Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sumário
Introdução ......................................................................................................................... 3
1 – Contextualização .......................................................................................................... 4
1.1 – Romantismo: características gerais ......................................................................................... 4
1.2 – Romantismo: características específicas ................................................................................. 6
2 – Maria Firmina dos Reis ................................................................................................. 8
2.1 – Maria Firmina dos Reis na UFRGS e nos Vestibulares ............................................................ 13
3 – Pré-Leitura ................................................................................................................. 13
4 – Resumo Analítico ....................................................................................................... 16
5 – Maria Firmina dos Reis e a Intertextualidade ............................................................. 43
6 – Quadro Sinóptico ....................................................................................................... 44
7 – Questões sem Comentários ........................................................................................ 46
8 – Gabarito ..................................................................................................................... 52
9 – Questões com Comentários ........................................................................................ 53
10 – Referências Bibliográficas......................................................................................... 64
11 – Considerações Finais ................................................................................................ 65
Epígrafe
A mente, esta ninguém pode escravizar.
Luana Signorelli
Introdução
Olá, vestibulandos.
O meu nome é Luana. Sou Mestra em Literatura e
Práticas Sociais pela Universidade de Brasília (UnB) e
Doutoranda em Teoria e História Literária pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). Tenho 10 anos de
experiência com revisão e padronização textual e 9 anos em
cursinho pré-vestibular, tendo passado por instituições
conhecidas e renomadas.
Vamos iniciar nossa programação de estudo de Obras
Literárias para UFRGS 2021. Lembrem-se sempre de nosso
lema:
1 – Contextualização
1.1 – Romantismo: características gerais
A palavra “romântico” é frequentemente associada a um conjunto de comportamentos e
valores, como dar ou receber flores, gostar de ler ou escrever poemas e histórias de amor,
emocionar-se facilmente, ser gentil e delicado com a pessoa amada. Esse tipo de romantismo,
porém, é diferente do Romantismo na arte. Este também está relacionado aos sentimentos, mas foi
muito mais do que isso. Foi um amplo movimento que surgiu no século XIX e representou
artisticamente os anseios da burguesia que havia acabado de chegar ao poder na França via
Revolução. Estudar a literatura do período implica conhecer as transformações então ocorridas e
ver de que modo elas acarretaram uma nova forma de ver e sentir o mundo.
Os principais autores que constituíram o Romantismo na Europa e serviram de inspiração
para os escritores brasileiros são:
Byron
• Poeta inglês conhecido pelo estilo sombrio e melancólico, que inspirou a 2ª geração
romântica do Brasil.
• Principal Obra: Don Juan (1819).
Irmãos Schlegel
EUROPA
Goethe
• Autor alemão considerado percursor do romantismo como movimento literário.
• Suas obras tem grande presença da natureza ligada à uma religiosidade, sendo
entendida como uma imagem do paraíso.
• Principais obras: Os sofrimentos do Jovem Werther (1774), Os anos de
Aprendizado de Wilhelm Meister (1797) e Fausto (1806).
Victor Hugo
• Escritor francês cujas principais características são obras de forte crítica social e
posição política progressista.
• Principais obras: O corcunda de Notre-Dame (1831) e Os miseráveis (1862).
Nacionalismo
• Busca dos traços característicos de cada povo (os laços de semelhança);
• Constituição das identidades nacionais a partir da exaltação da natureza;
• Histórias de heróis fundadores;
• Na Europa, traduz-se nas novelas cjas personagens são cavaleiros medievais.
Oposição aos clássicos
• Rompimento com as inspirações greco-latinas;
• Valorização da Idade Média (início das colônias);
• Métricas não clássicas na poesia e romance como principal forma na prosa.
Sentimentalismo
• Valorização da escrita subjetiva;
• Sofrimento do amor não correspondido;
• Sofrimentos existenciais, inclusive a inescapabilidade da morte;
• Sentimnto de inadequação na sociedade.
Spleen (mal do século)
• Inspiração na poesia de Byron;
• Vida boêmia e decadência;
• Melancolia e pessimismo;
• Preseça da tuberculose: a morte se torna o destino próximo.
Sublime e grotesco
• A ideia de que algo sublime não precisa ser necessariamente belo;
• Temas baixos e linguagem de baixo calão.
PRIMEIRA GERAÇÃO
• Nacionalista
• Indianista
• Religiosa
• Principal autor: Gonçalves Dias
SEGUNDA GERAÇÃO
• Egocentrismo
• Pessimismo
• Ligação com a morte
• Principais autores: Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu
TERCEIRA GERAÇÃO
• Cunho político-social
• Abolicionismo
• Principal autor: Castro Alves
Os escritores de prosa romântica não se enquadram exatamente em nenhuma das fases, pois
dialogam com características de todas elas. Na prosa, divide-se os romances não por gerações, mas
por tendências:
As gerações também não se aplicam ao teatro propriamente dito. Temos como principais
autores no teatro romântico brasileiro:
• Martins Pena, José de Alencar, Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e Álvares de
Azevedo.
Vamos estudar primeiramente o marco inicial do Romantismo.
Gonçalves de Magalhães
Nome completo: Domingos José Gonçalves de
Magalhães, foi considerado introdutor do Romantismo no
Brasil. No teatro, ele escreveu Antônio José ou O poeta e a
Inquisição (1838).
Proveniente das massas, mas não se dirigindo necessariamente a elas, a escritora encontrou na
literatura uma forma de expressão artística, mas, principalmente, política. Até porque, mesmo
não tendo vivido sob a condição de cativa, assistiu de perto às mazelas da escravidão, o que fica
evidente em boa parte de seus trabalhos.
Então, para compreender essa escritora e também o romance Úrsula, primeiro precisamos
conhecer a causa abolicionista.
Outros abolicionistas
Castro Alves
Ocupante da cadeira de no 7 na Academia Brasileira de Letras, era considerado o poeta dos
escravos e nasceu em 1847. Estudou Direito em Recife e São Paulo. Representou maturidade em
relação à ingenuidade das gerações anteriores, como o idealismo indianista e amoroso e o
nacionalismo ufanista. A crítica objetiva ao regime social prefigura o movimento posterior do
Realismo. Abaixo encontramos o resumo de suas principais obras.
I
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Luís Gama
Nasceu em 1830 e faleceu em 1882. Foi um escritor e jornalista
brasileiro que ganhou várias alcunhas: Patrono da Abolição da Escravidão
do Brasil e ainda Libertador dos Escravos. Sua principal obra é Primeiras
Trovas Burlescas do Getulino, que além de tudo é muito ousada, porque
acusa autoridades de corrupção.
José do Patrocínio
Nasceu em 1853 e faleceu em 1905. Foi jornalista e trabalhou na Gazeta da Tarde. Escreveu
o romance Os retirantes (1879), mas também o Manifesto da Confederação Abolicionista (1883). Foi
a vanguarda do movimento negro no Brasil.
Chiquinha Gonzaga
O condoreirismo no Brasil não permitiu
aberturas e liberdades maiores ao movimento
negro, como também prefigurou movimentos
femininos. Chiquinha Gonzaga nasceu em 1847 e
faleceu em 1935. Foi compositora, instrumentista
e maestrina. Escreveu “As pombas” e a marchinha
carnavalesca “Ó abre alas”, entre outros. Em 1869,
ela se separa do marido. Além de abolicionista era
republicana.
Eis na tabela abaixo como a romancista Maria Firmina dos Reis caiu nos vestibulares.
O livro também constava na lista obrigatória da PUC-MG 2019 Então, nosso material vai
contemplar a resolução dessas questões, além de trazer também questões autorais
complementares, para sedimentar o conhecimento.
3 – Pré-leitura
O romance Úrsula é um típico romance romântico. Pelas referências às propriedades e à
escravidão, parte-se do pressuposto de que é um romance romântico regionalista, como exposto
na contextualização. Agora eis abaixo elencados alguns tópicos essenciais que nos ajudarão a
conduzir a análise do romance.
• ESPÍRITO ROMÂNTICO. A linguagem do livro é toda voltada para a tradição romântica. Por
isso, no livro há vários comportamentos, tanto masculinos quanto femininos, que revelam
alguns valores. Primeiramente, o cavalheirismo de Tancredo, que lembra os heróis medievais
trovadorescos, como ilustra o quadro abaixo.
AMOR CORTÊS
O relacionamento entre amantes pode recorrer à expressão do amor cortês, isto é,
um tipo de amor convencional, cheio de regras sociais como:
*Submissão absoluta à dama;
*Vassalagem humilde e paciente;
*Promessa de honrar e servir a dama com fidelidade;
*Prudência para não abalar a reputação da dama, sendo o cavaleiro, por essa razão,
proibido de falar diretamente dos sentimentos que tem por ela;
*A amada é vista como a mais bela de todas as mulheres;
*Pela amada o trovador despreza todos os títulos, as riquezas e a posse de todos os
impérios.
Depois disso, várias das personagens se voltam para o arrebatamento. Tanto o herói quanto
a heroína são tipicamente românticos, o que equivale a dizer que no romance há
previsibilidade e personagens planas.
