sereis perfeito.
II — São Dionísio, o Areopagita, ensina que Deus, na
plenitude de sua luz, nada mais deseja do que espalhar seus
esplendores nas almas e comunicar-se plenamente àquelas
que estão vazias de si mesmas; acrescenta, porém, que essas
comunicações divinas só se fazem, por graus, isto é, na
proporção à fidelidade com a qual são recebidas e aos frutos
de santidade que produzem. Eis por que a alma cristã,
mormente a alma consagrada a Deus, deve esforçar-se, por
ardente desejo e contínuo movimento de coração, a andar no
caminho da perfeição evangélica. A senda do justo, diz a
Escritura, é como uma luz brilhante que aumenta cada vez
mais, até atingir a claridade perfeita. Aspiremos constante-
mente a progredir no caminho da virtude, tendo em mente a
lição de são Bernardo: "Não progredir é retrogradar; não subir é
descer; desprezar as pequenas coisas é arriscar-se a grandes
faltas".
106
zam e combatem. Vem sempre em auxílio de nossa coragem e
de nossa confiança; mas, quando parece abandonar-nos por
algum tempo a nós mesmos, visa simplesmente fazer-nos
experimentar a nossa fraqueza e manifestar, no auge da nossa
enfermidade, a força divina do seu braço.
II — A ilusão dos apóstolos à vista de Jesus, dá-nos
ocasião de notar os dois excessos opostos em que caem
comumente certos espíritos, quando lhes falta uma direção
esclarecida. Ora tomam Jesus por um fantasma, ora tomam
fantasmas por Jesus. Os primeiros atribuem à sua imaginação
as luzes do Espírito Santo e têm por quimeras os ditames da
sua consciência, de modo que se desviam leviana ou
receosamente das celestes inspirações. Outros caem em erro
não menos perigoso: tomam por santos pensamentos todas as
fantasias sugeridas pelo seu amor próprio; por revelações
celestes, as presunções do seu orgulho. Tais espécies de
tentações são muito comuns, pois os próprios apóstolos delas
foram vítimas na ausência de Jesus. Para evitá-las o único re-
médio é a obediência humilde e fiel.
I DOMINGO DA QUARESMA
Tentações de nosso Senhor no deserto (Mt 4, 1-11).
I — Consideremos o Filho do homem em contato com a
pérfida serpente. Fez-se homem, para combater face a face
com o adversário do homem. A provação do paraíso terrestre
recomeça no deserto. Jesus triunfa onde sucumbiu Adão e sua
vitória é tal que nos proporcionou todos os meios de triunfar.
Adão se deixou seduzir pelo espírito do orgulho; Jesus, por sua
humildade, é inacessível à sedução. Adão entrou em discussão
com o tentador; as objeções deste levaram-no à dúvida, à opo-
sição. Jesus não discute com o inimigo; não transige; limita-se
a opor-lhe estas simples palavras: "Foi dito... Está escrito...". A
exemplo do nosso divino Salvador, anularemos as astúcias do
inimigo, se permanecermos humildemente apegados à palavra
divina, da qual é intérprete a Igreja.
II — A vida do homem na terra é um ininterrupto combate,
assevera a Escritura. O homem, colocado entre o bem e o mal,
deve escolher, e todo o seu mérito, bem como seu destino
futuro, depende do uso que houver dado à sua liberdade.
Quando Deus permite a provação, nunca admite que seja
acima das nossas forças; proporciona sua graça a todas as
107
situações e a cada um dirige o que disse a são Paulo: "Minha
graça te basta". Se a graça nos faltar, é que não a pedimos ou
não a secundamos. Feliz aquele que saiu vitorioso da tentação!
Pois nos diz o apóstolo São Tiago que "após a luta e o triunfo,
receberá a coroa da vida".
108
TERÇA-FEIRA DA I SEMANA DA QUARESMA
Jesus expulsa os vendilhões do templo (Mt 21, 12. 13).
I — Nosso Senhor, que em tantas circunstâncias manifesta
seu poder divino, sua glória e mais frequentemente sua
misericórdia e mansidão, por vezes, terrivelmente severo, deixa
explodir sua justa indignação. Habitualmente manso e pacífico,
e sempre paciente para com os maiores pecadores, é
inexorável para os hipócritas e mercenários. Seu zelo
desconhece o respeito humano; não teme afrontar os inimigos
de Deus. Só, contra muitos, com o olhar chamejante de fogo
celeste, expulsa da casa do Senhor os profanadores das
coisas santas. Exemplo sublime que deve fazer tremer aqueles
que buscam na religião apenas seu próprio interesse! Expul-
semos também de nossos corações os pensamentos profanos
que se poderiam imiscuir com a piedade e lancemos bem
distante as paixões ocultas ou visíveis, que ameaçam invadir
os domínios de Jesus Cristo.
II — O que Jesus fez ostensivamente com os vendedores e
compradores do templo, fará invariavelmente nas almas
cobiçosas e interesseiras. O templo de Jerusalém era a figura
do coração humano. São Paulo exclamava: "Sois vós o templo
do Deus vivo; vossos corações são o templo do Espírito
Santo". Se abandonarmos os tesouros do templo ao demônio,
nos assemelharemos a cavernas de ladrões. Se negociamos
com nosso Senhor, se damos com o fito de receber retribuição,
se nossa piedade não vai além de um comércio exigindo juros,
fazemos jus a que a cólera divina caia sobre nós já neste
mundo e destrua completamente todos os castelos da nossa
falsa devoção. Retiremos de nossa alma tudo que possa
desagradar a Deus, para que seja ela uma casa de oração, um
santuário puro e tranquilo, uma cidade de paz, uma morada
digna de nosso Senhor Jesus Cristo.
109
Exigem-nos, sem querer ver que em volta deles tudo é milagre!
E, se não crêem, são verdadeiros milagres de incredulidade,
exclama santo Agostinho. Sempre a razão humana quer
ostentar-se acima da palavra de Deus, para interpretá-la a seu
bel prazer e apresentar-se como árbitro dos mistérios divinos,
confunde-se em seus próprios juízos, perde o sentido das
coisas sobrenaturais e cai pouco a pouco em incurável
cegueira.
II — Nosso Senhor responde aos judeus que conseguirão
apenas o milagre do profeta Jonas: milagre que era o símbolo
da sua ressurreição. Esta resposta adapta-se também aos
cristãos incrédulos; pois a ressurreição do Salvador é o milagre
permanente que há de assombrar por todos os séculos. Jesus
saiu do túmulo, pois que vive entre nós e manifesta sua
vitalidade por atos visíveis e palpáveis. Vive, pois exerce
atrativos tão poderosos sobre as almas e arrebanha-as em tão
grande número para o seu serviço! Vive, pois mantém a sua
Igreja inabalável em meio às vicissitudes e às ruínas do tempo.
Só este milagre, por si, já é bastante suficiente para confirmar
os ensinamentos católicos; não exige mais para justificar a fé e
a esperança dos fiéis.
Instruídos como somos pela unção do Espírito Santo e
pelos testemunhos da história, andemos à luz da palavra de
Deus e aguardemos com firmeza a realização das promessas
de Jesus.
110
nos enviar o seu auxílio. Clamamos por ele do abismo de
nossa miséria; no entanto, parece, por vezes, não nos escutar,
não nos querer ouvir. São estas provações que não devem nos
desanimar. Deus concede frequentemente no final da oração
aquilo que ao princípio parece recusar; essas delongas
experimentam nossa paciência e fazem-nos reconhecer o
nosso nada. Ora, o profundo conhecimento de nossa:
indignidade nos torna humildes e a humildade é uma
disposição que atrai todas as graças. Por isso a cananeia
encontra em suas próprias humilhações novos incentivos para
esperar. Humilhemo-nos, pois, por nossa vez, e
permaneçamos prostrados silenciosamente na presença de
Deus, até que ele ouça a voz dos nossos desejos.
111
cruzes, os combates. Se nossa vontade esmorecer, imitemos o
paralítico, imploremos uma caridosa mão que nos estimule a
coragem, excite nossa energia, ative nossas resoluções e
venha em auxílio de nossos esforços.
112
II DOMINGO DA QUARESMA
A Transfiguração (Mt 17)
I — A auréola deslumbrante em que Jesus aparece aos
três discípulos, na sua transfiguração no monte Tabor,
descobre-nos a sublime beleza do homem regenerado. Assim
como Moisés devia construir o tabernáculo no deserto,
conforme o modelo que lhe fora mostrado na montanha, deve o
cristão, tabernáculo vivo de Deus, transformar-se na imagem
de Jesus Cristo. É a tarefa máxima desta vida, tender, por
transfigurações sucessivas, à augusta semelhança que fará de
um mísero mortal um ser celestial. O mistério do Tabor não nos
revela somente a nossa glória futura, mas visa também a
santificação da vida atual, mostrando-nos os seus mara-
vilhosos efeitos. Eia, pois, ó minha alma! Olha para o alto,
contempla com a mais viva esperança, a bem-aventurança
imortal prometida à criatura fiel!
II — No dia da transfiguração, nosso Senhor afasta-se com
seus discípulos e põe-se a orar. Duplo ato, que tantos
ensinamentos contêm: é no retiro e na oração que Deus se
manifesta às almas e lhes concede os mais insignes favores.
"Conduzi-las-ei à solidão — diz-nos Deus pela boca de um dos
profetas — e falar-lhes-ei ao coração". É realmente, durante a
oração que a alma se purifica e se livra dos obstáculos
terrenos; eleva-se gradualmente nas asas da oração, até à
contemplação da luz divina, cujos resplendores irradiam sobre
sua face e alvejam a roupagem dos seus pensamentos.
"Enquanto eu meditava, abrasou-se-me em fogo a alma!" —
exclamava Davi. Felizes, pois, aqueles que, prevenidos pela
graça de Jesus, afastaram-se das vaidades do mundo! Felizes
os que fruem a secreta unção do seu amor! Felizes os que
aceitam as torturas do Calvário e tornam-se dignos de gozar
eternamente a glória do Tabor!
113
é obedecer ao espírito do mundo e resistir ao espírito de Deus.
Os que transitam por esse caminho desgarrado, seguem em
sentido oposto ao do seu destino; descem, retrocedem, em vez
de subir. Morrerão em seu pecado, afirma o Evangelho, porque
se morre como se viveu. Mas, acrescenta são Bernardo, sua
morte será lamentável e sua eternidade horrível.
II — De nada servirá separar-se corporalmente do mundo,
se se conserva no fundo do coração pensamentos mundanos e
o apego às coisas da terra; porque, diz a Escritura, o amor
deste mundo é uma inimizade ao respeito devido a Deus.
Pertencer a Deus é seguir sempre o exemplo do divino Mestre,
cumprir o que apraz a Deus. "Quanto a mim, diz Jesus Cristo,
faço constantemente o que é agradável ao Pai". Isto é
evidente. Quando se ama, faz-se todo o possível para não
desagradar o ente amado; e eis por que tanto afirmou santo
Agostinho: "Amai e fazei o que quiserdes". É preciso que todas
as nossas intenções e trabalhos, nossos pensamentos e
desejos, nossos passos, bem como nossos sofrimentos íntimos
ou externos, toda nossa vida, enfim, se desenrole à claridade
da luz divina; e que, perseverando nessa prática até ao
derradeiro instante da nossa vida, possamos, confiantes,
repetir na hora da nossa morte: "Esforcei-me sempre por fazer
aquilo que era agradável a meu Deus".
114
II — Jesus, consagrando a santa obediência por sua
doutrina e exemplo, no-la recomenda como a mais perfeita
prática da humildade. Ela exclui realmente todo pensamento de
presunção ou de saliência. “Tal a razão pela qual nosso Senhor
ensina que só há um Senhor a quem pertence o nome de Pai;
o que não deve ser interpretado no sentido rigoroso da palavra,
pois a religião consagra a paternidade natural e espiritual",
explica são João Crisóstomo. Mas o Altíssimo é o foco do qual
emana toda a paternidade, toda a autoridade; é o termo subli-
me ao qual vai ter toda obediência. A ele é que nos sub-
metemos quando nos subordinamos aos que governam em seu
nome; é contra ele que nos sublevamos quando lhes
recusamos obediência.
O divino Salvador, o Senhor universal, não se limitou a
servir de modelo aos que obedecem, deu também uma lição
aos mandatários; ajoelhou-se aos pés dos seus discípulos e
declarou-lhes que veio para servir e não para ser servido.
115
isolamo-nos de nossos irmãos. Para triunfarmos das tentações
da inveja, devemos ser generosamente abnegados. A
humildade unida à oração assídua é que alcança essa vitória,
porque atrai o Espírito de Deus. Vencerão o mal pelo bem e
crescerão para o céu, aqueles que preferirem os últimos
lugares na terra.
116
ingratidão que avulta à medida que se multiplicam os
benefícios. Antes de condenarmos esse monstruoso
procedimento, recolhamo-nos num sério exame: os favores de
que eram cumulados os judeus não eram nem a sombra das
graças preciosíssimas, tão fartamente oferecidas aos cristãos.
Como nos utilizamos de tais graças? De que modo
respondemos à voz de Deus e aos secretos apelos da nossa
consciência? Quais os frutos da atenciosa solicitude de que
somos objeto pela divina Providência? Se não temos de nos
penitenciar de revoltas abertas contra Deus; se não temos
usurpado, utilizando em nosso favor, os dons da sua generosa
liberalidade, talvez nos reconheçamos réus de mais de uma
resistência às suas graças; talvez que a palavra de Deus, por
mais de uma vez, encontrasse, em nós, apenas a ingratidão e
o murmúrio!
Reflete, ó minha alma, que Deus abandona aqueles que
dele se afastam; e que transfere suas graças a outros mais
dignos!
II — Quando o Senhor ameaça os vinhateiros infiéis de
confiar a outros os cuidados de sua vinha, refere-se não
somente aos judeus, mas a cada cristão em particular; pois que
a vinha de cujo cultivo estamos encarregados, é primeiramente
a nossa alma; devemos fazê-la frutificar, para que se torne
fecunda em méritos, virtudes e boas obras. Maldita a alma
negligente, anatematiza a Escritura, pois que perderá a sua
coroa. Vigiemos zelosamente para não a deixar rastejar por ter-
ra, mas cuidemos de conservá-la sempre voltada para o céu,
orvalhada pelas águas da oração e livre de qualquer saliência
árida ou perigosa. Sejam nossas almas como ramos
verdejantes, alimentados pela seiva de nosso Senhor Jesus
Cristo!
117
cauda de um outro senhor, desapiedado e sem amor. Tal foi a
sorte do filho pródigo e será de todo aquele que buscar fora de
Deus a sua felicidade. Dissipa sua saúde e suas forças, perde
sua dignidade e acaba em tão completa nudez que, esgotado e
faminto, partilha da alimentação dos porcos. Ao considerarmos
as deploráveis consequências desta liberdade ilusória,
bendigamos os laços que nos prendem ao Salvador e
apertemo-los tanto, que seja impossível desfazê-los.
II — Admiremos a bondade desse pai, cujo coração se
emociona vivamente ante a presença do filho humilhado e
arrependido! As lágrimas desse filho desgarrado o perturbam;
nem lhe dá tempo de chegar a seus pés; adianta-se, lança-se
ao pescoço, cobre-o de beijos, esquece seus justos
ressentimentos, perdoa-lhe todas as culpas! Eis o
procedimento do incompreensível carinho de nosso Pai
celeste, para com todos os desgraçados que imploram sua
misericórdia. O arrependimento dá início à obra da
reconciliação, a confissão a continua e a reparação a finaliza.
Após tão tocante figura da misericórdia divina, não pode
haver alma, por culpada e fraca que se sinta, que receie não
receber o perdão, se, à imitação do filho pródigo, voltar a Deus
sinceramente contrito e humilhado.
118
como a falsa mãe, cuja astúcia foi desvendada por Salomão.
Decide, como a maldosa mulher: "Que não pertença nem a
Deus nem a mim, mas que seja dividida!” Tal a sorte das almas
que, sem serem do mundo, não pertencem a Deus ou que,
apesar de se darem a Deus, não querem abandonar seu
egoísmo. Ora seguem a vontade de Deus, ora a sua própria,
procurando um meio termo conciliador entre seus deveres e
seus interesses, seu trabalho e seus gostos, as ordens da
graça e as exigências da natureza; e assim esperam chegar à
felicidade da outra vida, sem se privarem dos gozos da vida
presente. Nosso Senhor opõe a essas almas fracas uma frase
decisiva: "Quem não está comigo, está contra mim, e quem
comigo não junta, dissipa". Concluamos, pois, que não
pertence a Jesus Cristo quem não se lhe entrega totalmente; e
quem não for de Jesus Cristo se verá, no último dia, no campo
dos estranhos e dos inimigos.
Demo-nos inteira e exclusivamente a Deus; e já que somos
vivificados por Jesus Cristo, vivamos unicamente para ele.
119
II — A humildade cristã obriga-nos a receber sem repulsa
as admoestações, venham de onde vierem. Mas, em
compensação, prescreve-nos a caridade usarmos de
indulgência e sobriedade ao repreendermos o próximo. Nas
enfermidades e nos sofrimentos corporais, concentramos em
nós toda a atenção; mas, quando se trata de enfermidades
espirituais, descuidamo-nos de bom grado das nossas
próprias, para nos preocuparmos com as fraquezas alheias.
Seja por inveja, por malícia ou por falso zelo, o fato é que
pomos muito mais empenho em pesquisar os defeitos do nosso
próximo, do que em nos corrigir; esmiuçamos até suas mais
recônditas intenções, procurando encontrar matéria para
censura ou condenação; e sempre tão clarividentes para com
os outros, não consentimos em ser esclarecidos. Aproveitemos
em nosso próprio interesse o talento que possuímos para
descobrir as fragilidades da natureza e as subtilezas do amor
próprio. Emendemo-nos das faltas que notamos nos outros.
Tem merecida aplicação a cada um de nós o provérbio do
Evangelho: Médico, cura-te a ti mesmo.
120
será mais estreita entre aqueles que haurirem nas fontes
vivificantes da caridade.
II — Consideremos as preciosas vantagens de que fruem
os membros da Igreja. São unidos a Jesus Cristo como os
galhos ao cepo da vinha e dessa divina raiz recebem, sem
cessar, a seiva da graça vivificante. Depois, unidos entre si,
como ramos da mesma árvore, participa cada um das orações,
dos sofrimentos, das boas obras, dos méritos de todos, e a
mais insignificante criança lucra dos tesouros espirituais dos
maiores santos. Quando, pois, os membros de uma corporação
religiosa estão unidos por laços de perfeita caridade, a vida ce-
lestial superabunda em maior plenitude, visto que Jesus Cristo,
o centro de toda graça, aí vive, e manifesta sua presença por
contínuas efusões de paz e de alegria celestial. Estreitemos
cada vez mais essa união santa, extirpando tudo que possa
perturbá-la ou diminuí-la. Assim realizaremos a última vontade
de Jesus e seu mais ardente anseio: "Que sejam todos um!".
121
pensamentos e palavras, sentimentos ou preces, ações e
sofrimentos, sobe aos céus, e prestamos a Deus um culto real.
Três coisas, diz São Bernardo, são necessárias para dar à
consciência as qualidades que a acrescenta o mesmo santo —
como é que os homens se ocupam com tanto esmero em
ornamentar a fachada vivificam: a reta intenção e integridade
de ação e a tranquilidade de consciência. "Ó, loucura terrível!
— acrescenta o mesmo santo — como é que os homens se
ocupam com tanto esmero em ornamentar a fachada do
edifício, e tão pouco se preocupam em adornar o santuário?"
"Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus".
122
Jesus, no entanto, o sabia, e esperava-a para lhe oferecer as
águas vivas da graça. Assim é que, no decorrer da vida, há
lugares, momentos, sítios, ocasiões em que a voz divina se faz
ouvir subitamente em nossa alma; ela nos desperta e ilumina; a
graça nos aparece sob a forma mais adequada à disposição de
nosso espírito; e, por um movimento imperceptível, inclina
nossa vontade. A samaritana não compreende imediatamente
o valor dos dons divinos; mas vai gradativamente saboreando-
os, à medida que sua atenção se fixa nos ensinamentos
sagrados; e sua fé cresce por tal forma que, animada da
chama evangélica, arrebanha para Jesus Cristo uma multidão
de discípulos.
Procuremos apreciar a importância de não deixar escapar
as ocasiões em que a graça se nos oferece; pois, se as
negligenciamos, fogem e talvez não voltem mais.
II — "Ah! se conhecesses o dom de Deus!" diz Jesus à
samaritana. Mostrara-lhe a fonte das águas vivas, mas não a
obriga a beber. A graça, gratuitamente oferecida, deve ser
espontaneamente aceita. Quantas almas, no entanto, a
rejeitam por desconhecer-lhe o valor e os salutares efeitos!
Como são lastimáveis! São desgraçadas e desconhecem o
segredo da consolação; sucumbem ao peso do fardo e rejeitam
a mão que se lhes estende em auxílio. Sedentas e famintas,
procuram por toda parte forças para lhes reparar os
desfalecimentos; mas, em sua cegueira, não percebem o
Salvador que é o único capaz de saciá-las, e não alçam seus
olhares para o monte onde lhes vem o socorro.
Somente após inumeráveis e amargas decepções, é que
vêm a compreender que todos os tesouros da graça se
encontram em Jesus Cristo e que fora dele não existe nem
paz, nem consolo, nem felicidade.
123
que envolvamos os defeitos do próximo com o manto da
caridade. "Bem-aventurados os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia", diz o Evangelho.
II — O Senhor, o único isento de pecado, absolve a
pecadora e diz-lhe: "Vai e não peques mais". Queremos ouvir
também uma palavra de perdão? Prostremo-nos confiantes aos
pés daquele que não quer a perdição de uma alma. Uma vez
entrados em graça, nada teremos a recear do passado, desde
que estejamos resolvidos a não mais pecar para o futuro. Esta
última recomendação tem uma alta significação: de que nos
esquecemos com demasiada frequência ao sairmos do
confessionário. A absolvição sacramental é uma graça
inapreciável, mas só produz efeito quando acrescida da firme
resolução de não se renovarem as faltas perdoadas.
Tenhamos sempre em mente que a melhor de todas as
penitências é a prática generosa da caridade.
IV DOMINGO DA QUARESMA
Multiplicação dos pães no deserto
I — Consideremos o prodígio da onipotência e da bondade
divinas, operadas por Jesus em favor dos milhares de criaturas
que tudo abandonaram para segui-lo no deserto. Essa
multidão, fascinada pelos encantos da palavra evangélica, quer
gozar de Jesus; não ambiciona outra satisfação e nem sequer
se lembra do alimento corporal. Mas o Senhor vela sobre os
que o seguem e lhe permanecem fiéis. Ele próprio se
encarrega de prover às necessidades para a vida do corpo,
quando cumprimos as condições para a vida da alma; e é
assim que se realiza em todas as circunstâncias a promessa
do Evangelho: "Procurai antes de tudo o reino de Deus e sua
justiça; o resto vos será dado por acréscimo".
Se pertencemos totalmente a Deus, podemos viver sem
cuidados, dia a dia, pedindo quotidianamente a graça para hoje
e abandonando ao Senhor o cuidado do dia seguinte.
II — O Evangelho acrescenta que os milhares de dis-
cípulos, que comeram do pão milagroso, sentiram-se ple-
namente satisfeitos; verdade que só pode ser compreendida
pelas almas que saboreiam profundamente os dons de Deus.
As coisas terrestres não satisfazem ao coração; quem delas se
alimenta conserva-se faminto; os apetites que satisfaz excitam
novos apetites; as paixões que alimenta acendem novas
124
paixões; e a saciedade, então, transforma-se em enfado. O
oposto se dá com a alma alimentada por Deus: vive de amor e
de luz; tudo possui quando bebe nas fontes vivificantes da gra-
ça. É rica, opulenta, plenamente farta, quando a unção de
Jesus Cristo estanca sua sede e satisfaz sua fome de amor.
Assim, enquanto para as criaturas terrenas não passa tudo de
vaidade e aflição de espírito, para as almas piedosas tudo é
paz e alegria no Espírito Santo.
Em vista do feliz quinhão que escolhemos, esperemos
confiantes a realização das promessas divinas e entoemos
com o salmista: "Um só dia na casa do Senhor, vale mais do
que séculos nos palácios dos pecadores!"
125
conforme se depreende da sagrada Escritura. Ele observa
nossos caminhos, conta nossos passos, sonda nossos
pensamentos, ilumina todos os atos da nossa vida. Seus olhos,
exclama Jó, são mais luminosos do que o sol; penetra as
coisas mais profundas e os abismos mais insondáveis.
"Porque, acrescenta São Paulo, Deus não está longe de nós;
nele vivemos, nele nos movemos e nele subsistimos. Ditoso
aquele que vive em união com Deus; não se perderá jamais,
porque o próprio Senhor o conduz; nunca se enfraquecerá,
porque Deus o fortifica; nunca morrerá, porque seu coração
está com Deus e Deus está em seu coração.
126
conselho que nos dá a santíssima Virgem: "Fazei tudo o que
ele vos disser". A obediência à palavra de nosso Senhor Jesus
Cristo desenvolverá em nós o sentimento da verdade e o gosto
do bem; iluminará nosso espírito, aperfeiçoando nosso
coração.
Imploremos, estudemos, cultivemos a ciência dos santos;
para esse fim pratiquemos santamente todos os exercícios da
vida religiosa.
127
Se somos, portanto, luzeiros em relação aos que ins-
truímos, tenhamos em mente de que não passamos de um
pouco de barro entre as mãos de Deus. E, se somos cegos,
consideremos como luzernas os que nos ensinam, muito
embora neles não avistemos mais do que barro. A humildade
atrai do alto os raios luminosos, assim como o espelho côncavo
recebe e reflete os raios do sol.
128
SEXTA-FEIRA DA IV SEMANA DA QUARESMA
Ressurreição de Lázaro (Jo 11).
I — Podemos considerar, no milagre da ressurreição de
Lázaro, os misteriosos destinos do povo de Israel. Lázaro é
atingido pela enfermidade enquanto está longe de Jesus; morre
e há quatro dias que se corrompe no sepulcro. Mas o Senhor o
amava. Diz aos discípulos: "Voltemos à Judeia!" Chora sobre o
amigo, assim como chorara outrora José sobre seus irmãos.
Depois, em profundo silêncio, cheio de ansiedade, encaminha-
se para onde jazia o defunto: "Lázaro, sai!" Realizaram-se
então as palavras do profeta: "Bradou Sião em seu luto: O
Senhor me abandonou, o Senhor me esqueceu! E enquanto
isto, preparava-lhe o Senhor maravilhas de graças". E Isaías
acrescenta: "Todo Israel se há de salvar!" Eis a ação
estupenda da misericórdia divina que excitou a exclamação do
apóstolo: "Ó, profundo abismo da sabedoria de Deus! Como
são impenetráveis os teus caminhos e imperscrutáveis os teus
juízos!".
II — As irmãs de Lázaro, Marta e Maria, representam as
filhas de Sião que, por sua fé, sua ardente caridade e sua
dolorosa compaixão, obtêm a ressurreição de seu irmão. Unem
suas orações e suas lágrimas às de Jesus; repetem sua última
súplica: "Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem!", e,
confiantes nas promessas de nosso Senhor Jesus Cristo,
antecipam suas ações de graças ao Senhor, pronunciando com
o divino Mestre, antes mesmo de sair Lázaro do sepulcro: "Meu
Pai, agradeço-vos por me haverdes atendido!".
Compenetremo-nos dos sentimentos de Marta e de Maria,
e perseveremos em uma santa esperança; testemunhemos
nosso amor a Jesus por nossa caridade para com os mortos de
Israel, na firme certeza do cumprimento das promessas
divinas.
129
Senhor nos assistirá e fará redundar em benefício nosso as
maiores adversidades. A cada hora, a cada momento,
deparam-se a nós as graças necessárias a qualquer situação.
Muito raramente as preocupações sobre o futuro, as previsões
humanas, atingem o almejado objetivo. Provam, sobretudo,
uma certa falta de fé e frequentemente estorvam os desígnios
de Deus em vez de os auxiliar. Nossa atividade própria segue
um movimento que nem sempre é o da Providência: "Confiai
em Deus e deixai-o agir".
II — Se nosso Senhor houvesse escutado os conselhos da
prudência humana, não se teria exposto no templo à má
vontade de seus inimigos; mas sua linha de conduta, traçada
pela Sabedoria divina, não se preocupava absolutamente com
os vãos projetos humanos. Sabia que seus contendores não
teriam sobre ele nenhum poder, enquanto Deus não lhes
permitisse para dar cumprimento aos seus eternos desígnios.
Para os discípulos, bem como para o Mestre, há horas de
provações; e seria covardia perigosa entretê-los com ilusões.
Aqueles que pretendem satisfazer a Deus e ao mundo, ao
mesmo tempo, caem comumente no desagrado de ambos.
Desejando salvaguardar seus interesses, prejudicam-nos e,
fugindo à cruz, caem nas emboscadas que os perdem.
Disse Jesus: "Não receeis os que podem matar o corpo,
mas sim aquele que tem o poder de precipitar no inferno o
corpo e a alma".
DOMINGO DA PAIXÃO4
"Quem é de Deus, ouve as palavras de Deus" (Jo 8, 47).
I — A espontânea simpatia com que é recebida a palavra
de Deus, pela alma reta, é um dos sinais reconhecíveis dos
filhos de Deus. Ora, a palavra divina recomenda a caridade;
retira-nos das vaidades; aconselha a paciência, a brandura, a
renúncia ao amor profano, eleva nossos desejos e esperanças
ao céu. Se estas prescrições evangélicas são realmente a
diretriz da nossa conduta, podemos supor-nos verdadeiros
filhos de Deus. Com efeito, não basta ouvir a palavra como
objeto de fé especulativa; deve a palavra admitida em nosso
coração exteriorizar-se em prática e em obras. Estão todas as
4
Hoje, equivale ao V Domingo da Quaresma.
130
árvores expostas à luz solar, e, no entanto, só têm vida as que
florescem e frutificam; as outras desfalecem e secam.
II — Não há quem não ame a verdade, afirma santo
Agostinho. É ela tão cheia de encantos que os mesmos que
laboram em erro querem que ali exista a verdade. Mas esta
verdade tão gentilmente aceita quando nos lisonjeia ou nos
consola, é por vezes repelida quando nos esclarece, nos
censura ou nos humilha. Por isto é que o jovem a quem se
refere o Evangelho, já decidido a seguir alegremente o Mestre,
enquanto só encarara as prerrogativas do apostolado, recua
bruscamente e afasta-se quando a verdade lhe impõe
sacrifícios.
Seremos verdadeiros filhos de Deus se, recebida sua
palavra em nosso coração, a fizermos frutificar por uma vida
cristã e fervorosa.
131
comunicam-se a outros corações; descem de degrau em
degrau como uma exuberante cascata que, tendo sua fonte no
céu, se despenha em torrentes de graças sobre a terra,
tornando-a fértil e bela.
Se bebemos, pois, a vida divina, se nos alimentamos do
pão do amor, transformamo-nos em mediadoras de Jesus
Cristo, em membros do seu corpo, em cooperadores de suas
obras, em instrumentos de sua vontade, em dispensadores de
seu espírito e de suas graças. Assiste-nos, pois, o dever de,
como os anjos, espalhar no âmbito em que vivemos a benção,
a edificação e o bom odor de Jesus Cristo.
132
as obras exteriores, pelos atos humildes e ocultos da vida
interior; preparemo-nos para os grandes empreendimentos
pela fidelidade nas pequenas coisas. Como Jesus,
glorifiquemos Deus, pelos nossos sacrifícios quotidianos e de
todas as horas do dia.
133
penitência. Afirma a sagrada Escritura que o verdadeiro amor
cobre a multidão dos pecados. Assim Madalena, doando seu
coração a Jesus, não cessou de amar, mudou apenas o
objetivo do seu amor e, em lugar de um sentimento falso e
passageiro, que traz sempre decepções, dores e abor-
recimentos, fixou-se no eterno amor, fonte de dignidade, paz e
santidade.
Meu Deus! exclama um ilustre penitente, o coração
humano foi feito para vós, e suas agitações não hão de cessar
enquanto não se fixar em vós, seu centro e seu repouso!
II — A alma cristã, que menos pecou do que Madalena, não
se julgue menos devedora à misericórdia divina; porque, se o
Senhor muito perdoou a quem muito pecou, preservou
igualmente a quem poucas vezes o ofendeu.
A uma deu o remédio; à outra, a prevenção. Susteve quem
estava em pé e levantou o que caíra. Conclui-se que tanto
deverão ser agradecidas a Deus a alma inocente quanto a
pecadora. Hajam elas sucumbido à tentação ou saído
vitoriosas, a gratidão, bem como a penitência, impõe o dever
de amar a Jesus Cristo, antes e acima de tudo.
Jesus Cristo é nossa justificação; é o amor e a vida. E a
quem havíamos de amar, se não amamos Jesus?
