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Os relacionamentos pessoais

O desánimo
A juventude
A estagna^áo
OS DESAFIOS
DA
LIDERANQA
CRISTÁ

John RW Stott

ABU EDITORA
Conteúdo

9
O Desánimo
Como perseverar sob pressáo

A Estagna^áo
Como manter o vigor espiritual

37
Os Relacionamentos Pessoais
Como tratar a todos com respeito

53
A Juventude
Como ser líder quando se é relativamente jovem
Abreviaturas
BJ Biblia de Jerusalém, Ediijbes Paulinas
EC Edi<;áo Contemporánea da Biblia, Editora Vida
IBB Almeida, Revisada, Imprensa Bíblica Brasileira
NVI Nova Versáo Internacional, Sociedade Bíblica Internacional
SBTB Almeida, Corrigida e Revisada, Sociedade Bíblica
Trinitariana do Brasil
TLH Tradu<;áo da Biblia na Linguagem de Hoje, Sociedade Bíblica do
Brasil
1

O Desánimo
Como perseverar sob pressáo
s pressóes sobre os líderes cristáos sao

A
intensas e talvez até mesmo inevitáveis. Os
líderes sao os que levam as críticas feitas á
instituido; tém a respon- sabilidade de
tomar decisóes difíceis; nao dispóem fácilmente
tempo para a familia, nem para tirar férias.
Também há as desilusóes: discípulos que prometem
muito nem sempre vivem conforme o esperado, e
alguns até mesmo se afastam; grupos que parecem
crescer comeijam a declinar em número e na visáo. Um
problema característico é a solidáo que se experimenta
quando se está por cima e nao há companheiros em
quem se apoiar. Além disso, há as tentares pessoais
que o diabo utiliza para atacar todos os líderes.
Todos esses problemas podem provocar desánimo.
E o desánimo pode levar o crente á perda da visáo e
do entusiasmo. A pergunta é: como perseverar sob
essas pressóes?
Podemos encontrar urna reflexáo a esse respeito em
2 Corintios 4, onde encontramos urna frase que se
repete nos versículos 1 e 16 (no grego, é ouk
enkakoumeri). Há versóes que a traduzem: "nao
desanimamos" (ARA e NVI) ou "nunca ficamos
desanimado^' (TLH). Mas outras versóes dizem: "nao
desfalecemod' (IBB, SBTB e EC), e até mesmo "nao
12 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTA

perdemos a coragerrí' [v.l] e "nao nos deixamosabate/' [v.16]


(BJ). Há urna frase semelhante em 2 Corintios 5:6:
"Temos,portanto, sempre bom ánimo" e também no
versículo 8: "Entretanto, estamos emplena confianqá', isto
é, sabemos que náo vamos nos deixar abater.
O contexto nos mostra que, no capítulo 3, Paulo
apresenta a gloria do servido cristáo. Mas no capítulo
4 ele revela os problemas que este servido enfrenta.
Em síntese, o seu argumento é: Por causa da gloria do
ministério, e apesar dos problemas existentes, ouk
enkakoumen: náo desanimamos! -
O texto nos sugere duas perguntas: "Que problemas
tentaram fazer com que Paulo desanimasse?"; e, em
segundo lugar, "Que solu^óes, ou antídotos,
encontrou ele?"

O véu e o corpo
Com respeito á primeira pergunta: "Que problemas
tentaram fazer com que Paulo desanimasse?",
podemos ver que ele faz alusáo a duas dificuldades.
O apóstolo«enfrentava um problema externo e outro
interno, subjetivo.
O primeiro é chamado por Paulo de "o véu", em
grego kaluma. Este é o véu que cobre a mente dos
incrédulos, cegando-os á verdade do evangelho. O
segundo é soma, "o corpo". É o nosso próprio corpo,
este frágil vaso humano que contém o tesouro do
evangelho.
O primeiro problema é espiritual: é a cegueira das
pessoas a quem pregamos a mensagem. O segundo é
físico: é a nossa própria fragilidade e sujei<;áo á morte.
O DESÁNIMO 13
O que podemos esperar de urna congregado cega e
com um pastor que está fraco em sua saúde? Creio
que nao há outra coisa que cause mais desánimo a um
líder do que a combinado desses problemas.
Onde está o "véu"? O texto nos mostra que o véu
está na mente das pessoas, nao é urna obra nossa.
Podemos ser bem abertos em nossa pregado e falar
com clareza, mas os ouvintes nao entendem a verdade.
As causas da cegueira humana sao diabólicas e, de
acordo com Paulo, afetam tanto os judeus como os
gentíos. Em 2 Corintios 3:14, em sua parte central,
lemos: “Poisatéaodia dehoje, quando fazem a leitura da
antiga alianza, o mesmo véupermanecd'. E, outra vez, no
versículo 15: "Mas atéhoje, quando élido Moisés, o véu
estáposto sobre o coragáo deles." Paulo repete o conceito
para dar énfase: os judeus tém um véu sobre sua mente
e corad®. Depois Paulo declara que tém um véu
também os gentíos, "nos quais o deus deste sáculo cegou o
entendimiento dosincrédulod' (2 Corintios 4:4).
Nao é este um de nossos maiores problemas na
comunicado do evangelho? Explicamos as Escrituras
de maneira clara, mas as pessoas nao conseguem
entendé-las. Nós as dissecamos e as apresentamos de
maneira táo simples que pensamos que até urna
crianza poderia compreender, mas as pessoas nao
entendem. Explicamos, argumentamos junto as
pessoas, a ponto de crermos que elas se convenceráo,
porém o véu permanece sobre a mente délas. Duvido
que haja algo que cause mais desánimo do que isso; e
isso pode levar um líder cristáo a urna grande
frustrado.
O segundo problema é o corpo. Paulo escreve sobre
o corpo em 2 Corintios 4:7-18. No versículo 7, ele diz:
14 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTÁ

"Temos, porém, este tesouro em vasos de barro". Á


semelhamja de um antigo vaso de azeite, há um
contraste entre o tesouro e o seu recipiente. Náo há
dúvida alguma de que Paulo se referia á nossa
fragilidade física. Por todo o corpo humano poderiam
ser escritas as seguintes palavras: “Frágil: maneje com
cuidado".
A referencia imediata do contexto é a perseguido,
nos versículos 8 e 9, mas também se refere a esta
debilidade em outros contextos. Em 1 Corintios 2:3,
nos é dito:"Efoi em fraqueza, temoregrande tremorque eu
estive entre vós." A fraqueza de Paulo parece ser mais
psicológica do que física: ele referia-se ao nervosismo
natural que tinha ao ir a Corinto para pregar o
evangelho.
O terceiro exemplo está em 2 Corintios 12:7-9,
quando faz referencia ao seu "espinhona carné’-. "E,para
quenáomeensobeibecessecomagrandeza dasreveia^des, foi-
meposto um espinhona carne... Entáo, elemedisse:A minha
graga te basta,porque opoderse aperfei<;oa na fraqueza."
Parece aquí tratar-se de urna incapacidade física, talvez
urna enfermidade.
Provavelmente poderemos acrescentar a esta lista as
nossas próprias fragilidades: pode ser que sejamos
tímidos, ou tenhamos tendencia á depressáo, ou
enxaquecas freqüentes; todas essas coisas constituem
exemplos da fraqueza do corpo humano, da debilidade
do recipiente que contém o tesouro do evangelho.
Estes sao problemas básicos que náo podemos
enfrentar sozinhos: náo podemos retirar o véu da mente
dos outros e náo podemos evitar a fragilidade da nossa
mente e do nosso corpo. Contudo é apesar desses
problemas, aparentemente insuperáveis, que Paulo diz:
O DESÁNIMO 15
ouk enkakoumen. “náo desanimamos". Entáo, como
podemos superar o desánimo que esses problemas
produzem?

Antídoto contra o desanimo


queproduz a incredulidade
A pergunta que foi feita é “quais os antídotos que
Paulo encontrou para enfrentar esses problemas?" Na
realidade, devemos falar de antídoto no singular
porque, embora os problemas sejam dois, há somente
urna soluijáo: o poder de Deus.
• O que fazer quando as pessoas se recusam a escutar
o evangelho? Geralmente nos sentimos tentados a
for<;á-las a escutar, fazendo uso de técnicas
psicológicas e manipulando as pessoas para que
creiam. Entretanto, por mais forte que possa ser a
tenta<;áo de agir assim, Paulo a desconsidera
categóricamente. Em 2 Corintios 4:2, ele diz: “pelo
contrário, rejeitamos as coisas que,por vergonhosas, se
ocultam, nao andando com astucia, nem adulterando a
palavra de Deus;antes, nos recomendamos á consciencia
de todohomem,napresenta de Deus,pela manífestagao
da verdade". Ele desaprova a manipulado. Ao
contrário, recomenda a apresenta<;áo clara do
evangelho.
Voltemos ao primeiro problema: “nos quais o deus
deste sáculo cegou o entendimiento dosincrédulos,para que
Ihesnaoresplandega a luz do evangelho da gloria de Cristo, o
qualéaimagem deDeud' (2 Corintios 4:4). E, no versículo
6: “Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz,
16 OS DESAFIOS DA L1DERANQA CRISTA