Construída
ao redor
de uma
única ideia
PERSONAGEM Carece de
Estática PLANA profundidade
Previsível
Por fim, maus presságios no livro, como a ave sangrando no vestido de Úrsula, já antecipam
um final trágico, típico do Ultrarromantismo.
• SÍNTESE DAS 3 GERAÇÕES. Após o exposto, pode-se considerar que Úrsula é um romance-
síntese das 3 gerações românticas. Isso porque na obra estão presentes todos estes
elementos: a transcendência, a religiosidade, o arrebatamento e o sublime da primeira
geração; a morbidez, o pessimismo e o apego à morte da segunda geração; e o condoreirismo
e a eloquência e a temática abolicionista da terceira geração. Nesse sentido, até se aproxima
também da prosa poética.
Quadro de personagens
Outras personagens
4 – Resumo Analítico
Para a análise do romance, vou acompanhar a ordem sequencial dos capítulos, mesclando
resumo do enredo com os comentários analíticos propriamente ditos. Primeiramente, vamos
lembrar que Úrsula é um romance do Romantismo Tardio e está repleto de costumes da época.
PRÓLOGO
Essa seção funciona como um preâmbulo; um elemento pré-textual e uma justificativa. A obra
começa com uma falsa modéstia, dizendo que o livro em si é mesquinho e humilde, parecendo
inclusive querer ressaltar esse traço dele. Quem parece falar é o autor e não o narrador, lembrando
que eles nem sempre coincidem.
Como uma tentativa, e mais ainda, por este amor materno, que não tem limites, que tudo
desculpa – os defeitos, os achaques, as deformidades do filho – e gosta de enfeitá-lo e aparecer
com ele em toda a parte, mostrá-lo a todos os conhecidos e vê-lo mimado e acariciado.
A autora compara a criação de seu livro a um amor materno, prevendo certos efeitos que ele
vai ter. Parece intuir que o livro irá passar despercebido; parece não valorizá-lo. Compara-o também
a uma donzela feia. Como se o dever da mulher fosse ser bonita, uma donzela feia é como se fosse
imprestável; para ter amor próprio por si, somente a dona mesmo. Essa falsa modéstia antes de
começar o livro também já se encontra na obra de outros autores, conhecidos por ser irônicos:
pintado por inteiro e totalmente nu. Assim, Mas eu ainda espero angariar as simpatias da
Leitor, sou eu mesmo a matéria de meu livro: opinião, e o primeiro remédio é fugir a um
não é razão para que empregues teu vagar em prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o
assunto tão frívolo e vão. Portanto, adeus. De que contém menos coisas, ou o que as diz de
Montaigne, neste primeiro de março de mil um jeito obscuro e truncado.
quinhentos e oitenta. Conseguintemente, evito contar o processo
extraordinário que empreguei na composição
destas Memórias, trabalhadas cá no outro
mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso,
aliás desnecessário ao entendimento da obra. A
obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino
leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar,
pago-te com um piparote, e adeus.
Brás Cubas
A diferença entre esses exemplos e Maria Firmina dos Reis é que ela fala a partir da condição
de uma escritora mulher. Ressaltadas essas falsas modéstias e ironias, observem o tom parecido que
se encontra no prólogo de Úrsula: “Deixai pois que a minha Úrsula, tímida e acanhada, sem dotes
da natureza, nem enfeites e louçanias de arte, caminhe entre vós.”
Com isso, são verificados alguns aspectos dessa autora/narradora:
• A relação da autora com o livro maternal: de proteção e não de abandono;
• Uma mulher é como se fosse inútil, a não ser que seja bonita.
Então, entende-se que neste prólogo Maria Firmina dos Reis situa o papel da mulher escritora
na sociedade, aproximando-se da estética do Romantismo Tardio, a qual já se assemelha com alguns
pontos do Realismo.
Por fim, essa tendência de o livro falar do próprio livro se remete à metalinguagem.
São vastos e belos os nossos campos; porque inundados pelas torrentes do inverno semelham o
oceano em bonançosa calma – branco lençol de espuma, que não ergue marulhadas ondas, nem
brame irado, ameaçando insano quebrar os limites que lhe marcou a onipotente mão do rei da
criação. Enrugada ligeiramente a superfície pelo manso correr da viração, frisadas as águas, aqui
e ali, pelo volver rápido e fugitivo dos peixinhos, que mudamente se afagam, e que depois
desaparecem para de novo voltarem – os campos são qual vasto deserto, majestoso e grande como
o espaço, sublime como o infinito (REIS, 2018, p. 95).
Longa passagem então é dedicada à descrição desse lugar, que nunca é determinado, apenas
descrito. O ciclo da natureza se revela e com ele toda a perfeição. Lembrando que a exaltação da
natureza é uma característica da primeira geração romântica.
Primeiro, prioriza-se a paisagem com toda a sua grandeza e depois um único rapaz solitário é
apresentado.
Então, se percebermos, o romance nos desloca pelo mais de uma vez: primeiro, porque seu
título é um nome próprio feminino, ao passo que a primeira personagem apresentada é um rapaz.
Segundo, porque em vez de começar as personagens, inicia-se com foco na paisagem.
Porque há toda a descrição da natureza, inferimos que ação se passa no campo, por isso a
aproximação do romance com a tendência regionalista. Portanto, há outro ideal presente também:
O escritor romântico se sente próximo de Deus porque considera que ambos são Criadores.
Por isso, nessa passagem em Úrsula há o uso de “Autor” com letra maiúscula.
Então, até agora tudo o que sabemos é que um cavaleiro distraído vai passando pelo
ambiente. Ele cisma e parece sofrer; só Deus conhece seus pensamentos. Seria esse viajante assim
tão distraído? Até que...
O rapaz cai do cavalo! Sabe quem morre de uma queda de cavalo na vida real? O escritor
ultrarromântico Álvares de Azevedo, aos 21 anos de idade. De tal forma que a tragicidade também
é considerada uma característica tipicamente romântica. A natureza que antes era boa (locus
amoenus: lugar ameno) agora se transforma em um ambiente hostil (locus horrendus: lugar
horrível). O semblante do cavaleiro se transfigura.
Há algo que marca esse personagem misterioso: a incompreensão. Não o conhecemos ainda
e o narrador tarda a apresentá-lo. Intencionalmente, presenciamos um ritmo lento da narrativa,
que demora a se desenrolar. Com isso, o objetivo do narrador é captar a nossa atenção, tentando
manter viva nossa curiosidade.
Tudo o que sabemos desse rapaz é que ele é solitário, como um típico herói romântico rumo
ao digno destino de sua missão. Até que, convenientemente, alguém que estava passando por ali o
encontra. É logo destacada uma diferença entre ambos: a cor da pele, pois o cavaleiro caído era
branco e quem passa por ali era um escravo negro.
E quando essa segunda alma generosa, para aludir ao título do capítulo, encontra o cavaleiro
caído e machucado é apresentado, observa-se uma mudança na linguagem: o narrador o apresenta,
mas também aproveita a ocasião para estabelecer algumas reflexões, principalmente sobre a
escravidão e sobre o papel divino de Deus, traços que parecem ser contraditórios. É como se Deus
estivesse sendo questionado, como se Ele não fosse tão perfeito e justo assim.
Úrsula O Guarani
Reunindo todas as suas forças, o jovem escravo Peri alucinado suspendeu-se aos cipós que se
arrancou de sob o pé ulcerado do desconhecido entrelaçavam pelos ramos das árvores já
o cavalo morto, e deixando-o por um momento, cobertas de água, e com esforço desesperado
correu à fonte para onde uma hora antes se cingindo o tronco da palmeira no seus braços
dirigia, encheu o cântaro, e com extrema hirtos, abalou-o até as raízes.
velocidade voltou para junto do enfermo, que
com desvelado interesse procurou reanimar.
— Meu amigo, – continuou – podes acreditar no meu reconhecimento e na minha amizade. Quem
quer que sejas, eu a prometo: sou para ti um desconhecido; e inda assim foste generoso e
desinteressado. Arrancando-me à morte tens desempenhado a mais nobre missão de que o homem
está incumbido por Deus – a fraternidade.
Arrastado diálogo se dá em que o cavaleiro tenta comprovar sua gratidão. Não só ela, como
seus ideiais progressistas: “dia virá em que os homens reconheçam que são todos irmãos.” O
escravo parece não acreditar que possa existir ser humano assim tão bondoso:
Aqui há um traço muito importante: o escravo fala. Quer dizer que ele tem voz, opiniões e
sentimentos, que se sente livre para expressar depois da demonstração de gratidão do cavaleiro.
Sabem que não estão numa situação típica, mas conseguem se entender e se aceitar. Para além
disso, o vínculo humano da amizade estava se formando.
O narrador intrometido apresenta o nome do escravo: “Pobre Túlio!” Ao fim do capítulo, as
reflexões do narrador se embaralham com o enredo. A narrativa avança e Túlio leva o rapaz
machucado para a casa de Luiza B.