134
II — Maria conservava-se forte e calma em sua dor. O
sentimento que a domina não é uma piedade natural; pois que
esta é o horror instintivo do sofrimento que se expande em
lamentos e queixas. A compaixão de Maria é sobrenatural e
resignada; procede de um sentimento cheio de força que aceita
o sofrimento e dele compartilha. Digna filha de Abraão, une sua
obediência à da augusta Vítima e oferece a imolação do seu
Filho, do qual fora Isaac apenas a figura. O suplício de sua
compaixão é uma participação ao sacrifício, uma cooperação
voluntária à grande obra da redenção.
Em torno à Virgem, no Calvário, agrupam-se as filhas de
Sião, misturando suas lágrimas ao pranto de Maria e ao
sangue de Jesus; recolhem, como o discípulo amado, as
últimas palavras que descem da cruz: "Ecce Mater tua!".
135
DOMINGO DE RAMOS
"Dizei à filha de Sião: Eis que o vosso rei vem a vós cheio
de doçura" (Mt 21, 5)
I — Contemplemos o augusto Rei em sua entrada solene
em Jerusalém. É o Messias, o rei de Israel, o Deus do amor, o
Salvador do mundo, o Cordeiro destinado ao sacrifício, o
celestial esposo da filha de Sião. Ele é grande por si mesmo e
não necessita, como os príncipes da terra, servir-se das
pompas mundanas para ostentar sua grandeza aos olhos do
mundo. Domina os povos unicamente por sua doçura, e por
sua humildade encantadora triunfa de todos os corações. Cena
imensamente profética e consoladora! Antes de cair no abismo,
Jerusalém projeta um último clarão; faz-nos entrever, como
rápido luzir do relâmpago, a imagem do seu futuro destino,
quando, então, seus filhos já voltados para Deus, animados por
santo ardor, acorrerão a Jesus Cristo, a proclamar
unanimemente o Rei de Israel que vem em nome do Senhor.
Busquem nossas almas com presteza a nosso Senhor e
peçamos a breve vinda do seu reino em nós e fora de nós:
Adveniat regnum tuum!
II — O mesmo povo que hoje exalta Jesus, dentro em
poucos dias o há de renegar e a esse entusiasmo fremente
sucederá frieza glacial e ódio sem limites. Tal a inconstância do
coração humano. Sondemos as nossas disposições;
interroguemos nossas recordações. Fomos sempre animados
dos mesmos sentimentos para com Jesus? Não cedemos, e
com bastante frequência, a influências que subitamente
derrubam todas as nossas promessas de fidelidade? Quantas
almas, tão generosas enquanto contemplam o Senhor em sua
glória, afastam-se precipitadamente à aproximação da cruz!
Quantas parecem resolutas a segui-lo até ao sacrifício e
acham-se entre os que o crucificam!
Sobranceira a essas tristes realidades aparece a filha de
Sião; é ela o protótipo da fidelidade. Por isso é a ela que o
profeta anuncia o reino glorioso de Jesus Cristo; pois, assim
como toma parte nas humilhações do Calvário, há também de
participar dos triunfos do céu!
136
SEGUNDA-FEIRA DA SEMANA SANTA
Amarguras de Jesus no jardim das Oliveiras
I — Nosso divino Salvador, revestindo-se, nos extremos do
seu amor por nós, da nossa natureza mortal, quis em tudo se
assemelhar ao homem pecador. Eis por que às aproximações
do supremo sacrifício vê-se presa de temores e de terríveis
angústias. Contemplemos esta vítima tão dócil, que
voluntariamente se entrega aos algozes que a vão torturar!
Pelo terror que sente, reconhecem-se os desfalecimentos da
natureza humana. Jesus estremece e encara o caminho que
vai percorrer: o trajeto do horto ao Calvário será uma
sequência de ultrajes, insultos e torturas inauditas; os
preparativos para a imolação igualam em crueldade e em
amargor a própria imolação.
Compenetremo-nos dos sentimentos de Jesus e com ele
exclamemos: "Pai! Que seja feita a vossa vontade e não a
minha!".
II – O Cordeiro de Deus prepara-se para o sacrifício na
solidão e no recolhimento e, para que este exemplo nos fique
sempre presente, repete por várias vezes estas duas palavras:
"Vigiai e orai!" A solicitude que Jesus esbanja a seus apóstolos,
esquecendo suas próprias dores, mostra-nos a predominância
de sua caridade. Benditas as almas que participam juntamente
do cálice e da abnegação do Senhor! As cenas misteriosas do
Getsêmani nos ensinam como devemos nos imolar por Deus e
pelos nossos irmãos; ao cristão moribundo legam também o
exemplo da sublime resignação.
137
Humilhemo-nos aos pés de Jesus, por havermos tantas
vezes faltado em confiança nas provações da vida cristã e
reparemos nossos desfalecimentos no serviço de Deus,
lembrando-nos de que as filhas de Sião não desanimaram; elas
acompanharam a Jesus e Maria no caminho da cruz.
II — Antes da provação, os apóstolos, cheios de confiança
em si próprios, reputavam-se invencíveis. Mas, ao chegar a
tentação, pensaram estar tudo perdido. No intervalo de duas
horas chocam-se dois excessos contrários: a presunção e,
depois, a incredulidade. O primeiro gera o segundo, pois que
as faltas se atraem mutuamente e a demasiada confiança em
si traz sempre decepções como consequência. A verdadeira
coragem é apanágio das almas realmente humildes; e quanto
mais de si mesmas desconfiam para unicamente em Deus
apoiar sua confiança, mais fortes se tornam, não de sua própria
força, mas da força de Deus.
138
de Deus, como o Autor da vida, não o teriam crucificado; e,
conquanto fosse a sua cegueira consequência do orgulho,
pecado gravíssimo, não compreenderam eles a
monstruosidade da sua ingratidão. E por isto, como explica
santo Tomás, não sabiam realmente o que faziam. É esta
justificação que Jesus confirma na cruz. Sua prece
misericordiosa ecoará perpetuamente no seio do amor infinito
do Eterno e não cessará de impetrar no céu em favor dos
pobres pecadores.
Supliquemos ao divino Redentor que aplique também a nós
o fruto dessa oração sublime; e, por nosso lado, perdoemos de
coração aos que nos ofenderem.
QUINTA-FEIRA SANTA
A santa Ceia
I — Contemplemos sobre os nossos altares os mistérios
que reproduzem e perpetuam a obra da nossa redenção. O
Cordeiro de Deus se oferece em sacrifício por uma imolação
não sangrenta; dá-se em alimento do sacramento do amor.
"Assim como amou aos seus que estavam no mundo, amou-os
até ao fim". É a explicação dada pelo evangelista que
descansou a cabeça sobre o coração de Jesus. O amor divino
ultrapassou as raias do amor comum; transborda pelo infinito!
A fonte das graças divinas parecia esgotada: Jesus tudo dera...
por fim, deu-se a si mesmo. Do mesmo modo que a mãe ali-
menta o seu filhinho com a própria substância, assim faz Jesus
de sua carne e de seu sangue um alimento e uma bebida, a fim
de que, por essa misteriosa refeição, permaneçamos sempre
unidos a ele, como membros de seu corpo, como osso de seus
ossos, como carne de sua carne. "Tomai e comei, porque isto é
meu Corpo!" É o alimento que gera as virgens, os mártires e os
santos. Quem comer deste pão descido do céu, vive em Jesus
Cristo e Jesus Cristo nele.
Que as esposas do Cordeiro reconheçam o divino Esposo
sob os véus do sacramento! Que exclamem: "Sois meu Senhor
e meu Deus! Sois minha vida, meu amor e meu tudo!"
II — Nos sagrados mistérios do altar subsiste realmente a
paixão de Jesus com todas as suas virtudes e todos os seus
frutos; mistérios cheios de vida, de força e de eficácia que nos
aplicam o sangue do Cordeiro para nos regenerar e nos
inebriar do néctar da imortalidade. Este sangue é o penhor da
139
nossa redenção. A carne do divino Cordeiro é a semente de
todas as perfeições, o penhor de nossa ressurreição, o germe
de nossa vida futura. O fogo que invisivelmente arde sobre o
altar é o amor divino reduzido a alimento e a bebida. É sacra-
mento e sacrifício a um só tempo. Pelo sacramento, Jesus
Cristo permanece conosco até à consumação dos séculos e
alimenta-nos com a substância do seu Coração. Pelo sacrifício,
renova incessantemente os mistérios da sua paixão, da sua
ressurreição e da sua ascensão gloriosa. É o Cordeiro pascal
que nos faz passar das trevas à luz, da escravidão à liberdade,
da morte à vida, da terra ao céu. Subsistem assim eternamente
na Igreja, de modo inefável, a santa ceia, o Calvário e o
mistério da ressurreição.
Excitemos nossos sentimentos de gratidão para celebrar os
dons magníficos do altar. "Ó Sião, canta teu Deus! exclama o
salmista; louva teu Deus por haver estabelecido a paz em tuas
fronteiras, e te alimenta do mais puro trigo!" (SI 147).
SEXTA-FEIRA SANTA
Jesus exala o último suspiro
I — Pregado à cruz como em leito de dores, em extremos
de amargura e de tristeza, nosso Senhor esquece-se, por
assim dizer, dos seus sofrimentos, para multiplicar as provas
da sua inesgotável caridade! Seu Coração, qual sarça ardente,
queima sem se consumir. Suas derradeiras palavras,
pronunciadas em tom forte, impregnado de lágrimas, são
provas de sua divina solicitude, e fontes de consolação, para
toda criatura de boa vontade. Lega-nos sua Mãe, único tesouro
que possui sobre a terra! Tesouro que encerra em si a
totalidade dos bens celestiais e terrenos. Abre o céu ao
pecador arrependido e, crescendo seu amor à proporção que
se conclui o sacrifício, levanta Jesus ao céu seu divino rosto e
depõe no seio de Deus todas as almas unidas à sua: "Pai! Em
vossas mãos entrego o meu espírito!" Palavras que devem ser
repetidas por todo cristão à hora da morte, em união com
Jesus Cristo.
II — O Salvador do mundo, após sorver até ao último trago
o cálice de todas as dores humanas, inclina a cabeça; seu
rosto cobre-se de palidez; seu olhar se extingue; solta um
brado de angústia; tudo está consumado: Jesus expira! O
demônio é vencido nesse momento supremo; está resgatada a
140
dívida do gênero humano; é revogada a sentença de
condenação contra o gênero humano; a morte já não é um
castigo... é uma libertação. É firmada a reconciliação; reabre-se
o céu, a Pátria é reconquistada! Doravante quem vive e morre
com Jesus Cristo, parte deste mundo como o exilado que
regressa a seu lar, como a criança que se atira nos braços de
seu Pai, como a esposa que corre ao encontro do esposo.
Assim destrói o mistério da cruz o aguilhão da morte. A morte
torna-se uma páscoa, isto é, uma passagem, um suave
despertar, uma redenção realizada.
Prostremo-nos aos pés da cruz e, cheios de viva contrição,
adoremos agradecidos à divina Vítima que por nós se imolou.
SÁBADO DE ALELUIA
Jesus é sepultado
I — Contemplemos o Cordeiro de Deus sacrificado, a
Vítima imolada, o Amor crucificado! Do seu Coração ferido, de
suas chagas abertas, jorra o sangue que apaga os pecados do
mundo. O Calvário, entretanto, muda de aspecto; cessa o
tumulto... a multidão, tomada de terror, dispersa-se; muitas
vozes proclamam a divindade do Messias. Em breve cercam a
cruz unicamente algumas almas fiéis. Maria, transpassada pelo
gládio da dor, conserva sua atitude calma e sublime; levanta o
ânimo de são João, enxuga as lágrimas de Madalena, reanima
a esperança das outras Marias; excita a fé do centurião, de
Nicodemos, de José de Arimateia. Estes desprendem,
cuidadosamente, da cruz, o sacrossanto corpo de Jesus e,
depois de embalsamá-lo com os perfumes e essências
aromáticas trazidos pelas santas mulheres, depõem-no no
sepulcro.
E nós também, façamos parte desta pequena guarda e
misturemos o bálsamo de nosso amor às consolações que as
filhas de Jerusalém derramam sobre as chagas do Coração de
Jesus.
II — Consoante os ensinamentos dos apóstolos, é a se-
pultura de nosso Senhor Jesus Cristo a imagem da vida cristã
neste mundo, vida que pode ser considerada como morte
quando comparada à vida futura. Daí estas palavras de são
Paulo: "Jazeis agora na morte e vossa vida está escondida
com Cristo em Deus. Mas, quando aparecer Cristo, que é
vossa vida, com ele aparecereis na glória" (Col 3, 3. 4). O
141
cristão, regenerado pelo batismo, crucifica sua carne com seus
apetites, morre para o que é terreno e conserva a semente de
sua imortalidade na perfeita solidão do espírito e do coração.
Espera, confia, forma-se para a eternidade; morre com Jesus
Cristo, para com ele ressuscitar. "Bem-aventurados os mortos
que morrem no Senhor!" (Ap 14, 13). Descansarão dos seus
trabalhos e suas boas obras os acompanharão diante de Deus.
DOMINGO DE PÁSCOA
"Ele ressuscitou!" (Mc 16, 6)
I — Quem nos levantará a pedra colocada à entrada do
sepulcro? Tal era a preocupação das santas mulheres que,
desde o alvorecer, aprestavam-se para oferecer ao corpo de
Jesus os perfumes de sua piedade e o bálsamo do seu amor.
Peçamos também que a pedra seja retirada de nossos
corações, para que, aliviados de todo fardo, dureza ou
empecilho, contemplemos jubilosamente a ressurreição de
nosso Salvador. Silencie nossa razão estupefata; ouçamos
somente a voz dos anjos: "Ele ressuscitou!" Este brado do céu,
saído das profundezas do sepulcro, é levado por Madalena e
suas companheiras a são Pedro e aos apóstolos. Estes o
repetem em Jerusalém e de Jerusalém se propaga como
formidável eco através o mundo e os séculos. "Ressurrexit!"
Cumpriram-se as promessas de Deus; realizaram-se as profe-
cias; é vencido o demônio; a morte restitui seus despojos; o
Libertador dos homens triunfa! Rejubilemos com a Igreja e
dilatemos nossos corações com as imortais esperanças.
II — A ressurreição de Jesus é o início da glorificação do
homem e o penhor de todas as esperanças futuras. Jesus
Cristo é a vinha e nós somos seus ramos. Se a raiz tomar nova
seiva, os ramos, por sua vez, reflorescerão; se a cabeça da
humanidade resgatada saiu gloriosa do túmulo, os membros do
seu corpo místico triunfarão igualmente da morte. Precede-os
Jesus na Galileia, nome que significa: região da luz. Aí a ele
nos reuniremos. As primeiras mensageiras da boa nova são as
corajosas filhas de Sião, que em toda a carreira evangélica de
Jesus o haviam acompanhado, amado e servido. Foram elas
os "apóstolos dos apóstolos, os evangelistas dos evangelistas",
como diz são Bernardo; recompensa da inviolável fidelidade
apresentada ao Senhor, mesmo quando os próprios apóstolos
tinham perdido a confiança e a coragem. Admiremos o divino
142
plano da sabedoria, que escolhe os fracos para confundir os
poderosos e faz surgir do seio da tímida humildade uma força
de alma cheia de virtudes!
Desejamos palmilhar suas pegadas? Apeguemo-nos às
palavras das Escrituras, e afirmemos com Jó: "Sei que o meu
Redentor vive e que no último dia ressurgirei da terra; vê-lo-ei
com meus próprios olhos, eu mesmo e não outro. Esta
esperança repousa em meu coração" (Jó 19, 25. 27).
SEGUNDA-FEIRA DE PÁSCOA
Os discípulos de Emaús (Lc 24, 13 ss)
I — Enquanto os dois discípulos discorriam tristemente
sobre a morte de Jesus, receosos de verem frustradas as suas
esperanças, aparece-lhes subitamente o Senhor e, sem se lhes
dar a conhecer, os instrui, conforta e consola. Confirma-se
assim a promessa divina consignada no Evangelho: "Onde
duas ou mais pessoas se reunirem em meu nome, aí estarei".
Este mistério, visivelmente verificado na estrada de Emaús,
demonstra o que se passa invisivelmente em todos os
caminhos da vida. Quantas vezes está o Senhor bem próximo
de nós quando nos une a caridade fraterna em uma mesma
prece e em um mesmo pensamento! Não o percebem nossos
olhos, mas é evidente a sua presença pelas suaves inspirações
que iluminam nossa fé e dilatam nossa confiança. Sentiremos
certamente os efeitos desta presença se procurarmos andar
sempre sob o olhar de Deus e se, em nossos entretenimentos,
puder tomar parte nosso Senhor.
II — Como nos faz observar são Gregório, notemos que os
discípulos não haviam reconhecido o Senhor enquanto lhes
explicava as profecias, mas sim na fração do pão; mistério
muitas vezes experimentado pelas almas piedosas. As
palavras de Jesus, cheias de luz e de vida, encerram o fogo
que incendeia os corações. Mas a fração do pão no banquete
eucarístico dá uma evidência mais íntima e mais completa.
Então não é mais a harmonia da palavra que nos seduz, é o
próprio Jesus Cristo que nos toca, nos ilumina e nos abrasa!
Senhor se manifesta às almas crentes que apreciam a sua
palavra, alimentam-se de sua vida e deliciam-se com seu amor.
Se levarmos estas disposições à sagrada Mesa,
reconheceremos Jesus à fração do pão e um dia havemos de
143
contemplar na majestade da glória aquele que adoramos nos
mistérios da fé.
TERÇA-FEIRA DA PÁSCOA
"A paz esteja convosco" (Jo 20, 19)
I — Como estivessem reunidos os discípulos, a portas
fechadas, apareceu-lhes Jesus e disse-lhes: "Pax vobis!".
É a saudação de nosso Senhor; transmite o mais precioso
dos seus dons. A paz celeste é um sopro da eternidade que
desce à terra como um aroma de alegria e de satisfação. Em
nada se assemelha à paz inconstante e fugaz do mundo; é
serena, profunda e estável como a fonte de onde provém. Este
dom sagrado é superior a todos os outros, por ser uma efusão
do próprio Jesus Cristo, o "Príncipe da paz", como o chama o
profeta Isaías; Jesus o comunica às almas de boa vontade. Eis
por que os que vivem sob seu cetro são chamados: filhos de
Deus. Felizes os que recebem a paz de nosso Senhor e a
difundem aos seus irmãos na casa do Senhor! Participam da
missão dos anjos que cantam as glórias de Deus: "Eles hão de
vos louvar, ó Senhor, pelos séculos dos séculos!" (SI 83, 5).
Cerremos as portas do nosso interior; conservemo-nos em
recolhimento e silêncio, a fim de participarmos deste dom
celeste, distintivo dos filhos de Deus.
II — Notemos que o divino Salvador, sempre que se
aproximava dos discípulos, quer antes, quer depois da
ressurreição, saudava-os com palavras de paz. É que, para
comportar a plenitude da paz divina, precisamos possuir antes
as suas primícias, e a torrente das efusões celestes só pode
correr sobre as almas calmas e tranquilas. O espírito de Deus,
sendo um espírito de paz, não pode habitar em corações
inquietos, agitados e tormentosos; ele procura o sossego e
foge do tumulto e da confusão. Eis por que estabeleceu na paz
os seus discípulos, antes da sua ressurreição, a fim de poder
completar a medida após sua ressurreição.
Procuremos tudo o que possa manter em nós a paz
interior, principiando por afastar de nós todo pensamento capaz
de amesquinhar o coração, enfraquecer a confiança ou abater
o ânimo; entreguemo-nos às influências que nos acalmam e
tranquilizam. Estas influências são índices certos da presença
de Jesus Cristo.
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QUARTA-FEIRA DE PÁSCOA
Jesus aparece novamente a seus discípulos na praia (Jo
21)
I — Nosso Senhor, continuando a se manifestar
corporalmente aos que deveriam servir de testemunha de sua
ressurreição, apareceu-lhes às margens do lago de Tiberíades;
os apóstolos não o reconheceram, no entanto, logo à primeira
vista, porque se mostrava sob formas diversas. Esta
diversidade de aspectos nos prova que o Senhor não pretende
basear a nossa fé sob o testemunho dos sentidos, assim como
não a estabeleceu sob as argumentações da razão humana.
Quer que se firme sobre a verdade da sua palavra; longe de
satisfazer nossos sentidos, ele os mortifica; porque, explica-nos
são João Crisóstomo, seu fim é desprender-nos dos objetos
exteriores, para, de uma maneira mais segura e profunda, nos
iniciar nos mistérios da ordem divina.
Elogia o Evangelho os que, sem terem visto Jesus,
prendem-se fielmente à sua doutrina. "Vós credes, diz o
príncipe dos apóstolos, sem o ver. E crendo, exultais com uma
alegria inefável e cheia de glória, conquistareis o prêmio de
vossa fé, que é a salvação de vossas almas" (1 Pd 1, 8. 9).
II — Os apóstolos que não haviam reconhecido o Senhor,
vendo-o, reconheceram-no pela pesca maravilhosa. As visões
são graças excepcionais, mas são muito sujeitas a ilusões; não
devemos, por conseguinte, nelas nos fiar, senão quando
justificadas por atos dignos de nosso Senhor Jesus Cristo.
Nem sempre as consolações sensíveis, os favores
extraordinários provam a ação puríssima do Espírito de
verdade. Para nos certificar de que se trata realmente do
espírito de Jesus Cristo, precisamos considerar seus efeitos,
que consistem sempre no aumento da humildade, do amor e
da piedade. Tais são os frutos que atestam a presença e a
intervenção de Jesus.
QUINTA-FEIRA DA PÁSCOA
Aparição de Jesus a santa Madalena (Jo 20, 11 ss).
I — Maria Madalena permanece junto ao sepulcro, ansiosa,
debulhada em lágrimas. Tem o coração preso ao seu tesouro,
dele não se pode afastar... Arrebatada pelo amor divino, não se
pertence mais, é toda de Deus; só nele pensa e fala! É um
efeito do verdadeiro amor produzir na alma que traz cativa um
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esquecimento de si mesma; e esta completa abnegação
produz, por sua vez, virtudes das mais heróicas. Quando se
ama, prossegue-se sem detenção no caminho do Senhor, sem
cuidar em si, afrontando os perigos, dominando todo
sofrimento, tendo unicamente em mira Jesus — amor dos
nossos corações.
No entanto, um anjo, ofuscante de beleza, surge ante
Madalena e pergunta-lhe com doçura: "Por que choras,
mulher?" Ao que lhe respondeu: "Roubaram o meu Senhor;
não sei onde o puseram!".
E nós, quando choramos, será por semelhante causa? À
alma piedosa, somente um motivo deverá afligir, somente um
alegrá-la. Achar Jesus é a felicidade; perdê-lo, desolação e
morte. Quando não se compreende bem esta verdade, muitas
vezes se deplora o que deveria ser causa de alegria, e alegra-
se com o que deveria causar lágrimas.
II — O Senhor se manifesta gradualmente a Madalena;
delicada precaução para com a alma amorosíssima que, após
tanto sofrimento, não suportaria de chofre tão intensa alegria.
Jesus chama-a pelo nome: "Maria!".
A imensa ternura do Salvador externou-se nesta simples
palavra; e a feliz serva do Senhor responde-lhe com emoção
não menos expressiva: "Rabboni!" Ó meu Senhor! O coração
de Madalena neste instante, semelhante ao vaso de alabastro
que partira aos pés do Mestre, prorrompeu em explosões de
amor! Eram exalações do mais precioso perfume... As almas
santas, unidas pelo laço da caridade, não requerem muitas
palavras para se compreenderem; basta-lhes uma, e suas
comunicações com o Deus de amor realizam-se mais
facilmente no silêncio do que por expressões do pensamento e
da linguagem. Estas aspirações curtas, fervorosas e profundas,
oferecem-nos um modelo de oração e demonstram quão fáceis
e singelas são as expansões mútuas entre Deus e a alma fiel.
SEXTA-FEIRA DA PÁSCOA
Jesus aparece aos apóstolos na Galileia (Mt 28, 16-20)
I — Os apóstolos reunidos na Galileia sobre o monte que
lhes fora designado, viram novamente o Senhor e receberam
de sua boca o ministério da predicação evangélica: "Ide,
ensinai a todas as nações, batizai-as em nome do Padre e do
Filho e do Espírito Santo, e ensinai-lhes a observar tudo o que
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vos ordenei!" Vão eles se espalhar por todas as regiões do
globo e, como o sol, irradiar a palavra da vida. Não quer isto
significar que, antes de Jesus Cristo, Deus não ensinara ao
mundo, mas é que a revelação, confiada aos patriarcas e
transmitida pelos profetas aos pontífices de Israel, não
transpusera ainda os limites da Judeia. "Deus falará a nossos
pais em diversas circunstâncias e por diversos modos: Ultima-
mente falou-nos por seu próprio Filho" (Hb 1, 1. 2). A doutrina
da salvação rompeu então os obstáculos e alastrou-se como
um caudaloso rio, a fim de congregar todos os povos e uma só
unidade.
Esta unidade, objetivo máximo do cristianismo, só pode
estabelecer-se e subsistir, lá, onde a palavra divina cativa a
submissão do espírito e a adesão do coração.
II — Os doze apóstolos são os patriarcas do povo de Deus.
Recebem e transmitem a seus sucessores a missão de
fecundar as almas pela palavra e regenerá-las pelo batismo. O
Senhor apoia a missão apostólica sobre uma poderosa
promessa: "Eis que estarei convosco até à consumação dos
séculos". A presença de nosso Senhor em sua Igreja não será
mais visível após a sua ascensão; mas é real e permanente no
santíssimo Sacramento do Altar, no mistério da infalibilidade da
santa Sé e nas funções sacramentais do sacerdócio católico.
Jesus continua a dirigir realmente a sua Igreja e a manifestar
nela a sua assistência quer em meio de combates, humi-
lhações e adversidades, quer em meio de conquistas, triunfos e
obras divinas. Eis o motivo da inquebrantável confiança cristã;
ela é inacessível ao temor e à dúvida; firma-se no rochedo da
promessa de Deus; é sólida como a montanha de Sião, diz o
salmista real.
SÁBADO DA PÁSCOA
Pedro e João acorreram ao sepulcro (Jo 20, 3).
I — Simão Pedro e o outro discípulo amado por Jesus
apressaram-se, desde o alvorecer, em ir ao santo sepulcro.
Corriam ambos com o coração a saltar de ansiedade e de
esperanças. João foi o primeiro a chegar, mas só entrou no
sepulcro depois de são Pedro. Este pormenor, que encerra a
narração evangélica, foi conservado certamente para nos dar
uma importante instrução: mostrar-nos a deferência respeitosa
com que todos os apóstolos tratavam aquele que fora instituído
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para ser o chefe de todos, Este espírito de submissão
perpetuou-se na Igreja para com o pontífice romano, sucessor
de são Pedro, encontrando-se esse mesmo espírito em todos
os graus da hierarquia. Por toda parte onde reina Jesus Cristo,
os superiores ou aqueles que, por qualquer forma, participam
da sua autoridade, são tratados com religiosa deferência.
II — É fácil deduzirmos que as santas mulheres e os
apóstolos, que davam voltas ao redor do sepulcro, não
tardariam em ir transmitir a Nossa Senhora as suas im-
pressões; porque Maria é o centro das almas fiéis; é ela que
lhes dirige os movimentos e compreende seu mistério. Na
misteriosa carreira dos apóstolos, segundo interpretam os
santos padres, são João representa a Sinagoga e são Pedro a
Igreja. A Sinagoga é a primeira a se aproximar do sepulcro,
mas não entra; somente aí penetrará depois que a fé em nosso
Senhor Jesus Cristo se houver espalhado por todas as nações.
São Paulo explica a razão deste mistério. Aqueles que
procuravam a salvação em seus próprios méritos, não a
encontraram, mas sim os que a procuraram nos méritos infini-
tos de nosso Senhor Jesus Cristo. O apóstolo acrescenta estas
palavras de Isaías: "Mesmo que sejam os filhos de Israel
numerosos como as areias do mar, só os seus restos serão
salvos".
O coração de Maria conserva preciosamente essa sagrada
profecia e sua alegria só será completa, quando seu povo vier,
após todos os outros, trazer suas adorações ao Salvador
ressuscitado. Oremos com Maria e trabalhemos com os
apóstolos, para apressar a realização dessas divinas
esperanças.
DOMINGO IN ALBIS
Incredulidade de são Tomé
I — Notemos que são Tomé privara-se das consolações da
presença de Jesus Cristo, afastando-se da companhia de seus
irmãos. Não há, com efeito, nada mais prejudicial à alma cristã
do que se isolar e seguir caminho particular. Deus derrama
suas melhores bênçãos sobre os mínimos exercícios feitos em
comum; ao passo que recusa seus favores a quem se
singulariza e anda à margem da vida comum. São Tomé
cometeu outra falta negando o testemunho dos apóstolos. "Se
não vir as chagas dos cravos em suas mãos e se não introduzir
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o meu dedo na abertura do lado, não acreditarei". Admirável
incredulidade de um apóstolo que tantos prodígios presenciara!
Mas verificamos tal cegueira em muitas almas que exigem
milagres para vencer suas tentações e preocupações de
espírito. Nossa fé se apoia sobre a palavra de Deus que, por
sua unção luminosa, confirma em nosso íntimo a verdade
revelada. É o que nos ensina o apóstolo são João (3, 27), e
são Paulo acrescenta em outros termos: "Não contemplamos
as coisas visíveis, mas as que não o são; pois as visíveis são
efêmeras e as invisíveis são eternas". O próprio Jesus disse a
são Tomé: "Por me teres visto, Tomé, acreditaste; bem-aven-
turados os que acreditaram sem ter visto!".
Possamos nós, advertidos pelas faltas de são Tomé, tirar
proveito de nossos erros, tornando-nos mais humildes e
praticando as outras virtudes evangélicas!
II — A incredulidade de são Tomé converteu-se em
manifestações ardentes de fé, quando o Senhor lhe mostrou as
chagas de seu corpo ressuscitado; e por este meio a verdade
da ressurreição veio a ser, no decorrer dos séculos, o mais
evidente de todos os dogmas sagrados. Exclama, pois, o
apóstolo, num arroubo de fé: "Sois meu Senhor e meu Deus!"
Confuso por sua incredulidade e fascinado pela luz da sua fé,
sua felicidade em acreditar iguala seu desgosto por não haver
crido. A adesão íntima e confiante na palavra de Deus produz
uma certeza mais evidente do que poderiam dar as de-
monstrações humanas; e nossa fé só permanece sólida
enquanto se firma sobre esse alicerce.
Se formos assediados, pois, pela dúvida ou pelo desânimo,
deitemos um olhar às chagas de Jesus e confessemos de boca
e de coração: "Sois meu Senhor e meu Deus!".
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Intraduzível foi a alegria sentida pelos apóstolos quando a fé
dissipou as últimas dúvidas. É a expressão da confiança que
sucede ao aperto do coração, é a luz divina que triunfa das
obscuridades do espírito humano. Fora da fé não há repouso
nem segurança.
O homem sente invencível necessidade de amar e de crer;
somente pode gozar a paz e a felicidade quando está de posse
da verdade.
II — Devemos seguir o exemplo dos apóstolos, alegrando-
nos em Jesus Cristo; e é o que o grande são Paulo não cessa
de no-lo recomendar: "Alegrai-vos incessantemente no Senhor;
outra vez digo, alegrai-vos" (Fp 4, 4). Mas é necessário
desprezar as alegrias deste mundo para desfrutar as que
nascem do contato íntimo da alma com nosso Senhor.
"Deleitai-vos no Senhor", diz o salmista; porque veio nos trazer
a alegria e quer que a gozemos abundantemente. As
verdadeiras alegrias são chamas produzidas pelo amor. "Deus
é amor", diz são João; ele é luz, é o soberano Bem.
Quanto mais nos aproximamos de Deus, tanto mais o
amamos, mais gozamos, mais seremos felizes.
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dominarmos, de maneira a submetermos os sentidos à razão, a
razão à vontade e a vontade humana à vontade de Deus.
Jesus promete os tesouros da paz divina aos que exe-
cutarem esses preceitos evangélicos. "Sereis meus amigos, diz
o Senhor, se fizerdes o que vos ordenei" (Jo 15, 14). “Tomai
meu jugo; sede mansos e humildes de coração e encontrareis
a paz de vossas almas".
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receber as prescrições; ao doente compete seguir o regime e
abster-se do que lhe for proibido.
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de suas palavras: "Meus filhinhos!" Estas palavras manifestam
os sentimentos do pastor para com os verdadeiros fiéis;
exprimem as relações de paternidade formadas entre as
gerações espirituais da Igreja. Os santos dos tempos
apostólicos não eram somente filhos, mas filhinhos, realizando
o que dissera o divino Mestre: "Em verdade, em verdade vos
digo: se não fordes semelhantes a esta criancinha, não
entrareis no reino dos céus". Este espírito infantil é o germe de
todas as virtudes celestiais; porque uma criancinha não trata
nem se preocupa de si; de modo que as crianças evangélicas
descansam sob a proteção de Deus, vivendo só de amor e de
obediência.
