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Os segredos de Senna

João Gabriel de Lima

Marco de Bari

Uma característica brasileira – que sob vários aspectos pode ser considerada positiva –
é a irreverência em relação aos ídolos. O brasileiro riu das amantes de dom Pedro I,
riu dos porres de Tom Jobim e da mania do rei do futebol de referir-se a si próprio na
terceira pessoa, "o Pelé". A exceção é Ayrton Senna. Sua morte a 300 quilômetros por
hora na curva Tamburello, em Ímola, na Itália, no dia 1º de maio de 1994, solidificou-
o no imaginário popular brasileiro como um herói especial.
Os brasileiros reverenciam Ayrton Senna quase da mesma
maneira que a Argentina cultua Carlos Gardel ou Evita
Perón, ídolos envoltos em uma certa aura de santidade.
Investigar a vida deles, humanizando-os, equivale a uma Em Profundidade:
Ayrton Senna
quase profanação. Talvez seja por isso que só agora, dez
anos depois da tragédia da Tamburello, tenha sido
publicada uma biografia à altura do personagem: Ayrton, o Herói Revelado,
Rodrigues, que chega às livrarias nesta semana. O autor foi chefe do escritório da TV
Globo em Londres e dedicou dois anos ao projeto de dar uma roupagem humana à
imagem deificada do herói do automobilismo. Rodrigues entrevistou 213 pessoas em
sete países – Brasil, Argentina, Inglaterra, Itália, França, Portugal e Japão. O resultado
é um livro que mostra pela primeira vez um Ayrton Senna humano, contraditório e,
portanto, mais real do que o mito voador das pistas.

A maior parte das biografias disponíveis no mercado, como as escritas pelo inglês
Christopher Hilton e pelo jornalista brasileiro Lemyr Martins, enfatiza a vida
profissional do piloto. Já o forte de O Herói Revelado é o lado pessoal. Senna, o mito,
é descrito como um gênio, um fanático, uma vítima e um mártir. Gênio porque
ninguém pilotava como ele. Fanático por sua dedicação quase integral ao esporte.
Vítima, pelos golpes baixos que sofreu de seus principais rivais, Alain Prost e Nelson
Piquet. Mártir por ter morrido num momento em que lutava para melhorar as
condições de segurança do automobilismo. A biografia se debruça sobre essas e outras
facetas e mostra que Ayrton, o homem, era muito mais complexo do que se deixou
conhecer em vida. O fanático que só pensava em automobilismo encontrava tempo
para uma vida amorosa movimentada. A vítima de Nelson Piquet e Alain Prost –
responsáveis por espalhar o boato que marcou a vida de Senna, segundo o qual o
piloto seria homossexual – também não era tão vítima assim. Nos dois tiroteios,
lembra o livro, foi Senna quem disparou o primeiro projétil. O mártir da curva
Tamburello, que realmente iniciava um movimento para aumentar a segurança das
pistas, era dono de um estilo de pilotagem em que a ousadia e a ânsia de superação
dos limites pessoais o colocavam perto de ser desleal. O livro mostra como a batida na
qual ele tirou Alain Prost da corrida decisiva do campeonato mundial de 1990, em
Suzuka, no Japão, foi premeditada. Mais do que isso, uma manobra arriscadíssima,
realizada a 250 quilômetros por hora, que poderia ter ferido gravemente ou até
matado o francês – ou ambos. No quesito genialidade, a biografia alinha fatos que
corroboram o que todo mundo sabe: ninguém pilotava um Fórmula 1 tão
perfeitamente quanto Ayrton Senna.