2 – O delírio
E eis que o capítulo começa novamente com adjetivação: “Violenta, terrível, espantosa tinha
sido a crise, e Túlio velava à cabeceira do enfermo.” Uma série de descrição da fauna e flora
transmitem a noção de cor local: noitibó e acauã (pássaros) e agoureiro (planta).
Conhecemos Luiza B., a mãe de Úrsula, antes do que a moça que dá nome ao título em si.
Novamente, o narrador adia ao máximo o momento de sua apresentação. Luiza B. confessa que está
à beira da morte, passas os seus dias presa a um leito.
Além dela, agora há o cavaleiro que demanda cuidados também. Então, Túlio leva o cavaleiro
para casa e Úrsula cuida dele. Cuidada de ambos, na verdade. Começa sendo a apresentada como
uma mulher sofrida, pois é muito solícita e trabalha muito. O narrador intrometido justifica o seu
estilo ao descrevê-la, chegando ao ponto de ser irônico:
Nenhuma exageração havia nesse piedoso desempenho; porque Úrsula era ingênua e singela
em todas as suas ações; e porque esse interesse todo caridoso, o mancebo não podia avaliá-lo,
tendo as faculdades transtornadas pela moléstia. Este sentimento era pois natural em seu coração,
e a donzela não se envergonhava de o patentear (REIS, 2018, p. 110).
Úrsula também sente enorme inquietação. Assim como é apresentada no início, ela se
movimenta constantemente para ajudar e também sente sua alma aflita. Isso porque nela está
crescendo o sentimento de amor verdadeiro pelo rapaz de quem está cuidando. O amor tem um
tom de novidade, é por si só revolucionário e arrebatador. Aquela moça só conheceu a vida
doméstica e familiar em toda sua existência e agora algo novo se lhe colocava em seu caminho.
Há o típico sentimentalismo exacerbado romântico: “Pelo céu, nem faleis nisso; e em seus
grandes olhos errou uma lágrima.” (REIS, 2018, p. 113). Todos sentem os nervos à flor da pele.
Outro traço romântico típico é a associação do delírio com a loucura:
O narrador aproveita a ocasião para fazer uma reflexão, uma a qual inclusive serve de
epígrafe para o livro:
3 – Declaração de amor
E Úrsula vai se revelando melancólica quando o cavaleiro vai se curando. Isso porque ela já
está apaixonada por ele e não quer que ele vá embora. Nesse sentido, não vê a cura dele como algo
de todo positivo.
Mas há sim algo muito bom: Túlio é alforriado!
Túlio obteve pois por dinheiro aquilo que Deus lhe dera, como a todos os viventes. Era livre como
o ar, como o haviam sido seus pais, lá nesses adustos sertões da África; e, como se fora a
sombra do seu jovem protetor, estava disposto a segui-lo por toda a parte. Agora Túlio daria todo
o seu sangue para poupar ao mancebo uma dor sequer, o mais leve pesar; a sua gratidão não
conhecia limites. A liberdade era tudo quanto Túlio aspirava; tinha-a – era feliz! (REIS, 2018, p.
118-119).
Mas parece uma ironia, quando ele se assume como “escravo voluntário”, pois passa a servir
Tancredo. É assim que o jovem machucado se chama.
Cada vez mais Úrsula se assemelha à típica heroína romântica: recatada, pura e ideal. Deseja
evitar Tancredo, pois não entende ainda a natureza de seu sentimento em relação a ele. Portanto,
resguarda-se. Tanto é assim que parece alienada, não entende que o que sente é amor. “Onde
levava o ardor da mente? Úrsula, interrogada, mal o saberia dizer” (REIS, 2018, p. 120).
Devemos entender que o Romantismo é contraditório. Nesse sentido, essa mocinha, ao
mesmo tempo que é muito sentimental, também é muito racional porque pensa muito. Seus
pensamentos estão sempre divagando.
Razão
Sentimento
Ninguém em casa sabia dos seus passeios matinais, e ninguém os adivinhava, e por isso
esperava com ânsia o romper do dia: e a hora em que a natureza desperta, só, e sem temor,
tomava o caminho que bem lhe convinha e ia conversar com a solidão, essa conversa que só
Deus compreende, e quando voltava achava-se mais aliviada.
Úrsula enganava-se – cada dia mais se agravavam seus males. (REIS, 2018, p. 121).
prendendo viajantes em sua cama. Então, a metáfora serve para descrever o sentimento atribulado
de Úrsula.
E agora retornam os presságios, que também aparecem como intuições. Em seu passeio no
bosque, ela é seguida por alguém:
Úrsula, temerosa, e sem poder atinar com quem seria, estremeceu, mas não de verdadeiro medo,
antes por um pressentimento incompreensível e que às vezes pressagia vagamente algum
acontecimento futuro da nossa vida. Úrsula tudo ignorava; mas alguém com íntima satisfação
descobriu seus passeios matinais, alguém, que sentia a necessidade de vê-la, de falar-lhe um
momento, e que devassou-lhe o retiro e foi perturbá-la em sua meditação (REIS, 2018, p. 123).
4 – A primeira impressão
É primeira porque até agora não conhecemos esse rapaz! A história constantemente passa
por retardamento e agora assume forma de relato explicativo e pregresso do Tancredo. Então ele
conta como se afastou de casa numa condição de exílio, importante tema para os românticos:
MARIA FIRMINA DOS REIS –ÚRSULA CASIMIRO DE ABREU – MEUS OITO ANOS
Só apartei-me de minha mãe quando fui para Oh! que saudades que tenho
São Paulo cursar as aulas de Direito, e seis anos Da aurora da minha vida,
de saudades aí passei, tendo-a sempre em meus Da minha infância querida
pensamentos; porque amava-a com uma Que os anos não trazem mais!
ternura que só vós podeis compreender. Num Que amor, que sonhos, que flores,
dia recebi o grau de bacharel e noutro segui Naquelas tardes fagueiras
para a minha terra natal. Ah! Como me À sombra das bananeiras,
transbordava a alma de prazer! Eu vinha rever Debaixo dos laranjais!
aquela que cercara de amor e de cuidados a
minha infância!
Mas nem o lar o completa. Ele diz que não era de todo feliz. Isso até quando a mãe lhe
apresenta uma novidade:
Não sei por quê; mas nunca pude dedicar a meu pai amor filial que rivalizasse com aquele que
sentia por minha mãe, e sabeis por quê? É que entre ele e sua esposa estava colocado o mais
despótico poder: meu pai era o tirano de sua mulher; e ela, triste vítima, chorava em silêncio, e
resignava-se com sublime brandura.
Meu pai era para com ela um homem desapiedado e orgulhoso – minha mãe era uma santa e
humilde mulher (REIS, 2018, p. 134).
O pai de Tancredo era um desmodelo de homem para ele. Não era uma figura
paterna; pelo contrário, causava nele temor. O pai o separou da mãe na infância por
seis anos; não permitia vê-la. Para além da violência física, há também a violência
psicológica.
Assim, Tancredo cresceu sentindo que devia proteger as mulheres, como bom cavalheiro
romântico, a começar pela mãe e a prima Adelaide.
Se Tancredo era o primeiro amor de Úrsula, Adelaide foi o primeiro amor de Tancredo. Ele é
sincero ao admiti-lo. Mas tudo parece tragédia anunciada: Adelaide é órfã e pobre; o pai é maldoso
e nunca permitiria aquela relação. A mãe de Tancredo tenta alertá-lo; aconselha porque conhece.
Porém, ele é ingênuo; ainda acredita que o pai pode aceitar. A mãe só tolera o esposo pelo filho:
“Ah! Ela temia seu esposo, respeitava-lhe a vontade férrea; mas com uma abnegação sublime quis
sacrificar-se por seu filho.” (REIS, 2018, p. 138).
O pai de Tancredo, quando sabe da história, chama a mulher de louca. Tem certeza de que
Adelaide quer se casar com Tancredo por dinheiro, pois tal relação só poderia ser por interesse.
A desavença entre Tancredo e o pai também representa a luta entre o novo e o velho. Como
Jesus na cruz, Tancredo parece se perguntar: por que, Senhor, me abandonaste?
5 – A entrevista
Esse capítulo continua o relato familiar de Tancredo.
Ele se indigna com a situação toda e a mãe não consegue
ajudá-lo também. Isso porque ela é resignada e sente
medo. Chega a defender o pai!!! “Meu filho, não levantes a
voz para acusar aquele que te deu a vida” (REIS, 2018, 142).
Ela parece estar presa em um círculo vicioso de opressão.
Aquela luta entre pai e filho era uma guerra de egos e feições. O pai era extremamente
manipulador e não ia deixar o filho simplesmente seguir as vontades. Impunha-se em sua vida como
um obstáculo. Apela para a moral: casar com Adelaide não era bom para as aparências em
sociedade, chega a falar em “decência”.
