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Catolicismo Nº 3 – Março de 1951 – Via Sacra 1

Via Sacra

Plinio Corrêa de Oliveira

co, nem a ambição de novas riquezas, nem o


desejo de comprazer a alguma Salomé. Mo-
I Estação
veu-o a condenar o Justo o receio de perder o
cargo, parecendo pouco zeloso das prerroga-
Jesus é condenado à morte tivas de César; o medo de criar para si com-
plicações políticas, desagradando ao popula-
V. Adorámus te Christe et benedícimus cho judeu; o medo instintivo de dizer “não”,
tibi. de fazer o contrário do que se pede, de enfren-
tar o ambiente com atitudes e opiniões dife-
R. Quia per sanctam Crucem tuam re- rentes das que nele imperam.
demísti mundum.
Vós, Senhor, o fitastes por longo tem-
po com aquele olhar que em um segundo ope-
O juiz que cometeu o crime profissio- rou a salvação de Pedro. Era um olhar em que
nal mais monstruoso de toda a História, não transparecia vossa suprema perfeição moral,
foi a ele impelido pelo tumultuar de nenhuma vossa infinita inocência, e, entretanto, ele Vos
paixão ardente. Não o cegou o ódio ideológi- condenou.
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“não pudestes velar uma hora comigo, vós que vos


exortáveis a morrer por mim?...

em vossa Paixão, não apenas a morrer, mas a


Senhor, quantas vezes imitei Pilatos!
enfrentar a morte. Enfrentá-la com serenida-
Quantas vezes, por amor à minha carreira,
de, sem hesitação nem fraqueza, caminhando,
deixei que em minha presença a ortodoxia
até, para ela com o passo resoluto do guerrei-
fosse perseguida, e me calei! Quantas vezes
ro que avança para o combate, eis a admirável
presenciei de braços cruzados a luta e o martí-
lição que me dais.
rio dos que defendem vossa Igreja! E não tive
a coragem de lhes dar sequer uma palavra de Diante da dor, meu Deus, quanta é a
apoio, pela abominável preguiça de enfrentar minha covardia! Ora contemporizo antes de
os que me rodeiam, de dizer “não” aos que tomar a minha cruz; ora recuo, traindo o de-
formam meu ambiente, pelo medo de ser “di- ver; ora, por fim, eu o aceito, mas com tanto
ferente dos outros”. Como se me tivésseis tédio, tanta moleza, que pareço odiar o fardo
criado, Senhor, não para Vos imitar, mas para que vossa vontade me põe sobre os ombros.
imitar servilmente os meus companheiros. Em outras ocasiões, quantas vezes fe-
Naquele instante doloroso da conde- cho os olhos para não ver a dor! Cego-me
nação, Vós sofrestes por todos os covardes, voluntariamente com um otimismo estúpido,
por todos os moles, por todos os tíbios,... por porque não tenho coragem de enfrentar a pro-
mim, Senhor. vação. E por isto minto a mim mesmo: não é
verdade que a renúncia àquele prazer se im-
Meu Jesus, perdão e misericórdia. Pela
põe a mim para que não caia em pecado; não
fortaleza de que me destes exemplo arrostan-
é verdade que devo vencer aquele hábito que
do a impopularidade e enfrentando a sentença
favorece minhas mais entranhadas paixões;
do magistrado romano, curai em minha alma
não é verdade que devo abandonar aquele
a chaga da moleza!
ambiente, aquela amizade que minam e sola-
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri. pam toda a minha vida espiritual; não, nada
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré- disto é verdade... fecho os olhos, e atiro de
re nostri. lado minha cruz.

V. Fidélium ánimae per misericordiam Meu Jesus, perdoai-me tanta preguiça,


Dei requiéscant in pace. R. Amen. e pela chaga que a Cruz abriu em vossos om-
bros, curai, Pai de Misericórdias, a chaga hor-
rível que em minha alma abri com anos intei-
II Estação ros vividos no relaxamento interior e na con-
descendência para comigo!
Jesus leva a Cruz às costas Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
V. Adorámus te Christe et benedícimus
re nostri.
tibi.
V. Fidélium ánimae per misericordiam
R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
Dei requiéscant in pace. R. Amen.
demísti mundum.