A parte mais surpreendente do livro é a que esmiúça a vida amorosa de Ayrton. O


automobilismo era a coisa mais importante para ele, mas seus ciclos vitais não eram
pontuados apenas pelas temporadas da Fórmula 1 – poderiam também receber nomes
de mulheres. De acordo com o livro, pelo menos cinco tiveram relevância para ele:
Lilian de Vasconcellos, Adriane Yamin, Xuxa, Cristine Ferracciu e Adriane Galisteu. A
fase Lilian foi a do início da carreira do piloto na Fórmula Ford inglesa. Ela foi a única
com quem Senna se casou de papel passado, em 1981. Ele tinha 21 anos e ela, 19.
Depois da festa de casamento, os dois seguiram para Londres, onde viveriam uma
vida financeiramente apertada. Ayrton, orgulhoso, não gostava de pedir dinheiro ao
pai. Em depoimento incluído no livro, Lilian se lembra do marido como uma pessoa
carinhosa, mas preocupada demais com a carreira. Em véspera de corrida ou de
treino, ele preferia dormir em cama separada, para não ceder às tentações da libido.
Num momento em que Lilian pensava estar esperando um filho e contou para ele,
Ayrton reagiu com frieza: "Se você estiver grávida, vai criar nosso filho no Brasil". O
casamento durou oito meses. A fase Adriane Yamin foi a de seus primeiros tempos na
Fórmula 1. O relacionamento durou de 1985 a 1988. Filha de um empresário
paulistano, ela estava com 15 anos quando começou a namorar Ayrton. Ficaram
noivos. De acordo com amigos íntimos do piloto, foi um namoro comportado. Na
época, Ayrton morava em Esher, na Inglaterra. Adriane só esteve lá uma vez, em
1986, acompanhada dos pais e da mãe de Senna. "Não era nada chocante para o
Ayrton, naquela época, a mãe de Adriane dizer que ela não podia viajar sozinha. Para
ele, conservador que era, isso era o correto", diz no livro a médica Linamara
Battistella, amiga de Senna.

O primeiro fim de semana que Ayrton passou ao lado de Xuxa foi no final de 1988, ano
em que o piloto ganhou seu primeiro título mundial. Na segunda-feira subseqüente,
Ayrton chegou à casa de Galvão Bueno, locutor da Globo, com ares de colegial
apaixonado. Segundo outro amigo do piloto, Alfredo Popesco, a apresentadora teria
sido um marco na vida de Senna. "Xuxa veio no momento certo", avalia o empresário
Marcos José Magalhães Pinto, também amigo de Ayrton. "Após ser campeão mundial,
ele tirou um peso dos ombros, o que abriu espaço para um relacionamento."
Acostumado a ter as namoradas a seus pés, Ayrton logo se irritou com a agenda cheia
de Xuxa e, principalmente, com o poder da empresária Marlene Mattos sobre ela. No
início de 1989, o casal estava no Aeroporto do Galeão embarcando para Mônaco
quando Marlene apareceu para dizer que Xuxa não viajaria. A empresária e o
namorado tiveram uma briga cômica pela posse das malas. Xuxa acabou indo. No
Natal de 1989, chateado com a perda do bicampeonato para Prost e estremecido com
a namorada, Senna resolveu fazer uma surpresa para Xuxa visitando-a em Nova York.
Chegou à casa onde ela estava hospedada vestido de Papai Noel. Ela o mandou
embora. Depois do fora humilhante, Senna voltou para o Brasil. Até o fim da vida dele,
Xuxa lhe telefonava periodicamente. Rodrigues não descobriu o que conversavam,
mas, segundo amigos, o piloto costumava ficar deprimido depois de receber essas

Muitos achavam que se tratava de um namoro de fachada. Senna ganhava quase


todas as corridas, e a inveja fazia que se espalhassem com mais força entre os pilotos
e jornalistas que cobriam as corridas os boatos de que ele seria homossexual. De
acordo com o autor Ernesto Rodrigues, nas 213 entrevistas com pessoas próximas de
Senna que foram feitas para o livro, ele não ouviu nada que pudesse dar força de
verdade aos boatos. O rumor começou nos bastidores da Fórmula 1. Obcecado pelos
ajustes do carro, Senna costumava evitar o assédio daquelas moças de shortinho que
freqüentam os boxes dos autódromos. O boato tomou corpo quando Senna, no fim de
1986, contratou Américo Jacoto Júnior, um amigo de infância, para ser seu secretário
particular. Júnior era também piloto do helicóptero de Ayrton no Brasil e seu
massagista. O rumor de que os dois tinham uma relação que ia além do profissional se
tornou tão forte que o pai de Senna, Milton da Silva, pediu ao filho que se livrasse da
companhia do amigo. Ayrton acatou a decisão e demitiu o secretário no fim de 1987.
A amizade entre ambos duraria até a morte do piloto.

