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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

(UNIRIO)

CARLOS EDUARDO LISBÔA CAVALCANTI GAGO

EVOLUÇÃO DO REPUBLIC P-47 THUNDERBOLT COMO


CAÇA-BOMBARDEIRO E SUA UTILIZAÇÃO PELO 1º GRUPO DE AVIAÇÃO DE
CAÇA BRASILEIRO DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

RIO DE JANEIRO

2023.
CARLOS EDUARDO LISBÔA CAVALCANTI GAGO

EVOLUÇÃO DO REPUBLIC P-47 THUNDERBOLT COMO CAÇA-BOMBARDEIRO


E SUA UTILIZAÇÃO PELO 1º GRUPO DE AVIAÇÃO DE CAÇA BRASILEIRO
DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação,


apresentado ao Instituto da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Licenciatura em História. Área de
Concentração: História Militar.
Orientador: Prof. Dr. Paulo André Leira Parente.

RIO DE JANEIRO

2023
CARLOS EDUARDO LISBÔA CAVALCANTI GAGO

EVOLUÇÃO DO REPUBLIC P-47 THUNDERBOLT COMO CAÇA-BOMBARDEIRO


E SUA UTILIZAÇÃO PELO 1º GRUPO DE AVIAÇÃO DE CAÇA BRASILEIRO
DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação,


apresentado ao Instituto da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Licenciatura em História. Área de
Concentração: História Militar

Aprovado em: 24 de julho de 2023.

Banca Examinadora:

____________________________________________________
Prof. Dr. Paulo André Leira Parente (Orientador)
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO.

____________________________________________________
Dr. Fernando Velôzo Gomes Pedrosa
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME

____________________________________________________
Dr. Bruno de Melo Oliveira
Universidade da Força Aérea - UNIFA
Dedico este trabalho à minha mãe, Sabrina
Lisbôa. Como mãe solteira, lutou diariamente para
termos um teto sob nossas cabeças e comida na
barriga. Insistiu para que eu não desistisse dos
estudos quando, por muitas vezes, havia desistido de
mim mesmo. Jamais poderei retribuir em totalidade
o que fez por mim, por isso, passarei a vida toda
tentando.
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu Orientador, Professor Dr. Paulo André Parente, sem o qual este
trabalho jamais seria feito. Seus conselhos, incentivos e estímulo foram primordiais para a
realização desta pesquisa. O Professor encontrou um aluno desacreditado na faculdade e o
formou em um futuro historiador militar. Agradeço pela sua confiança e incansável dedicação.
Obrigado por compartilhar sua sabedoria, o seu tempo e sua experiência. Serei seu eterno
aluno.

À minha companheira de vida, Victória Aragão, seu amor e apoio não podem ser
mensurados nestas poucas linhas. Sem seu companheirismo este trabalho não seria possível.
Graças aos seus conselhos, palavras não foram desperdiçadas nesta pesquisa. Obrigado pelos
cafés com bolinho de laranja. Obrigado por ouvir minhas lamentações e acalmar meus
anseios. Obrigado pela paciência e compreender minha ausência em certos momentos.
Obrigado por me incentivar a voltar aos estudos. Obrigado por ser meu pilar e razão do meu
viver.

Ao meu tio, Marcus Thulius Cavalcanti. Graças ao senhor, tive uma boa educação e
um lar. Se estou aqui hoje, é graças ao senhor. Sou eternamente grato.

À família Aragão, obrigado por me acolherem em suas vidas como se sempre


pertencesse. Obrigado pelos jantares de família, pelos passeios, pelas conversas e pelas visitas
ao MUSAL. Obrigado Márcia Aragão pelo amor de mãe; obrigado Cláudio Aragão pelo
companheirismo e conversas sobre aviação; obrigado Márcio Aragão por me receber em sua
casa; obrigado Amanda Dias pela amizade e desabafos sobre o TCC; obrigado Galba Aragão
(in memoriam) por me acolher em sua família.

A todos os meus amigos, especialmente Raphael Bandarovsky, Daniel Rolo e Ivan


Saldanha, meu muito obrigado. Ao meu amigo Marcelo Monsores, obrigado pela companhia
e amizade por inúmeras madrugadas de estudo. Vocês foram fundamentais para a minha
formação pessoal e por isso merecem meu eterno agradecimento.

Agradeço ao meu pai. Mesmo que você nunca leia estas palavras, sua paixão por
história militar e geopolítica despertaram o historiador em mim desde criança.

Por fim, sou grato a esta universidade, desde o pessoal do administrativo até o
coordenador do curso, que de alguma forma contribuiu para a realização deste trabalho.
“A guerra é completamente diferente da
diplomacia ou da política porque precisa ser travada
por homens cujos valores e habilidades não são os
dos políticos ou diplomatas. São valores de um
mundo à parte, um mundo muito antigo, que existe
paralelamente ao mundo cotidiano mas não pertence
a ele. Ambos os mundos se alteram ao longo do
tempo, e o do guerreiro acerta o pé com o do civil.
Mas o segue à distância. Essa distância nunca pode
ser eliminada, pois a cultura do guerreiro jamais
pode ser a da própria civilização” - John Keegan.
RESUMO

Em 1944-1945, os pilotos brasileiros do 1º Grupo de Aviação e Caça lutaram nos céus da


Itália ocupada contra os inimigos de seu país. Nossos pilotos combateram em
caça-bombardeiros P-47 Thunderbolt, realizando missões de intercessão aérea, escolta de
bombardeiros e suporte aerotático das tropas terrestres. Nesta pesquisa, busco identificar o
processo de evolução tecnológica do P-47 Thunderbolt, assim como o processo histórico que
moldou a doutrina de caça-bombardeiro utilizada pelos pilotos brasileiros durante a guerra
entre 1944 e 1945. Para isso, foi feito uma pesquisa bibliográfica levantando contextos macro
e micro que fizeram parte deste processo - desde a decisão macro do planejamento e execução
da Operation Strangle, até a decisão micro de um piloto e seu chefe mecânico modificarem
seu P-47 para carregar bombas -, assim como um estudo de caso sobre a fonte narrativa “O
Diário de Guerra” do 2º Tenente Rui Moreira Lima, na qual registrou com detalhes suas
experiências de guerra vividas, combates realizados e táticas utilizadas em suas 94 missões a
bordo de seu P-47 Thunderbolt.

Palavras-chave: História Militar; História Social; Guerra Mundial 1939-1945; 1º Grupo de


Aviação de Caça Brasileiro; Republic P-47 Thunderbolt.
ABSTRACT

In 1944-1945, Brazilian pilots from the 1st Brazilian Fighter Squadron fought over the skies
of occupied Italy against the enemies of their country. Our pilots fought in their P-47
Thunderbolt fighter-bombers, on air interdiction missions, bomber escort and
close-air-support of friendly ground forces. In this research, I seek to identify the P-47
Thunderbolt’s technological process and evolution, as well as the historical process which
shaped fighter-bomber doctrine used by the 1st Brazilian Squadron during the war in
1944-1945. To this end, a bibliographical research was made in order to gather macro and
micro historical contexts responsible for this process - since the macro decision to plan and
launch Operation Strangle, to the micro decision that took a pilot and his chief armourer to
adapt its P-47 to carry bombs -, as well as a case study of the narrative source “O Diário de
Guerra” from 2º Tenente Rui Moreira Lima, in which was registered with vivid details his war
experiences, combat fought and tactics used during 94 war missions aboard his P-47
Thunderbolt.

Keywords: Military History; Social History; P-47 Thunderbolt; Brazilian Air Force;
Fighter-bomber Doctrine; 1st Brazilian Fighter Squadron; Second World War.
SUMÁRIO

1 Introdução 10
2 Republic P-47 Thunderbolt 14
2.1 Desenvolvimento 14
2.2 Histórico de Combate 21
3 Brasil na Segunda Guerra 40
3.1 Brasil na Segunda Guerra e a Batalha do Atlântico Sul 40
3.2 O 1º Grupo de Aviação de Caça Brasileiro 49
3.3 Teatro de Operações do Mediterrâneo e a Campanha Aérea Aliada na Itália 52
3.4 Campanha Aérea na Itália 1944-45. 55
4 Análise do Diário de Guerra de Rui Moreira Lima 61
4.1 Guerra Aérea sob o Norte da Itália: 31 de outubro de 1944 - 2 de maio de 1945 62
4.2 Doutrina de Caça-Bombardeiro 70
4.3 Combate: P-47 Thunderbolt e Flakwaffe 77
4.4 Coisas da Guerra 80
5 Considerações Finais 83
REFERÊNCIAS 86
10

1 Introdução
Sob os céus azuis da Europa, uma guerra aérea foi travada em uma escala jamais vista.

Na primavera de 1943, a Eighth Air Force da United States Army Air Force, iniciou
combate contra a Luftwaffe em defesa aos bombardeiros estratégicos americanos. Seu
instrumento de guerra era o caça monomotor de assento único mais moderno do arsenal
americano, o Republic P-47 Thunderbolt. (BOWMAN, 2008)

Produzido pela Republic Aviation Company, situada em Farmingdale, Nova York, o


P-47 Thunderbolt foi desenvolvido como um caça interceptador de alta altitude. Equipado
com um potente motor radial resfriado a ar, o Pratt & Whitney R-2800-21 Double Wasp, com
18 cilindros, que gerava mais de 2.000 cavalos de potência, alcançava uma velocidade
máxima de 433 mph a 30.000 pés de altitude graças ao seu turbosupercharger, que permitia ao
pesado caça ter desempenho melhor em altas altitudes do que caças com metade de seu peso.
(BERNSTEIN, 2021)

Inicialmente, o P-47 Thunderbolt operou como caça de escolta das formações de


bombardeiros pesados que penetravam no território ocupado, visando destruir alvos
industriais nas operações de Bombardeio Estratégico, buscando incapacitar a produção bélica
alemã. Apesar de ser um bom caça de escolta devido ao seu alcance e excelente performance
em altas altitudes, o que lhe permitia realizar a escolta acima dos bombardeiros, foi em outro
campo do combate aéreo que o Thunderbolt deixou sua marca. (BOWMAN, 2008)

Com a chegada do North American P-51 Mustang no Teatro de Operações Europeu,


equipado com o motor Rolls Royce Merlin, assumindo rapidamente a posição de caça de
escolta definitivo da campanha de Bombardeio Estratégico, o caminho foi aberto para as
formações de P-47 buscarem alvos de oportunidade no solo. Graças ao seu potente motor,
capacidade de sustentar dano e impressionante poder de fogo com oito metralhadoras
Browning .50 nas asas, o Thunderbolt se destacou no ataque ao solo. (BERNSTEIN, 2021)

Em 1944 a USAAF reestruturou-se, criando as Forças Aéreas Táticas e Estratégicas,


que formavam pares em suas áreas de atuação. As Forças Aéreas Estratégicas deram
continuidade à Campanha de Bombardeio Estratégico, utilizando bombardeiros pesados como
o B-17 e B-24, escoltados pelo P-51 Mustang. Coube então às Forças Aéreas Táticas, prover
apoio aerotático às tropas terrestres, por meio de missões de ataque ao solo, Close Air Support
e interdição aérea. (BERNSTEIN, 2021)
11

Graças à sua experiência em ataque ao solo adquirida durante a campanha do Norte da


África, o 57th Fighter Group modificou o Thunderbolt para que este pudesse ser inserido na
doutrina de caça-bombardeiro americano. Suas ações transformaram o P-47 Thunderbolt no
melhor caça-bombardeiro americano durante a Segunda Guerra. (MOLESWORTH, 2011)

Em 31 de outubro de 1944, foi realizada a primeira missão do 1º Grupo de Aviação de


Caça Brasileiro nos céus da Itália Ocupada, sobrevoando o Vale do Rio do Pó em seus P-47
Thunderbolts, executando missões de interdição aérea e ataque ao solo. Sendo a única unidade
de uma Força Aérea Sul Americana a combater na Europa durante a Segunda Guerra
Mundial. (LIMA,2012)

Este presente trabalho tem como objetivo analisar a evolução tecnológica e doutrinária
do Republic P-47 Thunderbolt como caça-bombardeiro e sua utilização em combate pelo 1º
Grupo de Aviação de Caça Brasileiro durante a Guerra Mundial 1939-1945, acrescido de
fatores externos que influenciaram seu desenvolvimento e atuação.

Para isso, foi feita uma pesquisa bibliográfica para identificar fatores macro e micro
que, durante o desenrolar da guerra, influenciaram na transformação do P-47 Thunderbolt de
um caça interceptador de alta altitude, para um caça de escolta e, por fim, a um
caça-bombardeiro. Foi decidido também realizar como um estudo de caso, uma análise da
fonte documental narrativa “O Diário de Guerra” de Rui Moreira Lima, documento este em
que o 2º Tenente-Aviador registrou os detalhes de suas 94 missões de guerra a bordo de seu
Thunderbolt. Na qual foi possível identificar traços dos fatores externos previamente
discutidos, assim como estudar a guerra sob os olhos de quem a cumpriu.

Devido ao escopo de um trabalho de conclusão em um curso de graduação,


importantes temas e cenários não foram abordados. Apesar de o P-47 Thunderbolt ter atuado
no Teatro de Operações do Pacífico, este não é discutido pois consiste-se em uma guerra
aeronaval muito complexa e extrapola os limites deste trabalho enquadrados pelo estudo de
caso. O Teatro de Operações do Mediterrâneo também é delimitado, a guerra no Norte da
África não é explorada em sua totalidade, sendo limitada à atuação do 57th Fighter Group,
sendo o foco deste Teatro, as campanhas aéreas na Itália de 1943 a 1945. O P-47 Thunderbolt
foi operado por outros países, além do Brasil e Estados Unidos, durante a Segunda Guerra,
como a França, União Soviética e Reino Unido, que não são abordados pois extrapolam os
limites definidos neste trabalho.
12

É necessário também abordar previamente dois conceitos que são recorrentes ao


decorrer do trabalho: Materialschlacht - guerra dos materiais - e Logística e Suprimentos.

A entrada dos Estados Unidos desbalanceou a competição bélica na Segunda Guerra.


Os países do Eixo, limitados em recursos e industrialização, encontraram-se presos em uma
guerra de atrito desfavorável quando a maior potência industrial do mundo devotou-se à
indústria bélica para munir a si mesma e seus aliados. A Campanha de Bombardeio
Estratégico empregada pela coalizão anglo-americana visava acelerar o desgaste e o colapso
da indústria bélica alemã. (KEEGAN, 2006)

Todavia, como os mamelucos iriam descobrir, quando homens de igual


valor lutam em termos desiguais, o lado com as melhores armas vence. Foi essa a
lição de Marj Dabiq e Raydaniya. Seria essa a lição, quatrocentos anos depois, da
guerra dos japoneses contra os americanos no Pacífico quando, em seu último
arquejo contra o poderio da indústria norte-americana, os pilotos suicidas japoneses
colocavam suas espadas de samurais na carlinga dos aviões que jogavam contra os
cargueiros do inimigo. Seria também a lição das duas guerras da Alemanha no
século XX, quando o desprezo de sua casta militar pela superioridade dos inimigos
na Materialschlacht — guerra dos materiais — não serviu em nada a seus corajosos
soldados. (KEEGAN, 2006a, p. 45)

A campanha de Bombardeio Estratégico foi a forma dos Aliados combaterem a guerra


dos materiais no nível estratégico. No âmbito tático da guerra, era necessário interromper a
linha de suprimento e incapacitar sua logística. Durante a invasão da Itália em 1943 a 1945, a
Mediterranean Allied Air Force realizou a interdição do campo de batalha no nível tático,
mirando no sistema ferroviário e rodoviário italiano utilizado pela rede logística alemã. A
Operation Strangle foi uma operação de interdição aérea, que visava impedir que os 10º e 14º
Exércitos alemães fossem supridos, de forma a forçar sua debandada da linha defensiva
Gustav Line. A interdição aérea foi efetiva, porém, não foi definitiva. Mesmo com sua rede
logística afetada, as forças alemãs continuaram rebatendo as ofensivas aliadas na Itália até o
final da guerra. (SALLAGAR, 1972)

A supremacia logística por si mesmo raramente vence uma campanha


contra um inimigo decidido, como McClellan descobriu na Campanha da Península
da União, em 1862, enquanto Estados economicamente no limite de suas forças,
como a Alemanha e o Japão em 1944-45, podem continuar a infligir derrotas
desmoralizadoras aos seus adversários. (KEEGAN, 2006a, p.287).
13

O princípio da Strangle em si era tornar a ofensiva terrestre desnecessária. Apesar de


prejudicar a aptidão de combate e a limitar a capacidade de fazer guerra, a supremacia
logística não é absoluta. No caso da Strangle, a falta de uma ofensiva de armas combinadas
limitou seu sucesso. (SALLAZAR, 1972)

A guerra, em última análise, é o combate, e esta é uma verdade tanto da


Segunda Guerra Mundial quanto de qualquer outra. Apesar da destacada importância
da capacidade industrial e da superioridade relativa técnica, do suprimento deficiente
de material, da logística estratégica e tática, do trabalho hábil e da eficácia - tudo
maior na Segunda Guerra Mundial que em qualquer outra antes -, o sucesso ou o
fracasso no campo de batalha determinou o resultado de todos os episódios que esses
fatores prepararam. (KEEGAN, 2006b, p.72)

Ademais, este trabalho é divido da seguinte forma: o primeiro capítulo aborda o


desenvolvimento do P-47 Thunderbolt como máquina de combate e instrumento de guerra. O
segundo capítulo contextualiza a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial e a
Guerra Aérea na Itália em 1943-1945. Por fim, o terceiro capítulo é um estudo de caso da
fonte “O Diário de Guerra” de Rui Moreira Lima, no qual é analisado o combate de
caça-bombardeiro realizado pelo jovem piloto.
14

2 Republic P-47 Thunderbolt


2.1 Desenvolvimento

Em junho de 1940, a United States Army Air Corps (USAAC) publicou um


requerimento para um novo design de caça leve. Dentre as empresas que competiam pelo
contrato, estava a Republic Aviation Corporation de Farmingdale, Nova York. (BERNSTEIN,
2021).

Apesar de ser uma empresa relativamente jovem, a Republic teve sua origem como
Seversky Aircraft Corporation, que por sua vez possuía vasta experiência em
desenvolvimento de caças militares, sendo os mais relevantes para esta pesquisa: o P-35, um
design feito sob contrato para o USAAC em 1935, e o P-43 Lancer, feito sob produção
limitada para o USAAC em setembro de 1939. (BERNSTEIN, 2021).

Em 1940, para atender as especificações da USAAC, o engenheiro chefe da Republic,


Alexander Kartveli, estava desenvolvendo um caça movido pelo motor em linha Allison
V-1710-39, de 1.150 cavalos de potência (hp), V12 (12 cilindros), resfriado a líquido. O
design era chamado de AP-10 e ao ser registrado sob a USAAC foi redesignado com duas
versões: XP-47, armado com duas metralhadoras .50 no nariz e quatro metralhadoras .30 nas
asas, e sua versão mais leve designada de XP-47A, com apenas as duas metralhadoras .50 no
nariz. Ambas versões tiveram performance abaixo do requerido pelo contrato da USAAC.
Portanto, a Republic começou do zero e propôs um novo design tendo como base do projeto o
motor mais potente disponível: o Pratt & Whitney R-2800-21 Double Wasp, com 18 cilindros
radial em duas fileiras, provendo 2.000 hp, equipado com um turbosupercharger que permitia
ao motor ter excelente performance em altas altitudes. (BERNSTEIN, 2021).

A Republic já possuía experiência com motores radiais e turbosupercharger: o P-35 de


1935 era equipado com o motor radial resfriado a ar Pratt & Whitney 1830 e com a asa
elíptica, que fornecia bastante sustentação aos pesados aviões. O P-43 Lancer fora um
interceptador de alta altitude produzido em 1939, também equipado com um motor radial
Pratt & Whitney e sustentado por asa elíptica, o diferencial é que possuía um
turbosupercharger que permitia ao avião operar em altas altitudes. De forma simplificada,
conforme o avião sobe a altitudes elevadas, a pressão atmosférica diminui e com isso, a
performance do motor também, um turbosupercharger coleta o ar da atmosfera, comprime ele
15

e injeta o ar comprimido no motor de forma que é possível “enganar” o motor e assim fazê-lo
produzir uma potência equivalente à gerada em baixas altitudes. (BERNSTEIN, 2021).

Munido com o conhecimento dos projetos anteriores, Kartveli e sua equipe


desenharam a fuselagem para caber o enorme motor e turbosupercharger, resultando no maior
caça monomotor a pistão de assento único já produzido, tendo como dimensões 12,43 m de
envergadura, 10,66m de comprimento, 4,3m de altura e 27,87 m² de área da asa. Equipado
com oito metralhadoras Browning M2 .50 com munição total de 3.400 cartuchos de bala.
Uma hélice de 4 pás com 3,65m de diâmetro foi escolhida para aproveitar o poder do motor
R-2800, com um tanque de combustível interno de 1162,12 litros para alimentar o avião de
5482,11 kg. Em 06 de Maio de 1941, realizou seu voo inaugural, alcançando a velocidade
máxima de 663,05 km/h. Nascia então o XP-47B Thunderbolt. (BOWMAN, 2008).

A primeira versão de produção, denominada P-47B, diferenciava o protótipo em tendo


uma cabine deslizante sobre trilhos, ao invés de articulada. Equipado com uma unidade de
rádio SCR-774 que utilizava uma antena aérea inclinada para frente logo atrás da cabine.
Produzido com a versão do motor R-2800-21 de 2.000hp, e o turbosupercharger General
Electric A-13. A adição dos aparelhos necessários para operação militar adicionou 576 kg ao
peso do avião, totalizando o novo peso em 6.058,17 kg. A velocidade máxima aumentou para
690,40 km/h. (BOWMAN, 2008).

Foi produzido um total de 171 unidades do P-47B, todas pela fábrica de Farmingdale.
Em junho do mesmo ano, as primeiras unidades entraram em serviço, sendo o 56th Fighter
Group (FG) o primeiro grupo de caça a ser equipado com o P-47 Thunderbolt. (BOWMAN,
2008).

Em setembro de 1942, a produção foi alterada para a versão P-47C, o primeiro subtipo
foi o P-47C-1-RE (RE era a designação para a fábrica de Farmingdale, Nova York). Este era
equipado com a nova versão do motor Pratt & Whitney: R-2800-59 de 2.300hp. Também foi
atualizado o turbosupercharger para a versão General Electric A-17. A fuselagem teve seu
comprimento estendido em 20,32cm na linha de fogo (elemento da fuselagem que separa o
motor da cabine, protegendo o piloto em caso de incêndio). O novo comprimento era então de
11m totais. O motivo do incremento no comprimento foi para criar um melhor centro de
gravidade e também aumentar o espaço do compartimento do motor, facilitando o acesso para
manutenção. O C-1-RE foi o primeiro subtipo a permitir que fosse carregado um tanque
alijável de 757,08 litros de combustível extra, instalado na barriga da aeronave. Isso
16

aumentava o alcance da aeronave, permitindo às unidades adentrar mais profundamente na


Europa Ocupada. (BOWMAN, 2008).

O C-2-RE possuía leme e profundores com superfícies de metal, também teve seu
sistema de oxigênio revisado. O subtipo final do P-47C foi o C-5-RE, que substituiu a antena
de rádio, anteriormente inclinada, por uma reta. (BOWMAN, 2008).

O primeiro P-47C foi completado em 14 de setembro de 1942 e um total de 602 foram


construídos. Em fevereiro de 1943, o 56th FG e 78th FG declararam-se operacionais com o
P-47C/D. (BOWMAN, 2008).

A partir de dezembro de 1942, deu-se início a produção do modelo P-47D. Esta versão
do Thunderbolt teve a maior quantidade de subtipos, indo do D-1 ao D-40. Foi inaugurada
também a fábrica de Evansville, Indiana, produzindo os subsequentes modelos, começando
com o D. Subtipos produzidos em Farmingdale eram designados RE, e subtipos produzidos
em Evansville eram designados RA. (BOWMAN, 2008).

O modelo D pode ser dividido em duas abrangentes versões: “Razorback” (D-1 a


D-24) e “Bubbletop” (D-25 a D-40). Essas denominações têm origem no tipo de estrutura da
aeronave, sendo razorback a cabine que possuía estruturas de metal ao redor do vidro que
limitavam a visão do piloto, na qual uma larga dorsal se estende do teto até a fuselagem
traseira, design este que vinha desde o XP-47B. Já a bubbletop, era uma cabine toda de vidro
que oferecia maior visibilidade, inclusive eliminando o ponto cego das seis horas já que
possuía traseira simplificada sem a dorsal. Desde sua padronização no D-25, a cabine
bubbletop foi utilizada em todas as subsequentes versões do Thunderbolt. (BERNSTEIN,
2021). Hoje em dia, caças como o Embraer EMB-314 Super Tucano, Saab JAS 39 Gripen e
General Dynamics F-16 Fighting Falcon utilizam estruturas de cabines semelhantes a
Bubbletop.

Como o modelo D teve muitas variantes, algumas delas trouxeram avanços pequenos
no design geral, como melhorias nos sistemas hidráulico, elétrico e de combustível. A seguir
irei entrar em detalhes apenas nos modelos que julgo terem tido maior impacto na evolução
do Thunderbolt.

Evansville teve como seu primeiro modelo o D-1-RA, que tornou padrão o sistema de
injeção a água no coletor de admissão, permitindo ao motor produzir 2.300hp a 27.000pés,
melhorando ainda mais a performance do Thunderbolt em altas altitudes. O D-1-RE de
17

Farmingdale recebeu novos flaps de arrefecimento na capota do motor e melhorias na


blindagem que protege o piloto. (BERNSTEIN, 2021).

O primeiro grande melhoramento da série D veio com o D-5-RE, que introduziu


injeção de água nos cilindros do motor, intensificando a pressão no cilindro e assim
aumentando temporariamente os cavalos de potência (hp) do motor. Este processo era
chamado de “War Emergency Power”, era ativado através do aperto de um botão no manete
de potência localizado na mão esquerda do piloto. “War Emergency Power”, comumente
chamado de “WEP”, era utilizado em períodos de curta duração, pois longo e frequente uso
poderia danificar o motor, porém estes curtos períodos de potência extra poderiam ser a
diferença entre a vida e a morte. A blindagem do piloto foi estendida para cobrir o assento em
sua totalidade, o chão e as laterais da cabine. E talvez a modificação mais importante do D-5
fora no cabide na barriga da aeronave, introduzida no C-1 para levar um tanque de
combustível extra. O cabide foi modificado para levar ou o tanque, ou uma bomba de 226,79
kg. (BERNSTEIN, 2021).

