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Via Sacra
Mesmo neste momento, quisestes con- hostis a Jesus Cristo? Não é bem verdade que
tinuar vossa Paixão para salvar os homens. se constrói todo um mundo, toda uma civili-
Que homens? Todos, inclusive os que ali es- zação baseada sobre a negação de Jesus Cris-
tavam, aumentando de todos os modos a vos- to? Não é bem verdade que Nossa Senhora
sa dor. falou em Fátima apontando todos estes peca-
dos e pedindo penitência?
Em meu apostolado, Senhor, deverei
continuar mesmo quando todas as minhas Entretanto, onde está essa penitência?
obras estiverem por terra, mesmo quando to- Quantos são os que realmente vêem o pecado
dos se conjugarem para atacar-me, mesmo e procuram apontá-lo, denunciá-lo, combatê-
quando a ingratidão e a perversidade daqueles lo, disputar-lhe passo a passo o terreno, erguer
a quem quis fazer bem se voltem contra mim. contra ele toda uma cruzada de idéias, de atos,
de viva força se necessário for? Quantos são
Não terei a fraqueza de mudar de ca-
capazes de desfraldar o estandarte da ortodo-
minho para agradá-los. Minhas vias só podem
xia absoluta e sem jaça, nos próprios lugares
ser as vossas, isto é, as vias da ortodoxia, da
onde pompeia a impiedade, ou a piedade fal-
pureza, da austeridade. Mas, nos vossos ca-
sa? Quantos são os que vivem em união com
minhos sofrerei por eles. E unidas as minhas
a Igreja este momento que é trágico como
dores imperfeitas à vossa dor perfeita, à vossa
trágica foi a Paixão, este momento crucial da
dor infinitamente preciosa, continuarei a lhes
História, em que uma humanidade inteira está
fazer bem. Para que se salvem, ou para que as
escolhendo por Cristo ou contra Cristo?
graças rejeitadas se acumulem sobre eles co-
mo brasas ardentes, clamando por punição. Ah, meu Deus, quantos míopes que
Foi o que fizestes com o povo deicida, e com preferem não ver nem pressentir a realidade
todos aqueles que até o fim Vos rejeitaram. que lhes entra olhos adentro! Quanta calmari-
a, quanto bem-estar miúdo, quanta pequena
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
delícia rotineira! Quanto saboroso prato de
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré- lentilhas a comer!
re nostri.
Dai-me, Jesus, a graça de não ser deste
V. Fidélium ánimae per misericordiam número. A graça de seguir vosso conselho,
Dei requiéscant in pace. R. Amen. isto é, de chorar por nós e pelos nossos. Não
de um choro estéril, mas de um pranto que se
VIII Estação verte aos vossos pés, e que, fecundado por
Vós, se transforma para nós em perdão, em
energias de apostolado, de luta, de intrepidez.
Jesus consola as filhas de Je- Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
rusalém
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
V. Adorámus te Christe et benedícimus re nostri.
tibi. V. Fidélium ánimae per misericordiam
R. Quia per sanctam Crucem tuam re- Dei requiéscant in pace. R. Amen.
demísti mundum.
IX Estação
Não faltaram então almas boas, que
percebiam a enormidade do pecado que se Jesus cai pela terceira vez
praticava, e temiam a justiça divina.
V. Adorámus te Christe et benedícimus
Não presencio eu algum pecado as-
tibi.
sim? Hoje em dia, não é bem verdade que o
Vigário de Cristo é desobedecido, abandona- R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
do, traído? Não é bem verdade que as leis, as demísti mundum.