elemesmo resplandeceu em nosso coragáo,para iluminado


do conhecimento dagloria de Deus, na face de Cristo." Neste
último versículo, Paulo está fazendo urna referencia a
Génesis 1:2-3. Ele compara o corado nao regenerado
do homem ao caos primitivo, quando tudo estava sem
ordem, vazio e escuro, até o momento em que Deus
disse: “Haja luz", e a luz resplandeceu ñas trevas. Esta
é a figura que Paulo usa para referir-se á regeneradlo.
Isso foi o que se passou com ele mesmo no caminho
de Damasco. O Deus que em Génesis disse: "Haja luz"
resplandeceu também em nosso coragáo. A
regenerado é urna nova criado de Deus, e nao se
realiza até que Deus diga: “Haja luzT.
Temos aqui dois poderes em conflito. No versículo
4, Satanás é chamado de "o deus deste sáculo", e no
versículo 6 Paulo fala do Deus da criado- O deus deste
século cega os olhos, póe um véu na mente das
pessoas. O Deus da criado, ao contrário, resplandece
e traz luz ao corado. Há um contraste completo e
absoluto entre ambos: um é um deus que cega; o outro
é um Deus que resplandece.
Como podemos atuar nesse conflito? Nao seria urna
demonstrado de modéstia e prudéncia afastarmo-nos
do cenário desse conflito? Nao devemos deixar que
esses dois poderes se enfrentem, sem qualquer
interferéncia nossa? A conclusáo de Paulo nao é esta.
No versículo 5, o apóstolo diz: "Porque nao nos
pregamosa nósmesmos, mas a Cristojesuscomo Senhore a
nósmesmoscomo vossosservos,poramordeJesús" O diabo
procura reter o resplendor da luz, mas Deus faz com
que resplande<;a essa luz.
O que é essa luz? É importante reconhecer que é o
evangelho. No final do versículo 4, ele diz
expressamente: "a luz do evangelho da gloria de Cristo, o
O DESÁNIMO 17
qualéa imagem de Deud'; e, ao final do versículo 6: "para
iluminado do conhecimento da gloria de Deus, na face de
Cristo."
Sendo o evangelho luz, ele é o meio pelo qual Deus
vence as trevas e resplandece no corado das pessoas.
Longe de ser desnecessária, a evangelizado é
absolutamente indispensável. Pregar o evangelho é o
meio criado por Deus pelo qual se pode derrotar o
príncipe das trevas. É o meio pelo qual Deus
resplandece na mente das pessoas. Nela náo podemos
penetrar com o nosso próprio poder, mas ela pode ser
penetrada pelo poder de Deus, quando pregamos o
evangelho.

Antídoto contra a
fragílidade do corpo
O segundo problema a que se refere o apóstolo Paulo
é a fragílidade do corpo." Temos,porém, este tesouro em
vasos de barro,para que a excelencia dopoderseja de Deuse
nao denód' (2 Corintios 4:7). É importante notar o "para
que". Já em 1 Corintios 2:3-5, Paulo dizia:
E foi em fraqueza, temor e grande tremor que
eu estive entre vós. A minha palavra e a minha
prega^áo nao consistiram em linguagem
persuasiva de sabedoria, mas em
demonstrado do Espirito e de poder, para que
a vossa fé náo se apoiasse em sabedoria
humana, e sim no poder de Deus.
A terceira memjáo do problema está em 2 Corintios
18 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTA

12:7: "foi-meposto um espinhona carne..." E, no versículo


9, acrescenta: " mais megloriareiñas fraquezas,para que
sobre mim repouse o poder de Cristo". (E temos aquí
nov amente a expressáo "para que".) Paulo utiliza tres
vezes esta expressáo "para que", e nao é por acaso.
Esta é a énfase das duas cartas aos Corintios: que o
poder de Deus demonstra-se através da fraqueza
humana, e que a vida de Deus manifesta-se através da
morte.
Em 2 Corintios 4:10, Paulo diz: "levando sempreno
corpo omorrerdeJesús, para que também a sua vida se
manifesté em nosso corpd'. E no versículo 12: "Demodo
que em nós opera a morte;mas em vós,a vida."
Isso significa que estamos carregando em nosso
corpo a morte de Jesús, para que a vida dele possa
manifestar-se em nossa carne mortal. Poder através da
fraqueza e vida através da morte; este é o tema dessas
duas cartas.
Entáo, que fazemos, se sentimos essa fraqueza em
nossa carne mortal? Como Paulo, oramos para sermos
libertados do espinho da carne. Deus pode libertar-
nos. Nossas dores de cabera talvez sumam, nossa
timidez psicológica pode desaparecer... porém pode
ser que isso nao ocorra. As Escrituras e a experiencia
ensinam-nos esta li<;áo, difícil de ser aceita: com
freqüéncia Deus nos mantém em fraqueza para que o
seu poder possa manifestar-se através do nos.so corpo,
apesar da nossa fragilidade.
Gostaria de compartilhar urna experiencia pessoal.
Em 1958, durante urna missáo na Universidade de
Sidney, na Austrália, perdí a voz em decorréncia de
urna infec^áo na garganta. O que pode fazer um
missionário sem voz? Era a última noite da missáo, e
O DESÁNIMO 19
os estuchantes tinham tomado todo o grande auditorio
universitario. Antes de come^ar, um pequeño grupo
sentou-se a meu lado e lhes pedi que lessem a
passagem de 2 Corintios 12. Oramos para que fosse
removido o espinho em minha carne. Lembro-me de
que puseram as máos sobre mim. Mas continuamos a
orar, dizendo que se Deus tinha prazer na minha
fraqueza, eu me regozijaria em minhas enfermidades,
para que o poder de Cristo pudesse descansar sobre
mim. Fiz minhas as palavras do apostólo: " ...porque,
quando sou fraco, entáo, é que sou forte" (2 Co 12:10).
Recordo-me de que tive que aproximar-me bem
próximo do microfone. Eu parecía urna rá, "coaxando”
o evangelho. Náo pude fazer inflexóes na voz, nem
expressar a minha personalidade. Foi simplesmente
um coaxar monótono. Em todo o tempo estivemos
pedindo a Deus que demonstrasse o seu poder através
da fraqueza.
Honestamente, náo foi a noite em que houve maior
resultado. Mas o que me anima é o seguinte: tenho
voltado á Australia muitas vezes desde entáo, e em
todas as ocasióes sempre alguém se aproximou de
mim e me disse: "Lembra-se da noite em que pregou
no auditorio, sem voz?" A minha resposta,
lógicamente, sempre foi: "Como poderia esquecer-
me?!" E entáo a pessoa me diz: "Foi naquela noite em
que eu me encontrei com Cristo e me entreguei a ele."
Isso tem sido urna grande demonstrado de que o
poder de Deus se mostra através da fraqueza humana.
O véu que as pessoas tém sobre a mente é muito
denso. O nosso corpo é muito fraco. Mas náo está fora
do alcance do poder de Deus penetrar esse véu ou
sustentar o nosso corpo. Assim, ouk enkakoumen. náo
20 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTA

desanimamos, apesar das pressóes.


Concluo com urna outra ilustrado australiana,
sobre a perseveraba.
Samuel Moke, colono inglés em Sidney, propós-se
em fins do século passado a resolver um problema.
Estavam exportando carne da Austrália para a Europa,
mas a carne sempre se deteriorava antes de chegar ao
destino. Moke decidiu inventar um sistema eficaz de
refrigerado. Deu um prazo de tres anos para realizar
tal projeto, mas levou vinte e seis anos! Eh viveu o
suficiente para ver sair da Austrália o primeiro
carregamento de carne refrigerada, mas morreu antes
que essa carne chegasse na Inglaterra. Ao redor das
paredes do seu escritorio está pintado o seu lema, na
casa que agora é habitada pelo arcebispo de Sidney.
O lema está escrito vinte vezes naquelas paredes:
"Perseverar é ter éxito". Que Deus nos dé a gra<;a para
perseverar, confiando no seu poder em nossa fraqueza.
2

A Estagna^áo
Como manter
o vigor espiritual
estagna<;áo é hoje em dia um dos

A
problemas mais comuns da lideramja
crista, aínda mais grave do que o
desánimo. Quando perdemos o vigor
espiritual, a nossa visáo comega a desvanecer-se e
pode diminuir a nossa fé. A gloria do evangelho pode
empanar-se a ponto de nao nos emocionarmos mais
com ele, de nao haver mais brilho em nossos olhos
nem entusiasmo em nossa a$áo. Cometamos a parecer
agua parada, em vez de córregos. Como é que
podemos, em meio a todas essas pressóes que nos
afligem, nao só vencermos o desánimo, mas também
manter o vigor espiritual? Pessoalmente, estou
convencido de que a raiz da estagna<;áo é, com
freqüéncia, a falta de autodisciplina.
Quero assinalar tres áreas de disciplina: a primeira
é a disciplina do descanso e do lazer; a segunda é a
disciplina na administrado do tempo; e a terceira é a
disciplina na vida devocional.
24 OS DESAFIOS DA LIDERAN^A CRISTA