Com a progressão da campanha de Bombardeio Estratégico em 1943, ficou claro que


o P-47 precisava de mais alcance para escoltar os bombardeiros pesados, B-17 Flying Fortress
e B-24 Liberator em sua maioria, por mais tempo. Thunderbolts sendo transportados através
do Atlântico em direção à Grã-Bretanha, eram modificados com cabides improvisados que
podiam carregar um tanque alijável da Lockheed de 624,59 litros em cada asa. Ficou claro
que era necessário aumentar o alcance do Thunderbolt de forma definitiva, a ponto de ser
possível realizar a escolta ininterrupta dos bombardeiros. O modelo P-47D-15-RE introduziu
cabides sob as asas que permitiam carregar tanques externos ou uma bomba de 453,59 kg em
cada asa. A capacidade de carga de bombas aumentou de 226,79 kg para 1.133,98 kg. O
alcance estendido e a maior carga de bombas disponível, tornou o P-47D no
caça-bombardeiro mais rápido, com maior alcance e com o melhor armamento da United
States Army Air Force (USAAF), deixando o então P-40F/L obsoleto para missões de combate
ao solo e interdição. Em 16 de dezembro de 1943, o 57th Fighter Group obteve a primeira
vitória aérea em um P-47 no Teatro de Operações do Mediterrâneo. Nos primeiros meses de
1944, o 57th FG havia completado a transferência do P-40 para o P-47D. (BERNSTEIN,
2021).

Apesar de agora poder levar três bombas nos cabides, o sistema para soltá-las ainda
era o mesmo de alijar os tanques de combustível. Para soltar a carga das asas, o piloto deveria
virar o corpo para a esquerda, se abaixar, puxar duas alavancas situadas abaixo do painel de
18

controle no chão da cabine, e puxar uma terceira para a carga da barriga. Isso prejudicava
muito a mira do piloto pois era necessário parar de olhar o alvo durante um mergulho em alta
velocidade. O Commanding Officer (CO) do 65th Fighter Squadron (FS) do 57th Fighter
Group (FG), Maj. Gil Wymond e seu chief armorer Technical Sergeant (TSgt.) Billie Hahn,
desenvolveram uma maneira de unir as três alavancas com cabos a duas alavancas ao lado do
manete de potência, agora o piloto bastava mover a mão esquerda do manete para as
alavancas, sem desviar atenção de seu alvo, aumentando a precisão drasticamente. A
modificação foi testada em combate no Thunderbolt do Maj. Wymond, o P-47D-15-RE de
matrícula 42-75712, apelidado de Hun Hunter II. A modificação "caseira" foi padronizada em
todo o 57th FG, e logo foi oficializada pela Republic, a partir do P47D-28 todos os modelos
subsequentes vinham com uma modificação semelhante instalada de fábrica.
(MOLESWORTH, 2011).

O modelo D-21-RE foi entregue com uma finalização metálica natural da fuselagem,
ao invés de pintado. A ausência do peso da tinta melhorava a performance dos aviões e
também os tornava mais fáceis de serem identificados, tanto por antiaérea aliada quanto por
inimigos, mas neste período a supremacia do espaço aéreo já era uma realidade.
(BERNSTEIN, 2021)

Por ser um avião pesado, o Thunderbolt apresentava dificuldade em ganhar altitude,


levando 20 minutos para atingir 30.000 pés, enquanto o leve Bf 109 levava apenas 11
minutos. (MOLESWORTH, 2011). Uma nova hélice com maior diâmetro foi instalada no
D-22-RE, a hélice 6507A-1 de 3,96m da Hamilton Standard gerava maior empuxo,
melhorando a velocidade e principalmente o tempo de subida do avião. O 1st Lt. Robert S.
Johnson do 61st FS, 56th FG, com 27 abates no P-47, conta detalhes do dia em que foi
experimentar pela primeira vez o Thunderbolt com a nova hélice, em sua autobiografia
pós-guerra “THUNDERBOLT!”. (BOWMAN, 2008).

New Year's Day, and what a present we received. We flew to a maintenance


depot at Wattisham to have the Thunderbolts modified. Our engineering officers
were making a terrific fuss over a new propeller designed especially for the
Thunderbolt. They insisted that the fat paddle blades of the new propellers would
bring a tremendous boost in performance, as the increased blade area would permit
the props to make the greatest use of the Thunderbolt's 2,000 horsepower. We
listened to their enthusiastic ramblings with more than a grain of salt - and never
were we more mistaken. What a difference the blades made when I took my modified
fighter up for the first time. It quivered and began to shake badly as if partially
stalled. The next thing I knew I was in dive and wow! I hauled back on the stick,
19

afraid that the engine would tear right out of the mounts. What I didn't realize was
that the new propeller was making all the difference. At 8,000ft I pulled the
Thunderbolt into a steep climb. Normally, she'd zoom quickly and then slow down,
rapidly approaching a stall. But now the Jug soared up like she'd gone crazy.
Another Thunderbolt was in the air, and I pulled alongside, signaling for a climb. I
left that other fighter behind as if he were standing still. The Jug stood on her tail
and howled her way into the sky. Never again did an Fw 190 or Me 109 outclimb me
in the Thunderbolt. The new propeller was worth 1,000hp, and then some. (apud
BOWMAN, 2008, p.12-13).

O primeiro modelo bubbletop do Thunderbolt foi o P-47D-25-RE. Além da fuselagem


com nova estrutura, recebeu um aumento de 246,05 litros no tanque interno principal. A
combinação dos motores R-2800-59 ou -63 com as hélices de 3,96m da Hamilton Standard ou
Curtiss Electric, dava uma vantagem na taxa de subida de 800 pés por minuto a mais que o
P-47B. A nova cabine, feita com uma peça única de vidro, oferece melhor visibilidade ao
piloto. O novo design passou a ser chamado Superbolt por alguns pilotos. (BERNSTEIN,
2021). O 56th Fighter Group foi equipado com o P-47D-25 em maio de 1944, a seguinte
passagem da autobiografia do Col. “Hub” Zemke, intitulada The HUB – Fighter Leader,
expressa as melhorias do novo Thunderbolt pelo ponto de vista dos pilotos:

The one-piece clear cockpit canopy provided the pilot with excellent all
round visibility, and helped cut down the fatigue from neck twisting. The only
drawback was that the rear fuselage cockpit fairing had been removed, affecting the
directional stability of the aircraft. The other welcome change with the Superbolt
was an enlarged internal fuel tank providing an extra 65 gallons. This allowed us to
take the maximum advantage of our external tanks, for we could push much farther
into Germany and still be able to return on internally held fuel. (apud BOWMAN,
2008 p.15)

O D-30-RE e RA receberam freios de mergulho abaixo das asas, para ajudar na


recuperação do mergulho em altas velocidades, onde a compressibilidade tornava as
superfícies de controle ineficazes, podendo tornar o mergulho irrecuperável. E pela primeira
vez, lançamentos elétricos das bombas vinham instalados de fábrica, o piloto necessitava
apenas apertar um botão. (BERNSTEIN, 2021).

Os modelos D-35-RA e D-40-RA foram as últimas versões do subtipo D a serem


fabricadas, estas versões possuíam uma barbatana dorsal para aumento de estabilidade lateral,
para compensar a instabilidade da fuselagem bubbletop. (BERNSTEIN, 2021).
20

O P-47D foi produzido de dezembro de 1942 até o final da guerra em 1945, com
12.602 unidades construídas, foi a maior produção de um subtipo de caça americano até hoje.
(BERNSTEIN, 2021).

No verão europeu de 1944, a Grã-Bretanha vivia sob constante terror das bombas
voadoras alemãs, as chamadas V1. Para combater esta ameaça, foi desenvolvido um
interceptador de alta velocidade, o P-47M-1-RE Thunderbolt. Equipado com um motor mais
potente, R-2800-57(C), de 2.800hp e um turbosupercharger CH-5, que permitem ao avião
alcançar a velocidade máxima de 788,58 km/h. Possuía freios aerodinâmicos para auxiliar no
combate aéreo, como por exemplo para se posicionar atrás de uma aeronave inimiga mais
lenta. Fora essas novas modificações, o modelo M era idêntico ao P-47D-30-RE. Apenas 130
unidades foram produzidas, exclusivamente operadas pelo 56º FG. Constantes problemas com
o motor inicialmente limitaram as operações do P-47M. Quando foram corrigidas, em
fevereiro de 1945, o Thunderbolt mais rápido já produzido passou a operar missões de escolta
e ataque ao solo. (BOWMAN, 2008).

A última variante a ser desenvolvida e produzida, o P-47N. Teve um aumento de


2,04m² de área da asa, 45,72cm de aumento na envergadura, ailerons maiores e pontas da asa
retangulares auxiliavam no rolamento da aeronave. O trem de pouso foi reforçado para
suportar o aumento de 340,19 kg no peso da aeronave, que passou a ser 9616,16 kg totais.
Células de combustível foram adicionadas nas asas, adicionando 704,08 litros ao combustível
interno. Com um motor mais potente e maior asa, a capacidade de carga também aumentou,
agora podendo ser carregados um tanque alijável de 1135,62 litros em cada asa. Com melhor
característica de voo e maior alcance, o P-47N se destacou como caça de escolta para os
bombardeiros no Teatro de Operações do Pacífico, onde atuou exclusivamente. Foram feitas
grandes encomendas do modelo N, porém foram canceladas com o fim da guerra. Até
dezembro de 1945, Farmingdale e Evansville haviam produzido respectivamente 1,667 e 149
unidades do modelo N. (BOWMAN, 2008).

Após a guerra, P-47D/Ns continuaram a servir na United States Air Force (USAF), até
serem aposentados em 1955. (BOWMAN, 2008).

Ao todo, 15,683 unidades do Thunderbolt foram construídas. Sendo o P-47


Thunderbolt, o caça americano mais produzido até hoje. ( BOWMAN, 2008).
21

2.2 Histórico de Combate

Em 1942, a United States Army Air Force (USAAF) e a Royal Air Force (RAF)
enviavam formações de bombardeiros, médios e pesados, em missões de ataques a alvos
estratégicos contra as forças do Eixo, em uma campanha aérea denominada Strategic
Bombing Campaign. Esta que durou durante toda a guerra na Europa e sofreu inúmeras
alterações e evolução de táticas à medida que a USAAF como um todo ganhava mais
experiência no decorrer da guerra. Os bombardeiros decolavam de múltiplas bases aéreas
espalhadas pelo Reino Unido, penetravam o território inimigo em grandes formações e
atacavam alvos na Europa Ocupada, visando incapacitar a produção bélica alemã.
(BOWMAN, 2008)

Essas formações de dezenas e até centenas de aeronaves, representavam um grande


risco para as Forças do Eixo, portanto, eram frequentemente interceptadas por caças da
Jagdwaffe, os principais sendo o Messerschmitt Bf 109 (também chamado de Me 109) e o
Focke-Wulf Fw 190. Ambos excelentes caças, provados extensivamente no campo de batalha
e comandados por pilotos com anos de experiência em combate aéreo durante a guerra.
(BOWMAN, 2008)

Até chegarem em seu alvo e durante o voo de volta para casa, os bombardeiros aliados
tinham que se defender dos caças inimigos e, uma vez sob território inimigo, podiam contar
com a presença do poder destrutivo da artilharia antiaérea alemã, a famosa Flak, comandada
pela Flakwaffe.

Os principais bombardeiros pesados americanos eram o Boeing B-17 Flying Fortress e


o Consolidated B-24 Liberator, ambos contavam com uma tripulação de 10 membros. Quando
uma formação era interceptada ou aeronaves eram abatidas por flak, as perdas humanas eram
severas. (BOWMAN, 2008)

A RAF conseguia diminuir suas perdas praticando bombardeios noturnos. Com a


proteção da noite, vinha também a ineficácia na precisão, portanto era empregada a tática de
Area Bombing, executando um bombardeio em uma área mais abrangente de onde seu alvo
estava. Apesar de ser mais segura para as tripulações, esta tática não era precisa e causava
muito dano colateral, muitas vezes em civis. A USAAF acreditava no bombardeamento de
precisão, Precision Bombing, era necessário então realizar as missões durante o dia, deixando
22

as formações vulneráveis já que não possuíam a escuridão da noite como proteção.


(BOWMAN, 2008)

Durante o outono de 1943, a Jagdwaffe recebeu reforços para a organização da Defesa


do Reich, tais reforços causaram perdas severas nos bombardeiros pesados.
(BOWMAN,2008). Era necessário um caça que pudesse escoltar as formações durante todo o
percurso.

Infelizmente, tal caça só veio a existir com o North American P-51 Mustang, equipado
com o motor Rolls Royce Merlin, quando em meados de 1944 assumiu o posto de caça de
escolta definitivo do Teatro de Operações Europeu. Até lá, a USAAF teve que se virar com o
que tinha. Seus caças de escolta disponíveis eram o Curtiss P-40 Warhawk e o britânico
Supermarine Spitfire. Nenhum dos dois possuía alcance suficiente. O Lockheed P-38
Lightning foi utilizado como escolta e desempenhou esse papel muito bem, possuía dois
motores com turbosupercharger, tendo ótimo desempenho em altas altitudes e o mais
importante, tinha o maior alcance entre os caças americanos, porém, sua necessidade no
Teatro de Operações do Pacífico fez com que as unidades do P-38 fossem transferidas e seus
pilotos na Europa equipados com outros caças. Então a curto prazo, o P-47 Thunderbolt era o
caça mais avançado, com quantidade suficiente e com maior alcance para escoltar os
bombardeiros pesados da USAAF. (BOWMAN, 2008).

A Eighth Air Force da USAAF chegou ao Reino Unido no fim do verão de 1942.
Porém logo no outono, todos os grupos do VIII Fighter Command, exceto o 4th Fighter
Group, foram realocados para o Norte da África para suporte dos desembarques da Operation
Torch. A reconstrução da Eighth Air Force teve início em dezembro de 1942 quando o 78th
FG, equipado com o P-38 Lightning, chegou na Inglaterra. Em janeiro de 1943, o VIII Fighter
Command foi reforçado com a chegada do 56th Fighter Group. A decisão foi então tomada
para reequipar os três grupos (4th FG, 56th FG e 78th FG) com Thunderbolts. Em abril de
1943 os três grupos de caça foram declarados operacionais com o P-47C/D, e até o final do
ano o VIII Fighter Command contava com dez grupos equipados com Thunderbolts.
(FREEMAN, 2000)

Os novos pilotos americanos sob céus ingleses deveriam, antes de escoltar os


bombardeiros, ganhar experiência sob o comando da RAF, que além de combater nos céus
desde 1940, vinha realizando operações através do Canal da Mancha desde 1941. A RAF
empregava seus caças em varreduras de alta velocidade através do Canal para atrair caças
23

alemães para o combate, tais varreduras eram chamadas de Rodeos. Com o passar do tempo, a
Luftwaffe não caia mais na armadilha, então eram utilizadas formações de bombardeiros
médios como isca, protegidos por uma escolta pesada de caças, tal operação de isca era um
Circus. Uma operação real de escolta de bombardeiros era chamada de Ramrod. (BOWMAN,
2008).

Inicialmente, os grupos americanos voavam conforme fora ensinado e instruído pela


RAF: Voos eram divididos em formações fechadas Finger-Four, quatro aeronaves voavam em
um grupo próximo como se fossem quatro dedos da mão vistos de cima. O dedo médio era o
líder da formação e o indicador o seu ala, o dedo anelar era o líder da outra dupla, tendo como
seu ala o dedo mínimo. Essa formação era bem apertada, com os aviões muito próximos um
do outro, sob território inimigo os alas se posicionavam diretamente atrás de seu líder. Os
pilotos americanos descobriram da pior maneira que a formação era vulnerável a ataques
vindos da retaguarda, pois não era possível cobrir a traseira do último piloto e, uma vez se
posicionando atrás dos aviões enfileirados, uma aeronave inimiga estava bem posicionada
para abater o restante da formação. O Commanding Officer (C.O) do 56th FG, Col. "Hub"
Zemke, decidiu dividir a formação em dois elementos, tendo dois aviões em cada, e ainda
espalhar as duplas em uma formação solta e flexível. Assim, tendo maior visibilidade da
retaguarda e dando mais espaço para manobras evasivas. (BOWMAN, 2008).

Combates iniciais, entre abril e julho de 1942, foram lições de aprendizado para os
grupos que voavam o Thunderbolt. Os primeiros contatos com o inimigo apontaram suas
fraquezas e seus pontos fortes.

Primeiramente, ficou claro que o tamanho e peso do P-47 afetam suas características
de combate. O avião possuía uma taxa de subida inferior, realizava curvas que eram muito
mais abertas e demoradas, além de não reter velocidade tão bem quanto seus adversários.
Manobras como estas deixavam o avião lento, vulnerável, e expressivamente inferior aos
leves e ágeis caças alemães. A altitude também se mostrou problemática, o Bf 109 e Fw 190
se sobressaiam em altitudes abaixo de 15.000 pés, então escolhiam esta zona de combate para
aproveitarem ao máximo seus desempenhos, frequentemente arrastando Thunderbolts para
estas baixas altitudes. (BOWMAN, 2008).

Entretanto, este período de experiência também apontou as qualidades do P-47


Thunderbolt. Sua taxa de subida deixava a desejar sim, um Messerschmitt levava 11 min. para
alcançar 30.000 pés, um Focke-Wulf levava 14 min., enquanto o Thunderbolt levava 20
24

minutos. Porém a partir dos 15.000 pés de altitude, o turbosupercharger dava vida ao
Thunderbolt e sua performance melhora drasticamente à medida que subia. Entre 25.000 e
30.000 pés o Thunderbolt era melhor que seus dois adversários em todos os aspectos, exceto
aceleração em voo nivelado e taxa de subida. A vantagem em altitude também mostrou outro
atributo do P-47, que devido a seu peso, mergulhava como uma pedra. Sua aceleração em
mergulho era excepcional, permitindo atingir sua velocidade máxima facilmente. O
Thunderbolt também se mostrou surpreendentemente ágil em altas velocidades, sendo capaz
de acompanhar as manobras dos caças alemães que possuíam metade de seu peso. A
durabilidade também foi outra revelação, em múltiplas ocasiões os Thunderbolt voltavam
para casa com dano de combate extensivo sofrido pelos canhões alemães de 20 mm MG 151.
( FREEMAN, 2000).

As operações de bombardeiros da USAAF eram realizadas acima de 24.000 pés, esta


altitude era a zona de melhor performance do Thunderbolt. Os caças inimigos tentavam ficar
acima dos bombardeiros para atacá-los em mergulhos, cortando sua formação. Isto era ótimo
para os americanos que, em contrapartida, tentavam ficar acima dos alemães. Mesmo o
inimigo tendo iniciativa no mergulho, o Thunderbolt era capaz de alcançar tanto o Bf 109
quanto o Fw 190. Uma vez engajados em combate, era procedimento padrão da Jagdwaffe
mergulhar em busca das altitudes mais baixas, seja para o dogfight com a melhor
performance, ou fugir. Isso mostrou-se uma atitude suicida quando, em 18 de maio de 1943, o
1Lt. Duane W. Beeson, seguindo um Bf 109G em mergulho obteve a primeira vitória aérea do
Thunderbolt. O jogo havia virado. (BOWMAN, 2008)

Agora que os grupos da Eighth Air Force haviam descoberto as vantagens e


desvantagens do Thunderbolt, era necessário pôr em prática. Novas estratégias e táticas foram
desenvolvidas pelos oficiais em comando visando um estilo de combate aéreo que favorecesse
o P-47. A altitude era a chave. Os Thunderbolts deviam entrar em combate sempre acima dos
inimigos, mergulhar convergindo as oito metralhadoras .50 no alvo e utilizar a velocidade
ganha no mergulho para voltar a altitude antes do próximo ataque. (BOWMAN, 2008). Essa
tática passou a ser a principal forma de engajamento do Thunderbolt, ficou conhecida por
diferentes nomes dentro dos esquadrões, dependendo da fonte estudada, entre elas: "Dive and
Zoom", "Bounce and Zoom", "Boom and Zoom" e “ Mergulho picado”.

Os grupos de caça do VIII Fighter Command aos poucos foram aumentando o número
de vitórias aéreas ao seu total, ganhando experiência. Porém, seu inimigo era um veterano do
combate aéreo.
25

Entre 1941 e 1942, a Luftwaffe possuía três Jagdgeschwader (JG) no fronte oeste. JG
1 no noroeste da Alemanha, JG 2 defendendo os portos atlânticos da França e JG 26 no Passo
de Calais. Cada JG dispunha por volta de 120 aeronaves. Dessa forma, a Luftwaffe mantinha
com consistência por volta de 200 caças prontos para o combate protegendo o Canal da
Mancha. Em abril de 1943, quando o P-47 iniciou operações de escolta, a Jagdwaffe solicitou
reforços. Ao fim de julho, grupos de caça foram retirados dos fronts Soviético e Mediterrâneo
para reforçar o Canal. Durante o outono de 1943, a Jagdwaffe recebeu mais reforços para a
organização da Defesa do Reich. Esses reforços causaram perdas severas nos bombardeiros da
USAAF nos meses de agosto, setembro e outubro daquele ano. Tais perdas fizeram com que a
USAAF interrompesse penetrações de longo alcance até que uma escolta de caça suficiente
pudesse ser provida. (BOWMAN, 2008).

Jagdwaffe era um braço de armas da Luftwaffe que utilizava caças diurnos


monomotores de assento único. Responsáveis por caçar, interceptar e abater aeronaves
inimigas. Jagdgeschwader (JG) eram grupos de caça que constituíam a Jagdwaffe. O piloto
da Jagdwaffe voava um entre dois caças: o Messerschmitt Bf 109 ou o Focke-Wulf Fw 190. O
Fw 190 era responsável por abater os bombardeiros pesados, pois era mais resiliente e possuía
maior poder de fogo. O Bf 109, por ter melhor performance em altas altitudes, ficava
responsável por enfrentar a escolta de caças. (BOWMAN, 2008). Apesar de, no calor da
batalha, o Fw 190 também combater caças e os grupos de P-47 possuírem abates
significativos de Fw 190, o combate em altitudes elevadas, teoricamente, era entre o
Thunderbolt e o Bf 109. Portanto, este será o combate abordado.

As táticas utilizadas pelo Jagdflieger foram desenvolvidas por Werner Mölders. Suas
experiências na Guerra Civil Espanhola, o ensinaram como voar o Bf 109 efetivamente em
combate. Os pilotos voavam em duplas, chamadas Rotte, esta era a base de toda a estrutura de
voo e combate da Jagdwaffe. Um Rotte consistia em um líder, Rottenfürher, e seu ala,
Katschmarek. O líder assumia posição dianteira e era responsável por tomar decisões, achar o
inimigo e abatê-lo. Seu ala era responsável por cobrir os pontos cegos de seu líder, fora isso,
seguia seu líder e não iniciava combates. As aeronaves da dupla voavam com uma separação
por volta de 180 metros, em formação in line abreast, em linha lado a lado. Dois Rotten
formavam um Schwarm. Voando com separação em torno de 280 metros entre si, que era
aproximadamente o raio de curva do Bf 109 em combate. O Rotte que liderava o Schwarm
voava à dianteira diagonal. Uma formação Staffel, era composta por três Schwarm voando in
line abreast, linha lado a lado, ou in line astern, linha em popa. (BOWMAN, 2008).
26

O Bf 109, desde o começo da guerra, usufruiu de performance em altitudes elevadas


superior a de seus inimigos. Portanto, executava ataques em mergulho sobre seu alvo,
convertendo a velocidade adquirida em altitude, fora do alcance de seu inimigo. Se possível,
utilizando o Sol para mascarar o ataque. Caso um Rotte ou Schwarm fosse atacado, cada
grupo faria individualmente uma curva em direção do atacante, com o objetivo de diminuir o
tempo de oportunidade em que o inimigo pudesse alvejar o Rotte ou Schwarm. Não havendo
tempo para realizar a curva, o Jagdflieger poderia utilizar o sistema de injeção direta do Bf
109 para iniciar um mergulho em força G negativa. A manobra Abschwung, conhecida como
Split- S, também poderia ser usada. Executando um meio rolamento, mergulhando e mudando
de direção. Esta manobra consumia muita altitude, portanto era perigosa e utilizada com
cautela. (BOWMAN, 2008).

Com o advento do P-47D Bubbletop, que voava mais alto e mergulhava mais rápido
que o Bf 109G, as táticas da Jagdwaffe viraram sua fraqueza e foram utilizadas contra ela
mesma. Em frente a essa situação, o combatente alemão precisou ser mais cuidadoso e
escolher suas lutas.

O piloto alemão sempre se encontrou diante de desvantagem numérica nas grandes


batalhas aéreas da Segunda Guerra Mundial, porém podia contar com seu equipamento
superior e experiência. Ao decorrer do ano de 1944, o Jagdflieger perderia estas duas
vantagens. O Thunderbolt evoluía a cada modelo, ultrapassando o datado Bf 109. Com
tanques alijáveis cada vez maiores aumentando o alcance do Thunderbolt e com a instauração
do P-51 Mustang como caça de escolta definitivo, não havia abertura vulnerável a ataques na
escolta dos bombardeiros. Em 1944, o Thunderbolt passa a realizar varreduras à frente da
formação de bombardeiros, varreduras estas que cobriam desde o solo, atacando aeronaves
aterradas ou decolando, até altitudes de 36.000 pés. Apesar de ter perdido a superioridade
tecnológica, o Jagdflieger experiente conhecia sua aeronave e a de seu inimigo, sabia quais
manobras o P-47 não conseguia acompanhar. Porém com a crescente pressão e enfrentando
um inimigo em evolução, a Jagdwaffe começa a perder seus pilotos experientes, perdas essas
que nunca conseguem ser recuperadas. Enquanto os Estados Unidos contavam com um fluxo
cada vez maior de pilotos recém treinados chegando ao front de batalha, pilotos que contavam
com treinamento extensivo e ensinados por combatentes experientes que haviam retornado ao
seu país como instrutores de aviação de caça. (BOWMAN, 2008)

O auge da Luftwaffe neste confronto foi entre o final do verão e início do outono de
1943. Neste período, a Jagdwaffe contava com um grande arsenal de caças disponível para
27

interceptar as formações americanas, escolhiam atacar os bombardeiros fora do alcance dos


P-47 e o mais importante: tinham pilotos experientes. O aviador alemão já estava em guerra a
quatro anos, havia lutado na Polônia, França, Noruega, Inglaterra, Grécia, Norte da África e
União Soviética. Conhecia seu caça, que fora extensivamente aprimorado durante os anos de
guerra. E possuía táticas comprovadas no campo de batalha desde a Guerra Civil Espanhola.
Em média, o piloto alemão contava com duzentas horas de voo de instrução no avião de
combate que iria utilizar, em um treinamento que durava dez meses. Com a pressão crescente
exercida pela USAAF, a Alemanha apressa o treinamento de seus novos pilotos para reforçar
as linhas de frente. Ao final da guerra, os pilotos alemães possuíam um treinamento
insuficiente de apenas dois meses e a maioria voa um avião armado pela primeira vez ao
chegar no front. (BOWMAN, 2008).

O Bf 109 continua a ser utilizado durante toda a guerra, sendo suas últimas variantes
Bf 109 G/K. Com seus números cada vez menores e inexperientes, a Jagdwaffe
progressivamente se ausenta dos céus europeus e os aliados atingem superioridade aérea.
Eventuais grandes batalhas pela Defesa do Reich em 1944 e 1945 como Dia-D e Bodenplatte,
mostram-se irrecuperáveis. A Jagdwaffe luta até o VE-Day, 8 de maio de 1945, porém é uma
força vencida no início de 1945. (BOWMAN, 2008).

Ao final de 1943, era evidente que um novo front europeu precisava ser aberto, o
impasse na Itália e as pressões diplomáticas da URSS demonstraram que a próxima fase de
operação dos Aliados deveria ser uma invasão na Europa Ocupada. (BERNSTEIN, 2008).