Constantemente quer desmoralizar todo mundo de sua família, a começar pela mulher,
chamando-lhes de loucos. Como ele é o provedor, sente-se no direito, agindo como se fosse o mais
racional de todos, o superior a ser respeitado. Revela um cinismo que lembra Brás Cubas, chegando
a confundir inteligência com frieza.
E esse pai malvado impõe uma condição para Tancredo se casar com Adelaide. Nunca teve
boa intenção; a condição só serve para oprimir e dilacerar ainda mais o coração do jovem, que agora
tem que esperar pelo casamento.
— Sua educação não está completa; ademais – continuou apresentando-me um papel dobrado, e
selado – eis aqui um despacho, que obtive para ti, meu filho. Honroso é o emprego que te oferecem,
e eu ouso esperar que o meu Tancredo não só o não recusará, porque foi solicitado por seu pai,
como não deixará de partir breve, obedecendo às ordens superiores que o mandam à cidade de
***.
Era para longe da minha província que me desterravam. (REIS, 2018, p. 147).
Tancredo sofre sendo o sujeito diante do incontrolável. Tem que cumprir a demanda do pai,
depois do que sua vida nunca mais vai ser a mesma.
6 – A despedida
A mãe de Tancredo sabe que separação vai ser mais do que um teste: ela pode ser eterna!
Adelaide tinha 18 anos e já era maior de idade. Antes de partir, Tancredo pede cartas ao pai, para
abrandar seu amargor no exílio e pede especificamente para proteger a mãe.
Chamo atenção para como os capítulos são terminados. Costuma-se deixar o leitor curioso:
“Nesse olhar, em que lhe estava a alma, disse-me a infeliz seu derradeiro adeus!”
7 – Adelaide
Outro detalhe para que se chama atenção são os títulos dos capítulos: costumam ser simples,
são tipos ou nomes de pessoas.
Treta! Tancredo percebe que tem algum problema quando Adelaide começa a esparsar as
cartas. Lembrando que era a troca de cartas na época era algo muito típico. Há na tradição literária
o chamado romance epistolar, todo embasado em cartas. Além de estar presente em Os sofrimentos
do jovem Werther e Amor de perdição, era muito comum no período do Romantismo.
Levava no coração a imagem desse anjo idolatrado; mas uma mágoa estranha anuviava-me o
coração, e eu não podia compreendê-la, e o absoluto e tétrico silêncio desse espaço, que percorria,
mais aumentava esse sentir vago de indefinível melancolia.
E dei de rédeas ao animal com loucura e sem parar, porque sentia a necessidade do
movimento; mas depois a aflição sempre crescente trazia-me o abatimento, e eu deixava o cavalo
andar como lhe parecia. (REIS, 2018, p. 154, grifos meus).
É com muito pesar que Tancredo é informado que a mãe havia falecido. Forças maiores
levam-no de volta ao lar. Sofre uma desilusão! Adelaide está casada com o pai.
Porém, ingênuo que é, não percebe que foi uma artimanha do pai; apenas infere que o
casamento ocorreu, porque Adelaide quis! O pai conseguiu manipulá-lo, colocando anteriormente
em sua cabeça que Adelaide era maldosa.
Tancredo sente-se uma vítima do destino. Do seu primeiro amor sofre também a primeira
desilusão amorosa. Parte para xingamentos contra Adelaide; é incapaz de compreender totalmente
a situação. Sente-se como o homem rejeitado que está ferido. Compara Adelaide ao demônio. E é
nesse estado de espírito que sai com seu cavalo e vai parar na propriedade de Luiza B. A narração
agora se volta para o tempo presente.
8 – Luiza B.
Tancredo e Úrsula voltam da fazenda para conversar com Luiza B. Assim como nomes e datas,
os sobrenomes das personagens são omitidos em forma de abreviação. Mais um ciclo repete-se: ao
pé do leito de morte de Luiza, Tancredo jura proteger Úrsula.
Agora quem conta a sua própria história é a mãe. Há doze anos que ela estava naquela
situação. Fala do triângulo formado por ela, o irmão e Paulo B. Estes mistérios desvelados são uma
constante no romance.
— Sim, senhor – tornou-lhe a mãe de Úrsula, – e um desvelado irmão foi ele. Conhecei-lo talvez
pela sua reputação de fereza de ânimo; mas esse homem tão implacável como o vedes, era um
terno e carinhoso irmão. Amou-me na infância com tanto extremo e carinho que o enobreciam aos
olhos de meus pais, que o adoravam, e depois que ambos caíram no sepulcro, ele continuou sua
fraternal ternura para comigo. Mais tarde, um amor irresistível levou-me a desposar um homem,
que meu irmão no seu orgulho julgou inferior a nós pelo nascimento e pela fortuna. Chamava-se
Paulo B. (REIS, 2018, p. 168).
— Meu irmão? – tornou ela sorrindo-se dolorosamente — Esse comprou as dívidas do meu casal,
e estabeleceu-se na fazenda de Santa Cruz, outrora habitação de meus pais, onde eu passei os
anos de minha juventude, onde nascera minha pobre Úrsula. (REIS, 2018, p. 170).
Tancredo promete proteger Úrsula. Sempre está prometendo e não é pragmático; no fundo,
revela-se despreparado para a vida. Luiza B. morre sem ter proferido as últimas palavras; mais uma
mistério fica solto no ar. Mas o importante é que a promessa foi feita e o casal de pombinhos ao
menos vai ter a possibilidade de se casar, pois Luiza B. havia dado a bênção.
Só quando há o pedido de casamento é que Tancredo se revela como Tancredo de ***, o que
parece inverossímel: um conhecido nas terras da família sem antes nunca ninguém ter lhe
perguntado o nome.
Tancredo não se preocupa com posições sociais. Pretende casar com Úrsula, porque a ama.
Isso comprova o amor romântico, que está acima das barreiras financeiras e dos interesses
mundanos. O pacto está selado. Há uma esperança por fim.
9 – A preta Susana
Suspensão da história central do casal para ingressar em uma história paralela. A preta Susana
é uma senhora que assumiu a criação de Túlio quando a mãe dele o abandonara. Ela conta sua
história triste, vinda em um navio negreiro. Novamente, o narrador encontra espaço para levantar
suas reflexões acerca da escravidão.
Túlio dirige a palavra a ela, pois vai partir com Tancredo, que foi chamado para assumir um
trabalho. Ele pretende deixar a propriedade por um mês; não para ir embora, mas sim com a
pretensão de voltar e se casar com Úrsula.
Susana revela que Luiza B. sempre fora boa com ela e que sempre lhe será leal; a ela e a
Úrsula, depois de sua morte.
Porque Túlio diz que vai partir, ela se torna emotiva e conta como foi arrancada brutalmente
de seu lar, deixando para trás marido e filha, para se tornar escrava em terras estranhas.
Spleen
romântico Saudades dos
escravosda terra
(UFRGS/2020)
( ) O romance é narrado em primeira pessoa por Úrsula, jovem negra escrava, que aprendeu
a ler com a patroa, D. Susana.
( ) Adelaide é a menina pobre que busca ascensão social através do casamento, como muitas
mulheres faziam na época.
( ) A crítica ao modelo patriarcal está especialmente centrada nas figuras de Tancredo e de
seu pai.
( ) O romance caracteriza-se como transgressor à produção romanesca do período, ao
apresentar Túlio e Antero como sujeitos constituídos de humanidade.
Afirmação IV: correta. Ambos são escravos que se ajudam mutuamente. Antero é
encarregado pelo Comendador de vigiar Túlio, que foi preso. Porém, Túlio descobre que o velho
Antero sofre com o vício da bebida e lhe oferece bebida alcóolica para poder escapar. Para que
o negro não fosse responsabilizado pela sua fuga, ele o deixa embriagado, forjando uma cena
para ajudá-lo. Antes disso Túlio já tinha ajudado Tancredo a se recuperar da queda de cavalo,
tendo com este ato de humanidade conquistado a sua alforria.
Gabarito: C.
Continuando, eis o lugar de fala de Susana, a capaz de contar a sua própria história, ainda que
triste. Sente que ainda tem propósito na vida, e vive para ajudar Úrsula. Deve isso à Luiza e à filha,
mas denuncia que Paulo B. era mau: “Pouco depois casou-se a senhora Luísa B., e ainda a mesma
sorte: seu marido era um homem mau, e eu suportei em silêncio o peso do seu rigor.” (REIS, 2018,
p. 182). Observa-se a repetição do ciclo de violência, ao qual as mulheres constantemente estão
sujeitas.
Depois do desabafo, permite que Túlio parta. Foi como um lamento final antes de sua partida.
Sentimento físico se acumula com o sofrimento emocional.
10 – A mata
Capítulo central na narrativa, em que há um presságio fatal: Úrsula vai fazer seus passeios
habituais depois da partida de Tancredo. Sem ele, sofre, pois ama e desejesa etar com ele.
Porém, na floresta encontra um pássaro morto que suja seu vestido, um sinal de virgindade
maculada. Descobre que há um caçador por perto, o responsável por aquela morte.