A disciplina do
descanso e do lazer
Nos, seres humanos, somos criaturas psicossomáticas.
De fato, somos criaturas pneumato-psicossomáticas,
porque somos corpo, alma e espirito. Náo é fácil
entender a inter-rela<;áo entre essas tres áreas. Aínda
assim, sabemos que a condi^áo de urna afeta as outras.
A conditjáo do corpo afeta de maneira particular a
nossa vida espiritual. Quando me consultam por um
problema espiritual, as vezes advirto tal pessoa que a
solu^áo está em tirar urna semana de ferias. Quando
estamos cansados ou enfermos, náo temos entusiasmo
para pregar acerca de Jesús Cristo. Por outro lado,
quando nos sentimos bem físicamente, as coisas ficam
mais fáceis; por isso é necessária a disciplina do
descanso.
Em primeiro lugar, é necessário tirarmos algum
tempo para nós mesmos. Alguns cristáos sao
trabalhadores compulsivos: pensam que, se náo
trabalham pela manhá, á tarde e á noite, náo sáo bons
servos de.Deus. Tomam Jesús como modelo, dizendo
que Jesús sempre esteve disponível em todas as horas.
Ao dizerem isso, mostram que o seu conhecimento da
Biblia deixa muito a desejar, porque Jesús náo estava
disponível todas as horas do dia.
O texto que gostaria de apresentar aos trabalhadores
compulsivos é Marcos 6:45:"Logo a seguir, compeliu
Jesús osseus discípulos a embarcar epassaradiantepara
o outro lado, a Betsaida, enquanto ele despedía a
multidao.” Ele despediu a multidáo para poder
descansar e orar. Portanto, náo devemos ter
A ESTAGNAQÁO 25
sentimentos de culpa por tirarmos o tempo necessário
para descansar.
De minha parte, sou muito grato a Deus por ter um
tempinho para descansar após o almo^o. Nao teria
como levantar-me bem cedo se nao tivesse esse
descanso de tarde. Recordo-me muito bem da minha
primeira visita á América Latina, onde em muitos
países há o costume da "siesta", o descanso após o
almo<;o. Tinha viajado por vários países desse
continente. Na minha última apresenta<;áo pública, em
Buenos Aires, alguém me perguntou se eu tinha
aprendido alguma coisa na América Latina.
Rápidamente respondí que tinha aprendido tres
valiosas linóes: a primeira, o grande beneficio da
"siesta"; a segunda litjáo foi que me arrependia do
vicio británico da pontualidade! Em terceiro lugar,
gostei do costume de beijar no rosto ao cumprimentar
alguém do sexo feminino! Acrescentei que, ao
regressar a Londres, teria que esquecer duas dessas
linóes... mas mantive o costume da "siesta". Embora
nossas necessidades variem segundo nossos
temperamentos, todos nós necessitamos ter um tempo
adequado para dormir e descansar.
Também deveríamos tirar um dia de descanso por
semana. Temo que eu mesmo as vezes nao fa^a isso,
porém creio que devemos obedecer com mais
fidelidade o quarto mandamento. Se nao o fizermos,
estaremos afirmando que temos mais sabedoria do que
Deus. Ele nos fez de tal maneira que precisamos do
descanso de um dia em cada sete.
Durante a Revoluto Francesa quiseram mudar, e
tentaram novamente em 1917, após a Revoluto Russa;
porém a experiencia de fazerem semanas de nove ou
26 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTÁ

dez dias fracassou. Deus sabia o que estava fazendo


quando nos deu um dia de descanso em cada sete, e
náo devemos pretender ter mais sabedoria do que ele.
Em segundo lugar, quero referir-me as atividades
recreativas ou passatempos. Enquanto somos jovens,
o nosso passatempo provavelmente seja algum
esporte. Isso é excelente, já que nos dá a oportunidade
de ter urna atividade física junto com nossos amigos.
Entretanto, até mesmo quando estamos numa idade
em que náo dá para praticar esportes, todos
deveríamos ter alguma atividade recreativa. Urna
alternativa poderia ser o interesse por algum aspecto
da natureza. Nós, cristáos evangélicos, temos urna boa
doutrina da reden^áo, porém urna doutrina
inadequada da cria<;áo. Gostaria de animar tais pessoas
a observar os pássaros, por exemplo; os que o fazem
difícilmente ficam estressados, já que observar
pássaros leva a pessoa a fazer exercícios e a respirar
um ar puro.
Náo tenho palavras para descrever a magia de urna
manhá, bem cedo, depois do despontar do sol, quando
se está em algum lugar no campo para desfrutar da
vista, dos sons e dos odores da natureza. É urna
experiencia incomparável. Além disso, mantém a
mente ocupada, afastando-a das pressóes do trabalho.
Permite também meditar acerca da complexidade e
da beleza da cria^áo de Deus. Sendo possível, a nossa
recreado deveria dar-se ao ar livre.
Em terceiro lugar, porém nací menos importante,
temos a familia e os amigos. Em nosso círculo familiar
sabemos que nos amam e que nos aceitam, e podemos
relaxar. É de se esperar que os que estáo cansados
dediquem suficiente tempo a suas familias.
A ESTAGNAQÁO 27
Sempre admirei o meu sucessor na reitoria da Igreja
All Souls, em Londres. Michael Baughen é um pai de
familia maravilhoso. Ele e sua esposa sao muito
felizes, tém tres filhos que já sao adultos, e sao um
exemplo de vida familiar crista. Michael propós-se a
estar sempre com a sua familia no jantar. Ele tomou
essa decisáo quando seus filhos aínda eram pequeños
e portanto jantavam cedo. Nao importava o que ele
estava fazendo: naquela hora ele deixava tudo para ir
jantar com a familia.
Todos nós necessitamos ter também amigos fora do
ámbito familiar, especialmente aquele que é solteiro.
É bom orar para que Deus nos dé alguém a quem
possamos considerar como sendo "um amigo da
alma", por assim dizer: alguém com quem possamos
compartilhar profundamente as nossas experiencias
espirituais.
Pergunto-me se valorizamos suficientemente a
dádiva de Deus que é a amizade. Como vocé
completaría o seguinte versículo, escrito por Paulo?:
"Porque, chegando nós á Macedónia, nenhum alivio
tivemos;pelocontrário, em tudo fomos atribulados: luías
por fora, temorespor dentro. Porém Deus, queconforta
os abatidos, nos consolou com..." Como qué? Como
termina o versículo? Como foi que Deus consolou
Paulo quando estava á beira de um colapso?
Os cristáos "super-espirituais" provavelmente
diriam: "Deus o consolou com a afirmado do seu
amor", ou "Deus o consolou com a presenta de Jesús".
Mas nao foi assim que Paulo continuou aquela frase.
Ele disse:"...nos consolou com a chegada de Titd' (2 Co
7:5-6), isto é, com a chegada de um amigo próximo, e
com as noticias trazidas por ele. Deus faz uso da
28 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTÁ

necessídade humana da amizade para consolar-nos.


Temos um outro exemplo de Paulo, no final da sua
segunda carta a Timoteo. Pelo que parece ele estava
na prisáo de Mamertime, em Roma, onde náo havia
janelas, exceto somente uns pequeños círculos no teto,
pelos quais entrava luz e a cela era iluminada. Paulo
náo sairia daquela prisáo, a náo ser para ser executado.
Foi entáo que ele escreveu: "Combatío bom combate,
completeia carreira,guardeia fé' (2 Tm 4:7). Aquí Paulo
está na plenitude da sua maturidade, no final de sua
vida; entretanto sentia-se só. Era um grande cristáo,
maduro, mas sentia solidáo. Ele escreve acerca da
presenta de Deus em 2 Timoteo 4: "Mas o Senhor me
assistiu eme revestía de forjad' (v. 17), e escreve também
acerca da esperanza da segunda vinda de Jesús.
Contudo nenhuma dessas duas realidades o livram
do sentimento de solidáo. Depois escreve, no versículo
9: "Procura vir ter comigo depressa" e, no 21: "Apressa-tea
vir antes do invemd'. Paulo também lhe pede que traga
sua capa, porque sente frió, e que traga os livros e os
pergaminhos. Paulo era um grande cristáo, mas era
também urna pessoa muito humana e náo tinha medo
de admitirá sua necessídade de ter amigos.
Em síntese, temos necessídade de tirar algum tempo
para descansar; temos necessídade de praticar esportes
ou recreares e, finalmente, temos necessídade de
familia e amigos. Estas sáo necessidades humanas, e
nunca deveremos ter vergonha de admitir que temos
tais necessidades.
A ESTAGNAQÁO 29