Mesmo com a presença de bombardeiros médios atacando infraestruturas e alvos


próximos da linha de frente, era necessário um caça-bombardeiro para atuar em uma escala
pessoal da guerra, realizando ataques precisos com o objetivo de apoiar diretamente as tropas
terrestres com o tão necessário poder aéreo na linha de frente.

Em janeiro de 1944, por consequência da reestruturação de comando na USAAF, Lt.


Gen. James Doolittle tornou- se comandante da Eighth Air Force, e Maj. Gen. William
Kepner como comandante do VIII Fighter Command. Sob ordens de Doolittle, o VIII Fighter
Command mudou de foco. Seu primeiro dever agora era destruir caças inimigos, quando antes
era proteger os bombardeiros. Agora, Thunderbolts estavam ordenados a caçar a Luftwaffe
nos céus e no solo ao voltarem para o Reino Unido. Isso trouxe uma consequência prevista:
apesar de ser resistente, o Thunderbolt não era invencível e agora começava a ser abatido por
flak. (BERNSTEIN, 2021).
28

Uma mudança que devemos destacar nesta reestruturação da USAAF é a reorganização


das Forças Aéreas. A partir de agora, elas seriam organizadas em duplas, com cada membro
da dupla com uma função distinta. As Strategic Air Forces deveriam dar continuidade a
Strategic Bombing Campaign, utilizando bombardeiros pesados e caças de escolta. As
Tactical Air Forces interviriam diretamente no campo de batalha, com bombardeiros médios e
caças-bombardeiros, atacando bases aéreas, oferecendo suporte aerotático direto às tropas
terrestres em forma de ataques ao solo ou campanhas de intercessão. (BERNSTEIN, 2021).

Nos primeiros meses de 1944, a Ninth Air Force vinda do Norte da África foi
realocada para a Grã-Bretanha, para ser a dupla tática da estratégica Eighth Air Force. Sob
comando de Doolittle, os P-47 da Eighth foram transferidos para a Ninth, já que agora a
Eighth passaria a operar o P-51 Mustang como caça de escolta estratégico de longo alcance. O
único Fighter Group da VIII Fighter Command que continuou a utilizar o Thunderbolt até o
final da guerra foi o 56th FG, sendo seu último modelo operado o P-47M. (FREEMAN,
2000).

No Mediterrâneo, a tática Twelfth Air Force e a estratégica Fifteenth Air Force, foram
equipadas com Thunderbolts ao final de 1943. Juntas com a Eighth e a Ninth, caçavam a
Luftwaffe no solo e no ar. No início de 1944, a Fifteenth iniciou a transição para o Mustang,
transferindo seus Thunderbolts para a Twelfth, o que acelerou a troca de equipamento datado,
em sua maioria P-39 Airacobras e P-40 Warhawks. (BERNSTEIN, 2012).

A mudança para o P-51 Mustang fora não só necessária, como objetiva e natural. O
P-47 Thunderbolt apesar de carregar muito combustível com seus tanques alijáveis e internos,
possuía um motor que consumia muito. Em média, o P-51 consumia 246 litros por hora de
operação, o Thunderbolt consumia impressionantes 757 litros por hora. Em missões de
escolta, era necessário que o P-47 voltasse para a base aérea para reabastecer e reencontrar os
bombardeiros para escoltá-los de volta para casa. Ou seja, na parte mais crítica da missão que
era dentro de território inimigo, o Thunderbolt não alcançava. Já o Mustang, com seu baixo
consumo, era capaz de escoltar a formação durante toda a missão, ida e volta. Além disso, o
P-47 se destacou como caça-bombardeiro após a mudança de foco do VIII Fighter Command
e o sucesso operacional do 57th FG com o Thunderbolt como caça-bombardeiro no ataque ao
solo. (BERNSTEIN, 2021).

Com a reformulação das forças aéreas em táticas e estratégicas, os comandos de caça


foram equipados com os caças adequados às suas necessidades. As unidades designadas para
29

a tarefa de caça-bombardeiro, seguiram os passos do 57th Fighter Group do Teatro de


Operações do Mediterrâneo, que iniciou missões de ataque ao solo com o Thunderbolt ao
final de 1943. (MOLESWORTH, 2011).

Sua chegada no Norte da África em Julho de 1942 marca o início da guerra para o 57º
Fighter Group. Inicialmente operando sob comando da Desert Air Force (DAF), grupo da
RAF especializado em combate nas regiões áridas, o 57º combateria a Luftwaffe e a Regia
Aeronautica. (MOLESWORTH, 2011).

Sob comando da DAF, o 57th FG aprenderia a lutar no deserto e como utilizar seu
P-40 Warhawk como um caça-bombardeiro. Táticas de ataque ao solo foram desenvolvidas e
aprimoradas pela DAF durante dois anos de conflito, entre 1940 e 1942. Acompanhando a
DAF em missões, o 57th aprendera como melhor empregar sua aeronave como uma artilharia
de longo alcance, o que fazer ao ser surpreendido por um inimigo e por fim, como dispor a
formação para que não fiquem vulneráveis ao bombardear. (MOLESWORTH, 2011).

Over the past two years, the DAF had developed tactics that expanded
the capabilities of its fighter force by employing it against axis ground forces. The
fighters served as long-range artillery, sweeping behind axis lines to destroy
communication and supply routes or attacking ground forces directly on the
battlefield. If enemy aircraft were encountered, the fighters would jettison their
bombs and protect themselves. Typically, the DAF formation performing a
fighter-bomber mission would divide itself, using half its strength as an assault flight
and the other half as top-cover. (MOLESWORTH, 2011 p. 19-20).

Em 12 de maio de 1943, a campanha aliada no Norte da África chega a seu fim com a
evacuação de Erwin Rommel e sua Afrika Korps. Em seguida, o 57th participaria das invasões
à ilha de Pantelleria no Mediterrâneo e à Sicília durante a Operation Husky. Em 22 de agosto
de 1943, o 57th é transferido da Ninth para a Twelfth Air Force em preparação à invasão da
Itália continental, que teve início em 3 de setembro de 1943. (MOLESWORTH, 2011).

A atuação do 57th Fighter Group na campanha da Itália foi marcada por missões de
suporte à tropas aliadas rompendo as linhas defensivas alemãs conhecidas como Volturno
Line, Gustav Line e Gothic Line. E também pela participação na Operation Strangle, que foi a
primeira campanha aérea de intercessão. (MOLESWORTH, 2011).

Em novembro de 1943, o 57th começou sua gradual transição para o Thunderbolt. O


P-40 Warhawk era um avião há muito familiarizado pelo grupo, porém estava datado e
ineficiente contra os modernos Bf 109 e Fw 190 da Luftwaffe. Devo ressaltar que neste
período, entre o final de 1943 e primeiros meses de 1944, o Thunderbolt não atuava como um
30

caça-bombardeiro e sim como caça de escolta e interceptador de alta altitude. Tinha a


capacidade de carregar bombas de 226,79 kg, a partir do modelo D-5, porém a primeira
missão como caça-bombardeiro foi realizada em 25 de novembro de 1943 pela Eighth Air
Force, ao atacar uma base aérea em Saint-Omer, na França. Apesar do Thunderbolt ter a
capacidade de executar tal missão, não estava optimizado para ela. Não possuía mecanismo de
lançamento de bombas, o piloto deveria lançá-las como se estivesse alijando um tanque
externo. Além disso, os cabides das asas não eram fortes o suficiente para carregar bombas,
apenas tanques de combustível. Em janeiro de 1944, o Maj. Wymond e TSgt Bill Hahn
modificaram o P-47 de Wymond, Hun Hunter II, para que pudesse executar efetivamente as
missões de ataque ao solo que o grupo estava tão acostumado. Em seguida, a Republic
Aviation padronizou tais modificações nos subsequentes modelos. Portanto, graças à vasta
experiência em ataque ao solo adquirida pelo 57th, o Thunderbolt foi modificado em campo
de batalha para atender às necessidades do Fighter Group e logo foi empregado em suporte às
ofensivas no centro da Gustav Line e nos desembarques aliados em Anzio, no início de 1944.
(BERNSTEIN, 2021). A engenhosidade e conhecimento prático dos líderes do 57th pode ser
expressada pelo testemunho do TSgt Bill Hahn:

12 January, Wednesday, a cold wet night. About 2100 hrs the tent flap
opened and Maj Wymond was standing there. TSgt Dixon had been rotated back to
the States, and I had been made technical sergeant in charge of armament when the
armament officer had been transferred to headquarters. Wymond’s first words,
“Hahn, this aeroplane is no good for close support. It doesn’t carry bombs. It has no
bomb toggles”.
The major was correct, as there were three small, difficult tank releases on
the floor on the left side of the cockpit. It would be impossible to dive, aim and pull
the releases for bombs. Wymond continued, “They want to transfer us to England for
high-altitude escort, and I ain’t going. You are going to convert this crate into a
dive-bomber. Come with me to the aeroplane, and I’ll show you what I want”. We sat
on the wing and discussed this until after midnight. Next morning we began to
convert his aeroplane.
I chose one helper, Charles Appel, and we began to devise a temporary
release. It was a real excuse for a solid release, but we accomplished it in two days.
We did this on the prototype by laying a flat steel bar across the three releases and
applying a fulcrum to the floor to allow the pilot to release the two wing bombs with
one pull. This was not a satisfactory application because the belly tank release could
not be used easily.
Appel and I devised a method of laying the two wing releases on the floor
and connecting them with a cable that ran forward up the firewall and back to the
instrument panel. We then added the belly tank release. The pilot only had to lean
forward in the cockpit, watch his target and pull the two small toggles on the
instrument panel to release all of his bombs. This was duplicated in all squadrons
until all Thunderbolts were capable of dive-bombing. It was crude but effective, later
31

being improved by Republic Aviation on the subsequent P-47D models. (apud,


MOLESWORTH, 2011, p. 83-84).

Carl Molesworth conclui:

Despite its obvious shortcomings, the release performed well when


Wymond flew a demonstration for some visiting brass, dropping two unfused 500-lb
bombs off the end of the Amendola runway. Then Hahn and Appel went back to work
on improving the contraption. (…) Wymond was not finished, however. With Hahn’s
help, he went on to pioneer the dropping of two 1000-lb wing bombs from the P-47.
He also developed better sway braces for the bombs and improved the aeroplane’s
strafing capability by raising the gunsight four inches so the guns could be mounted
in a slightly more depressed position. The P-47 went from Thunderbolt to
“Thunderbomber”, thanks to their work. (MOLESWORTH, 2011, p.84).

Em março de 1944 a Operation Strangle têm seu início, e o 57th como o único FG
operacional com o P-47 da Tactical Twelfth Air Force recebe a importante missão de atacar a
retaguarda do flanco direito inimigo. Seus alvos prioritários eram infraestruturas de transporte
como ferrovias, pontes, estradas e túneis. Ataques em alvos de oportunidade também eram
prioridade, como trens, tropas em campo aberto e comboios de suprimentos. Em suma, cortar
as linhas de suprimento do inimigo, com o objetivo de enfraquecer as linhas defensivas
alemãs. (MOLESWORTH, 2011).

O 57º Fighter Group obteve grande sucesso ao aplicar as táticas de caça-bombardeiro,


aprendidas com a DAF e aperfeiçoadas pelo FG em dois anos de combate com o Warhawk, ao
Thunderbolt. Que era por sua vez, uma aeronave de ataque ao solo mais moderna e eficiente
que o Warhawk, possuía maior armamento e melhor durabilidade. (MOLESWORTH, 2011).
Em uma carta ao autor Carl Molesworth, o Lt. David P Black do 65th Fighter Squadron
compartilhou táticas de caça-bombardeiro:

Fighter-bomber tactics were always get in and get out as fast as you
could. When attacking trains, shoot the engine first to stop it, then come across at 90
degrees, shooting at each car. Pull up early in case the train explodes. Road traffic
was much the same. For troop concentrations, use fire bombs and spread them
around, coming across the area in four-ship formation to maximize the
coverage.(MOLESWORTH, 2011, p. 109).

Após mergulhar e soltar as bombas, os pilotos procuravam por alvos de oportunidade


para ataques rasantes, strafing runs, que consistiam em localizar um alvo como trens ou
comboios de veículos e realizar ataques contra o alvo utilizando as oito metralhadoras .50
Browning M2. A grande quantidade de munição e poder de fogo das oito .50, tornavam o
32

P-47 muito eficiente em strafing runs, os pilotos também podiam contar com a resistência do
avião para protegê-los da retaliação das tropas terrestres inimigas. (BERNSTEIN, 2021).

Com a tecnologia de armamentos avançando rapidamente e a experiência adquirida


tanto pelos pilotos quanto pelas equipes de manutenção, possibilitou a evolução das técnicas
de ataque ao solo. Em uma entrevista com o autor Molesworth, o piloto do 65th Fighter
Squadron do 57th FG, 1Lt. Jim “Wabbit” Hare, compartilhou suas experiências sobre as
táticas de ataque ao solo, destaco a passagem em que Hare conta sobre a estratégia de
“skip-bombing”, manobra arriscada usada para inutilizar túneis:

At Alto we began to receive eight- to eleven-second delay fuses for our


high-explosive 500-lb and 1000-lb bombs. The powers that be decided we could be
more accurate in cutting the rail lines from low altitude – that is, from below 500 ft.
Yep, we could and did, and after a few missions we started dropping the bombs
singly in order to get more cuts. That meant putting your pipper a tad left of the
tracks if you were dropping the bomb on the right wing, and vice versa.
After we proved the effectiveness of this system, our operations officer (Maj
Dick Hunziker) decided that maybe we could skip-bomb railway tunnels. I was
commander, and my flight was selected to be the “Tunnel Busters”. (…) We flew at
least 20 of these hair-raising missions on the deck, strafing the target, dropping a
single bomb and then immediately going into a high-G pullout to avoid the ridge the
tunnel went through. On several occasions the bomb exited the other end of the
tunnel before exploding, but most of the time it detonated inside. I feel certain that
we caught several locomotives hiding inside, thinking they were safer than safe.
(MOLESWORTH, 2011, p. 94-95).

Durante a guerra, uma tecnologia que evoluiu rapidamente foi o rádio como meio de
comunicação militar, informações em “tempo real” durante o combate permitiram melhor
integralização entre as diferentes armas, ampliando o esforço de armas combinadas.“A
rapidez das operações, grandemente aceleradas pelos motores de combustão interna e pelo
avião, e o enorme poder de destruição das armas modernas, particularmente sobre alvos civis,
determinaram uma urgência sem precedentes na busca por informações imediatas[...]”
(KEEGAN, 2006b, p.92). Em março de 1945 durante a ofensiva do U.S. Fifth Army,
destaca-se o uso de comunicações em tempo real entre forças terrestres e grupos de
caças-bombardeiros, incorporado na técnica Rover Joe, que aumentou a precisão dos ataques
e diminuiu o intervalo de tempo entre a solicitação de suporte aéreo e o close air support em
si. (BERNSTEIN, 2021). Rover Joe deve ser destacado aqui como um exemplo bem sucedido
do P-47 Thunderbolt integrado na doutrina combined arms.
33

The US Fifth Army began a new offensive in early March and broke the
stalemate in Italy. Now, the fighter-bombers would mix close-air-support missions
with interdiction in the Brenner Pass, and again the pace of operations picked up.
One technique used during this period was the use of ‘Rover Joe’ ground controllers
to help pinpoint the fighter-bomber strikes ahead of the advancing troops. The
controller, usually a veteran fighter-bomber pilot on detached duty, would set up
shop in an armored car at a spot overlooking the frontlines and radio target
assignments to the P-47s overhead. These missions proved extremely effective. Also
coming into use at about this time was ‘Auntie’ radar-controlled bombing, which
was used with questionable success to allow the P-47s to drop their bombs through
the clouds when overcast obscured their targets. (MOLESWORTH, 2011,
p.111-112).

Uma importante característica de um caça-bombardeiro, é quais armamentos ele é


capaz de carregar. A grande capacidade de carga do P-47 Thunderbolt o permitia ser equipado
com diferentes combinações de armas para executar uma ampla gama de missões. Sua
principal arma era metralhadora 0.50-cal AN/M2 Browning, que efetuava entre 600-800
disparos por minuto em uma velocidade de saída de 883,92 metros por segundo. Uma rajada
de cinco segundos das oito metralhadoras do P-47 alvejava uma área alvo de 0,83m² com 500
disparos à 335 metros à frente da aeronave. Apesar de não ser explosiva como um cartucho de
canhão, a munição era uma mistura de cartuchos M2 ball, M8 perfurantes incendiários e M10
traçante, capaz de penetrar veículos blindados leves e incendiar materiais inflamáveis.
Possuindo ao todo 3,400 cartuchos de munição distribuídos entre as oito .50, tornavam o
Thunderbolt em uma excelente plataforma de disparos. (BERNSTEIN, 2021).

A carga total dos cabides do P-47 era de 1.133,98 kg, ou seja, o equivalente em
armamento poderia ser carregado externamente em combinações entre bombas, foguetes e
napalm. A arma mais comum era a General Purpose Bomb (GP), sendo uma combinação de
explosão, concussão e fragmentação, estes efeitos em conjunto tornavam a GP uma bomba
‘coringa’, eficiente contra qualquer alvo e em qualquer tipo de missão. A General Purpose
Bomb estava disponível em dois tamanhos. A AN/M64 226,79 kg preenchida com 121,10 kg
de TNT ou 118,84 kg de Amatol, que poderia ser armada em qualquer um dos três cabides.
Sua versão maior era a AN/M65 de 453,59 kg, que também possuía por volta de metade do
seu peso em explosivos e por causa de seu tamanho era armada nas asas. (BERNSTEIN,
2021).

Contra a infantaria exposta, gado e veículos não blindados, era usada a bomba de
fragmentação AN/M81 de 117,93 kg. A letalidade da bomba de fragmentação não é a
explosão em si, possuindo apenas 15,42 kg de TNT, mas sim os estilhaços em alta velocidade
que a bomba libera ao explodir, a M81 possuía entre 6000 a 7000 desses estilhaços. Além da
M81, outra bomba de fragmentação usada pelas equipes do Thunderbolt era a M41, menor em
34

seu tamanho, pesando apenas 9,07 kg, e podia ser armada em montantes de seis. Ao explodir
alvejavam com estilhaços uma área de 3623,61m². Bombas de fragmentação eram
especialmente eficazes contra equipes de flak. (BERNSTEIN, 2021).

Os Thunderbolts também eram capazes de utilizar bombas incendiárias na forma de


Napalm, utilizando tanques alijáveis de 283,90L, 408,82L, 416,39L, 567,81 ou 624,59L com
a substância. O Napalm é uma mistura de gasolina gelatinosa que queima entre 426°C a
537°C, uma vez em contato com a pele era muito difícil de ser retirado. A bomba incendiária
era uma arma muito desmoralizante para as tripulações flak alemãs, porém o P-47 precisava
chegar perto do alvo para acerta-lo com precisão, expondo-se ao alcance do inimigo. Uma
arma de longo alcance era necessária para combater a flak. (BERNSTEIN, 2021).

O desenvolvimento de foguetes ar-terra pela USAAF iniciou no final de 1943, e na


primavera de 1944 foi introduzido o M8 4.5 inches rocket tubes, de 4,5 polegadas que possuía
um poder explosivo equivalente a uma munição de morteiro 120mm carregada com alto
explosivo. Outra versão de foguete a-terra também desenvolvida foi o Forward Firing Aerial
Rocket (FFAR) de 5 polegadas, apesar de ambas as versões serem amplamente utilizadas,
apresentavam problemas como imprecisão e baixa velocidade respectivamente. Somente com
a introdução do High Velocity Aerial Rocket (HVAR), que possuía alta velocidade, alcance e
precisão, que o P-47 passou a enfrentar as flaks à longo alcance. (BERNSTEIN, 2021).

A Flak se tornou a maior adversária dos pilotos do Thunderbolt, que logo


desenvolveram novas táticas e receberam novos armamentos para enfrentar este novo
inimigo.

Criada em janeiro de 1942 como parte da Wehrmacht Flakartillerie, o principal


objetivo da Flakwaffe era proteger o Reich dos bombardeiros estratégicos americanos. Ao ser
encarregado das Defesas Ocidentais em novembro de 1943, Generalfeldmarschall Erwin
Rommel reforçou as defesas antiaéreas da Westwall adicionando uma Flakkorps para se
defender de ataques aéreos. Comandantes de divisões também receberam reforços de
antiaérea, cada Panzerbteilung recebeu sua própria seção de flak. As forças alemãs tiveram
quatro anos para fortificar as defesas na França em preparação à inevitável invasão aliada.
Flaks que engajariam os caça-bombardeiros aliados pertenciam a um entre quatro braços da
Força militar alemã: A Luftwaffe provia defesas antiaéreas sob bases aéreas. Marineflak
defendia regiões costeiras. Heeresflak e SS-Flak defendiam a Wehrmacht e as forças terrestres
da SS, respectivamente. (BERNSTEIN, 2021).
35

A Flakwaffe contava à sua disposição a Flak 36 de 3,7cm com boa cadência de tiro,
alcance e confiabilidade. A Flak 38 de cano único de 2cm e sua versão de 4 canos,
Flakvierling 38. Ao final da guerra possuía as temíveis Flak 43 e Flak 103/38 Jaboshreck,
apesar de terem chegado muito tarde e com poucas unidades. Tais armas poderiam ser
utilizadas de forma estática ou de forma móvel, montada no chassis de veículos militares
como caminhões e tanques, ou até mesmo rebocada por outro veículo. (BERNSTEIN, 2021).

Uma Flak Batterie leve da Luftwaffe, consistia em cinco pelotões, com três armas de
2cm cada. A bateria média com três pelotões com três armas cada. Um Luftwaffe
Flakabteilung possuía três baterias: duas pesadas e uma leve. Como um exemplo da estrutura
de um batalhão de flak, a Heeresflak Flakabteilung motorizada consistia em dezoito armas de
2cm ou nove armas de 3,7cm, oito armas de 8,8cm anti áreas pesadas e quatro holofotes de
60cm. Cada arma era tripulada por 8 a 10 homens trabalhando em conjunto para manter a
arma em combate contra o inimigo. (BERNSTEIN, 2021).

Ao analisar cada arma singularmente, o Thunderbolt possuía maior poder de fogo do


que a Flak. A vantagem da flak era o alcance, velocidade de saída do projétil, poder explosivo
e o elemento surpresa.

Flaks motorizadas eram mais flexíveis em combate do que as flaks rebocadas ou fixas.
Mobilidade provou-se essencial para a sobrevivência da Flak. Caso fossem engajadas durante
o dia em uma estrada, para combater o inimigo a equipe de uma flak rebocada teria que
desvinculá-la do veículo e fixá-la ao solo para responder à ameaça, um precioso tempo
perdido quando se está sob fogo inimigo. Já as flaks motorizadas, poderiam mover-se e atirar
ao mesmo tempo. (BERNSTEIN, 2021)

Apesar de não possuírem mobilidade, flaks fixas eram perfeitamente capazes de


defender uma determinada área. Utilizando o elemento surpresa, flaks ocultas registraram
maior número de abates do que as motorizadas. Muitas vezes, baterias de flaks ocultadas
utilizavam aviões danificados estacionados na pista de pouso como isca, se posicionando em
lugares estratégicos para cobrir todos os pontos de entrada e saída, ficando a espreita de
Thunderbolts na região da mesma forma que um sniper espreita seu alvo. (BERNSTEIN,
2021).

Um fator que prejudicou muito a Flakwaffe foi a logística de suprimentos, em


específico peças para reparo. Em 1943 houve uma mudança de foco do Ministério de
Armamento alemão e foi priorizada a produção de novos veículos blindados às custas de
36

peças sobressalentes produzidas. Com as linhas de suprimentos sob ataque constante dos
Thunderbolts, peças necessárias para reparos das flaks, que já eram escassas, não chegavam
às linhas de frente, prejudicando muito a efetividade e prontidão de combate da Flakwaffe.
(BERNSTEIN, 2021).

Nos primeiros meses de 1944, a Flakwaffe estava bem fortificada e bem suprida,
especialmente as baterias flak costeiras da Kriegsmarine que, por estar na linha de frente do
Canal da Mancha, formavam um cinturão de proteção na costa francesa, da Normandia a
Provence. Os primeiros meses de 1944 foram penosos para os grupos de Thunderbolt que
haviam iniciado operações de caça-bombardeiro em preparação à invasão, que resultaram em
um aumento nas perdas por flak. (BERNSTEIN, 2021).

As operações aéreas da invasão no noroeste da França foram divididas em três fases:


Atingir e manter a superioridade aérea no Oeste europeu era considerada a primeira etapa.
Isso foi cumprido no verão de 1944. A segunda fase seria uma campanha de intercessão aérea,
atacando as linhas de suprimentos da Wehrmacht defendendo a França. Destruindo a
infraestrutura de transporte, a USAAF isolaria o campo de batalha, impedindo que reforços e
suprimentos chegassem à linha de frente. A terceira fase começou quando as tropas terrestres
desembarcaram na Normandia, em 6 de junho de 1944. A partir de então, a coordenação entre
terra e ar seria essencial para garantir a vitória dos Aliados. O Thunderbolt realizaria o
close-air-support, atacando formações de tropas, tanques, fortificações e artilharia. O
envolvimento do Thunderbolt nestas três fases da operação aérea da invasão demonstra sua
versatilidade como caça. (BERNSTEIN, 2021).

Army Group B sob o comando de Generalfeldmarschall Erwin Rommel era composto


por trinta e seis divisões na Normandia. Sendo vinte e cinco delas de infantaria, três divisões
SS Panzer, duas divisões Panzer da Wehrmacht, três de paraquedistas Fallschirmjäger e três
divisões de campo da Luftwaffe. Cada uma dessas divisões era defendida por uma
Panzerjäger Abteilung, que provia suporte antitanque e antiaérea. Cada batalhão Panzerjäger
era possivelmente equipado com 12 armas Flak 38 de 2cm ou nove Flak 36 de 3,7cm. As
divisões SS Panzer eram melhor preparadas para enfrentar ameaças aéreas, possuindo a sua
disposição cento e catorze Flak 38 de 2cm motorizadas, oito Flak 43 de 3,7cm motorizadas e
doze antiaéreas pesadas de 8,8cm. As divisões Panzer da Wehrmacht eram equipadas com
setenta e quatro Flaks 38 de 2cm, oito de 3,7cm e oito 8,8cm. (BERNSTEIN, 2021).
37

Em abril de 1944, o IX Fighter Command foi renomeado para IX Tactical Air


Command (TAC). Durante o ano, outras TACs também foram criadas de acordo com
necessidade, como a XIX TAC que foi estabelecida em 1º de agosto de 1944. Cada Tactical Air
Command era designado a um U.S. Field Army para coordenar suporte aéreo tático. O IX
TAC, sob comando de Maj. Gen. Elwood "Pete" Quesada, foi designado ao 1st Army. O XIX
TAC apoiaria o 3rd Army do Maj. Gen. George Patton. A XXIX TAC foi designada ao US 9th
Army. A XII TAC e a XXII TAC (57th, 79th e 350th FGs) operavam a partir de Corsica sob
comando da Twelfth Air Force. A XII TAC apoiava o 7th Army e o Free French Army B
(renomeado French 1st Army em setembro) durante as invasões ao Sul da França, enquanto a
XXII TAC operava em conjunto com o 5th Army na Itália continental. Todos os quatro
exércitos americanos possuíam à sua disposição um Comando Aéreo Tático para integração
ar-terra. (BERNSTEIN, 2021).