Inicia-se assim, meu adorado Senhor,


a vossa caminhada para o lugar da imolação.
Não quis o Pai Celeste que fôsseis morto num
golpe fulminante. Vós teríeis de nos ensinar
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... pois não vedes Judas, como não dorme, mas se


apressa para me entregar aos judeus?”

Dai-me, Jesus, a graça de ficar abraça-


III Estação do à minha cruz, ainda quando eu desfaleça
sob o peso dela. Dai-me a graça de me reer-
guer sempre que tiver desfalecido. Dai-me,
Jesus cai pela primeira vez Senhor, a graça suprema de nunca sair do
caminho por onde devo chegar ao alto do meu
V. Adorámus te Christe et benedícimus próprio calvário.
tibi.
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
demísti mundum. V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
re nostri.
V. Fidélium ánimae per misericordiam
Como então, Senhor? Não Vos era lí- Dei requiéscant in pace. R. Amen.
cito abandonar vossa Cruz? Pois se a carre-
gastes até que todas as vossas forças se exau-
rissem, até que o peso insuportável do madei- IV Estação
ro Vos lançasse por terra, não estava bem
provado que Vos era impossível prosseguir?
Estava cumprido vosso dever. Os Anjos do Encontro de Jesus com sua
Céu que levassem agora por Vós a Cruz. Vós Mãe
havíeis sofrido em toda a medida do possível.
V. Adorámus te Christe et benedícimus
Que mais haveríeis de dar?
tibi.
Entretanto, agistes de outro modo, e
R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
destes à minha covardia uma alta lição. Esgo-
demísti mundum.
tadas vossas forças, não renunciastes ao fardo,
mas pedistes mais forças ainda, para carregar
novamente a Cruz. E as obtivestes. Quem, Senhora, vendo-Vos assim em
É difícil hoje a vida do cristão. Obri- pranto, ousaria perguntar por que chorais?
gado a lutar sem tréguas contra si, para se Nem a Terra, nem o mar, nem todo o firm a-
manter na linha dos Mandamentos, parece mento, poderiam servir de termo de compara-
uma exceção extravagante num mundo que ção à vossa dor. Dai-me, minha Mãe, um
estadeia na luxúria e na opulência a alegria de pouco, pelo menos, desta dor. Dai-me a graça
viver. Pesa-nos aos ombros a cruz da fideli- de chorar a Jesus, com as lágrimas de uma
dade à vossa Lei, Senhor. E, por vezes, o fô- compunção sincera e profunda.
lego parece faltar-nos. Sofreis em união a Jesus. Dai-me a
Nestes instantes de prova, sofisma- graça de sofrer como Vós e como Ele. Vossa
mos. Já fizemos quanto em nós estava. Afinal, dor maior não foi por contemplar os inexpri-
é tão limitada a força do homem! Deus terá míveis padecimentos corpóreos de vosso Di-
isto em conta... deixemos cair a cruz à beira vino Filho. Que são os males do corpo, em
do caminho e afundemos suavemente na vida comparação com os da alma? Se Jesus sofres-
do prazer. Ah, quantas cruzes abandonadas à se todos aqueles tormentos, mas ao seu lado
beira dos nossos caminhos, quiçá à beira dos houvesse corações compassivos! Se o ódio
meus caminhos! mais estúpido, mais injusto, mais alvar, não
ferisse o Sagrado Coração enormemente mais
do que o peso da Cruz e dos maus tratos feri-
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am o Corpo de Nosso Senhor! Mas a manifes- V Estação