instituições, os costumes são cada vez mais
Catolicismo Nº 3 – Março de 1951 – Via Sacra 7
Estais, Senhor meu, mais cansado, quer a inocência da pomba mas a astúcia da
mais depauperado, mais chagado, mais exan- serpente, a doçura da ovelha mas a cólera
gue do que nunca. Que Vos espera? Chegas- irresistível e avassaladora do leão. Se for pre-
tes ao termo? Não. Precisamente o pior está ciso sacrificar carreira, amizades, vínculos de
para suceder. O crime mais atroz ainda está parentesco, vaidades mesquinhas, hábitos
para ser praticado. As dores maiores ainda inveterados, para servir a Nosso Senhor, devo
estão por serem sofridas. Estais por terra pela fazê-lo. Pois que este passo da Paixão me
terceira vez e, entretanto, tudo isto que ficou ensina que a Deus devemos dar tudo, absolu-
para trás não é senão um prefácio. E eis que tamente tudo, e depois de ter dado tudo ainda
Vos vejo novamente movendo este Corpo que devemos dar nossa própria vida.
é todo ele uma chaga. O que parecia impossí- Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
vel se opera, e mais uma vez Vos pondes de
pé lentamente, se bem que cada movimento V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
seja para Vós mais uma dor. Eis-Vos, Senhor, re nostri.
ereto ainda uma vez... com vossa Cruz. Sou- V. Fidélium ánimae per misericordiam
bestes encontrar novas forças, novas energias, Dei requiéscant in pace. R. Amen.
e continuais. Três quedas, três lições iguais de
perseverança, cada qual mais pungente e mais
expressiva que a outra. X Estação
Por que tanta insistência? Porque é in-
sistente nossa covardia. Resolvemo-nos a Jesus despojado de suas vestes
tomar nossa cruz, mas a covardia volta sem-
pre à carga. E para que ela ficasse sem pretex- V. Adorámus te Christe et benedícimus
tos em nossa fraqueza, quisestes Vós mesmo tibi.
repetir três vezes a lição. R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
Sim, nossa fraqueza não pode servir- demísti mundum.
nos de pretexto. A graça, que Deus nunca
recusa, pode o que as forças meramente natu-
rais não poderiam. Tudo, sim, absolutamente tudo. Até
vergonha devemos sofrer por amor de Deus e
Deus quer ser servido até o último a- para a salvação das almas.
lento, até a extenuação da última energia, e
multiplica nossas capacidades de sofrer e de Aí está a prova. O Puro por excelência
agir, para que nossa dedicação chegue aos foi despido, e os impuros O escarneceram em
extremos do imprevisível, do inverossímil, do sua pureza. E Nosso Senhor resistiu às chaco-
miraculoso. A medida de amar a Deus consis- tas da impureza.
te em amá-Lo sem medidas, disse São Fran- Não parece insignificante que resista à
cisco de Sales. A medida de lutar por Deus chacota quem já resistiu a tantos tormentos?
consiste em lutar sem medidas, diríamos nós. Entretanto, mais esta lição nos era necessária.
Eu, porém, como me canso depressa! Pelo desprezo de uma criada, São Pedro ne-
Nas minhas obras de apostolado, o menor gou. Quantos homens terão abandonado Nos-
sacrifício me detém, o menor esforço me cau- so Senhor pelo medo do ridículo! Pois se há
sa horror, a menor luta me põe em fuga. Gos- gente que vai à guerra expor-se a tiros e mor-
to do apostolado, sim. De um apostolado in- te, para não ser escarnecida como covarde,
teiramente conforme com minhas preferências não é bem exato que há certos homens que
e fantasias, a que me entrego quando quero, têm mais medo de um riso do que de tudo?
como quero, porque quero. E depois julgo ter O Divino Mestre enfrentou o ridículo.
feito a Deus uma imensa esmola. E nos ensinou que nada é ridículo quando está
Mas Deus não se contenta com isto. na linha da virtude e do bem.