Desejai, pois, aconselha-nos a Igreja, repetindo as palavras
do príncipe dos apóstolos, desejai ardentemente, como
criancinhas recém-nascidas, o leite espiritual e puro; para que
vos faça crescer para a salvação, se experimentastes quão
suave é o Senhor.
II — O apóstolo exorta seus filhos a se precaverem contra
os ídolos. Esses ídolos são as criaturas que preferiríamos a
Deus e que, por este desvio dos nossos sentimentos, tomariam
o lugar de Deus no santuário do nosso coração. Esta falta
somente poderia ser ultrapassada pela odienta pretensão de
um homem que se impusesse como ídolo ou deus de outro.
Não é bruscamente que se chega a esse excesso de orgulho;
mas arrisca-se a cair aos poucos quem age ou fala de modo a
se tornar, para o próximo, objeto de suas preocupações ou
culto particular. Para evitar a idolatria espiritual, precisamos
vigiar constantemente todos os recantos do nosso coração.
Esta rigorosa vigilância nos auxiliará a desprender-nos do
nosso eu, a dominarmos o amor próprio e a nos entregarmos
totalmente ao amor de nosso Senhor Jesus Cristo.
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aparecer às santas companheiras de sua mãe, nada mais
natural do que acreditarmos que fosse ela a primeira
contemplada com sua aparição, logo ao sair do túmulo. As
tradições da Igreja excluem toda dúvida a esse respeito e, se o
Evangelho cala sobre isto, é que Maria está acima de toda
menção. Seus êxtases e suas lágrimas não poderiam ser ex-
pressos, mesmo na linguagem evangélica, e devemos admirar
seu silêncio no sepulcro como no Calvário, no Calvário como
no presépio. As grandes emoções do coração somente no céu
serão desvendadas.
Aprendamos com Maria a dominar nossa alma, pois que a
verdadeira humildade tanto modera as alegrias como suaviza
as dores.
II — A Virgem imaculada, tão estreitamente unida a Jesus
em todos os seus íntimos estágios, deveria em supremo grau
participar da graça da sua ressurreição. Depois de haver
chorado e sofrido com seu divino Filho, com ele deveria ter
saído do túmulo de dores, para com ele e como ele viver de
uma vida toda nova. Os anos passados por Maria sobre a terra,
após o prodígio do santo sepulcro, a fim de desempenhar seu
ministério maternal no berço da Igreja, haviam sido
simbolizados pelos quarenta dias que Jesus passara na Judeia
antes de ascender aos céus. O Senhor conversava e se
alimentava com seus discípulos; mas nada o retinha à terra.
Assim Maria, depois da ressurreição, estava, por assim dizer,
morta e ressuscitada; permanecia no mundo, mas seu coração
estava no céu. Poderia dizer com o grande apóstolo são Paulo:
"Para nós que, com a face iluminada, contemplamos a glória do
Senhor, somos transformados em sua semelhança, indo de
claridade em claridade no espírito do Senhor" (2 Cr 3, 18).
Milhares de almas consagradas a nosso Senhor e pal-
milhando os passos de Maria, distinguem-se por esta
ressurreição antecipada; com Davi, assim suspiram seus trenós
de amor: "Que desejarei no céu e sobre a terra a não ser vós, ó
meu Deus, que sois o Deus do meu coração e minha partilha
para a eternidade?" (SI 72, 25. 26).
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século futuro, o Príncipe da paz (9, 6). Ezequiel acrescenta que
é o Rei dos reis e o dominador dos mundos; e Davi — que é o
Juiz dos vivos e dos mortos. Mas, em vez de recapitular todos
estes nomes pomposos, a Igreja nos lembra os traços pelos
quais Jesus preferia designar-se: "Eu sou o bom Pastor!" Que
palavras cheias de encanto! Pois o sentimento pastoral, em
sua completa acepção, traduz a imensa ternura de uma mãe,
as solicitudes de um pai, as dileções de um irmão, todas as
sublimes dedicações de um amigo. No Coração de Jesus
encontram-se chamas de amor correspondentes a cada fibra
do coração humano e, para colocá-las ao nosso alcance,
despoja-se dos esplendores da divina majestade, e se
apresenta sob a figura de um amável pastor.
Amemos este verdadeiro pastor de nossas almas;
apeguemo-nos a seus passos e descansemos confiantes sob
seu divino cajado.
II — O salmista profetizou os benefícios que o bom Pastor
esbanjaria às almas fiéis. "O próprio Deus será meu Pastor e
nada me faltará. Colocou-me no meio de férteis pastagens;
conduziu-me próximo a uma fonte pura e tranquila; retempera
as forças de minha alma e me faz andar na senda da justiça.
Então, mesmo que fosse envolta pelas sombras da morte,
nenhum mal recearia, porque estais comigo, vosso cajado me
garante e mesmo a vossa vara me consola. Derramais sobre
minha cabeça o óleo dos celestiais perfumes e o cálice de
vosso amor transborda de delícias". As comunidades religiosas
possuem abundantemente estas graças; são os campos férteis
da Igreja. A unção do Coração de Jesus Cristo flui com
plenitude na alma amorosa; aí o espírito evangélico espalha
seu perfume de paz e de alegria, aí as ovelhas queridas
alimentam-se da estrutura do amor.
O bom Pastor nos chama: "Segui-me!" Respondamos-lhe
com são Pedro: "Senhor, a quem iríamos? Vós tendes palavras
de vida eterna!" (Jo 6, 69).
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plicidade. Tais são realmente as qualidades das almas que
seguem o divino Mestre no caminho da eterna salvação. São
por Deus conhecidas por se empenharem em conhecê-lo; e
neste conhecimento, isto é, nestas relações recíprocas,
encontram a paz, a alegria e as santas esperanças. Deliciam-
se em executar a vontade de Deus, que é uma lei de amor e é
esta lei a única norma de seus atos e de seus pensamentos; de
maneira que não vivem mais para si, mas para Deus; não
buscam mais o próprio interesse, mas aspiram unicamente à
glória de Deus.
Bem-aventuradas as ovelhas conhecidas no céu por suas
virtudes evangélicas! A elas é que se referia o divino Pastor:
"Dar-lhes-ei a vida eterna e ninguém a arrancará de minhas
mãos!".
II — As ovelhas fiéis entregam-se totalmente à direção do
divino Pastor; escutam sua voz que lhes fala ao coração e
mostram-lhe seu amor, por confiante submissão. Ora, esta voz
divina aconselha principalmente a caridade. Eis por que nos
assevera o Evangelho que é pela caridade que o divino Pastor
reconhece suas ovelhas verdadeiras. Queremos pertencer ao
número dessas privilegiadas almas? Queremos obter uma
parte farta nas pastorais solicitudes, nas celestiais predileções,
nas promessas imortais? Ouçamos a voz do bom Pastor e po-
nhamo-la em prática com perseverança. Não é difícil o que
ordena; manda que nos amemos mutuamente e que
permaneçamos unidos em seu Coração.
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em vez de obedecerem a Jesus Cristo, e se dirigirem a si
mesmas em vez de se submeterem à autoridade da Igreja.
Lembremo-nos de que, se nosso Senhor tomou a figura de
um cordeiro, é para que nós também, depois de a termos
recebido, tomemos a semelhança com nosso Senhor Jesus
Cristo.
II — A ovelha, que procura sua vida fora do aprisco, está
sempre triste e sequiosa; porque o verdadeiro alimento da alma
é somente encontrado no rebanho católico. Aí é que Jesus
estendeu sua mesa, onde comemos e bebemos a graça. É aí
que se ergue o altar santo onde ele depôs o pão do amor. Este
pão encerra em si todas as celestiais virtudes; comunica-nos a
força do alto, a unção do céu e os dons misteriosos
correspondentes às necessidades mais íntimas de nossa alma.
Depois de tantas provas, poderíamos ainda duvidar do
imenso amor daquele que é o Verdadeiro bom Pastor?
Digamos com Davi que nós queremos segui-lo passo a passo,
todos os dias de nossa vida, e que habitaremos a casa do
Senhor por todos os séculos dos séculos.
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II — Se o bom Pastor conhece suas ovelhas, estas tam-
bém o conhecem. E quanto mais o conhecem, tanto mais o
amam; e quanto mais o amam, tanto mais o conhecem. Pelo
coração é que se aprende a conhecê-lo e a amá-lo. Conhecê-lo
é amá-lo e servi-lo; porque servir é obedecer, e facilmente
obedecemos a quem amamos. As ovelhas do rebanho celeste
vivem só de amor e de obediência. "Senhor — exclamava
santo Agostinho — ocupai-vos de mim, como se, abandonando
todos os outros, só em mim pensásseis. Estais sempre próximo
dos que a vós recorrem e me ofereceis vossa assistência
desde que eu esteja disposto a recebê-la. Nunca me
abandoneis; só se eu primeiramente o fizer. E vossas
consolações ultrapassam nossas esperanças. Oh! que
felicidade viver sob tal cajado e com um tal Pastor! Em vós
descansarei, Senhor, e dormirei em segurança".
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Desgraçada a alma que se desgarra do seu rebanho para
seguir vozes estranhas às do bom Pastor! Mas feliz, e
eternamente bem-aventurada a ovelha fiel que persevera até
ao fim!
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Contribuamos por nossa parte para a realização das
promessas divinas, por nossas fervorosas orações, por nossos
trabalhos, nossa abnegação e nossa caridade.
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III DOMINGO DEPOIS DA PÁSCOA
"Dentro em pouco não me vereis mais, e dentro em pouco
tomareis a ver-me" (Jo 16,16).
I — O pouco tempo, a que se refere Jesus, é a vida
presente, que na realidade não passa de um momento fugaz,
em relação à eternidade. "Mil anos diante de Deus são como o
dia de ontem", diz o profeta. Este momento passageiro deve,
no entanto, decidir do nosso futuro. O que é capaz de mais
fortemente estimular nossa esperança e desprender-nos das
coisas terrenas? Nosso Senhor nos consola, afirmando que
dentro em pouco o tornaremos a ver, promessa divina que
reanima os que trabalham, levanta os que caem e abrasa os
que suspiram por ver Jesus na glória.
Meditemos sobre a brevidade e a fragilidade da vida, para
nos desprendermos das sombras fugazes e nos apegarmos
aos bens eternos.
II — A vida deste mundo é uma viagem rápida. Eis por que
o apóstolo nos exorta a nos abstermos dos desejos carnais que
combatem contra o espírito, considerando-nos como estranhos
e viajantes (1 Pd 2, 11). Como estrangeiros, conservemo-nos
afastados do mundo, precavendo-nos contra o espírito de suas
máximas e de suas vaidades. Como viajantes, não nos
prendamos ao comboio que nos transporta e não
estabeleçamos nossa morada na estalagem por onde apenas
transitamos. Deixemos atrás o caminho já percorrido e
esforcemo-nos por constantemente avançar, até atingir o alvo
para o qual tendemos.
A graça nos atrai para o alto; não nos emaranhemos em
interesses mesquinhos que rebaixam o espírito, apegando-o à
terra.
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alegria; ora a deixa na escuridão e ela não sente a mão que a
sustém; Jesus não diz que se afasta de nós, pois que nunca
priva as almas da graça necessária; mas retira seu apoio
visível, para espiritualizar nossa fé e excitar o fervor em nossas
orações. Quando Jesus está presente, tudo é suave, tudo fácil;
mas quando parece ausente, a virtude exige mais esforços e
adquire mais méritos.
Nessas diversas circunstâncias, a alma cristã,
conformando-se à vontade divina, encontra doce paz. Sua
constância, em meio às vicissitudes passageiras, prepara-a
para a estabilidade da futura bem-aventurança.
II — Os discípulos não compreendiam essas palavras:
"Dentro em pouco não me vereis mais e dentro em pouco me
vereis novamente". O Senhor não lhes explicou a significação
desse mistério. É pela prática e não pela teoria que as almas
humildes chegam à compreensão da verdade. Na escola do
Evangelho, a ciência se justifica pelos seus frutos; e a
disposição requerida para se adiantar na luz é a humilde
submissão do espírito. Quando se experimentam os efeitos da
presença ou da ausência de nosso Senhor, evitam-se os ex-
cessos de alegria e, ao mesmo tempo, os desfalecimentos do
desânimo.
Quer Jesus nos console ou nos mortifique, a nossa
confiança em seu amor há de ser firme e inabalável.
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aspirar ao céu, é viver inutilmente e falhar ao fim para o qual
fomos criados. Não bastam as boas intenções; precisamos
unir-nos a Jesus Cristo, por uma vontade firme e perseverante.
Cada passo e cada ação nossa deverá confirmar a verdade
destas palavras: "Vou a meu Pai". Eis o que torna reta a
direção, sólida a conduta, e inspira segurança e consolo à
aproximação da morte.
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QUINTA-FEIRA DA III SEMANA DEPOIS DA
PÁSCOA
"Estareis em tristeza" (Jo 16, 20).
I — Há duas espécies de tristeza: uma procede do amor de
Deus, a outra do amor próprio. A primeira é um sentimento
sobrenatural que invade a alma amorosa; tristeza calma e
santa que excita as lágrimas da compunção e da prece. A outra
esconde o veneno da oposição à vontade de Deus ou de
agastamento contra o próximo ou de egoísta susceptibilidade.
É denominada na sagrada Escritura: má tristeza, porque
descolora a piedade, enerva o ânimo e desseca a vida interior.
Observa são Bernardo que a má tristeza devora a substância
da alma, como o cupim corrói a madeira.
II — Os espíritos elevados não se deixam atingir pelas
nuvens da sombria tristeza. A oração fervorosa e perseverante,
o sacramento da penitência e, sobretudo, a sagrada
comunhão, preservam-nos e livram-nos dessa tentação mortal.
Mas o melhor antídoto contra a má tristeza é a tristeza
provocada pelo amor de Deus. Com efeito, quando deploramos
nossas faltas, deixamos de nos lastimar e nossos próprios
pesares anulam-se, ao compará-los aos de Jesus Cristo.
Quando nos assaltarem pensamentos de má tristeza,
contemplemos Jesus Crucificado e peçamos-lhe que nos livre
da tentação.
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alegria; porque, efetivamente, contém os germes da verdadeira
felicidade, assim como a nuvem encobre o raio luminoso, como
o cálice da flor contém o perfume. Mas é preciso que a nuvem
se rasgue para que jorre a luz; que o botão se rompa para que
desabroche a flor. Da mesma forma, sobrevém a alegria à tris-
teza após as provações pelos sofrimentos e pela paciência.
A árvore da cruz destila um bálsamo que, com o tempo,
troca em doçuras todas as amarguras.
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IV DOMINGO DA PÁSCOA
"Vou agora para aquele que me enviou" (Jo 16, 5).
I — Nosso divino Salvador, na ocasião de voltar ao céu,
quer dirigir nosso pensamento e nossos desejos para aquele
que é o nosso princípio e o nosso fim último. Pois é do Pai,
como de fonte única, que procede todo dom perfeito. É
igualmente ao seio do Pai que se devem lançar nossas
esperanças e ações de graças. Jesus Cristo reatou os laços de
religião, rompidos pelo pecado. Por seu intermédio prestamos
ao Pai celeste o culto de amor e adoração em espírito e em
verdade.
II — Meditemos sobre as inefáveis perfeições de Deus três
vezes santo, que não se limitou a ser nosso Criador, mas quis
ainda ser nosso Pai. Seu poder nos foi manifestado pelas
maravilhas da criação; triunfa o seu amor nos atos da nossa
redenção; sua bondade, sua misericórdia, sua providência se
revelam no encadeamento da nossa vida. Mas para fazermos
dele uma ideia justa, é preciso olhar Jesus, é preciso ouvir
Jesus Cristo: "Quem me vê, vê meu Pai".
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graça foge dos presunçosos e repousa nos humildes.
Queremos atrair Jesus e desfrutar as delícias da sua
presença? Expulsemos do nosso espírito tudo que lhe
desagrada e arranquemos do nosso coração tudo que possa
ofendê-lo. Tomemos, pois, a resolução de, quer sejamos
consolados por graças sensíveis, quer nos vejamos
molestados por privações e sacrifícios, sujeitar-nos
humildemente à vontade divina e não cessar jamais de amar,
louvar a Deus, sempre a ele implorando e nele confiando.
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como se ama no céu, a viver como se vive no céu. Fecunda a
semente das virtudes sobrenaturais dispostas por Jesus nos
corações, enriquecendo-os de dons celestiais. É de per si o
dom por excelência, a fonte de toda graça e consolação. Mas,
para recebê-lo e gozá-lo, cumpre que a alma se eleve acima
das atrações e das vãs alegrias deste mundo.
II — Nos desígnios da sabedoria eterna, deveria Jesus
subir para junto do Pai celeste, para descer o Espírito Santo à
terra. Não busquemos penetrar os arcanos deste insondável
mistério! Basta-nos saber que os dons do Espírito Santo
formam como que a coroação dos atos sublimes da Redenção.
Estando tudo consumado e a humanidade regenerada, podia o
Espírito Santo encher a medida do amor. O coração humano
não estará apto para receber as divinas efusões do céu, senão
depois de purificado inteiramente, pelo sagrado sangue de
nosso Senhor Jesus Cristo.
168
SEXTA-FEIRA DA IV SEMANA DEPOIS DA PÁSCOA
"Tenho ainda muitas coisas a vos dizer; mas não podeis
compreendê-las agora" (Jo 16, 12).
I — A divina Verdade não se faz inacessível; nosso
espírito, porém, ainda muito envolto nas brumas da terra, não
pode contemplá-la em sua plenitude. Ela se revela
gradualmente, como o sol que só é um mistério para quem
conserva os olhos fechados. Quando os próprios apóstolos só
aos poucos podiam ser iniciados nos ensinamentos do Mestre,
não seria tola presunção de nossa parte querermos desvendá-
los somente com o trabalho do nosso próprio espírito? Os
sábios da escola de Jesus não são aqueles que procuram
apenas satisfazer sua curiosidade; meditam, lêem e estudam
com o propósito de alimentar a sua fé e de aumentar o seu
amor; oram e, à medida que se tornam mais dóceis e simples,
mais se eleva seu espírito iluminado pelas luzes do alto.
II — Nosso Senhor se põe ao alcance de seus discípulos,
ensina-lhes aquilo que eles podem compreender e deixa para
mais tarde as lições que exigem mais maturidade. Este
processo interessa àqueles que têm por missão instruir e
formar almas: missão esta que requer tato, prudência e
paciência. As aptidões são várias; o que importa é conhecer-
lhes a medida para não as ultrapassar. As mesmas luzes que a
uns iluminam, a outros ofuscam. São Paulo, o grande preceptor
do Evangelho, nos ensina como se fazia "todo para todos",
imitando nosso Senhor. Com os fracos era fraco, com os
pequenos, pequeno. Às crianças alimentava com leite e aos
adultos distribuía o pão dos fortes.
Empreguemos, no serviço de Deus, idêntico discernimento
e igual condescendência.
169
dependência do homem para com Deus. Foi proclamada bem-
aventurada, e duplamente bem-aventurada, pois da felicidade e
da glória, que encontrou em sua fé, tornou participantes todos
os que a seguem pela vereda humilde e submissa que
inaugurou.
II — Se encontramos pontos obscuros nos ensinamentos
da religião, fiquemos certos de que a falta de luz provém do
nosso espírito ou das explicações insuficientes que recebemos,
mas nunca da religião, onde tudo é claro e sem nuvens.
Quando sucumbir nossa razão, sob a majestade dos mistérios
divinos, refugiemo-nos, como Maria, na adesão confiante e
total da nossa fé, unindo nosso espírito ao de Deus e nossa
vontade à vontade de Deus. Então a fé depõe em nós os
princípios da verdadeira ciência e o Espírito Santo, fecundando
a palavra conservada no fundo do coração, faz daí jorrar a luz
em fluxos de paz, de santidade e de ventura.
170
SEGUNDA-FEIRA DA V SEMANA DEPOIS DA
PÁSCOA
"Pedi e recebereis" (Jo 16, 24).
I — A primeira disposição para bem orarmos é nos
comunicarmos interiormente com aquele que nos ouve e nos
atende. Animados da mais humilde confiança e sem
abundância de termos, exponhamos nossas necessidades,
desejos e sentimentos, tais como ele os vê e conhece. Se a
expansão provoca palavras, o recolhimento exige silêncio.
Convém alternar estes dois movimentos. Depois de abrir a
boca para pedir, deve-se abrir o coração para receber; depois
de falar, deve-se escutar; e o melhor meio para ser atendido é
executar fielmente o que Deus quer de nós.
Santa Teresa compara a oração "à respiração do coração
que aspira a graça e exala a gratidão". Foi assim a oração do
discípulo amado, quando, reclinado sobre o peito do Salvador,
sorvia a vida divina.
II — A segunda condição para orar com eficácia é
harmonizar de antemão a nossa vontade com a vontade do Pai
que, por vezes, atende de modo diverso ao que havíamos
desejado. Sua sabedoria divina retifica os nossos desejos
imprudentes; transmuda, com vantagem para nós, a esperança
diferida, e concede-nos em tempo oportuno àquilo que
havíamos implorado em ocasião imprópria.
Não pretendamos conformar a vontade de Deus à nossa,
mas conformemo-nos à sua e concluamos nossas orações com
estas palavras de Jesus: "Seja feita a vossa vontade e não a
minha".
171
II — O reino de Deus está dentro de nós, e é em nosso
coração que estabelecemos uma viva relação com aquele que
se intitula: o Deus do nosso coração. À proporção que essa
relação se torna mais íntima, aumentam e dilatam-se as
alegrias. Pois, assim como mais fortemente se experimenta o
calor e a luz do sol quanto mais aos seus raios nos expomos,
estreitando-se as nossas relações com Jesus Cristo, havemos
de sentir uma felicidade tal que ultrapassa toda palavra, todo
pensamento. "Que poderei desejar no céu e sobre a terra, se-
não vós, ó meu Deus, que sois o Deus do meu coração e
minha partilha para a eternidade?"
172
QUINTA-FEIRA ASCENSÃO DO SENHOR5
"O Senhor Jesus, após dirigir suas últimas instruções aos
seus apóstolos, elevou-se ao céu" (Mc 16, 19).
I — Contemplemos em espírito tão maravilhoso espetáculo!
O Filho de Deus, que se fez filho do homem, sobe ao mais alto
do céu e leva a natureza humana aos esplendores da glória!
Mistério cheio de sublimes consolações! Pois, onde está o
Mestre, aí estarão seus membros; onde estiver o nosso
tesouro, aí estarão os nossos corações. Jesus Cristo mesmo
nos afirma que prepara nosso lugar na celestial mansão.
Bendigamos a cruz que nos abriu tão magníficas perspectivas!
Purifiquemo-nos, santifiquemo-nos sobre a terra, para que,
com o olhar e as asas da águia, possamos chegar ao termo
inefável do nosso destino, subir até ao sol do amor, onde
viveremos eternamente.
II — Jesus se abateu ao nível dos pecadores; por isto se
elevou acima de todos os tronos e hierarquias dos anjos. Sua
cruz tornou-se um cetro de glória; sua coroa de espinhos, uma
auréola de luz; sua vestimenta de ignomínia, um manto real e a
amargura que inundou sua alma, transformou-se em torrentes
de delícias. Todas essas transformações hão de se reproduzir
nos discípulos que seguirem o Mestre.
Ó minha alma! Pensa que és estrangeira neste mundo, que
o céu é tua pátria e que, se carregares tua cruz com Jesus
Cristo, participarás de sua ascensão e de seu triunfo pelos
séculos sem fim!
5
No atual calendário litúrgico, a celebração da Ascensão do Senhor
acontece no domingo que antecede o domingo de Pentecostes (confira
Observações, pág. 7).
173
Este é o pensamento que nos deve ocupar, ainda nas mais
favoráveis circunstâncias, pois o nosso futuro depende do atual
emprego dado à graça e aos dons de Deus.
II — Após a ascensão do divino Mestre, os discípulos não
se apressam em publicar as maravilhas de que foram
espectadores; retiram-se à solidão, e se preparam para seus
trabalhos apostólicos. Compreendem a necessidade do
recolhimento e da oração para se fortificarem na graça que a
vida ativa reclama. Mas, antes de se separarem, estreitam
ainda mais os laços fraternos que os unem na divina caridade.
Unamo-nos a nossos pais na fé e peçamos com Davi:
"Enviai-me, Senhor, o vosso Espírito Santo; criai em mim um
coração puro e tornar-me-ei um novo homem, pois sois vós
que renovais toda a face da terra".
174
DOMINGO NA OITAVA DA ASCENSÃO
"Quando vier o Espírito da verdade, ele dará testemunho
de mim"
(Jo 15, 26).
I — O Espírito Santo, que é o amor eterno procedendo do
Pai e do Filho, desperta em nós a compreensão da verdade.
Ilumina nossa fé, revela Jesus Cristo no fundo do nosso
coração e faz-nos saborear, com particular unção, a doutrina
das coisas sobrenaturais. Essa luz interior ilumina todos os
ensinamentos da Igreja; dá ao espírito profundas convicções e
à vontade, forças vitoriosas. O testemunho do Espírito Santo
não se apoia sobre demonstrações humanas; fala com divina
autoridade; mas instrui somente as almas humildes e retas.
II — O Espírito Santo fala dentro em nós, mas dá também
testemunho exterior de si, pela pregação evangélica; e ambos
esses testemunhos — interior e exterior — ensinam as
mesmas verdades. São duas harpas cujas cordas sagradas
vibram ao mesmo sopro e modulam a mesma melodia.
Sejamos dóceis a essas divinas lições, quer nos
emocionem interiormente o coração, quer impressionem o
nosso espírito por evidentes demonstrações. A teologia que
aprendemos nesta alta escola inicia-nos no conhecimento de
Jesus Cristo e na prática do seu amor.
175
II — Os obreiros apostólicos não se devem limitar à missão
de ensinar a doutrina da salvação; têm, sobretudo de tornar
Jesus Cristo conhecido e amado. Para conseguir tal fim, seu
ministério os obriga a confirmar pelas obras o testemunho de
suas palavras. Necessário fosse o testemunho do sangue, era
preciso lembrar-se que o martírio é a gloriosa confissão da
verdade e a prova suprema do amor. Os discípulos do
Evangelho, ardendo nas chamas do Espírito Santo, devem
estar dispostos a sofrer e morrer por Jesus Cristo, pela glória
de Deus e pela salvação de seus irmãos.
176
QUARTA-FEIRA NA OITAVA DA ASCENSÃO
"E vos farão isto porque não conheceram nem o Pai, nem a
mim"
(Jo 16, 3).
I — Consideremos compassivamente a cegueira dos que
não conhecem nem o Pai que está no céu, nem o Salvador que
lhes veio trazer a paz. Esta cegueira é a causa mais comum
das oposições e ingratidões que os operários evangélicos
encontram entre os homens. Mas enquanto estes pagam o
bem com o mal, nosso Senhor nos ordena o contrário: pagar o
mal com o bem. Suas perseguições injustas exercitam nossa
paciência, e sua malícia excita nossa caridade. É óbvio que a
caridade não nega o mal; lastima apenas aqueles que lhe
servem de instrumento; penaliza-se ao pensar nos castigos
que os aguardam, e ora pela sua conversão.
A oração pelos pecadores é um apostolado; está no
pensamento do divino Salvador, que não quer a condenação
de nenhuma alma e que, assaz frequentemente, transforma
grandes pecadores em santos e mártires.
II — As perseguições, as humilhações e os sofrimentos são
infinitamente mais vantajosos para a santificação do que os
sucessos e a prosperidade. É mais para recear o espírito do
século, quando nos ama e exalta, do que quando nos repele e
obriga a desprezá-lo. Trabalhamos mais pura e generosamente
sob o olhar de Deus unicamente, do que quando procuramos
satisfazer os homens. As consolações divinas crescem à
proporção que recuam as humanas.
Saibamos retirar frutuoso proveito das tribulações
quotidianas e disponhamo-nos a sofrê-las ainda maiores, se
tais forem os desígnios da Providência.
177
em jogo, mas igualmente a daqueles que estão sob nossa
responsabilidade. Ninguém se salva sozinho, pois as almas for-
mam uma cadeia entre si. A nossa influência poderá ser boa ou
nefasta, segundo o espírito a que obedecemos.
II — A missão sempre eficaz, em qualquer circunstância e
em qualquer situação, é a do bom exemplo. O apóstolo quer
que utilizemos em benefício de nosso próximo o dom com o
qual fomos favorecidos, e que unanimemente concorramos
para fazer prevalecer o espírito de Deus. "Quando falardes,
seja como se Deus falasse por vossa boca. Quando
cumprirdes vossa obrigação, seja como se a virtude de Deus
agisse por vosso intermédio", assim fala o apóstolo. Se tiverdes
que sofrer, sofrei como membros de Cristo. Assim a vossa
missão se tornará santa para vós, salutar para o próximo e
gloriosa para Deus.
178
SÁBADO, VÉSPERA DE PENTECOSTES
A Virgem Maria em retiro no monte Sião
I — Transportemo-nos em espírito a essa casa abençoada,
onde, cercada pelos discípulos, se encontrava Maria, sua Mãe
e Soberana. Fora nesse monte que Jesus lavara os pés a seus
apóstolos; aí tinham comido o cordeiro pascal; aí fora instituído
o sacramento da Eucaristia; aí formou-se o berço da Igreja;
sobre esse monte Sião desceu o Espírito Santo sob a forma de
línguas de fogo, sobre os primeiros cristãos. Frisa o
Evangelista que os discípulos perseveravam unanimemente
em oração, com as santas mulheres e com Maria. Este texto,
onde, em último lugar, se lê o nome de Maria, é um tes-
temunho de sua incomparável humildade. A primeira quis ser a
última. No declínio de sua vida terrestre, quando já reina seu
Filho no céu, assim como no início de sua carreira, quando em
seu casto seio concebeu o Filho de Deus, ela se compraz em
ser a humilde escrava do Senhor!
II — Consideremos o purificado amor de Maria santíssima,
a sua extraordinária dedicação aos discípulos de Jesus! Mas,
também, que sentimentos de filial ternura, que veneração não
deveriam eles tributar à Mãe do seu amado Salvador! Ora, o
que Maria foi para eles, é igualmente para nós; e nós devemos
ser para Maria o mesmo que eles foram. As relações são as
mesmas; subsistem na Igreja e perpetuam-se para renovar
sempre e por toda parte os mesmos frutos de piedade.
Poderia alguma filha de Sião deixar de ser humilde,
fervorosa e de se julgar feliz sob o teto de Maria?
DOMINGO DE PENTECOSTES
"Viremos a ele e faremos nele nossa morada" (Jo 14,23).
I — Consideremos a analogia existente entre o
Pentecostes cristão e o do antigo Testamento. Cinquenta dias
após a ceia do Cordeiro pascal, Moisés promulgou sobre o
monte Sinai a lei que ordena ao homem amar a Deus. Esta lei,
gravada em tábuas de pedra, era apenas a fórmula da lei viva,
inscrita no coração do homem. Cinquenta dias após a Páscoa
cristã, o Amor se manifesta não em figura, mas em substância
e verdade. Penetrou em nossos corações para acender dentro
de nós o amor que a lei escrita ordenara e promulgara.
179
Transportemo-nos em espírito ao Cenáculo, no Monte
Sião, e mendiguemos algumas fagulhas daquelas chamas
divinas que abrasaram o coração dos discípulos.
II — O Espírito de Deus, sendo um espírito puríssimo, dá-
se somente às almas purificadas, isto é, que se despem da
natureza sensível e vivem unicamente para “o céu”. Ali não
poderia haver contato do espírito da verdade com o da mentira,
entre a luz e as trevas, entre o bem e o mal. Eis por que o
mundo não pode conceber, nem compreender, nem apreciar as
coisas de Deus.
Se aspiramos receber as delicadas efusões do Espírito
Santo, renunciemos ao amor próprio, ao espírito do século;
amemos o que é do céu e busquemos o que é eterno.
6
Na edição original de 1941, aqui se encontrava: Segunda-feira de
Pentecostes. Adaptando ao novo calendário litúrgico, colocamos tal
período como sendo do Tempo Comum, e a numeração da semana
segue a sequência da última semana anterior à Quaresma. (Vide
Observações, pág. 7)
180
obediência, teremos direito a nos considerar verdadeiros filhos
de Deus, herdeiros do céu e co-herdeiros de Jesus Cristo.
Só à alma obediente será permitido afirmar: Amo e sou
amada.
181
os ofícios; se, pois, a obediência nos conferir um cargo na casa
de Deus, podemos contar com a assistência divina e o nosso
êxito será em proporção à nossa fidelidade.
VIII — Os apóstolos principiam sua missão cheios de
confiança e valor. Ensinam as verdades do Evangelho sem a
menor atenção ao espírito do século, nem à própria segurança.
Anunciam Jesus crucificado, sem temor e sem respeito
humano, de todo indiferentes quer às censuras, quer aos
louvores humanos. Têm unicamente em vista o mandato do
Mestre e a salvação dos seus irmãos. Eis como a caridade
executa as obras de Deus; e, por nosso lado, contribuiremos
para esse fim, se trabalharmos na obediência como dóceis
instrumentos sob a direção do Espírito Santo.