A disciplina
na administrando do tempo
Em segundo lugar, pretendo considerar a disciplina
na administra^áo do tempo. É muito conhecida a
expressáo de Efésios 5:16: "Aproveitem bem o tempo
porque os días em que vivemos sao ma u¿' (TLH). O tempo
é um bem muito valioso. Todos nós temos a mesma
quantidade: 60 minutos em cada hora, e 24 horas por
dia. Entretanto, alguns o aproveitambem, e outros nao.
Um problema é a disciplina com respeito ao horario.
De maneira geral, os pastores e outros líderes de igreja
nao tém urna rotina diária formal, com um dia igual
ao outro, de maneira que podem construir o seu
próprio horario diario. Pessoalmente, acho útil fazer
urna lista das coisas que tenho que fazer; depois
determino as prioridades e passo a atribuir, a cada
assunto pendente, o tempo que creio seja necessário
para a sua execu^áo.
Na parte da manhá me é de grande ajuda orar,
pensando e pondo tudo o que vou fazer diante de
Deus. Mantendo-se este hábito, raramente um
compromisso é esquecido. Quando alguém se esquece
de que tinha um encontró, pergunto-lhe: "Por que
coisas vocé esteve orando nesta manhá?" Creio que
vale a pena orar no cometo do dia. Dessa maneira
podemos enfrentar de joelhos tudo o que nos espera:
seja urna responsabilidade muito grande que
preferiríamos nao ter assumido, seja, quem sabe, urna
pessoa com quem temos um compromisso. Os
problemas para mim sempre diminuem quando os
afronto em ora^áo, antes de cometjar o dia.
O Dr. Martyn Lloyd-Jones disse-me certa vez que a
30 OS DESAFIOS DA L1DERANQA CRISTÁ

pressao sangüínea influí no horário de maior atividade


de cada pessoa; algumas pessoas despertam cheias de
vigor e lúcidas, e váo se cansando progressivamente
no decurso do dia. Outras despertam cansadas; e
durante o dia váo se reanimando, e encontram-se no
seu melhor momento as duas da madrugada. Para mim
essas pessoas sao intoleráveis, porque a minha pressao
sangüínea funciona do outro jeito. Vou dormir muito
cansado, mas desperto-me novo em folha. Para mim é
maravílhoso ter urnas duas ou trés horas antes do café
da manhá sem as interrup^óes do telefone, do carteiro,
de visitas ou da familia; contudo reconhe^o que cada
um de nós é diferente e que náo temos que estar
imitando uns aos outros.
Espero que também separemos tempo para 1er.
Temos necessidade de estabelecer urna meta realista;
muitos sao os pastores que nunca léem; por outro lado,
há seminarios que recomendam que passemos um
bom tempo todas as manhás estudando. Creio que
todos podemos dedicar a cada dia algum tempo para
a leitura. Além disso, deveríamos destacar urna
manhá, urna tarde ou urna noite por semana, isto é,
um período de tempo maior, como de quatro horas,
para isso. Ou seja, urna hora diaria e urna sessáo de
quatro horas urna vez por semana somam
aproximadamente 10 horas semanais, ñas quais
seguramente dá para 1er um livro. Um livro por semana
sao 50 ou mais por ano; realmente creio que esta é urna
meta razoável que se possa ter.
Um segundo aspecto da disciplina do tempo é algo
que poderia chamar de "dias tranquilos". Eu tinha
somente 29 anos de idade quando me designaram
reitor da Igreja de All Souls. Era um encargo superior
A ESTAGNAQÁO 31
as minhas habilidades e á experiencia que eu tinha; as
responsabilidades rápidamente me tomaram e me
derrubaram. Surgiam eventos para os quais eu tinha
me esquecido de me preparar; depois passei a ter
"pesadelos de pastor": sonhava que estava na metade
do caminho em dired0 ao púlpito, e de repente me
lembrava de que tinha me esquecido de preparar o
sermáo! Suponho que naqueles dias nao estive longe
de sofrer um colapso nervoso. Mas um dia fui a urna
conferencia para pastores e um deles fez urna sugestáo
muito simples, que é a única coisa de que me recordó
daquela conferencia. Honestamente, creio que ela me
salvou a vida. Ele disse que todo pastor deveria dar-
se um dia tranqüilo por mes, afastando-se de sua
familia e de sua congregado, para buscar a mente de
Deus, esfor<jando-se por ver o seu futuro nos próximos
meses, para saber para onde estaria indo.
Essa foi a palavra de Deus para mim. Imediatamente
marquei em minha agenda qual seria esse dia no mes;
pus urna pequeña letra "T" de "tranqüilidade", e pedi
a um amigo que mora a poucos quilómetros de
Londres que me permitisse passar aquele dia em sua
casa; ninguém mais sabia onde eu estava, exceto minha
secretária, para o caso de haver alguma emergencia.
Separei para o meu dia tranqüilo aquelas coisas que
requeriam tempo, serenidade e orado: cartas difíceis
de responder, problemas sobre os quais teria que
meditar, um artigo que teria que escrever, o
planejamento do período de tres a seis meses
seguintes. O que posso dizer é que a carga
imediatamente me foi aliviada, e quase nunca mais
voltei a ter "pesadelos de pastor". Aqueles dias de
tranqüilidade de cada mes tornaram-se táo
32 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTA

importantes que por uns dez ou quinze anos decidí


que seriam semanais. Recomendó que se tenha pelo
menos um por mes, especialmente para olhar para o
futuro.

A disciplina devocional
Urna outra área em que é importante ser disciplinado
para evitar a estagnaijáo é a prática devocional: a leitura
diaria da Biblia e a ora<;áo. *
Os pastores e líderes cristáos necessitam conhecer a
totalidade das Escrituras. A maior parte das
interpretares erróneas deve-se a um conhecimento
parcial da Palavra de Deus. O mais seguro dos
principios hermenéuticos é o do conhecimento global
da Biblia; depois aprendemos a interpretar cada texto
á luz do seu contexto, e também á luz do todo.
O Dr. Lloyd-Jones presenteou-me, há 25 anos, um
método muito original de leitura bíblica. É um
calendário muito simples, que se chama “Pao Diário:
Calendario de Leitura Bíblica". Foi escrito por um
pastor escocés em 1848, para persuadir sua
congregado a 1er toda a Biblia em um ano; ele quería
que lessem duas vezes o Novo Testamento e urna vez
o Antigo, para que pudessem absorver a totalidade
das Escrituras. Esta é urna disciplina bastante árdua,
porém creio que é de grande,valor: náo se cometa o
primeiro dia de janeiro com Génesis 1 a 4, e o dia 2 de
janeiro seguindo-se com Génesis 5 a 9; mas no primeiro
dia do ano come<;a-se com os quatro grandes comeaos
das Escrituras: Génesis 1, Esdras 1, Mateus 1 e Atos 1.
Cada um trata de um nascimento: Génesis 1 é o
A ESTAGNAQÁO 33
nascimento do universo, Esdras 1 é o renascimento da
na^áo depois do exilio da Babilonia, Mateus leo
nascimento de Jesús, e Atos 1 é o nascimento da Igreja.
Come^a-se com os quatro grandes comeaos e
prossegue-se a partir deles por todo o ano.
Aquilo me ajudou demais a encontrar os temas das
Escrituras e ver como as passagens se váo inter-
relacionando urnas com as outras. A minha prática é a
de 1er tres capítulos pela manhá, e um á noite. A leitura
de tres capítulos toma aproximadamente quinze
minutos, assim podemos acrescentar um pouco de
estudo a essa leitura geral.
Como podemos manter o vigor de nossa leitura
bíblica e evitar que seja interrompida ou que se torne
rotineira? A minha resposta é que necessitamos chegar
a ela com expectativas; nao devemos iniciar a leitura
sem antes ter uns minutos de reflexáo e de
conscientiza^áo. Precisamos recordar-nos de que Deus
nos fala através do que ele disse antes. Ele está mais
ansioso e desejoso de falar conosco do que nós de
escutá-lo. O propósito da leitura bíblica é escutar a
voz viva de Deus, e precisamos chegar a ela com urna
viva expectativa.
Quero dizer também alguma coisa sobre a ora^ao.
Creio que para nós ela é um pouco difícil,
principalmente porque nos dá trabalho concentrárme-
nos. Vocé já pensou alguma vez neste paradoxo?
Quando nos aproximamos de Deus em ora^áo
sabemos que estamos em comunháo com ele. Isso nos
satisfaz profundamente; o tempo pára e nao temos
pressa alguma em terminar. Na oragáo a nossa
comunháo com o Pai celestial é urna realidade. Na
melhor das hipóteses isso nao acontece com
34 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTA

freqüéncia, mas creio que vocé (como eu) já o


experimentou em algum momento e saiu de lá
profundamente satisfeito. Sendo assim, deveríamos
estar motivados a orar.
Entretanto, dá-se o paradoxo de que, quando se
aproxima o nosso tempo de ora^áo, sobrevém-nos urna
estranha aversao para cumpri-lo; urna centena de
inocentes alternativas apresentam-se em nossa mente:
temos urna carta para escrever, ou um amigo para
visitar, ou urna revista para ser lida, e assim por diante.
Qual é a razáo dessa ilógica rea^áo? O diabo sabe que
a oragáo é o maior segredo da vida crista e está disposto
a fazer todo o possível para deter-nos. Esta é a única
explicado que posso encontrar sobre a resistencia á
ora<;áo.
Portanto, minha pretensáo é compartilhar algo que
para mim foi bastante útil. Temos que ganhar a batalha
do que eu chamo de "o umbral". Ás vezes imagino
urna parede muito alta, e o Deus vivo do outro lado
da parede. Lá, num jardim florido, ele está esperando
que passemos para aquele lado. (Parece urna idéia um
pouco infantil, mas a mim eía ajuda.) A única maneira
de atravessar a parede para chegar ao jardim é urna
pequeníssima porta, e diante déla está o diabo com
urna espada na máo, pronto para combater cada passo
nosso, para evitar que passemos para a presenta de
Deus. E nesse momento que precisamos vencer o
diabo, em nome de Cristo. Esta é a batalha do umbral.
Pensó que há muitos de nós que nos damos por
vencidos com respeito á oragáo antes de ter vencido a
batalha do umbral. A melhor maneira de vencer essa
batalha, pela minha experiencia, é usando as
promessas da Escritura.
A ESTAGNAQÁO 35
Quando perdí a voz naquela missáo em Sidney, eu
tinha aínda urna outra etapa a cumprir em Melbourne.
Estava exausto já ao terminar a primeira serie de
conferencias, e nada me parecía ser menos atraente do
que empreender a segunda. Realmente me sentia
cansado. A única coisa que desejava fazer era tomar o
próximo vóo de volta para casa. Certamente esse
esgotamento tinha em parte causas físicas, mas
também havia urna batalha espiritual: faltava-me
entusiasmo pelo evangelho e sentia que o Senhor me
tinha abandonado.
Eu estava hospedado no lar de urna familia crista;
era a véspera do dia em que a missáo cometaria, e eu
sabia que nao poderia iniciá-la se nao tivesse
restaurado a minha comunháo com o Senhor. Fechei-
me em meu quarto a sós com o Senhor e fiquei lendo
algumas passagens da Escritura. Deus usou o Salmo
145:18: ‘‘Perto está o Se n h o r de todos os que oinvocam, de
todos os que oinvocam em verdade." Posso dizer-lhe que,
depois de algum tempo, a carga me foi aliviada e o
Senhor apresentou-se a mim novamente; fui á missáo
renovado e com plena confianza, e fui aben^oado pelo
Senhor.
Tenho certeza de que, através da autodisciplina
nestas tres áreas: descanso e lazer, administrado do
tempo, e vida devocional, o Senhor aben^oa
grandemente a nossa vida.
3