Em 6 de junho de 1944, as tropas Aliadas desembarcaram nas praias da Normandia.


Neste dia, os Thunderbolts do IX Tactical Air Command (TAC) voaram 2200 missões em
apoio à invasão, a um custo de apenas 9 Thunderbolts perdidos. Ao final do dia, a IX TAC
havia isolado o campo de batalha, impedindo reforços alemães de chegarem às praias de
desembarque. A Ninth Air Force realizou 29.000 missões táticas no mês de junho. Foram
perdidos 189 P-47 Thunderbolts entre Eighth e a Ninth Air Forces durante todo o mês, sendo
86 abatidos por Flak, 42 por caças inimigos e os restantes 62 foram perdidos por colisão
aérea, voar através da explosão da própria bomba, problemas mecânicos e causas
desconhecidas. (BERNSTEIN, 2021).

Para acompanhar o avanço das tropas aliadas e manter a proteção aérea, os grupos de
Thunderbolt também avançavam para novas bases aéreas. Em 14 de junho o 368th FG iniciou
operações no airfield A-3 perto de Cardonville, França. Na primeira semana de agosto, os 13
grupos de P-47 da Ninth Air Force estavam operando em bases aéreas avançadas no Norte da
França. (BERNSTEIN, 2021).

Em 16 de dezembro, os 5th e 6th Panzer Armies iniciaram a contra ofensiva conhecida


como Battle of the Bulge. Os primeiros dias da batalha foram marcados pelo mau tempo,
dificultando operações aéreas em apoio às tropas americanas. O clima não foi o único
adversário do Thunderbolt nesta batalha. Em 17 de dezembro, a Ninth Air Force realizou 647
missões em apoio às tropas, porém foram combatidas pela Luftwaffe. Que por sua vez visava
interceptar os caças-bombardeiros americanos e forçá-los a soltar suas bombas para engajar
em combate aéreo. (BERNSTEIN, 2021).
38

No ano novo, a Luftwaffe deu início à Operação Bodenplatte. Um ataque com força
total contra bases aéreas da Ninth Air Force, com o objetivo de destruir o máximo de
aeronaves aterradas possível. Ao todo, a Luftwaffe reuniu aproximadamente 1000 aeronaves.
Ao fim do dia, 280 de suas aeronaves foram abatidas por caças americanos e antiaérea
americana. Bodenplatte foi uma operação custosa para a já fragilizada Luftwaffe, que não
resultou em nenhum ganho estratégico ou tático. Bernstein (2021) aponta que talvez a
operação teria um melhor resultado se fosse executada em conjunto com a ofensiva inicial da
Wehrmacht em 16 de dezembro. Porém, três semanas após a ofensiva, tornou-se um fracasso.
Bodenplatte pode ser usado como exemplo de que ataque ao solo sem visar vantagens táticas
para as tropas terrestres, está destinado a falhar. (BERNSTEIN, 2021).

Quando a Battle of the Bulge terminou, no início de fevereiro de 1945, os grupos de


Thunderbolt da IX TAC voltaram a efetuar reconhecimento armado. Caçar trens e atacar bases
aéreas inimigas voltaram a ser prioridades. Como resultado, o número de Thunderbolts
abatidos por flak sofreu um aumento. (BERNSTEIN, 2021).

Nos últimos meses da guerra na Europa, a prioridade da Ninth Air Force era negar a
Luftwaffe a chance de atacar as formações estratégicas de bombardeiros. Para isso, os
Thunderbolts realizaram ataques massivos nas bases aéreas dentro da Alemanha em si. As
curtas linhas de suprimentos e a concentração de antiaérea dentro da Alemanha resultaram em
significativas baixas aos grupos de Thunderbolt. (BERNSTEIN, 2021).

Perdas de P-47 no ETO tiveram seu pico em junho de 1944, com 189 perdas. Durante
o ano, as perdas diminuíram até que, durante a ofensiva das Ardenas em dezembro, o número
de perdas mensais saltou para 151. A partir de janeiro de 1945, as perdas mensais eram abaixo
de 100. Em março e abril foram perdidos respectivamente, 112 e 88, devido à forte resistência
dentro do território alemão. Ao todo, estima-se que 1300 Thunderbolts foram destruídos em
combate, acredita-se que pelo menos 40% desse total foi abatido por flak. (BERNSTEIN,
2021).

Ao final da guerra, em Março de 1945, haviam 1974 Thunderbolts operacionais no


Teatro de Operações Europeu, sendo um Fighter Group do Eighth e 17 FGs da Ninth. A
Twelfth Air Force no Mediterrâneo tinha 361 P-47s divididos entre três FGs da XXII TAC.
Combinados em um total de 2335 Thunderbolts da USAAF no continente europeu.
(BERNSTEIN, 2021).
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Tanto a Flakwaffe quanto a Jagdwaffe foram adversárias letais para os grupos de


Thunderbolt. Ambas as forças eram equipadas com armas eficazes com alto poder destrutivo,
possuíam doutrinas de combate bem estabelecidas e provadas no campo de batalha e por fim,
eram formadas por guerreiros com anos de experiência em combate.

Porém, as duas forças sucumbiram pelo mesmo motivo. A Materialschlacht – guerra


dos materiais – fora a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. A infraestrutura, o
poder de produção dos aliados, especialmente dos Estados Unidos, não era páreo para uma
Alemanha que encolhia à medida que perdia territórios conquistados.

No campo de batalha tático, o Thunderbolt foi um instrumento americano para


combater na guerra dos materiais. A evolução tecnológica liderada pela evolução doutrinária
protagonizada pelos pilotos, transformou o P-47 Thunderbolt em um caça-bombardeiro. A
eficiência atingida pelos grupos de P-47 em isolar o campo de batalha em diferentes
campanhas, diferentes fronts e diferentes batalhas, negou preciosos suprimentos e reforços
para um inimigo desgastado.
40

3 Brasil na Segunda Guerra

3.1 Brasil na Segunda Guerra e a Batalha do Atlântico Sul

O Brasil de 1939 tentava manter-se em equilíbrio na balança do mundo em guerra. A


ditadura de Vargas, Estado Novo, era mais alinhada com a Itália fascista de Mussolini e
Alemanha Nazista de Hitler do que com as democracias europeias; as quais dependia
economicamente, como no caso da Inglaterra, e militarmente, como a Missão Francesa que
treinou o Exército Brasileiro entre 1920 a 1940. Além disso, o país possuía grandes colônias
de imigrantes alemães e italianos no Sul e Sudeste. Porém, assim como todo país latino
americano, o Brasil era mais dependente ainda dos Estados Unidos. (NETO, 2021).

Dentro do Governo, figuras políticas simpatizantes ao Eixo ganhavam força com as


vitórias nazifascistas. Nomes como o chefe de polícia Filinto Müller, os generais Pedro
Aurélio de Góis Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, formavam oposição aos pró-americanos,
dentre eles o chanceler Oswaldo Aranha. O próprio Vargas tendia ao Eixo, evidenciado pelo
seu discurso em 11 de junho de 1940, a bordo do encouraçado Minas Geraes, durante o
aniversário da Batalha do Riachuelo, em que criticou os “liberalismos imprevidentes” das
democracias ocidentais. (NETO, 2021).

Vargas utilizou-se da situação para firmar acordos com ambos os lados do conflito, no
qual o ápice foi conseguir apoio estadunidense para a construção da indústria siderúrgica de
Volta Redonda. Porém, após o ataque à Pearl Harbor e a entrada dos EUA na guerra, era
intolerável um país pró-eixo na posição estratégica privilegiada do Brasil, a “cintura fina” do
Atlântico. (NETO, 2021).

A costa do Nordeste é, no continente americano, o ponto mais próximo do continente


africano. O estabelecimento de uma base militar no Nordeste permitiria transportar tropas e
materiais para África e Europa com maior facilidade. Além disso, pela distância entre as
costas, o patrulhamento, escolta e proteção no oceano era mais fazível do que no Atlântico
Norte, onde o alcance limitado de aviões de patrulha deixava uma grande janela de
oportunidade para os submarinos alemães atacarem os comboios. (NETO, 2021).

A neutralidade brasileira era frágil e por muitas vezes foi violada. Navios mercantes
eram apreendidos em bloqueios, como o caso do Siqueira Campos, apresado pela Marinha
Real Britânica em outubro de 1940 por estar à caminho para Alemanha receber material
bélico vendido ao Brasil. Em março de 1941, houve a primeira vítima brasileira da guerra,
41

José Francisco Fraga, que estava a bordo do mercante Taubaté, bombardeado por um avião
alemão, entre Chipre e Alexandria. (NETO, 2021).

Em 1942, o Brasil rompeu relações diplomáticas e comerciais com o Eixo e cedeu


bases no Nordeste aos EUA. Portanto, mesmo em neutralidade, o Brasil era visto como hostil
ao Eixo. O primeiro navio brasileiro a ser afundado foi o Cabedelo em 14 de fevereiro de
1942, que desapareceu no Caribe junto com 54 vítimas. Os ataques continuaram até julho de
1942, neste meio tempo, 13 navios foram atacados e 133 vidas perdidas. O primeiro navio a
ser atacado na costa brasileira fora o Comandante Lyra, quando em 18 de maio de 1942 foi
vítima do submarino italiano Barbarigo, próximo a Fernando de Noronha. Lyra foi resgatado
por forças americanas e brasileiras. No dia 22 de maio, o Barbarigo foi visto na superfície e
atacado às 14h por um bombardeiro médio B-25B Mitchell, da recém criada Força Aérea
Brasileira. A bordo estava o capitão-aviador Oswaldo Pamplona Pinto, que anos mais tarde
combateria em 47 missões na Itália com o 1º Grupo de Aviação de Caça. (NETO, 2021).

O mundo estava em guerra, mas não o Brasil - por pouco tempo. Navios
neutros devem navegar iluminados e com identificação proeminente da
nacionalidade, como bandeiras de grande dimensão pintadas no casco. Navios
neutros também não devem ziguezaguear para despistar submarinos, nem devem
estar armados. O Baependy ainda era um navio neutro. O país era neutro, mas não
muito. Em agosto de 1942, já havia forças americanas consideráveis, aéreas e navais,
baseadas no Nordeste brasileiro. Em janeiro anterior, o Brasil tinha rompido relações
diplomáticas com o Eixo. Em março fora decidido colocar canhões nos navios
mercantes - sinal de que a “neutralidade” não era muito perfeita. Neutralidade
deveria ser como virgindade. Ou se é virgem, ou não; o Brasil estava trilhando o
perigoso caminho da meia virgindade. (NETO, 2021, p. 54,)

Apesar de sua neutralidade, o Brasil possuía em seu território, vasto número de


soldados e equipamentos americanos; navios mercantes eram armados com canhões para
defesa, porém não havia treinamento da tripulação e passageiros em caso de ataque; a FAB já
entrara em combate contra um submarino italiano. O país estava sob ataque mas mantinha-se
neutro. Porém, o Brasil apenas declararia guerra ao Eixo em 22 de agosto de 1942, em
resposta à chacina cometida pelo submarino nazista U-507 que afundou cinco navios e um
veleiro, ceifando 607 vidas brasileiras entre 15 a 19 de agosto, dentre elas marinheiros, civis e
tropas do Exército Brasileiro. Os navios navegavam de luzes acesas, devidamente
identificados com bandeiras de um país neutro e sem tomarem manobras evasivas para
desviar de possíveis torpedos. O revanchismo foi tamanho que Vargas não teve outra escolha
além de ceder à pressão da população, o Brasil entrara na Guerra. (NETO, 2021).
42

Foi o equivalente brasileiro de Pearl Harbor: um ataque surpresa, igualmente


infame, com um número elevado de mortos e feridos. Era uma provocação tão
grande, um “desafio e ultraje” tão gritantes, que uma consequência foi a própria
FEB. É provável que um país despreparado para a guerra como o Brasil nem
pensasse em ir adiante com a cara, complexa e demorada tarefa de organizar uma
força expedicionária para lutar na Europa, caso a provocação não tivesse sido tão
grande. O U-507 assim como os porta-aviões que atacaram Pearl Harbor criaram um
intenso desejo de revanche. (NETO,2021, p. 58)

Ao entrar na guerra, o Brasil demonstrou interesse em participar nas operações


militares dos Aliados, porém em agosto de 1942, a indústria americana não havia dado aquele
salto na produção bélica que dera nos anos seguintes, e devido à sua carência industrial, o
Brasil teria que ser rearmado com equipamentos americanos. As três Forças Armadas
brasileiras não estavam em condições de guerra. O Exército e a Marinha receberam Missões
Francesa e Americana, respectivamente, que foram substanciais para o oficialato e
modernização antes da guerra, porém por ser um país agrário sem infraestrutura industrial,
não poderiam ser equiparadas com as nações beligerantes. A recém criada Força Aérea
Brasileira foi formada ao combinar as extintas Aviação Militar do Exército e a Aviação Naval
da Marinha, portanto, possuía uma salada mista de equipamentos e aeronaves de diferentes
modelos e nacionalidades, causando um caos para logística e manutenção de seus
armamentos. (NETO, 2021).

A Missão Francesa, que durou de 1920 a 1940, foi importantíssima para modernizar o
Exército Brasileiro, que encontrava-se com número reduzido de homens, equipamento
antiquado e, em geral, desprezado pelas elites civis. Além de treinar os brasileiros como um
exército moderno, supervisionaram a compra de novos equipamentos e tanques, que logo
mostraram-se obsoletos durante a Segunda Guerra. Considerado na época o exército mais
poderoso do Mundo, os franceses estimularam e ensinaram ao Exército a guerra defensiva,
consequência direta da Primeira Guerra Mundial, a FEB só aprendeu a se desvencilhar desse
tipo de guerra durante as ofensivas vitoriosas na Itália. Apesar da doutrina de combate
ensinada mostrar-se antiquada posteriormente com a derrota francesa, a Missão modernizou o
arcaico Exército Brasileiro. (NETO, 2021).

Devido à fraca base industrial do país, que impossibilitava a produção de material


bélico nacional, a FEB foi armada com equipamento americano e embarcou para a Itália em 2
de julho de 1944, a primeira força expedicionária sul-americana a intervir na guerra. (NETO,
2021). Apesar do terreno e clima alienígenas para os soldados brasileiros, a Itália foi a
campanha certa para a atuação da FEB. O combate predominante de infantaria, sem a
presença de divisões blindadas inimigas, permitiu que a luta ocorresse em níveis equivalentes,
43

pois apesar de o inimigo estar fortificado nas linhas defensivas nos Apeninos e possuir tropas
mais experientes, os Aliados possuíam superioridade aérea e os brasileiros, inicialmente
despreparados para o combate, demonstraram notável adaptação e aprendizado, e ao final da
guerra, mostraram-se tão competentes quanta qualquer outra divisão de infantaria do 5º
Exército.

A Marinha não estava preparada para defender o Brasil em 1942. A esquadra de 1942
consistia em “[...] algumas “corvetas” improvisadas, dois velhos couraçados, dois velhos
cruzadores e destróieres obsoletos. Foi com essa esquadra que a Marinha começou a patrulhar
o mar do país. Os dois velhos couraçados foram enviados à Recife e Salvador para servirem
de defesas fixas, como se fossem fortalezas.”(NETO, p.72, 2021). A esquadra além de datada,
era ineficaz contra submarinos pois nenhum navio possuía radar, sonar ou hidrofone para
detectar o inimigo submerso. (NETO, 2021).

A esquadra de 1942 era o que sobrara da frota de 1910, que segundo Ricardo Neto
(2021, p.64) era: “[..] um exercício fútil de modernidade em um país arcaico.”. No centro da
frota, estavam os couraçados Minas Geares e São Paulo, que ao ficarem prontos em janeiro e
julho de 1910, eram os Dreadnoughts mais poderosos do mundo. Apesar do investimento em
inovação tecnológica, não havia infraestrutura e treinamento para a devida operação e
manutenção dos couraçados. A disparidade entre a inovação dos couraçados e o estado
interno da Marinha era tamanha que em 1910, o Minas Geraes foi palco da Revolta da
Chibata. (NETO, 2021).

Os comboios iniciaram em setembro de 1942 entre Rio e Recife, posteriormente


estendidos até Trindad, no Caribe. As forças brasileiras realizavam a escolta no percurso
Rio-Recife, devido a menor presença de submarinos inimigos, de Recife à Trindad as escoltas
eram mistas americano-brasileiras. A pedido de Vargas e por intermédio do almirante Jonas
Howard Ingram, comandante da 4º Esquadra dos EUA baseada no Nordeste, os americanos
cederam caças-submarinos para auxiliar nos comboios. Foram fornecidos dois modelos:
SC-497, com casco de madeira, 110 pés de comprimento, tripulação de 24 homens,
conhecidos como caça-pau; e o modelo maior, de 173 pés com casco de metal, tripulação de
60 homens, conhecido como caça-ferro. Estas embarcações eram capazes de detectar um
submarino e abalroa-lo com cargas de profundidade. Porém, o principal objetivo das
tripulações dos caça-pau e caça-ferro era proteger navios mercantes no comboio. Caso um
caça desse perseguição ao inimigo, criaria um buraco na escolta no qual o submarino poderia
penetrar e atacá-la. Além do mais, durante a Segunda Guerra ficou evidente que o poder aéreo
44

alterou o combate, e na batalha contra submarinos não foi diferente. “Aviões participaram do
afundamento de todos os dez submarinos alemães e um italiano afundados perto da costa
brasileira. Apenas em um caso comprovado houve a participação de navios de superfície.”
(NETO, p.80, 2021).

Em 20 de janeiro de 1941, o Ministério da Aeronáutica é criado tendo Joaquim Pedro


Salgado Filho como seu Ministro. A nova Pasta englobava a Aviação Civil e a recém criada
Força Aérea Brasileira, que constituía-se das extintas Aviação Naval da Marinha e Aviação
Militar do Exército. Salgado Filho teve a difícil tarefa de integrar o pessoal e grupos de
interesse das três esferas: Naval, Militar e Civil, além do material bélico díspar. (NETO,
2021).

Durante sua gestão como Ministro, 1941 a 1945, vale destacar o progresso da Força
Aérea Brasileira: criadas as bases aéreas de Recife, Natal e Salvador; transformação do
Aeroporto Bartolomeu Gusmão na Base Aérea de Santa Cruz, a instituição dos postos da
hierarquia militar da FAB cuja constituição inicial era de pessoal das extintas Aviação Militar
e Naval; criação do 1º Grupo de Aviação de Caça, 1ª Esquadrilha de Ligação e Observação e
dos Esquadrões de Patrulha que protegiam o litoral dos submarinos inimigos. (CAMBESES
JÚNIOR, 2009). Os grandes feitos de Salgado Filho vão muito além destes mencionados e
ultrapassam o escopo deste trabalho.

Ao incorporar a Marinha e o Exército, a frota aérea da FAB era formada por 430
aviões de 35 modelos diferentes. Esta diversidade provou-se um caos logístico, ademais da
dificuldade inerente de manter-se um estoque de peças sobressalentes para manutenção de
tantas aeronaves díspares, muitos modelos eram alemães, italianos e britânicos o que
complicava o fornecimento do material. Outro ponto importante da fusão das instituições é a
readequação do pessoal das extintas Naval e Militar, que possuíam hierarquia e treinamento
discordantes. Por fim, assim como a esquadra da Marinha, a frota aérea da FAB era obsoleta
para guerra e ineficaz contra a ameaça submarina. (NETO, 2021).

Inicialmente a patrulha costeira, em 1941, era feita por aeronaves de instrução devido
a falta de material. Portanto, a partir de 1942, a FAB tomou medidas para sua modernização.
Através do Lend Lease Act, aprovado em 11 de março de 1941, o Brasil adquiriu 1288 aviões
dos EUA entre 1942 a 1945, entre estes, aeronaves de treinamento e patrulha de extrema
importância para a preparação à guerra e foram a base do futuro da FAB no pós-guerra. Em
janeiro de 1942, foram instalados e organizados os Comandos de Zonas Aéreas, responsáveis
45

pela direção e coordenação das operações da FAB. Em fevereiro, as primeiras aeronaves


foram recebidas: 10 caças Curtiss P-36A, 2 bombardeiros Douglas B-18 e 6 bombardeiros
North American B-25B Mitchell. Com este material foi criado o Agrupamento de Aviões de
Adaptação, baseado em Fortaleza. O objetivo deste Agrupamento era, com o auxílio dos
americanos, a adaptação e treinamento do oficialato da FAB nas aeronaves modernas de
guerra. O batismo de fogo da FAB foi realizado por um B-25 do Agrupamento de Aviões de
Adaptação, comandado pelo capitão-aviador Afonso Celso Parreiras Horta, em 22 de maio de
1942. (NETO, 2021).

Durante o segundo semestre de 1942, chegaram no Brasil os esquadrões de patrulha da


Marinha dos EUA, equipados com Consolidated PBY Catalinas, Martin PBM Mariners e
Lockheed A-28 Hudsons. Os esquadrões VP-74, VP-83 e VP-94 pertenciam ao Fleet Air
Wing 16 e fariam não só a patrulha costeira como também os comboios de navios mercantes
enquanto a FAB se estruturava. Posteriormente foram reforçados com a chegada do VP-127,
equipado com PV-1 Venturas, e o VP-83 foi redesignado VB-107 quando foi equipado com o
PB4Y-1 Liberator. (NETO, 2021).

Em outubro de 1942, começaram as operações de comboios para proteger os navios


mercantes. A patrulha aérea era realizada por aviões brasileiros e norte-americanos
distribuídos pelas Bases Aéreas no litoral. Durante 1943 e início de 1944, a FAB recebeu
Catalinas, Hudsons e Venturas, que possuíam radares e bombas de profundidade. Assim,
devidamente armados e equipados para a luta contra os submarinos do Eixo, foram criados os
Esquadrões de Patrulha da Força Aérea Brasileira. (NETO, 2021).

Esse patrulhamento aéreo representou um grande esforço para a Força


Aérea Brasileira. Milhares de horas de voo eram realizadas mensalmente, de dia e de
noite, muitas vezes em condições de mau tempo e em áreas distantes centenas de
quilômetros do litoral, em busca dos submarinos que muito raramente eram
avistados e que ofereciam pouquíssimas oportunidades de ataque. (CAMBESES JR.,
2009, p.10,)

Uma nova ofensiva submarina foi montada contra o Brasil em meados de 1943. Neste
período, os submarinos alemães dividiram seus esforços em três setores do litoral brasileiro,
visando dispersar e assim enfraquecer as defesas. Os submarinos U-466, U-510, U-590,
U-653 e U-662 operaram no Norte entre o estuário do Amazonas e Caribe; o U-185, U-591,
U-598 e U-604 operavam nas águas do Nordeste; e por fim, U-172, U-199 e U-513 caçavam
entre o Sudeste e Sul interceptando o tráfego vindo do rio da Prata. Vinte navios foram
46

atacados entre 21 de junho a 6 de agosto, dentre estes dezessete foram afundados. Porém os
Aliados estavam preparados no Atlântico Sul e até o início de agosto, seis submarinos
alemães haviam sido afundados, todos por aviões. Apesar da FAB participar das patrulhas,
todos os afundamentos haviam sido feitos pelos esquadrões americanos. Na manhã de 31 de
julho de 1943 isso mudaria. (NETO, 2021).

O submarino alemão U-199 pertencia ao modelo IX D2, lançado ao mar em 12 de


julho de 1942. Possuía um alcance de 23.700 milhas náuticas (ou 44.000 km), deslocava
1.200 toneladas, sua tripulação era de 61 homens, levava entre 35 a 45 segundos para
submergir, sua velocidade na superfície era de 19,5 nós e 6,9 nós quando submerso. Seu
armamento, além de torpedos, consistia em um canhão de 105mm que era utilizado para
afundar navios mercantes, quando na superfície; ou era armado com flak de 37mm de cano
único e flaks de 20mm quádruplas. A partir de 1943, à medida que o avião começou a se
provar a maior ameaça a um submarino, o canhão de 105mm passou a ser, por muitas vezes,
substituído por canhões antiaéreos. (NETO, 2021).

Seu comandante era Kapitanleutnant Hans-Werner Kraus, que foi imediato de Günther
Prien, o lendário às submarinista que invadiu a base naval britânica Scapa Flow e afundou o
couraçado Royal Oak. Kraus comandou o U-83 no Mediterrâneo antes de assumir o comando
do U-199, que partiu da Europa em maio de 1943. Em 18 de junho havia chegado à sua área
de operações, o Rio de Janeiro. Em 27 de junho atacou o mercante Charles W. Peale; no
terceiro dia do mês seguinte abateu um PBM-3 Mariner do VP-74 que operava na Base Aérea
do Galeão; no dia 24 afundou o mercante britânico Henzada. (NETO, 2021).

Em 31 de julho, Kapitanleutnant Kraus preparava-se para atacar o comboio JT-3, que


saía do Rio de Janeiro com destino a Trindad. A escolta aérea era feita pelo PBM-3C Mariner
de matrícula 74-P-7 do esquadrão americano VP-74, e pelo PBY-5 Catalina matrícula PA-2 da
FAB. Às 07:14 o U-199 foi detectado pelo radar do Mariner, que manteve uma altitude de
4.000 pés enquanto se aproximava para a confirmação visual. Positivamente identificado
como submarino pela tripulação, o Mariner iniciou seu ataque, mergulhando até a altitude
ideal para o lançamento das bombas de profundidade, 75 pés. Durante sua descida, a
tripulação do U-199 subiu ao convés e manteve um fogo antiaéreo pesado e constante contra o
Mariner. (ALAMINO, 2015).

Na primeira passagem, o Mariner soltou seis bombas, das quais quatro delas
enquadraram o submarino, criando jatos fortes de água ao seu redor. O piloto realizou a curva
47

à esquerda para uma nova passagem, lançando as duas bombas restantes, que explodiram
perto da proa a bombordo, cobrindo o submarino de água. Quando a água baixou, a tripulação
do Mariner observou óleo e fumaça no mar, sinal de que o submarino fora danificado, porém
o mesmo mantinha o fogo antiaéreo constante. Atingido, o U-199 adotou rumo Norte
enquanto se defendia do Mariner que realizava ataques rasantes com as metralhadoras. O
submarino tentou submergir às 08:04 mas pareceu perder o controle e quase afundou.
(ALAMINO, 2015). Segundo Bonalume Neto (2021), o U-199 estava impossibilitado, não de
submergir, mas sim de navegar submerso devido ao dano nas baterias elétricas. O
Kapitanleutnant Kraus adotou rumo Norte em busca de águas rasas onde pudesse realizar
reparos submerso.

A FAB, que havia sido alertada pelo Mariner americano, despachava aviões para o
combate. O Catalina que participava na escolta do comboio, estava realizando uma varredura
nas águas de Cabo Frio quando foi redirecionado para lá. Enquanto isso, decolava para o
combate o Hudson número 73 da Unidade Volante do Galeão (UVG), pilotado pelo
aspirante-aviador Sérgio Schnoor e capitão-aviador Almir dos Santos Polycarpo. (NETO,
2021).