A convivência íntima entre os responsáveis pelo espetáculo da Fórmula 1 é


inevitavelmente intensa. Eles acabam ficando nos mesmos hotéis, vão aos mesmos
restaurantes e às mesmas festas. A rivalidade entre os pilotos aflora facilmente,
devido à própria natureza da atividade. Ser da mesma equipe ou do mesmo país não é
atenuante. Nelson Piquet já era um ídolo quando Senna começou a surgir na Fórmula
1. Desde o primeiro momento se estranharam. Senna atribuía a Piquet a boataria que
o magoava profundamente. No início de 1988, Piquet acabara de ser tricampeão
mundial, mas todas as atenções estavam voltadas para Senna, que pela primeira vez
correria por uma escuderia competitiva, a McLaren. Numa entrevista à imprensa
brasileira, Ayrton resolveu espicaçar Piquet, enquanto explicava por que tirava férias
prolongadas. "Já que ninguém gosta muito dele, o único jeito era eu sumir para que
ele pudesse aparecer um pouco", declarou. Em resposta, Piquet deu a famosa
entrevista dizendo que Senna não gostava de mulheres.
Egberto Nogueira
O único piloto que Ayrton considerava um amigo foi o
austríaco Gerhard Berger, seu colega na equipe
McLaren. Os outros foram apenas colegas de trabalho.

Senna passou a cercar sua vida privada de enormes


barreiras. À maneira das grandes estrelas de
Hollywood, começou a controlar todas as informações
sobre sua vida e carreira. Se alguém queria uma
entrevista, o escritório de Senna se prontificava a
mandar ao interessado um kit com fotos e uma lista de
perguntas e respostas mais freqüentes. Os namoros do
piloto eram divulgados com a mesma burocracia com
que seu escritório dava publicidade a suas façanhas na
pista. O relacionamento de Senna com a belíssima
morena carioca Cristine Ferracciu deu-se longe dos
olhos da imprensa. Ayrton e Cristine estiveram juntos
por quase dois anos, entre 1990 e 1991, tempo em que
Senna tinha casas montadas em Mônaco e em Portugal.
O relacionamento começou a balançar quando o piloto ÍDOLO SANTIFICADO
reagiu mal à decisão de Cristine de voltar para o Brasil O adeus a Senna: morte trágica
fez dele um mito com uma certa
numa época em que a mãe dela estava com câncer. aura de santo
Cristine ficou magoada. Além disso, conta a biografia,
Ayrton era um sujeito desconfiado, que impunha restrições a amigas de infância dela
por achar que estavam se aproximando de Cristine por causa da fama do piloto. "Esse
lado desconfiado fez com que Ayrton jamais convidasse meus pais para ir a sua casa",
diz Cristine no livro.

Senna não fazia questão de ser amado pelos colegas de pista. O profissionalismo e o
espírito competitivo muitas vezes eram percebidos apenas como grosseria. A histórica
briga com Alain Prost, o também lendário tetracampeão francês, foi iniciada por
Senna. Em 1989, os dois pilotos tinham um pacto na McLaren, a equipe de ambos.
Para evitar acidentes, um não ultrapassaria o outro na primeira volta. Na segunda
corrida após o pacto, no malfadado circuito de Ímola, na Itália, Ayrton ultrapassou
Prost e manteve a liderança até o fim. O bom relacionamento dos dois acabou aí.