Encaremos de um lado os deveres da nossa vocação e, de
outro, as graças que nos são dispensadas para, zelosa e
abençoadamente, servirmos ao Senhor.
182
exclusivamente para si; desconhecia-se o — meu e o teu —
funesta causa das divergências que dilaceram as sociedades
humanas. Cada indivíduo participava do bem-estar de todos e
todos contribuíam para a felicidade de cada um.
Compreendamos esta vida sobrenatural, para oferecermos
aos anjos e aos homens o espetáculo de uma comunidade
santa e perfeita.
183
estabelecida como Mãe dos fiéis, recebeu em dia de
Pentecostes a plenitude dos dons que caracterizam uma Mãe
divina; e desde esse momento transformou-se o seu coração,
cheio de graça, em inextinguível fonte de caridade, de
misericórdia e de ternura. Suas solicitudes são as mesmas do
próprio Jesus; com ele delas participa; e nós também nelas
teremos nossa parte, no grau da nossa união com Jesus
Cristo.
Quanto mais ligados estivermos a nosso Senhor como
membros a seu chefe, maior direito possuiremos de dar a
Maria o nome de Mãe; e ela, mais ainda, nos há de envolver no
carinho com que uma Mãe ama seus filhos.
II — Diz a Escritura que o sol cercou a mulher; isto significa
que o amor divino possuiu Maria inteiramente; de modo que, se
os apóstolos iniciaram sua missão pregando com línguas
inflamadas, Maria cumpriu a sua amando-nos com um coração
de fogo, dando exemplo às filhas de Sião que com ela estavam
no Cenáculo, tendo igualmente recebido o Espírito Santo, para
exercerem o apostolado da caridade e da oração.
Vinde, Espírito Santo! Baixai sobre aqueles que pregam a
vossa palavra, sobre aqueles que a escutam e sobre aqueles
que a praticam, para que todos aprendam cada vez melhor a
conhecer, a amar e a servir a nosso Senhor Jesus Cristo!
184
eternidade: por conseguinte, antes da criação, não poderia ter
amado senão a si próprio. Deus amando e Deus amado são,
pois, os dois primeiros termos desse inefável mistério. Mas a
esses dois termos unem-se o terceiro, o Espírito Santo, amor
substancial procedendo eternamente de um e de outro, como a
viva e mútua comunicação do Pai e do Filho; três termos
distintos na unidade da natureza divina, fonte de toda vida,
causa inicial do que existe.
Amemos e adoremos nosso Deus, de toda nossa alma, de
todo nosso espírito, e de todas as nossas forças, repetindo
com a Igreja: "Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo nos
séculos dos séculos!".
185
Jesus Cristo venceu satanás e o mundo; nele apoiados,
seremos maiores do que o mundo, mais fortes do que satanás
e triunfaremos de todos os poderes do inferno.
186
outros; e, para dar à sua palavra a mais alta consagração,
prende-lhe a mais consoladora das promessas: "Se não
julgardes, não sereis julgados". Temos em nossas mãos,
portanto, o nosso futuro destino.
É indubitável que havemos de comparecer ante aquele que
há de julgar os vivos e os mortos; seremos absolvidos se
tivermos sido misericordiosos; seremos condenados, se
houvermos sido implacáveis. O soberano Juiz se utiliza da
mesma balança de que nos servimos.
Perscrutemos nossos sentimentos e nossos pensamentos
habituais. Gostaríamos de ser julgados no tribunal divino como
julgamos nossos irmãos?
II — Se a humildade nos obriga a abrir os olhos sobre os
nossos defeitos, a caridade, pelo contrário, pede que os
tenhamos fechados para as fraquezas alheias. A humildade
não vê o mal, busca somente descobrir o bem; não suspeita,
não critica, não condena: deixa a Deus o cuidado de exercer a
justiça e para o próximo espera a misericórdia que também a
ele é necessária.
Habituemo-nos a empregar em nosso proveito a seve-
ridade com que julgamos o próximo e em seu favor aplicar o
conceito benévolo que a nós mesmos nos reservamos.
187
II – O profeta, ao contemplar Jesus na santa Eucaristia
chama-o Emanuel — Deus conosco. Este nome inefável revela
a glória e a felicidade do cristão. Possuir em nossos
tabernáculos o Deus escondido, que somente respira doçura e
delícias! Circundar esse trono de graças, como os anjos o trono
celestial! Viver dos seus olhares, à sombra do santuário, para o
amar e o servir... que honra insigne! Que permanente
consolo... que antecipação do paraíso! "Ó Sião, ó Sião! —
exclama o profeta — rejubilai-vos e entoai hinos de alegria!
Porque o Altíssimo, o Santo de Israel, está no meio de vós!" (Is
12, 6).
188
minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim e eu
nele".
Ó dileto de minha alma! “Transformai-me todo em vós, para
que não seja mais eu quem viva, mas sejais vós a viver em
mim!".
189
XII DOMINGO DO TEMPO COMUM
"Fazei isto em memória de mim" (Lc 22, 19).
I — Depois de instituir o mistério da imolação e do alimento
do seu Corpo sagrado, Jesus confere a seus apóstolos o poder
de reproduzi-lo; poder divino que, por sua vez, transmitiram os
apóstolos ao sacerdócio católico. É assim que o sacramento da
santa Ceia, bem como o sacrifício da cruz, subsiste para
sempre na Igreja. O mistério da missa não é um novo sacrifício
acrescentado ao do Calvário; ele é identicamente o mesmo e
não cessará de renovar-se misteriosamente até ao final nos
séculos. Assim como o espírito e a vida de nosso Senhor Jesus
Cristo se propagam nos fiéis, pelo sacramento da sagrada
Mesa, do mesmo modo sua paixão e sua morte se perpetuam
no sacrifício do santo altar.
A alma cristã participa eficazmente da missa quando se
une ao mesmo tempo à vida e à morte de Jesus; é somente
satisfazendo essa condição que dela se retiram os frutos de
bênçãos e de salvação.
II —-O sacrifício é, geralmente, um ato pelo qual a criatura
se aniquila ante o seu Criador, para só por ele viver. Não quer
mais se pertencer, imola-se para testemunhar que somente a
Deus pertencem a soberania, a glória e o poder. Eis o mistério
que foi realizado pela Vítima que se fez obediente até à morte;
mistério este que é incessantemente celebrado sobre os
altares, sob a forma incruenta, em favor dos vivos e dos
mortos.
Enquanto por nós se imola o Cordeiro divino, que devemos
fazer? Fixar a Cruz e seguir o exemplo que nos é dado!
190
a ele por uma fiel correspondência; significa isto que, sendo
Jesus ao mesmo tempo Sacrificador e Vítima, precisamos ser
também sacrificadores, oferecendo a Deus nossa vida nossas
afeições, nossos desejos e nossos pensamentos; e vítimas —
imolando nossa vontade e fazendo-nos obedientes até à morte.
Penetremo-nos destas disposições e, sob este ponto de
vista, encaremos as provações que o Senhor nos manda.
II — A santa missa é a reprodução mística do sacrifício de
Jesus Cristo. Podemos assistir a ele transportando-nos em
espírito ao Calvário, para, desta maneira, dele participarmos
mais eficazmente. Ora, notamos aos pés da cruz várias
espécies de pessoas, animadas por disposições bem
diferentes. As almas fiéis e fervorosas são representadas por
Maria, são José e as filhas de Sião; as almas contritas e
penitentes, por Madalena, o centurião e o bom ladrão; os
incrédulos e os pecadores, pelos carrascos; os ímpios, pelo
ladrão que expira blasfemando.
Que lugar nos assinala nossa atitude durante a santa
missa? É aos pés do altar e no íntimo do coração que nos
cumpre buscar os sentimentos de devoção que devemos
alimentar. A cruz se apresenta aos nossos olhos; é ela o livro
de orações que nos ensina a obediência, o sofrimento, a
paciência da santa Vítima. Que poderia haver de mais salutar
do que meditar sobre esses mistérios de amor? Maior
capacidade do que o espírito possui o nosso coração para os
compreender e apreciar. É também nosso coração que, ao se
retirar da santa Missa, deve dizer a nosso Senhor: "Pai, eis-me
aqui para cumprir a vossa vontade!".
191
Ó meu Jesus amado! Entrai triunfalmente em minha alma!
Desprendei-me totalmente de mim mesmo; fazei que eu em
vós inteiramente me perca, para que a vós fique unido para
sempre!
II — Viver por Jesus e para Jesus, como ele vive por seu
Pai e para seu Pai, é amá-lo com ilimitado amor; é a ele nos
prendermos como a única razão de ser da nossa existência; é
dele receber o impulso para todos os nossos atos, todos os
nossos desejos, para todas as pulsações do nosso coração; é
reverter-lhe tudo como ao fim ao qual devemos tender; é viver,
como Jesus, de uma vida toda celeste, sobrenatural e sobre-
humana. O Senhor no-lo disse: "Aquele que comer a mim,
viverá por mim". A alma amorosa inicia sobre a terra uma
comunhão que se perpetua, pelo correr dos séculos, no céu.
Ó Jesus, pão dos anjos! Fartai-me desta vida de amor,
para que não viva mais por mim e para mim, mas unicamente
por vós e para vós, para a glória de Deus e salvação de meus
irmãos!
192
e repelir a discórdia; amar a vontade de Deus e guardar sua
palavra. Para nunca o abandonar, coisa alguma lhe deve ser
preferida, amor algum lhe ser oposto, nenhum calor profano
misturar à chama divina do seu Coração. Em uma palavra,
para conservar Jesus e permanecer-lhe fiel, deve a criatura
agradar-lhe sem cessar; e lhe seremos agradáveis, se formos
firmes na fé, caritativos em nossos atos, humildes de
sentimentos, reservados em palavras, metódicos na conduta,
incapazes de ofender o próximo, se bem que dispostos a sofrer
qualquer ofensa; apegados à verdade sem nunca faltar à
caridade; conscienciosamente cumprindo nossos deveres para
com todos; tendo por objetivo a glória de nosso Pai celestial!
É a fidelidade a disposição que devemos levar à sagrada
Mesa e é também o fruto que dela devemos trazer.
193
sustenta a consciência, garante a vitória; aumenta a nossa fé,
dilata nossa esperança, vivifica nossa caridade. "Deveríamos
sair deste banquete celeste, diz são João Crisóstomo, como
leões intrépidos, não respirando senão chamas de amor". Para
se acercar da Mesa santa, é necessário, sem dúvida alguma,
dar para receber; mas recebemos infinitamente mais do que
damos; e o grão de incenso que oferecemos ao Senhor nos é
devolvido em uma nuvem de bênçãos.
Oh! Sim! Quanto são venturosas e ricas as almas que
sorvem o amor em sua fonte! Cheias de ardor, só respiram
caridade! Antecipam já nesta vida as solenidades futuras e,
gradualmente, em ascensões sublimes, elevam-se até à
contemplação de Deus, na celeste Sião! (cf. SI 83).
194
lá que a alma verdadeiramente piedosa saboreia as primícias
da bem-aventurança.
195
Passemos em revista a nossa alma; mortifiquemo-nos;
tornemos nossas comunhões dignas, eficazes e frutuosas pela
prática constante das virtudes cristãs.
196
SEGUNDA-FEIRA DA XIII SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Os fariseus e os doutores da lei murmuravam" (Lc 15, 2).
I — Consideremos em que consiste o espírito dos fariseus
e dos doutores da lei, para deles nos afastarmos com horror.
Uns e outros põem sua perfeição na regularidade exterior e nas
ações aparentes; satisfeitos consigo mesmos, só estão atentos
aos defeitos alheios, prontos para julgá-los e condená-los,
olhando-se a si como superiores a qualquer crítica e
observação. Seja qual for a forma de que revistam sua
piedade, não passam, no entanto, de "sepulcros caiados",
como os chama a sagrada Escritura, pois conservam em seu
coração os germes da inveja, do orgulho e das paixões carnais.
O espírito farisaico não desapareceu do mundo e a alma
piedosa, que deseja premunir-se contra seus ataques, exerça
severa vigilância sobre sua natureza, exercitando-a na prática
da indulgência para com o próximo.
II — Quem pactua com o espírito farisaico, acha sempre o
que criticar naqueles que possuem o espírito de Jesus Cristo,
mormente contra os que ocupam postos de autoridade.
Submetem-se exteriormente à lei, mas no seu íntimo guardam
sua própria opinião e alimentam, no fundo do seu coração, um
espírito de oposição que contradiz ao Espírito de Deus.
Mostram escrúpulo no cumprimento de uma rubrica e não
temem transgredir a palavra do Evangelho. "A verdadeira
piedade procede do coração", afirma santo Agostinho. Res
cordis.
A alma impregnada dos sentimentos de Jesus gosta de sua
regra e a pratica conscienciosamente; mas, acima de tudo, é
paciente com os fracos e os atrai pela caridade; ao passo que
a piedade farisaica os espanta e compromete a religião.
197
por vezes, os que estão seguros, à margem de um rio, e nos
atiramos às ondas, em socorro de um infeliz, cuja vida corre
perigo; com bem mais justo motivo o Senhor, não pondo limites
à sua magnanimidade, não poupará sua própria vida com o fim
de reconduzir ao aprisco as ovelhas desgarradas. Busca-as por
todas as delicadezas de sua graça e as reconduza sob o seu
cajado pelos atrativos da caridade.
Bem felizes são aquelas que ouvem sua voz, atendem a
seu chamado e perseveram no seu amor!
II — Tenhamos presente em nosso espírito tudo o que fez
o Salvador para nos salvar e reconheçamo-nos na ovelhinha
perdida e reencontrada. Como ensina a teologia, Jesus não
sofreu somente pela humanidade em geral; mas cada criatura
deve se aplicar em particular o que Jesus Cristo fez por todos.
Cada fiel pode afirmar com são Paulo: "O Filho de Deus me
amou e se entregou por mim".
Alma desgraçada, que seria feito de ti, se o teu Salvador
não tivesse ido no teu encalço, em meio aos teus desvarios e à
tua frouxa vontade? Ó caridoso Pastor! Conservai-me para
sempre no vosso redil!
198
II — Depois de sermos objeto das infinitas misericórdias do
Salvador, devemos também por nossa vez dar ao nosso
próximo incessantes provas de uma caridade sem esfriamento.
É esta a constante recomendação do apóstolo: Se algum de
vós cair em alguma falta, vós que sois espirituais, isto é, mais
adiantados na virtude, tende o cuidado de reerguê-lo com
brandura. Sede para com ele cheios de paciência, de
indulgência, de cordialidade. Quando, por vossas orações ou
por vossas obras de zelo, conseguirdes edificar uma alma,
gozareis de uma alegria sobremaneira profunda, a própria
alegria de Jesus Cristo!
Ó divino Salvador de minha alma! Como não hei de relevar
os defeitos de meu próximo, se vos vejo suportar a mim, a
quem trazeis em vossos ombros, com todo o peso das minhas
misérias?
199
santo, causa maior alegria no céu. Desde que se desapegou
das coisas terrenas e se voltou para Deus, pode apreciar
melhor a graça divina que o preveniu. A gratidão alimenta seu
amor. Penitencia-se em reparação dos seus desvarios. Aceita
todas as provações e adversidades; busca sempre o último
lugar. Trabalha, sofre, obedece e ora com sentimentos de
compunção que comovem o Coração divino, fazendo com que
superabunde a graça onde abundara o pecado.
Peçamos ao Senhor um coração contrito e humilhado, a
fim de que, por nossa vida penitente, possamos alegrar os
anjos do céu.
200
litas que provêm dos patriarcas e dos quais nasceu Jesus
Cristo, nosso Deus acima de tudo" (Rm 9, 3. 4). Eis qual deve
ser nosso zelo pela salvação dos pecadores, principalmente
para com aqueles que são mais culpados e mais infelizes; zelo
este que receberá belíssima recompensa, conforme o seguinte
texto do apóstolo são Tiago: "Aquele que reconduzir um
pecador dos seus extravios, salvará sua alma da morte e
cobrirá toda a multidão dos seus pecados" (Tg 5, 20).
Supliquemos ao Senhor nos conceder, pela intercessão de
são Pedro e são Paulo, o zelo da caridade apostólica.
201
XIV DOMINGO DO TEMPO COMUM
"Nosso Senhor viu duas barcas que estacionavam à borda
do lago de Genesaré; e os pescadores tinham saído e lavavam
as redes"
(Lc 5, 2).
I — Os pescadores de Tiberíades, depois de uma noite de
trabalhos improfícuos, lavavam e concertavam suas redes,
quando o Senhor entrou em uma de suas barcas. Foram estes
pescadores os primeiros apóstolos de Jesus: Pedro, André,
Tiago e João. A grandeza de sua vocação não faz brotar em
seus espíritos vastas pretensões; não desprezam sua vida
simples e laboriosa; não apressam os momentos de Deus por
um zelo intempestivo; preparam-se ao seu sublime ministério,
pelos modestos trabalhos de cada dia.
Meditemos sobre esse inicio da vida apostólica e com-
preendamos a necessidade e as vantagens de aperfeiçoar as
virtudes da vida comum, antes de aspirarmos às grandes
coisas.
II — Os primeiros discípulos de Jesus, apesar da es-
terilidade do longo trabalho, conservam os mesmos lugares, as
mesmas ocupações. Não se afastam das margens do lago; não
lamentam sua inútil fadiga; não choram o tempo gasto; não
exprimem nenhum pensamento de desânimo. Mas, à espera
de melhor pesca, consertam e lavam suas redes. Significativa
instrução que nos deve inspirar ânimo e perseverança; pois, se
nossos esforços são infrutíferos, limitemo-nos a entrar em
nosso íntimo, a fim de repararmos nossas forças, corrigir
nossos defeitos, purificar nossas intenções e nossa
consciência; e desta forma estaremos mais aptos a trabalhar
com sucesso na conquista das almas, em tempo oportuno.
Somos fiéis ao nosso exame de consciência quotidiano?
Empenhamo-nos seriamente na correção dos nossos defeitos?
Sejamos vigilantes conosco e não descuidemos as nossas
redes.
202
da unidade católica, foco da verdade, elo da caridade divina.
Apreciemos a graça imensa de pertencermos a esta barca
sagrada que resiste às mais violentas tempestades e ao
embate dos vagalhões do mar. Aos que nela se abrigam,
oferece-se o descanso do espírito, a segurança da consciência
e consoladora certeza de atingir o porto da salvação. É da
barca de são Pedro que nos fala o Senhor. É aí e não alhures
que a alma fiel recebe os ensinamentos divinos e envereda
pelo itinerário do céu.
II — Refere o Evangelho que Jesus se sentou na barca de
Pedro e pediu-lhe que se afastasse das margens. Pede,
quando poderia mandar. Exemplo de brandura para aqueles
que exercem autoridade. Pede que a barca seja um pouco
afastada da terra, para mostrar a situação das pessoas
consagradas a Deus, em relação às que vivem no século. Não
se devem aproximar demasiado, mas nem tão pouco se afastar
totalmente, com o fim de poderem edificá-las, sem se exporem;
isto é, que, embora evitando o contato com o espírito do
mundo, devem se comunicar com as almas que nele vivem,
para esclarecê-las, consolá-las e instruí-las.
Conservemo-nos, com Jesus, distanciados do mundo; mas
não recusemos nossa dedicação aos que a nós recorrem.
203
Unamo-nos ao espírito de Jesus Cristo para tudo fazermos
com ele e sem ele nada empreendermos.
II — Jesus, depois de falar às turbas, recomendou aos
apóstolos que deitassem suas redes; e a pesca foi abundante.
O êxito depende, já se vê, de duas condições: que a graça
previna aos que ouvem e que a autoridade dê missão aos que
falam e agem; de onde vemos a necessidade da oração para
atrair a graça e a necessidade da obediência para executar as
obras de Deus. A oração assídua, unida à humilde obediência,
são as redes que capturam as almas.
Que os exemplos dos apóstolos e dos santos nos ensinem
a sermos, nas mãos do Senhor, instrumentos de benção e de
salvação.
204
tudo é possível e obedece. Também permanece tão humilde
quanto antes do milagre; nada se atribui, tendo presente
apenas a sua indignidade; e em sua confusão exclama:
"Senhor! Afastai-vos de mim que sou um pecador!".
Tais devem ser os nossos sentimentos, tanto em nossos
sucessos quanto nos fracassos. No entanto, quantas vezes
não nos gloriamos! Quantas vezes desanimamos! A humildade
nos preserva de um e de outro extremo.
205
SEXTA-FEIRA DA XIV SEMANA DO TEMPO
COMUM
"E, conduzidas as barcas para terra, deixando tudo,
seguiram-no"
(Lc 5, 11).
I — O Evangelho enumera três coisas que os apóstolos
abandonaram para seguir Jesus Cristo. Deixaram suas barcas,
suas redes e seu pai. As embarcações representam os bens
instáveis do mundo; as redes, as indústrias empregadas para
conquistar os favores ou as riquezas; o pai, a família. Tais os
sacrifícios que se impuseram os que eram pescadores de
peixes, para se transformarem em pescadores de homens.
Idênticas renúncias são exigidas aos que desejam seguir as
pegadas dos apóstolos. Se, seguindo-lhes o exemplo, fizermos
generosamente esse sacrifício, o Senhor nos dirigirá estas
mesmas palavras: "Aquele que por mim deixar sua casa, seus
irmãos ou suas irmãs, seu pai ou sua mãe, ou seus filhos,
receberá o cêntuplo nesta vida e possuirá a vida eterna". E
Jesus acrescenta: "Quem ama seu pai ou sua mãe mais do
que a mim, não é digno de mim".
II — O sacrifício dos apóstolos se distingue por sua
prontidão e plenitude. Seguem o Mestre divino sem hesitação e
sem tardança. São João Crisóstomo comenta que eles não
pensaram em voltar para as despedidas da família, nem para
terminar seus negócios, porque se recordam das palavras de
Jesus: "Aquele que, depois de pôr a mão no arado, olhar para
trás, não é digno do céu". Entregam-se totalmente, sem
conservar apego algum ao mundo ou a si mesmos, sem reter
escondido nas dobras do seu coração ídolo algum. Sua doação
não é somente completa, total, é irrevogável. Acompanham
Jesus sempre e por toda parte, não se deixando abalar nem
pelas seduções, nem pelas tribulações, nem pelas ameaças,
nem pela morte, contando firmemente com a assistência
daquele que prometeu: "Se fordes perseverantes até ao fim,
recebereis a coroa da vida".
206
confins do universo, devemos crer que Maria, a Rainha dos
apóstolos, não deixou de ser revestida de poder não menos
prodigioso. Ela possui uma rede que se estende como uma
cadeia de graças, do céu à terra e da terra até ao céu. E esta
rede é o seu amor; atração poderosa que prende as almas,
atraindo-as para Deus e levando-as maravilhosamente para a
luz. Mais ainda, sem Maria, não obteriam os apóstolos triunfo
algum; pois se foi Maria o meio de que se serviu Deus para vir
até nós, necessariamente é o mesmo de que nos devemos
servir para irmos até ele; é, por conseguinte, a Virgem a rede
celestial que nos conduz ao céu.
Entreguemo-nos inteira e ilimitadamente confiantes, nos
braços daquela que é a Mãe da graça e do amor.
II — A intervenção da santíssima Virgem na pesca das
almas se exerce simultaneamente por dupla ação: atua sobre o
Coração de Deus e sobre o coração do homem. Sua ação
sobre o Coração de Deus é sempre vitoriosa, porque possui o
poder da fé, do amor e da oração; poder irresistível quando se
pensa que é uma Mãe que se dirige ao Coração daquele que é
conjuntamente seu Filho e seu Deus! Também os doutores da
Igreja não hesitam em ver a intervenção de Maria como uma
espécie de onipotência. Pode, no entanto, fracassar, ao se
exercer sobre o coração do homem, pois ele, o homem, é livre
em aceitar ou rejeitar a graça e pode esquivar-se aos
benefícios de Deus.
Sejamos dóceis às inspirações da graça, da qual Maria é a
generosa dispensadora e permaneçamos com os filhos de
Deus, presos aos nós da rede de Maria.
207
Cristo, o único justo que, comunicando-nos seus méritos
juntamente com sua vida, refaz nossos corações e neles depõe
os germes das obras de justiça e de caridade.
Unamo-nos a nosso Senhor Jesus Cristo por uma fé viva
que nos torne capazes de fazer o que a lei ordena e nos torne
justos, aplicando-nos a sua própria justiça.
II — A lei antiga regulava os atos e a conduta exterior; a
nova lei regula a vontade e os atos interiores. A primeira foi
escrita sobre a pedra; a segunda é gravada pelo Espírito Santo
em nossas almas, conforme anuncia o profeta Jeremias (31,
33): "Chegará o tempo em que farei uma nova aliança com a
casa de Israel. Imprimirei em suas almas a minha lei e gravá-la-
ei em seus corações". O justo da lei antiga se vangloriava de
suas virtudes; o justo da nova lei só tira sua glória de Jesus
Cristo. Obedece por amor, ao passo que o fariseu o fazia por
medo. Ora, o medo é estéril; só o amor é fecundo em obras de
graça, e eis por que a justiça, procedendo do amor, deve ser
mais abundante do que aquela exercida pelo medo.
Exercitemo-nos em amar. E como não amaríamos aquele
que é o Amor? O verdadeiro amor observa a lei e se manifesta
pela santidade de vida.
208
Peçamos ao Senhor que nos preserve do espírito farisaico
que se contenta só em observar literalmente a regra e nos
conceder o espírito interior que santifica não somente os atos,
mas as intenções, os afetos e os pensamentos.
II — Da piedade cristã deve ser banida toda a ilusão;
convém, portanto, examinar detidamente quais os motivos que
dirigem nossas obras. É o amor de Deus que nos instiga? É a
caridade que nos move? Ou serão nossas boas ações ditadas
pelo amor próprio, pelo interesse pessoal ou por outros
pensamentos humanos? Se visamos a estima das criaturas,
talvez a conseguiremos; mas assim já teremos obtido a nossa
recompensa neste mundo e nada mais teremos a esperar no
céu.
Procuremos edificar o próximo, não para sermos por ele
elogiados e glorificados, mas para fazermos reverter ao Pai
celestial toda a nossa gratidão e toda a glória.
209
e amigos os que amam seus irmãos; de outro, olha como seus
próprios inimigos e como homicidas os que, por seus
ressentimentos, violam a caridade fraterna.
Quão magníficas serão as recompensas prometidas à
caridade, tão severos serão os castigos reservados à ini-
mizade. "Quem não ama seu irmão, diz são João, permanece
na morte, mas aquele que o ama, passa da morte à vida e das
trevas à luz" (1 Jo 3, 14; 2, 10).
210
Deus. Eis por que o apóstolo são Paulo, o suave intérprete do
Coração de Jesus, não se cansava de repetir esta frase que
resume todo o Evangelho: "Meus filhinhos, amai-vos uns aos
outros, como o Senhor vos amou" (Cf. 1 Jo 3).
211
SEXTA-FEIRA DA XV SEMANA DO TEMPO COMUM
"Vai primeiro reconciliar-te com teu irmão, e depois vem
fazer a tua oblação" (Mt 5, 24).
I — Todos os atos da vida e da morte de nosso Senhor
Jesus Cristo têm por fruto: a paz dos corações. No excesso do
seu amor para com os homens, quis, por assim dizer, antepor
os deveres da caridade fraterna ao cumprimento dos deveres
para com Deus. Existe, entre a lei que nos ordena amar nosso
Pai celestial e a que nos manda amar nossos irmãos, tão
profunda conexão, que é impossível cumprir uma sem a outra.
Esta ligação tem seu laço em Jesus Cristo que, sendo Deus,
fez-se homem, tornou-se, por esse modo, nosso próximo. Foi,
com este título, o primeiro observante da lei do amor e da
caridade; e, por suas palavras e por seu exemplo, exorta-nos a
observá-la, seguindo-lhe o exemplo. As sagradas Escrituras
nos ensinam que Deus reina na paz e o demônio na discórdia.
Viveremos sob um ou sob outro cetro, conforme praticarmos a
caridade.
II — O amor do próximo não é uma virtude diferente do
amor de Deus. Estes dois amores brotam da mesma fonte,
como dois riachos, dos quais um sobe até Deus e o outro
desce até à criatura, sua imagem. Um dos riachos, cessando
de correr, logo seca o outro; o nível de um determina
precisamente o do outro. Podemos conhecer que grau
atingimos no amor de Deus, pela medida do amor que
consagramos ao nosso próximo. Muito se engana quem julga
amar a Deus, e em seu coração alimenta frieza para com o
próximo.
"Ó caridade — exclama são Bernardo — lei de todas as
leis, regra de todas as regras! Vida do céu ensinada à terra!
Sede para sempre o objeto de nossa observância e de nossas
meditações!"
212
seio de Maria a se derramar sobre a terra, volve novamente a
Maria, que será a eterna depositária da palavra evangélica. É o
que nos ensina a sagrada Escritura quando, por duas vezes,
repete que Maria conservava tudo em seu coração. Maria é,
portanto, em sua vida íntima, o santuário do fogo da caridade;
e, em sua vida exterior, é o modelo da caridade evangélica.
Temos a aprender, na escola de Maria, como se ama a Deus e
a nossos semelhantes.
II — "Vinde e escutai, exclama o profeta, vinde, ó vós todos
que temeis a Deus, e eu vos contarei quão grandes coisas ele
fez à minha alma!" (SI 65, 16). A substância de todas as graças
é a divina caridade. Antes de ser o Evangelho pregado ao
mundo, já Maria era impregnada dessa virtude e praticava com
perfeição os preceitos evangélicos. Em seu coração lemos as
recomendações, cujo sumário nos é traçado por são Paulo, na
epístola correspondente ao Evangelho desta semana.
Recomenda-nos possuirmos um mesmo coração e um mesmo
sentimento, amarmos a fraternidade, exercermos a compaixão,
conservarmos a caridade sob a guarda da modéstia e da
humildade. Proíbe-nos retribuir o mal com o mal, mas, ao
contrário, devemos pagar o mal com o bem. "Deste modo,
acrescenta o apóstolo, santificaremos Jesus Cristo em nossos
corações".
Imploremos à nossa divina Mãe o espírito evangélico, a fim
de que, pelo coração de Maria, unidos ao Coração de Jesus,
possamos sempre respirar só amor e caridade.
213
Sejamos do número dessas almas famintas da palavra
divina e deixemo-nos atrair à solidão interior, para, dentro em
nós, escutarmos a doce voz do bem amado.
II — A palavra de Jesus alimenta, a um só tempo, a alma e
a inteligência; mas quando a recebemos com humildade e
escutamos o que ela ensina, o Senhor igualmente provê às
necessidades temporais. É o que se verifica no milagre da
multiplicação dos pães; este milagre confirma a consoladora
promessa do Evangelho: "Buscai primeiramente o reino de
Deus e sua justiça e o resto vos será dado por acréscimo". Os
cristãos que procuram o acessório antes do necessário
arriscam-se a ficar sem um e outro; ao passo que os que vão
direito a Jesus Cristo e entregam-lhe os cuidados do presente
e do futuro, jamais verão faltar-lhes o necessário. Assiste-lhes
a Providência e justifica-lhes a confiança, mesmo que para tal
fim fosse preciso operar maravilhas.
O Senhor se compraz, por vezes, em experimentar a
paciência dos seus discípulos; permite as provações e as
privações, mas não tolera as perturbações e proporciona o seu
socorro à nossa fé.
214
reservatórios nos quais é depositada a água destinada a
fertilizar os campos e os vales.
II — O Senhor escolheu os seus discípulos entre os pobres
ou entre aqueles que voluntariamente tal se fazem; ordenou-
lhes que pregassem o Evangelho aos pobres. Sua predileção
pela pobreza e as prerrogativas a ela concedidas dão-nos
ensejo de apreciar as vantagens desta virtude evangélica.
Jesus ordena que tudo abandonemos; mas não há termo
comparativo entre o que deixamos e entre o que dele
recebemos. A alma religiosa, à qual Deus não basta, será
eternamente indigente; mas a que se satisfaz só com a posse
de Jesus, é imensamente rica e comunicará a outras sua
riqueza. É o tesouro que devemos ambicionar, procurar e
conservar com o mais extremoso cuidado. Dele gozaremos
plenamente se formos desprendidos dos bens do mundo e do
espírito de propriedade.
215
que povo nos assemelhamos nos momentos da tribulação?
Quais as nossas disposições nas horas de aridez, de tristeza e
de sacrifícios? Quais os nossos sentimentos em relação ao
guia de nossa alma quando prova a nossa humildade e nossa
obediência?
Em todas as circunstâncias procedamos como dóceis
criancinhas que descansam confiantes nos amorosos braços
paternais.
216
QUINTA FEIRA DA XVI SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Jesus, dando graças, partiu os pães e deu-os a seus
discípulos, para que os distribuíssem ao povo" (Mc 8, 6).