Às 08:40 o Hudson chegou ao combate, cruzou a proa do U-199 soltando duas cargas
de profundidade, à uma altitude de 300 pés, que caíram cerca de 50 metros antes do alvo. O
Hudson realizou mais uma investida com as metralhadoras, alvejando a tripulação do deck,
diminuindo assim a intensidade da flak. Schnoor e Polycarpo retornaram ao Galeão no intuito
de pegar um outro avião armado e voltar ao combate, enquanto o Mariner fustigava o
submarino com as metralhadoras. (ALAMINO, 2015)

O Catalina PA-2, pilotado pelo aspirante-aviador Alberto Torres e comandado pelo


segundo-tenente-aviador Miranda Corrêa, estava próximo a Cabo Frio quando recebeu a
mensagem com coordenadas da atividade inimiga. Estavam a cerca de 80 km ao Norte do
Mariner e U-199. Ao chegar na zona de combate, estavam próximos dos 4.000 pés de altitude
e com o Sol nas costas, o que dificultava ser visto pelo seu alvo, o U-199, que estava focando
sua antiaérea no Mariner. (NETO, 2021).

Iniciaram o ataque pela esquerda do alvo, disparando todas as metralhadoras para


aumentar o efeito moral contra o inimigo e lançando três cargas de profundidade. Segundo a
tripulação do Mariner que observava o ataque, uma carga acertou perto e as outras duas
caíram um pouco antes do alvo. Após o primeiro ataque do Catalina, o submarino já começou
48

a afundar. Torres realizou uma curva à direita para o segundo ataque com a última bomba.
Segundo Miranda Corrêa, “o submarino foi levantado para fora da água pelas
explosões.”(apud NETO, 2021, p.116.)

O submarino alemão Unterseeboot-199 afundou às 09:02 nas coordenadas 23º47’S,


42º57’W. Dos 61 tripulantes, 49 morreram, e os náufragos receberam botes de borracha do
Mariner e Catalina e foram resgatados pelo navio-tender de hidroaviões USS Barnegat. Os
sobreviventes, entre eles Kapitanleutnant Kraus, foram enviados a um campo de prisioneiros
de guerra americano em Recife, onde foram interrogados. (NETO, 2021).

O Catalina de Torres e Miranda foi batizado como Arará em 28 de agosto, num evento
no Aeroporto Santos Dumont com a presença do Ministro da Aeronáutica Salgado Filho.
Homenagem ao navio mercante de mesmo nome, vítima do U-507 em agosto de 1942.
Também foram pintados na fuselagem a silhueta de um submarino como marca de vitória e os
dizeres em seu estabilizador: “ Doado à FAB pelo povo Carioca.” (NETO, 2021).

Após a derrota alemã nas ofensivas de 1943, a guerra antissubmarina no Atlântico Sul entrou
num período mais ameno e seguro para os comboios. Sérgio Schnoor, posteriormente como
tenente-aviador, participou do último encontro entre um avião brasileiro e um submarino do
Eixo, em 31 de outubro de 1943. Alberto Torres e Miranda Corrêa foram lutar na Itália,
integrando o 1º Grupo de Aviação de Caça. Miranda, como oficial de informações, voou em 8
missões de guerra. Torres, recordista do grupo, cumpriu 100 missões voando o P-47
Thunderbolt. (NETO, 2021).

A campanha anti-submarina no Atlântico Sul foi especialmente dura para o Brasil. A


insistência numa neutralidade frágil que prorrogou o rearmamento para auto-defesa acarretou
na perda significativa de vidas civis. As próprias Forças Armadas em conjunto não estavam
prontas para um estado de beligerância devido às décadas de descaso do Governo e desprezo
das elites. Entretanto, quem defendeu o litoral brasileiro não foram as elites civis, e sim os
marinheiros dos contratorpedeiros que passavam semanas no mar em navios de guerra
apertados, em condições precárias, lutando contra um inimigo que não era visto. O esforço
das tripulações dos caça-pau e caça-ferro, assim como os patrulheiros a bordo dos Catalinas,
Hudsons e Venturas, em proteger a navegação costeira do Brasil é por muitas vezes deixada
de lado, porém sem eles o país entraria em estado de calamidade. O afundamento do U-199
pelos aviões da FAB é considerado o feito mais importante da jovem Força Aérea Brasileira
no Teatro de Operações do Atlântico Sul. (ALAMINO, 2015). Os combates no litoral
49

forneceram experiência real de guerra à FAB, que um ano depois estaria empregando o
aprendizado nos céus da Europa.

3.2 O 1º Grupo de Aviação de Caça Brasileiro

O Brasil não seria apenas uma fonte de matéria prima e um trampolim para África e
Europa, o país mostrou que participaria ativamente na luta e defenderia seu território com
esforço máximo. Porém apenas a postura defensiva não era o suficiente para satisfazer o
sentimento de revanchismo da população, o Brasil deveria combater o inimigo em seu próprio
território. Portanto, o Brasil enviaria a primeira força expedicionária sul-americana a intervir
na Segunda Guerra Mundial.

A Força Expedicionária Brasileira (FEB), constituía-se da 1ª Divisão de Infantaria


Expedicionária (1ª DIE), que possuía 14.254 homens entre oficiais e praças, liderados pelo
General de Divisão João Batista Mascarenhas de Morais. A FEB era apoiada pela 1ª
Esquadrilha de Ligação e Observação (1ª ELO) da FAB, que voava aviões desarmados Piper
L-4H através da linha de frente executando missões de observação, coleta de informações e
regulagem de artilharia. A 1ª ELO era diretamente vinculada à FEB e sua Divisão de
Artilharia Expedicionária e provia assistência também às divisões de artilharias inglesas e
americanas. A Esquadrilha era formada por 11 oficiais aviadores, 1 intendente, 8 sargentos
mecânicos, 2 sargentos mecânicos de rádio, 8 soldados auxiliares de manutenção e 10
aeronaves Piper L-4H, sob o comando do Major-aviador João Afonso Fabrício Belloc.
(NETO, 2021).

Para combater nos céus europeus, foi criado em 18 de dezembro de 1943 o 1º Grupo
de Aviação de Caça (1º GAvCa.). O Grupo de Caça era formado por um contingente de 350
homens, entre eles oficiais, sargentos e soldados, dos quais 48 eram pilotos de caça, liderados
pelo Tenente-Coronel Nero Moura. (NETO, 2021).

O treinamento na doutrina americana de combate aéreo teve início em janeiro de 1944,


em Orlando e Gainesville, na Flórida, para o núcleo da unidade: o Comandante, Oficial de
Operações, Oficial de Informações e para os 4 comandantes de esquadrilha. O treinamento
consistia em um programa de 60 horas de voo em aviões de caça Curtiss P-40. Como a
instrução da FAB dava mais ênfase ao voo do que ao combate, este treinamento inicial foi de
suma importância para que o oficialato do Grupo de Caça fosse instruído no combate aéreo
moderno. (NETO, 2021).
50

Em fevereiro de 1944, todo o contingente do Grupo de Caça iniciou o treinamento em


Aguadulce, Panamá. O programa tinha como objetivo a instrução do Grupo como uma
unidade de guerra. Para tanto, compreendia 110 horas de voo no P-40 para os pilotos, assim
como instrução equivalente para as outras áreas da unidade, como manutenção, administração
e logística. Os oficiais chave, após a conclusão do curso na Flórida, se juntaram ao grupo em
18 de março. (NETO, 2021). Durante as últimas semanas do treinamento, o Grupo de Caça
operou na defesa do Canal do Panamá como uma unidade aérea tática, participando do
Sistema de Defesa Aérea da Zona do Canal do Panamá, voando na Esquadrilha de Alerta no
Solo.(LIMA 2011)

Apesar do Curtiss P-40 ser um excelente caça e ter um histórico de serviço brilhante
em diversos teatros de guerra, em 1944 era considerado datado e ineficiente para o combate
em linha de frente, os grupos americanos que o operaram iniciaram sua substituição no ano
anterior. Portanto, no mês de junho na base aérea de Suffolk, Nova York, o 1º Grupo de
Aviação de Caça iniciou seu treinamento com o Republic P-47 Thunderbolt. O programa de
instrução consistia-se de 80 horas de voo no P-47, assim como treinamento equivalente para a
equipe de solo. (NETO, 2021).

Ao concluir o programa, o 1º Grupo de Aviação de Caça Brasileiro estava tão bem


treinado quanto qualquer outro esquadrão de caça americano, entretanto, os pilotos de caça
brasileiros eram novatos experientes. Os integrantes já exerciam sua função pela FAB, um
terço dos oficiais aviadores brasileiros possuíam mais de 2.000 horas de voo no Brasil. Muitos
pilotaram no Correio Aéreo Nacional, onde desenvolveram habilidades excepcionais de voo
visual que lhe serviram bem durante o combate. O Grupo incluía dois pilotos de patrulha
costeira que afundaram o submarino U-199, José Carlos Miranda Corrêa e Alberto Martins
Torres. E acima de tudo, o Grupo era formado por voluntários, tendo assim moral elevada que
foi posto à prova durante a guerra. (NETO, 2021)

O Grupo de Caça embarcou no USAT Colombie em 10 de setembro, partindo de


Newsport para atravessar o Atlântico Norte integrando um comboio, com destino ao
Mediterrâneo. Desembarcaram em Livorno a 6 de outubro. Durante a viagem, o Grupo
elaborou o emblema da unidade, desenhado pelo líder da esquadrilha azul, Capitão-aviador
Fortunato Câmara de Oliveira. (LIMA, 2011).

As missões começaram a partir de 31 de outubro, operando a partir da base aérea de


Tarquínia. As primeiras missões ocorreram em conjunto com os americanos, os brasileiros
51

voaram em esquadrilhas americanas para adquirir experiência de guerra sob a proteção e


auxílio dos americanos mais experimentados em combate, assim como o 57th FG aprendeu
com a DAF no Norte de África e o 8th FG com a RAF no Canal da Mancha. (LIMA, 2008).

A superioridade aérea Aliada já havia sido alcançada e encontros com a Luftwaffe ou


Regia Aeronautica nos céus eram raros, os outros três esquadrões do 350ª FG abateram
apenas 18 aviões entre 31 de outubro até o final da guerra, sendo 11 no mesmo dia 2 de abril
de 1945. (BERNSTEIN, 2012).Portanto o Grupo não combateu outras aeronaves no céu, o
combatente que enfrentou o 1º Grupo de Aviação de Caça foi a tripulação Flak alemã.

Nos primeiros dias de dezembro houve a transferência para a nova base em Pisa, 200
km ao norte, mais próxima da linha de frente. Não houve interrupção nas operações. Parte da
equipe do solo ia para a nova base prepará-la enquanto a outra parte do contingente
continuava operações, os aviões decolaram de Tarquínia para missões e no regresso aterraram
em Pisa, a qual já estava operante, após os últimos aviões decolarem de Tarquínia, a equipe de
solo restante movia-se para a nova base. (NETO, 2021). Essa expertise em transferência entre
bases para acompanhar o avanço da linha de frente foi adquirida pelos americanos durante a
campanha do Norte da África. (MOLESWORTH, 2011).

Os P-47 brasileiros atacaram alvos na retaguarda inimiga e na linha de frente. Na


frente os alvos mais comuns eram posições de artilharia inimiga e fortificações, na retaguarda
o grupo executava a interdição aérea do campo de batalha, cortando as linhas de suprimentos
inimigas.

O Grupo de Caça iniciou suas operações a 31 de outubro de 1945 e voaram até o


último dia de guerra. Cumpriram missões em clima desfavorável durante o impasse do
inverno, entre novembro de 1944 a fevereiro de 1945; apoiaram os avanços durante a
Operation Encore; participaram da ofensiva da primavera de 9 de abril; e por fim, o piloto
Alberto Torres voou a última missão do grupo a 8 de maio quando o cessar fogo foi
transmitido a todas as unidades por rádio.

3.3 Teatro de Operações do Mediterrâneo e a Campanha Aérea Aliada na Itália

A guerra aeronaval no Mediterrâneo não se caracterizou por grandes batalhas navais,


predominando as ações isoladas onde submarinos e aviões prevaleceram como agressores.
Isto deve-se a compacidade do Mediterrâneo como favorável ao emprego da aviação e a
52

postura naval italiana fleet in being, poupando seus navios de linha os quais dificilmente
conseguiria repor em caso de perda devido a fraca base industrial do país, não os arriscando
em escamurças contra comboios ou contra a esquadra britânica. Devido a isto, uma
importante característica da guerra no Mediterrâneo foram as ações em fundeadouro, que se
explica pelo desenvolvimento da aviação e pela estreiteza do teatro. (BELOT, 1949).

O Mediterrâneo foi considerado durante a guerra essencial linha de


comunicação entre a Europa Ocidental, Balcãs, Norte da África e Oriente. Era a principal rota
imperial da Grã-Bretanha com o Oriente Próximo e Extremo Oriente os quais eram a origem
de grande parte de seu abastecimento, sobretudo de combustíveis. Com dois pontos
estratégicos para controle do tráfego marítimo, Gibraltar e Suez, o Mediterrâneo provou-se
um importante Teatro de Operações para ambas as coalizões beligerantes. (BELOT, 1949).

Enfim, para os chefes britânicos o Mediterrâneo era o lugar escolhido para


atacar ou contra-atacar uma potência que procurasse dominar a Europa. [...] Os
estrategistas ingleses exprimiam desde muito o seu pensamento por uma fórmula
lapidar: “Quem possui o Mediterrâneo, possui o Mundo. (BELOT, 1949, p. 64).

A guerra no Teatro de Operações do Mediterrâneo, segundo Belot (1949), pode ser


dividida em dois períodos separados pela capitulação do Eixo na Tunísia: a luta pela África e
a luta pela Europa. As duas fases são distintas pelos objetivos e pela natureza da luta. A
primeira é caracterizada pela luta por comunicações marítimas, sobretudo do Eixo com a
África. Após a conquista aliada da Tunísia, a luta por comunicações marítimas permanece
importante, porém perde o protagonismo da luta. A navegação aliada solidifica-se e fica cada
vez mais segura, a aviação aliada passa a atacar com maior frequência as vias terrestres do
que as comunicações marítimas inimigas, que se reduzem à cabotagem. Portanto a segunda
fase da guerra no Mediterrâneo, o assalto contra a terra, caracteriza-se pelas invasões de
Pantelleria, Sicília, Itália continental e Sul da França. (BELOT, 1949).

O alto comando Aliado decidiu por tomar a ilha de Pantelleria previamente à invasão
da Sicília devido a sua posição estratégica que ameaçava a linha de comunicação
Gibraltar-Alexandria. Em 1943 a ilha era fortemente fortificada, contando com quarenta
baterias, abrigo subterrâneo para aviões, um pequeno porto para navios leves, instalações para
destilar água salgada e por fim, era defendida por um contingente de 12.000 homens.
Bombardeios aéreos e navais iniciaram-se em maio e duraram até o dia 11 de junho, o dia em
que o assalto foi realizado. Previamente ao desembarque, houve bombardeamentos aéreos e
53

navais de amaciamento. Durante o desembarque das tropas, bandeiras brancas foram


hasteadas indicando a rendição das forças que defendiam a ilha. (BELOT, 1949).

Na Conferência de Casablanca em janeiro de 1943, havia sido decidida a invasão da


Sicília visando a garantia de uma base de operações para futuros empregos pelo sul do
continente europeu e manter a liberdade das comunicações marítimas no Mediterrâneo. Sicília
possuía trinta aeródromos que, quando conquistados, aumentariam substancialmente a
presença aérea aliada na Itália, França, Balcãs e Alemanha. A invasão da Sicília, denominada
Operation Husky, foi marcada para julho do mesmo ano. (BELOT, 1949).

O desembarque inicial na Sicília deu-se em 9 de julho, após 38 dias de


combate ininterruptos, os aliados alcançaram Messina. Durante a invasão, Mussolini é
deposto e preso em 25 de julho. Em 3 de setembro, Marechal Badoglio assina o armistício
provisório, “corto armistizio”, a 28 de setembro é substituído pelo “longo armistício” com
cláusulas mais severas do que o antecessor. Na manhã seguinte à queda de Mussolini, uma
dúzia de divisões alemãs entram na Itália em forma de batalha. Após sua libertação, Mussolini
formou a República Social Italiana e continuou a luta ao lado dos alemães. (BELOT, 1949).

Em agosto de 1943, em uma reunião na cidade de Quebec, Roosevelt,


Churchill e chefes dos estados-maiores gerais aliados decidiram os empregos futuros das
forças Aliadas. Decidiu-se a invasão da Itália continental, sob o codinome Operation
Avalanche, “[...] tendo como fim a máxima exploração da rendição italiana, fixar as forças
alemães na Península de modo a ajudar os soviéticos e obter bases aéreas no Sul da Itália e na
região de Roma para exercer pressão sobre Alemanha e os Balcãs por meio de bombardeios.”
(BELOT, p. 236, 1949). Também foi decidida a conquista das ilhas de Córsega e Sardenha,
que provaram-se essenciais bases aéreas para a Mediterranean Allied Air Forces (M.A.A.F.),
permitindo caças-bombardeiros alcançarem o Norte da Itália e o Sul da França. Por fim, foi
elaborada a Operation Anvil, o desembarque no Sul da França em auxílio aos desembarques
na Normandia. (BELOT, 1949).

A invasão da Itália Continental deu-se pelos desembarques em Calábria no dia


3 de setembro e em Salerno a 9 de setembro de 1943, tendo como objetivo a conquista de
Nápoles e seu porto, que permitiria o abastecimento das forças aliadas na Itália. Após a
tomada de Nápoles em 3 de outubro, os Aliados investiram contra as linhas defensivas
Volturno Line e Winter Line em um lento avanço por uma difícil região, em clima
desfavorável e contra um tenaz, energético e habilidoso inimigo. (BELOT, 1949).
54

Com a chegada do inverno, a coalizão anglo-americana encontrava-se em uma


difícil posição. O lento e penoso avanço havia sido interrompido pelas forças alemães na
Winter Line, que haviam minado as estradas, as pontes e os riachos; os veículos aliados
atolavam devido às fortes chuvas; a linha de defesa era fortificada com torres de tanques
enterradas, em um terreno montanhoso e abrupto o qual facilitava a defesa. Mesmo sem a
conquista de Roma, os propósitos aliados pareciam ter sido alcançados: a Itália declarou
guerra contra seu antigo aliado em 13 de outubro; o Reich via-se obrigado a manter ao todo 24
divisões na Península para deter o avanço, divisões estas deslocadas do front soviético; e por
fim, os Aliados haviam assegurado campos de aviação no Sul que permitiriam o emprego da
aviação estratégica contra os Alpes, o Sul da França, o Sul da Alemanha e os Balcãs. Todavia,
o avanço Aliado na Itália Continental continuou até o Norte, chegando ao vale do Rio Pó.
(BELOT, 1949).

Entretanto, o comando aliado decidiu tomar Roma. O prosseguimento da


ofensiva apresentava a vantagem de obrigar os alemães a enviarem ainda reforços a
Kesselring, o que aliviaria um tanto a frente russa. Invocou-se outra consideração: os
Aliados, sobretudo os britânicos, achavam que a conquista de Roma teria um
poderoso efeito moral, pois enquanto Roma permanecesse nas mãos do inimigo,
todas as vitórias na Itália tinham o sabor de meio-êxito. Tais razões tinham grande
valor, porém o comando britânico tinha, talvez, outras, que não manifestava. Na
Conferência de Teerã, Churchill tinha tentado mais uma vez, sem êxito, orientar a
ofensiva aliada em direção aos Balcãs. Se a conquista da Itália central fosse rápida,
os americanos talvez se deixassem avançar pela planície do Pó e, de lá, para a
Iugoslávia e a Hungria. Por um conjunto de razões, os Aliados puseram-se em
marcha contra Roma, o que deveria ser bem mais árduo do que se poderia prever
com as dificuldades aparentes, já consideráveis. (BELOT, 1949, p. 248).

Os desembarques em Anzio ocorreram em 22 de janeiro de 1944, a trinta


milhas ao sul de Roma. A operação anfíbia tinha como objetivo contornar as linhas defensivas
que impediam o avanço aliado e ameaçar suas comunicações, para que assim a ofensiva
pudesse prosseguir em direção a Roma. Apesar do desembarque ter êxito, devido aos rápidos
reforços do inimigo que bloquearam a cabeça de praia, as tropas em Anzio permaneceram em
um impasse por vários meses. Apenas ao final de maio a ofensiva deu continuidade e em 4 de
junho Roma foi tomada. Em seguida, os Aliados deram perseguição ao exército inimigo até
setembro, quando mais uma vez foram impedidos por uma linha defensiva, a Gothic Line, ao
norte de Pisa e Florença. (BELOT, 1949).

3.4 Campanha Aérea na Itália 1944-45.


Inspirando-se no sucesso da campanha e no efeito do poder aéreo em moldar a batalha
campal durante a invasão da ilha de Pantelleria, o Alto Comando da Mediterranean Allied Air
55

Force (M.A.A.F.) acreditava ser possível vencer o impasse na cabeceira de praia em Anzio e
forçar a retirada das forças alemães da linha defensiva Gustav Line através da interrupção do
fornecimento de seus suprimentos. Assim, a Operation Strangle foi elaborada com o objetivo
de causar a debandada das forças alemãs na Gustav Line. Para alcançar tal fim, foi planejado
atacar a rede de suprimentos alemã nas esferas Estratégica e Tática. A Itália possuía uma
malha ferroviária que cruzava todo o país, com inúmeras pontes atravessando rios grandes e
pequenos. O Exército Alemão utilizava-se deste sistema ferroviário como principal meio de
transporte de tropas e material em sua rede logística de suprimento, conectando a Alemanha e
Áustria à Itália através do Passo de Brenner, portanto sua inutilização seria o meio principal
para alcançar o objetivo da Strangle. (BERNSTEIN, 2012)

No âmbito estratégico da operação, bombardeiros pesados B-17 e B-24 tinham como


alvo as estações de triagem ao Norte da Itália. A esfera tática foi dividida em duas vertentes
de ataque. Bombardeiros médios da USAAF, RAF e DAF eram responsáveis por destruir
infraestrutura através do país ao Norte de Roma, como pontes grandes e junções ferroviárias.
Ao Sul de Roma, grupos de caça-bombardeiros da M.A.A.F. fariam a interdição aérea,
cortando estradas de ferro, pontes menores, junções rodoviárias, impedindo reparos em alvos
já destruídos, inutilizando estradas rodoviárias e destruindo alvos de oportunidade capazes de
transportar suprimentos e tropas à linha de frente inimiga. (BERNSTEIN, 2012)

A Operation Strangle teve início em 19 de março de 1944 e encerrou oficialmente em


11 de maio com o início da Operation Diadem, porém, as subsequentes operações aéreas de
intercessão realizadas pela M.A.A.F. na Itália, independentemente se realizadas em conjunto
com forças terrestres ou como poder aéreo independente, seguiram os moldes da Strangle até
o fim da guerra.

Em 11 de maio de 1944, o U.S. Fifth Army e British Eighth Army iniciaram a


Operation Diadem. Uma nova campanha ofensiva combinada ar-terra tendo como objetivo
conectar a II Corps, impedida pela Gustav Line, com a VI Corps, que estava em impasse na
cabeceira de praia em Anzio. A concentração de ataques na Gustav Line foi a distração
necessária para tropas alemães serem redirecionadas de Anzio para a linha defensiva, assim
quebrando o impasse na cabeceira de praia. Após a retirada alemã da Gustav Line e feita a
conexão entre as forças Aliadas, a ofensiva continuou em direção à Roma, que foi tomada em
4 de junho sem combate, pois os defensores haviam se retirado da cidade. Até este ponto, a
M.A.A.F. via o CAS como objetivo terciário para os grupos de P-47. Agora que o caça passou
56

a apoiar diretamente na ofensiva terrestre, o Thunderbolt provou-se o melhor caça CAS da


USAAF. (BERNSTEIN, 2012)

Operação orquestrada pelo Maj. William Mallory da XII Tactical Air Force HQ,
Operation Mallory Major foi lançada em 10 de julho e visava a destruição de pontos chave da
infraestrutura ferroviária e rodoviária, os quais eram responsáveis pelo afunilamento dos
suprimentos enviados para o 10º e 14º Exércitos Alemães entrincheirados entre os rios Arno e
Po. O objetivo da operação era limitar os suprimentos inimigos a ponto de forçar a rendição
total. Assim como a Strangle, Mallory Major não alcançou seu objetivo final. Um fator que
limitou esta operação foi o desvio de grupos de caça da Itália para a França. O mês de julho
foi marcado pelo planejamento da invasão no Sul da França pelas forças aliadas no
Mediterrâneo. Com o propósito de ser a bigorna para o martelo da Operation Overlord, a
captura dos portos franceses no Mediterrâneo permitiriam suprir mais facilmente o que era
considerado o avanço principal na Europa. Com as operações no Sul da França, muitos
recursos do front italiano foram redirecionados para a invasão. Não apenas suprimentos
materiais foram realocados. O U.S. Fifth Army perdeu seu suporte aéreo quando os grupos de
Thunderbolt da USAAF foram movidos para a França. Em teoria, caberia à DAF apoiar o Fifth
Army, mas na realidade a DAF não tinha condições de realizar o suporte aéreo do British
Eighth Army no leste da Itália e do U.S. Fifth Army no oeste. Os grupos de Thunderbolt da XII
Tactical Air Command eventualmente foram divididos entre França e Itália em agosto, e em 1º
de Setembro foram reforçados com o 350th Fighter Group que completou a transição de P-39
Airacobras para P-47 Thunderbolts. (BERNSTEIN, 2012)

Em um assalto combinado entre o Fifth and Eighth Armies, a Operation Olive lançada
em 12 de setembro, visava tomar a Gothic Line com cobertura aérea da Twelfth Air Force,
com enfoque no CAS alvejando posições fortificadas inimigas e artilharias. Com a
continuação do avanço do Fifth Army em direção a Bolonha, a Operation Pancake foi lançada
em 10 de outubro visando a destruição de suprimentos e equipamentos inimigos na área de
Bolonha. O avanço durou até 26 de outubro, quando a ofensiva perdeu o momentum e os
exércitos entrincheiravam-se para passar o inverno. Apesar de ter havido avanços
consideráveis durante a Operation Olive, a Gothic Line não foi conquistada em sua totalidade.
O principal avanço foi feito pelo Fifth Army que ultrapassou várias linhas defensivas da
Gothic, porém foi detido nas proximidades de Bolonha, onde passaria o inverno estabilizando
a linha de frente em posições defensivas. Outubro marcou o início do período de chuvas e do
mau tempo para missões aéreas que durou até fevereiro, a temporada de chuvas
57

‘groundearam’ boa parte dos grupos de P-47 durante o mês, e mesmo que as condições
meteorológicas fossem favoráveis ao voo, a lama na pista impedia decolagens. O mês de
outubro inteiro teve apenas 14 dias com condições mínimas para sortidas. Ao final do mês, no
dia 31, o 1º Grupo de Aviação de Caça Brasileiro iniciou suas operações.(BERNSTEIN,
2012)

Com as linhas de frente estabilizadas durante o inverno, a M.A.A.F. lançou uma


ofensiva aérea contra infraestrutura logística no Passo do Brenner em novembro. Durante a
Operation Bingo, bombardeiros médios táticos B-25 atacaram estações de transformadores
que energizavam a malha ferroviária, com o objetivo de diminuir o fluxo de reforços inimigos
vindos da Áustria. (CLEAVER, 2022). Até a próxima grande ofensiva combinada, que só
realizou-se em fevereiro de 1945, os grupos de Thunderbolt da M.A.T.A.F. manteriam a
intercessão aérea como foco principal, realizando missões de CAS quando requisitadas. Os
meses finais de 1944 e iniciais de 1945 foram marcados pelo mau tempo que dificultou as
operações aéreas. Devido ao clima instável, a maioria dos grupos de caça-bombardeiro
realizavam apenas duas missões por dia. (BERNSTEIN, 2012)

Com o fim da guerra se aproximando, os Aliados na Itália preparavam-se para a


ofensiva final, e para isso, seria necessário estabelecer melhores posições de partida para a
ofensiva. Portanto, lançada em 8 de fevereiro de 1945, a Operation Fourth Term visava
avançar e adquirir melhores posições. Sem sucesso, uma nova operação com o mesmo
objetivo foi lançada no dia 19, Operation Encore foi liderada pela 10th Mountain Division
sendo apoiada no flanco direito pela FEB. (BERNSTEIN, 2012). Após a tomada de Bolonha
em 21 de abril, os Aliados efetuam a perseguição às forças alemãs em debandada através do
vale do Pó. Em 02 de Maio de 1945 o 1º Grupo de Aviação de Caça realizou sua última
missão de combate da guerra, no mesmo dia o Armistício na Itália foi assinado, significando o
fim da guerra para o Teatro de Operações no Mediterrâneo. (LIMA, 2008)

A Operation Strangle não alcançou seu objetivo final de provocar a rendição total ou
debandada inimiga da Gustav Line. A restrição de movimento logístico surtiu efeito, porém
não foi definitiva. Os suprimentos alemães, apesar de diminuírem, não alcançaram níveis
críticos devido à falta de uma ofensiva terrestre combinada. Foi planejada e executada como
uma operação aérea independente que visava tornar desnecessária a ofensiva terrestre que
estava sendo planejada, a Operation Diadem, porém não houve êxito. Portanto, ao final da
Strangle, foi reconhecido que na próxima fase de operações a melhor contribuição que o
poder aéreo poderia fornecer seria, além do CAS e escolta de bombardeiros, a continuação da
58

interdição aérea negando suprimentos vitais para o inimigo resistir à ofensiva terrestre aliada.
(SALLAGAR, 1972.)