tação tumultuosa do ódio e da ingratidão da-
queles a quem Ele tinha amado... a dois pas-
sos, estava um leproso a quem havia curado... Jesus ajudado pelo Cirineu a
mais longe, um cego a quem tinha restituído a levar a Cruz
vista... pouco além, um sofredor a quem tinha
devolvido a paz. E todos pediam a sua morte, V. Adorámus te Christe et benedícimus
todos O odiavam, todos O injuriavam. Tudo tibi.
isto fazia Jesus sofrer imensamente mais do R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
que as inexprimíveis dores que pesavam sobre demísti mundum.
seu Corpo.
E havia pior. Havia o pior dos males.
Havia o pecado, o pecado declarado, o pecado Quem era este Simão, que se sabe de-
protuberante, o pecado atroz. Se todas aquelas le, senão que era de Cirene? E que sabe o ge-
ingratidões fossem feitas ao melhor dos ho- ral dos homens sobre Cirene, senão que era a
mens, mas por absurdo não ofendessem a terra de Simão? Tanto o homem como a cida-
Deus! Mas elas eram feitas ao Homem-Deus, de emergiram da obscuridade para a glória, e
e constituíam contra toda a Trindade Santís- para a mais alta das glórias, que é a glória
sima um pecado supremo. Eis aí o mal maior sagrada, num momento em que bem outros
da injustiça e da ingratidão. eram os pensamentos do Cirineu.
Este mal não está tanto em ferir os di- Vinha ele despreocupado pela estrada.
reitos do benfeitor, mas em ofender a Deus. E Pensava tão somente nos pequenos problemas
de tantas e tantas causas de dor, a que mais e nos pequenos interesses de que se compõe a
Vos fazia sofrer, Mãe Santíssima, Redentor vida miúda da maior parte dos homens. Mas
Divino, era por certo o pecado. Vós, Senhor, atravessastes seu trajeto com
vossas Chagas, vossa Cruz, vossa imensa dor.
E eu? Lembro-me de meus pecados? E a este Simão tocou tomar posição perante
Lembro-me, por exemplo, do meu primeiro Vós. Forçaram-no a carregar convosco a
pecado, ou do meu pecado mais recente? Da Cruz. Ou ele a carregaria mal-humorado, indi-
hora em que o cometi, do lugar, das pessoas ferente a Vós, procurando tornar-se simpático
que me rodeavam, dos motivos que me leva- ao povo por meio de algum novo modo de
ram a pecar? Se eu tivesse pensado em toda a aumentar vossos tormentos de alma e de cor-
ofensa que Vos traz um pecado, teria ousado po; ou a carregaria com amor, com compai-
desobedecer-Vos, Senhor? xão, sobranceiro ao populacho, procurando
Oh, minha Mãe, pela dor do santo En- aliviar-Vos, procurando sofrer em si um pou-
contro, obtende-me a graça de ter sempre di- co de vossa dor, para que sofrêsseis um pouco
ante dos olhos Jesus Sofredor e Chagado, menos. O Cirineu preferiu padecer conVosco.
precisamente como O vistes neste passo da E por isto seu nome é repetido com amor,
Paixão. com gratidão, com santa inveja, há dois mil
anos, por todos os homens de fé, em toda a
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri. face da Terra, e assim continuará a ser até a
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré- consumação dos séculos.
re nostri. Também pelos meus caminhos Vós
V. Fidélium ánimae per misericordiam passastes, meu Jesus. Passastes quando me
Dei requiéscant in pace. R. Amen. chamastes das trevas do paganismo para o
seio de vossa Igreja, com o Santo Batismo.
Passastes quando meus pais me ensinaram a
rezar. Passastes quando no curso de catecismo
comecei a abrir a minha alma para a verdadei-
ra doutrina católica e ortodoxa. Passastes na
minha primeira Confissão, na minha primeira
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Comunhão, em todos os momentos em que Como devemos agradecer este favor!


vacilei e me amparastes, em todos os momen- Não nos esqueçamos, porém, de que noblesse
tos em que caí e me reerguestes, em todos os oblige. Pertencer à Igreja é coisa muito alta e
momentos em que pedi e me atendestes. muito árdua. Devemos pensar como a Igreja
pensa, sentir como a Igreja sente, agir como a
E eu, Senhor? Ainda agora, passais
Igreja quer que procedamos em todas as cir-
por mim neste exercício da Via-Sacra. O que
cunstâncias de nossa vida. Isto supõe um sen-
faço quando Vós passais por mim?
so católico real, uma pureza de costumes au-
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri. têntica e completa, uma piedade profunda e
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré- sincera. Em outros termos, supõe o sacrifício
re nostri. de uma existência inteira.