Vários fatos narrados no livro ajudam a entender o estilo de pilotagem de Senna. Um


episódio, ocorrido quando Ayrton tinha apenas 14 anos e corria de kart, é ilustrativo.
Ele ia treinar levando na mão esquerda um cronômetro. Em vez de fazer a tomada de
tempo da volta completa, Senna dividia o circuito em quatro e experimentava novos
traçados em cada trecho, preocupado em ganhar milésimos de segundo em cada um
deles. Na corrida, a soma dos pequenos ganhos fazia a diferença. Ele levou esse estilo
detalhista para a Fórmula 1. Seu perfeccionismo ajudou-o a manter um entendimento
perfeito com os japoneses da Honda, fornecedores de motores para a McLaren. Como
queriam monitorar o desempenho do carro e não podiam contar com a boa vontade
dos pilotos para fazer relatórios para eles – haviam tido más experiências com Keke
Rosberg e Nigel Mansell nesse sentido –, os engenheiros japoneses aperfeiçoaram a
chamada telemetria, ou seja, a coleta de dados sobre as corridas feita pelo
computador do carro. Senna viu nisso um grande instrumento para aperfeiçoar a
própria maneira de pilotar. "Ayrton foi o primeiro a ter a preocupação de recolher
todos os relatórios disponíveis sobre o desempenho do carro e se debruçar neles até
tarde da noite", lembra Ron Dennis no livro. "Era um obsessivo-compulsivo nesse
aspecto." A esse detalhismo, Senna mesclava seu estilo ousado, sua disposição de
frear sempre no último segundo, sua coragem de dirigir no limite em pistas
encharcadas e, principalmente, sua habilidade para fazer ziguezagues a 300
quilômetros por hora, impedindo a ultrapassagem de quem vinha atrás – expediente
que fez o campeão de 1982, Keke Rosberg, declarar que teria de reaprender a pilotar
depois de ver Ayrton.

Senna era bom e sabia disso. Pela consciência que tinha de seu valor, era muitas
vezes considerado arrogante. Era um titã para negociar contratos. No início de 1988,
não havia ainda ganho nenhum título, mas fechou com a McLaren por um valor
superior ao que recebia o tricampeão Nelson Piquet. Em 1993, quando já era de longe
o piloto mais bem pago de todos, pediu ainda mais, 1 milhão de dólares por grande
prêmio. Para conseguir captar tal valor, simulou uma briga com Ron Dennis. Ele
ameaçava parar de correr, os dois trocavam farpas pelos jornais, e o patrocinador
comparecia com o dinheiro, que era depositado em sua conta corrida a corrida, às
vésperas dos treinos classificatórios. Ayrton, na época, gostava de repetir o mantra
"no money, no race" – sem dinheiro, nada de corrida.

O trecho do livro que narra a morte de Senna acrescenta ainda mais drama aos atos
finais de sua vida. O autor tenta explicar os motivos pelos quais o piloto tinha o rosto
crispado naquele histórico momento em que uma câmera da TV Globo captou sua
imagem, com o olhar perdido, apoiado sobre o aerofólio da Williams azul e branca
pouco antes da largada da corrida. Na sexta-feira 29 de abril, Senna vira o carro de
Rubens Barrichello se espatifar em Ímola. Ele gostava de Rubinho. Meses antes, no
Japão, eles foram juntos a um parque da Disney. Comeram cachorro-quente em uma
barraquinha e deram início ao que seria um convívio bem mais pacífico do que tivera
com Nelson Piquet. No sábado, véspera da própria morte, Senna viu pela primeira vez
a morte de um piloto na Fórmula 1 – a do austríaco Roland Ratzenberger.