Apesar da Diadem ter seu início diretamente após a Strangle, as forças alemãs não
enfrentavam escassez de suprimentos. Como não houve um grande combate, foi possível
estocar suprimentos na linha de frente suficientes para durarem uma ofensiva. Se o arsenal
não é gasto, ele pode ser estocado e economizado, mesmo que a entrega de suprimento fosse
limitada e prejudicada. Então a Gustav Line foi defendida por uma força fortificada em
elevação e bem suprida. A dificuldade logística apenas foi sentida pelos alemães ao
defenderem a Caesar Line. (SALLAGAR, 1972)

Inserida no sistema logístico alemão, a malha ferroviária italiana era capaz de


transportar 80.000 toneladas de suprimentos diariamente. A navegação costeira, por
estimativas da M.A.A.F., era capaz de transportar 700 toneladas diárias com a possibilidade de
aumentar para 900 emergencialmente, embora as águas italianas fossem dominadas pelos
Aliados. O tráfego motorizado era capaz de transportar 800 toneladas, porém era precário com
escassez de caminhões, peças sobressalentes, pneus e combustível que estava em falta por
todo o Reich e era racionado. As estimativas da M.A.A.F. previam que as forças alemãs na
Itália consumiriam 4.000 toneladas quando inativas e no máximo 5.500 toneladas quando em
combate intenso diariamente, era previsto que com a interdição aérea não seria possível suprir
essa necessidade adicional de 1500 toneladas, então quando a ofensiva iniciasse os exércitos
alemães não teriam condições de sustentar uma defesa. Entretanto, a Alemanha estava em
guerra havia 5 anos e, devido a diversos fatores econômicos e geográficos, nunca esbanjou-se
de grande quantidade de materiais essenciais para a guerra, como combustível e borracha, e
nem produção industrial bélica em grandes números como seus adversários.
Consequentemente a Wehrmacht além de estar preparada para o racionamento de seus
suprimentos, já tivera experiência com linhas de comunicação cortadas. Durante a ofensiva
contra a URSS em 1941, uma divisão de infantaria necessitava 80 toneladas por dia quando
inativas e 1.100 toneladas em um dia de combate pesado. Quando o 6º Exército Alemão foi
cercado em Stalingrado ao final de 1942 e dependia da entrega de suprimentos por vias
aéreas, o exército de 22 divisões necessitava de 500 toneladas diárias de suprimentos para
resistir ao cerco, em comparação, as forças alemães na Itália somavam-se 19 divisões.
Portanto, as estimativas da M.A.A.F. estavam incorretas em escala de consumo das forças
alemãs em períodos inativos e em combate, e era desconhecido também a frugalidade adotada
pelo exército alemão. Além disso, como a Strangle deu-se em período em que não havia
59

combates intensos, o exército alemão criou depósitos de suprimentos excedentes tanto na


retaguarda como na linha de frente, permitindo sustentar a defesa contra uma ofensiva
duradoura. (SALLAGAR, 1972)

In its 28 April Appreciation, M.A.A.F. Intelligence calculated that during


the period from 15 March to 25 April the German consumption of supplies that had
to be brought down from northern Italy had averaged 4000 tons per day. It was
believed that the Germans had managed to bring in this tonnage, despite the
damage inflicted on their railroad system by the Allied interdiction attacks, only by
straining their available motor transport to the utmost. This was expected to become
a crucial factor during the imminent Allied offensive. German supplies stored in
forward and rear depots and with front line units were estimated to include 30 days
of ammunition and 10 days of fuel, both calculated on the basis of sustained combat
needs. This estimate in itself should have been a matter of concern to the M.A.A.F.
planners, for it would have been unusual for intensive combat to be sustained for as
long as 30 days without the attacker having won his objective or been repelled and
forced to regroup. The ten days of fuel supply probably could have been stretched
further through the draconic economy measures the Germans had learned to adopt.
It also must be kept in mind that these figures represented an Allied intelligence
estimate. The Allies could not be sure that the actual stock levels may not have been
higher. (SALLAGAR, 1972, p. 28).

Não obstante a Strangle ter como alvo primário a infraestrutura ferroviária, foi em
seus alvos secundários em que houve maior êxito. A interdição em busca por alvos de
oportunidade limitou a locomoção pelas estradas rodoviárias durante o dia, forçando o
Exército Alemão a mover-se durante a noite. Não apenas o movimento logístico foi
restringido. As tropas alemãs que estavam na retaguarda efetuavam reparos na infraestrutura
essencial danificada ou destruída, e ao serem rotacionadas de volta para a linha de frente,
chegavam exaustas, aumentando o nível de atrito das forças alemãs. (BERNSTEIN, 2012)

Outro ponto importante levantado pelo autor Sallagar (1972), é como a restrição de
movimento próximo a linha de frente impactou a Wehrmacht. Segundo o autor, a interdição
aérea próxima da linha de frente realizada por caça-bombardeiros surtia efeito mais imediato
do que realizada mais atrás. De forma que, apesar do suprimento alemão nunca ter chegado
em níveis críticos, a restrição de movimento logístico próximo a linha de frente provocava
escassez imediata de recursos, que apesar de temporária, era extremamente efetiva se
coordenada com uma ofensiva terrestre; assim como a restrição de movimento tático que
impedia comandantes de direcionarem suas forças em resposta a avanços ou rompimentos de
sua linha. Este último ponto foi especialmente eficaz pois os 10º e 14º Exércitos Alemães não
possuíam divisões na reserva, qualquer reforço necessário em um ponto específico da linha
implicava no deslocamento de uma divisão já defendendo outra localidade. Em vista disso,
para resistir a agressões ou impedir uma ruptura, era necessário a constante locomoção de
60

divisões na linha de frente, resultando em brechas na fina linha defensiva alemã, no entanto,
este realocamento era dificultado e atrasado pela restrição do movimento lateral tático
imposta pelos Thunderbolt. (SALLAGAR, 1972)

The reduction and occasional paralysis of his freedom of movement in the


combat area made it increasingly difficult for the field commanders to strengthen
weak positions or seal off an Allied breakthrough by rushing reinforcements quickly
from one sector of the thinly held line to another. Since the Germans had no tactical
reserves behind the front, there was no other way of shoring up a threatened
position. The strategic reserve divisions held in the north were not intended for this
use, and when they were finally released to the front their movement was so delayed
and hampered by Allied air attacks that they arrived too late and too disorganized to
stem the tide. Tactical mobility was essential to the German combat tactics, and its
denial dealt them a crucial blow. (SALLAGAR, 1972, p. VI.)

A Operation Strangle foi elaborada com um objetivo turvo, e por ser uma operação
aérea independente, os planejadores não tinham ciência profunda do sistema logístico alemão.
Obteve maior sucesso tático em efeitos colaterais ou objetivos secundários do que em seu
objetivo principal. Entretanto, a Strangle foi a primeira campanha de interdição aérea, o
contexto em que foi executada nos permitiu estudar os resultados da interdição aérea por si só.
Independentemente de ser considerada um fracasso sob o ponto de vista de cumprimento de
seu objetivo principal, é um grande sucesso na restrição do movimento tático inimigo que,
quando em conjunto com uma ofensiva terrestre, culminou no avanço Aliado através das
linhas defensivas alemães no norte da Itália. (SALLAGAR, 1972)
61

4 Análise do Diário de Guerra de Rui Moreira Lima

Antes de entrar em combate, o 2º Tenente Rui Moreira Lima decidiu registrar suas
missões em linguagem de telegrama utilizando como diário duas mini cadernetas. Assim o fez
em suas 94 missões de guerra. Em 1948, Rui e sua esposa Julinha sofreram com a perda de
sua filha de 2 anos. Em seu luto, Rui decidiu desenvolver os registros de suas missões em um
relato mais claro e detalhado, tendo como apoio seu diário, sua memória e os relatórios do
Daily Reports do 350th Fighter Group, visando transformá-lo em um livro. Rui escreveu até a
48ª missão e não gostou do resultado, decidindo assim “encerrar o assunto”, colocou tudo em
um envelope e arquivou no que chamava de “salvados do incêndio”. (LIMA, 2008)

Em 2007, durante a reforma em seu apartamento, o filho de Rui, Pedro Luiz Moreira
Lima encontrou os documentos e os apresentou para seu amigo historiador Professor
Fernando Mauro Fonseca Chagas. Os dois tentaram persuadir Rui a terminar as missões
restantes, porém sem sucesso. Os dois solicitaram auxílio do mestre de Fernando Mauro, o
Professor Dr. Paulo André Leira Parente, “[...] que reforçou a apreciação feita anteriormente
com essas palavras; “o diário é uma pedra bruta a ser lapidada que, se transformada em livro,
servirá como fonte de pesquisa sobre a história da 2ª Guerra Mundial por futuros
historiadores”.” (LIMA, 2008, p.9).

Rui retomou a edição do diário com o auxílio de Pedro Luiz e Fernando Mauro. Foi
publicado pela editora Adler Books, por intermédio do então Comandante do 1º Grupo de
Aviação de Caça, Ten Cel Av Antônio Ramirez Lorenzo, em 18 de dezembro de 2008, data
em que o 1º Grupo completou 65 anos.(LIMA, 2008)

O Diário de Guerra de Rui Moreira Lima é uma fonte narrativa de um jovem tenente
em uma guerra total. Em suas páginas, Rui nos convida a participar de suas batalhas e
compartilhar suas alegrias com seus companheiros e também seus anseios e dores. A leitura e
análise do Diário nos permite a compreensão do uso do P-47 Thunderbolt como
caça-bombardeiro, o significado de seu poder destrutivo como arma tecnológica de guerra em
uma operação de intercessão aérea do campo de batalha.

No decorrer deste trabalho foi abordado a evolução do P-47 Thunderbolt como


caça-bombardeiro. O presente capítulo tem como objetivo analisar o uso do P-47 Thunderbolt
como instrumento de guerra e identificar a doutrina de caça-bombardeiro utilizada pelo
Tenente-aviador Rui Moreira Lima em suas missões, assim como a guerra aérea na qual
estava inserido, a partir da fonte narrativa O Diário de Guerra de Rui Moreira Lima.
62

4.1 Guerra Aérea sob o Norte da Itália: 31 de outubro de 1944 - 2 de maio de 1945
Em 12 de setembro de 1944, os Aliados executaram a Operation Olive, uma ofensiva
contra a Gothic Line, com o objetivo de superá-la e conquistar Roma. Apesar dos avanços, a
linha defensiva não foi rompida em sua totalidade. As péssimas condições meteorológicas
durante todo o mês de outubro limitaram a eficácia do poder aéreo durante o avanço em
direção a Bolonha, havendo apenas 14 dias com condições de voo. Em 26 de outubro a
ofensiva perdeu o momentum, sendo o principal avanço aliado impedido ao sul de Bolonha, a
poucos quilômetros da cidade. Com a chegada do inverno, as forças aliadas entricheiraram-se
e solidificaram seus ganhos. Durante o Impasse do Inverno, não houve alterações
consideráveis nas linhas pois não houveram grandes ofensivas, os combates se limitaram a
escamurças e patrulhas. O clima desfavorável e o terreno montanhoso dos Apeninos
favoreciam os defensores, que pretendiam impedir os avanços aliados indefinidamente.
Baseando-se nos moldes da Operation Strangle, a Mediterranean Allied Tactical Air Force
lançou ofensivas aéreas generalizadas contra a rede de comunicação inimiga, com o objetivo
de impedir o fluxo de suprimentos e reforços que fortaleceriam a Gothic Line. Os
bombardeiros médios B-25 Mitchell atacaram o sistema de transformadores que energizam a
ferrovia no Passo de Brenner durante a Operation Bingo, iniciada em 31 de outubro. Os
grupos de P-47 Thunderbolts executaram missões em apoio a Bingo, realizando a escolta dos
bombardeiros, a interdição aérea em rodovias e estradas de ferro, e destruindo alvos de
oportunidades. O Impasse do Inverno foi superado em fevereiro, quando as linhas se
moveram novamente durante as operações Fourth Term e Encore. O Impasse do Inverno
corresponde ao período entre 26 de outubro a 8 de fevereiro, portanto, o Tenente-Aviador Rui
Moreira Lima voou 44 missões de combate, sendo elas em apoio a Operation Bingo e a
interdição aérea sob a Gothic Line. (BERNSTEIN, 2012).

As primeiras missões do Grupo constituem um período de aclimatização à guerra


dividido em três fases. Inicialmente os brasileiros compõem esquadrilhas americanas entre o
período de 31 de outubro a 6 de novembro. A partir do dia 7 ao 17, o Grupo de Caça realiza
missões de Esclarecimento Aéreo com suas próprias esquadrilhas. Já na 5ª missão de Rui, em
18 de novembro, começa a ser realizado missões de Reconhecimento Armado, que diferencia
as missões de esclarecimento anteriores no ataque rasante ao regressar à base. Como marco
final do período de aclimatização, a partir da 8ª missão, em 25 de novembro, as sortidas
seriam regularmente para bombardear objetivos e ataques rasantes no regresso, com exceção
de missões de escolta e Close Air Support (C.A.S.) quando requisitadas.
63

Tarquínia, 6 de novembro de 1944


1ª Missão
Objetivo: Bombardear uma ponte da estrada de ferro no porto de Levanto.
Histórico: Decolar como o nº4 de um flight americano.
Não me lembro dos nomes dos componentes.
A esquadrilha tinha 8 aviões e fui o oitavo a mergulhar. Neste bombardeio, o único a
acertar o objetivo foi o Lagares, que por sua vez era o nº4 do outro flight.
A “A.Ae.” não foi muito forte e quase não a vi, pois só cheguei a ver duas explosões
de 40mm e as traçastes de .50.
Neste dia o Cordeiro foi abatido em Bolonha. (LIMA, 2008, pg. 13)

Destaco que esta missão fora a de número 26 do 1º Grupo de Caça desde que iniciaram
as operações na Itália em 31 de outubro. Este período inicial, foi marcado pela aclimatização
do grupo a guerra, como levantado pelo autor: “ O dia 6 de novembro de 1944, foi sem dúvida
o dia dos pica-fumo do 1º Grupo de Caça. Até então, somente o Cel. Nero, os capitães e os 1º
tenentes tinham atravessado as linhas inimigas.”(LIMA, 2008, p. 13). Entretanto, as primeiras
missões dos pilotos brasileiros seriam integrando esquadrilhas americanas, com o objetivo de
ganhar experiência de combate sob a liderança dos aliados mais experimentados na guerra.
Esta prática era comum entre os Aliados. Ressalto que o 8th Fighter Group operou
inicialmente sob comando da RAF, que possuía mais experiência no combate aéreo tendo
lutado na Batalha da França e Batalha da Inglaterra. Assim como o 57th Fighter Group
também integrou missões britânicas sob comando e aprendizado da DAF, que já enfrentava a
Luftwaffe e a Regia Aeronautica a dois anos no Norte da África.

Ao aterrar, a missão foi reportada ao Oficial de Informação do 346th por ser uma
missão deste esquadrão, posteriormente, os relatos foram feitos ao Oficial de informação do
1º Grupo de Caça, Miranda Corrêa. Esta etapa de operações do 1º Grupo de Caça, no qual
integravam esquadrilhas americanas, durou entre 31 de outubro a 6 de novembro. “Em tempo,
o dia 6 foi o último em que o Grupo voou com os americanos. Daí em diante os avestruzes
que se safassem.”(LIMA, 2008, pg. 14)

A partir de 7 de novembro, o Grupo inicia a próxima fase de aclimatização, o


Esclarecimento Armado, voando com suas próprias esquadrilhas. Este tipo de missão tem
como objetivo principal a observação e coleta de informações da disposição do inimigo, além
disso, estas missões iniciais relativamente mais calmas e seguras (dentro do possível em uma
guerra) permitiram aos pilotos brasileiros, novatos em combate, que se familiarizassem com o
terreno e se acostumarem com a guerra, criando assim a confiança em si próprios como uma
unidade guerreira. Entre 7 de novembro a 17 de novembro, Rui voou em 3 missões neste
64

segundo período de aclimatização e experiência. As missões foram feitas todas com


esquadrilhas do 1º Grupo de Caça, seguindo a seguinte composição: as 2ª, 3ª e 4ª missões,
respectivamente nos dias 13, 16 e 17 de novembro, foram realizadas com uma formação de
três esquadrilhas, sendo a liderança das missões alternada entre as esquadrilhas Red e Yellow
Flights. Cabendo a Green Flight, a posição de 2ª ou 3ª esquadrilha da formação.

Normalmente, o esclarecimento armado inclui, além da observação, o ataque a alvos


de oportunidade. Porém, como o principal objetivo era o ganho da experiência dos pilotos, e o
reconhecimento do terreno, o ataque rasante ainda não era permitido. “Na missão de
esclarecimento armado ainda não podíamos descer para o straffing”. (LIMA, 2008, pg. 15). O
ataque rasante, straffing, foi autorizado apenas a partir da 5ª Missão de Rui, no dia 18 de
novembro.

armed reconnaissance:
a mission with the primary purpose of locating and attacking targets of opportunity
(that is, enemy materiel, personnel, and facilities) in assigned general areas or
along assigned ground communications routes, and not for the purpose of attacking
specific briefed targets.(Oxford, 2001).

Portanto, entre a 2º Missão, 13 de novembro, até a 4º Missão no dia 17, o


Tenente-aviador Rui Moreira Lima executou missões de Esclarecimento Armado como nº 3
da Green Flight (líder do 2º elemento da esquadrilha); realizando o reconhecimento no Norte
da Itália compreendendo as regiões de Fidenza - Gueddi - Verona - Brescia - Parma - Lonato -
Desenzano - Rovereto - Ficarolo - Ferrara - Villafranca - Sul do Lago de Garda e sobre o rio
Taro; voando a uma altitude de 28.000 pés, que é a zona de melhor performance do P-47;
encontrando flaks de todo calibre mas principalmente de 40mm e 88mm, que devido a altitude
em que voava eram os calibres de flak capazes de atingi-lo; foram observadas concentrações
de flak em Verona e Ficarolo. Estas missões foram julgadas como bem sucedidas devido às
informações obtidas pelo Grupo. Lagares foi atingido por espoleta de 88mm entre Gueddi e
Villafranca, Assis foi atingido em Verona, porém não houve perdas durante tais missões de
esclarecimento. Entretanto houve a perda dos pilotos Waldir e Rittimeister, vítimas de um
acidente aéreo durante a gravação de um filme de propaganda sobre o 350th Fighter Group.
(LIMA, 2011).

Dentre estas missões, venho destacar dois pontos em especial: A experiência prévia
dos pilotos brasileiros, seja voando pela FAB, Militar, Naval, no Correio Aéreo ou Patrulha
anti submarina, desenvolveu suas habilidades em voo visual. Evidenciado pelos bons
65

resultados nas observações do inimigo. Posteriormente, tal habilidade permitirá ao Grupo


destacar-se dentro do Fighter Group ao localizar alvos de oportunidade.

O Grupo trouxe boas informações. Foi visto entre Verona e Brescia 1


locomotiva e 30 carros movendo-se para o norte. Em Parma, 1 locomotiva e 10
carros movendo-se para o sul. Ponte da estrada de ferro em Peschiera de Garda
destruída. Ainda em Parma, duas locomotivas e vários carros, viaduto entre Lonato e
Desenzano destruído. Pelo exposto a missão foi coroada de êxito dada a
minuciosidade e quantidade de observações. (LIMA, 2008,p. 15).

Durante a terceira e última fase do período de aclimatização, as 6ª, 7ª e 8ª missões,


respectivamente nos dias 18, 19 e 25, foram realizadas com duas esquadrilhas sendo a Green
Flight sempre a 2ª esquadrilha e a esquadrilha líder sempre a Blue Flight. A fonte as
diferencia como “Reconhecimento Armado” ao invés de “Esclarecimento Armado”. Apesar
de a primeira parte da missão de Reconhecimento Armado ser justamente o esclarecimento,
ou seja, a observação e coleta de informações, porém durante o regresso as esquadrilhas
efetuavam a procura por alvos de oportunidade, o straffing ou “ataque rasante”.

Em 25 de novembro de 1944, foi realizada a 8ª missão de Rui Moreira Lima, sua


primeira missão de bombardeio picado e a considero marco final de seu período de
aclimatização à guerra, já que a partir desta data, o regular seria missões de bombardeio
picado e o ataque rasante no regresso.

Até que enfim deixamos o Esclarecimento Aéreo, já era tempo de mudar de


tipo de missão. Todos estavam enervados com isto de sobrevoar áreas infestadas de
flak somente para satisfazer a curiosidade do Miranda.
Pela primeira vez decolei com duas bombas de 500lb. Uma em cada asa para
atacar o trecho da estrada de ferro entre Sorbolo e Cremona.
(LIMA, 2008, p.20).

O objetivo da missão era destruir a ponte de Sorbolo, porém a mesma não foi
identificada devido ao mau tempo. Portanto, o líder da formação, Fortunato, comandou o
bombardeio picado a uma estrada de ferro não identificada. O bombardeio de Rui foi feito “a
esmo” devido ao mau tempo, ou seja, um bombardeio impreciso devido, provavelmente, à
baixa visibilidade. Por ocasião do mau tempo durante o inverno, a alternância de objetivos
tornou-se uma prática comum. Nesta missão em específico, Fortunato ordenou o bombardeio
picado para realizar cortes na estrada de ferro que “apareceu” como um alvo de oportunidade,
porém em missões futuras é comum ser instruído pelo Oficial de Informações um objetivo
66

secundário para que, mesmo que haja mau tempo impossibilitando o cumprimento do objetivo
principal, a missão ainda seja cumprida visando o rendimento máximo.

O objetivo principal não foi identificado. Reinava o mau tempo na região.


Depois de tentar identificar o alvo sem proveito o Fortunato mandou que
bombardeássemos uma estrada de ferro que apareceu. Todos mergulharam e
soltaram suas bombas. Bombardeei a esmo, porque, na situação em que estávamos,
era impossível fazer mais do que pôr o nariz para baixo e soltar as bombas. ( LIMA,
2008, p.20).

O Grupo havia iniciado suas atividades na base aérea de Tarquínia no dia 31 de


outubro. Porém para acompanhar a nova linha de frente que havia se estabilizado nas
proximidades de Bolonha durante o Impasse do Inverno, o Grupo foi realocado para a base
aérea da cidade de Pisa, onde decolaram para missões até o final da guerra. Rui decolou pela
última vez de Tarquínia em 3 de dezembro para sua 13ª missão, após sua conclusão, aterrou
em Pisa. A base aérea de Pisa já estava operante quando os pilotos do 1º G.Av.Ca. decolaram
de Tarquínia pela última vez. A equipe de solo do 1º Grupo de Caça dividiu-se para manter
Tarquínia operacional enquanto Pisa era preparada para receber todo o pessoal, somente após
o último P-47 brasileiro decolar de Tarquínia foi que a equipe restante reuniu-se com o
pessoal de solo avançado em Pisa. Desta forma, a transferência do Grupo entre bases não
afetou suas operações, não sendo perdido nenhum dia de missões. (NETO, 2021).

Durante o avanço dos Aliados em direção à Tunísia durante a campanha do Norte da


África, o 57th Fighter Group realocou-se para novas bases 34 vezes para manter a linha de
frente sob o alcance dos caça-bombardeiros do Grupo. Utilizando-se de táticas desenvolvidas
pela RAF, a equipe de solo dividia-se em duas equipes, enquanto uma mantinha as operações
na base atual, a segunda equipe preparava a nova base para operação. À medida em que as
surtidas eram realizadas, as formações decolavam da base antiga e aterravam na nova, já
operacional graças à equipe de solo. Desta forma, a mudança constante de bases para
acompanhar o avanço das tropas não afetava na prontidão do Fighter
Group.(MOLESWORTH, 2011). Decolando de sua base em Tarquínia, em sua 13ª missão, a 3
de dezembro, Lima aterra na nova base de operações em Pisa após o cumprimento da missão.
Da mesma forma que o 57th, o 1º Grupo de Caça Brasileiro não teve suas operações ou
prontidão prejudicadas devido à mudança. (NETO, 2021).

Um fator que agravou o impasse durante o inverno, foi o clima desfavorável. No mês
de outubro inteiro, apenas 14 dias permitiram a saída para missões. (BERNSTEIN, 2012).
67

Durante novembro, dezembro e janeiro, o Grupo voa uma média de duas missões por dia e há
um espaço de dias considerável entre as missões, algumas chegando a 6 dias de intervalo.
Além disso, era rotineiro haver cerração de nuvens na área do objetivo, sendo necessário o
desvio para o objetivo secundário, ou principalmente no caso do ataque rasante, o total
cancelamento da missão e regresso à base.

[...] Decolamos em tempo duvidoso. Ao cruzarmos os Apeninos,


descortinamos um vasto colchão sobre o vale cobrindo-o em toda a sua extensão.
Lafayette tentou achar um buraco a fim de atacarmos qualquer objetivo, porém, todo
o esforço foi “baldado”. Tivemos que voar até o mar e fazer o lançamento das
bombas.
Regressamos aborrecidos. Ter missão assim ninguém queria, embora não se
corresse perigo em absoluto, era sempre para lançar 16 bombas de 500lb dentro
d’água, onde não havia traço do inimigo.
Esta foi a única missão do dia. O mau tempo impediu que outras
esquadrilhas decolassem. (LIMA, 2008, p.36).

