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Teste Sumativo de Português |12º ano | 2020

Duraçã o: 90 minutos.

GRUPO I

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Parte A

E no dog-cart¨1, com aquela linda égua, a Tunante, ou no faetonte2 com que maravilhava Lisboa,
Carlos lá partia em grande estilo para a Baixa, para “o trabalho”.
O seu gabinete, no consultó rio, dormia numa paz tépida entre os espessos veludos escuros, na
penumbra que faziam os estores de seda verde corridos. Na sala, porém, as três janelas abertas
5 bebiam à farta a luz; tudo ali parecia festivo; as poltronas em torno da jardineira 3 estendiam os seus
braços, amá veis e convidativos; o teclado branco do piano ria e esperava, tendo abertas por cima as
Canções de Gounod; mas nã o aparecia jamais um doente. E Carlos - exatamente como o criado que, na
ociosidade da antecâ mara, dormitava sob o Diário de Notícias, acaçapado4 na banqueta - acendia um
cigarro Laferme, tomava uma revista, e estendia-se no divã. A prosa, porém, dos artigos estava corno
10 embebida do tédio moroso do gabinete: bem depressa bocejava, deixava cair o volume.
Do Rossio, o ruído das carroças, os gritos errantes de pregõ es, o rolar dos americanos, subiam,
numa vibraçã o mais clara, por aquele ar fino de novembro: uma luz macia, escorregando docemente
do azul-ferrete, vinha dourar as fachadas enxovalhadas, as copas mesquinhas das á rvores do
município, a gente vadiando pelos bancos: e essa sussurraçã o lenta de cidade preguiçosa, esse ar
15 aveludado de clima rico, pareciam ir penetrando pouco a pouco naquele abafado gabinete e
resvalando pelos veludos pesados, pelo verniz dos mó veis, envolver Carlos numa indolência e numa
dormência...Com a cabeça na almofada, fumando, ali ficava, nessa quietaçã o de sesta, num cismar que
se ia desprendendo, vago e ténue, como o ténue e leve fumo que se eleva de uma braseira meio
apagada; até que, com um esforço, sacudia este torpor, passeava na sala, abria aqui e além pelas
20 estantes um livro, tocava no piano dois compassos de valsa, espreguiçava-se - e, com os olhos nas
flores do tapete, terminava por decidir que aquelas duas horas de consultó rio eram estú pidas!
- Está aí o carro? - ia perguntar ao criado.
Acendia bem depressa outro charuto, calçava as luvas, descia, bebia um largo sorvo de luz e ar,
tornava as guias e largava, murmurando consigo:
25 - Dia perdido!
Queiró s, Eça de, Op. Cit. [pp.108-109]

ESCOLA SECUNDÁRIA DE FELGUEIRAS 1


1. Dog-cart: viatura usada para transportar a aristocracia. 2. Faetonte: carruagem ligeira e descoberta. 3. Jardineira:
mó vel onde se colocam flores ou objetos de adorno. 4. Acaçapada: encolhido.

1. Explicite as relaçõ es que se estabelecem entre as pessoas que se encontram nos dois espaços descritos – o
consultó rio e o Rossio.

2. Complete as afirmaçõ es abaixo apresentadas, selecionando a opçã o adequada a cada espaço. Na folha de
respostas, registe apenas as letras – a), b), c) e d)– e, para cada uma delas, o nú mero que corresponde à
opçã o selecionada em cada um dos casos.

No excerto de Os Maias, a referência à luz é um dos recursos utilizados para caracterizar o consultó rio de
Carlos e o Rossio. No primeiro caso, marca a _______a)_________ entre o consultó rio e a sala de espera, como o
confirmam as expressõ es _________b)__________, evidenciando a _________c)_________ de Carlos e o luxo do
consultó rio. No segundo caso, realça a decadência da cidade (______d)_______).
a) b) c) d)
1. Oposiçã o 1. “paz tépida”(l.3) e “tudo ali parecia 1. Atividade 1. “uma luz macia
2. Semelhança festivo” (l.5) 2. Inércia escorregando” (l.12)
3. Continuidade 2. “penumbra” (ll.3-4) e “as três 3. Dedicaçã o 2. “as fachadas
janelas abertas bebiam à farta a luz” enxovalhadas” (l.13)
(ll.4-5) 3. “ar aveludado de clima
3. “espessos veludos” (l.3) e “teclado rico” (ll. 14-15)
branco” (l.6)
Parte B

Cristalizações
(…)
E nesse rude mês, que nã o consente flores,
Fundeiam, como a esquadra em fria paz,
As á rvores despidas. Só brias cores!
Mastros, enxá rcias, vergas! Valadores
5 Atiram terra com largas pá s.