I — Admiremos a onipotência de nosso Senhor que, por
uma única palavra, multiplica os pães, para alimentar a
multidão que o seguira no deserto. Mas este milagre, cercado
de circunstâncias materiais, não era senão a figura do
sacramento do Altar, que é o milagre dos milagres e o mistério
fundamental da religião. O Evangelho relata estes dois
prodígios nos mesmos termos. Jesus alça primeiramente o
olhar ao céu, para nos mostrar a fonte de onde descem os
dons de Deus. Rende graças, para fazer subir ao céu nosso
amor e nossa gratidão. Benze o pão, a fim de que saibamos
que é sua mão divina que opera todas as maravilhas. Rompe o
pão e o multiplica, para nos ensinar que há um só Pão descido
do céu que a todos se dá, para que todos tenham uma mesma
vida; e finalmente, encarrega seus discípulos de distribuírem o
misterioso alimento, para prefigurar o poder dos apóstolos e a
missão sacerdotal.
Todos esses atos são cheios de ensinamentos e o Evan-
gelho no-los revelou, para nos iniciar nos segredos da pátria
divina.
II — Assim como o pão do deserto só foi dado aos que
seguiram Jesus Cristo, o pão eucarístico só é oferecido às
almas que se prendem ao Senhor e guardam a sua palavra. E
assim como o pão corporal os preservava de desfalecerem no
caminho, assim o alimento celestial conserva as almas. Ele é o
sustento que nos dá a força para passarmos da terra ao céu.
Jesus não é tão somente a Verdade e a vida; é também o
caminho e, se com ele andarmos, atingiremos, seguros, a luz
da imortalidade.
217
esgotarem todos os prazeres da terra, confessam, com
Salomão, que tudo não era mais do que vaidade e aflição de
espírito. A saciedade, isto é, o cúmulo da paz e da alegria
encontra-se unicamente na plenitude do amor; e este amor é o
próprio Jesus Cristo, que veio para dar sua vida, e quer que a
desfrutemos fartamente.
Comparemos a alegria de uma alma divinamente saciada
com as agitações da que busca os prazeres do mundo, e
sejamos agradecidos ao Senhor, que nos concedeu o melhor
quinhão, que nunca nos será retirado.
II — Nenhum alimento, por mais saboroso e espiritual que
seja, poderia satisfazer-nos enquanto não saciasse nosso
coração. Ora, uma só coisa pode encher a profundidade do
coração humano. Esta coisa única é o amor infinito; e este
amor é Deus. "Deus é amor", lemos no Evangelho, e "o Amor
fez-se carne". O amor encarnado é Jesus Cristo e Jesus Cristo
tornou-se nosso pão, nosso alimento e nossa bebida. Só ele,
por conseguinte, responde às mais íntimas necessidades da
nossa alma. Somente ele cumula nossos desejos, aplaca
nossa fome, estanca nossa sede e enche totalmente a capaci-
dade do nosso coração. Se temos o coração farto de amor, que
nos resta mais a desejar? Declaremos com santo Agostinho:
"Vós me tocastes, meu Deus; apreciei vossa graça e comecei a
sentir a incomparável suavidade dos vossos perfumes; e me
consumi de ardor no gozo das celestiais delícias".
218
II — Entre as virtudes que caracterizam a santíssima
Virgem, e que devemos com fervor imitar, distingue-se o seu
especial amor pela solidão. Nada, realmente, pode ser mais
prejudicial à santidade da alma do que a diversidade de
influências que se entrechocam no mundo; os elementos
terrenos são como nuvens escuras que impedem a alma de
ver, escutar, sentir e saborear as coisas do céu. Deus fala ao
nosso coração no retiro: é lá que nos ensina a orar, que nos
instrui e nos consola; no nosso íntimo, e longe das dissipações
do espírito, é que alimenta e fortifica misteriosamente a nossa
alma, para que não venha a sucumbir ao peso das provações e
dos combates.
Ativemos em nós a vida interior; unamo-nos a Deus pela
prece e sejamos vigilantes na oração, sem a qual não há força,
nem coragem, nem perseverança.
219
união evangélica, propagar as divergências, o murmúrio e
dificultar os caminhos da obediência.
Lembremo-nos de que poderemos ser, em relação ao
próximo, ou anjos de salvação ou falsos profetas. Façamos por
edificar aos que nos cercam por nossa boa conduta, e Deus
nos concederá em recompensa uma direção esclarecida, firme
e prudente, que nos há de abrir as portas do céu.
220
TERÇA-FEIRA DA XVII SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Toda árvore boa dá bons frutos e toda árvore má dá maus
frutos" (Mt 7, 17).
I — O homem mais criminoso é capaz de uma boa ação e
o homem mais santo poderá cometer faltas. Por isto é que não
se pode avaliar o valor de um homem unicamente por suas
obras exteriores. Não é o fruto que comunica suas qualidades
à árvore, mas sim a árvore que as transmite ao fruto. Uma
árvore só pode ser verdadeiramente boa quando sua raiz é
boa; e verdadeiramente ruim quando está corrupta sua raiz.
Ora, duas espécies de árvores há: uma que produz sempre
bons frutos e a outra, frutos ruins; uma tem por raiz o amor de
Deus, a outra, o amor próprio. O amor de Deus, que nos faz
preferir Deus e nosso próximo a nós mesmos, produz frutos de
caridade, de dedicação, de santidade. O amor próprio, em
sentido oposto, antepõe-se a Deus e ao próximo, é a raiz do
egoísmo, da ambição, da inveja e de todos os outros vícios.
Passemos em revista o nosso íntimo e examinemos que
espécie de frutos produzimos, para que assim possamos nos
conhecer. Se verificamos que os produzimos mais, deitemos o
machado à raiz e trabalhemos por melhorar a árvore.
II — Enquanto a caridade for senhora de um coração, a
árvore estará sã e com um pequeno cultivo dará frutos
saborosos; mas, não existindo a caridade, péssima é a árvore
e seus frutos semelhantes aos que crescem às margens do
mar Morto; podem parecer brilhantes, mas são ocos. As ações
mais insignificantes, se baseadas na caridade, são aos olhos
do Senhor como frutos preciosos; ao passo que jazem estéreis,
por deslumbrantes que pareçam, as obras destituídas de
caridade. É o que lemos na magistral epístola de são Paulo aos
coríntios. "Quando mesmo houvéssemos distribuído os nossos
haveres aos pobres, e entregue o corpo para ser queimado, se
não tivermos caridade, nada disto nos aproveitará" (1 Cr 13, 3).
221
bom pela sua participação a essa bondade inicial. O homem se
assemelha ao que ama: reflete os traços da bondade divina
quando ama a seu Deus; reproduz a imagem do espírito das
trevas quando ama o mal. "Assemelham-se aos objetos que
amaram", diz a Escritura.
Se queremos, pois, nos tornar bons e produzir bons frutos,
amemos com todo o coração o Deus de bondade e sejamos
humildes; a humildade conserva os frutos já sazonados e
produz continuamente novos frutos; convém à glória de nosso
Pai celeste que produzamos frutos em abundância. Trabalhai
em vossa santificação com afã sempre maior, aconselha o
apóstolo, e sabei que o vosso labor não ficará sem
recompensa em nosso Senhor.
II — Examinemos o que estimamos, o que procuramos, o
que desejamos; o resultado nos dará o conhecimento do que
somos. Mas não seja motivo de desânimo a consideração de
imperfeição ou ruindade das nossas obras; as árvores más,
pelo cultivo, poderão tornar-se boas e, para isto conseguir, não
basta a poda das folhas e dos galhos; devem melhorar-se as
condições do terreno, da atmosfera e da temperatura. Deus
nosso Senhor não quer a perda de alma alguma; pelo
contrário, convida com insistência os maiores pecadores a se
reintegrarem em sua graça. Mas, para operar esse regresso
feliz, urge uma mudança radical. As modificações da conduta
exterior não reanimam a vida espiritual. É o coração que deve
mudar e se levantar, como a árvore que ergue para o céu os
seus galhos refloridos.
Por mais fracos que sejamos, por mais culpados que
possamos ser, não desesperemos nunca do coração do
homem, nem do Coração de Deus!
222
alto! E, no entanto, mostram-se contentes consigo mesmos e
protestam, como o fariseu, não serem nem ladrões, nem in-
justos, nem adúlteros. Mas serão humildes, generosos,
dedicados? Conquistaram talvez glória, honra, dinheiro; mas
que fizeram para sua justificação, para o bem de seus irmãos,
para a glória de Deus? São árvores em que o madeiro é árido,
sustenta apenas uma tênue folhagem. Serão lançadas ao fogo.
Santo Agostinho diz: "O homem foi feito para o fogo; se não
aspirar ao fogo do amor, cairá no fogo do inferno".
II — As árvores mais férteis não são geralmente as da
estrada real. As melhores árvores frutíferas são as que
crescem nos jardins, banhadas pelos riachos e fecundadas
pelo sol. São as almas cumpridoras dos preceitos evangélicos,
cuja caridade é sincera, que têm horror ao mal, amam o bem e
dedicam a seus irmãos um afeto verdadeiramente fraternal,
cumprem com energia seus deveres, são firmes na virtude,
pacientes nas provações, perseverantes na oração, que não se
deixam vencer pelo mal, mas o superam pela prática do bem.
As comunidades religiosas, sobretudo, são jardins abençoados
onde abundam todas as graças celestes, pois a cultura
espiritual é organizada de modo a aumentar a fecundidade das
plantas do céu e a aperfeiçoar suas qualidades. Quão culpadas
seriam as almas relaxadas na obra da sua santificação!
Preparemo-nos com fervor para a estação da colheita, a
fim de apresentarmos a Deus uma rica braçada de frutos
evangélicos!
223
fora da obediência; em tomarmos nosso próprio parecer por
árbitro de nossa conduta; considerarmos nossas aspirações
como provas de perfeição; encobrirmos nossas próprias
vontades com o véu da vontade de Deus e termos a pretensão
de obedecer ao Senhor, quando, na realidade, não cumprimos
mais do que a nossa própria vontade.
Os que se entregam a essa falsa devoção têm sempre
sobre os lábios o nome do Senhor, mas não entrarão no reino
do céu.
II — O maior obstáculo que detém a graça e impede a
nossa união com Deus, é a nossa vontade própria; não poderá
haver, por conseguinte, santidade, enquanto não for derrubada
essa barreira, pela prática da obediência. Santo Agostinho
adverte aos que clamam: Senhor, Senhor! Que isto não lhes
basta, mas que precisam agir. O verdadeiro amor não se limita
a invocações, protestos, promessas: cumpre fielmente a
vontade daquele a quem ama. Jesus abrirá o céu à prática e
não à teoria.
Se queremos, portanto, produzir frutos para a eternidade,
apeguemo-nos com todo o coração a este fundamento: a
execução da vontade de Deus. É esta a regra da perfeição
imposta por Jesus e que ele mesmo seguiu. Ele veio para
cumprir a vontade de seu Pai e obedecer-lhe por toda a vida,
até à morte de cruz.
224
nós? Admitidos à sagrada Mesa, seguindo o exemplo de nossa
santa Mãe, devemos produzir abundantes frutos de santidade.
II — O apóstolo são Paulo escreve aos Efésios que o
Senhor nos elegeu para que fôssemos santos e sem mácula
ante seus olhos. Ora, se a santidade deve ser o quinhão de
todos os discípulos fiéis, seria possível compreender a
eminente santidade de Maria, que é ao mesmo tempo a Mãe
dos santos e a Mãe do Santo dos santos? Ela é o espelho sem
mancha da majestade de Deus e a imagem de sua bondade.
Para que a contemplação das magnificências de Maria produza
em nós efeitos salutares, precisamos de nos lembrar que cada
um de nós, com a cooperação do Espírito Santo, deve formar
Jesus Cristo em sua alma e, seguindo o exemplo de Maria,
devemos produzir frutos de todas as virtudes.
Deixemos atuar em nós a graça da santa comunhão e
correspondamos a essa graça poderosa pela humildade e pela
obediência, a fim de que só Jesus Cristo viva e reine em
nossos corações.
225
os prazeres, para os interesses deste mundo, excluindo a
preocupação de Deus e da eternidade. E peca-se igualmente
quando, sem abusar formalmente das graças, deixam-se estas
infrutíferas.
Exige a justiça que a Jesus Cristo consagremos tudo o que
possuímos e tudo o que somos; pois tudo lhe pertence e é a
ele destinado. Quando se desconhece esta verdade, fica-se
exposto a passar aos olhos de Deus por um ecônomo infiel.
226
TERÇA-FEIRA DA XVIII SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Que farei, visto que o meu senhor me retira a admi-
nistração? Lavrar a terra não posso, de mendigar tenho
vergonha" (Lc 16, 3).
I — Ao entrever a sorte que o espera, o ecônomo infiel,
receoso, exclama: "Que farei?" É o despertar da consciência;
rápido instante, do qual poderá depender a reabilitação ou a
queda irreparável. Se, ante a visão de suas faltas, o pecador se
persuade de que nada mais há a fazer e que inúteis serão seus
esforços, cai no desânimo e no desespero. Mas se encara
seriamente o mal que causou a si e aos outros, pode a graça
reerguê-lo; porque lhe dá a inspiração e a força para reparar
suas faltas. Reanimando então sua confiança, conta com a
misericórdia do Salvador. Jamais falecem os avisos do alto;
indicam-nos o que temos de fazer para abandonarmos os
desvios perigosos e reentrarmos na graça de Deus.
II — O mau ecônomo procura mais furtar-se ao castigo do
que reparar suas faltas; deplora menos as injustiças de que se
tornou culpado, do que a confusão que resultará em sua
consequência. Assemelham-se nisto às almas que
excessivamente se afligem pelos sofrimentos provenientes de
seus desvarios, sem buscar conhecer a causa. Pouco se lhes
importa o faltarem à caridade e ofenderem a Deus;
compadecem-se exclusivamente de si mesmas. Tal contrição é
ilusória; não produz reparação, nem propósito de emenda.
Exclama, pois, amarguradamente o ecônomo: "Não posso
lavrar a terra, envergonho-me de mendigar". Olha unicamente
para o seu pesar, sem compreender as vantagens da humilha-
ção e da penitência. Não digamos nunca: Envergonho-me e
não posso! A confusão humilde atrai a graça do alto e, com a
graça, tudo é possível!
227
pensou em favorecer os devedores estranhos, em prejuízo de
seu senhor. Demonstra, no entanto, um espírito de previdência
que nos pode servir de modelo: "Cultivais amigos com as
riquezas da iniquidade, a fim de que, quando vierdes a
precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos!" As atenções
delicadas e inteligentes, os atos de deferência e de caridade,
conquistam os corações e, no derradeiro dia, nos sentiremos
felizes por deixar amigos que defenderão nossa causa e por
nós hão de orar. Esforcemo-nos por não menosprezar as
ocasiões de prestar algum auxílio e de fazer o bem, não
somente aos que nos são caros, mas igualmente àqueles pelos
quais não nutrimos muita simpatia.
II — Com o espírito do Evangelho, apreciemos o talento do
ecônomo que tão resolutamente se assegura os meios de
escapar à desgraça que o ameaça. Despoja-se
voluntariamente de uma parte de seus bens para se garantir a
posse de outros; serve-se de sua habilidade, para adquirir
amigos que hão de sustentá-lo na ocasião da sua desgraça.
Tais processos simulavam em suas aparências uma generosa
caridade. A verdadeira caridade, quando integralmente
exercida, cobre realmente muitas faltas; atrai a misericórdia, e
as mínimas esmolas, dadas em nome de Jesus Cristo, terão a
sua recompensa. Conclui-se quão imensa deve ser a
esperança das almas que reparam suas faltas oferecendo a
Jesus Cristo não somente os seus bens terrestres, mas uma
vida inteiramente consagrada às obras de caridade!
Sejamos dignos ecônomos de nosso Deus e sirvamo-lo
com amor e consciência.
228
a prudência nos negócios concernentes ao nosso bem espiri-
tual.
Nossa alma é a nossa parte principal; deve ser, por
conseguinte, o objeto principal de toda a nossa solicitude e de
nossa previdência!
II — O óleo e o trigo representam as graças espirituais e
temporais que nos são dispensadas durante nossa vida, o que
nos proporciona a ocasião de refletirmos nos bens de toda
espécie que a bondade divina põe à nossa disposição. Mas
estes bens constituem uma dívida sagrada, e não podemos
empregá-los senão no serviço daquele a quem pertencem e, a
não sermos falhos, precisamos fazê-los reverter ao Senhor que
no-los confiou.
Guardemo-nos de entregar ao mundo o que a Deus
pertence; e, retirando bom proveito da lição de prudência que
nos dá o ecônomo infiel, não lhe sigamos o exemplo,
sacrificando às vaidades humanas e aos favores do mundo os
eternos interesses.
229
amigos no céu. Mas, longe de nós visar, ao praticarmos o bem,
a aquisição de amigos na terra; ou de angariar para nós os
sentimentos de gratidão que devem ser referidos
exclusivamente a Deus. É Jesus quem se considera obrigado
quando a alguém favorecemos e é ele o verdadeiro amigo ao
qual devemos recorrer. As nossas boas obras mais meritórias
são aquelas que, retribuídas pela ingratidão, encontrarão no
céu a sua recompensa.
230
Saibamos apreciar este privilégio de sermos filhos da
santíssima Virgem e não nos fartemos nunca de louvá-la e
bendizê-la.
XIX DOMINGO DO TEMPO COMUM
"E quando chegou perto de Jerusalém, ao avistar a cidade,
Jesus chorou sobre ela" (Lc 19, 41).
I — Um doutor da Igreja qualificou as lágrimas de "sangue
da alma". Ora, o sangue é a vida e a vida da alma é o amor. É,
pois, o amor que distila as lágrimas. Mas assim como há duas
espécies de amor: o amor de Deus e o amor de si mesmo, há
igualmente duas espécies de lágrimas: lágrimas divinas e
lágrimas humanas. As lágrimas de amor, vertidas por Jesus
sobre Jerusalém, eram lágrimas divinas; não chorou ante a
visão dos tormentos que iria padecer, mas chorou em face das
pavorosas desgraças que mergulhariam em ruínas e trevas os
que rejeitam a paz e a luz.
Choremos com Jesus sobre Jerusalém e penetremos nos
seus sentimentos de compaixão, a fim de que, impulsionados
por uma caridade desinteressada, e esquecendo nossos
próprios pesares, compartilhemos as dores do nosso próximo.
II — As lágrimas de Jesus demonstram que a santidade,
que eleva o cristão acima das emoções da natureza, não
consiste na indiferença e na insensibilidade. É-nos, portanto,
permitido chorar e é mesmo vantajoso fazê-lo, desde que
Jesus chorou e prometeu consolações aos que choram. Mas
as lágrimas doces e salutares são somente aquelas que
brotam da fonte pura da caridade; não se mesclam às lágrimas
amargas e estéreis do amor próprio. São dois rios que se
repelem. A complacência, enternecida por si mesma, põe
barreira às límpidas efusões das águas do céu e opõe
obstáculos ao dom das lágrimas.
"Por que choras?" perguntou o anjo a Madalena. Res-
pondamos também a essa pergunta, cada vez que choramos;
examinemo-nos sobre o princípio e sobre o objeto das nossas
lágrimas.
231
SEGUNDA-FEIRA DA XIX SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Se ao menos neste dia, que te é dado, tu conhecesses o
que te pode trazer a paz!" (Lc 19, 42)
I — O Coração de Jesus transborda e, em sua imensa
caridade, exala uma última queixa, um último anseio a respeito
de seu povo, cego e infeliz. Esta divina compaixão não era
apenas uma emoção passageira, provocada pelo amor que
consagrava ao seu povo, pois se perpetuou na Igreja com
todos os outros sentimentos de Jesus Cristo. E o apóstolo são
Paulo estava deles impregnado quando endereçava aos
romanos estas memoráveis palavras: "Sinto em meu coração
uma imensa tristeza e uma dor contínua, a ponto de desejar
ser anátema pelos meus irmãos, os israelitas, que me são uni-
dos pelos laços de sangue, dos quais são os patriarcas, e dos
quais nasceu o Cristo, o bendito em todos os séculos" (Rm 9,
2-5). Se tão viva foi a caridade do discípulo, quão intensa não
seria a do coração do Mestre?
É por suas lágrimas ardentes, mais do que por suas
orações, que o divino Redentor pede a salvação de Israel.
II — Jerusalém, embriagada de glória e cega de orgulho,
não reconhecia sua degradação moral e, em vista disto, não
podia admitir a hipótese de uma reabilitação. Confiada em si,
rejeitava a luz e a paz. Ora, a Jerusalém culpada não figura
somente o povo judeu; mas igualmente todo ser que se rebela
contra Deus. Não existe enfermo mais desgraçado do que
aquele que desconhece sua moléstia e recusa, ao mesmo
tempo, médico e remédio. A mais incurável das misérias é a do
pecador que se julga justo e que, em sua louca presunção,
despreza a graça da salvação e o próprio Salvador.
Não cerremos os olhos de nossa consciência e levemos
em apreço toda luz que nos faz ver o que somos.
232
Cristo, viram realizarem-se, literalmente, as catástrofes
anunciadas. Sua história é a profecia da nossa, e os severos
golpes que puniram a ingratidão, a presunção e a infidelidade
suas, representam calamidades análogas, mais terríveis ainda,
que ameaçam o cristão. As palavras de Jesus cumprem-se no
tempo e na eternidade; elas são confortadoras para os
corações contritos e humilhados, e fulminantes para o pecador
orgulhoso.
II — Os termos empregados por Jesus, para descrever a
ruína de Jerusalém, aplicam-se ao estado funesto das almas
que abandonam seu Deus. No momento em que estas rejeitam
as últimas graças, o demônio cerca-as de trincheiras, isto é, em
redor delas se levantam ciladas e muros de separação,
tornando-as inacessíveis à claridade do alto. Completamente
enclausuradas e comprimidas, não percebe a consciência uma
brecha sequer, e a vontade endurecida cai sob seu próprio
peso. Não fica pedra sobre pedra, isto é: obras e esperanças
se esvaem e o edifício espiritual desmorona inteiro no pó da
perdição.
A reflexão de tais perigos desperte em nós uma terna
compaixão para com as almas que se desgarram e peçamos
ao Senhor que opere em nós uma verdadeira conversão.
233
II — Se Jerusalém houvera compreendido a visita do
Senhor, se teria humilhado e teria evitado o desastre do
castigo. Porque o Senhor veio para nos salvar e não para nos
perder. É o que dizia o profeta Isaías: "Volvei-vos para mim,
filhos infiéis, e curar-vos-ei do mal que fizestes, afastando-vos
de mim". Se ouvirdes hoje a voz de Deus, precavei-vos de
fechar o vosso coração.
Procuremos reconhecer as visitas do Senhor; são fre-
quentes, são suaves e calmas e nos trazem a tranquilidade, a
luz e a segurança.
234
Afastemos para bem longe qualquer traço de interesse
pessoal e evitemos assemelhar-nos aos mercenários que neste
mundo buscam sua recompensa. Os corações retos servem
generosamente ao mais generoso dos senhores.
235
SÁBADO DA XIX SEMANA DO TEMPO COMUM
As lágrimas de Maria
I — Se Jesus chorou e se é um sentimento inspirado pela
caridade o chorar com os que choram, não resta dúvida de que
a Virgem santíssima tenha vertido muitas lágrimas. Mas estas,
como as de Jesus, eram lágrimas de amor. Quanto mais
estimamos alguém, mais intensamente participamos dos seus
sofrimentos. E que coração mais amoroso poderá existir do
que o de Maria! Será preciso reunir em um mesmo
pensamento o amor da mãe pelo filho único, o amor de uma
filha por seu pai e o amor da irmã para com seus irmãos, sua
família, sua nação e sua pátria, para poder compreender quão
ardentes, vivas e dolorosas foram as lágrimas derramadas por
Maria sobre Jesus, sobre Israel, sobre Jerusalém e sobre os
pecados do mundo. O profeta Jeremias chorava dia e noite
sobre as ruínas do templo; por motivo muito mais justo chora
Maria a perda das almas.
Supliquemos-lhe que nos obtenha o dom das lágrimas,
para chorarmos nossas próprias faltas e os desvarios dos
nossos irmãos.
II — As lágrimas de Maria contêm misteriosas virtudes que
sanam as chagas da alma e acalmam todas as dores. Santo
Ambrósio chama-as de lágrimas redentoras devido à fonte de
onde jorram, e por sua afinidade com o sangue divino.
Excedendo em preciosidade as pérolas, em fecundidade, o
orvalho; mais salutares do que o bálsamo, mais eficazes do
que todos os méritos dos bem-aventurados, essas lágrimas
são preces que comovem o coração de Deus e o coração do
homem.
Se as lágrimas nos faltam, unamo-nos às filhas de Sião, às
companheiras da santíssima Virgem que choravam no
Calvário; com elas intercedamos pela salvação de Israel e pela
conversão dos pecadores.
236
Deus resiste aos soberbos e concede sua graça aos humildes.
Os raios do sol deixam áridos os cumes das montanhas, ao
passo que aquecem e fecundam os vales. O que dá ao homem
a glória e a nobreza não são nem o ouro, nem a ciência, nem
os títulos; é na humildade cristã que se encerra o germe da
verdadeira grandeza. Conforme a opinião de são Gregório, é a
humildade o sinal mais certo de predestinação.
II — A verdadeira humildade se forma em uma alma que
sente conjuntamente uma justa desconfiança de si mesma e
profunda confiança em Deus. A reunião indissolúvel destes
dois elementos constitui a humildade cristã; pois a
desconfiança em si, privada da confiança em Deus, produz
unicamente covardia e desânimo; e a confiança em Deus sem
a desconfiança em si próprio finaliza em funesta presunção.
Esses dois elementos devem, portanto, desenvolver-se
simultaneamente nos corações e se manter em equilíbrio, para
salvaguardarem o verdadeiro caráter da humildade.
Seja o principal objetivo de nossas meditações procurar
adquirir a convicção de nossa incapacidade, para evitar uma
demasiada confiança em nós e assim nos apoiarmos
exclusivamente em Deus.
237
explica são Gregório, se a humildade é um sinal de
predestinação, o orgulho é estigma de condenação eterna".
II — A mais prejudicial espécie de orgulho é a vaidade
espiritual, sentimento muito sutil de própria satisfação que,
como substância venenosa, se mistura à virtude, aos atos de
piedade e às obras da religião; temos, então, a própria graça
transformada em veneno para os que dela abusam. Tal é o
orgulho do fariseu; ele mesmo se comprazia em suas boas
obras; engrandecia-se, comparando-se aos outros; olhava com
desdém para os pecadores para pôr em relevo sua santidade
e, pretendendo dar graças a Deus, na realidade, era a si
mesmo que tributava suas homenagens.
Sejamos vigilantes contra o espírito farisaico e para tal fim
comparemo-nos, não aos pecadores, o que poderia nos
autorizar a nos julgarmos justos, mas sim aos santos, a fim de
verificarmos o quanto somos fracos e imperfeitos.
238
suscita os mortos. Eis a fé que justifica, pois Jesus não veio
para os que se julgam justos por si mesmos: veio para os
doentes e os pecadores.
Compenetremo-nos de sentimentos de humildade cristã,
para que nossas orações sejam eficazes, confiantes e
meritórias.
239
QUINTA-FEIRA DA XX SEMANA DO TEMPO
COMUM
"E o publicano, conservando-se a distância, batia no peito,
dizendo: Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!" (Lc 18,
13).
I — A prece do publicano encerra todos os caracteres da
verdadeira humildade. Esse pecador não se prevalece de
vantagem alguma; mal ousa erguer os olhos ao céu. Domina-o
realmente o sentimento de sua indignidade, conservando-se no
último lugar na casa de Deus; bate no peito sem receio de ser
reputado pecador. Sua oração é curta; não põe sua confiança
na multiplicidade de palavras; tem fé naquele que as ouve e
defere. Somente repete: "Senhor, tende compaixão de mim,
pobre pecador!" Estas poucas palavras, brotadas de um
coração contrito e humilhado, exprimem tudo o que ele sente,
tudo o que pensa, tudo o que deseja.
Pronunciemos frequentemente a oração do publicano. Ela
tocou o Senhor e ainda uma vez há de fazê-lo inclinar-se para
nós.
II — Em sua humilde simplicidade, o publicano confessa
ser pecador; arrepende-se, espera, invoca a divina
misericórdia. Tais são os atos de verdadeira penitência. Podem
ser traduzidos em pouquíssimas palavras, e serão sempre
eficazes, se forem profundamente sinceros. Nós, que talvez
não sejamos menos culpados do que o publicano, nos
apresentaremos sempre ao tribunal da penitência levando as
disposições que atraem a graça de Deus? Estaremos
santamente confundidos por nossas faltas? Quais as
disposições que tomamos para repará-las?
240
o orgulho na casa de Deus, o orgulho que se ostenta no
serviço de um Senhor que é manso e humilde de coração, é,
entre todos os vícios, o mais monstruoso, o mais imperdoável,
o mais revoltante perante Deus e perante os homens. Jejuns,
esmolas, cuidados aos enfermos e outros atos de caridade não
impedem a condenação quando fomentados pelo amor próprio
e pela vaidade.
I I — A verdadeira devoção é, antes de tudo, desin-
teressada; isto significa que, visando unicamente Deus, não se
busca a si e, como a Deus tudo reverte, nada sobra para a
vanglória. Por conseguinte, não ambiciona nem as
homenagens, nem os louvores humanos. É humilde, antes de
tudo; e, em vista disto, é-lhe preferível um defeito que a
humilhe, a uma qualidade que a enalteça. E, sendo humilde, é
também caridosa. A humildade não admite nem interpretações
maliciosas, nem comparações desfavoráveis; ela não julga,
não murmura, não se lamenta, não nutre pretensões; logo, não
sofre decepções.
Que a nossa piedade se abrigue sob o manto da humil-
dade, a fim de alcançarmos de Deus nosso Senhor o perdão e
a misericórdia, como o publicano do Evangelho.
241
suficiente para confundir os homens, que a tantas misérias
aliam tantas pretensões!
II — "Se me perguntardes, diz santo Agostinho, qual a
primeira coisa que devemos aprender na escola de Jesus
Cristo, responder-vos-ei que é a humildade. E a segunda?
Responderei: a humildade. E a terceira? Ainda a humildade".
Assim, a única coisa essencialmente necessária, conforme o
mais sábio doutor da Igreja, ou antes, conforme o próprio Jesus
Cristo, é a humildade. É ela, realmente, a base de todo o
edifício da perfeição evangélica. Maria declarou em seu
cântico: "O Altíssimo olhou a humildade de sua serva, eis por
que todas as gerações me chamarão bem-aventurada! Depôs
os poderosos do seu trono e exaltou os humildes; cumulou de
bens aos indigentes, e aos ricos, que vivem na opulência,
despediu vazios; conforme ao que dissera aos nossos pais, a
Abraão e à sua posteridade em todos os séculos". Este hino é
a glorificação da humildade cristã.
Quanto mais humildes forem as servas do Senhor, se-
guindo o exemplo de Maria, mais belo e magnífico será seu
futuro na eternidade.
242
verdade, nem corresponder à graça. Jesus oferece a salvação
a todos os homens; mas, triste realidade! Quantos a recebem?
A palavra evangélica soa-lhes aos ouvidos, mas não lhes
impressiona a vontade, e a alma, persistindo fechada, não
admite mais nenhum som para Deus.
Sejamos dóceis em ouvir e perseverantes em orar, evi-
tando, assim, contrair a moléstia do surdo-mudo.
243
TERÇA-FEIRA DA XXI SEMANA DO TEMPO
COMUM
"E suplicavam a Jesus que lhe impusesse as mãos" (Mc 7,
32).
I — Impossibilitado de ouvir a palavra de Jesus ou de lhe
endereçar sua súplica, o mísero surdo-mudo não obteria sua
cura, se almas compassivas não o tivessem apresentado
àquele que tão bondosamente acolhe os enfermos e os
pecadores. A eles deve, portanto, a sua cura. Quão animador é
este episódio, para o zelo apostólico! A caridade é atenciosa;
conquista as almas pelos seus bons ofícios quando as não
pode ganhar pelas instruções da verdade; atrai-as pela oração
e, assim cativas, as conduz aos pés de Jesus.
II — Quais são os que imploram ao Senhor para impor suas
mãos sobre o surdo-mudo? São os membros vivos da Igreja,
movidos de compaixão pelos membros sofredores. As criaturas
insensíveis ao sofrer dos seus irmãos não vivem. "Estão
mortos, afirma são Bernardo, e não são contados entre os
filhos de Deus”. A Igreja é um corpo cujos membros recebem
todos um mesmo sopro de vida; e este sopro de vida é um
espírito de amor e de caridade. Não possuem, portanto, um
espírito de vida os que não se compadecem da desdita dos
seus irmãos; e são animados da vida de Jesus Cristo os que
sentem as dores e os pesares de seus semelhantes; conhe-
cerão o grau de sua vitalidade pela medida da sua caridade.
Serão filhos de Deus unicamente se amarem seus irmãos.
A caridade compassiva é uma benção para quem a pratica.
"Porque Deus se mostrará propício aos pedidos daqueles que
fizerem o que lhe for agradável" (Cf. 1 Jo 3, 22).