Logo, esse caçador trava conversa com ela e se revela perseguidor. A moça se sente
incomodada e constrangida, pois o homem parece conhecê-la.
No fundo, aquele monstro era o Comendador Fernando que desejava se casar com ela. Outra
informação inverossímil, já que acabaram de se conhecer. A mulher romântica constantemente está
com medo; novamente, o lugar ameno da floresta, onde Úrsula gravava o nome dela junto ao de
Tancredo nas árvores, transforma-se um lugar horroroso.
Não sabe se é presságio ou loucura quando de fato encontra o homem. E Fernando que se
mostra fervoroso e especialmente controlador:
— Mulher! Anjo ou demônio! Tu, a filha de minha irmã! Úrsula, para que te vi eu? Mulher, para
que te amei?!... Muito ódio tive ao homem que foi teu pai: ele caiu às minhas mãos, e o meu ódio
não ficou satisfeito. Odiei-lhe as cinzas; sim odiei-as até hoje; mas triunfaste do meu coração;
confesso-me vencido, amo-te! Humilhei-me ante uma criança, que desdenhou-me e parece
detestar-me! Hás de amar-me. (REIS, 2018, p. 195).
11 – O derradeiro adeus
Outro capítulo se chama “A despedida”. Constantemente, as personagens desse romance se
sentem em uma situação limítrofe.
Um mal entendido se resolve: Luiza B. ainda vive. Pareceu que morreu em outro capítulo, mas
essa é sua vida eternamente. Úrsula está em dúvida se conta para a mãe ou não sobre o caçador da
floresta, mas resolve não fazê-lo, para não abatê-la.
Eis que chega uma carta: Fernando se aproxima, não quer mais se esconder! Esse caçador é
o mesmo comendador irmão da Luiza: caçador de mãe e filha.
É necessário que nos vejamos ainda uma vez na vida, e conto que anuirás
a este desejo, ou antes súplica de teu irmão.
Minha irmã! Minha Luísa! Muito me tens a perdoar; porque gravíssimo
é o mal que te hei feito; mas és boa, teu coração não pode alimentar ódio por
aquele que foi sócio dos teus jogos infantis, e que na juventude te amou com
essa doçura fraternal, que só tu compreendias; porque eram gêmeas as nossas
almas.
Luísa, minha doce irmã, porque me tornei eu mau e odioso a meus
próprios olhos depois que tomaste Paulo B. por esposo? Por quê? Nem o sei
eu! Talvez o desejo que sempre tive de dar-te uma posição mais brilhante,
como muitas vezes te fiz sentir. Malograste, no entretanto, as minhas
intenções, esposando esse homem, que...
Esse foi o teu crime, crime que eu nunca te haveria perdoado, se o céu
se não incumbisse desta conversão, que sem dúvida te há de admirar; porque
a mim mesmo me admira.
O mais dir-te-ei vocalmente; porque só deve esta preceder-me uma
hora.
Adeus.
Teu afetuoso
FERNANDO
Afetuoso desde quando??? Fernando, depois do encontro com Úrsula na floresta, sente-se
no direito de se aproximar daquela família de novo. Reparem no superlativo “gravíssimo” que ele
usa, para intensificar a linguagem.
Como se já estivesse lá, no ambiente, só esperando, brota na sala Fernando! É pintada toda
uma imagem dele como se ele fora o verdadeiro injustiçado.
Fernando tinha vivido solitário, e desesperado com essa luta terrível do coração com o orgulho: e
esses desgostos íntimos, que ele próprio forjava, o tinham embrutecido, e tanto lhe afearam a
moral, que era odiado, e temido de quantos o praticavam ou conheciam de nome.
Ele tornara-se odioso e temível aos seus escravos: nunca fora benigno e generoso para com eles;
porém o ódio, e o amor, que lhe torturavam de contínuo, fizeram-no uma fera – um celerado.
12 – Foge!
Luiza B. conhece o irmão que tem e orienta a filha Úrsula a fugir o mais rápido que pode.
Agora sim Luiza morre e o romance etede à mudança e à adaptação da heroína.
Sente-se um perigo latente, uma constante ameaça. A mulher romântica está sempre
desprotegida e sentimentos aflitivos lhe acometem. E o narrador se intromete mais uma vez, para
introduzir na cena Tancredo, que, apesar da distância, soube que Úrsula estava em perigo e veio
para salvá-la: “— Louvado seja o Senhor Deus! – exclamou Tancredo, a quem sem dúvida já o
benigno leitor terá reconhecido.” (REIS, 2018, p. 215, grifo meu).
Úrsula diz para Tancredo que a mãe morreu e ambos rezam por ela.
14 – O regresso
Agora há um momento de digressão. Percebe-se então que trata-se de uma narrativa não
linear. Agora conta-se como é que Tancredo apareceu no lugar certo na hora certa
convenientemente! Parece haver forças atuando a favor do casal ao menos.
Fernando está numa caça mortal de Úrsula, com quem quer casar. Por feliz coincidência,
chega na propriedade de Luiza B., já falecida, e não encontra ninguém, só Susana, que é muito leal
e nada denuncia sobre o casal.
O narrador desenvolve mais uma reflexão sobre a escravidão:
15 – O convento de ***
Assim como em Amor de perdição de Camilo Castelo Branco a personagem Teresa vai para
um convento, aqui o casal também vai. Porém, Úrsula não vai se tornar freira, mas sim esposa de
Tancredo. O convento serve como lugar de proteção para eles, embora seja indeterminado. Há mais
uma reflexão do narrador, agora quanto ao papel da mulher:
E a mulher cumpre na terra sua missão de amor e de paz; e depois de a ter cumprido volta ao
céu; porque ela passou no mundo à semelhança de um anjo consolador.
Esta é a mulher.
Mas aquela, cujas formas eram tão sedutoras, tão belas, aquela, cujas aparências mágicas e
arrebatadoras escondiam um coração árido de afeições puras, e desinteressadas... Oh! Essa não
compreendeu para que veio habitar entre os homens; porque a cobiça hedionda envenenou-lhe
os nobres sentimentos do coração.
O brilho do ouro deslumbrou-a, e ela vendeu seu amor ao primeiro que lho ofereceu.
Maldição!... Infâmia sobre a mulher que não compreendeu a sua honrosa missão, e trocou por
outro os sublimes afetos da sua alma. (REIS, 2018, p. 230).
16 – O comendador Fernando P.
O comendador Fernando vai buscar um capelão que mantém por perto. Esse religioso até que
o apoiava no início, mas começa a perceber que Fernando está caminhando rumo a um destino de
virulência extrema. Fernando acha que todos são seus súditos e escravos, especialmente as
mulheres. Ninguém quer enfrentá-lo, contradizê-lo. Sem o menor pudor e necessidade, castiga os
escravos como bem lhe convém.
Nem mais o padre é seu amigo. Essa personagem vai se perdendo. Manda prender Susana e
castigá-la, mesmo ela sendo idosa. Não quer acreditar que ela não sabe onde o casal se encontra.
Tudo indica que parece que vai ter um duelo entre Fernando e Tancredo. O padre expõe sua
hipocrisia e seu falso moralismo. Apela em favor de Susana, que era inocente.
Poesia e oração se mesclam. A situação é de desespero total; até o padre intervém. Fernando
não abranda; é implacável e autoritário. Quer torturar Susana, quando chega um escravo com um
recado: um cavaleiro foi avistado; poderia ser o alvo. Funciona como se fosse o deus ex-machina na
tragédia grega antiga: uma salvação repentina e inesperada. Em sua mentalidade, Fernando julga-
se o verdadeiro injustiçado. O senso de justiça confunde-se com o de religião.
17 – Túlio
Fernando representa um ódio mortal, contra tudo e todos que não compreende. Representa
a intolerância e a limitação: a incapacidade de sentir empatia por outro ser humano. Nesse sentido,
é o contrário do escravo Túlio.
Tancredo vai se casar com Úrsula no meio desse tumulto todo. Porém, assombra-o mais um
presságio: Túlio não aparece. Onde estaria?
Fernando ainda encontra-se em cólera e não partui.
18 – A dedicação
Aqui conhecemos outra personagem: o velho negro Antero, incumbido por Fernando de
vigiar Túlio. Sabemos agora o que aconteceu com ele: foi abordado por dois capangas de Fernando
e foi preso.
Porém, Túlio descobre que Antero tem vício na bebia e se disponibiliza para comprá-la para
ele. Parte-se do pressuposto de que essa seria uma reação contra as torturas da escravidão. Forja
uma cena de fuga em que faz parecer que Antero não teve culpa nenhuma, de forma a livrá-lo da
tortura de Fernando. Esse ato bondoso comprova mais uma vez sua humanidade, mesmo em
situações limítrofes.
Uma cena confusa ocorre: Tancredo e Túlio morrem. Mais uma vez Úrsula se vê com o vestido
com manchas de sangue. Cai em letargo.
19 – O despertar
Os sobreviventes daquela caçada foram Úrsula e Fernando. Fernando não se sente vingado,
porque Úrsula acorda louca, brincando com a florzinha de seu casamento, o último lembrete da vida
que tivera tido um dia.
