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ricardo reis
fernando pessoa
edição de
jerónimo pizarro · jorge uribe
coordenador da colecção
jerónimo pizarro
LISBOA
tinta-da-china
mmx v i
© Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe, 2016
isbn 978‑989‑671‑345‑4
depósito legal n.º 415 911/16
índice
apresentação • 9
poesia
1. odes • 35
2. athena • 73
3. presença • 87
4. outras odes e poemas • 95
anexos • 177
prosa
1. prefácio ao livro odes • 199
2. prefácio a alberto caeiro • 207
3. outros textos • 285
anexos • 335
notas • 375
ordem topográfica das cotas • 495
índice dos primeiros versos • 499
índice onomástico • 505
bibliografia • 507
notas biográficas • 511
apresentação
j erón i m o p i z a rro
j org e u ri be
Comecemos pela icção e pela versão que nos é mais familiar.
Ricardo Reis, segundo Fernando Pessoa, foi um médico que «nasceu
em 1887 (não me lembro do dia e mez, mas tenho‑os algures), no
Porto […] um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte [do
que Caeiro]»; esse médico, de «um vago moreno mate», teria sido
«educado num collegio de jesuitas» – foi «um latinista por educa‑
ção alheia, e um semi‑hellenista por educação propria» – e teria
saído de Portugal para ir residir no Brasil, expatriando‑se volun‑
tariamente, em 1919, «por ser monarchico» (cf. Pessoa, 2013c,
pp. 648‑649), o que permite supor que o poeta de «Os jogadores
de xadrez» (83) não se manteve alheio à tentativa de restauração da
monarquia ocorrida no Norte do país. Reis terá nascido em 1887,
um ano antes de Pessoa, mas terá tido um segundo nascimento, na
alma deste, em 1912 (ou antes), quando primeiro se esboçou, e um
terceiro nascimento, mais concreto, em 1914, quando inalmente
surgiu. Pessoa dá a entender que o surgimento quase mediúnico
de Reis foi contemporâneo do aparecimento quase milagroso de
Alberto Caeiro e da irrupção quase triunfal de Álvaro de Campos,
embora Caeiro tenha surgido em Março de 1914, e Campos e Reis
por volta de Junho do mesmo ano. Mas o mais relevante do relato
de Pessoa – o famoso relato da carta de 13 de Janeiro de 1935 – não
é tanto a precisão das datas, mas a informação que fornece acerca
de uma igura – Reis – que já vivia, nessa altura, há pelo menos 20
anos e meio na alma em que tinha surgido, e que, em princípio, já
podia ser descrita com alguma segurança, mesmo que faltasse ainda
11
projecto de odes ricardinas, início de 1917 (48g-21 r)
Mestre, são placidas 1
12-6-1914
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdel-as,
5 Qual n’uma jarra,
Nós pômos lores.
Não ha tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
10 Assim saibamos,
Sabios incautos,
Não a viver,
Mas decorrel‑a,
Tranquillos, placidos,
15 Tendo as creanças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza…
Á beira‑rio,
20 Á beira‑estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
37
testemunho dactilografado das «três odes» (51-54 r)
nas margens: «emquanto eu vir o sol luzir nas folhas»
Não só vinho, mas nelle o olvido, deito 62
13-6-1926
Na taça: serei ledo, porque a dita
É ignara. Quem, lembrando
Ou prevendo, sorrira?
5 Dos brutos, não a vida, senão a alma,
Consigamos, pensando; recolhidos
No impalpavel destino
Que não spera nem lembra.
Com mão mortal elevo á mortal bocca
10 Em fragil taça o passageiro vinho,
Baços os olhos feitos
Para deixar de ver.
91
«que mais que um ludo ou jogo é a extensa vida,» (52-26 r)
Rasteja molle pelos campos ermos 208
27-2-1933
O vento socegado.
Mais parece tremer de um tremor proprio,
Que do vento, o que é herva.
5 E se as nuvens no céu, brancas e altas,
Se movem, mais parecem
Que gira a terra rapida e ellas passam,
Por muito altas, lentas.
Aqui neste socego dilatado
10 Me esquecerei de tudo,
Nem hospede será do que conheço
A vida que deslembro.
Assim meus dias seu decurso falso
Gosarão verdadeiro.
17 1
• 28. O deus Pan não morreu 7 12-6-14.
• 29. De Apollo o carro rodou p’ra fóra 8 12-6-14.
• 30. A pallidez do dia é levemente dourada 15 19-6-14 ________
• 31. Ao longe os montes teem neve ao sol 6 16-6-14. ________
• 32. Não tenhas nada nas mãos 4 19-6-14.
• 33. Vem sentar-te commigo, Lydia,
á beira do rio 12 12-6-14.
• 34. Sabio é o que se contenta com o
espectaculo do mundo 9 19-6-14.
• 35. Só o ter lores pela vista fóra 16‑6‑14. ________
• 36. Neera, passeemos junctos 20 12‑6‑14.