V. Fidélium ánimae per misericordiam E qual é o prêmio? Christianus alter


Dei requiéscant in pace. R. Amen. Christus. Eu serei de modo exímio uma re-
produção do próprio Cristo. A semelhança de
Cristo se imprimirá, viva e sagrada, em minha
VI Estação própria alma.
Ah, Senhor, se é grande a graça con-
A Verônica enxuga o rosto de cedida à Verônica, quanto maior é o favor que
Jesus a mim me prometeis!
Peço-Vos força e resolução para, por
V. Adorámus te Christe et benedícimus meio de uma fidelidade a toda prova, verda-
tibi. deiramente o alcançar.
R. Quia per sanctam Crucem tuam re- Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
demísti mundum.
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
re nostri.
Dir-se-ia, à primeira vista, que prêmio V. Fidélium ánimae per misericordiam
maior jamais houve na história. Com efeito, Dei requiéscant in pace. R. Amen.
que rei teve nas mãos tecido mais precioso do
que aquele Véu? Que general teve bandeira
mais augusta? Que gesto de coragem e dedi- VII Estação
cação foi recompensado com favor mais ex-
traordinário?
Jesus cai pela segunda vez
Entretanto, há uma graça que vale
muito mais do que a de possuir milagrosa- V. Adorámus te Christe et benedícimus
mente estampada num véu a Santa Face do tibi.
Salvador. No Véu, a representação da Face R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
divina foi feita como num quadro. Na Santa
demísti mundum.
Igreja Católica, Apostólica, Romana ela é
feita como num espelho.
Em suas instituições, em sua doutrina, Cair, estirar-se ao longo do chão, ficar
em suas leis, em sua unidade, em sua univer- aos pés de todos, dar pública manifestação de
salidade, em sua insuperável catolicidade, a já não ter força, são estas as humilhações a
Igreja é um verdadeiro espelho no qual se que Vos quisestes sujeitar, Senhor, para mi-
reflete nosso Divino Salvador. Mais ainda, nha lição. De Vós ninguém se condoeu. Re-
Ela é o próprio Corpo Místico de Cristo. dobraram as injúrias e os maus tratos. E en-
quanto isto vossa graça solicitava em vão, no
E nós, todos nós, temos a graça de per- íntimo daqueles corações empedernidos, um
tencer à Igreja, de sermos pedras vivas da
movimento de piedade.
Igreja!
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Mesmo neste momento, quisestes con- hostis a Jesus Cristo? Não é bem verdade que
tinuar vossa Paixão para salvar os homens. se constrói todo um mundo, toda uma civili-
Que homens? Todos, inclusive os que ali es- zação baseada sobre a negação de Jesus Cris-
tavam, aumentando de todos os modos a vos- to? Não é bem verdade que Nossa Senhora
sa dor. falou em Fátima apontando todos estes peca-
dos e pedindo penitência?
Em meu apostolado, Senhor, deverei
continuar mesmo quando todas as minhas Entretanto, onde está essa penitência?
obras estiverem por terra, mesmo quando to- Quantos são os que realmente vêem o pecado
dos se conjugarem para atacar-me, mesmo e procuram apontá-lo, denunciá-lo, combatê-
quando a ingratidão e a perversidade daqueles lo, disputar-lhe passo a passo o terreno, erguer
a quem quis fazer bem se voltem contra mim. contra ele toda uma cruzada de idéias, de atos,
de viva força se necessário for? Quantos são
Não terei a fraqueza de mudar de ca-
capazes de desfraldar o estandarte da ortodo-
minho para agradá-los. Minhas vias só podem
xia absoluta e sem jaça, nos próprios lugares
ser as vossas, isto é, as vias da ortodoxia, da
onde pompeia a impiedade, ou a piedade fal-
pureza, da austeridade. Mas, nos vossos ca-
sa? Quantos são os que vivem em união com
minhos sofrerei por eles. E unidas as minhas
a Igreja este momento que é trágico como
dores imperfeitas à vossa dor perfeita, à vossa
trágica foi a Paixão, este momento crucial da
dor infinitamente preciosa, continuarei a lhes
História, em que uma humanidade inteira está
fazer bem. Para que se salvem, ou para que as
escolhendo por Cristo ou contra Cristo?
graças rejeitadas se acumulem sobre eles co-
mo brasas ardentes, clamando por punição. Ah, meu Deus, quantos míopes que
Foi o que fizestes com o povo deicida, e com preferem não ver nem pressentir a realidade
todos aqueles que até o fim Vos rejeitaram. que lhes entra olhos adentro! Quanta calmari-
a, quanto bem-estar miúdo, quanta pequena