244
que a rodeia. Ao passo que, isolada e recolhida à solidão, pode
concentrar suas forças espirituais; eleva-se e arroja-se até ao
céu. A voz de Deus, suave e pacífico sopro, não se mistura ao
rumor das agitações humanas; faz-se perceber unicamente
quando as outras vozes se calam; compraz-se no silêncio e no
mistério, como o pássaro harmonioso que só à noite desprende
sua voz. Excitemos em nós o amor à solidão, já que é uma
condição exigida para a nossa santificação.
II — São Jerônimo interpreta que a multidão, da qual Jesus
afasta o surdo-mudo, representa a quantidade de pensamentos
e devaneios que comumente povoam nosso espírito. Urge dele
se libertar para poder saborear a delicada graça da solidão. A
verdadeira solidão consiste mais no recolhimento do que no
isolamento. Procuraríamos em vão encontrar o repouso no
deserto, se para lá levássemos as recordações e os ecos do
mundo. Habitar com nosso Senhor no alto da montanha é, sem
dúvida alguma, a mais bela e feliz das vocações; mas, para
usufruí-la, saborear-lhe a doçura e a vida, é preciso aí guardar
o recolhimento do coração.
"Quem me dera as asas da pomba, para poder voar a ti e
em ti me repousar, Senhor!", assim suspirava Davi (SI 54, 7).
245
conjuntamente, figuras das operações de Deus e os meios de
que se utiliza para os produzir.
Perante mistérios tão vivificantes, adoremos, amemos, e,
reverentes, agradeçamos àquele que é a fonte de todo dom
perfeito.
II — O milagre do surdo-mudo renova-se no sacramento do
batismo. O ministro de Jesus Cristo, com sua mão e sua voz,
reproduz as operações do Espírito divino: toca nos ouvidos, faz
unções com a saliva, coloca o sal na língua, ordena: Efeta! —
abri-vos! E tais sinais operam o que significam. É assim que
Jesus Cristo restaura a natureza humana que ficara surda-
muda pela mancha do pecado original. O divino Salvador, apa-
gando o pecado, destrói o obstáculo que nos separa de Deus e
restabelece os laços de sua primitiva aliança. Ao pensar nos
benefícios do Senhor, exclama Davi: "Vinde e ouvi, escutai vós
todos que possuis o temor de Deus e eu vos contarei quantas
graças concedeu à minha alma!".
246
oculta e pequenina, será uma benção para a Igreja, uma edifi-
cação para o mundo e para os próprios incrédulos, objeto de
admiração que tocará aos surdos e fará falar aos mudos. Nada
melhor para a glória de Deus e mais capaz de atrair as almas
para a religião, do que um cristão do qual se possa dizer: fez
bem todas as coisas.
Como exortação a essa prática, são Bernardo diariamente
perguntava a si mesmo: "Para que estou aqui? Por que
abandonei o mundo? Não é para me santificar e edificar meus
irmãos na casa do Senhor?".
247
estas podem contribuir para a santificação e a verdadeira
felicidade.
248
SEGUNDA-FEIRA DA XXII SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Então, um doutor da lei disse a Jesus, para o tentar:
Mestre, que devo fazer para conseguir a vida eterna?" (Lc 10,
25).
II — A pergunta do doutor da lei, em si, nada continha de
mal; tornou-se repreensível na boca de quem se dirigiu a nosso
Senhor, em vista de não ser feita com intenção reta. Existem
muitos espíritos falsos e sem lealdade, que, semelhantes ao
doutor da lei, sabem perfeitamente o que têm a fazer; mas
fingem ignorá-lo para escaparem às repreensões da
consciência. Esgotam sua vida a expor dúvidas, a procurar
luzes e não admitem solução contrária ao seu parecer. Andam
sempre à cata da verdade, sem a encontrarem jamais, porque
não os anima absolutamente a vontade de executá-la. Vão de
diretor em diretor com o intuito de conhecerem a vontade de
Deus; e, afinal, é unicamente a sua vontade que se dispõem a
seguir. A sagrada Escritura declara que o Senhor abomina os
espíritos assim falsos; acautelemo-nos contra suas subtilezas.
II — A criatura de boa vontade, que sinceramente procura
conhecer o que tem que fazer para alcançar a vida eterna,
jamais faltarão luzes. A resposta está na lei e a lei é a regra da
nossa vida. Ao traçar-nos os nossos deveres quotidianos, ela
exclui logo as incertezas, aplana as dificuldades, reverte a
Deus todas as nossas ações e todos os nossos pensamentos.
Esta lei não é difícil; ela nos ordena cumprir com amor
nosso dever atual, sem nos preocuparmos com o passado,
nem com o futuro. Se fielmente a observarmos, chegaremos à
feliz imortalidade.
249
vosso coração, derramando no seio de Deus todas as vossas
afeições e todas as efusões do vosso amor. Amai com toda a
vossa alma, consagrando ao Senhor vossa vida, integralmente.
Amai com todas as vossas forças, utilizando no serviço de
Deus as energias da vossa vontade com todas as vossas
faculdades espirituais e corporais. "A razão de se amar a Deus,
explica são Bernardo, é o próprio Deus; e a medida do seu
amor é amá-lo sem medida". — "Meu Deus, exclama, vós me
ordenais que vos ame! Que suave mandamento e que fácil
obediência! O que me seria difícil e totalmente impossível, seria
não vos amar! Mil infernos eu havia de preferir à renúncia ao
vosso amor!"
II — Criados para Deus, somente para ele devemos viver;
em amar e servir a Deus resume-se, por conseguinte, todo o
homem, e, em faltando isso, o homem nada é. Ora, "quem me
ama, diz o Senhor, guarda a minha palavra". E o que nos
prescreve essa palavra? Amar-nos uns aos outros. "Nisto
conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns
aos outros", prossegue Jesus (Jo 13, 35). Donde concluímos
que o amor do próximo, que realiza a lei evangélica, é a prova
certa do amor de Deus. Ilusão nesta matéria é impossível; não
saberá amar a Deus quem não amar seus irmãos.
Dignai-vos acender em nós o fogo que viestes trazer à
terra, a fim de que, transformados à imagem do vosso
Coração, vivamos de amor e de caridade.
250
A prática deste preceito consiste em não fazer a outrem o
que não desejaríamos que nos fizessem.
II — É preciso não confundir a caridade evangélica com as
amizades humanas contraídas pelo sangue ou pelas simpatias
da natureza; pois sensibilidade não é caridade. Se vos
limitardes a amar a quem vos ama, diz Jesus, não fazeis mais
do que os pagãos e os publicanos; e, se amardes somente
aqueles que vos são unidos pelos laços do sangue, não
amareis senão a vós mesmos; e é este um instinto encontrado
até nos animais. A verdadeira caridade, transbordante do
Coração de Jesus, não se limita à família e à pátria; olha como
a irmãos a todos os homens e ama-os como Jesus os amou.
Aperfeiçoemo-nos na caridade e convençamo-nos de que,
sem ela, nenhuma virtude valerá perante Deus.
251
se por todas as despesas exigidas para seu restabelecimento.
Vemos neste caridoso samaritano o próprio Jesus que, cheio
de compaixão pela nossa natureza decaída, lavou nossas
chagas no seu sangue, acalmou nossas dores, derramando
sobre elas o unguento da sua misericórdia e sobrecarregou-se
dos pecados dos homens, tornando-se o seu resgate.
Lembremo-nos do nosso divino Benfeitor para lhe dedi-
carmos um amor fiel e lhe mostrarmos nossa gratidão, fazendo
por nosso próximo o que ele fez em favor de cada um de nós.
252
SÁBADO DA XXII SEMANA DO TEMPO COMUM
Maria é o auxilio dos cristãos
I — A Virgem cheia de graça possui, em sua plenitude, o
amor e a caridade. Ela envolveu com sua carne virginal o fogo
do céu que acende as virtudes sobrenaturais. Seu coração
contém e destila o bálsamo que sana, fortalece e santifica as
almas. Maria, como o samaritano descrito no Evangelho,
assiste o viajante, sustenta-o nas investidas, o reconduz
quando se desgarra e o levanta nas quedas. Oferece-lhe óleo e
vinho, emblemas da suavidade e da força do seu auxílio. Qual
a alma cristã que não é devedora de finezas a nossa Senhora?
Extraordinária deve ser a gratidão daquelas que, libertadas das
seduções do mundo, estão a coberto dos perigos, em uma
humilde estalagem, na estrada do paraíso!
II — A palavra divina, que instituiu e consagrou a ma-
ternidade de Maria, concedeu ao seu ministério maternal todas
as graças que deveriam torná-lo fecundo e poderoso. A
solicitude ativa exercida pela Mãe dos homens no seio da
Igreja é uma providência que justifica a fé dos cristãos. Esta
solicitude é confirmada por todos os que foram beneficiados
por provas evidentes de seu socorro. Em todos os séculos, foi
Maria que fez irromper exclamações de reconhecimento e
admiração de inúmeros corações agradecidos. E quantas
vezes não experimentamos nós mesmos os prodigiosos efeitos
da caridade de Maria santíssima!
Demonstremos que somos filhos seus, e sempre que se
nos oferecer ocasião, procuremos assistir, consolar, edificar as
almas.
253
Ante o exposto, podemos facilmente ajuizar sobre nós
mesmos. Quais as amizades que procuramos? Quais as
nossas preferências? Qual a nossa sociedade predileta?
II — A lei antiga proscrevia da sociedade os entes atingidos
pela lepra corporal. A lei evangélica, com o fim de preservar as
almas do contágio da lepra espiritual, afasta-as do mundo. Não
que seja possível cortar todas as relações com os pecadores e
os infiéis; para isto, diz são Paulo, seria preciso sair desta vida.
Mas a alma verdadeiramente cristã e fiel aos compromissos
firmados em seu batismo tem obrigação de renunciar ao
espírito do século, para não se enredar nas seduções
oferecidas pela vaidade e pelos sentidos. Como poderá
conservar-se imune a criatura voluntariamente exposta à
atmosfera pestilenta dos vícios e das paixões?
Quanto é feliz a alma que, prevenida pela graça, sacudiu o
jugo das máximas mundanas! Bem-aventurada a que escolheu
por morada a arca onde se abrigam as prediletas do Senhor!
254
divina que a todos oferece sua graça. Onde alguns se reúnem
em nome de Jesus Cristo, encontra-se a base da caridade, e a
oração é mais seguramente atendida.
As almas que empregam todo o zelo e confiança na oração
em comum compenetram-se do espírito do Evangelho e podem
contar com a realização dos seus votos.
255
QUARTA-FEIRA DA XXIII SEMANA DO TEMPO
COMUM
"E Jesus, tanto que os viu, disse: Ide, mostrai-vos aos
sacerdotes. E aconteceu que, enquanto iam, ficaram limpos"
(Lc 17, 14).
I — A misericórdia do divino Salvador manifesta-se no
mesmo momento em que os leprosos lhe mostram sua desdita.
Apenas o brado doloroso lhe chegou aos ouvidos, respondeu-
lhes incontinenti, atendendo a suas súplicas. Mas, neste
milagre de graça, quis consagrar as condições das curas
espirituais. Ordena aos leprosos que vão apresentar-se aos
sacerdotes; condição humilhante, mas, por isso mesmo, eficaz
e salutar. A lepra da alma é o pecado que está arraigado no
orgulho. Ora, para extirpar tal raiz, urge a humilhação.
Se não nos sentimos confundidos em cometer o pecado,
aceitemos pelo menos a confusão que causa a confissão da
falta.
II — "Ide mostrar-vos aos sacerdotes" é a ordem que
recebem de Jesus. Mostrar-se aos sacerdotes é descobrir-lhes
as chagas da alma. Esta revelação da consciência é feita pela
confissão humilde que expulsa o veneno escondido. Então a
alma libertada se levanta e readquire a saúde moral. Notemos
que os dez leprosos aceitam com simplicidade as condições
impostas para sua cura. Não objetam, como os hereges, que
lhes basta Deus e que não lhes é preciso recorrer a seus
ministros. O Evangelho já condenou de antemão esse erro do
espírito de orgulho. Os leprosos se conformam com a palavra
do Senhor, sem protestos, sem réplicas. Aprestam-se em
executar as ordens e retiram-se completamente curados.
Eis as disposições com que devemos apresentar-nos no
tribunal da penitência.
256
Salienta o Evangelho que, dos dez leprosos restituídos à
saúde, um somente voltou para agradecer ao Senhor. Os
outros, tão ardorosos ao pedirem a cura, não souberam
encontrar uma palavra de gratidão.
Quanto a nós, objeto de tantas provas de amor e de
misericórdia por parte de Deus, seremos, por acaso, agra-
decidos? Não terá nossa consciência numerosas ingratidões a
nos recriminar?
II — O leproso que voltou com tanta presteza e alegria,
para manifestar sua gratidão, glorificava a Deus em altos
brados. É realmente ao Pai das misericórdias, ao Deus de toda
a consolação, que devemos dirigir nossas bênçãos e louvores.
Os ministros de Deus, pelos quais nos vêm os dons celestiais,
são apenas meios de transmissão; devem, portanto, ser os
intérpretes e não o termo dos nossos sentimentos. Em todo
acontecimento feliz que nos sobrevier, seja qual for a sua
procedência, devemos pensar em Deus, a ele tudo atribuir,
para ele fazer convergir nossos sentimentos de gratidão e de
amor!
Que jamais se arrefeça em nós o reconhecimento devido a
Deus! Sejam nossas ações de graças permanentes e
imperecíveis!
257
II — É peculiar às almas generosas e amantes recordar-se
com frequência das graças recebidas do Senhor. Estas graças
visam o tempo e a eternidade, espalham-se sobre o mundo em
geral e sobre cada ente em particular. De quantas provas não é
testemunha nossa memória! Eis um assunto inesgotável de
meditação. Nosso Senhor quase sempre, ao iniciar suas
maravilhosas obras, alçava ao céu o olhar, para dar graças ao
Autor de todo dom perfeito.
Imitemo-lo; precedamos nossos pedidos de um ato de
agradecimento e agradeçamos ainda após havermos sido
atendidos; transformemos todos os nossos atos em ações de
graças.
258
mundo e que, sob o olhar de Jesus e de Maria, nos permite
antegozar nesta vida as primícias das eternas alegrias.
Esta graça de predestinação exige mais do que simples
expansões de gratidão: devemos corresponder, como Maria,
pela total oblação de nossa vida.
259
SEGUNDA-FEIRA DA XXIV SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de
amar a um e odiar o outro, ou há de apegar-se a este e
desprezar aquele" (Mt 6, 24).
I — Se é Jesus o nosso Mestre, é evidente que só por ele
pulsará nosso coração, somente seu serviço excitará nosso
zelo, estaremos alerta unicamente para executar a sua
vontade, e só nos poderão seduzir as obras que lhe disserem
respeito. Em resumo: estimaremos o que lhe apraz e
odiaremos o que lhe for odioso. Mas, se tivermos a desventura
de apegar nosso coração a um senhor cujo espírito difere do
de Jesus, é lógico que amaremos o que traz o cunho desse
outro espírito; só apreciaremos suas máximas, obedeceremos
a seus impulsos, faremos por satisfazer seus gostos e assim
desprezaremos a autoridade divina do verdadeiro Senhor,
violando suas leis para servirmos a um seu adversário. Entre
estes dois extremos não há meio termo; pertence-se a um ou a
outro. Deus não admite partilha e não somos de Deus quando
não lhe pertencemos totalmente.
II — A mais perigosa ilusão é procurar um meio termo
entre esses dois senhores, procurando servir a um sem
ofender o outro. Não existe conciliação possível entre o espírito
de Deus e o espírito do mundo. Como acomodar a abnegação
com o egoísmo, a mortificação com a sensualidade, a
compunção com a vaidade, a vida de obediência com o espírito
de independência, as alegrias celestiais com os deleites do
mundo? "Quem não é por mim é contra mim; quem não junta
comigo, dissipa", afirma categoricamente Jesus Cristo. E
acrescenta o apocalipse: "Sede frios ou quentes, pois que a
tepidez faz vomitar".
É imprescindível que já neste mundo determinemos a qual
dos dois senhores pertenceremos na eternidade. Foi este
pensamento que arrancou de Moisés, o condutor de Israel,
estas palavras: "A vida e a morte estão diante de vós; o que
escolherdes vos será dado".
260
TERÇA-FEIRA DA XXIV SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Não podeis servir conjuntamente a Deus e a Mamon"
I — Jesus Cristo resume na palavra Mamon a pluralidade
dos espíritos que disputam o coração do homem com o intuito
de se apoderar dele. Mamon significa riqueza. O ouro e a prata
são realmente os moveis que excitam, alimentam e favorecem
as vis paixões. O dinheiro é o ídolo do mundo e os seus
vassalos lhe prestam um culto real, pois que nele concentram
sua fé, seu amor e sua esperança; sacrificam-lhe o corpo e a
alma. Loucura inconcebível o viver-se para um objeto efêmero
que sumirá à hora da morte! Poder-se-á admitir que uma alma
cristã, cujo destino é tão nobre, prenda seu coração a bens
transitórios que não passam de passatempos infantis, em
comparação aos bens eternos? Quantos cristãos não
despendem sua vida a procurar gozos onde só podem achar
ilusões e desventuras! "Meus filhinhos, acautelai-vos dos
ídolos!", costumava repetir são João Evangelista. E são Paulo,
em tom mais severo, adverte que "não será dado a nenhum
idolatra entrar no reino de Deus".
II — O verdadeiro cristão, que aspira ao reino celestial,
despreza as riquezas da terra. Se a Providência lhe confiou
bens terrenos, considera-se com seu administrador e não como
seu proprietário. Tem posses, como se não as possuísse, e
usa deste mundo como se dele não usasse. Conforme a
linguagem dos profetas, "assemelha-se à roda que gira sem
parar", e apenas roça seu pé em terra, no caminho para o céu.
É bem feliz a alma desprendida dos interesses materiais;
ela paira acima deste mundo e só visa agradar a Deus. A
pobreza religiosa não é somente penhor de uma vida santa; é
já neste mundo um verdadeiro tesouro, uma bem-aventurança
e a ela é que foi prometido o céu por herança.
261
a inquietação sobre as coisas temporais. O cristão não ignora
que se deve prover do necessário com o fruto do seu trabalho;
mas confia mais na benção de Deus do que no êxito da sua ati-
vidade. O Pai bondoso, que nos concedeu a vida, é bastante
poderoso para entretê-la e conservá-la; ele, que reveste as
flores dos campos, que alimenta os passarinhos e que,
diariamente, oferece farto banquete a todas as criaturas que se
movem no universo. Só o homem seria esquecido? "Não vos
inquieteis e confiai na Providência!" Declarai com o salmista: "O
Senhor me guia e vela sobre mim e não permitirá que eu
desfaleça no caminho".
II — O cristão confiante na divina Providência possui sua
alma em paz constante. Com filial submissão, recebe tudo das
mãos de Deus, tudo, seja prosperidade, seja adversidade. De
ambas saberá tirar proveito, porque ama; e o amor contém o
segredo de tudo reverter para o bem. Soe a hora da tribulação,
rujam tempestades, estremeça-lhe a terra sob os pés... O
cristão permanece de pé, firme, apoiado no rochedo da
confiança!
Como recear que lhe falte o pão da terra, se recebe
diariamente em seu peito o Pão do céu? Como temer privações
e sofrimentos, se carrega sua cruz para viver e morrer com
Cristo?
262
amparado, nem a sua descendência mendigando o pão" (SI 36,
25).
II — Se há uma providência visível a dirigir todo homem
que anda no caminho da justiça e da verdade, com razão bem
maior há de ela se manifestar favorável àqueles que tudo
abandonaram para se consagrar ao serviço de Jesus. Essas
almas felizes são alvo de solicitudes tais que, com frequência,
atestam verdadeiros milagres de graça. Quando, interrogados
pelo Senhor, se lhes havia faltado alguma coisa ao serem
enviados por ele, sem bolsa e sem provisões, responderam-lhe
os discípulos negativamente. Idêntica resposta poderia ser
dada pela turba que seguira a Jesus no deserto. Em
transportes de verdadeira fé e confiança deve a alma fiel
associar-se ao real profeta: "O Senhor me conduz, por isto
nada me faltará; conduziu-me a férteis pastagens, junto a uma
fonte de água viva. Em seu bordão está minha segurança e
minha consolação" (SI 22).
263
que a prendem à terra e de consumar na eternidade sua união
com Jesus Cristo. Quem quiser possuir sua vida presente, a
perderá, diz o Senhor, e quem por meu amor a ela renunciar, a
salvará.
264
semelhantes! Mas quais as impressões, as reflexões que
despertam em nosso espírito? A maior parte das criaturas evita
pensar em seu último fim, como se o afastamento desta ideia
pudesse preservá-los da morte ou retardar o momento fatal. E,
no entanto, quanto mais dela desviarmos o olhar, mais temível
se tornará; porque se é ela suave e consoladora para os que
se preparam, é apavorante, quando vem de improviso! Eis por
que com frequência adverte o Evangelho: "Vigiai e orai, pois
não conheceis o dia nem a hora".
II — A meditação sobre a morte é um abundante manancial
de instruções e de encorajamento; tanto o justo quanto o
pecador nela encontram substanciosas lições. A consideração
da corrupção do corpo será um protesto contra os cuidados
supérfluos que lhe dedicamos; e a perspectiva dos imortais
destinos da alma avivará o fervor na prática da religião. Que
poderá mais facilmente nos induzir ao desprendimento das
coisas do mundo, do que a certeza de um dia tudo deixarmos?
E, inversamente, haverá motivo mais poderoso para nos incitar
à paciência, à prática das boas obras, às virtudes evangélicas,
do que a brevidade e a fugacidade da vida presente?
Encaremos calma e serenamente o termo da nossa pe-
regrinação; sigamos o conselho de são Paulo, aprendendo a
morrer cada dia. Apeguemo-nos unicamente às divinas
promessas, cuja realização nos aguarda no além.
265
imortalidade! Poderá exclamar com Simeão: "Podeis agora
deixar partir vosso servo, pois meus olhos viram a luz e a glória
de Israel!”.
II — Consideremos as vias misteriosas da Providência na
morte sobrevinda à juventude. A Escritura nos explica que
Deus, por vezes, abrevia a existência dos que lhe são caros,
para livrá-los do contágio impuro do mundo, capaz de lhes
depravar o espírito e corromper a alma. O verdadeiro discípulo
de Jesus Cristo desfaz os laços que o prendem à terra antes
que a própria morte o faça. Eis por que o apóstolo são João,
animando-nos a esse rompimento, escreveu: "Acautelai-vos de
amar ao mundo e o que está no mundo". E, em verdade, não
pode haver algo de mais salutar para nos preparar a um trân-
sito suave e a uma eternidade feliz, do que o desprendimento
das coisas efêmeras deste mundo.
"Este mundo é a terra dos moribundos", assim fala santo
Agostinho. Mas esta terra de moribundos nos avisa que existe
uma terra de vivos e que, para viver da verdadeira vida, é
preciso estar sempre unido a Jesus. "Se quiserdes possuir um
tesouro no céu, segui-me!", diz o Salvador.
266
circunstâncias. A caridade cristã se identifica com quem sofre.
Só então será ela capaz de entender a dor e de enxugar as
lágrimas.
Este delicado sentimento, que transborda do Coração de
Jesus, enche nosso coração quando perseveramos na oração
e na comunhão.
267
Estimulados pelo triunfo das orações da viúva de Naim,
nunca desesperemos de uma conversão; a oração confiante,
humilde e perseverante, obtém estupendos milagres da graça!
268
SEXTA-FEIRA DA XXV SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Ergueu-se o morto e começou a falar. E Jesus entregou-o
novamente à sua mãe" (Lc 7, 15).
I — Apenas ressuscitado, livrou-se o moço de sua mortalha
e começou a falar. Estes dois atos são sinais de vida. O
primeiro movimento da alma, ao retornar à luz, é despojar-se
de seus obstáculos; sacode o jugo das falsas doutrinas, das
paixões, das prevenções, dos hábitos inveterados. E aos
vigorosos impulsos da sua vontade, ela se abre, sente a
necessidade de prestar um testemunho à verdade. Quando a
vida é abundante, transborda, e a boca fala pela exuberância
do coração. Mas será mais por suas obras do que por suas
palavras que a alma ressuscitada provará a sua vitalidade; e
entremeando suas ações com a suave salmodia de sua gra-
tidão, canta com Davi as divinas misericórdias!
II — Com o gesto de entregar o jovem à sua mãe, o
Salvador quis nos fazer compreender que, ao ressuscitarmos à
vida da graça, voltamos a ser filhos queridos da Igreja. Porque
a Igreja é a mãe dos vivos, gera as almas, alimenta-as e
educa-as; fortalece-as pelos sacramentos, edifica-as pelos
exemplos dos santos, dirige-as pelos caminhos da salvação e
guia-as até à entrada no céu. Foi à Igreja que Jesus confiou as
chaves do reino de Deus, cujas portas ela tem o poder de abrir
ou fechar. Tranca-as aos pecadores obstinados, que preferem
as trevas à luz, e abre-as às almas que desejam livrar-se do
mal e praticar o bem.
Viveremos felizes sob a proteção divina, se permane-
cermos fiéis à grande família dos filhos de Deus.
269
diz o apóstolo, e arriscam-se à perdição irremediável. Maria
olha-as compadecida; chama-as, renova os chamados; suplica,
espera mesmo contra toda esperança.
Nós que, por tantas vezes, fomos causa de suas lágrimas,
rezemos, por nossa vez, e com constância, pela conversão das
almas transviadas.
II — Se Jesus se emocionou com as lágrimas de uma
mulher estranha, se, para a consolar, ressuscita um morto, que
prodígios não há de operar para as filhas de Sião, às quais deu
a incumbência formal de orar pelos mortos de Israel? Esta
reflexão nos permite avaliar qual o valor da intercessão de
Maria santíssima, qual a virtude de suas lágrimas, a força dos
seus desejos, a onipotência de suas petições.
Contemos firmemente com sua assistência e mereçamo-la
pela nossa piedade e perseverança. A Igreja, animada da mais
viva confiança, jamais se cansa de lhe recomendar os vivos e
os mortos, com o intuito de obter-lhes uma participação aos
méritos infinitos de Jesus Cristo.
270
indulgência caridosa para com os pecadores e hereges. Ao
passo que, no campo adversário, sucede justamente o
contrário; os hereges toleram todas as doutrinas errôneas,
guardando sua intolerância apenas para os que professam a
verdade.
Imitemos o exemplo de Jesus; em nossas relações com o
próximo proponhamo-nos sempre um objetivo útil. Deste modo
terão proveito até os nossos momentos de recreio, onde basta
a presença de uma alma de critério e de piedade, para servir a
todas de edificação.
271
Somente a nossa observação não basta para progredirmos
no caminho da santidade; precisamos aceitar as advertências
dos outros e delas retirar útil proveito.
272
vontade e suas críticas, sob o exterior das honras que lhe
dispensavam; mas Jesus, conhecedor de todos os seus
pensamentos, não os quer, no entanto, confundir em público.
Propõe-lhe perguntas, como se desejasse instruir-se; fala-lhes
com brandura. Jesus tem por fim esclarecê-los e cativá-los,
sem os ofender. Apela para sua consciência, a fim de retificar
seus juízos errôneos. Por sua moderação e paciência, procura
reconduzir aqueles espíritos prevenidos e transviados. Vê-se
que é pela sua humildade que deseja curar-lhes o orgulho; e,
com o intuito de imprimir à sua lição um traço brilhante e
instrutivo, realiza a cura do hidrópico, ante os seus olhares de
céticos.
II — O Senhor triunfa mais pela brandura do que pelo
poder, conforme estas palavras da Escritura: "O homem manso
e paciente é mais forte do que o que subjuga cidades". Grande
verdade que nos ensina como se desarma a má vontade. Por
estas palavras condena-se, por conseguinte, a teimosia
exaltada com que, muitas vezes, queremos impor a outros
nossa opinião. Apliquemo-nos, pois, em suportar, com calma,
as contradições humanas; não consintamos que em nós seja
vencedor o amor próprio, cujas suscetibilidades se formalizam
à mais leve desatenção, à menor ofensa; e, não raro, supõe
intenções inexistentes. "Tocai essas montanhas e elas
fumegarão", diz Davi. O Senhor só exala palavras humildes
para desfazer as nuvens do espírito do orgulho. E nós quantas
vezes não aumentamos os nossos ressentimentos, pela
inflexibilidade das nossas exigências? São Paulo opõe a esses
conceitos os conselhos do Evangelho: "Preveni-vos
mutuamente com provas de consideração e de atenções. Que
cada um julgue os outros acima de si! Que, no meio de vós,
tudo seja empreendido com espírito de caridade e de
humildade!" — "Bem- aventurados os mansos porque
possuirão a terra".
273
a consciência e a razão, as questões mais elementares se
complicam; e acham a própria religião uma fonte de
contradições e de minuciosidades. Assim é que os fariseus,
pretextando regularidade, julgam-se autorizados a salvar em
dia de sábado o animal caído no poço, ao passo que receiam
transgredir a lei divina se socorrerem a um irmão. Mostram-se
escrupulosos em engolir uma mosca e, no entanto, diz o
Evangelho, tragam um camelo. Purificam cuidadosamente as
mãos e conservam nos corações sentimentos de ódio e de
orgulho. Desconfiemos de nós mesmos; porque, desde que o
orgulho se intromete em nossa razão, deixamos de perceber os
objetos claramente como são; vemo-los como através de vidros
de cores e de espessuras diferentes.
II — Quando o orgulho consegue infiltrar-se nos sen-
timentos religiosos, começa por obscurecer o espírito, depois
torna seco o coração, pois que não há caridade onde falta
humildade. Demonstração evidente desta verdade está na
conduta dos fariseus que permitem, de bom grado, o
salvamento, em dia de sábado, de um boi caído no fosso,
enquanto ao Salvador contestam o direito de curar um
hidrópico. São cheios de cuidados por um vil animal e nem se
preocupam de salvar um homem. Esta falta de verdadeira
caridade se observa em muitos cristãos, que vivamente se
interessam pelos animais e permanecem indiferentes, não
somente no que respeita à alma do próximo, mas ainda quanto
à sua própria salvação. Seu zelo se limita à vida terrena; e
quando uma alma cai no abismo, não prestam atenção, nem se
comovem.
Saibamos melhor avaliar o preço de uma alma! Em-
preguemos todos os meios ao nosso alcance para lhes obter a
salvação.
274
caídos; é perpetuar na terra a injustiça, a desordem e a
mentira; é colocar-se como um ídolo no lugar de Deus. Os que
andam por esse caminho de exaltação serão profundamente
rebaixados, pois que Deus, que dá sua graça aos humildes,
resiste aos soberbos e aos orgulhosos, e precipita-os no
abismo.
Se queres ser grande perante Deus, conserva-te pequeno
a teus próprios olhos e tem para contigo sentimentos de
inferioridade, diz a Escritura.
II — O contraste entre a majestade do Criador e a nossa
extrema fraqueza deveria bastar para nos conservar humildes;
mas temos ainda a considerar que de Deus é que recebemos
tudo o que possuímos e tudo o que somos. Sejam, portanto, as
virtudes, as qualidades, os talentos, todas as vantagens
espirituais ou temporais de que sejamos favorecidos,
consagrados ao Senhor; a ele é que devemos prestar
homenagens por todos os dons. A humildade, que regula
nossas relações para com Deus, deve igualmente dominar nas
relações que entretemos com o próximo, eximindo-nos de
qualquer sentimento de desprezo ou superioridade. A
humildade nos incita a colocar nos outros a estima que
retiramos de nós e a não reputarmos ninguém abaixo de nós.
A alma, fiel imitadora de Jesus Cristo, que pratica a
humildade sincera, alcançará uma coroa de honra e de glória.
275
II — Consideremos com que precaução e simplicidade a
divina Virgem se subtrai aos olhos do mundo e oculta a todos
os olhares os dons e as prerrogativas de que tão
maravilhosamente era dotada. Compraz-se na obscuridade e
no silêncio, evitando os feitos de aparato, embora, sob títulos
mais justificáveis do que os apóstolos e os outros santos, fosse
capaz de operar milagres. Mas a humildade é toda a sua vida;
e para conservá-la intacta, guarda em seu coração os tesouros
da graça e oculta em seu íntimo, como convém à Filha de Sião,
todas as belezas de sua virtude e todos os segredos do seu
amor. E, se alguma vez permite ser contemplada na atitude da
força e da majestade, é no Calvário, junto da cruz, onde
permanece de pé, em meio às humilhações e aos opróbrios.
Formemo-nos à imagem de Maria e sejamos humildes, a
fim de atrair sobre nós os olhares misericordiosos de nosso
Deus.
276
do coração, e então a alma adormece nas ilusões de uma
consciência que não vê mais a verdade. "Bem-aventurados os
que têm o coração puro, porque verão a Deus".