Na véspera da corrida fatídica, revela o livro, Senna teve um dissabor de outra ordem.
Seu irmão, Leonardo, levou para ele uma fita cassete no quarto do hotel. Nela, havia a
gravação de uma conversa telefônica de Adriane Galisteu com um antigo namorado. A
quinta e última mulher da vida de Senna foi, segundo seus amigos, a que mais lhe fez
bem. Com Adriane, o piloto começou a aproveitar a vida como nunca antes havia feito,
além de se tornar mais afável e bem-humorado. Ele pensava em se casar com
Adriane. "O Ayrton era muito sério, ele sempre namorava para casar", diz o amigo de
infância Alfredo Popesco, hoje trabalhando numa concessionária da família Senna. No
grampo feito no apartamento de Senna em São Paulo, o antigo namorado de Adriane
zombava do piloto, dizendo que era melhor do que Ayrton na cama. Uma besteira.
Nada na fita sugeria que Adriane estivesse traindo Senna ou mesmo que tivesse
concordado com o comentário machista do ex-namorado. Mas, para quem conhecia
Ayrton, a demonstração de intimidade entre a namorada e um outro homem na
conversa gravada já seria motivo de crise. Na noite anterior a sua morte, Senna
telefonou para Adriane, que estava em Portugal. Alertou-a de que depois da corrida
em Ímola queria ter com ela uma conversa séria. Procurada por VEJA, Adriane
informou, por meio de sua assessoria, que só se manifestaria depois de ler o livro.

Senna poderia ter vários focos de preocupação quando entrou, naquele 1º de maio, no
cockpit de seu carro – mas não foi isso que o matou. O autor da biografia endossa a
tese de que o acidente se deu por falha mecânica. Senna tentou fazer a curva
Tamburello, mas o carro, por uma quebra na coluna de direção, não obedeceu a seu
comando, espatifando-se a 300 quilômetros por hora. Não há no livro novas
evidências sobre o caso, provavelmente o acidente mais investigado da história do
esporte. A biografia narra, no entanto, um episódio envolvendo Frank Williams, o dono
da equipe pela qual Ayrton corria quando morreu, que joga novas luzes sobre a
discussão. Em março de 1995, Williams teria procurado a família Senna em São Paulo
para dizer que concordava com a tese da falha mecânica. Trata-se de um fato crucial,
pois na mesma época os advogados de Williams insistiam na teoria oposta – a da falha
humana – para defender a equipe no processo que se arrastava na Itália.

A leitura do livro permite reviver a emoção das vitórias marcantes de Ayrton Senna. A
Fórmula 1 atual tem como característica a hegemonia indisputada do alemão Michael
Schumacher e de sua Ferrari. A superioridade de ambos é tão flagrante que eles
parecem pertencer a uma outra categoria do automobilismo, acima da Fórmula 1. A
era Senna, em contraste, foi marcada por encarniçadas rivalidades pessoais,
literalmente turbinadas pelo fato de que as diferenças tecnológicas entre as equipes
eram menores. Quando Senna começou a correr na categoria máxima do
automobilismo, os carros eram movidos a motores cuja força era potencializada por
uma turbina. Esse dispositivo, hoje proibido na Fórmula 1, permitia injetar nos
motores uma quantidade maior da mistura ar-gasolina, o que lhes conferia força
descomunal. Nesse período, a aerodinâmica contava menos. Freios bons e pilotos
ousados faziam maior diferença. Senna sentiu-se à vontade nesse meio.

Entre os melhores se contavam Alain Prost, com sua maneira cartesiana de dirigir, e
Nelson Piquet, com sua mistura de ímpeto e malandragem. Havia também o inglês
Nigel Mansell, o menos técnico e mais agressivo dos pilotos do primeiro time. Senna, o
homem que descobria pontos de ultrapassagem onde ninguém ousava e varejava os
circuitos à caça dos milésimos de segundo que faziam a diferença, era o melhor de
todos. Não por acaso. A Fórmula 1 era sua vida. Senna não gostava de ler – irritava-o
ficar muito tempo sentado, a não ser que fosse dentro do cockpit de um carro. Quando
viajava, não visitava exposições nem ia a concertos. Não apreciava vinhos – bebia
apenas para ficar de porre, quando estava eufórico ou deprimido. Senna nasceu para
pilotar – e fez isso tão bem quanto os legendários Juan Manuel Fangio e Jim Clark, aos
quais era freqüentemente comparado. Ao lado deles, Ayrton Senna forma a tríade dos
que, nesse esporte, merecem ser chamados de gênios.