20 – A louca
Tipicamente romântica, Úrsula enlouquece. Essa obra tem final trágico: Susana falece e é
carregada para seu enterro. O padre, em despero, roga pela piedade de Fernando, tentando
convencê-lo ainda. Dá a Fernando uma sentença que seria a salvação dos escravos: a alforria. Pois a
condenação de uns é a libertação de outros.
Indenizai os vossos escravos do mal que lhes haveis feito, dando-lhes a liberdade. Esse ato de
abnegação e de caridade cristãs agradará a Deus, e então talvez na sua misericórdia infinita ele
abra para vós os tesouros da sua inefável graça. (REIS, 2018, p. 275).
EPÍLOGO
Eis que Fernando até tenta cumprir a penitência dada pelo padre. Muda de nome, chamando-
se Frei Luís de Santa Úrsula (Santa Úrsula das Colônias é a padroeira das jovens). Vai a um convento
de padres carmelitas para tentar se converter.
Até no momento da extrema unção tem dificuldade. O padre quer perdoá-lo, lembrando-lhe
de Madalena, mas depois de ouvir seus crimes e que Fernando não se arrependera, tem dificuldades
de perdoá-lo. A obra termina de uma maneira ambígua, parecendo que Fernando não havia se
convertido de fato. Em todo caso, Úrsula sempre lhe assombra, ela que morrera mesmo. O romance
termina com a inscrição em sua lápite. Úrsula é um fantasma, mas já o era em vida, desde que
enlouquece.
6 – Quadro Sinóptico
Caros alunos.
Essa seção tem a finalidade de ajudá-los nos dias antes da prova. Trata-se de uma breve ficha
de leitura com algumas informações essenciais, dignas de serem memorizadas.
1. (UFRGS/2019)
Considere as seguintes afirmações sobre Maria Firmina dos Reis e seu romance Úrsula.
I. O romance Úrsula foi publicado no Maranhão, em 1859, sob o pseudônimo de “Uma Maranhense”,
e quase não se tem notícia de sua circulação à época da publicação. Recuperado na segunda metade
do século XX, só então o livro passa a ser reeditado e minimamente debatido no meio literário.
II. Nas primeiras páginas do romance, uma voz que pode ser lida como a da autora apresenta, a
modo de prólogo, seu livro ao leitor, consciente das limitações que seriam impostas a ele por ter
sido escrito por uma mulher brasileira de educação acanhada.
III. A circulação limitada de Úrsula dá mostras de que, associados ao valor estético, fatores como
classe social, gênero e raça do escritor também participam da definição do cânone literário.
2. (UFRGS/2019)
Sobre Úrsula, romance de Maria Firmina dos Reis, assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as
seguintes afirmações.
( ) O romance é narrado em primeira pessoa por Úrsula, jovem negra escravizada e depois
alforriada por Tancredo, senhor com quem a protagonista se casa.
( ) A linguagem apresenta variedade de registro: personagens negras comunicam-se de forma
coloquial, personagens brancas adotam a norma culta da língua.
( ) O enredo está centrado no amor fracassado entre Úrsula e Tancredo, embora personagens
como Túlio e mãe Susana sejam cruciais para o romance, especialmente na definição de seu caráter
antiescravista.
( ) O escravocrata comendador Fernando P., antagonista de Tancredo na disputa por Úrsula,
arrepende-se de seus crimes no final da vida e, recolhido em um convento, transforma-se no frei
Luís de Santa Úrsula.
3. (UFRGS/2019)
No bloco superior abaixo, estão listados os títulos dos livros de Maria Firmina dos Reis e Carolina
Maria de Jesus; no inferior, trechos desses livros.
1. Úrsula
2. Quarto de despejo
( ) Eu estava pagando o sapateiro e conversando com um preto que estava lendo um jornal. Ele
estava revoltado com um guarda civil que espancou um preto e amarrou numa arvore. O guarda civil
é branco. E há certos brancos que transforma preto em bode expiatorio. Quem sabe se guarda civil
ignora que já foi extinta a escravidão e ainda estamos no regime da chibata?
( ) [...] dois homens apareceram, e amarraram-me com cordas. Era uma prisioneira – era uma
escrava! Foi embalde que supliquei em nome de minha filha, que me restituíssem a liberdade: os
bárbaros sorriam das minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão. Julguei enlouquecer, julguei
morrer, mas não me foi possível... a sorte me reservava ainda longos combates.
( ) Davam-nos a água imunda, podre e dada com mesquinhez, e comida má e ainda mais água. É
horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a
consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos!
( ) Ontem eu comprei açucar e bananas. Os meus filhos comeram banana com açucar, porque não
tinha gordura para fazer comida. Pensei no senhor Tomás que suicidou-se. Mas, se os pobres do
Brasil resolver suicidar-se porque estão passando fome, não ficaria nenhum vivo.
4. (UESPI/2010)
Úrsula, romance que aborda a questão feminina e do negro cativo, foi publicado em 1859 por Maria
Firmina dos Reis. A obra se destaca por colocar na ordem do dia questões atuais do Brasil de então.
Ainda sobre esta obra é correto afirmar que:
a) toda a obra se desenvolve a partir de um narrador na segunda pessoa.
b) o romance versa sobre a história de amor de Úrsula e o estudante de medicina Valfredo.
c) no “Prólogo” ao seu romance, a autora tece elogios à sua obra e se compara aos grandes escritores
do seu tempo.
d) a autora se vale do pseudônimo “Uma Maranhense” para assinar seu romance.
e) a autora não só assina seu nome completo, como evoca sua condição de mulher instruída e
educada na Europa.
5. (UESPI/2009)
Publicado em 1859, Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, aborda não somente a condição feminina,
mas se firma como um dos primeiros romances abolicionistas da literatura brasileira. No entanto,
para expor suas idéias de maneira mais livre, a autora piauiense faz uso de qual recurso?
a) Apresenta-se no “prólogo” da obra como uma mulher instruída, que estudou na Europa e que
domina vários idiomas.
b) Declara que pouco vale seu romance, pois fora escrito por uma mulher brasileira, de educação
acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados.
c) Usa o pseudônimo de “Uma Cearense”.
d) Assina o livro com um nome masculino, maneira encontrada de despistar a crítica da época e de
ser ouvida em suas pretensões.
e) Assina o livro com o seu próprio nome. Porém, evoca uma co-autoria masculina; um autor
chamado “Um Maranhense”.
6. (UFMA/2006)
O romance Úrsula de Maria Firmina dos Reis – que, segundo Eduardo de Assis Duarte, aborda a
escravidão a partir do ponto de vista do outro – apresenta três personagens negros, dentre os quais
se destaca Mãe Susana, por representar:
a) a gratidão do escravo alforriado para com o branco libertador.
b) a ligação com a África e os ancestrais e a consciência da verdadeira liberdade.
c) a decadência moral e física provocada pela condição de escravo.
d) a voz feminina que aconselha a suportar em silêncio a condição de escravo.
e) a voz rancorosa que a identifica como representante do ódio dos quilombolas.
7. (UFMA/2006)
As obras Frei Luis de Sousa, de Almeida Garrett, e Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, são
consideradas como pertencentes a um mesmo estilo de época – o Romantismo. Embora produzidas
em países diferentes, as duas obras apresentam algumas características comuns.
Assinale a alternativa em que o conjunto das afirmações sobre as obras acima mencionadas está
correto.
I. Valorização do elemento local e das marcas particulares de cada país, como em Úrsula.
II. Presença marcante de idéias nacionalistas, como em Frei Luís de Sousa.
III. Ênfase nos temas de cunho medieval, em Úrsula.
IV. Temática do amor como única possibilidade de realização, presente nas duas obras.
V. Escolha de personagens burgueses idealizados, como em Frei Luís de Sousa.
a) I – II – III
b) I – II – IV
c) III – IV – V
d) I – IV – V
e) II – III – IV
Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e será sempre um grande mal. Dela a
decadência do comércio; porque o comércio e a lavoura caminham de mãos dadas, e o escravo não
pode fazer florescer a lavoura; porque o seu trabalho é forçado. Ele não tem futuro; o seu trabalho
não é indenizado; ainda dela nos vem o opróbrio, a vergonha; porque de fronte altiva e
desassombrada não podemos encarar as nações livres; por isso que o estigma da escravidão, pelo
cruzamento das raças, estampa-se na fronte de todos nós. Embalde procurará um dentre nós,
convencer ao estrangeiro que em suas veias não gira uma só gota de sangue escravo...
E depois, o caráter que nos imprime e nos envergonha!
O escravo é olhado por todos como vítima – e o é.
O senhor, que papel representa na opinião social?
O senhor é o verdugo – e esta qualificação é hedionda.
Eu vou narrar-vos, se me quiserdes prestar atenção, um fato que ultimamente se deu. Poderia
citar-vos uma infinidade deles; mas este basta, para provar o que acabo de dizer sobre o algoz e a
vítima.