Para a Igreja, quer Ele toda a minha vida, quer Ensinai-me, Senhor, a refletir em mim
organização, quer sagacidade, quer intrepidez, a majestade de vosso Semblante e a força de
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vossa perseverança, quando os ímpios quise- rável entre os que são de Deus e os que são do
rem manejar contra mim a arma do ridículo. demônio, entre os que são da Virgem e os que
são da serpente. Luta na qual não há apenas
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
equívoco da inteligência, nem só fraqueza,
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré- mas também maldade, maldade deliberada,
re nostri. culpada, pecaminosa, nas hostes angélicas e
V. Fidélium ánimae per misericordiam humanas que seguem a Satanás.
Dei requiéscant in pace. R. Amen. Eis o que precisa ser dito, comentado,
lembrado, acentuado, proclamado, e mais
XI Estação uma vez lembrado aos pés da Cruz. Pois que
somos tais, e o liberalismo a tal ponto nos
desfigurou, que estamos sempre propensos a
Jesus pregado na Cruz esquecer este aspecto imprescindível da Pai-
xão.
V. Adorámus te Christe et benedícimus Conhecia-o bem a Virgem das Vir-
tibi.
gens, a Mãe de todas as dores, que junto de
R. Quia per sanctam Crucem tuam re- seu Filho participava da Paixão. Conhecia-o
demísti mundum. bem o Apóstolo virgem que aos pés da Cruz
recebeu Maria como Mãe, e com isto teve o
maior legado que jamais foi dado a um ho-
A impiedade escolheu para Vós, meu mem receber. Porque há certas verdades que
Senhor, o pior dos tormentos finais. O pior, Deus reservou para os puros, e nega aos im-
sim, pois que é o que faz morrer lentamente, o puros.
que produz sofrimentos maiores, o que mais
infamava, porque era reservado aos crimino- Minha Mãe, no momento em que até o
bom ladrão mereceu perdão, pedi que Jesus
sos mais abjetos. Tudo foi aparelhado pelo
inferno para Vos fazer sofrer, quer na alma, me perdoe toda a cegueira com que tenho
quer no corpo. Este ódio imenso não contém considerado a obra das trevas que se trama em
para mim alguma lição? Ai de mim, que ja- redor de mim.
mais a compreenderei suficientemente se não Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
chegar a ser santo. Entre Vós e o demônio, V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
entre o bem e o mal, entre a verdade e o erro,
re nostri.
há um ódio profundo, irreconciliável, eterno.
As trevas odeiam a luz, os filhos das trevas V. Fidélium ánimae per misericordiam
odeiam os filhos da luz, a luta entre uns e ou- Dei requiéscant in pace. R. Amen.
tros durará até a consumação dos séculos, e
jamais haverá paz entre a raça da Mulher e a XII Estação
raça da Serpente... Para que se compreenda a
extensão incomensurável, a imensidade deste
ódio, contemple-se tudo quanto ele ousou Jesus morre na Cruz
fazer. É o Filho de Deus que aí está, transfor-
mado, na frase da Escritura, em um leproso V. Adorámus te Christe et benedícimus
no qual nada existe de são, num ente que se tibi.
contorce como um verme sob a ação da dor, R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
detestado, abandonado, pregado numa cruz demísti mundum.
entre dois vulgares ladrões. O Filho de Deus:
que grandeza infinita, inimaginável, absoluta,
se encerra nestas palavras! Eis, entretanto, o Chegou por fim o ápice de todas as
que o ódio ousou contra o Filho de Deus! dores. É um ápice tão alto, que se envolve nas
E toda a História do mundo, toda a nuvens do mistério. Os padecimentos físicos
História da Igreja não é senão esta luta inexo- atingiram seu extremo. Os sofrimentos morais
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alcançaram seu auge. Um outro tormento de- pelo Sangue que verteram de vosso divino
veria ser o cume de tão inexprimível dor: Lado, pela Chaga de vosso Coração, pelas
”Meu Deus, meu Deus, por que Me abando- dores de Maria Santíssima, Jesus, dai-me for-
nastes?” De um certo modo misterioso, o ças para me desapegar das pessoas, das coisas
próprio Verbo Encarnado foi afligido pela que me possam distanciar de Vós. Morram
tortura espiritual do abandono, em que a alma hoje, pregadas na Cruz, todas as amizades,
não tem consolações de Deus. E tal foi este todos os afetos, todas as ambições, todos os
tormento, que Ele, de quem os Evangelistas deleites que de Vós me separavam.
não registraram uma só palavra de dor, profe- Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
riu aquele brado lancinante: ”Meu Deus, meu
Deus, por que Me abandonastes?” V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
re nostri.