O boato ferino

"Um galão de combustível de altíssima octanagem foi


despejado nas rodas de inimigos de Senna no início da
temporada de 1987, quando o amigo Américo Jacoto Júnior, a
convite de Ayrton, começou a acompanhá-lo em todos os
treinos e corridas (...) Piquet e Prost viam e comentavam a
relação com outros olhos e palavras.

A primeira vez que Galvão Bueno testemunhou uma


provocação dos rivais foi no hotel Klagenfurt, um castelo à
beira de um lago situado a 40 minutos de helicóptero do
circuito de Zeltweg, às vésperas do GP da Áustria (...) Galvão
dividia um quarto amplo com Reginaldo Leme e Júnior, que
foram dormir antes dele. Ayrton, segundo Galvão, estava no
quarto com a namorada, quando Piquet e Prost, ainda no
saguão, por provocação, ofereceram dinheiro a uma das
camareiras do hotel para que ela subisse e verificasse se Senna
estava no quarto com a namorada ou com Júnior."

Papai Noel em Nova York

"Faltavam poucos dias para o Natal de 1989. Ayrton, no auge


da decepção com a Fórmula 1, já estava no Brasil, preparando-
se para esquecer as pistas por mais um verão. Num encontro
com Braguinha (Antonio Carlos de Almeida Braga, banqueiro e
amigo de Senna), revelou:

Vou a Nova York ver a Xuxa.

Ela sabe que você vai?

Não, vou fazer uma surpresa para ela.

Xuxa estava em uma casa em Hampton Bays, reduto da elite


nova-iorquina, formado por pequenas vilas à beira-mar. Ele
seguiu para lá e, antes de bater à porta, de acordo com o
relato que fez a Braguinha, se vestiu de Papai Noel. Ao toque
da campainha, a surpresa foi dele. Ayrton relatou depois aos
amigos, à família e a pelo menos uma de suas futuras
namoradas que Xuxa não quis que ele entrasse:

O que você está fazendo aqui? Eu não te chamei, por favor, vá


embora. Você não vai entrar aqui.

Ayrton não insistiu. Voltou para o Brasil, decepcionado."

Acidente premeditado

"O acidente (que decidiu o campeonato de 1990) foi bem


diferente do provocado por Prost no ano anterior para garantir
seu tricampeonato, um enrosco na entrada da chicane, tão
lento e inofensivo como

uma batida de duas madames na saída do estacionamento do


supermercado. O troco de Ayrton foi dado em quinta marcha, a
cerca de 250 quilômetros por hora. A caixa de brita, a
generosa área de escape existente na curva, a sorte e, para
quem acredita, a graça do Divino Espírito Santo garantiram que
os danos fossem apenas materiais e, para alguns, morais. (...)

(O piloto Gerhard) Berger, àquela altura já um amigo e


confidente de Senna, não reproduziu nenhum diálogo específico
em que Ayrton tenha antecipado para ele a manobra de tirar
Prost da pista, mas sua análise do acidente demonstrou não
apenas a premeditação, mas também uma curiosa preocupação
a segurança, por mais absurda que ela possa parecer: 'Se
tinha que bater, melhor que fosse ali logo, onde o perigo era
menor, e de preferência logo no começo, porque aí
normalmente a velocidade não é tão grande'."

Namorada virgem

"Anos depois do fim do namoro com Adriane Yamin, ocorrido


no Natal de 1988, Ayrton disse à médica e confidente Linamara
Battistella ter certeza de que ela jamais se adaptaria ao tipo de
vida dele, embora representasse tudo o que queria de uma
mulher: uma moça com estrutura e hábitos de família iguais
aos dele, o que incluía virgindade:

'Não era nada chocante, para o Ayrton, naquela época, a mãe


de Adriane Yamin dizer que ela não podia viajar sozinha. Para
ele, conservador que era, isso era o correto'.