188 f er nand o p e s s oa
XVII. Da nossa similhança1 com os deuses…
XVIII. Cuidas tu, louro Flacco, que apertando…
— XIX. O mar jaz. Gemem em segredo os ventos…
XX. Neera, passeemos junctos…
XXI. Não pra mim, mas pra ti teço as grinaldas…
XXII. Vós que, crentes em Christos e Marias…
XXIII. Não como ante donzella, ou mulher viva…
XXIV. Só esta liberdade nos concedem…
— XXV. O rhythmo antigo que ha nos pés descalços…2
XXVI. Não porque os deuses indaram, alva Lydia, chóro…
XXVII. Passando a vida em ver passar a de outros…
XXVIII. Deixemos, Lydia, a sciencia, que não põe…
XXIX. Neste dia em que os campos são de Apollo…
XXX. É tão suave a fuga d’este dia…
XXXI. Acima da verdade estão os deuses…
— XXXII. Não consentem os deuses mais que a vida…
— XXXIII. As rosas amo dos jardins de Adonis…
XXXIV. Antes de nós nos mesmos arvoredos…
XXXV. Cada cousa a seu tempo tem seu tempo…
XXXVI. Boccas rôxas de vinho…
XXXVII. Tirem‑me os deuses em seu arbitrio…
XXXVIII. Feliz aquelle3 a quem a vida grata…
XXXIX. Olho os campos, Neera…
XL. Deixa passar o vento…
— (ultima ode — Só o ter lores pela vista fóra…)
310 f er nand o p e s s oa
«a religião é uma metaphysica recreativa» (52A-32 r)
Registam-se aqui as variações de cada texto a partir dos originais do espólio de
Fernando Pessoa (Biblioteca Nacional de Portugal/Espólio n.Ø 3; BNP/E3). Nas
notas podem ocorrer os símbolos seguintes, também utilizados na edição crítica
das obras do autor:
◊ espaço deixado em branco pelo autor
* leitura conjecturada
† palavra ilegível
// passagem dubitada pelo autor
<> segmento autógrafo riscado
<>/\ substituição por superposição
<>[↑ ] substituição por riscado e acrescento
[↑ ] acrescento na entrelinha superior
[↓ ] acrescento na entrelinha inferior
[→ ] acrescento na margem direita
[← ] acrescento na margem esquerda
Nesta secção, as palavras dos editores iguram em tipo itálico.
3 76 f er nand o p e s s oa
1 5 A <Como em> [↑ Qual n’]uma jarra,
[51‑9r] [51‑1r] [Anexo 66‑75av] B Qual n’uma jarra,
Poema inicial do projecto de 1917 dactilografado 6 A <Collocamos lores…>[↓ Nós pômos
(48G-21r) e número 25 da versão manuscrita lores] B Nós pômos lores.
desse mesmo projecto (48G-20r). Existem dois 9 A <Que valham> [↑ Na nossa vida…]
testemunhos completos: A (51-1r), com título, B Na nossa vida.
«A A. Caeiro», assinatura, «R. Reis», e data, 11 A verso inexistente. B Sabios incautos,
«12/6/14», manuscrito a tinta preta em meia 12 A Não a viver… B Não a viver,
folha de papel com a marca-d’água Wisconsin 18 A De natureza… B De Natureza…
Bond | MMC; e B (51-9r), sob o título geral 24 A De estar vivendo…
«Algumas odes de Ricardo Reis.| Do livro i. das B De estar vivendo.
“Odes”, provavelmente», e sob o número de ordem 26 A Não nos diz nada…
«i.», sem título, sem assinatura, mas com data, B Não nos diz nada.
«(12-6-14)», dactilografado a tinta roxa numa 27 A Envelhecemos… B Envelhecemos.
folha de papel com marca-d’água Wisconsin 29 A Obedientes, B Maliciosos,
Bond | MMC, que forma, com as folhas 51- 30 A Sentir‑nos ir… B Sentir‑nos ir.
-10r a 51-13r, um conjunto que contém 11 odes 32 A Fazer um gesto… B Fazer um gesto.
ricardianas numeradas de «i.» a «xi.». E existe 34 A Ao Deus atroz B Ao deus atroz
um testemunho parcial, 66-75av (ver anexo 1), 41 A Para <trazermos> [↑ aprendermos]
com os cinco primeiros versos da ode, manuscritos B Para aprendermos
a tinta preta num bifólio de papel timbrado do 42 A Calma tambem… B Calma tambem.
Cafe Chave D’ouro de Lisboa, com a indicação 45 A <E temos t> [↓ Da vida <vamos>
inicial, sublinhada, «A Alberto Caeiro». Em ↑ iremos] B Da vida iremos
66-75av também se encontra um texto em prosa
intitulado «Como a terra pode ser plana» (anexo A N E XO 1
2), um poema intitulado «A Christo» (anexo [66‑75av — ms. e riscado]
37 7
obra completa
de ricardo reis
foi composto em caracteres filosofia
e verlag, e impresso na eigal, artes gráficas,
sobre papel coral book de 80 g/m2,
no mês de outubro de 2016.