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
delícia rotineira! Quanto saboroso prato de
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré- lentilhas a comer!
re nostri.
Dai-me, Jesus, a graça de não ser deste
V. Fidélium ánimae per misericordiam número. A graça de seguir vosso conselho,
Dei requiéscant in pace. R. Amen. isto é, de chorar por nós e pelos nossos. Não
de um choro estéril, mas de um pranto que se
VIII Estação verte aos vossos pés, e que, fecundado por
Vós, se transforma para nós em perdão, em
energias de apostolado, de luta, de intrepidez.
Jesus consola as filhas de Je- Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
rusalém
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
V. Adorámus te Christe et benedícimus re nostri.
tibi. V. Fidélium ánimae per misericordiam
R. Quia per sanctam Crucem tuam re- Dei requiéscant in pace. R. Amen.
demísti mundum.
IX Estação
Não faltaram então almas boas, que
percebiam a enormidade do pecado que se Jesus cai pela terceira vez
praticava, e temiam a justiça divina.
V. Adorámus te Christe et benedícimus
Não presencio eu algum pecado as-
tibi.
sim? Hoje em dia, não é bem verdade que o
Vigário de Cristo é desobedecido, abandona- R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
do, traído? Não é bem verdade que as leis, as demísti mundum.
instituições, os costumes são cada vez mais
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Estais, Senhor meu, mais cansado, quer a inocência da pomba mas a astúcia da
mais depauperado, mais chagado, mais exan- serpente, a doçura da ovelha mas a cólera
gue do que nunca. Que Vos espera? Chegas- irresistível e avassaladora do leão. Se for pre-
tes ao termo? Não. Precisamente o pior está ciso sacrificar carreira, amizades, vínculos de
para suceder. O crime mais atroz ainda está parentesco, vaidades mesquinhas, hábitos
para ser praticado. As dores maiores ainda inveterados, para servir a Nosso Senhor, devo
estão por serem sofridas. Estais por terra pela fazê-lo. Pois que este passo da Paixão me
terceira vez e, entretanto, tudo isto que ficou ensina que a Deus devemos dar tudo, absolu-
para trás não é senão um prefácio. E eis que tamente tudo, e depois de ter dado tudo ainda
Vos vejo novamente movendo este Corpo que devemos dar nossa própria vida.
é todo ele uma chaga. O que parecia impossí- Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
vel se opera, e mais uma vez Vos pondes de
pé lentamente, se bem que cada movimento V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
seja para Vós mais uma dor. Eis-Vos, Senhor, re nostri.
ereto ainda uma vez... com vossa Cruz. Sou- V. Fidélium ánimae per misericordiam
bestes encontrar novas forças, novas energias, Dei requiéscant in pace. R. Amen.
e continuais. Três quedas, três lições iguais de
perseverança, cada qual mais pungente e mais
expressiva que a outra. X Estação
Por que tanta insistência? Porque é in-
sistente nossa covardia. Resolvemo-nos a Jesus despojado de suas vestes
tomar nossa cruz, mas a covardia volta sem-
pre à carga. E para que ela ficasse sem pretex- V. Adorámus te Christe et benedícimus
tos em nossa fraqueza, quisestes Vós mesmo tibi.
repetir três vezes a lição. R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
Sim, nossa fraqueza não pode servir- demísti mundum.
nos de pretexto. A graça, que Deus nunca
recusa, pode o que as forças meramente natu-
rais não poderiam. Tudo, sim, absolutamente tudo. Até
vergonha devemos sofrer por amor de Deus e
Deus quer ser servido até o último a- para a salvação das almas.
lento, até a extenuação da última energia, e
multiplica nossas capacidades de sofrer e de Aí está a prova. O Puro por excelência
agir, para que nossa dedicação chegue aos foi despido, e os impuros O escarneceram em
extremos do imprevisível, do inverossímil, do sua pureza. E Nosso Senhor resistiu às chaco-
miraculoso. A medida de amar a Deus consis- tas da impureza.
te em amá-Lo sem medidas, disse São Fran- Não parece insignificante que resista à
cisco de Sales. A medida de lutar por Deus chacota quem já resistiu a tantos tormentos?
consiste em lutar sem medidas, diríamos nós. Entretanto, mais esta lição nos era necessária.
Eu, porém, como me canso depressa! Pelo desprezo de uma criada, São Pedro ne-