Eu julgo-me no Norte, ao frio – o grande agente! –


Carros de mã o, que chiam carregados,
Conduzem saibro, vagarosamente;
Vê-se a cidade, mercantil, contente:
10 Madeiras, á guas, multidõ es, telhados!

Negrejam os quintais; enxuga a alvenaria;


Em arco, sem as nuvens flutuantes,
O céu renova a tinta corredia;
E os charcos brilham tanto, que eu diria
15 Ter ante mim lagoas de brilhantes!

E engelhem, muito embora, os fracos, os tolhidos,


Eu tudo encontro alegremente exato.
Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me, excitados, sacudidos,
20 O tato, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato!

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Pede-me o corpo inteiro esforços na friagem
De tã o lavada e igual temperatura!
Os ares, o caminho, a luz reagem;
Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem;
25 Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.

Mal-encarado e negro, um para enquanto eu passo,


Dois assobiam, altas marretas
Possantes, grossas, temperadas d’aço;
E um gordo, o mestre, com um ar ralasso
30 E manso, tira o nível das valetas.

Homens de carga! Assim as bestas vã o curvadas!


Que vida tã o custosa! Que diabo!
E os cavadores pousam as enxadas,
E cospem nas calosas mã os gretadas,
35 Para que nã o lhes escorregue o cabo.

Povo! No pano cru rasgado das camisas


Uma bandeira penso que transluz!
Com ela sofres, bebes, agonizas;
Listrõ es de vinho lançam-lhe divisas,
40 E os suspensó rios traçam-lhe uma cruz! (…)
Cesário Verde, Cânticos do Realismo e Outros Poemas, ed. Teresa Sobral da Cunha,
Lisboa: Reló gio D’Á gua, 2006, pp. 123-124.

3. Refira de que forma o sujeito poético, com a sua “visã o de artista”, transfigura a realidade.

4. Demonstre que, no seu deambular, o “eu” recorre a impressõ es dos diversos sentidos.

5. Nas estrofes quatro e cinco, o sujeito autocaracteriza-se. Destaque as características aí evidentes.

6. Identifique a figura de estilo evidente nos versos 24-25 “Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem;/
Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura.”, comentando a sua expressividade.

Parte C

7. Na poesia de Antero de Quental, um dos temas presentes é a angú stia existencial. Escreva uma breve
exposiçã o na qual comprove esta afirmaçã o, baseando-se na sua experiência de leitura.
A sua exposiçã o deve incluir:
• uma introduçã o ao tema;
• um desenvolvimento no qual confirme a presença dessa angú stia, justificando-a;
• uma conclusã o adequada ao desenvolvimento do tema.

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GRUPO II

Ecos de Camões em Cesário Verde

No cerne do poema épico de Camõ es está o mar, espaço percorrido pelas naus de Vasco da Gama,
mas também cená rio mítico em que decorrem os vá rios planos da narraçã o que complexificam a
temá tica do texto, fazendo da viagem à Índia a jornada simbó lica em que Camõ es retrata a saga dos
Lusíadas. (…)
5 O mar das navegaçõ es é para o autor d’Os Lusíadas o símbolo ambíguo de Portugal (…). O tempo
passado vê-se elevado à categoria simbó lica do Bem absoluto, com a gló ria, a harmonia e o ideal
coletivo por corolá rios; e o mar é o espaço da viagem aventurosa em busca de novos mundos, é a
possibilidade de partir, levando a outros lugares a energia positiva dos navegadores e do povo que
eles representam.
10 Uma tal perspetiva, que coloca a par a visã o épica e positivada do passado com um presente
decetivo e de impasse, tem mú ltiplos ecos na histó ria literá ria nacional. Detenhamo-nos por agora
em dois exemplos disso, colhidos em textos de fins de oitocentos, período em que retorna essa
memó ria do passado histó rico, como via da busca de um esteio que sustente o presente de
inquietaçã o e de mudança: tomemos “O Sentimento dum Ocidental” de Cesá rio Verde (…).
15 O poema de Cesá rio foi publicado no nú mero Portugal a Camõ es do Jornal de Viagens de 10 de
junho de 1880, uma das ediçõ es comemorativas de um centená rio que erigira Os Lusíadas e o épico
em porta-bandeiras do nacionalismo; tal perspetiva nã o atraía o poeta de “O Sentimento dum
Ocidental”, que se situa à margem do tom laudató rio e exaltado de outros seus contemporâ neos.
Com efeito, Cesá rio trabalhará a sua homenagem no arame frá gil do paradoxo, tratando os temas da
20 épica (o mar, a viagem, o heró i) por um prisma decetivo.
O mar está presente como elemento espacial, situando desde o título o sujeito do poema como um
ocidental, oriundo das mesmas mas tã o mudadas praias que viram partir os descobridores; na
primeira secçã o, o sujeito desloca-se ao longo dos cais que figuram a possibilidade de partir, sim,
mas para outros – nã o para o “eu” errante, só , presa de um spleen [tédio] que lhe faz sentir como
25 fechado um espaço fisicamente aberto. Esse tema estende-se ao modo como é vista a gare de onde
partem os outros, “Felizes!”, para o mundo mítico da Europa cosmopolita (“Madrid, Paris, Berlim, S.
Petersburgo, o mundo!, I, 3”); notemos também como aos cais do presente, herdeiros daqueles de
que partiram as naus das Descobertas, se atracam agora botes (I, 5), caricaturas dessa grandiosidade
perdida, ou como a partir deles se avista ao largo “o couraçado inglês” (I, 7) que representa o
30 poderio estrangeiro e assinala a decadência e a impotência da pá tria. (…)
Paula Morã o, “Ecos de Camõ es em Cesá rio Verde e em Nobre”, in Româ nica, Revista de Literatura, n.º 1/2,
Lisboa: Ed. Cosmos, 1992, p. 27.