Em 16 de dezembro, Rui inicia operações na área do Passo de Brenner, uma região


de extrema importância pois era o único acesso entre Alemanha e Itália. “ Reboliço a bordo.
O Grupo iniciou as missões no vale do Passo de Brenner. Nossa missão era a estrada de ferro
entre Verona e Rovereto.” (LIMA, 2008, p.29). Os ataques ao Passo de Brenner continuaram
até o final da guerra.

As linhas voltaram a se mover com as novas ofensivas em fevereiro. Em busca de


melhores posições para a próxima grande ofensiva, os exércitos anglo-americanos lançaram a
Operation Fourth Term e Encore. Em 20 de fevereiro de 1945, Rui Moreira Lima participou
de uma missão em apoio à F.E.B. que batalhava em Montese. Na descrição da missão, Rui é
detalhista e nos permite compreender com maior precisão como era a doutrina de Close Air
Support.

Nossa missão era calar uma posição de artilharia tedesca em Montese -


batalha tão ou mais sangrenta que Monte Castelo. Apoiaremos nossos irmãos da
F.E.B. que estavam lutando nesta área - pedido direto do próprio Gal. Mascarenhas.
A esquadrilha era: Pessoa Ramos - Meneses - Rui - Paulo Costa.
A única referência do alvo era uma fotografia tirada pela inteligência e mais
nada. Todo cuidado era feito para não acertarmos os nossos pracinhas. A bateria
tedesca de 88mm na fotografia estava localizada perto de uma pinguela que passava
sobre um riacho. Chegando à área de ataque, Pessoa mandou fazer o procedimento
de identificação do alvo com a distância de 150 metros entre os aviões. Quando ele
perguntou se todos estavam vendo o alvo - a pinguela - todos responderam que sim.
O gaiato da missão é que na verdade, eu vi uma outra pinguela mais ao sul e não a
da artilharia.
O Pessoa comandou o ataque. Ele e Menezes lançaram suas bombas
destruindo completamente o alvo. Logo após o ataque do 1º elemento, comandei o
68

meu, avisando ao Paulo Costa que lançasse as suas bombas onde eu lancei as
minhas. É evidente que não identifiquei o alvo verdadeiro - erro meu - e o Bodoso
seguiu meus passos.
Saímos em busca de alvos para o Ataque Rasante. Em Parma atacamos um
depósito de combustível.
Assim que pousamos, o Pessoa Ramos veio na direção do meu avião com a
45 em punho. Não titubeie. Saltei e saí correndo, com ele praguejando porque não
cumpri a ordem que ele deu no ar. Era um jogo de gato e rato. Eu pedindo calma e
ele espumando.
Minha salvação foi quando fomos chamados pelo Miranda. O próprio
General Mascarenhas desejava falar conosco via um telefone de campanha. O
Pessoa falou com ele. O Comandante da F.E.B. parabenizou-o pela destruição da
posição de artilharia, pedindo que parabenizasse também o 2º elemento, que com
olhar de lince tinha descoberto um segundo alvo - uma companhia de infantaria -
onde após o bombardeio, nossos soldados capturaram vários prisioneiros.
Assim terminou a 47ª missão, com Pessoa Ramos levando a Green boa de
briga para comemorar a missão no clube Senta a Pua. (LIMA, 2008, p.60).

A ofensiva principal veio com a chegada da primavera. Em 21 de abril os Aliados


entram em Bolonha, perseguindo a debandada alemã através do Vale do Pó. Durante o avanço
da linha, o 1º Grupo de Caça realizou mais C.A.S. em apoio às tropas aliadas e o ataque
rasante a depósitos de suprimentos e tráfego nas estradas. Durante a Ofensiva da Primavera,
devido a falta de pilotos de recompletamento, cada piloto brasileiro voou além de sua cota
diária regular. Em um esforço máximo de todo o Grupo de Caça, pilotos, contingente de
informação, logística e manutenção se emprenharam para manter o Grupo operando em níveis
normais com o desfalque em seu pessoal. Cada piloto voou pelo menos 2 missões por dia e
Oficiais que não deveriam voar em missões de guerra assim fizeram. No dia 22 de abril, que
hoje é celebrado pela FAB como o dia da Aviação de Caça, o 1º Grupo entregou resultados
superiores aos outros esquadrões do 350th Fighter Group, seus feitos foram reconhecidos pelo
Comandante do 350th, Cel. Ariel W. Nielsen, que recomendou o Grupo para o recebimento da
Presidential Unit Citation, medalha das Forças Armadas dos EUA concedida à Unidades que
realizaram grandes feitos. Os veteranos do Senta a Pua receberam suas medalhas em 1986,
entregues pelo Governo do Presidente Ronald Reagan. (LIMA, 2011)

O Primeiro Esquadrão de Caça do Brasil, Forças Armadas do Brasil,


distinguiu-se por seu extraordinário heroísmo em operações militares contra um
inimigo do Brasil e dos Estados Unidos no Teatro de Operações do Mediterrâneo,
em 22 de abril de 1945. Ao prestar heroicos serviços com extrema bravura e ao
demonstrar consumada aptidão em matéria de reconhecimento armado e ataques
com caças-bombardeiros, bem como ao mostrar excelente coordenação tática com o
Quinto Exército, a Unidade contribuiu diretamente para que os Aliados cruzassem o
Rio Pó, a Unidade destruiu grande quantidade de material e veículos do inimigo,
assim evitando que este se refugiasse no esquema de segurança preparado em sua
defesa de retaguarda. Ao descobrir nas imediações de Mântua, Itália, um centro
69

motorizado inimigo habilmente camuflado e fortemente defendido, a Unidade


destruiu pelo menos 45 veículos e seguramente imobilizou muitos outros. Ao
hostilizar pontões do inimigo no Rio Pó, a Unidade ajudou a impedir sua retirada,
frustrando quaisquer meios de evasão de muitos elementos germânicos. Por sua
vigilante cobertura aérea de redes viárias e posições preparadas para a batalha, a
Unidade destruiu numerosos outros veículos, inclusive peças de campo blindadas, e
hostilizou posições de trincheira. Embora as baixas sofridas hajam reduzido sua
disponibilidade de pilotos a cerca de metade da dos Esquadrões da Força Aérea dos
Estados Unidos em operações na mesma área, a Unidade realizou idêntico número
de surtidas, com desempenho incansável e superior ao normalmente esperado no
cumprimento do dever. A manutenção de suas aeronaves foi altamente eficiente,
sérias dificuldades meteorológicas foram enfrentadas com excelente planejamento e
navegação. Com insuperável capacidade de manejo de câmeras, a Unidade
fotografou os resultados dos ataques e contribuiu para o registro pictórico de uma
memorável campanha de 44 surtidas, 11 missões aéreas destruíram 9 transportes
motorizados e danificaram outros 17. Ademais, a Unidade destruiu as instalações de
um grupo de transporte motorizado, e imobilizou 35 veículos de tração animal,
danificou uma ponte rodoviária e um cruzamento de pontões, destruiu 14 prédios
ocupados pelo inimigo e danificou outros três. Atacou quatro posições militares e
infligiu muitos outros danos. O profissionalismo, a dedicação ao dever e
extraordinário heroísmo demonstrados pelos integrantes do 1º Esquadrão de Caça do
Brasil, confirmaram as mais finas tradições do serviço militar e refletem a mais alta
reputação que conquistaram tanto para si quanto para as Forças Armadas do Brasil.

Ronald Reagan.(apud, LIMA, 2012, p.


712-714)

A última missão no Teatro de Operações do Mediterrâneo do Tenente-aviador Rui


Moreira Lima foi em 1 de maio. No dia seguinte, na 444ª missão do 1º G.Av.Ca., os tenentes
Meira e Tormim realizaram a última missão dos pilotos brasileiros na Itália. (LIMA, 2008).

4.2 Doutrina de Caça-Bombardeiro

A primeira missão de combate do 2º Tenente-aviador Rui Moreira Lima ocorreu em 6


de novembro de 1944, decolando de Tarquínia. Esta foi a sexta missão do dia para o 1º Grupo
de Aviação de Caça, que ao final do dia concluiria 26 missões totais. Rui decolou como nº4 de
uma esquadrilha americana, junto com Lagares que integrava outra esquadrilha também como
nº4, ambas as esquadrilhas americanas eram do 346th Fighter Squadron, conhecidos como
Checker Board Squadron, portanto, a missão era formada por dois esquadrões do 350th
Fighter Group, o 346th e o 1st Brazilian Fighter Squadron, 1º Grupo de Aviação de Caça. O
líder do esquadrão decidiu prosseguir para o objetivo secundário devido ao mau tempo, a
ponte de estrada de ferro de Levanto. No ataque, apenas o líder da esquadrilha de Rui e o
Lagares acertaram o objetivo, o qual foi completamente destruído, os outros acertaram
edifícios próximos ao objetivo ou na água, inclusive Rui.

Destaco a bravura, firmeza e acima de tudo, foco do autor ao enfrentar pela primeira
vez a antiaérea inimiga: “A A.Ae. tedesca foi moderada e imprecisa. Somente flak leve foi
usado. Não vi nada disso. Minha única preocupação era não perder meu leader de
70

vista.”(LIMA, 2008, p. 13). Lima demonstrou enorme concentração ao não deixar-se dominar
pelo medo do combate, executar seu ataque e ao retornar a formação, observar o bombardeio
de seus companheiros.

Marquei um tento, além de ter entrado rapidamente em formação após o


bombardeio, ainda pude controlar todas as bombas dos meus companheiros.(LIMA,
2008, p. 13).

O Tenente-aviador Rui Moreira Lima participou de 94 missões de guerra entre 06 de


novembro de 1944 a 1 de maio de 1945, a bordo de seu P-47D Thunderbolt de insígnia D-4,
apelidado “Poderoso”. Efetuando missões de bombardeio picado, ataque rasante,
reconhecimento armado, escolta e Close Air Support. O registro pessoal de suas missões é
fonte inestimável sobre a doutrina de caça-bombardeio sob o ponto de vista do piloto
combatente e como essa doutrina foi executada.

O P-47 Thunderbolt possui o armamento primário de oito metralhadoras de calibre .50


Browning M2, com uma munição total de 3400 cartuchos, o Thunderbolt provou-se uma
excelente plataforma de disparos, portanto, era extremamente letal no straffing, ou como Rui
o chama na fonte, o “ataque rasante”. Após soltarem suas bombas no bombardeio picado,
esquadrilhas de P-47 realizavam a busca por alvos de oportunidade no regresso à base,
alvejando todo e qualquer alvo “macio”, ou seja, alvos em que a metralhadora .50 obteria
penetração. O ataque rasante era a principal tática usada por pilotos de P-47 em uma operação
de intercessão aérea.

Durante a 5ª missão de Rui, cuja foi a primeira a ser autorizado o ataque rasante, o
Grupo destruiu um caminhão, doze carros de estrada de ferro, uma locomotiva, além de
observarem um avião não identificado no campo de Villafranca, uma ponte destruída, uma
locomotiva e vinte carros dirigindo-se para leste.

Na volta foi escolhido para o “ataque rasante” o trecho da estrada de ferro


Guestalla-Parma. Durante o ataque o Grupo destruiu um caminhão e danificou doze
carros da estrada de ferro entre Busseto e Sorogna. Uma locomotiva atacada e
destruída. Assim como tudo entre Sorogna e Fidenza. Durante o Esclarecimento
Armado foi visto um avião (não identificado) no campo de Villafranca, uma
locomotiva e vinte carros dirigindo-se para leste próximo a cidade de Saave, a ponte
de Ferrada foi destruída no principio da ponte Norte. (LIMA, 2008, p. 17).

Nesta missão, mesmo não havendo bombardeio picado, o poder aéreo representado
por 11 Thunderbolts é impressionante ao considerar que: 1) apesar de forte oposição da flak
71

em Villafranca, Verona, Nonato e ao regressar pela bomb line, não houveram perdas; 2) as
informações colhidas pelos aviadores de caça possuíam um alto valor, tanto para os oficiais de
informação da Força Aérea quanto para o Exército, com elas era possível determinar novas
rotas de comunicação que os alemães eram obrigados a estabelecer devido à supremacia aérea
aliada, assim como limitar sua mobilidade tática; 3) a destruição causada durante esta missão
por 11 Thunderbolts, cujo armamento consistia apenas nas metralhadoras Browning M2 .50, é
a epítome da Materialschlacht. A um custo de munição .50 e reparos em dois aviões, foram
destruídos uma locomotiva, doze carros de estrada de ferro, um caminhão e seus conteúdos
transportados que podiam variar entre tropas, suprimentos como comida e munição ou
combustível. A Alemanha estava com uma frota de veículos motorizados extremamente
precária, com veículos insuficientes para sua logística de suprimentos, atenuada a falta de
peças sobressalentes para manutenção e racionamento de combustível, portanto, cada
caminhão ou depósito de combustível destruído era um golpe severo no 10º e 14º Exércitos
Alemães. Como a indústria italiana estava limitada devido aos bombardeios estratégicos,
carros de estrada de ferro e locomotivas eram produzidos na Alemanha e transferidos para a
Itália, custando não só material para sua produção mas principalmente o tempo de fabricação
e de implantação deste material.(SALLAGAR, 1972). 4) Por fim, ainda eram pilotos novos ao
combate, seus resultados irão melhorar de acordo com sua experiência adquirida.

Durante a procura por alvos de oportunidade, qualquer alvo que se apresentasse era
aproveitado. Alvos comuns eram locomotivas, carros de estrada de ferro, caminhões,
carroças, staff cars, veículos blindados, casas, depósitos e munição e combustível.

Durante os últimos meses de guerra, a frequência de ataques a depósitos de munição e


combustível aumentaram significativamente. Como aponta Sallagar (1972), apesar da
interdição aérea, os exércitos alemães ainda contavam com o ressuprimento feito
principalmente à noite. Uma das maneiras de contrapor a interdição aérea era armazenar
suprimentos excedentes em depósitos escondidos, tanto na linha de frente quanto na
retaguarda. Portanto, a destruição destes depósitos escondidos era de fundamental importância
e tornaram-se alvos importantíssimos para os grupos de Thunderbolt. Alvos tão importantes
assim certamente eram bem defendidos, portanto, atacar um depósito de munição era
extremamente perigoso devido a forte oposição antiaérea e também pela grande explosão
causada pela destruição do depósito, como as metralhadoras do P-47 convergiam por volta
dos 350m, era difícil escapar destas explosões, sendo necessário o piloto passar por dentro da
bola de fogo torcendo pelo melhor.
72

O bombardeio foi feito sob o flak de 20mm e de .50. O primeiro a


mergulhar foi o Lagares que acertou suas edificações, o segundo foi o Cel.
Wanderley que fez suas bombas dentro da área de alvo, o terceiro fui eu que peguei
em boas condições o que me cabia. Foi um show. Por sorte minha, ali estava o
grosso da munição causando assim uma explosão que até então eu nunca tinha visto.
A nuvem de fumaça veio até 3.000 pés de altura, impedindo a precisão do
bombardeio do Coelho e da esquadrilha do Torres. (LIMA, 2008, p.52).

Chegamos na área do alvo e o flak era leve e inacurado. Atacamos e os


acertos foram feitos por mim, Coelho e Neiva. Cortamos a estrada em 4 pontos. O
restante errou. No Ataque Rasante, a 2 milhas ao sul de Suzzara, atacamos um
depósito de munições. Explodi 2 e o restante foi dividido pelo Grupo. Quando
Coelho atacou, a explosão foi grande e, dada a sua proximidade do alvo, não deu
para sair da rota. Pensei que não veria mais o garoto. A gritaria no rádio foi geral
com o medo de perder um companheiro. Mas logo ele saiu da explosão. O susto foi
grande. A coluna de fumaça produzida pelo nosso ataque chegou a 500 pés. (LIMA,
2008, p.68).

Na 11ª missão, datada de 1 de dezembro de 1944, identifica-se uma estratégia da


doutrina de caça-bombardeiro aprendida com a DAF pelo 57th Fighter Group durante a
campanha no Norte da África. A DAF realizava missões de caça-bombardeio da seguinte
forma: metade do esquadrão armava-se com bombas para realizar o bombardeio picado e a
outra metade mantinha altitude com o propósito de proteger o grupo contra aeronaves
inimigas, dando cobertura. (MOLESWORTH, 2011). Na fonte, Rui registrou uma tática
semelhante. Durante o ataque rasante, apenas a Yellow desceu para o straffing, cabendo a
Green manter a altitude de 5.000 pés oferecendo cobertura. Ressalto aqui que durante o
combate, um piloto de Thunderbolt estava mais vulnerável em dois momentos: o bombardeio
picado e o straffing. Durante o mergulho para bombardear um alvo, o piloto deve manter sua
atenção ao alvo para acertar o ataque, enquanto isso, está sendo alvejado por antiaérea e
descendo em direção ao chão em velocidades cada vez mais elevadas em uma rota previsível.
Além de ser um alvo fácil, caso o piloto perca a consciência devido a força G ao recuperar-se
do mergulho ou o avião atingir tal velocidade que torna as superfícies de controle ineficientes,
o mergulho torna-se fatal. Já durante o ataque rasante, o avião está a baixa altitude,
expondo-se a todos os calibres presentes no local, há o perigo de colisão com o terreno ou
estruturas, ademais, o piloto pode facilmente focar toda sua atenção apenas no alvo que deseja
destruir, momentaneamente ficando abstraído dos perigos ao seu redor. Portanto, uma
esquadrilha oferecendo cobertura aérea de uma posição privilegiada, atenta aos arredores e
perigos, é um trunfo para pilotos de caça-bombardeiro.
73

Depois do bombardeio, a Yellow desceu para o ataque rasante, ficando a


green fazendo cobertura. Não é preciso dizer que não tivemos chance de descer. O
Joel com seus homens eram os maiores fominhas do straffing e deste modo
apreciamos de 5.000 pés mais ou menos a danificação de 6 carros tanques, 2
locomotivas, o mais oito carros da estrada de ferro. O Medeiros atirou numa casinha
da estrada de ferro, havendo daí uma grande explosão de fumaça cinza. A explosão
foi próxima a Guastala. (LIMA, 2008, p. 23)

Não apenas metralhadoras eram usadas no ataque rasante. Com o advento dos mísseis
ar-terra, a gama de armamento do P-47 aumentou, sendo possível levar mísseis além das
bombas. Na 80ª missão, em 18 de abril de 1945, Rui destruiu um tanque alemão com uma
salva de foguetes em Sassuolo.

Chegamos a Vignola e o Perdigão lembrou-me que era a cidade que acolheu


Danilo. Atendi o seu pedido e levei a Esquadrilha para Sassuolo onde atacamos
prédios e uma fábrica de cimento. Assim que chegamos, os tedescos nos receberam
com 20mm. Destruímos: 8 edifícios e 4 casas ocupadas pelos alemães; danificados:
4 edifícios. Acertamos a fábrica - eu destruí parte da fábrica os outros só
danificaram. Durante todo o ataque as .50 foram usadas. A A.Ae. de 20mm estava
acurada. O Garoto Meira foi atingido quando atacava a fábrica.
Logo após o ataque à fábrica, vi um tanque. E, como não quis deixá-lo para
ninguém, fiz um retournement. Piquei o D-4, “dormi na pontaria” e larguei a salva
de foguetes destruindo-o.
Na recuperação, vi que não tinha altura suficiente - o avião já estava muito
veloz - e que iria chocar-me ao solo. No desespero puxei o manche violentamente
contra o peito. Nesse momento perdi os comandos e o avião entrou em perda de alta
velocidade. A asa direita bateu no topo de um poste e na copa de uma árvore, tudo
muito rápido. Os choques dominuíram a velocidade e o avião recuperou a
aerodinâmica, passando a voar normalmente. Por segurança apliquei a injeção de
metanol - mais 350 hp de potência no motor - ganhei altura. Voltei imediatamente a
base com muita dor na coluna. (LIMA, 2008, p. 93).

Não está claro na fonte qual o modelo de foguetes ar-terra usado. Porém, levando em
consideração a data e como foi utilizado por Rui, acredito serem foguetes High Velocity Aerial
Rockets (HVAR). O modelo HVAR foi o terceiro modelo de foguetes ar-terra utilizado por
Thunderbolts, foi introduzido ao final de 1944 e corrigiu os defeitos dos modelos anteriores:
velocidade e precisão. Os modelos anteriores, M8 4.5in e Forward Firing Aerial Rocket, eram
lentos, imprecisos e não possuíam poder de penetração, sendo usados como uma artilharia em
área já que seu poder explosivo era comparado a uma 120mm High Explosive Round.
Portanto, pela data correspondendo ao período em que o HVAR já estaria em uso na linha de
frente e levando em consideração o alvo destruído, um tanque, acredito que o 1º Grupo de
Aviação de Caça tenha usado foguetes HVAR em suas missões. Porém, esta afirmação não
pode ser absoluta. Apesar de o HVAR ter entrado em serviço ao final de 1944, leva-se um
tempo considerável para unidades em linha de frente serem supridas com uma nova
tecnologia em armamento. Além disso, é possível que os brasileiros não fossem prioridade
74

para receber novos armamentos, apesar de serem uma unidade na linha de frente, sendo
supridos com equipamentos mais antigos. Também temos que considerar que Rui não é claro
na descrição de seu alvo, não sendo possível determinar a penetração necessária para
destruí-lo. Muitos veículos blindados alemães poderiam ser considerados como “tanques”
vistos em altitude no calor da batalha, desde um tanque médio ou pesado ponta de linha como
Tiger e Panther a um veículo blindado mais leve sobre rodas como o Sd.Kfz. 234, sendo um
veículo com blindagem mais leve é possível que um FFAR fosse o suficiente para
desabilita-lo.(BERNSTEIN, 2021).

Pelo registro desta missão, foi documentado a resistência do P-47 em aguentar colisões
e ainda retomar a base. Também chamo a atenção para a injeção de metanol que provê mais
potência ao motor. A injeção de metanol, ou WEP, foi inserida a partir do P-47D-5RE.
(BOWMAN, 2008).

Ademais, a missão de 18 de abril é um importante registro do poder destrutivo do


Thunderbolt como caça-bombardeiro em ataque ao solo, tendo Rui destruído edifícios e um
tanque. Além da confiabilidade do Thunderbolt, que apesar de severas colisões e avarias,
trouxe seu piloto para casa.

Apesar do considerável poder de fogo presente nas oito metralhadoras .50, há um


limite de alvos que ela pode penetrar e destruir. Para trabalhos de demolição de pontes e
edifícios, ou para alvos cuja blindagem exigia calibres maiores para penetração, a arma de
escolha dos pilotos de P-47 eram as General Purpose Bombs de 500lb. Para acertar seus
alvos, os pilotos efetuaram o bombardeio picado, ou seja, mergulhavam em direção ao seu
alvo e soltavam as bombas ou foguetes. Não era usado o bombardeio planado pois o
bombardeio picado tinha o benefício de melhor precisão e do efeito moral ao atirar com as
metralhadoras durante o mergulho. “Geralmente quando mergulhávamos, o fazíamos de dedo
no gatilho atirando com nossas oito .50 a esmo. Isto tinha um grande efeito moral.” (LIMA,
2008, p.32).

[...] Dali rumamos para Guastala. Lá a visibilidade estava um pouco melhor.


As bombas já estavam armadas. Bombardeio feito, Lafite perdeu suas bombas
dentro do rio, o Keller destruiu um pequeno edifício ao lado da estrada de ferro
próximo à ponte, Torres perdeu suas bombas como o Lafayett, Mocellin cortou a
estrada com um bombardeio curto, Assis cortou também a estrada com um
bombardeio curto, Danilo e Perdigão erraram por pouco, e por fim, eu fui o último a
mergulhar, consegui um perfeito impacto sobre a ponte destruindo-a totalmente.
Sorte! Gritaram pelo rádio, mas sorte ou não, foi por causa desta ponte que recebi
75

minha primeira medalha de guerra vinda do governo americano. A citação está em


minha pasta de piloto para quem tiver a curiosidade de consultar. (LIMA, 2008,
p.30).

Em 29 de novembro, em sua 10ª missão, Rui registrou uma tática de bombardeio


picado realizada pelo Grupo. Ao invés de cada avião ou elemento realizar um mergulho
individual contra um alvo, o esquadrão formado pela Red e Green sob o comando de
Lafayette, executou a tática “Linha de Frente”. Foram dispostas as esquadrilhas com uma
separação considerável entre si e seus elementos escalonados, passando pelo objetivo foi dado
o sinal de “break”, ou seja, empinar o nariz do avião para ganhar altitude e executar o
mergulho. De forma hábil, Lafayette calculou o mergulho para que o esquadrão tivesse o Sol
em suas costas durante o mergulho, oferecendo-lhes proteção contra a possível antiaérea
protegendo o alvo. O esquadrão de oito Thunderbolts realizou o bombardeio picado
simultaneamente, cobrindo uma grande área e expondo-se por menor tempo possível. Rui cita
a missão como um grande sucesso. De fato, Rui destruiu uma estação de trem e Perdigão, seu
ala, 8 carros-tanques (carros de estrada de ferro que transportavam combustível), além dos
alvos destruídos pelos outros membros da formação, os quais Rui registrou com detalhes.
Como não houve fumaça das explosões dos carros-tanque, possivelmente não havia
combustível neles, entretanto, destruir o meio de transporte do combustível pode ser tão
vantajoso quanto destruir o combustível em si. Sem carro-tanque para transportar combustível
através da estrada de ferro, os alemães necessitavam utilizar caminhões para esse transporte,
consumindo-se assim ainda mais combustível. A falta de combustível mostra-se presente mais
tarde na missão, quando o grupo sobrevoa Verona, nota-se grande tráfego de carroças puxadas
a burro e cavalo.

Decolamos 8 aviões com bombas de 500lbs para atacar trechos da estrada


de ferro Cremona - Mantova.
Chegamos em Linha de Frente com os elementos escalonados e as
esquadrilhas bem separadas uma da outra. Passamos sobre ele, foi comandado o
“break” para ficarmos com o sol pelas costas e pimba! Todos de uma vez só
mergulharam. Atirando e soltando suas bombas. O resultado não poderia ser melhor,
pois foram feitos dois buracos na estrada. Foi destruída uma pequena estação da
estrada de ferro, seis carros tanques e mais três edifícios, instalações da estrada e
mais outra estação.
Assim foi feita a distribuição de estragos:
a) Lafayette errou a estrada e acertou três edifícios.
b) Torres: a estação da estrada de ferro de uma cidadezinha próxima a
Mantova.
c) Assis e Coelho: um corte na estrada, cada um.
d) Eu: a estação mais a oeste da primeira.
e) Perdigão: os seis carros tanques parados na dita estação. Não houve
76

fumaça.
Os outros erraram
Foi acrescentado ainda no interrogatório a ausência de tráfego na área de
Mantova. Grande tráfego de carroças puxadas a burro e cavalo ao sul de Verona.
(LIMA, 2008, p. 22).