Nas minhas obras de apostolado, o menor gou. Quantos homens terão abandonado Nos-
sacrifício me detém, o menor esforço me cau- so Senhor pelo medo do ridículo! Pois se há
sa horror, a menor luta me põe em fuga. Gos- gente que vai à guerra expor-se a tiros e mor-
to do apostolado, sim. De um apostolado in- te, para não ser escarnecida como covarde,
teiramente conforme com minhas preferências não é bem exato que há certos homens que
e fantasias, a que me entrego quando quero, têm mais medo de um riso do que de tudo?
como quero, porque quero. E depois julgo ter O Divino Mestre enfrentou o ridículo.
feito a Deus uma imensa esmola. E nos ensinou que nada é ridículo quando está
Mas Deus não se contenta com isto. na linha da virtude e do bem.
Para a Igreja, quer Ele toda a minha vida, quer Ensinai-me, Senhor, a refletir em mim
organização, quer sagacidade, quer intrepidez, a majestade de vosso Semblante e a força de
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vossa perseverança, quando os ímpios quise- rável entre os que são de Deus e os que são do
rem manejar contra mim a arma do ridículo. demônio, entre os que são da Virgem e os que
são da serpente. Luta na qual não há apenas
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
equívoco da inteligência, nem só fraqueza,
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré- mas também maldade, maldade deliberada,
re nostri. culpada, pecaminosa, nas hostes angélicas e
V. Fidélium ánimae per misericordiam humanas que seguem a Satanás.
Dei requiéscant in pace. R. Amen. Eis o que precisa ser dito, comentado,
lembrado, acentuado, proclamado, e mais
XI Estação uma vez lembrado aos pés da Cruz. Pois que
somos tais, e o liberalismo a tal ponto nos
desfigurou, que estamos sempre propensos a
Jesus pregado na Cruz esquecer este aspecto imprescindível da Pai-
xão.
V. Adorámus te Christe et benedícimus Conhecia-o bem a Virgem das Vir-
tibi.
gens, a Mãe de todas as dores, que junto de
R. Quia per sanctam Crucem tuam re- seu Filho participava da Paixão. Conhecia-o
demísti mundum. bem o Apóstolo virgem que aos pés da Cruz
recebeu Maria como Mãe, e com isto teve o
maior legado que jamais foi dado a um ho-
A impiedade escolheu para Vós, meu mem receber. Porque há certas verdades que
Senhor, o pior dos tormentos finais. O pior, Deus reservou para os puros, e nega aos im-
sim, pois que é o que faz morrer lentamente, o puros.
que produz sofrimentos maiores, o que mais
infamava, porque era reservado aos crimino- Minha Mãe, no momento em que até o
bom ladrão mereceu perdão, pedi que Jesus
sos mais abjetos. Tudo foi aparelhado pelo
inferno para Vos fazer sofrer, quer na alma, me perdoe toda a cegueira com que tenho
quer no corpo. Este ódio imenso não contém considerado a obra das trevas que se trama em
para mim alguma lição? Ai de mim, que ja- redor de mim.
mais a compreenderei suficientemente se não Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
chegar a ser santo. Entre Vós e o demônio, V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
entre o bem e o mal, entre a verdade e o erro,
re nostri.
há um ódio profundo, irreconciliável, eterno.
As trevas odeiam a luz, os filhos das trevas V. Fidélium ánimae per misericordiam
odeiam os filhos da luz, a luta entre uns e ou- Dei requiéscant in pace. R. Amen.
tros durará até a consumação dos séculos, e
jamais haverá paz entre a raça da Mulher e a XII Estação
raça da Serpente... Para que se compreenda a
extensão incomensurável, a imensidade deste
ódio, contemple-se tudo quanto ele ousou Jesus morre na Cruz
fazer. É o Filho de Deus que aí está, transfor-
mado, na frase da Escritura, em um leproso V. Adorámus te Christe et benedícimus
no qual nada existe de são, num ente que se tibi.
contorce como um verme sob a ação da dor, R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
detestado, abandonado, pregado numa cruz demísti mundum.
entre dois vulgares ladrões. O Filho de Deus:
que grandeza infinita, inimaginável, absoluta,
se encerra nestas palavras! Eis, entretanto, o Chegou por fim o ápice de todas as
que o ódio ousou contra o Filho de Deus! dores. É um ápice tão alto, que se envolve nas
E toda a História do mundo, toda a nuvens do mistério. Os padecimentos físicos