Os Relacionamentos
Pessoais
Como tratar a todos
com respeito
O
terceiro problema da lideran^a crista que
i pretendo abordar é o problema dos
relacionamentos; em particular, como tratar
as pessoas com respeito. Nunca se
enfatizará de forma suficiente a importancia
relagóes pessoais. A vida sobre a térra consiste de
relacionamentos entre pessoas.
Geralmente vivemos em meio a urna rede bem
complexa de relacionamentos. “Porquenenhum denos
vivepara si mesmo" (Rm 14:7), disse o apóstolo Paulo.
"Ninguém é urna ilha", dizemos também. Temos a
familia, os amigos, os nossos colegas, as pessoas a
quem servimos, as que nos servem, e todos eles tém
direitos em rela<;áo a nós. Portanto, é verdadeiramente
importante que aprendamos a cultivar boas relaces.
Que nao acóntela como no caso de um missionário a
quem perguntaram como se sentia, tendo ele
respondido que se sentia muito bem, exceto que nao
podía suportar seus colegas missionários, e nao se
dava bem com as pessoas do país ao qual tinha ido
para servir... quanto ao mais, tudo bem!
40 OS DESAFIOS DA L1DERANQA CRISTÁ

Respeito baseado no valor:


a criando e a redengdo
Esta primeira se$áo refere-se aos fundamentos que nos,
cristáos, temos para manter vínculos sadios. A base
de urna boa rela^áo é o respeito, e o respeito baseia-se
no valor. Entretanto, é importante termos urna
perspectiva crista do valor. O valor das pessoas náo
se mede por sua profissáo ou por sua agradável
personalidade, por sua posi^áo social, pelo tamanho
de sua casa ou do seu carro. O valor humano é
intrínseco. Esta é urna diferen^a básica entre a
mentalidade crista e a mentalidade secular, que afeta
muito profundamente os relacionamentos entre as
pessoas.
Nós, cristáos, temos melhores fundamentos do que
outras correntes de pensamento para servir aos seres
humanos, porque náo o fazemos pelo que eremos que
seráo no futuro, mas pelo que já sáo: náo somos
inspirados pela evolu<;áo, e sim pela criagáo. A criatjáo
é a primeira base do valor humano, e a segunda é a
redengáo em Jesús Cristo.
Um versículo que me tem sido de grande ajuda é
Atos 20:28, que está no famoso discurso de despedida
que Paulo fez em Mileto, aos anciáos da igreja em
Efeso: "A tendeipor vos epor todó o rebanhosobre o qual
o EspiritoSanto vosconstituiubispos,parapastoreantes a
igreja de Deus, a qual eie comprou com o seupróprio
sangue" (At 20:28). Dá para notar a referencia que se
faz á Trindade neste versículo? A Trindade é a base
do cuidado pastoral da igreja de Deus. Veja que o texto
diz "igreja de Deus" (algumas versóes trazem a forma
OS RELACIONAMENTOS PESSOAIS 41
"igreja do Senhor", porém a correta é aquela). A igreja
de Deus foi comprada pelo sangue de Cristo e o
Espirito Santo foi designado para ser guardiao da
igreja.
Isto é de grande ajuda para mim como pastor: tanto
o Pai como o Filho e o Espirito Santo estáo compro-
metidos com o bem-estar das pessoas. Por isso é para
mim um privilegio estar envolvido com o seu servido.
Creio que temos que recordar-nos continuamente
quem sao essas pessoas as quais fomos chamados para
servir.
Honestamente, nem todas as pessoas a quem tenho
que atender na igreja me sao agradáveis... Ás vezes
tenho até vontade de despedir certas pessoas e nao
atendé-las, ou entáo sair correndo, eu mesmo. Porém
esta expressáo de Paulo ajuda-me a superar essa
situado. Enquanto lhes falo em voz alta, também estou
falando silenciosamente em meu coracáo: "Pode ser
que eles nao valham muito, de acordo com alguns
critérios terrenos, mas eles sao preciosos para Deus,
que os fez á sua imagem; Cristo os ama e morreu por
eles, e é um privilégio para mim servir-lhes, porque
contieno o valor que eles tém." Pode parecer
engranado, mas pensar assim enquanto estou com eles
ajuda-me a mudar a minha atitude para com eles;
posso amá-los e cuidar deles. A base de urna boa
rela^áo é reconhecer que o valor humano é intrínseco,
que se deve á cria^áo e á reden<;áo.
42 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTA

"Em nome do Senhor... como


trabalhando para o Senhor..."
Quero compartilhar com voces um principio que me
parece revolucionario. Em Colossenses 3:17 Paulo diz:
"Etudo o que fizerdes, seja empalavra, seja em a$áo,
fazei-o em nome do SenhorJesús, dandopor ele grabas
a Deus Pai." E no versículo 23: "Tudo quanto
fizerdes, fazei-o de todo o corando, comopara o Senhor e

Veja que nesses dois versículos há urna referencia a


"todas as coisas que fizermos". Aquí há alguns
principios de aplicadlo universal que se comple-
mentan! maravilhosamente. O versículo 17 fala de
fazer coisas em nome do Senhor Jesús. Fazer algo em
seu nome é fazé-lo como representante seu ou como
seu procurador. Por sua vez, o versículo 23 fala de
fazer coisas para o Senhor, sob suas ordens, isto é, como
servos.
De acordo com o primeiro versículo, devo tratar o
meu próximo como se eufosse Jesús Cristo. De acordo,
porém, com o segundo versículo, devo tratar o meu
próximo como se ele fosse Jesús Cristo. Quando me
relaciono com urna pessoa "em nome doSenhof, devo
dar-lhe o respeito e a atenijáo que Jesús Cristo lhe teria
dado. Por sua vez, de acordo com o segundo versículo,
devo dar-lhe o respeito e a cortesía que daría ao
próprio Jesús Cristo. Em todo relacionamento, Jesús
Cristo tem os dois papéis: devo tratar o meu próximo
como se eu fosse Cristo, e devo tratar a pessoa como
se ela fosse o próprio Cristo. Essas duas normas de
conduta sao revolucionarias, e as duas juntas sao
duplamente revolucionarias.
OS RELACIONAMENTOS PESSOAIS 43
Segundo o primeiro destes principios, aproximándo-
nos dos outros em nome de Cristo: representamos
Jesús. Somos seus embaixadores sobre a térra.
Aprendemos a considerar as pessoas como ele as
considerou e aprendemos a tratar as pessoas como ele
as tratou: honramos as mulheres como ele as honrou;
amamos as crianzas como ele o fez; mostramos
compaixáo aqueles que déla necessitam, como ele lhes
mostrou; e humilhamo-nos para lavar os pés dos
outros, como ele o fez. A pergunta em cada situa<jáo é:
"Que faria Jesús?"
Charles Sheldon relata em seu livro Em SeusPassos,
Que Faria Jesús? um fato ocorrido durante a grande
depressáo dos anos 30:
Era sábado e o pastor estava sentado em seu
escritorio, preparando o sermáo. Seu texto era 1 Pedro
2:21: "pois que também Cristo sofreu em vosso lugar,
deixando-vos exemplopara seguirdes os seuspassod'. De
repente tocou a campainha; o pastor soltou urnas
grosserias em voz baixa, achegou-se até a janela e viu
um homem, que obviamente estava desempregado.
O pastor lhe disse que estava ocupado preparando o
seu sermáo, mas logo depois a campainha tocou de
novo. Quando o pastor desceu para falar com o
mendigo, este lhe contou urna longa historia de
sofrimento e de desemprego. De algum modo o pastor
livrou-se dele o mais depressa possível, para continuar
preparando o seu sermáo.
O domingo chegou e ele deu urna brilhante e
eloqüente mensagem. Mas, ao terminar, ouviu um
grande distúrbio no fundo da igreja; alguém estava
aproximando-se pelo corredor central e, com espanto,
o pastor viu que era aquele mendigo. Quando chegou
44 OS DESAFIOS DA LIDERANCA CRISTA