E ela começou:
— Era uma tarde de agosto, bela como um ideal de mulher, poética como um suspiro de
virgem, melancólica e suave como sons longínquos de um alaúde misterioso.
Eu cismava, embevecida na beleza natural das alterosas palmeiras que se curvaram
gemebundas, ao sopro do vento, que gemia na costa.
E o sol, dardejando seus raios multicores, pendia para o ocaso em rápida carreira.
Não sei que sensações desconhecidas me agitavam, não sei!... Mas sentia-me com
disposições para o pranto.
REIS, Maria Firmina de. A escrava. In: Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, 2018
(Edições Câmara; Série Prazer de Ler nº 11, e-book).
O excerto destacado faz alusão a uma figura de linguagem e a uma estética literária, que
correspondem respectivamente a:
a) Metáfora | Naturalismo.
b) Comparação | Naturalismo.
c) Metáfora | Romantismo.
d) Comparação | Romantismo.
e) Metáfora | Realismo.
c) descritivismo naturalista.
d) eloquência condoreira.
e) digressão realista.
14. (6º Provão de Bolsasa Estratégia Vestibulares 2020/Questão Autoral – Luana Signorelli)
Quer saber o que me move? Quer saber o que me prende?
São correntes sanguíneas, não contas correntes
Não conta com a gente pra assinar seu jornal
Vocês descobriram o Brasil, né? Conta outra, Cabral
É um país cordial, carnaval, tudo igual
Preconceito racial mais profundo que o Pré-Sal
(...)
A guerra não é santa nem aqui e nem em Jerusalém
É o Brasil da mistura, miscigenação
Quem não tem sangue de preto na veia deve ter na mão
Eu só peço a Deus!
Inquérito – Eu só peço a Deus.
Disponível em: https://tinyurl.com/ybg3chbq. Acesso em: 12 jun. 2020.
8 – Gabarito
1. E 8. A
2. C 9. A
3. B 10. D
4. D 11. D
5. B 12. E
6. B 13. D
7. B 14. B
1. (UFRGS/2019)
Considere as seguintes afirmações sobre Maria Firmina dos Reis e seu romance Úrsula.
I. O romance Úrsula foi publicado no Maranhão, em 1859, sob o pseudônimo de “Uma Maranhense”,
e quase não se tem notícia de sua circulação à época da publicação. Recuperado na segunda metade
do século XX, só então o livro passa a ser reeditado e minimamente debatido no meio literário.
II. Nas primeiras páginas do romance, uma voz que pode ser lida como a da autora apresenta, a
modo de prólogo, seu livro ao leitor, consciente das limitações que seriam impostas a ele por ter
sido escrito por uma mulher brasileira de educação acanhada.
III. A circulação limitada de Úrsula dá mostras de que, associados ao valor estético, fatores como
classe social, gênero e raça do escritor também participam da definição do cânone literário.
2. (UFRGS/2019)
Sobre Úrsula, romance de Maria Firmina dos Reis, assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as
seguintes afirmações.
( ) O romance é narrado em primeira pessoa por Úrsula, jovem negra escravizada e depois
alforriada por Tancredo, senhor com quem a protagonista se casa.
3. (UFRGS/2019)
No bloco superior abaixo, estão listados os títulos dos livros de Maria Firmina dos Reis e Carolina
Maria de Jesus; no inferior, trechos desses livros.
1. Úrsula
2. Quarto de despejo
( ) Eu estava pagando o sapateiro e conversando com um preto que estava lendo um jornal. Ele
estava revoltado com um guarda civil que espancou um preto e amarrou numa arvore. O guarda civil
é branco. E há certos brancos que transforma preto em bode expiatorio. Quem sabe se guarda civil
ignora que já foi extinta a escravidão e ainda estamos no regime da chibata?
( ) [...] dois homens apareceram, e amarraram-me com cordas. Era uma prisioneira – era uma
escrava! Foi embalde que supliquei em nome de minha filha, que me restituíssem a liberdade: os
bárbaros sorriam das minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão. Julguei enlouquecer, julguei
morrer, mas não me foi possível... a sorte me reservava ainda longos combates.
( ) Davam-nos a água imunda, podre e dada com mesquinhez, e comida má e ainda mais água. É
horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a
consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos!
( ) Ontem eu comprei açucar e bananas. Os meus filhos comeram banana com açucar, porque não
tinha gordura para fazer comida. Pensei no senhor Tomás que suicidou-se. Mas, se os pobres do
Brasil resolver suicidar-se porque estão passando fome, não ficaria nenhum vivo.
4. (UESPI/2010)
Úrsula, romance que aborda a questão feminina e do negro cativo, foi publicado em 1859 por Maria
Firmina dos Reis. A obra se destaca por colocar na ordem do dia questões atuais do Brasil de então.
Ainda sobre esta obra é correto afirmar que:
a) toda a obra se desenvolve a partir de um narrador na segunda pessoa.
b) o romance versa sobre a história de amor de Úrsula e o estudante de medicina Valfredo.
c) no “Prólogo” ao seu romance, a autora tece elogios à sua obra e se compara aos grandes escritores
do seu tempo.
d) a autora se vale do pseudônimo “Uma Maranhense” para assinar seu romance.
e) a autora não só assina seu nome completo, como evoca sua condição de mulher instruída e
educada na Europa.
Comentários
Alternativa A: incorreta. A narração do livro é realizada em terceira pessoa.
Alternativa B: incorreta. Na obra, há o desenrolar do trágico romance entre Úrsula e o jovem
bacharel bem-sucedido Tancredo.
Alternativa C: incorreta. No “prólogo”, a autora apresenta seu romance como “mesquinho e
humilde livro”, além de salientar a provável maneira de recepção de sua obra: “sei que pouco vale
este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira”.
Alternativa D: correta. O manuscrito original, de fato, foi publicado de modo genérico, sob a
assinatura de “Uma Maranhense”.
Alternativa E: incorreta. A autora, também no prólogo, salienta que não frequentava os
grandes espaços intelectuais do período, pontuando o que denomina de “educação acanhada”.
Gabarito: D.
5. (UESPI/2009)
Publicado em 1859, Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, aborda não somente a condição feminina,
mas se firma como um dos primeiros romances abolicionistas da literatura brasileira. No entanto,
para expor suas idéias de maneira mais livre, a autora piauiense faz uso de qual recurso?
a) Apresenta-se no “prólogo” da obra como uma mulher instruída, que estudou na Europa e que
domina vários idiomas.
b) Declara que pouco vale seu romance, pois fora escrito por uma mulher brasileira, de educação
acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados.
c) Usa o pseudônimo de “Uma Cearense”.
d) Assina o livro com um nome masculino, maneira encontrada de despistar a crítica da época e de
ser ouvida em suas pretensões.
e) Assina o livro com o seu próprio nome. Porém, evoca uma co-autoria masculina; um autor
chamado “Um Maranhense”.
Comentários
Alternativa A: incorreta. No prólogo, a autora expõe sua condição de mulher, brasileira, com
uma formação “acanhada” e distante dos renomados centros intelectuais.
Alternativa B: correta. O prólogo do livro amplia a possibilidade de compreensão da expressão
“Uma Maranhense” ao tratar da força dessa mulher que decide ocupar um lugar que, a princípio,
não seria para ela.
Alternativa C: incorreta. O livro é assinado com o pseudônimo “Uma Maranhense”.
Alternativa D: incorreta. Apesar de não revelar seu nome, a autora enfatiza sua condição de
mulher escritora.
Alternativa E: incorreta. A autora utiliza o recurso do pseudônimo, ou seja, uma expressão
que oculta a verdadeira identidade do autor, sem deixar, nesse caso, de carregar a evidência de
autoria feminina.
Gabarito: B.
6. (UFMA/2006)
O romance Úrsula de Maria Firmina dos Reis – que, segundo Eduardo de Assis Duarte, aborda a
escravidão a partir do ponto de vista do outro – apresenta três personagens negros, dentre os quais
se destaca Mãe Susana, por representar:
a) a gratidão do escravo alforriado para com o branco libertador.
b) a ligação com a África e os ancestrais e a consciência da verdadeira liberdade.
c) a decadência moral e física provocada pela condição de escravo.
d) a voz feminina que aconselha a suportar em silêncio a condição de escravo.
e) a voz rancorosa que a identifica como representante do ódio dos quilombolas.
Comentários
Alternativa A: incorreta. Na fala da personagem Susana, encontra-se a crítica direcionada às
várias formas de escravidão a que a mulher negra é submetida.
Alternativa B: correta. Susana mantém viva as memórias de sua terra, assim como o carinho
pelos entes amados. As narrativas são permeadas pela consciência de sua condição que contrasta
com a liberdade interior.
Alternativa C: incorreta. Mãe Susana ganha carta de alforria como forma de reconhecimento
de seus serviços prestados que refletem a manutenção de valores inegociáveis.
Alternativa D: incorreta. A voz feminina de Susana se transforma em resistência ao não
permitir que a história e a memória de seu povo sejam esquecidas.