277
isso dizer que é preciso crescer sempre no amor, aproximar-se
sem cessar do eterno e divino foco. É o que nos ensina são
Paulo: "Não creio haver ainda atingido o termo a que tendo;
mas tudo o que sei agora é que, esquecendo o que deixo atrás
e adiantando-me para o que tenho à frente de mim, corro sem
cessar para o fim da minha carreira".
II — O primeiro mandamento é também o mais suave e o
mais fácil de todos, porque os homens são naturalmente
inclinados a amar, e o mandamento divino tem por finalidade
prendê-los ao eterno objeto do amor. Ora, para amar este Deus
de amor é preciso conhecê-lo e senti-lo, é preciso penetrar no
íntimo do nosso coração; aí é que ele se revela, que faz suas
delícias; é aí que o amor se faz amar. A alma amorosa e
perseverante que saboreou, dentro em seu ser, a divina unção
do amor, não necessita mais que lhe ordenem amar; possui um
tesouro contendo todos os tesouros e uma felicidade que
encerra tudo que possa fazer feliz. Sob a ação desta chama
divina, toda afeição humana empalidece e se apaga, como as
estrelas ao despontar do sol.
Santo Agostinho exclama: "Dizei às criaturas que, se
possuem alguma beleza e encanto, estes dons provêm
daquele que, mais do que elas, é belo, excelente, amável e,
por conseguinte, mais soberanamente digno de ser amado!" E
assim se exprime um outro doutor: "Não me indagueis por que
amo meu Deus. Amo-o, porque o amo! Amo-o, por amar!".
278
imagem? São palavras de Jesus: "Reconhecer-se-á que sois
meus discípulos, se vos amardes mutuamente".
II — O divino Salvador, que nos amou até dar por nós a
sua vida, mostrou-nos, em sua morte, o tipo da caridade
perfeita; pois que o sacrifício de si mesmo é o mais alto grau do
amor. É mui raro se apresentar a ocasião de morrermos pelos
nossos irmãos; mas a de lhes prestar auxílio, de edificá-los, de
servi-los, se nos oferece cada dia. A verdadeira caridade não
calcula seus serviços; não conta as privações e os pesares;
vence as repugnâncias e a todos inteiramente se dedica.
Elevada a tais alturas, confunde-se a caridade com o amor de
Deus, pois que serve a Deus amando a seu próximo e a seu
próximo serve para testemunhar a Deus o seu amor: "Tudo que
fizerdes a algum dos meus, a mim o fareis", declara o Salvador.
Seja este mandamento por nós praticado de maneira a
poderem dizer de nós o que diziam dos primeiros cristãos:
"Vede como se amam!".
279
próximos ou mais distantes de Deus. Esta virtude valoriza as
obras, dá mérito ao sacrifício, êxito ao zelo, frutos ao
sofrimento, recompensa aos mínimos atos; purifica e coroa a
vida cristã. Por sua força atrativa e sua unção unificante nos
atrai ao céu e nos une a Deus.
Apliquemo-nos santamente a nos aperfeiçoar nesse ca-
minho real, para assim podermos afirmar com são Paulo que
nada nos poderá separar do amor de Deus em nosso Senhor
Jesus Cristo.
280
que, ao fazer-se homem, tornou-se nosso próximo e, sob este
novo título, exige que o amemos como a um dos nossos
semelhantes.
Amemos, pois, a Jesus, com duplo amor e nele con-
centremos os sentimentos que nos inspiram o Criador e as
criaturas.
281
de Jacó e de Davi: "Senhor, trazei-me em vossos braços; sois
minha herança, minha esperança e minha coroa".
282
coração humano, onde o Salvador fixa sua morada
permanente. Ele não desceu do céu para ficar nas habitações
terrestres; e se permanece nos templos a ele consagrados, aí
fica somente de passagem, transitoriamente, como em um
lugar de repouso, onde nos espera. O vasto mundo é um
templo onde refulgem as maravilhas de sua onipotência; mas o
coração humano é o lugar sagrado onde se realiza o mistério
do seu amor. Aí é que faz suas delícias... "Uma só coisa pedi
ao Senhor e esta solicitarei: é habitar na casa do Senhor todos
os dias da minha vida" (SI 26, 4).
II — Ensina-nos o Evangelho que o reino de Deus está
dentro de nós e que precisamos entrar em nosso coração para
ficarmos unidos ao Deus do amor. Como o Senhor é o Santo
dos santos, não é admissível que coabite com os ídolos e, por
conseguinte, não poderemos possuí-lo na cidade da nossa
alma, a não ser sob a condição de a purificarmos e de lha
consagrarmos inteiramente, a fim de que, a exemplo de Sião,
seja ela uma cidade forte, santa, onde reinem a paz, a ordem e
a concórdia. Jesus Cristo é o príncipe da paz e entrega-se às
almas pacíficas. "Estais em nós, ó Senhor, e vosso santo nome
foi sobre nós invocado", dizia o profeta Jeremias. Sussurrou a
voz à Esposa: "Prepara tua alma, porque eis que vem o
Esposo! Abre tuas portas; eis o Deus das virtudes!".
283
II — Afirma um dos padres da Igreja não existir nada de
mais divino do que o zelo com que nos empenhamos na
edificação das almas. Este zelo é sempre fecundo e meritório,
mesmo quando não produza frutos imediatos. Quando a graça
é desprezada por uns, vai ter a outros corações ou reverte
sobre nós; assim sendo, ao cooperarmos para a salvação de
nossos irmãos, contribuímos para a nossa própria felicidade.
Assegura-nos o apóstolo que, se, por nossas orações, nossas
obras e sofrimentos, atrairmos uma alma ao menos, para o
caminho da salvação, obteremos em recompensa a remissão
dos nossos pecados e a vida eterna.
Demos ao Salvador uma prova de amor, edificando as
ovelhas fiéis e ganhando as infiéis.
284
Meditemos sobre a inefável bondade de nosso Senhor. Ele
veio para os pecadores e não para os justos; para os enfermos
e não para os sãos.
285
de dores e misérias, até transpor o limiar de sua casa. Ora,
esta não está na terra e sim no céu. Não procuremos a cruz
longe de nós; tomemos nosso próprio fardo e, por pesado que
nos pareça, conservemo-lo como instrumento de salvação. São
os trabalhos, as fadigas, os suores quotidianos que nos hão de
conduzir à morada da nossa eternidade.
III — O Evangelho acrescenta ainda que a multidão,
presente ao milagre e impressionada pelas palavras de Jesus,
bendizia a Deus que tal poder dera aos homens. O divino
Salvador, que veio ao mundo para apagar os pecados e salvar
o que estava perdido, depositou em sua Igreja o poder que na
terra exercera. Comunicou aos homens consagrados ao santo
ministério o poder de curar, de desligar e perdoar os pecados;
e, pelo sacramento da penitência, perpetuou até ao final dos
séculos as efusões da sua inesgotável misericórdia. E como
essa fonte jamais se estanca, não consintamos também que se
extingam os sentimentos da nossa gratidão.
286
Oferece-nos os dons da bondade, da misericórdia e do amor.
Ela é mais do que um sacramento, pois que forneceu os
elementos que nos comunicam o fogo sagrado da Divindade.
Como seria possível uma alma cristã não amar Maria? Este
amor filial, afirmam os doutores da Igreja, é um sinal de
predestinação. É um culto vivo que ofereço à Mãe de Jesus um
tributo perpétuo de honra, de obras santas e de ações de
graças.
287
Agostinho aconselha-as a levarem uma vida divina, já que têm
por Esposo um Deus.
Alma religiosa! Reconhece tua excelsa dignidade! Purifica-
te pela penitência; embalsama-te com todos os perfumes da
virtude e, por uma incorruptível fidelidade, faze-te digna de
ostentar a coroa nupcial na festa do Esposo.
288
Senhor multiplicava as provas do seu amor, esse povo ingrato
com maior teimosia ainda os repelia; e, em sua inconcebível
cegueira, recusava o dom que lhes oferecia a mão divina. "As
trevas não compreenderam a luz", diz o Evangelho. Ante a
consideração desta luta entre a bondade de Deus e a
insensibilidade dos homens, duas coisas apresentam-se
inexplicáveis: de um lado, a paciência divina, que jamais se
cansa de fazer o bem; e de outro, a perversidade daqueles que
persistem em desconhecer seu Benfeitor. Este contraste se
perpetua no mundo, entre a graça e a natureza.
No decurso de nossa vida passada e em nossos atos
quotidianos, não encontrará, em nós, por ventura, o Espírito de
Deus mais de uma resistência, mais de um murmúrio, mais de
uma ingratidão?
III — A história dos judeus é a profecia da história da
Igreja: deve servir de exemplo e de instrução aos cristãos. Ora,
se os judeus preferiram os bens da terra aos do céu e se
somente com ultrajes responderam aos enviados de Deus, que
lhes ofereciam as graças do alto, quão culpável não será a
alma cristã que despreza benefícios bem mais preciosos! A
todos diz o Senhor: "Vinde a mim, vós que estais
sobrecarregados e acabrunhados e eu vos aliviarei!" A todos
dirige este convite: "Se alguém tem sede, que venha a mim e
beba!".
De que modo correspondemos a essas divinas atenções?
É junto ao Senhor que procuramos estancar nossa sede? É a
ele que imploramos o consolo para nossos corações? É nele
que encontramos nossa paz e nosso repouso?
289
são outras tantas vozes a convidar suas almas para o
banquete do amor e guiá-las para as coisas do céu. Negligen-
ciar estas graças ou recebê-las com descaso é arriscar-se a
ser anátema, merecendo a fulminante sentença da Escritura:
"Maldito seja aquele que faz a obra de Deus com negligência".
II — A negligência na vida espiritual assemelha-se a essas
chagas mortíferas que, a princípio imperceptíveis, alastram-se
pouco a pouco pelo corpo todo, tornando-o irreconhecível. Não
é de uma feita que se cai em faltas graves: começa-se por
negligenciar a oração, a meditação, os exames; vem em
seguida o relaxamento da regra, das obrigações, dos ofícios;
acaba-se por negligenciar a comunhão; e, então, não se
atende mais nem às advertências, nem aos mais sagrados
compromissos da consciência. A faísca, que por descuido se
deixou cair, causou um incêndio capaz de tudo arruinar.
"Vigiai e orai!" Estas duas palavras, tantas vezes repetidas
pelo Senhor, podem atalhar tais perigos e resumem todas as
recomendações evangélicas.
290
piedosa, que costuma fazer o bem aos que a cercam, em
certos espíritos tem o dom de excitar sentimentos de irritação e
de inveja. Discutem os predicados que não possuem,
depreciam as virtudes que não sabem imitar e levam a má
paixão até ao ultraje. Daí resultam sofrimentos íntimos pelos
quais bem devem esperar os que aspiram a uma vida santa. O
apóstolo no-lo adverte em sua segunda epístola (3, 12) a
Timóteo: "Todos os que querem viver piedosamente em Jesus
Cristo, serão perseguidos".
291
precipitar; e, não raro, dormitam em falsa segurança, sem
suspeitarem o horrível despertar.
Quanto a nós, atendamos humildemente às severas
advertências do Evangelho e receemos o mal neste mundo, a
fim de não termos a temê-lo na eternidade.
292
XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM
"Em Cafarnaum havia um oficial da corte, cujo filho estava
enfermo" (Jo 4, 46).
I — O Evangelho, ao se referir ao personagem de Ca-
farnaum, não o nomeia, pelo que são Gregório comenta que
existem na terra muitos nomes ilustres que no céu são pouco
conhecidos. O que aproveita ter o seu nome inscrito no bronze
ou gravado no mármore, se não estiver escrito no livro da vida?
A repercussão de nossa passagem neste mundo não perdura
muito; e não vivem longamente os que vivem na memória dos
homens; a nossa imortalidade não será aqui na terra.
Lastimemos os cristãos que empregam seus talentos e suas
forças à procura de uma popularidade efêmera ou de uma
prosperidade sem consistência. Ambição mais nobre deve ani-
mar seus esforços. Para o céu é que faremos convergir nossos
desejos e nossas esperanças. Almejamos conquistar um nome
imortal? Apeguemo-nos a Jesus Cristo, que nos deu uma vida
imperecível. "Quem come o Pão do céu viverá eternamente".
II — Consideremos que o Senhor escolheu aqueles que
estavam doentes e pobres segundo o mundo, a fim de os
enriquecer conforme a fé e chamá-los à herança celeste. Se a
Providência, por conseguinte, nos deixa na obscuridade,
folguemos por ser desconhecidos pelos homens, contanto que
não o sejamos de Deus; porque está escrito que Deus conhece
os seus e que o bom Pastor conhece cada uma de suas
ovelhas. A verdadeira glória não consiste nas riquezas, nem no
talento, nem nos louvores do mundo. É a santidade que
envolve a alma fiel numa auréola de luz; e são as boas obras
que formam a coroa da imortalidade.
"Se alguém é vitorioso, diz o Apocalipse, nele imprimirei o
nome de meu Deus e nele gravarei um nome novo" (Ap 3).
293
salvação. Eis o modo com que havemos de encarar os pesares
da vida presente; se soubermos bem aproveitá-los, hão de
produzir frutos ótimos. E o profeta, referindo-se aos israelitas,
anuncia que, no excesso de sua aflição, hão de eles um dia,
humilhados e contritos, voltar ao Senhor seu Deus. "Eles vos
procurarão, diz Isaías, em seus extremos males; e,
impulsionados pela adversidade, vos dirigirão suas humildes
súplicas". Realmente Deus castiga os que ama e os fere para
curar.
II — Devemos notar que Deus costuma nos ferir nos que
são objeto de nossas mais caras afeições e a dor se faz sentir
na proporção do afeto que lhes dedicamos. Ora, este amor
precisa ser purificado pelo sofrimento, bem como o metal é
purificado pelo fogo. Mas se, em vez de recorrermos a Jesus,
buscamos consolo humano, permanece estéril nosso sofrer,
resultando então a tristeza das almas que carecem de fé e de
confiança. Consentem elas em sofrer, mas querem cruzes por
elas mesmas escolhidas; prefeririam sempre outra cruz à que
lhe foi imposta e impacientam-se quando as aflições não são
conforme seu cálculo e sua vontade.
Entremos com a maior submissão nos planos divinos e
aceitemos com paciência as provações que nos purificam e
nos unem a Jesus Cristo.
294
II — São palavras de são João Crisóstomo: "Não há
criatura mais poderosa sobre a terra do que a que ora, pois que
tem em suas mãos as chaves do céu". A oração humilde e
perseverante comove o coração de Deus. A virtude da oração
não reside na multiplicidade de palavras; poucas foram
proferidas pelo funcionário real de Cafarnaum; e são simples,
sem arte, sem protestos verbosos e supérfluos. Quando o
coração sofre ou ama, seus gemidos desferem ais que
comovem o coração de Deus e dele fazem jorrar as graças. É o
que declara Davi: "Amei e o Senhor ouviu a voz da minha
oração". E acrescenta: "Sede cheios de confiança, vós todos
que esperais em Deus".
295
que se serve Deus para fazer luzir, através das chagas do
coração humano, um raio de sua graça. Compenetrado desta
verdade, declara Davi que a tribulação dilatou sua esperança e
o induz a receber cada adversidade como uma visita do
Senhor. E ele exclama: "Senhor, vossa vara e vosso cajado me
consolaram".
QUINTA-FEIRA DA XXX SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Insistiu o oficial, dizendo: Senhor, vinde antes que meu
filho morra. — Vai, respondeu Jesus, o teu filho vive!"
I — Consideremos que, se bem que severa fosse a aco-
lhida de Jesus, não menos persistente se mostrou o oficial em
sua petição, sem lhe esmorecer a esperança de se ver
atendido. Esta perseverança deve nos servir de modelo; pois
não é a importunação, mas sim o desânimo que desagrada a
Deus. Por conseguinte, por numerosas e graves que sejam
suas infidelidades, não será confundido o pecador, desde que
ore com confiança; as suas misérias e enfermidades espirituais
constituirão os títulos de direito à misericórdia divina; e desde
que persevere, alcançará indubitavelmente a graça desejada.
Digamos com o profeta: "Não é em vista de nossos
próprios méritos que apresentamos nossas preces ao Senhor;
mas nossa esperança se firma na bondade infinita de Deus".
II — Notemos o efeito instantâneo da palavra de Jesus.
Apenas as profere: "Teu filho está salvo!" E já esta palavra
eficaz e vivificadora, pela sua força divina, opera o que significa
e ordena: milagre, que é a figura sensível da graça invisível dos
sacramentos. Ela regenera a alma nas fontes batismais;
restaura a graça no tribunal da penitência; no santo altar,
renova os sacrossantos mistérios da Paixão e da Ceia; abre
aos cristãos reconciliados as portas do céu! Diversamente, mas
com virtude não menos admirável, age na predicação evan-
gélica; e tanto que santo Agostinho chega a comparar o pão da
palavra divina ao Pão da sagrada Mesa, declarando que tão
culpado será o cristão que desdenhar os ensinamentos de
nosso Senhor, quanto àquele que, por negligência, deixa cair
no chão as parcelas da Eucaristia.
"Quem escuta minhas palavras e as pratica, diz Jesus, é
semelhante ao homem sensato que constrói sua casa sobre a
rocha".
296
SEXTA-FEIRA DA XXX SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Ele acreditou e toda a sua família"
I — A fé do funcionário real de Cafarnaum propaga-se
sucessivamente por toda a parentela. Confortador alento para
as almas zelosas que, após haverem desfrutado as doçuras da
piedade, procuram espalhar entre os seus a influência do bom
exemplo. Assim como o mal, o bem é contagioso, e com maior
vantagem ainda; e tanto como um espírito maldoso tem
capacidade para escandalizar outros muitos, poderá uma
simples influência benéfica concorrer para a edificação e
salvação de uma casa inteira. A questão magna da caridade
cristã é contribuir em toda circunstância para a santificação do
próximo. São Paulo diz ser preciso que os membros de um
corpo se auxiliem mutuamente e que cada um, de per si, con-
corra para a felicidade de todos. Esta regra caracteriza a vida
de comunidade. São Gregório assim se refere a esse respeito:
"Quantos bons exemplos tiverdes dado, tantas coroas de honra
vos serão conferidas".
II — Consideremos que, para edificar o próximo, bem mais
vantajoso é um exemplo do que torrentes de palavras. O
grande apóstolo incita seus ouvintes a serem seus imitadores;
e para indicar a seu discípulo como trabalhar eficazmente para
a salvação das almas, aconselha-o a pôr primeiramente em
prática aquilo que ensina aos outros e a se conduzir de
maneira a servir de modelo e de regra a seus irmãos. Esta
recomendação visa em particular os que se consagraram ao
serviço de Deus.
"Grandes serão no céu, diz são Gregório, aqueles que,
pelos seus edificantes exemplos, conquistam os corações e os
levam à piedade, à virtude, ao amor de Deus".
297
destituídas de interesse; trazem o estigma da concupiscência;
são afetadas de amor próprio e com o tempo esfriam. Também
quando não têm a religião a consagrar-lhe os laços, o decorrer
do tempo os desfaz e a morte os destrói. Os laços do espírito e
da graça, pelo contrário, constituem uma paternidade, uma
maternidade, uma fraternidade e uma filiação que não estão
sujeitas nem ao tempo, nem ao espaço, nem à morte;
perpetuam-se no céu, pois que têm seu centro e sua raiz
imortal no amor de Jesus e de Maria.
II — A santíssima Virgem, digna Mãe daquele que veio
principalmente para os enfermos e os pecadores, vela com
maternal ternura pelos membros sofredores da Igreja. Mas sua
solicitude se manifesta conforme o espírito e não conforme a
carne; isto significa que, conhecendo o proveito do sofrimento,
não procura deles nos isentar; e que, tendo ela própria
acompanhado seu Filho ao Calvário, não desejaria subtrair-nos
à cruz. Sua intervenção, contudo, faz-se sentir pelas graças
que suavizam as chagas espirituais e corporais; roga a fim de
nos obter a força para sofrer, para que nossa virtude se
aperfeiçoe nas enfermidades, para que nosso coração se
purifique nas provações, para que os frutos da santidade sejam
experimentados na paciência, e que as nossas dores se
confundam com as dores de Jesus Cristo e aumentem os
tesouros da Igreja.
Recorramos a Maria em todas as necessidades temporais
e espirituais; mas o que, sobretudo lhe devemos é a cura e
santificação de nossa alma.
298
pecados, de nossas infidelidades, nos lançaria no desespero.
Só nos é dado repetir com Davi: "Senhor, não entreis em juízo
com vosso servo, pois que mortal algum será achado justo
perante vós!".
II — Os dez mil talentos devidos pelo servo a seu rei
representam a imensa dívida do homem. Mas os cem dinheiros
que a esse mesmo servo devia um companheiro, faz-nos
compreender que não existe proporção entre o que se devem
mutuamente os homens e o que estes devem a Deus. Se
examinarmos seriamente a nossa dívida, reconheceremos
nada possuir de nós mesmos e que ao Senhor somos
devedores de tudo quanto possuímos e de tudo o que somos.
E ainda teremos a descontar os bens de que por nossa falta
nos privamos. Quantas graças perdidas, quantas inspirações
desprezadas! Quantos sacramentos ficaram inúteis e estéreis!
Quantas luzes se extinguiram! Quantas faltas, quantas
ingratidões!
Este golpe de vista nos ajudará a pressentir a enormidade
da nossa dívida e a providenciar os meios para saldá-la.
299
bondade do Mestre e conjurá-lo a ter paciência, prometendo-
lhe empregar a vida, doravante, em reparar o tempo perdido.
Com estas disposições se porá a alma perante Deus,
dizendo-lhe: Ó Deus de bondade, vós que suportais com tanta
longanimidade os maiores pecadores, concedei-me o tempo,
os meios e as graças de reparar minha vida passada e produzir
dignos frutos de penitência!
300
QUARTA-FEIRA DA XXXI SEMANA DO TEMPO
COMUM
"O servo, encontrando-se com um dos seus companheiros
que lhe devia cem dinheiros, disse-lhe, encolerizado: Paga o
que me deves!"
I — Estabeleçamos um paralelo entre as misericórdias
infinitas de Deus em relação ao homem e os rigores do homem
para com o seu próximo. O servo, que acabara de obter a
inteira remissão de uma dívida de dez mil talentos, reclama
com implacável dureza o pagamento de cem dinheiros que
emprestara ao companheiro. Se esse contraste nos
impressiona, façamos em nós mesmos um exame
retrospectivo. Fomos igualmente objeto de grandes
misericórdias; mas, somos sempre indulgentes para com
nossos irmãos? Quantas vezes não se formaliza nossa
suscetibilidade, nada querendo desculpar, nada perdoar?
Quantas vezes mesmo, ao nos retirarmos do tribunal da
Penitência, não nos mostramos inflexíveis na reclamação dos
nossos direitos! E, sem contemplações, condenamos aqueles
que julgamos faltarem às atenções que nos são devidas! Tal
procedimento nos escandaliza nos outros; acautelemo-nos, a
fim de não cairmos, por nossa vez, em idênticas faltas.
II — Impossível justificar a inconsequência do cristão que
implora o perdão de Deus e depois se nega a perdoar a seus
irmãos. Se o perdão das injúrias não fosse mais do que um
conselho evangélico, mereceria todo o nosso acatamento;
quanto mais o devemos acatar, sabendo que é um preceito
formal, que não admite desculpas, nem exceção. É a lei da
caridade aplicada a todos os que nos ofenderam. Não é
somente aos que nos estimam que devemos dedicar nosso
amor, já que também assim procedem os pagãos; mas sim
nele envolver mesmo os que não nos amam; devemos fazer
bem aos que nos fazem mal e abençoar os que nos
amaldiçoam. Perdoar sinceramente a um cruel inimigo é um
ato que pode custar muito à natureza; mas, como diz são Ber-
nardo, é também esse ato uma coisa sobrenatural e toda divina
e não teremos nós a capacidade para exercê-lo, seguindo o
exemplo de Jesus Cristo, senão enquanto tivermos a nos
animar e a vencer nossa natureza o espírito de nosso Senhor.
Atendei ao conselho do apóstolo e "não deixeis o sol se pôr
sem perdoardes aos que vos ofenderam".
301
QUINTA-FEIRA DA XXXI SEMANA DO TEMPO
COMUM
"O rei, indignado, entregou-o aos executores da justiça, até
que houvesse pago totalmente sua dívida"
I — A sentença que condena o servo insolvente a per-
manecer sob as mãos da justiça até à completa extinção de
sua dívida, prova tanto os tormentos quanto a duração do
purgatório. Esses tormentos ultrapassam o que de mais terrível
possamos conceber em sofrimentos; porque, conforme
ensinam os teólogos, são os mesmos que os do inferno, salvo
o desespero eterno. E, quanto à sua duração, se prolongará
até ao resgate integral da dívida, isto é, a completa purificação
da alma cativa. Se os sofrimentos deste mundo são, às vezes,
exaustivos, conquanto suavizados por consolações; e se a vida
atual, apesar de sua brevidade, parece insuportável aos
desgraçados privados de auxílio, quão pavorosas não deverão
ser as torturas das sombrias regiões! A sabedoria nos
aconselha a fazermos neste mundo o nosso purgatório, e, para
tanto, exorta-nos à penitência.
Saibamos carregar de maneira cristã nossa cruz quotidiana
e trabalhemos, animados, em nossa santificação.
II — As almas detidas nas trevas do purgatório podem ser
aliviadas e resgatadas por orações e obras pias. O bem que se
lhes proporciona possui imenso valor perante Deus; porque,
conforme opinião de santo Tomás, é a caridade exercida pelas
almas superior à que mitiga as enfermidades corporais. Isto
nos faz compreender que não pode haver nada de mais
recomendável do que a compaixão para com os defuntos.
Façamos por eles o que desejaríamos fizessem por nós.
Concorramos para o resgate de suas dívidas, aplicando-lhes as
indulgências, as esmolas, os frutos do santo sacrifício.
Dilatemos nossos corações e demos aos nossos senti-
mentos cristãos todas as dimensões da catolicidade! Suba
nossa caridade às sublimes alturas para honrar nossos irmãos
glorificados! Desça aos abismos expiatórios, a fim de assistir os
que sofrem! Que se estenda também em largura, para abraçar
na mesma generosa solicitude todos os membros da Igreja
militante!
302
SEXTA-FEIRA DA XXXI SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Assim é que vos há de tratar meu Pai que está no céu, se
não perdoardes do íntimo dos vossos corações cada um a seu
irmão" (Mt 18, 35).
I — O Rei do céu, após haver perdoado, sem obser-
vação alguma, a soma que lhe era devida, mostra-se rigoroso
para com o mesmo servo que, rigoroso, exige do seu
companheiro o pagamento de uma dívida insignificante.
Podemos disto concluir ser o divino Mestre mais sensível aos
pesares que causamos a nossos irmãos do que aos que lhe
causamos diretamente; e que de melhor grado perdoa ofensas
graves feitas diretamente a ele, do que faltas leves cometidas
contra nosso próximo. Por outro lado, aceita, como feitos a si
próprio, o mínimo ato de caridade que pratiquemos para com
um dos nossos irmãos. E quando lhe indagamos com Davi:
"Senhor, que faremos para agradecer os benefícios que nos
ofereceis?" — Responde: — "Tudo aquilo que fizerdes a um
dos meus, a mim mesmo o tereis feito!".
II — Ensinou-nos o Senhor esta oração: "Perdoai-nos
assim como nós perdoamos!" Oração suave e cheia de
esperanças, quando animada de caridade sincera; mas
opressora, se não exprimir o verdadeiro sentimento do
coração; pois que se transformaria então em maldições contra
nós mesmos e se tornaria, em nossa boca, como sentença de
nossa condenação. "Sereis tratados como houverdes tratado
os outros". Será, por conseguinte, réu de severo juízo aquele
que for duro para com o próximo.
Sereis tratados com indulgência, se fordes indulgentes;
encontrareis em Deus uma infinita misericórdia, se fordes bons
e misericordiosos.
SÁBADO
DA XXXI SEMANA DO TEMPO COMUM
Maria é a Mãe das misericórdias
I — Deus, diz a Escritura, é o Pai da misericórdia, isto é, a
fonte inesgotável de toda beleza e de toda caridade. Ora, esta
fonte divina vazou-se no seio de Maria; e, por entre as
perfeições aí depositadas, brilha, com peculiar fulgor, a
misericórdia. A Mãe de Deus é, portanto, a Mãe das
misericórdias, não somente por haver dado a vida à Caridade,
303
mas porque, sob este título, dispõe das misericórdias divinas e
profusamente as dispensa a todo o gênero humano. Cobre o
filho pródigo de sua proteção; dá caução para os servos
insolventes; faz prevalecer a indulgência sobre o rigor, a
misericórdia sobre a justiça, e, para os pecadores, obtém o
perdão.
Mas, porque é a mais terna das mães, como seríamos
filhos seus, se não fôssemos também ternos e mi-
sericordiosos?
I I — A recordação de nossas infidelidades, longe de nos
afastar de Maria, deve até redobrar nossa confiança; pois que
são os pecadores e não os justos que necessitam de
misericórdia. As almas cristãs se comprazem em retribuir o mal
com o bem. Que fará então a generosidade de Maria? O
patriarca José, do Antigo Testamento, pagou a ingratidão de
seus irmãos com uma multidão de benefícios; Moisés
intercedia fervorosamente pelo seu povo cego e rebelde; o
apóstolo são Paulo desejava ser anátema pelos judeus que o
perseguiam; santo Estevão implorava o perdão de Deus em
favor daqueles que o lapidavam. Avaliemos a grandeza da
indulgência de Maria Virgem, que em seu Coração reúne a
compaixão de uma mãe à misericórdia de um Deus!
Ah! Nunca duvidemos de Maria, e seja qual for o peso de
nossas faltas, despertemos nossa fé, humilhemo-nos e
respiremos sob sua proteção onipotente.
304
reconhecíveis pelas vitórias que dão à natureza sobre a graça
e têm por termo fatal o endurecimento do orgulho. Ouçamos
são Pedro, que nos exorta a uma fé inabalável, a fim de
repelirmos as sugestões dos inimigos visíveis e invisíveis.
II — Os fariseus procuravam surpreender alguma con-
tradição visível nas palavras de Jesus. Sabiam pelas Escrituras
que o verdadeiro sábio não peca pela língua; e queriam
submetê-lo a tal prova. Apliquemos a nós mesmos esta regra
de apreciação. Quantas faltas se prendem a palavras
irrefletidas! Importa muita delicadeza e bondade, para evitar a
tagarelice que perturba e a mudez soturna que revela orgulho
ou dissimulação. Se, graças a um prolongado exercício de
vigilância e de paciência, conseguiu alguém o domínio sobre
sua língua, não receará ver-se surpreendido em suas palavras;
não terá a lastimar comprometedoras indiscrições ou impru-
dências tantas vezes irreparáveis! Aprenderá a regular seus
atos, a dirigir sua vida toda com critério e sucesso.
305
perseguidores, expõem-se à condenação. O Evangelho nos
ensina que nosso Senhor se identificou com os seus; a ele,
portanto, é que se aplica o bem ou o mal que lhes fizermos.
Em face dos maus que se ligam para saciar de amarguras
o Coração de Jesus, devem os filhos de Deus se reunir em
redobrada caridade, a fim de consolar este divino Coração,
pela fidelidade do seu amor.
306
que é a fonte desses dons e a quem unicamente são devidos:
louvores, bênçãos e glória!
307
QUINTA-FEIRA DA XXXII SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Reconhecendo-lhes a malícia, apostrofou-os Jesus:
Hipócritas, por que me tentais?"
I — São Gregório define o homem hipócrita como um
coração duplo, que oculta o que é e faz constar o que não é. E
são Jerônimo acrescenta: "O hipócrita é aquele cujas palavras
estão em desacordo com seus sentimentos". E são Clemente
completa, dizendo que o hipócrita compõe seu exterior de
maneira oposta ao seu interior. Por odiosa que seja a
hipocrisia, é um vício que reina no mundo; é assunto de um
perpétuo estudo, pois que o espírito do mundo é uma
dissimulação aperfeiçoada. Reveste das mais sedutoras
formas a mais perniciosa astúcia. Adota por processo o
subterfúgio, a fraude e as artimanhas; faz consistir sua
esperteza em saber mentir. Ora, se a hipocrisia desvirtua o
caráter do homem do mundo, quanto mais deveremos reputá-la
monstruosa nos cristãos que professam a piedade? Nosso
Senhor, tão misericordioso para com os maiores pecadores, é
inflexível com os hipócritas.
II — Qual é o homem que permanecerá nos tabernáculos
do Senhor? É aquele que tem o coração puro, responde o
profeta real, aquele cuja língua não profere a iniquidade. A
simplicidade é a virtude oposta à hipocrisia: é a linha reta da
consciência. Quer em seus entretenimentos com Deus, quer
em suas relações com os homens, não admite nem afetação,
nem exageros, nem aparências enganadoras. A simplicidade é
amável, porque naturalmente se estimam as almas francas e
leais. O próprio Jesus demonstrava sua predileção pela
simplicidade e, por isto, recomenda que nos assemelhemos às
criancinhas.
Imploremos ao Senhor que nos conceda a santa infância
espiritual que nos proporcionará suas bênçãos divinas e suas
mais ternas carícias.