á frente de todos, o mendigo deu meia-volta e,


dirigindo-se á congregadlo, disse-lhes: "Escutei o
sermáo do pastor de voces acerca de como seguir os
passos de Jesús..." - e passou a explicar o que havia
ocorrido no dia anterior, quando lhe pedirá ajuda, e
terminou dizendo: "Quando me despediu, náo pude
deixar de perguntar a mim mesmo se Jesús teria feito
isso." E em seguida desmaiou de fome. O consternado
pastor desceu do pulpito e o levou a urna sala, mas
logo depois o homem morreu.
É fácil entender como essa experiencia revolucionou
aquela igreja. No domingo seguinte o pastor desafiou
a congregado para que comprometessem a nada
fazerem sem antes perguntar, cada um a si mesmo, o
que faria Jesús em tal circunstancia. O restante do livro
relata o que aconteceu com cada urna das diferentes
pessoas. E embora urna parte do livro seja um tanto
sentimental, ele dá urna forte énfase em que, náo
importando o que fazemos, devemos fazé-lo em nome
do Senhor Jesús, como seus representantes.
No versículo 23 encontramos o principio
complementar, que é fazer tudo para o Senhor. Ésta
recomendado encontra-se em meio as instruyes para
os escravos. Eles deveria-m ser obedientes e
trabalhadores, conscienciosos e honestos. Por qué?
Porque além de seus donos terrenos deveriam fixar a
aten^áo no senhor celestial e tudo fazer para ele, e náo
para homens. Por servirem o Pai celestial, serviriam
melhor seus amos terrenos.
Isto quer dizer que, neste segundo principio,
invertem-se os papéis: o respeito e a honra que
devemos dar as pessoas náo é o que Cristo lhes daria,
mas o que Cristo receberia. Náo foi a isso que Jesús se
OS RELACIONAMENTOS PESSOAIS 45
referiu quando falou do ministério de amor com os
que tém fome e sede, com os enfermos, com os
encarcerados, com os estrangeiros e com os
prisioneiros? "Sempre que o fizestes a um destes meus
pequeninosirmáos,amimofizeste¿’ (Mateus 25:40).
Éste é o principio que podemos aplicar a tudo o que
fazemos: é fácil e agradável limpar um quarto se
estamos esperando urna visita de Jesús Cristo. E
possível preparar urna refei<;áo se estamos, como
Marta, esperando que Jesús venha comer conosco. É
possível servir ao estudante como se fosse Cristo. É
possível escrever urna carta como se Cristo é quem
fosse le-la. E possível visitar urna casa como se fosse
Jesús que ali morasse.
Em fins do sáculo passado havia um líder metodista
na Inglaterra, Samuel Chadwick. Ele conta algo que
aprendeu quando tinha dez anos. Era o aniversario da
Escola Dominical, e o pastor convidado disse algo que
chamou a sua atentjáo: ele disse que se fosse um
engraxate, seria o melhor da cidade, porque lustraría os
sapatos como se fosse para Jesús usá-los. Isso tocou no
cora^áo do menino, porque o seu trabalho em casa era
limpar os sapatos de seu pai e, para ele, era o pior
trabalho que lhe poderiam dar. No dia seguinte cometjou
a limpar os sapatos de seu pai: cometjou pelas botas de
borracha, baseando-se no principio de que é melhor fazer
o pior primeiro. Quando terminou, porém, recordou-se
das palavras do pastor e examinou as botas que tinha
limpado; e perguntou a si mesmo se elas estariam bem
nos pés de Jesús Cristo. Entáo se levantou, limpando-as
pela segunda vez. Chadwick afirma que este foi o ato
mais importante que realizou em sua vida: aprendeu a
fazer as coisas para o Senhor e nao para os homens.
46 OS DESAFIOS DA L1DERANQA CRISTA

Creio que a madre Teresa foi um magnífico exemplo


contemporáneo- Visitei um dia o seu hospital em
Calcuta, e ali está escrito o lema dessas irmás de
caridade; sao palavras da madre Teresa: "Que cada
irmá veja Jesús Cristo na pessoa do pobre. Quanto
mais repugnante o trabalho ou a pessoa, maior deve
ser a sua fé e o seu amor para servir a nosso Senhor
em seu angustiante disfarce " Para a madre Teresa isso
lhe era um hábito. Urna vez disse a um visitante: "Vejo
Cristo em cada pessoa que toco, porque ele disse: 'Tive
fome, sede, estive nu, enfermo’. É assim simples; cada
vez que dou um pedazo de pao, estou dando a ele."

Respeito ao escutar
e ao tomar decisdes
Ao aplicar estes principios, incorporamos Cristo de
ponta a ponta nos nossos relacionamentos. De um lado
agimos em nome de Cristo, como se fóssemos ele
mesmo e, por outro, agimos por amor a Cristo, como
se as outras pessoas fossem ele, e estivéssemos
servindo a’ ele.
Gostaria de mencionar alguns exemplos nesse
sentido. O primeiro tem a ver com a necessidade de
escutar as pessoas. Calar urna pessoa, ou recusarmo-
nos a ouvi-la, isso é tratá-la sem respeito, ao passo que
escutar alguém é expressar a essa pessoa que a
valorizamos.
A Biblia fala muito sobre escutar. "O caminho do
insensato aosseuspróprios olhosparece reto, masosábio
dáouvidosaos conseihod' (Provérbios 12:15). "Sabéis
OS RELACIONAMENTOS PESSOAIS 47
estas coisas, meus amadosirmáos. Todohomem,pois, seja
pronto para ouvir, tardío para falar, tardío para se
zra/'(Tiago 1:19).
Tive urna experiencia muito significativa há quinze
anos, quando aínda era reitor da igreja de All Souls
em Londres. Naqueles anos tínhamos organizado urna
equipe pastoral e tínhamos todas as segundas-feiras
urna reuniáo. Liamos as Escrituras e oravamos juntos;
depois discutíamos algum trabalho da igreja e
avaliávamos as atividades da semana. Numa certa
ocasiáo estávamos discutindo acaloradamente algo
importante e, em meio á discussáo, um de meus
colegas a interrompeu, virou-se para mim e disse-me:
"John, vocé nao está escutando." Ele tinha toda a razáo;
eu nao estava escutando. A discussáo havia se tornado
um tanto cansativa e confesso que a minha mente tinha
passado para urna outra coisa.
A reclama^áo daquele colega foi algo muito
importante em minha vida, e desde entáo tenho
procurado a graga de Deus para poder escutar. Creio
que nossas relacjóes deterioram-se quando nao
escutamos, uns aos outros.
Escutar é algo bom em si mesmo, porque é urna
atitude de respeito. Além disso, escutar é terapéutico,
porque dá á pessoa que está falando a oportunidade
de expressar em palavras seus problemas. Quando
falamos dos problemas, estes automáticamente
diminuem, porque cometamos a enxergá-Ios sob urna
outra perspectiva. Em terceiro lugar, escutar é
produtivo, especialmente se estamos escutando
pessoas com as quais nao estamos de acordo. As
pessoas que nao concordam entre si geralmente se
evitam; escrevem contra o outro ou lan^am granadas
48 OS DESAFÍOS DA LJDEfiANQA CRISTA

de máo através do territorio neutro; levantam na mente


urna grotesca imagem da outra pessoa, com chifres,
patas e cauda. Mas se temos a coragem de enfrentar
essa outra pessoa, vendo-a cara a cara e escutando-a,
descobrimos com surpresa que é um ser humano. E
náo somente isso, mas também um irmáo ou irmá em
Cristo, e as vezes até alguém bem razoável!
Isso ocorreu em relado as Consultas sobre a relado
entre a evangelizado e a ado social. Tem havido um
forte debate entre os que créem que a missáo da igreja
é somente evangelística, e os que créem que a
evangelizado e a ado social váo juntas dentro da
igreja. Arthur Johnston escreveu um livro entitulado
77ie Battle for World Evangelism (A Batalha pela
Evangelizado Mundial), cuja tese pode resumir-se em
tres afirmares: (1) O Concilio Mundial de Igrejas
cometjou com um grande entusiasmo evangelístico em
1910, mas gradualmente foi perdendo o seu ímpeto
evangelístico. (Concordo que, do ponto de vista
histórico, esta análise é correta e de muita ajuda.) (2)
O movimento de Lausanne está tomando a mesma
diredo; seguía a tese de Johnston, está se tornando
liberal em.sua leitura da Biblia e está abracando um
evangelho social. (3) O vilao da historia é um homem
chamado Stott!
Arthur Johnston e eu somos bons amigos agora, mas
entáo ele tinha escrito parte daquele seu livro contra
mim. Eu escrevi urna carta que o editor de Christíanity
Today publicou, de modo que ali estávamos
escrevendo um contra o outro. Mas depois escrevi a
ele pessoalmente, e sugerí que tivéssemos urna
Consulta acerca do tema, e que nos veríamos cara a
cara. Tanto ele como eu estaríamos na comissáo
OS RELACIONAMENTOS PESSOAIS 49