Sim, por quê? Por que, se era Ele a
própria inocência? Abandono terrível, seguido V. Fidélium ánimae per misericordiam
da morte e da perturbação de toda a natureza. Dei requiéscant in pace. R. Amen.
O sol se velou. O Céu perdeu seu esplendor.
A Terra estremeceu. O véu do Templo de XIII Estação
rasgou. A desolação cobriu todo o universo.
Por quê? Para remir o homem. Para
destruir o pecado. Para abrir as portas do Céu. Jesus descido da Cruz
O ápice do sofrimento foi o ápice da vitória.
V. Adorámus te Christe et benedícimus
Estava morta a morte. A Terra purificada era
tibi.
como um grande campo desbastado, para que
sobre ela se edificasse a Igreja. R. Quia per sanctam Crucem tuam re-
demísti mundum.
Tudo isto foi, pois, para salvar. Salvar
os homens. Salvar este homem que sou eu.
Minha salvação custou todo este preço. E eu O repouso do Sepulcro Vos aguarda,
não regatearei mais sacrifício algum para as- Senhor. Nas sombras da morte, abris o Céu
segurar salvação tão preciosa. Pela água e aos justos do limbo, enquanto na Terra, em
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torno de vossa Mãe, se reúnem uns poucos R. Quia per sanctam Crucem tuam
fiéis para Vos tributar honras funerárias. Há redemísti mundum.
no silêncio destes instantes uma primeira cla-
ridade de esperança que nasce. Estas primei-
ras homenagens que Vos são prestadas são o Correu-se a laje. Parece tudo acabado.
marco inaugural de uma série de atos de amor É o momento em que tudo começa. É o
da humanidade redimida, que se prolongarão reagrupamento dos Apóstolos. É o renascer
até o fim dos séculos. das dedicações, das esperanças. A Páscoa se
aproxima.
Quadro de dor, de desolação, mas de
muita paz. Quadro em que se pressagia algo Ao mesmo tempo, o ódio dos inimigos
de triunfal nos cuidados indizíveis com que ronda em torno do sepulcro e de Maria
vosso divino Corpo é tratado. Santíssima e dos Apóstolos.
Sim, aquelas almas piedosas se Mas Eles não temem. E em pouco
condoíam, mas algo nelas lhes fazia pressentir raiará a manhã da Ressurreição.
em Vós o Triunfador glorioso. Possa também eu, Senhor Jesus, não
Possa eu também, Senhor, nas grandes temer. Não temer quando tudo parecer
desolações da Igreja, ser sempre fiel, estar perdido irremediavelmente. Não temer
presente nas horas mais tristes, conservando quando todas as forças da Terra parecerem
inabalável a certeza de que vossa Esposa postas em mãos de vossos inimigos. Não
triunfará pela fidelidade dos bons, pois que A temer porque estou aos pés de Nossa Senhora,
assiste a vossa proteção. junto da qual se reagruparão sempre, e sempre
mais uma vez, para novas vitórias, os
Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri. verdadeiros seguidores da vossa Igreja.
V. Miserére nostri Dómine. R. Pater Noster. Ave Maria. Gloria Patri.
Miserére nostri.
V. Miserére nostri Dómine. R. Miseré-
V. Fidélium ánimae per misericordiam re nostri.
Dei requiéscant in pace. R. Amen.
V. Fidélium ánimae per misericordiam
Dei requiéscant in pace. R. Amen.
XIV Estação