História da Igreja não é senão esta luta inexo- atingiram seu extremo. Os sofrimentos morais
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alcançaram seu auge. Um outro tormento de- pelo Sangue que verteram de vosso divino
veria ser o cume de tão inexprimível dor: Lado, pela Chaga de vosso Coração, pelas
”Meu Deus, meu Deus, por que Me abando- dores de Maria Santíssima, Jesus, dai-me for-
nastes?” De um certo modo misterioso, o ças para me desapegar das pessoas, das coisas
próprio Verbo Encarnado foi afligido pela que me possam distanciar de Vós. Morram
tortura espiritual do abandono, em que a alma hoje, pregadas na Cruz, todas as amizades,
não tem consolações de Deus. E tal foi este todos os afetos, todas as ambições, todos os
tormento, que Ele, de quem os Evangelistas deleites que de Vós me separavam.
não registraram uma só palavra de dor, profe- Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
riu aquele brado lancinante: ”Meu Deus, meu
Deus, por que Me abandonastes?” V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
re nostri.
Sim, por quê? Por que, se era Ele a
própria inocência? Abandono terrível, seguido V. Fidélium ánimae per misericordiam
da morte e da perturbação de toda a natureza. Dei requiéscant in pace. R. Amen.
O sol se velou. O Céu perdeu seu esplendor.
A Terra estremeceu. O véu do Templo de XIII Estação
rasgou. A desolação cobriu todo o universo.
Por quê? Para remir o homem. Para
destruir o pecado. Para abrir as portas do Céu. Jesus descido da Cruz
O ápice do sofrimento foi o ápice da vitória.
V. Adorámus te Christe et benedícimus
Estava morta a morte. A Terra purificada era
tibi.
como um grande campo desbastado, para que
sobre ela se edificasse a Igreja. R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
demísti mundum.
Tudo isto foi, pois, para salvar. Salvar
os homens. Salvar este homem que sou eu.
Minha salvação custou todo este preço. E eu O repouso do Sepulcro Vos aguarda,
não regatearei mais sacrifício algum para as- Senhor. Nas sombras da morte, abris o Céu
segurar salvação tão preciosa. Pela água e aos justos do limbo, enquanto na Terra, em
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torno de vossa Mãe, se reúnem uns poucos R. Quia per sanctam Crucem tuam
fiéis para Vos tributar honras funerárias. Há redemísti mundum.
no silêncio destes instantes uma primeira cla-
ridade de esperança que nasce. Estas primei-
ras homenagens que Vos são prestadas são o Correu-se a laje. Parece tudo acabado.
marco inaugural de uma série de atos de amor É o momento em que tudo começa. É o
da humanidade redimida, que se prolongarão reagrupamento dos Apóstolos. É o renascer
até o fim dos séculos. das dedicações, das esperanças. A Páscoa se
aproxima.
Quadro de dor, de desolação, mas de
muita paz. Quadro em que se pressagia algo Ao mesmo tempo, o ódio dos inimigos
de triunfal nos cuidados indizíveis com que ronda em torno do sepulcro e de Maria
vosso divino Corpo é tratado. Santíssima e dos Apóstolos.
Sim, aquelas almas piedosas se Mas Eles não temem. E em pouco
condoíam, mas algo nelas lhes fazia pressentir raiará a manhã da Ressurreição.
em Vós o Triunfador glorioso. Possa também eu, Senhor Jesus, não
Possa eu também, Senhor, nas grandes temer. Não temer quando tudo parecer
desolações da Igreja, ser sempre fiel, estar perdido irremediavelmente. Não temer
presente nas horas mais tristes, conservando quando todas as forças da Terra parecerem
inabalável a certeza de que vossa Esposa postas em mãos de vossos inimigos. Não
triunfará pela fidelidade dos bons, pois que A temer porque estou aos pés de Nossa Senhora,
assiste a vossa proteção. junto da qual se reagruparão sempre, e sempre
mais uma vez, para novas vitórias, os
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri. verdadeiros seguidores da vossa Igreja.
V. Miserére nostri Dómine. R. Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
Miserére nostri.
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
V. Fidélium ánimae per misericordiam re nostri.
Dei requiéscant in pace. R. Amen.
V. Fidélium ánimae per misericordiam
Dei requiéscant in pace. R. Amen.
XIV Estação

Jesus posto no sepulcro

V. Adorámus te Christe et benedícimus


tibi.

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