organizadora e nós dois asseguraríamos que estariam


bem representados os dois pontos de vista.
Encontramo-nos em Grand Rapids, nos Estados
Unidos. Ao chegar, fiquei muito consternado, pois
alguns resumos tinham circulado com antecedencia,
e havia muito desacordó. Algumas opinióes eram
grosseiras e até insultantes; eu perguntava a mim
mesmo se seria possível chegar a um nivel de acordo.
Durante os tres primeiros dias nao avanzamos nada,
já que as pessoas somente procuravam expressar suas
próprias convic^óes. Mas gradualmente cometamos
a escutar uns aos outros. Nao somente escutamos o
que diziam, mas também o que havia por tras do que
estavam dizendo, quais eram suas verdadeiras
preocupares e o que era que realmente protegiam
com tanta angústia. E entáo descobrimos que nós
também queríamos proteger a mesma coisa. Urna vez
que podíamos escutar uns aos outros, havia esperanza.
O resultado foi um documento que trata da rela^áo
entre a evangelizadlo e a a<;áo social. Nao expressa
um acordo total, mas um acordo considerável é
alcanzado.
Depois de escutar, passa-se á tomada de decisóes.
Aqui, também, a mente crista e a mente secular sao
diferentes entre si. Nós, cristáos, as vezes pensamos
que, sem mais nem menos, podemos adotar os
métodos seculares de tomada de decisóes. No
processo democrático secular, as decisóes tomam-se
por simples maioria: 51 a favor, 49 contrários, ganha a
proposta.
Há muitas igrejas e corpos eclesiásticos que tomam
decisóes dessa maneira, mas tenho plena convicio
de que isso angustia o Espirito Santo. Tomar decisóes
50 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTÁ

por urna simples vota^áo da maioria demonstra falta


de confianza no Espirito Santo, e urna falta de respeito
á minoria. O Espirito Santo é o Espirito da verdade e
do amor, e aqueles de nós que temos urna mente crista
deveríamos buscar o consenso.
Quero terminar com um outro exemplo pessoal.
Refere-se a algo que aconteceu cerca de quinze anos
atrás, quando a junta diretiva da nossa igreja
costumava tomar um dia inteiro a cada ano,
reservando para esse dia de consulta assuntos
importantes que era necessário debater. Num
determinado ano o debate foi se deveríamos utilizar
urna linguagem mais moderna nos cultos. Devíamos
continuar dirigindo-nos a Deus como "Tu, que ves..."
ou como "O Senhor, que ve..."? De minha parte eu era
propenso a usarmos urna linguagem mais moderna.
Mas havia muitas pessoas de idade avanzada na
congregado que amavam a beleza da linguagem
antiga. Houve um debate acalorado. Era evidente que
o grupo estava dividido quase que equilibradamente;
poderíamos chegar a urna solugáo por meio de urna
votado, mas tínhamos decidido náo utilizar este
método de tomada de decisáo. Ao fim do dia disse-
Ihes que deixaríamos o assunto pendente,
esperaríamos mais um ano, pensaríamos sobre o
assunto, oraríamos e quem quisesse poderia fazer
circular um memorando com suas convic<;óes.
Chegou o dia do ano seguinte em que trataríamos
outra vez daquele tema, e fui orando ao me dirigir
para a reuniáo. Tivemos um pouco mais de diálogo.
Finalmente a decisáo foi unánime a favor de urna
linguagem mais moderna, para os cultos da noite nos
domingos. Desde entáo náo mais voltamos ao estilo
OS RELACIONAMENTOS PESSOAIS 51
antigo. Para mim foi um maravilhoso exemplo de
como necessitamos respeitar uns aos outros, e esperar
que o Espirito Santo nos guie em dire<;áo a urna
posigáo em comum e nos dé o seu tempo para a tomada
de decisóes.
Estou certo de que poderemos manter
relacionamentos mais sadios e respeitosos se
valorizarmos as pessoas simplesmente porque foram
criadas e redimidas por Deus, e se aplicarmos este
revolucionário principio de agirmos em nome de
Cristo, e também tratarmos o nosso próximo como se
fosse o próprio Senhor Jesús Cristo.
4

A Juventude
Como ser líder
quando se é
relativamente jovem
difícil ser líder quando se é relativamente

E
jovem. A juventude é um período de muita
alegría e de grande privilégio. Quando somos
jovens, somos fortes e estamos cheios de
energía, temos fé e entusiasmo. É maravilhoso se
jovem, mas ao mesmo tempo pode ser extremament
frustrante; a geragáo dos mais velhos nem sempre
confia na geragáo dos jovens. Com freqüéncia os tratam
como se ainda fossem crianzas; nao aceitam fácilmente
seus direitos e é com muito trabalho que os aceitam
como líderes. Esta é urna das razóes por que com
freqüéncia os jovens se irritam e frustram-se.
O apóstolo Paulo aborda este tema:
"Ordena e ensina estas coisas. "Ninguém
despreze a tua mocidade; pelo contrario, tórna-
te padráo dos fiéis, na palavra, no procedi-
mento, no amor, na fé, na pureza.13Até á minha
chegada, aplica-te á leitura, á exortagáo, ao
ensino. 14Náo te fagas negligente para com o
dom que há em ti, o qual te foi concedido
mediante profecía, com a imposigáo das máos
do presbitério. 15Medita estas coisas e nelas sé
diligente, para que o teu progresso a todos seja
manifestó. 16Tem cuidado de ti mesmo e da
56 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTA

doutrina. Continua nestes de veres; porque,


fazendo assim, salvarás tanto a ti mesmo como
aos teus ouvintes. ’Náo repreendas ao homem
idoso; antes, exorta-o como a pai; aos moijos,
como a irmáos; 2ás mulheres idosas, como a
maes; as mo<;as, como a irmás, com toda a
pureza."
(1 Timoteo 4:11-5:2)
Vejamos de novo os versículos 11 e 12:" Ordena e ensina
estas coisas. Ninguém desprezea tua mocidade.” Dápara
observar claramente urna tensáo nestes dois versículos.
Por um lado, Timoteo tinha sido posto numa posi^áo
de autoridade; era o representante ou delegado do
apóstolo Paulo em Éfeso e, como tal, era de sua
responsabilidade mandar e ensinar. Por outro lado,
ele era relativamente jovem. No grego esta palavra
alcan^ava a idade de até 40 anos, e Timoteo
provavelmente estava com urna idade em tomo dos
30 anos. Em comparado com alguns dos anciáos da
igreja, provavelmente ele se sentía muito jovem e,
portanto, havia um perigo real de que desprezassem
a sua mocidade e nao aceitassem o seu ministério. É
possível que alguns dos anciáos sentissem-se
ressentidos porque o haviam promovido acima deles,
e em conseqüéncia náo-aceitavam a sua autoridade e
o seu ministério.
Muitos jovens podem identificar-se com Timoteo.
Como devem reagir os líderes jovens se o seu
ministério náo é aceito ou se é questionado? Náo com
indignado ou com ressentimento; náo devem
responder agressivamente ou promovendo-se a si
mesmos; pelo contrárío (e esta palavra, em grego, é urna
A JUVENTUDE 57
adversativa muito forte), Paulo dá urna outra
alternativa, que J.B. Phillips deixa muito clara: "Nao
deixes que as pessoas te depreciem por seres jovem;
procura fazer com que te admirem por seres um
exemplo para eles em tua maneira de falar e em tua
conduta, em teu amor, em tua fé e na tua sinceridade."

Tome-se padráo
Paulo dá a Timoteo seis conselhos. O primeiro aparece
no versículo 12: “torna-tepadráo''. Se Timoteo quería
que a sua lideran<;a fosse aceita, teria que dar um bom
exemplo, sendo um padráo para os demais. Nao
desprezariam a sua mocidade se pudessem apreciar
a sua vida. Este é o novo modelo de lideran^a que
Jesús introduziu: é urna lideran^a do exemplo, em vez
de ser do autoritarismo.
Quando a nossa autoridade é questionada,
diminuida ou resistida, somos tentados a nos impor
pela for^a. Temos que resistir a essa tentado. Observe
como o padráo deve ser ampio: na palavra, no
procedimento, no amor, na fé e na pureza. Seria difícil
exagerar as conseqüéncias prejudiciais de um mal
exemplo, ou os beneficios de um bom exemplo. O
primeiro conselho a um jovem líder é: toma-tepadráo.
58 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTA

Identifiqúese com a
autoridade das Escrituras
O segundo conselho que Paulo dá a Timoteo é
identificar-se com a autoridade das Escrituras.
No versículo 13 vemos que ele se refere as
Escrituras. Mas isso diz depois de dizer: "atéá minha
chegada". Estas palavras expressam a sua consciente
autoridade apostólica; quando ele estivesse presente
em Éfeso, ele exerceria a autoridade, ele seria o mestre
da doutrina e da ética, ele resolvería as discordias e
administraría a disciplina.
A pergunta era: "Como seria enquanto ele estivesse
ausente?" Paulo diz a Timoteo: " Até á minha chegada,
aplica-te á leitura” Recordemos que Timoteo nao era
um apóstolo. O verbo grego para "1er" era anagnosis,
que sempre é empregado com referencia á leitura
pública de urna petizo, de um testamento ou de um
documento. Assim, que documento Timoteo poderia
ler publicamente? Obviamente, as Escrituras do Antigo
Testamento; anagnosisé empregada ao ser mencionada
a leitura da. leí em Esdras, e em Neemias 8:8; também
usa-se quando se fala da leitura de Jesús na sinagoga
de Nazaré, ao tomar o livro do profeta Isaías. Ñas
reunióes da sinagoga, a leí e os profetas eram sempre
lidos. Mas certamente Paulo nao apenas se referia as
Escrituras do Antigo Testamento como também a suas
próprias cartas e as cartas dos outros apóstolos, já que
em outras passagens ele ordena que as suas
mensagens fossem lidas publicamente: "Conjuro-vos,
pelo Senhor, que esta epístola seja lida a todos osirmaod'Q.
Tessalonicenses 5:27). "E, urna vezlida esta epístola
AJUVENTUDE 59
perante vós,providencialpor que seja também ¡ida na igreja
doslaodicenses; e a dos de Laodicéia, lede-a igualmente
perante rds"(Colossenses4:16).
Ñas assembléias cristas sempre havia duas leituras
públicas: nao da lei e dos profetas, como ñas sinagogas,
mas do Antigo Testamento e das cartas e memorias
dos apostólos. Nessa época cada igreja local come^ava
a fazer a sua própria cole<;áo das escrituras cristas
autorizadas.
Entretanto, havia ainda urna outra coisa que Timoteo
tinha que fazer; nao somente tinha que 1er as Escrituras,
mas também pregá-las e ensiná-las. Pregar e ensinar
significa exortar e instruir. Isso já era um costume ñas
sinagogas; fazia-se primeiro urna leitura e depois urna
instruyo ou exorta^áo sobre ela, e as assembléias
cristas mantiveram essa prática. Isso é o que Timoteo
tinha que fazer na ausencia do apóstelo, e é o que
também nós devemos fazer. A exegese cuidadosa das
Escrituras é essencial para o líder jovem: quando
lemos as Escrituras, estamos reconhecendo a sua
autoridade.

Exercite os seus dons


Em terceiro lugar, exercite os seus dons. “Nao te fagas
negligentepara comodomqueháem ti' (1 Timoteo 4:14).
A referencia parece ser ao que chamaríamos de "a
ordenado de Timoteo", na qual os líderes impuseram
as máos sobre ele. Naquela hora lhe fora dado o
ministério profético, e também lhe foi outorgado um
dom espiritual. A palavra grega é charisma. Nao nos é
60 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTÁ

dito que charisma foi; bem pode ter sido a autoridade


para pregar, junto com o poder do Espirito.
Para tanto, Timoteo nao devia esquecer-se desse
dom espiritual, mas sim desenvolvé-lo, tal como Ihe
escreve Paulo em 2 Timoteo 1:6 (" Por esta razáo, pois, te
admoesto que rea vives o dom de Deus que há em tipela
imposigao dasminhasmaodj. Timoteo tinha que recordar-
se de que Deus lhe havia chamado ao ministério e lhe
havia dado o dom; devia ter presente que a igreja
havia reconhecido o seu chamado e os seus dons ao
impor máos sobre ele. Se ele exercitasse seus dons e o
ministério, as pessoas nao desprezariam a sua
mocidade.
Todos os dons espirituais sao dons de ministério.
Se as pessoas virem os nossos dons, elas difícilmente
deixarao de aceitar o nosso ministério, por
reconhecerem que foi Deus quem no-los deu para o
ministério.

Mostré o seu progresso


O quarto Conselho é um complemento do anterior:
"para que o teuprogresso a todos seja manifestó", diz o
apóstelo. Ou, como na vérsáo TLH: "Pratiqueessas coisas
e se dedique a elaspara que o seuprogresso seja vistopor
todos." Até agora Paulo se referirá ao exemplo de
Timoteo, á sua autoridade, á sua comissáo e aos seus
dons. Agora lhe diz que o seu progresso deveria ser
evidente para os outros. Timoteo nao somente tinha
que estar consciente do seu ministério, que lhe fora
delegado, como também tinha que mostrar progresso
e melhoria em seu ministério. Deveria crescer em
A JUVENTUDE 61
maturidade espiritual e no trabalho. As pessoas tinham
nao somente que ver o que ele era, mas também o que
ele estava chegando a ser.
Esta recomendado é muito importante em relado aos
líderes jovens. As vezes eles sao postos num pedestal e
supostamente tém que ser perfeitos; isso nao apenas é
desonesto, mas é também muito decepcionante para as
outras pessoas. Em vez disso, deveríamos fazer eco as
palavras de Paulo: "Nao que eu o tenhajárecebido ou tenha
já obtido aperfeiqád' (Filipenses 3:12). Procuremos, entao,
mostrar o nosso progresso. Além disso, vamos dar aos
jovens a oportunidade de crescer e progredir.

Cuide da sua coeréncia


Agora passemos ao quinto conselho:" Tem cuidado de ti
mesmo e da doutrina” (v. 16). É importante ver como
Paulo une a sua vida com os seus ensinos; literalmente
ele diz que Timoteo devia dar muita ateneo, tanto a
si mesmo como á sua doutrina. A combinado é
significativa. Ele nao deveria descuidar-se de si mesmo
por ensinar aos outros, nem deveria descuidar dos
outros por preocupar-se consigo mesmo. Deveria
praticar o que pregava e aplicar os seus ensinamentos
tanto a si mesmo como aos outros.
O equilibrio da lideran<;a crista exige de nós que
perseveremos nessas duas linhas; dessa maneira
salvaremos nós mesmos e as demais pessoas. Nao que
Paulo estivesse pregando a auto-salvad0/ ele
simplesmente está nos advertindo de que a fé sem
obras é morta, e que nao dá para ensinar aos outros
aquilo que nós mesmos nao praticamos.
62 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTÁ

Cuide dos seus relacionamentos


O conselho anterior nos leva ao sexto. Em 1 Timoteo
5:1-2, Paulo lhe indica como deve cuidar dos seus
relacionamentos. Nesses versículos fica evidente que
a congregado que Timoteo tinha sob sua
responsabilidade era mista: mista em sexos, já que
havia tanto homens como mulheres, e heterogénea em
idades, já que havia anciáos e jovens. A idade e o sexo
das pessoas deviam determinar a atitude de Timoteo
para com elas. No caso de ser necessário, Timoteo tena
que admoestar pessoas muito mais velhas do que ele
e, nessa situacjáo, deveria fazé-lo como urna exorta^áo
e nao como urna repreensáo."Náorepreendasaohomem
idoso; antes exorta-o como apai." Aos membros mais
idosos teria que dar-lhes o respeito e o afeto
correspondentes ao que daria a um pai. Em outras
palavras, deve-se tratar os anciáos como pais, e as
mulheres anciás como máes.
É bom reconhecermos a diferencia das geragóes na
comunidade crista. Algumas vezes dirigem-se a mim
alguns estudantes em Londres, e me chamam
simplesmeníe de "Jchn", embora eu nao os conhe>;a,
nao obstante eu ter mais idade do que seus pais ou
aínda que seus avós. Creio que isso nao é natural,
embora reconhecja havfer aquí um elemento cultural;
ñas culturas africanas e asiáticas os jovens nem
sonhariam em chamar um adulto de forma informal
pelo seu primeiro nome.
Por outro lado, Timoteo deveria tratar os rapazes
como irmaos, isto é, amando-os e nao os
menosprezando; teria que tratar as mocjas como irmás,
amando-as também, mas com absoluta pureza e
A JUVENTUDE 63

tomando as devidas precaugóes para evitar a


imoralidade. Disso conclui-se que a igreja local é urna
familia. Na congregado há país e máes, irmaos e irmás.
Os líderes cristáos jovens devem ser sensíveis a essas
diferenijas e nao tratar a todos por igual, mas tratar os
mais velhos com respeito, a sua própria gera?áo com
igualdade, o sexo oposto com prudencia e pureza, e
todas as idades e ambos os sexos com o amor que une
a familia crista.
Permita-me resumir estes seis conselhos, já que aquí
há muita sabedoria para o líder jovem:

♦ Torne-se padráo .
♦ Deixe bem claro qual é a autoridade, lendo e
expondo as Escrituras.
♦ Exercite os seus dons, evidenciando o chamado
de Deus.
♦ Mostré o seu progresso, para que o seu
crescimento espiritual seja evidente para todos.
♦ Cuide da sua coeréncia, nao permitindo que
haja dicotomía entre os seus ensinamentos e o
seu comportamento.
♦ Cuide dos seus relacionamentos, tratando os
membros da igreja de acordo com a idade e o
sexo.

Estas instruyes apostólicas ajudaráo o líder jovem a


exercer autoridade e a ensinar as Escrituras, como diz
o versículo 11, sem que se despreze a sua mocidade e
sem que se deixe de aceitar o seu ministério.
O líder cristáo foi comissionado por Deus para urna
tarefa de responsabilidade e servido. Tem exigencias
e tensóes próprias de todo líder, e enfrenta também
64 OS DESAFIOS DA LIDERANQA CRISTÁ

pressóes e conflitos que derivam da luta espiritual que


Satanás impóe contra o evangelho e contra aqueles que
o proclamam.
Mas o líder cristáo sabe que o seu Senhor é quem o
capacita, quem o nutre e quem o acompanha. Se
aprendermos a levar em conta os ensinamentos do
nosso Senhor, se obedecermos os seus mandamentos,
se seguirmos os seus passos, entáo o nosso jugo será
suave, e poderemos cumprir a nossa missáo com
eficiencia e com alegría.

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