308
SEXTA FEIRA DA XXXII SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus"
I — Nestas poucas palavras Jesus delimita os deveres do
homem para com Deus e para com a sociedade. A observância
de uns não impede o cumprimento dos outros; e o cristão
deverá fielmente cumpri-los todos, para ser justo. Como filhos
de Deus, temos nossos deveres traçados pela Igreja. Obedecer
à Igreja é, por conseguinte, dar a Deus o que é de Deus. Como
membros da sociedade, nossos deveres estão indicados pela
lei civil. Obedecer a essa lei é, pois, dar a César o que é de
César.
O perigo a evitar é de transtornar a hierarquia dos deveres;
porque dar a César o que pertence a Deus seria sacrificar a
consciência aos interesses humanos e antepor as coisas do
tempo às da eternidade.
II — “De quem é esta imagem?”, pergunta Jesus. A efígie
gravada na moeda dos soberanos da terra indica o tributo que
se lhes deve. Mas a alma humana é a imagem de Deus. Ela foi
desfigurada pelo pecado e sepultada na carne; não aparenta
mais beleza; mas esta se revela à luz divina, assim como o
carvão lançado ao braseiro assume os fulgores da chama.
Resplandecerá no dia da manifestação de Jesus Cristo e
reproduzirá em si os traços divinos. Deve, portanto, retribuir a
Deus tudo o que é e tudo quanto possui. Tal é o dever pri-
mordial ao qual todos os outros são subordinados.
309
prática este preceito do Senhor: "Sede perfeitos, corno é
perfeito vosso Pai dos céus".
Graças a esse espelho sem mancha, é-nos dado contem-
plar as magnificências de Deus, na Virgem, sua fiel imagem.
II — Se Maria, a filha imaculada do homem, representa a
imagem de Deus, Jesus, o Filho de Deus, representa, em sua
humanidade, a imagem de Maria; pois a natureza humana de
que se revestiu foi tomada unicamente no seio de Maria. "Sua
carne, diz santo Agostinho, é a carne de Maria; seu sangue é o
sangue de Maria". Seu corpo sagrado é, por conseguinte, a
expressão substancial de sua Mãe, como é sua divindade a
substância de Deus, seu Pai.
Incorporados que somos também a Jesus Cristo e, con-
forme são Paulo, tornados a carne de sua carne, os ossos de
seus ossos, devemos nos assemelhar a Jesus, reproduzindo
em nós, conjuntamente, os traços de Deus e os traços de
Maria!
Quanto é sublime o destino do cristão! Como não há de
amar Jesus, se em cada um de nós reconhecer os traços de
Maria! E Maria... Quanto nos há de amar ao encontrar em nós
a viva imagem de Jesus!
310
II — A filha do chefe da Sinagoga tinha a idade de doze
anos; a mulher citada no Evangelho já havia doze anos que
estava enferma quando Jesus a curou. A morte de uma
coincide com a cura da outra; a enfermidade da mulher teve
início na época do nascimento da menina. Esta aproximação,
segundo ainda a interpretação de são Jerônimo, motiva a
observação de que o paganismo fenecia enquanto Israel
estava no vigor da mocidade e da vida; ao passo que, ao
morrer Israel, renasce o paganismo. Ora, exclama são Paulo, a
misericórdia concedida a uns deverá servir à salvação dos
outros, para que todos sejam salvos.
Quando vemos as nações infiéis precederem o povo de
Deus no seio de Abraão, torna-se visível que não há títulos,
nem direitos adquiridos, que nos autorizem a salientar-nos aos
demais. Somente à fé humilde é dado o poder de abrir à alma
o reino dos céus.
311
Aprendamos a orientar nossos desvelos com a inteligência
da caridade evangélica e, em toda circunstância, façamos
prevalecer o pensamento da fé. Oremos, soframos,
trabalhemos sob os influxos do Espírito Santo. O rei salmista
instantemente no-lo exorta: "Espera firmemente, trabalha
animadamente, fortalece teu coração e conta com o auxílio de
Deus" (SI 26, 14).
312
QUARTA-FEIRA DA XXXIII SEMANA DO TEMPO
COMUM
"Levanta-se Jesus e, com seus discípulos, dirige-se à casa
do chefe da Sinagoga"
I — Comparemos a divina condescendência de Jesus tão
pronto em atender ao chefe da Sinagoga, com o proceder
inverso demonstrado à cananeia. Também esta recorrera ao
Senhor em favor de sua filha e Jesus parecia surdo à sua
súplica, deferindo, no entanto, com presteza, o pedido do chefe
da sinagoga. Esse contraste na conduta de Jesus explica-se
pela diversidade da situação dos suplicantes. Jesus Cristo é
misericordioso para com todos, mas dá sua graça de acordo
com o estado e a necessidade de cada indivíduo. A uns acolhe
com expressões severas, a outros dispensa particulares
atenções. Tem sempre em mira o mesmo objetivo: nossa
felicidade, nosso bem. Quer experimente o Senhor a nossa
paciência, humilhando-nos, quer anime a nossa fraqueza,
enlevando-nos, perseveremos confiantes em suas mãos.
Pesares e consolações, tudo contribuirá para nosso
adiantamento e nossa felicidade.
II – Jesus se levanta; responde incontinenti ao apelo do
chefe da sinagoga. Esta prontidão nos revela a caridade
evangélica sob uma de suas faces mais amáveis. É ela
caracterizada pela atividade, dedicação, solicitude; não deixa
definhar à escassez aquele que sofre; não retarda o concurso
dos seus préstimos; adquire asas e voa, desde que se trate de
acudir, assistir ou aliviar alguém. O exemplo de Jesus Cristo
condena a piedade fria que ao bem-estar alheio prefere a
própria comodidade. Mostremo-nos agradáveis e caridosos
tanto nas grandes como nas pequenas coisas e, como nosso
divino Mestre, aprendamos a preterir os nossos interesses em
benefício do próximo.
313
apresentar-se ante Jesus; nem sequer se anima a falar;
timidamente se conserva por detrás, no meio do povo, e tem
por única ambição tocar-lhe a orla das vestes. É um edificante
exemplo de confiança na bondade de Deus. Davi repete sem
cessar: "O Senhor é bom para com os que nele esperam; é
bom para os que o procuram com coração reto; e chega-se
aos que o invocam em seus pesares. Bendito o homem que
nele põe sua confiança". Quando recorrermos ao nosso Sal-
vador, nós, enfermos ou pecadores, impregnemo-nos dos
sentimentos da humilde mulher do Evangelho, implorando com
o salmista: "Senhor, curai-me e ficarei são! Salvai-me e serei
salvo!".
II — Entre tantos enfermos que se lhe aglomeram em
torno, distinguiu Jesus a mulher que lhe tocara nas vestes; e
somente esta obtém a cura. Instrutiva circunstância, cuja
significação merece ser meditada. Não basta acorrer a Jesus,
é preciso comovê-lo. Quer isto significar que não é bastante
rodear os santos altares, prolongar nossas orações, multiplicar
nossas práticas de devoção: devemos tocar o Coração de
Jesus... E o que o comove, que dele faz jorrar as graças, é
nossa fé humilde e confiante.
Animados por esse espírito, aproximemo-nos de Jesus
como a mulher do Evangelho e havemos de sentir os
maravilhosos efeitos destas palavras: "Minha filha, sossega;
vai em paz, tua fé te salvou!".
314
que habitualmente o perturbam; e que, para receber as visitas
do Senhor, não só é necessário o afastamento do mundo, mas
também seriamente impedir a relação com este.
A Escritura diz que Deus não se compraz do tumulto, nem
da confusão; ama a paz, pois que é o Deus da paz, e seus
filhos são chamados filhos da paz.
II — Relata o Evangelho que Jesus Cristo, ao dar à defunta
a ordem de se levantar, estendeu-lhe a mão. Este fenômeno
dá ensejo a que melhor compreendamos a fraqueza das almas
convalescentes. Voltaram à vida; mas, embora já livres do mal,
não possuem ainda a força suficiente para praticar o bem.
Começam a caminhar, mas vacilam e não vão para diante;
estão animadas de bons desejos; sua vontade, no entanto, não
sabe ainda agir.
A estas almas, não basta exortá-las, é preciso dar-lhes a
mão, sustentá-las, tratá-las com indulgência. "Feliz aquele que
tem a compreensão da caridade! O Senhor o consolará no
último dia".
315
faixas da humanidade, a fim de apresentá-la aos nossos
olhares. Depositária do preço da nossa redenção, derrama
tesouros de graças sobre aqueles que a invocam. É o traço
visível que une a terra ao céu. É por sua mediação que sobem
ao céu as nossas preces e que até nós descem as virtudes do
alto. Maria nos conduz a Deus e traz Deus a nós. É opinião
dos doutores da Igreja que a alma dedicada à Virgem não se
pode perder.
Subam até seu trono as nossas vozes suplicantes; prati-
quemos com todo amor atos que lhe sejam agradáveis.
Peçamos ao Senhor que nos impregne dos sentimentos que
ele mesmo dedicava e eternamente dedicará a sua divina Mãe.
316
Os prognósticos do juízo universal apavoram somente os
partidários do mundo, mas às almas piedosas servirão para
despertar uma salutar vigilância.
317
servos inúteis, as virgens infiéis, todos aqueles que houverem
sujeitado o espírito à carne, a graça à natureza, os dons de
Deus à vaidade, se acharão, súbita e irrevogavelmente,
separados de Deus, da Igreja e dos eleitos. Terrível ameaça!
Ver-se para sempre banido de todo amor, de toda luz, para cair
no esquecimento profundo, no eterno desespero! Oh! Como
deveria este pensamento impressionar as consciências,
despertá-las do seu torpor!
II — "Que aquele que estiver em seu campo não volte
atrás!", acrescenta o Evangelho. Dizeres que foram explicados
pelo próprio Jesus Cristo. "Aquele que, depois de haver posto
a mão à charrua, olhar para trás, não é digno de mim". Por
outro lado o apóstolo são Pedro diz que melhor fora não
conhecer as delícias do serviço de Deus, do que abandoná-lo
após havê-las gozado. Se começamos, procuremos prosseguir
com perseverança, sem recuar um só passo. Não pensemos
mais no que deixamos; não choremos as cadeias que
quebramos.
O meio seguro de não retroceder é seguir sempre avante!
É preciso imitar são Paulo: "Aplico-me em esquecer o que jaz
atrás de mim, para me aproximar cada vez mais do fim a que
tendo; corro até ao fim da carreira, a fim de alcançar a pátria
celeste".
318
II — Uma das grandes vantagens da alma chamada ao
estado religioso é estar desembaraçada das exigências do
mundo. Seus compromissos sagrados formam uma barreira
protetora e, livres dos laços terrenos, encontram-se sempre
prontas para acompanhar o Cordeiro divino por toda parte.
Estas almas possuem a melhor parte; não se agitam em
atividade estéril, já que se empenham todas nos mesmos
labores. Vivem de amor e de obediência e um único objetivo as
move: agradar a Deus.
Para se perder, vivendo em comunidade, é preciso querer
positivamente. O caminho de sua santificação está traçado
pela regra; basta segui-la, com fidelidade, para gradualmente
levar-se aos cumes da perfeição.
319
destruição do mundo. E, então, que nos importa subsistir tudo
o que nos rodeia, quando nós mesmos não sobreviveremos a
nada? A morte será o fim dos tempos para cada um de nós e
esse termo será o início de uma eternidade feliz ou
desgraçada.
O cristão que fica indiferente a esta verdade expõe-se a
cruéis surpresas e a remorsos irremediáveis!
320
SÁBADO DA XXXIV SEMANA DO TEMPO COMUM
Maria é o nosso derradeiro refúgio
I — A lei antiga consagrava cidades de refúgio, onde os
criminosos encontravam abrigo contra as perseguições da
justiça. Quanto a nós, discípulos de Jesus Cristo, é nos braços
de Maria que nos refugiamos quando nossa consciência
alarmada receia os juízos divinos. A Mãe do Redentor do
mundo compadece-se dos pecadores; cobre com seu amparo
os desventurados que apelam para o seu amor. Conhece o
quanto custamos a seu divino Filho e não desvia seus olhares
de nossas enfermidades. Movida por extrema compaixão,
estende sua mão aos filhos que desejam reerguer-se de suas
quedas. Maria santíssima, como Jesus, deseja ardentemente
que todas as almas sejam salvas. Se o temor da justiça nos
oprime o coração, não tardemos, pois, em recorrer à Mãe que
nos foi concedida. A lembrança de Maria é um pensamento de
amor que deve excluir todo receio e reanimar a esperança!
II — Somos os filhos da Mãe de Jesus e é por nós que
Maria intercede no céu. É para nós que é Mãe poderosa, Mãe
indulgente, Mãe generosa! Mãe poderosa — advoga
vitoriosamente nossa causa! Mãe indulgente — compadece-se
de nossas fraquezas; e Mãe generosa — perdoa as nossas
faltas, esquece os nossos erros. É com o bem que retribui o
mal! Assiste-nos em todas as nossas vicissitudes, levanta-nos
e nos consola! Comparecerá ao nosso momento derradeiro,
estenderá suas mãos aos que a consideram como Mãe, abrirá
seu coração àquelas almas que lhe foram autenticamente
consagradas.
Que suma alegria nos invadirá ao terminarmos nossa
peregrinação terrestre, se a bendita Mãe do Salvador se dignar
conceder-nos a ventura de eternamente habitarmos com os
anjos e bem-aventurados na Sião celestial!
321
PRÓPRIO DOS SANTOS
322
19 DE MARÇO SÃO JOSÉ
"Eis o servo fiel e prudente que o Senhor estabeleceu
sobre sua família" (Lc 12, 14).
I — José é o homem entre todos escolhido para des-
empenhar o papel de pai junto ao menino Jesus e de esposo
junto à Virgem imaculada. Esta incomparável missão encerra
todos os títulos de sua grandeza. São José concorreu para a
realização do plano da Providência, encobrindo ao inimigo do
gênero humano o segredo da Encarnação do Filho de Deus.
Graças ao matrimônio legal contraído entre José e Maria, a
velha serpente não conheceu o cumprimento da profecia de
Isaías: "Uma Virgem conceberá e dará à luz um Filho que será
chamado: Deus conosco, Emanuel". Não existe vocação que
se lhe assemelhe; fez de José um homem excepcional. Ele
velou sobre a criança e sobre a Mãe, subtraiu-as a todos os
perigos, guiou-as em terra estranha e reconduziu-as a Israel.
Depositário da confiança de Deus, é o anjo visível da santa
Família. Quão poderoso deve ser ante o trono do Altíssimo o
servo fiel ao qual confiou Deus este tesouro do céu e da terra!
II — A missão angélica, desempenhada por são José junto
à santa Família, perpetua-se na Igreja; pois as vocações são
irrevogáveis: o que foram na terra, serão eternamente no céu.
José será sempre o mandatário de Deus, o instrumento da
Providência. Vela sobre os filhos da Igreja, assim como velou
sobre o berço de Belém; preserva-os das ciladas dos inimigos,
prove a suas necessidades espirituais e temporais, consola as
dores do exílio e conduz à pátria celeste os peregrinos deste
mundo. São José é, sobretudo o modelo e o guia das almas
interiores. Dirijamo-nos a ele para implorar o amor à vida
oculta, a ciência da oração e do culto de Deus. Seria muito
pouco honrar são José com nossas homenagens, se não
procurássemos merecer sua proteção paternal.
25 DE MARÇO
ANUNCIAÇÃO DA SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA
"Ave, cheia de graça!" (Lc 1, 28).
I — A festa da anunciação recorda-nos os abatimentos do
Filho de Deus feito homem e as grandezas inefáveis da Virgem
que se tornou Mãe de Deus. Não há palavra que possa narrar
os segredos da divina Encarnação! "O Verbo se fez carne e
habitou entre nós!" A carne, divinizada em seu seio virginal, se
323
transformará em alimento e em bebida, para depositar em
nossas almas a semente da imortalidade. O Evangelho relata
tão somente o anúncio deste augusto mistério, anunciação
bendita que o mundo aguardava havia quatro milênios e que,
realizando as antigas profecias, estreia a era nova do
cristianismo. A culpada mãe dos homens, diz santo Irineu,
seduzida pela falácia do anjo decaído, gerou a morte. Maria,
saudada pelo anjo Gabriel e fecundada pelo Espírito Santo,
gera a vida divina que triunfará da morte. A criança, que
nascerá de Maria, vem renovar-nos o título de filhos de Deus.
Que alegria! Que dignidade! Os cristãos estão acima dos
príncipes, dos filhos dos reis; são filhos do Altíssimo!
II — Todos os santos da terra persistiram em cantar as
glórias de Maria; a mais ardente devoção ocupou-se em
celebrar as magnificências da sua vocação. Louvor algum, no
entanto, pôde ser comparado ao de Gabriel: "Deus vos salve,
cheia de graça; o Senhor é convosco, bendita sois entre as
mulheres!" Estas estranhas palavras perturbaram a delicada
modéstia da Virgem e, longe de lisonjeá-la, provocam a
resposta que exala o perfume da mais suave humildade: "Eis a
serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra!"
Assim, ante os esplendores que a envolvem, Maria só vê sua
pequenez; e, enquanto ante ela se inclina o arcanjo, como
perante a Mãe de Deus, Maria oferece ao Senhor a humilde
homenagem de uma simples serva! Lição sublime que deve
prestar-se a ser objeto de nossas meditações! Queremos
glorificar a Deus, aspiramos progredir? Imitemos Maria...
Sejamos humildes!
324
arde e brilha. Não é a luz que produz o fogo, e sim o fogo que
produz a luz. Queremos esclarecer nosso próximo?
Comecemos por abrasar-nos primeiramente. Pois, como
comenta são Bernardo, aqueles que pretendem instruir os
outros antes de se haverem exercitado na prática do que
ensinam, não conseguirão resultado algum (Sermão da
Natividade de são João Batista). A palavra de são João Batista
foi luminosa por jorrar de um coração ardente de amor e de
caridade.
II — São João Batista é o patriarca da vida religiosa. Não
escreveu as regras da pobreza, da castidade e da obediência,
mas delas deu o exemplo. Viveu pobre no deserto, onde
conservou intacto o tesouro da sua pureza virginal; e seu
pensamento predominante, sua única preocupação, era bem
cumprir a vontade de Deus. Conquanto fossem suas
austeridades corporais as mais rigorosas possíveis, foram
ainda ultrapassadas pelas mortificações espirituais, pois que
durante trinta anos viu-se privado do inefável consolo de ver o
Cordeiro de Deus, do qual era o precursor. Sua perfeita
humildade é efeito de sua total abnegação; e atinge tal ponto
que, enquanto a Judeia o considera como o Messias, ele faz
timbre em proclamar bem alto, ante as multidões, que era
apenas a voz do que clama no deserto. Em sua escola
formaram-se os primeiros discípulos de Jesus; foi para eles o
guia e o modelo. Instruamo-nos nessa mesma escola e apren-
damos com são João Batista o santo preparo que nos é
necessário adquirir para o apostolado evangélico e para as
visitas do nosso Deus.
325
Pedro é o alicerce do edifício e Paulo é como que a argamassa
que liga todos os povos a esse rochedo imutável. São Pedro é
o regulador da fé; são Paulo é o pregador da obediência. São
Pedro é o centro do imenso círculo da catolicidade; são Paulo
é o raio que lhe marca a circunferência. São Pedro personifica
a divina autoridade de Jesus Cristo e são Paulo representa a
cooperação do episcopado. A missão de são Pedro é única;
mas quis o Senhor lhe dar são Paulo como auxiliar, a fim de
que fosse a cátedra da verdade igualmente cátedra da
caridade.
II — Quis o Senhor colocar dois apóstolos à base do
edifício, para consagrar o princípio divino da caridade fraternal.
É são Pedro unicamente, no entanto, a pedra fundamental da
Igreja. Só a ele dirigiu Jesus estas palavras: "Tu és Pedro, e
sobre esta pedra edificarei a minha Igreja". Só são Pedro
recebeu as chaves do reino de Deus; foi o único a ser investido
da missão de confirmar na fé a seus irmãos. E para dar à sua
autoridade uma consagração que faça participar algo da
estabilidade das coisas eternas, Jesus Cristo orou para que a
fé de são Pedro jamais desfalecesse. Essa augusta missão,
com todas as prerrogativas a ela inerentes, transmitiu-se e
perpetua-se nos pontífices romanos. O papa, sucessor do
príncipe dos apóstolos, representa visivelmente, na Igreja,
aquele que disse: "Todo o poder me foi dado no céu e na
terra". No momento de conferir a são Pedro a magistratura
soberana, perguntou-lhe por três vezes o Senhor: "Pedro, tu
me amas?" E reclama como única prova do seu amor que
apascente as suas ovelhas e seu rebanho.
Meditemos sobre este mistério de caridade que nos faz
compreender de que modo quer o Senhor ser amado e
servido.
326
com calma sua inefável felicidade; e na resposta que dá ao
arcanjo não se observa expansão alguma da sua ventura: "Eis
a serva do Senhor; faça-se em mim conforme a tua palavra".
Mas quando, obrigada a partilhar suas emoções com santa
Isabel, reconhece os maravilhosos efeitos de sua visita;
quando, por sua presença, a casa inteira de Zacarias é
inundada de paz e alegria divinas, sente então que já não é a
única a desfrutar a sua ventura; traz a outrem a felicidade;
tornou-se medianeira dos dons de Deus, dispensadora das
graças; e seu coração transborda de gratidão, desfaz-se nos
ardentes acordes do Cântico: "De hoje era diante todas as
nações me chamarão bem-aventurada".
II — Abençoadas as almas que atraem as visitas de Maria
e por seu intermédio recebem as provas do divino amor. Mais
felizes ainda as que, imitando Maria, tornam-se, por sua vez,
anjos de benemerência e de consolação! A santíssima Virgem,
cheia de Deus que a vivifica, derrama profusamente sobre
todas as montanhas da Judeia graças a mãos-cheias. Também
a nós cabe, depois de fortalecidos pelo Pão dos anjos,
espalhar ao redor de nós, por nosso exemplo, nossas palavras
e ações, os perfumes da fé, da piedade, da caridade. A
edificação que a nossa conduta produzir nos outros redundará
em benefício próprio, e o bem que proporcionarmos aos outros
contribuirá para a nossa felicidade presente e futura.
327
lhe são consagradas. As esposas de Cristo reunir-se-ão à sua
Soberana, se lhe seguirem as pegadas no caminho da
obediência e da humildade.
II — A bem-aventurada Virgem mesma nos revela o motivo
da sua exaltação: "O Altíssimo olhou a humildade da sua
serva". Permaneceu humilde em meio às homenagens
insignes que lhe eram tributadas pelos anjos e pelos homens.
Este prodigioso aniquilamento foi a medida da sua grandeza.
As almas humildes tanto mais se aproximam da Deus quanto
mais perfeitamente se desprendem de si próprias, como o
prato de uma balança que se eleva à medida que o outro
desce. No céu nos aguardam alegrias e delícias indescritíveis,
cujo penhor recebemos ainda nesta vida, na mesa sagrada.
Mas, para merecê-las, devemos ser humildes; e, para obter
esta virtude, celebremos as festas de nossa Senhora com uma
renovação do fervor no serviço de Deus.
328
da paz de Deus, expansão nas alegrias da caridade, progresso
no caminho do amor, inviolável fidelidade em nossos
compromissos religiosos. Peçamos, sobretudo a Maria que
presida ao nosso nascimento futuro, pois que, no dia em que
nos libertarmos da vida corporal, renasceremos para uma nova
vida; e se morrermos na graça de Deus, com Maria
ressurgiremos na celeste Sião. Animados por esta esperança é
que imploramos todos os dias a nossa divina Mãe: "Rogai por
nós agora e na hora da nossa morte".
329
espalha em torno de si celeste edificação. Nas comunidades
religiosas que sobre a terra representam as moradas celestes,
todas as almas devem ser angélicas. Circundam o trono da
graça, antecipam as solenidades futuras; e, imitando os bem-
aventurados, oferecem noite e dia ao Altíssimo o incenso dos
sacrifícios e da oração.
330
sagrada Escritura (2 Mac 12, 46); pois que são devedores da
justiça divina e, segundo diz o Evangelho, só poderão ser
libertados de suas torturas, depois de saldarem totalmente
suas dívidas. Mas de onde virá o socorro a essas regiões
sombrias, onde não há mais boas obras e nem merecimentos?
Seus olhares se voltam para nós, já que nos é concedido sobre
a terra comunicar-nos com o céu e com o purgatório. É certo
que lhes proporcionamos alívio e apressamos sua libertação
por nossas orações e atos de caridade, pelo santo sacrifício da
missa e pelas indulgências ofertadas em suas intenções.
Procedamos para com olas como desejaríamos que
procedessem conosco e avivemos hoje nossos sentimentos de
compaixão.
II — Desfrutamos na terra da abundância dos bens espiri-
tuais e necessitamos, no entanto, de auxílio e assistência.
Apesar dos sacramentos que nos fortalecem e das conso-
lações que nos confortam, sucumbimos, por vezes, sob o peso
da dor. Se tais são as condições da vida atual, quanto maiores
não devem ser as precisões das almas que, com assistência
infinitamente mais escassa, padecem sofrimentos
incomparavelmente mais atrozes! Afastadas de Deus,
separadas dos que amam, essas almas, diz são Gregório de
Nissa, estão encerradas em uma fornalha onde reparam suas
faltas e concluem a purificação que haviam negligenciado na
terra. Extrema seria nossa comoção, se nos fosse possível
perceber, no meio desses inenarráveis tormentos, as almas
dos entes amados e conhecidos. E esse espetáculo nos levaria
também a fazer um exame retrospectivo íntimo e, nesta vida,
ainda, ultimar o trabalho da penitência e da santificação. Implo-
remos com santo Agostinho: "Meu Deus, fazei-me expiar aqui
as minhas faltas, a fim de evitar as chamas do purgatório!".
21 DE NOVEMBRO APRESENTAÇÃO DA
SANTÍSSIMA VIRGEM
"Felicitai-me, vós, que amais o Senhor, pois que enquanto
ainda era jovem fui agradável ao Altíssimo" (Ofício da Igreja)
I — A consagração da santíssima Virgem no Templo abre
o caminho das vocações religiosas. Davi contemplara esse
mistério e em seu inspirado salmo 44 canta a aliança nupcial
contraída pelas almas eleitas com o Deus de amor: "Ó Rei!
Superais em beleza a todos os filhos dos homens; a graça se
331
expande em vossos lábios e vossas vestes exalam o perfume
da mirra, do âmbar e do aloés. As filhas dos príncipes foram
deles perfumadas e inebriadas, buscaram a honra da vossa
aliança. A Rainha conservou-se à vossa destra, adornada com
um manto de ouro e de uma variedade infinita de riquezas.
Ouve, filha minha, e sê atenta a minhas palavras; esquece o
teu povo e a tua parentela, e o Rei do céu te cumulará de
amor; pois que ele é o Senhor teu Deus, poderoso e adorável.
A glória da filha do Rei está em si mesma e seu fulgor apaga
os esplendores de suas vestimentas. Outras virgens virão após
e consagrar-se-ão ao Rei dos reis; serão apresentadas no
templo com transportes de júbilo!".
II — Sob o véu das palavras simbólicas do salmista,
entrevemos o glorioso destino das almas que seguem as
pegadas de Maria e formam o cortejo sagrado do Cordeiro de
Deus. Apresentam-se no templo para, à sombra do santuário,
prepararem-se às bodas divinas. Vocação sublime que eleva
as mais humildes criaturas ao próprio trono de Deus! Nessa
trajetória ascendente, a noiva do Rei dos anjos deixa parentes,
família, fortuna, pátria: tudo abandona para receber o cêntuplo.
Um só pensamento a domina, uma única aspiração a impulsio-
na: satisfazer ao celeste Esposo. Deve estar morta em meio a
todas as coisas do mundo; seus entretenimentos estão no céu,
enquanto aguarda o dia de sua apresentação no templo da
glória.
8 DE DEZEMBRO
IMACULADA CONCEIÇÃO DA SANTÍSSIMA
VIRGEM
"T u és a glória de Jerusalém, a alegria de Israel e a honra
do nosso povo!" (Jdt 15, 10).
I — A vitória alcançada por Judite sobre os inimigos do
povo de Deus era a figura profética do triunfo de Maria. Foi a
Virgem quem, por sua conceição imaculada, lançou a confusão
entre as legiões do inferno. Somente ela escapou ao contágio
do pecado original, e realizou esta predição do Gênesis, que
abre a história da humanidade: "Uma mulher esmagará a
cabeça da serpente". Os profetas são unânimes em proclamar
as maravilhas dessa mulher, na qual não há mácula; a ela é
que se aplicam as aclamações gloriosas feitas à ilustre Judite.
Mas a Virgem imaculada acresceu de mérito pessoal sua inata
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perfeição; conservou-se humilde em meio a suas excelsas
prerrogativas; mostrou-se vigilante, embora fosse inacessível
aos perigos do pecado; aliou, finalmente, a penitência à sua
inocência, porque participou voluntariamente de todas as
humilhações da cruz. Nós, que tão distanciados estamos da
santidade de Maria, quanta razão temos para sermos humildes
e vigilantes!
II — O batismo, chamado por são Jerônimo: sacramento
de concepção espiritual, produz na alma um renascimento
imaculado. Apaga o pecado e restaura a primitiva pureza.
Conservando essa graça ou readquirindo-a, mediante uma
penitência salutar, é que dignamente ostentaremos o título de
filhos de Deus e da Virgem. Cultivemos em nós a vida nova,
pela mortificação, separemo-la dos obstáculos que impedem
seu progresso; alimentemo-la com o suco divino da oração e
da comunhão, e fortifiquemo-la pelo exercício das virtudes
evangélicas. Então o mistério da Imaculada Conceição pro-
duzirá em nós seu fruto, fruto de vida santa e celestial!
20 DE JANEIRO
FESTA DO CORAÇÃO IMACULADO DE MARIA
"Refúgio dos pecadores"
I — Um coração de mãe evoca ao nosso espírito o que de
mais terno, compassivo e amável existe na natureza humana.
Mas o Coração de Maria! Que ideia poderemos fazer dele?
Este coração imaculado é a obra prima da criação
sobrenatural. Foi destinado a ser o reservatório da plenitude
das graças: "gratia plena". É o tabernáculo vivo da divindade:
"requievit in tabernaculo meo". Nele foi haurido o Sangue que
apaga os pecados do mundo. Concebida na justiça e na
santidade originais, Maria foi fecundada pelo Espírito Santo,
para ser a Mãe do Santo dos santos. Como um vaso
impregnado da mais preciosa essência, conservou seu virginal
coração o aroma da bondade e de todas as perfeições divinas;
daí podemos concluir o que é em relação a nós. O Coração de
Maria ama os que Jesus amou; sofre e sacrifica-se por aqueles
aos quais Jesus quer salvar. Conforme o exemplo de Jesus,
inclina-se de preferência às almas enfermas ou que, cegas,
correm para a perdição. É especialmente por esses infelizes
que devemos recorrer ao coração puríssimo de Maria, unindo-
nos à súplica da Igreja: "Ora pro nobis peccatoribus!" Ao rogar
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por eles, rogamos também por nós, pois ninguém está isento
do pecado, e todos os filhos dos homens, sem exceção, ne-
cessitam daquele que veio salvar os pecadores.
Oremos, portanto, com fé, com confiança, com perse-
verança! Alegraremos os anjos e sua Rainha, se implorarmos a
misericórdia divina em favor das pobres almas que, por sua
infelicidade, privam-se das graças da Redenção.
II — A Igreja adapta a fervorosa prece do Eclesiástico, no
ofício deste dia, a fim de impetrar a conversão dos pecadores.
Pode-se aplicar esta oração às ovelhas desgarradas da casa
de Israel. Alcemos, pois, o nosso olhar ao coração imaculado
de Maria e, com a Igreja, supliquemos: "Ó Deus, Senhor de
todas as coisas, tende piedade de nós; deitai sobre nós um
olhar favorável e fazei-nos ver a luz de vossas misericórdias!
Reuni todas as tribos de Jacó, a fim de que reconheçam não
existir outro Deus senão vós; e proclamem as grandezas de
vossas maravilhas e venham a ser a vossa herança, como o
foram desde o início. Tende compaixão do povo que foi
chamado do vosso Nome e de Israel, ao qual tratastes como
filho primogênito! Apiedai-vos de Jerusalém, dessa cidade que
santificastes, onde estabelecestes vosso repouso! Enchei Sião
da verdade de vossas palavras inefáveis e vosso povo, de
vossa glória! Dai testemunho em favor daqueles que foram
vossos desde o princípio e confirmai as predições que os
antigos profetas pronunciaram em vosso nome. Recompensai
aqueles que por tanto tempo esperaram em vós, a fim de que
os vossos profetas sejam achados fiéis; ouvi as súplicas dos
vossos servos, conforme as bênçãos dadas por Aarão ao
vosso povo. E conduzi-nos pelas veredas da justiça"
(Eclesiástico, Cap. 36).
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