Rui volta a registrar como era realizado o ataque em “Linha de Frente” na missão de
7 de dezembro. Atestando o uso regular desta tática, assim como a progressão natural para a
segunda parte da missão, a procura por alvos de oportunidade para o ataque rasante:

[...]Voltemos à nossa missão, decolar com oito P-47 para


bombardearmos a estrada de ferro Casamaggiore - Parma. Para esse tipo de ataque
sempre o fazíamos em Linha de Frente. Após o mergulho, cada esquadrilha seguia
uma estrada para seu Ataque Rasante, missão denominada procura. (LIMA, 2008,
p.26)
.

No registro da 17ª missão, em 16 de dezembro de 1944, o esquadrão de Rui obteve


um excelente resultado ao atacar o Passo de Brenner em completa surpresa ao utilizarem a
tática do bombardeio em Linha de Frente. O ataque foi tão bem sucedido que, segundo a
fonte, o 350th Fighter Group inteiro adotou a tática dos pilotos brasileiros.

Decolar sob o comando do Cap. Pamplona. Um briefing bem feito foi


dado aos pilotos. O ataque viria de Oeste, em linha de frente, e todos mergulhando
de uma só vez. A tensão era grande. No dia anterior, 4 P-47 americanos tinham sido
abatidos no local. Chegamos lá depois de 1 hora de vôo. Bombardeamos com
completa surpresa. Nenhum tiro foi dado. Esta tática foi adotada mais tarde pelo
350fth Group, ao qual estávamos subordinados operacionalmente, e muito
orgulhosos ficamos, pois foi o 1º G.Av.Ca. o primeiro a usá-la (LIMA, 2008, p.29).

A completa surpresa no bombardeio picado era uma raridade, no mesmo local em


que Rui executou o ataque em Linha de Frente, foram derrubados 4 Thunderbolts americanos
no dia anterior.. A Flakwaffe estava sempre muito atenta aos céus em busca de Jabos. O
combate era frequente, intenso e muitas vezes letal.
77

4.3 Combate: P-47 Thunderbolt e Flakwaffe

Com a ausência de aviões inimigos e a natureza do combate de ataque ao solo, a


grande adversária dos pilotos brasileiros eram as tripulações das Flaks alemães. Muitos
pilotos do grupo foram abatidos, perdendo suas vidas ou saltando de paraquedas e
arriscando-se para voltar às linhas amigas.

Certas localidades no norte da Itália eram mais bem fortificadas do que outras e com o
tempo, os Jambocks aprenderam quais eram e como evitá-las.

Decolamos neste dia com dois objetivos. O 1º eram edifícios ocupados em


Bolonha. O 2º a ponte de estrada de ferro de Guastala. Sabíamos também o que
significava Bolonha. Era do conhecimento do nosso teatro que Bolonha, Ferrara,
Ostiglia e todo o Passo de Brenner, a partir de Rovereto, eram os pontos onde havia
as melhores defesas A.Ae. dos alemães. (LIMA, 2008, p.30).

Em tempo: eu pessoalmente considerava os alvos mais perigosos qualquer


objetivo contido na área do Passo de Brenner, ponte Casarsa; estações ferroviárias de
Legnago, Isola della Scala, Piacenza, Alessandria; as cidades de Bolonha, Ferrara e
Ostiglia. Outros alvos muito mais perigosos eram as bases aéreas de: Udini,
Villafranca, Ghedi e Bérgamo. (LIMA, 2008, p.88).

Durante as missões iniciais de Rui, dois pilotos foram atingidos pela flak pesada de
88mm: Lagares e Assis. Estes encontros podem ser vistos como a primeira constatação da
proteção que o Thunderbolt oferecia aos pilotos, assim como a resiliência dos brasileiros que
ao serem alvejados não perderam sua fibra moral, em especial o caso do Assis que foi
atingido por um projétil de 88mm e continuou a missão como líder.

Não é necessário dizer que a recepção dos tedescos foi respeitosa. Muito
tiro em toda a região. Foi assinalado flak leve em Ficarolo. Na passagem sobre
Verona o Assis recebeu um bonito Shell, e não fosse sua vontade de cumprir a
missão nossa esquadrilha teria voltado. (LIMA, 2008, p. 16.)

A missão de 18 de novembro é a primeira em que o ataque rasante é permitido. A


fonte diferencia esta missão identificando-a como “ Reconhecimento Armado”, apesar de sua
primeira etapa ser o esclarecimento. Durante esta missão, a fonte nos permite entender o risco
envolvido no ataque rasante, sendo atingidos Lagares e Coelho.

Mais um esclarecimento armado. Já com a 5ª missão comecei a


distinguir bem a A.Ae e classificá-la. Também deixei de “pular” a esmo. Meu medo
78

dominado em parte. [...]


Na área de Villa Franca o Preto Lagares trouxe uma couve-flor na asa.
Voávamos de Nonato para Verona. Muito flak. Pareciam fogos de São João. Os
aviões, nesta hora, pareciam um bando de loucos. Pulo pra cá, pulo pra lá! Os mais
nervosos (eu estou no meio) gritavam: “flak em você, fulano!”.
Assim ocorreu o Reconhecimento Armado com todos os tipos da A.Ae.
tedesca atirando.
Tudo isto foi relatado ao Miranda, após a aterragem. Foi acrescentado ainda
o flak de Bolonha, Villafranca e Fienepelage que foi moderado, pouco acurado.
Durante o ataque rasante o Coelho colheu uma .50 no tanque de combustível.
Teve sorte o garoto. Coisas da guerra!
Assim terminou a 5ª Missão.” (LIMA, 2008, p. 17).

A “couve-flor” de Lagares refere-se a quando um projétil de antiaérea de calibre


médio ou pesado atinge a fuselagem, geralmente as asas ou estabilizadores, de baixo para
cima e atravessa a fuselagem, deixando em sua saída a superfície da área estourada e o
material contorcido para fora, semelhante a um couve-flor. O P-47 Thunderbolt é conhecido
por suportar esse nível de dano, porém em outros aviões menos robustos, isto seria suficiente
para abatê-lo devido ao dano estrutural sofrido que afetava seriamente a aerodinâmica.
Coelho, também atingido, foi alvejado com uma .50 no tanque de combustível, possivelmente
em uma passagem baixa durante o ataque rasante. Devido ao tanque de combustível do
Thunderbolt ser auto vedado, self-sealing tank, este dano não seria capaz de causar vazamento
de combustível ou princípio de incêndio. Portanto, é possível que Coelho tenha notado a
avaria somente após ter aterrado na base.

Partindo de Pisa, em 11 de março de 1945, Rui com seu P-47 “Poderoso”, decolou
para uma missão que o levaria ao limite. O alvo era uma ponte de estrada de ferro em Casarsa,
local já muito conhecido pela forte presença da flak. “A missão era bombardear a ponte de
estrada de ferro. Local conhecido por todos nós pela sua pesada e acurada A.Ae.” (LIMA,
2008,p.72).

Quando da nossa chegada na área de ataque, avistamos um trem


abandonado na ponte. Identificado o alvo, Lagares comandou o ataque. Assim que
iniciei o meu mergulho, vi uma posição de A.Ae. 20mm, e comuniquei ao Lagares
que iria abandonar o ataque a ponte e iria tentar destruir a A.Ae. de 20mm.
No meu primeiro passe, contra a A.Ae., ainda com as bombas, recebi um tiro
que acertou no motor do Poderoso “matando” dois cilindros. No meu segundo passe,
já havia identificado onde estava localizada a munição da A.Ae. que foi explodida -
com perda total - pelas 8 .50 do meu avião.
Comuniquei ao Lagares que os cilindros atingidos estavam produzindo uma
chama constante misturada com fumaça, prejudicando minha visão dentro da nacele.
Para fazer o bombardeio da ponte só conseguiria de uma forma - bombardeio
planado. Este foi executado com sucesso absoluto: Destruindo a ponte e o trem que
estava lá. Em seguida, comuniquei ao Lagares que iria saltar. Lagares e a turma da
Green pediram para que eu não saltasse no local, porque os tedescos estavam me
caçando e a chance de ser alvejado ao saltar de paraquedas era muito grande.
79

Considerando que a visibilidade dentro da nacele era mínima, pedi ao


Lagares que me desse um rumo para alcançar o Mar Adriático prevendo meu salto
de paraquedas. Pelo menos lá não haveria A.Ae. e seria resgatado por um Catalina
do Serviço de Busca e Salvamento (Search and Rescue). O Lagares, ao mesmo
tempo que falava comigo, já estava em contato com o Search and Rescue. Sobre o
Adriático, com 2 cilindros a menos, e o avião trepidando muito, o D-4 conseguiu
atingir a altura de 12.000 pés. “Pode saltar Rui” era o que mais eu escutava. Eu fui
para FAB para ser piloto e não paraquedista. Comuniquei aos companheiros da
Green que não iria saltar: “Antes de saltar eu vou tentar apagar o fogo”, e sem
esperar corei a mistura, os magnetos e a bateria. Silêncio absoluto no ar! Iniciei um
piquê violento, saindo de 12.000 pés para 8.000 pés. Com o deslocamento do ar o
fogo apagou. Imediatamente, dei partida no avião. Comuniquei ao Lagares que
continuaria voando até onde desse.
Na proximidade da cidade de Forli, o D-4 começou a perder altura. A
trepidação era forte, não se via nada - o canopy estava todo coberto de óleo. Voo, só
por instrumentos e a voz do Lagares.
Minutos antes, Lagares observou que pelo estado do meu avião eu não
conseguiria passar a cadeia dos Apeninos, lembrou que estávamos próximos a Forli
e perguntou se eu não queria pousar. Concordei e rumamos para lá.
O pouso foi executado com o trem de pouso recolhido. Pousei de barriga. A
pista era curta. (LIMA, 2008, p.72).

Em toda a bibliografia utilizada nesta pesquisa, um ponto estava sempre presente: a


resiliência e confiabilidade do P-47 Thunderbolt. Inúmeros relatos de pilotos sobrevivendo a
danos catastróficos em seus Thunderbolts fizeram com que o avião fosse conhecido como
“trator voador”. Rui Moreira Lima mesmo após ter sofrido grave avaria, perdendo dois de
seus dezoito cilindros do motor, com incêndio, vazamento de óleo e sem visibilidade,
conseguiu cumprir a missão de bombardeio. Ainda por cima, decidiu por salvar não apenas a
si como também seu avião, regressando com ele à base após ter apagado o incêndio, uma
difícil decisão que exigiu enorme fibra moral e coragem do guerreiro.

4.4 Coisas da Guerra

. O Diário de Guerra de Rui Moreira Lima é uma fonte inestimável do lado humano da
guerra, infelizmente, não pôde ser estudada em totalidade devido ao escopo deste trabalho.
Mas um historiador não pode estudar a guerra e ignorar os que a cumprem.

O combate aéreo na Segunda Guerra tornou-se desejo dos que se alistaram, a ideia
romantizada de guerreiro do ar capturou a mente dos jovens. Os pilotos diferenciavam-se dos
combatentes tradicionais da infantaria, possuíam melhores condições de vida e ostentavam
um status de elite. “ [...] No entanto, aqueles que eram aceitos para voar regojizavam-se com
seu status de elite: eram alvo de adulação popular que nenhuma outra raça de guerreiros
recebia.” (HASTINGS, 2011, p.492)
80

Jovens da “geração Lindbergh” entusiasmavam-se com a ideia de pilotar


monomotores rápidos e ágeis, de um só assento, que davam aos pilotos um poder
sobre seus próprios destinos, algo incomum entre os guerreiros do século XX. Era,
portanto, irônico que muitos desses sonhadores acabassem empregados no
bombardeio aéreo de cidades, uma das características mais bárbaras do conflito [...]
(HASTINGS, 2011, p. 490).

O Passo do Brenner era sempre um alvo interessante. Fronteira. Voava-se


alto e havia uma remota possibilidade de reação aérea inimiga. Todos nós
sonhávamos com um combate aéreo. A gana de se bater no ar com o inimigo estava
dentro de nós. Havíamos sido treinados para este tipo de guerra. Era mais seguro e
mais emocionante.(LIMA, 2008, p. 33)

Ao invés da lama, do frio, do combate capaz de eviscerar o corpo humano, a arena de


combate dos pilotos era o azul do céu, a bordo de seu veloz e ágil caça, atacando seus
inimigos sem olhá-los nos olhos. “Jovens de todos os países achavam romântico fazer sua
parte na guerra como cavaleiros do ar [...]” (HASTINGS, 2011, p.490). O desejo pelo
romantizado combate aéreo contra outro piloto está presente no Diário de Guerra do Tenente
Rui, assim como a fraternidade entre guerreiros, assim como a dor causada pela guerra.

Nossa dieta diária de notícias traz relatos de derramamentos de sangue,


muitas vezes em regiões bem próximas a nossas terras natais, em circunstâncias que
negam completamente nossa concepção de normalidade cultural. Mesmo assim,
conseguimos confinar as lições da história e das reportagens em uma categoria
especial e separada de “alteridade” que invalida nossas expectativas de como nosso
próprio mundo será amanhã e o dia seguinte de alguma forma. Nossas instituições e
leis, dizemos para nós mesmos, estabeleceram tantas restrições à potencialidade
humana para a violência que, na vida cotidiana, nossas leis irão puni-la como
criminosa, enquanto sua utilização pelas instituições de Estado tomará a forma
particular de “guerra civilizada”.(KEEGAN, 2006a, p. 12)

A violência da “guerra civilizada” mostra-se sempre presente nos registros de Rui. Em


27 de janeiro, durante sua 37ª missão, os brasileiros foram ordenados a atacar tudo que se
movesse depois da bomb line. Neste missão, Rui alveja animais de carga nas estradas que
eram utilizados como transporte pelo Exército alemão devido ao racionamento de
combustível.

[...] Nesta época, já tínhamos ordens de destruir tudo que se movesse de


trens a burros. O resultado per capita foi o seguinte: Assis: 1 caminhão, 1 balila, 4
carroças e 4 mulas; Coelho: 1 caminhão, 1 balila, 4 carroças, e 4 mulas; Pamplona: 1
caminhão, 6 carroças e 8 mulas; Gibson: 1 balila, 6 carroças e 8 mulas; Torres: 2
caminhões, 6 carroças e 8 mulas; Mocellin: 1 balila, 1 motocicleta, 6 carroças e 8
mulas. Bom score para essa missão.
Confesso, e falo também em nome dos meus camaradas, era triste matar um
animal assim. Preferimos atirar em gente - alemão ou italiano fardado - do que em
indefesas mulas. (LIMA, 2008, p.50)
81

Em sua 5ª missão, Lima expressa seu entusiasmo ao ser autorizado o ataque rasante,
assim como a esperança de satisfazer seu sentimento de revanchismo contra os alemães pelos
marinheiros brasileiros mortos. Como Rui denomina o ataque dos “corsários alemães” como
“covarde”, podemos presumir que o sentimento de revanche seja específico sobre o massacre
no Mar do Nordeste cometido pelo submarino nazista U-507 entre 15 a 19 de agosto, matando
607 brasileiros, enquanto o Brasil ainda era um país neutro.

Esta missão teve como novidade a ordem para após o esclarecimento e as


esquadrilhas descerem para o straffing. Grande reboliço na Green. Todos vibraram.
Há muito ouvíamos falar que era perigoso o “ataque rasante”, mas que era divertido
também. Era a primeira chance que teria de vingar “dente por dente, olho por olho,
os nossos marinheiros metralhados covardemente pelos corsários alemães. Confesso
que estava louco para “fazer lenha”. (Lima, 2008, página)

Rui eventualmente consegue sua vingança, em sua 27ª missão, o Tenente atira pela
primeira vez em um soldado inimigo. Seu objetivo era bombardear a ponte da estrada de ferro
ao Norte de Pádua. Após o bombardeio sob flak de 20mm, o esquadrão regressou à procura
por alvos de oportunidade. Sob o eixo Montova-Regio, Lagares e Rui atacaram um jeep cada
um. Um terceiro jeep com 8 soldados alemães foi visto por Rui, que não realizou o passe em
respeito a doutrina, “[...] Não ataquei, respeitando a doutrina da Esquadrilha - primeiro passe
sempre era do Leader. No fim da guerra abolimos isso.” (LIMA, 2008, p. 39)

Enquanto havíamos passado o jeep, os alemães entraram nele outra vez e


rumaram para uma casa de 2 andares próxima a estrada, quase na margem. Foi seu
erro, pois justamente quando pararam o carro e desceram correndo, amontoando-se
na porta da casa, estava eu com as 8 .50 em boa distância para o tiro. Naturalmente
não mirei no jeep. Este, sem chofer, não andaria. A lenha foi grossa.
Pela primeira vez atirei em um soldado. Era a guerra e eu já tinha visto o
bastante para não perdoar nada. O jeep foi incendiado por mim no segundo
passe.(LIMA, 2008, p. 39)

Durante a guerra, o 1º Grupo de Caça perdeu muitos de seus pilotos. Todos os


integrantes do 1º Grupo de Caça eram voluntários e estavam juntos desde o treinamento no
Panamá, portanto, era um grupo muito unido, evidenciado pelos constantes apelidos e
brincadeiras entre missões registradas no Diário de Rui. O 1º Grupo sofreu com a falta de
reposição de seus pilotos, não recebiam contingentes de novos pilotos, portanto os veteranos
eram cada vez mais taxados e desgastados. Rui também expressa em muitas passagens a dor
do esquecimento. Segundo o documento, nos anos seguintes à guerra, os veteranos foram
tratados com indiferença pelo Ministério da Aeronáutica e esquecidos pela sociedade
brasileira.
82

No ataque ao campo, o Santos trouxe uma marca do 20mm de Ghedi.


Santos está hoje em Pistóia. é um dos heróis esquecidos do 1º Grupo de Caça.
Morreu em combate quando atacava depósitos de munição próximo a Udine.
Quando aterrei tive a notícia da perda do gaúcho Assis. Fiquei maluco de
raiva. Tive vontade de voltar para metralhar tudo que se movimentasse do lado de lá.
Lagares e Meira só faltaram chorar. Era um elemento que a Green não poderia
substituir. Foi atingido ao Sul de Milão indo saltar depois de cruzar o Pó a Sudeste
de Piacenza. (LIMA, 2008, p. 51)

Enquanto tivemos uma missão pacata, Joel e Danilo, que no momento era
seu ala, saltaram de paraquedas em virtude do cerrado flak de Castelfranco. Ficamos
tristíssimo porque só foi visto um paraquedas aberto. Ninguém contava mais com o
Danilo, pois foi justamente o dele que ninguém viu abrir-se. Pulou no dia 4
regressando depois de enfrentar mil perigos no dia 28 de fevereiro. Valendo-se de
grande determinação moral, coragem, força de vontade e grande senso de
improvisação.
O Joelito Ardoroso por lá ficou até o fim da guerra, combatendo ativamente
com os partisans, passando por um mundo de peripécias também. Poucos homens
conheço com tamanha coragem e sangue frio. Hoje Joel é major reformado. Nada
lhe valeu o sacrifício e as provações do combate. Tantas injustiças sofreu que
preferiu sair da “gloriosa” e se empregar lá fora como piloto civil.
Esta é a gratidão da pátria! Seus heróis são esquecidos com muita facilidade,
até parece que há interesse em riscá-los.
Minha FAB, o mundo já está marchando para uma 3ª conflagração. Cuide
mais dos seus rapazes que tiveram a experiência do combate. Eles ainda lhe poderão
ser úteis. Estou entre eles e sei qual a diferença entre o novato e o veterano. (LIMA,
2008, p.53)

O jovem Tenente Rui Moreira Lima realizou 94 missões de guerra em seu P-47
Thunderbolt como piloto do 1º Grupo de Aviação de Caça. Sua guerra começou em 6 de
novembro de 1944 e terminou em 1 de maio de 1945. Totalizando 199 horas e 39 minutos em
voo.
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5 Considerações Finais

Esta pesquisa teve como objetivo analisar analisar a evolução tecnológica e doutrinária
do Republic P-47 Thunderbolt como caça-bombardeiro e sua utilização em combate pelo 1º
Grupo de Aviação de Caça Brasileiro durante a Guerra Mundial 1939-1945, acrescido de
fatores externos que influenciaram seu desenvolvimento e atuação.

Com base nos resultados encontrados no desenvolvimento da pesquisa, pode-se indicar


que o objetivo proposto foi alcançado.

Entre os principais achados, tem-se que o desenvolvimento tecnológico do P-47


Thunderbolt foi influenciado pela doutrina de caça-bombardeiro na qual seus pilotos estavam
inseridos. Seu projeto inicial, P-47B, foi entregue à unidades da linha de frente como um caça
interceptador de alta altitude. Ao ser operado por grupos de caça americanos baseados na
Inglaterra que cumpriam missões de escolta, as versões iniciais mostraram-se deficientes em
alcance, resultando nas subsequentes versões produzidas pela Republic terem maior alcance
por meio de tanques alijáveis. Após a definição do P-51 Mustang como caça de escolta
estratégico, o P-47 Thunderbolt é transferido para as Forças Aéreas Táticas. O 57th Fighter
Group ao receber seus P-47, julga o caça incapaz de realizar missões de caça-bombardeiro
pois não podia ser armado com bombas, portanto o grupo improvisa modificações para que o
caça possa cumprir as missões que o Grupo era encarregado. Tais modificações são então
padronizadas pela Republic, tornando o P-47 Thunderbolt em um verdadeiro
caça-bombardeiro no quesito tecnológico como arma de guerra.

No que tange a doutrina tática de caça-bombardeiro, esta foi desenvolvida a partir dos
ensinamentos da DAF ao 57th Fighter Group durante a campanha no Norte da África;
aplicados com base nos pontos positivos e negativos do P-47 Thunderbolt descobertos pelos
grupos de caça da Eighth Air Force em seus combates sob o Canal da Mancha contra o
Messerschmitt Bf 109.

No tocante ao contexto macro, a doutrina de caça-bombardeiro foi desenvolvida e


aperfeiçoada no Teatro de Operações do Mediterrâneo. O bombardeiro aeronaval à Ilha de
Pantelleria inspirou os comandantes da M.A.A.F. a planejar campanhas de interdição aérea
para superar as linhas defensivas alemãs na Itália. Os resultados obtidos pelos grupos de P-47
Thunderbolt comprovam sua eficácia como aeronave de ataque ao solo, sendo restringido
apenas pelas limitações operacionais às quais estavam sujeitos.
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O estudo de caso realizado através da fonte narrativa “O Diário de Guerra” de Rui


Moreira Lima, identificou no documento que as táticas utilizadas pelos pilotos brasileiros em
1945 foram influenciadas e herdadas de um processo histórico anterior. Também foi levantado
como a evolução tecnológica do armamento afetou o combate. Por fim, foi demonstrada a
contribuição brasileira na doutrina de caça-bombardeiro americano, evidenciado pela criação
da tática bombardeio em Linha de Frente que foi adotada pelo 350th Fighter Group.

Os resultados aqui apresentados oferecem evidências sobre a evolução tecnológica e


doutrinária do P-47 Thunderbolt como instrumento de guerra. Assim, este estudo contribuiu
para o desenvolvimento da doutrina de aviação de caça brasileira, ao realizar o levantamento
de sua herança.

Como contribuição para a História Social, o estudo do testemunho narrativo de Rui


Moreira Lima reconstitui a experiência brasileira na Segunda Guerra Mundial sob a memória
de um jovem piloto combatente. Assim como a reconstituição da experiência passada do
combatente em batalhas, operações e o ethos guerreiro.

No que tange às limitações, pode-se destacar a ausência integral de um teatro da


guerra. A ausência do Teatro de Operações do Pacífico limita essa pesquisa na compreensão
total da evolução do P-47 Thunderbolt, teatro este de suma importância considerando que o
último modelo de fabricação do Thunderbolt, o P-47N, atuou exclusivamente no Pacífico.
Devido ao escopo deste trabalho, a abordagem da complexa guerra aeronaval no Pacífico
demandaria demasiada atenção e espaço nas limitadas páginas desta pesquisa, além de destoar
da narrativa histórica que abarca o 1º Grupo de Aviação de Caça Brasileiro na Itália.

Outra limitação constatada foi a falta de profundidade ao abordar o Norte da África e a


Desert Air Force ao considerar que foi esta a responsável pela doutrina de caça-bombardeiro
ensinada aos americanos e brasileiros. O tema não foi abordado devido ao escopo do trabalho
e ao enquadramento do estudo de caso. O estudo aprofundado das táticas da DAF e sobre a
guerra no Norte da África, seria um desvio da pesquisa original.

Acerca das limitações teóricas do trabalho, destaco a ausência do teórico do poder


aéreo Giulio Douhet, que devido ao tempo em que este trabalho foi realizado, não foi possível
um estudo aprofundado e confiante o suficiente para utilizá-lo satisfatoriamente.

Acerca das limitações documentais, destaco que não foi possível, devido ao escopo
deste trabalho, analisar as 94 missões de Rui Moreira Lima em sua totalidade, sendo
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necessário selecionar as julgadas mais relevantes para a pesquisa. Outra limitação documental
foi a impossibilidade de consulta ao 350th Fighter Group Daily Report, fonte esta necessária
para o compreendimento da atuação do 1º Grupo de Caça Brasileiro por ser o registro diário
de todas as missões realizadas pelo Grupo de Caça Brasileiro e pelo Fighter Group a qual
estava subordinado.

É importante ressaltar que estes resultados não são conclusivos. Sugere-se, portanto, a
pesquisa englobando o histórico de combate do P-47 Thunderbolt no Teatro de Operações no
Pacífico e sob os países que o operaram, para que assim possa se ter a compreensão da
atuação do Thunderbolt na Segunda Guerra Mundial em sua totalidade.

Posto isto, em relação às futuras pesquisas, recomenda-se o aprofundamento nas


origens das táticas doutrinárias de caça-bombardeiro iniciadas pela Desert Air Force, em sua
guerra no Norte da África contra as forças do Eixo. Tendo em vista a possibilidade de esta ser
a precursora da doutrina de ataque ao solo vigente nas Forças Aéreas Ocidentais.

Outra possibilidade de futura pesquisa é a eficácia do P-47 Thunderbolt sob os limites


operacionais impostos pela Operation Strangle. Segundo a pesquisa de Sallagar (1972),
previamente apresentada neste trabalho, o maior impacto e êxito da Strangle foi à restrição da
mobilidade tática dos Exércitos alemães, porém este resultado foi inconsequente, já que o
objetivo principal era a interrupção do fornecimento de suprimentos. Portanto, apesar de o
Thunderbolt ter alcançado excelentes resultados dentro dos moldes operacionais da Strangle,
o quão limitada foi sua atuação no ataque ao solo, uma vez que os grupos de caça realizavam
a intercessão longe da linha de frente?

Futuros estudos sobre a fonte “O Diário de Guerra” de Rui Moreira Lima, poderão
ampliar a compreensão do combate na escala pessoal, assim como levantar táticas e doutrinas
da aviação de caça brasileira e a maior compreensão do ethos guerreiro dentro do 1º Grupo de
Caça. A pesquisa do Diário apoiado pelo 350th Fighter Group Daily Report pode ser o ponto
de partida de um trabalho sobre o pertencimento do 1º Grupo de Caça dentro do contexto
macro quando inserido nas operações da Mediterranean Allied Air Force.

Por fim, sugerem-se pesquisas tanto sobre o P-47 Thunderbolt quanto o 1º Grupo de
Aviação de Caça, apoiadas por teóricos da aviação militar. As ideias e conceitos de Giulio
Douhet fundamentam quaisquer estudos sobre a eficácia do poder aéreo.
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