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1. O mar é, n’Os Lusíadas,

(A) simultaneamente, um espaço real e perigoso.

(B) um espaço com duplo significado: real e simbó lico.

(C) o espaço que permite a concretizaçã o de um sonho pessoal.

(D) um espaço desejado, mas nunca navegado.

2. Cesá rio Verde homenageia Camõ es

(A) num tom elogioso e elevado.

(B) comungando a perspetiva nacionalista das comemoraçõ es de Os Lusíadas.

(C) ao publicar a sua obra literá ria.

(D) de modo marginal ao dos seus contemporâ neos.

3. O “Sentimento dum Ocidental” adota uma perspetiva

(A) subversiva do imaginá rio épico.

(B) épica, de açõ es grandiosas e heró is sublimes.

(C) eufó rica para exaltar os antigos heró is nacionais.

(D) pessimista causada pela sua fragilidade.

4. “Cesá rio Verde”, “Cesá rio” e o “poeta de ‘O Sentimento dum Ocidental’” contribuem

(A) para a coesã o interfá sica.

(B) para a coesã o referencial.

(C) para a coesã o frá sica.

(D) para a coesã o lexical.

5. Na frase “para o mundo mítico da Europa cosmopolita (“Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo,” ll. 26-27),
os vocá bulos sublinhados mantêm entre si uma relaçã o semâ ntica de

(A) meronímia-holonímia.

(B) hiperonímia-hiponímia.

(C) hiponímia-hiperonímia.

(D) holonímia-meronímia.

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6. Refira a funçã o sintá tica do pronome relativo presente em

a) “que eles representam” (ll. 8-9).

b) “que se situa à margem do tom laudató rio e exaltado de outros seus contemporâ neos” (l.18).

7. Identifique a oraçã o evidente no segmento “em que Camõ es retrata a saga dos Lusíadas.” (ll.3-4).

GRUPO III

Partindo das palavras de Cesá rio “E eu de, luneta de uma lente só , / Eu acho sempre assunto a quadros
revoltados”, redija uma apreciaçã o crítica.

Almada Negreiros, [Domingo], Almada Negreiros, [Andaime], [Escada],


[1948], tapeçaria baseada [1948], tapeçarias baseadas
nos painéis da Gare Marítima nos painéis da Gare Marítima da Rocha do Conde
de Alcâ ntara. de Ó bidos

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O seu texto deve incluir:
– a descriçã o das imagens apresentadas, destacando elementos significativos da sua composiçã o;
– relaçã o entre as imagens e a poesia de Cesá rio Verde (espaços, personagens, temá ticas);
– um comentá rio crítico, fundamentando devidamente a sua apreciaçã o e utilizando um discurso valorativo;
– uma conclusã o adequada ao ponto de vista desenvolvido.

Observaçõ es:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta
integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer nú mero conta como uma ú nica palavra, independentemente do
nú mero de algarismos que o constituam (ex.: /2020/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensã o indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –,há que atender ao
seguinte:
−− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorizaçã o parcial (até 5 pontos) do texto
produzido;
−− um texto com extensã o inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.

Grupo Item
(cotação em pontos)
I 1 2 3 4 5 6 7
13 13 12 16 16 16 16 102
II 1 2 3 4 5 6 7
7 7 7 8 8 9 8 54
III Item ú nico 44
Total 200

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