7. (UFMA/2006)
As obras Frei Luis de Sousa, de Almeida Garrett, e Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, são
consideradas como pertencentes a um mesmo estilo de época – o Romantismo. Embora produzidas
em países diferentes, as duas obras apresentam algumas características comuns.
Assinale a alternativa em que o conjunto das afirmações sobre as obras acima mencionadas está
correto.
I. Valorização do elemento local e das marcas particulares de cada país, como em Úrsula.
II. Presença marcante de idéias nacionalistas, como em Frei Luís de Sousa.
III. Ênfase nos temas de cunho medieval, em Úrsula.
IV. Temática do amor como única possibilidade de realização, presente nas duas obras.
V. Escolha de personagens burgueses idealizados, como em Frei Luís de Sousa.
a) I – II – III
b) I – II – IV
c) III – IV – V
d) I – IV – V
e) II – III – IV
Comentários
Afirmativa I: correta. As obras abordam de modo específico dramas sociais vivenciados em
cada país.
Afirmativa II: correta. Os sentimentos de amor à pátria, na obra portuguesa, reforçam a forte
presença dos temas pátrios, ilustrados por uma história do passado que indica um olhar crítico ao
presente.
Afirmativa III: incorreta. Em Úrsula, temos aspectos do amor romântico, como a
impossibilidade da realização amorosa e a idealização do ser amado.
Afirmativa IV: correta. A temática do amor, nas obras, expressa a liberdade almejada por seus
protagonistas, interditada pelas barreiras sociais de diferentes ordens.
Afirmativa V: incorreta. Em Frei Luís de Sousa, as personagens são marcadas pela densidade
psicológica e suas instabilidades que coincidem com as incertezas da história portuguesa.
Almeida Garrett
Gabarito: B.
Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e será sempre um grande mal. Dela a
decadência do comércio; porque o comércio e a lavoura caminham de mãos dadas, e o escravo não
pode fazer florescer a lavoura; porque o seu trabalho é forçado. Ele não tem futuro; o seu trabalho
não é indenizado; ainda dela nos vem o opróbrio, a vergonha; porque de fronte altiva e
desassombrada não podemos encarar as nações livres; por isso que o estigma da escravidão, pelo
cruzamento das raças, estampa-se na fronte de todos nós. Embalde procurará um dentre nós,
convencer ao estrangeiro que em suas veias não gira uma só gota de sangue escravo...
E depois, o caráter que nos imprime e nos envergonha!
O escravo é olhado por todos como vítima – e o é.
O senhor, que papel representa na opinião social?
O senhor é o verdugo – e esta qualificação é hedionda.
Eu vou narrar-vos, se me quiserdes prestar atenção, um fato que ultimamente se deu. Poderia
citar-vos uma infinidade deles; mas este basta, para provar o que acabo de dizer sobre o algoz e a
vítima.
E ela começou:
— Era uma tarde de agosto, bela como um ideal de mulher, poética como um suspiro de
virgem, melancólica e suave como sons longínquos de um alaúde misterioso.
Eu cismava, embevecida na beleza natural das alterosas palmeiras que se curvaram
gemebundas, ao sopro do vento, que gemia na costa.
E o sol, dardejando seus raios multicores, pendia para o ocaso em rápida carreira.
Não sei que sensações desconhecidas me agitavam, não sei!... Mas sentia-me com
disposições para o pranto.
REIS, Maria Firmina de. A escrava. In: Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, 2018
(Edições Câmara; Série Prazer de Ler nº 11, e-book).
Alternativa E: incorreta. “Inadimplente” significa que não cumpre contrato; que não liquida
ou ainda não liquidou os encargos financeiros de um contrato (dicionário Aulete). A cor local diz
respeito ao regionalismo.
Gabarito: A.
O excerto destacado faz alusão a uma figura de linguagem e a uma estética literária, que
correspondem respectivamente a:
a) Metáfora | Naturalismo.
b) Comparação | Naturalismo.
c) Metáfora | Romantismo.
d) Comparação | Romantismo.
e) Metáfora | Realismo.
Comentários
Alternativa A: incorreta. Nenhum dos dois se aplica.
Alternativa B: incorreta. O primeiro termo está certo, mas o segundo não. É Romantismo, e
não Naturalismo. No Naturalismo, a mulher é rebaixada às suas condições biológicas, fisiológicas.
Basta nos lembrarmos de Pombinha em O cortiço de Aluísio de Azevedo.
Alternativa C: incorreta. O segundo termo está certo, mas o primeiro não. É comparação e
não metáfora.
Alternativa D: correta – gabarito. A presença do conectivo “como” faz com que a figura de
linguagem seja a comparação, uma espécie de equiparação. Já a representação da mulher como
ideal remete-se à estética do Romantismo, movimento literário ao qual pertenceu inclusive Maria
Firmina dos Reis.
Alternativa E: incorreta. A visão da mulher no Realismo não é idealizada. Nesse movimento,
são destacados os dramas familiares e a decadência de instituições familiares, como a ênfase no
adultério.
Gabarito: D.
Quantas vezes na infância, malgrado meu, testemunhei cenas dolorosas que magoavam, e de
louca prepotência, que revoltavam! E meu coração alvoroçava-se nessas ocasiões apesar das
prudentes admoestações de minha pobre mãe.
É que as lágrimas da infeliz, e os desgostos que a minavam, tocavam o fundo da minha alma.
E meu pai ressentia-se da afeição que tributava a esse ente de candura e bondade; mas foram
as suas carícias, os seus meigos conselhos, que soaram a meus ouvidos, que me entretiveram nos
primeiros anos; ao passo que o gênio rude de meu pai me amedrontava.
O desprazer de ver preferida a si a mulher que odiava, fez com que meu implacável pai me
apartasse dela seis longos anos, não me permitindo uma só visita ao ninho paterno; e minha mãe
finava-se de saudades; mas sofria a minha ausência, porque era a vontade de seu esposo. Mas eu
voltava agora para o seu amor, e seus dias vinham a ser belos e cheios de doce esperança.
REIS, Maria Firmina dos. Úrsula e outras obras. Brasília: Edições Câmara, 2018.
14. (6º Provão de Bolsasa Estratégia Vestibulares 2020/Questão Autoral – Luana Signorelli)
Quer saber o que me move? Quer saber o que me prende?
São correntes sanguíneas, não contas correntes
Não conta com a gente pra assinar seu jornal
Vocês descobriram o Brasil, né? Conta outra, Cabral
É um país cordial, carnaval, tudo igual
Preconceito racial mais profundo que o Pré-Sal
(...)
A guerra não é santa nem aqui e nem em Jerusalém
É o Brasil da mistura, miscigenação
Quem não tem sangue de preto na veia deve ter na mão
Eu só peço a Deus!
Inquérito – Eu só peço a Deus.
Disponível em: https://tinyurl.com/ybg3chbq. Acesso em: 12 jun. 2020.
10 – Referências Bibliográficas
ALENCAR, José de. O Guarani. Disponível em: https://tinyurl.com/yy73z74g. Acesso em: 11 dez.
2020.
______. Senhora. Disponível em: https://tinyurl.com/s3dz8hn. Acesso em: 11 dez. 2020.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Disponível em:
https://tinyurl.com/6dhzxre. Acesso em: Acesso em: 11 dez. 2020.
BRANCO, Camilo Castelo de. Amor de salvação. Disponível em: https://tinyurl.com/y5x47zmx.
Acesso em: 11 dez. 2020.
______. Amor de perdição. Disponível em: https://tinyurl.com/y4f2o263. Acesso em: 11 dez. 2020.
DICIONÁRIO Aulete. Versão Digital. Disponível em: http://www.aulete.com.br/. Acesso em: 04 jul.
2020.
DICIONÁRIO Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
CEREJA; William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português: linguagens. 4. ed. São Paulo:
Atual, 2004 (v. 1).
FREUD, Sigmund. Luto e melancolia. São Paulo: Cosac & Naify, 2012.
IMDB. Disponível em: https://www.imdb.com/. Acesso em: 24 jul. 2019.
MACEDO, Joaquim Manuel de. A moreninha. Disponível em: https://tinyurl.com/qqycp5v. Acesso
em: 11 dez. 2020.
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letra, 2010.
NABUCO, Joaquim. Essencial. São Paulo: Companhia das Letras, 2010 [Kindle, p. 27].
PATROCÍNIO, José. Semana política. Fonte: ABL. Disponível em: https://tinyurl.com/yxfvcaqz.
Acesso em: 28 ago. 2020.
REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. Porto Alegre, RS: Zouk, 2018.
______. Úrsula. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2018. (Série prazer de ler; n. 11 e-
book).
UFRGS – LEITURAS OBRIGATÓRIAS 2021. Disponível em: https://tinyurl.com/y8gwvwav. Acesso em:
28 jun. 2020.
GOETHE, Johann Wolfgang. Os sofrimentos do jovem Werther. Porto Alegre: L&M Pocket, 2001, p.
12-13.
11 – Considerações Finais
Luana Signorelli