Adriane Yamin hospedou-se apenas uma vez na casa de Ayrton


em Esher, em 1986, para uma única oportunidade de
acompanhá-lo durante os grandes prêmios da França,
Inglaterra e Alemanha. Estava, claro, acompanhada pelos pais
e pela mãe de Senna.

A vigilância da mãe de Adriane foi tão rigorosa que, uma tarde,


antes de sair para compras com dona Neyde (mãe de Senna),
ela encarregou a empregada Juracy de ficar de olho no casal.
(...) Para Linamara, Ayrton só veria a questão da virgindade de
modo menos conservador muito tempo depois, com Adriane. A

O telefonema grampeado

"O assunto daquela conversa séria para a qual Senna ditou


instruções tão detalhadas era conhecido por pouquíssimas
pessoas. De acordo com Braguinha, eram gravações de
conversas feitas no telefone do apartamento de Ayrton em São
Paulo. Entre as conversas gravadas uma era entre Adriane e
um antigo namorado.

O conteúdo dessa gravação estava em Ímola. Tinha sido levado


por Leonardo (Senna, irmão de Ayrton), que havia recebido
uma cópia e a mostrou a Ayrton no início da noite de sábado.
Além de Ayrton e Leonardo, pelo menos Braguinha e Galvão
Bueno tinham conhecimento da fita. De acordo com Braguinha,
o diálogo de Adriane com o ex-namorado era entremeado por
provocações não muito sutis dele, dizendo que era melhor na
cama do que Ayrton.

A gravação foi mostrada a Ayrton no quarto dele, no hotel

A conversa foi muito difícil para os irmãos. Mas Senna e


Leonardo foram juntos para o autódromo no dia seguinte."

O plano teatral

"No script concebido por Ron (Dennis, diretor da McLaren) e


que foi posto em prática durante as semanas seguintes, ele e
Ayrton quase brigaram em público, especialmente diante dos
jornalistas. Também fazia parte do 'plano teatral', de acordo
com Ron, convencer John Hogan, o diretor da Philip Morris, o
principal patrocinador, de que só um orçamento maior
manteria Senna na equipe: 'E quando alguém dissesse que era
tudo encenação, eu diria que não era de jeito nenhum. E
Ayrton entraria com seu discurso, ameaçando mais uma vez
não correr. Então eu procuraria o John Hogan'. (...)

Ao se levar em conta a lembrança que Julian Jakobi


(responsável pelos negócios de Senna no exterior) guardou do
episódio, um detalhe parece reforçar que tudo era mesmo uma
encenação: 'Dentro do carro, no trajeto entre o aeroporto e a
sede da Philip Morris, eu fui ao lado do motorista. Ayrton e
Ron, no banco de trás, não estavam preocupados. Pareciam
dois meninos, falando de seus brinquedos, os jatinhos'."

A razão da morte

"E se a questão fosse apenas saber, afinal, o que aconteceu na


curva Tamburello? (Bernie) Ecclestone (presidente da
associação dos construtores de carros) mudou o tom, pensou
um pouco e concluiu:

'Jamais saberemos se a coluna quebrou porque ele saiu da


pista ou se ele saiu da pista porque a coluna quebrou. Talvez
tenha mesmo quebrado antes. Talvez'.

Opinião semelhante foi manifestada por um visitante especial


que, em março de 1995, um ano depois da tragédia, pegou um
helicóptero em Interlagos, na semana do GP do Brasil, e foi até
o prédio empresarial da família Senna, na rua Doutor Olavo
Egídio, no bairro de Santana. Num encontro com Viviane, Fabio
Machado e Julian Jakobi, ele disse que achava que o acidente
fora causado pela quebra da coluna de direção. Era Frank

 
 

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