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Erik Matteo Lohan

“Sempre que me questionam sobre o que alguém com a idade ainda tem a temer, eu
respondo sem nenhum pesar nas palavras – A guerra –.”

Eram anos de sonhos sendo realizados aqueles, quando tinha meus 17 anos e fui convocado
pela Grande Academia de Dandelaria para representar os esforços da aliança das Nações das
Novas Terras para impedir a expansão territorial de Darengar sobre o Arquipélago Lúgubre.
Jovem e, pelo menos assim me considerava, muito bem treinado e preparado para o combate
real me dispus prontamente a navegar no Raio da Alvorada, nome do navio que nos levaria
até o local, junto de mais outros 10 companheiros de academia e pelo menos 300 homens de
diversos outros lugares. A viagem fora muito calma, com alguns momentos de dificuldade
devido à falta de vento, era como se o mar parasse de respirar por algumas horas e em
seguida sibilar os ouvidos de todos como uma traqueia velha escarrando o navio para frente.
Ao aportar nas areias de Lúgubre, pude enfim entender o motivo do seu nome, era negra,
como o breu da noite recobrindo a paisagem, limpa, pura, e leve como qualquer outra areia
passava entre os dedos sem que um único grão grude na sua pele. A brisa salgada entrando
pela narina, agora muito menos incômoda do que os sentidos nos últimos 45 dias em que
velejávamos, era agradável, e logo descobriria o significado da expressão “a tranquilidade
antes da tempestade”.
- Vamos Erik, vai ser divertido fazer algo diferente na praia, não há inimigos, e
precisamos relaxar antes de começar a fazer nosso nome ser mencionado em grandes
histórias por menestréis - era o que Musik me dizia, tentando me convencer a ir com
um grupo de manipuladores da teia do norte da Fissenia -
- Não, Musik, a ordem é clara para não alarmarmos nenhum grupo de inimigos ou
aliados. Qual seria o sentido de não fazer uma fogueira se você vai querer se divertir e
fazer barulho?
- Olha, se você quer correr o risco de morrer e não ter aproveitado alguns momentos
com uma garota antes disso, o problema é totalmente seu, te vejo amanhã então
senhor certinho, e quem sabe te explique a sensação de um carinho nas bolas que não
seja sua armadura de metal frio roçando por baixo.
E naquela noite, por um erro estúpido e crasso de jovens na puberdade com uma estranha
necessidade de pôr tudo em risco por alguns momentos de tesão e prazer, o inevitável
aconteceu, orcs e meio orcs com pintura negra camuflada por todo o corpo se aproximaram
mesclados com a areia, invisíveis aos olhos humanos. Cercados, de todos os lados, com um
pelotão a menos para lutar, exatamente na troca de guarda, eles surgiram formando um
círculo no acampamento e um quadrado maior com machadinhas e flechas sendo atiradas no
acampamento. Fogo, sangue, gritos de agonia e dor e, por fim, silêncio.
Eu mesmo havia sido golpeado no rosto, veja bem essa cicatriz, e quase não sobrevivi se não
fosse por aquele pelotão de desgraçados arruaceiros que, ao retornarem da sua orgia,
encontraram um acampamento destruído e alguns poucos que sobreviveram por algum
motivo, e graças a eles garantiram essa sobrevivência.
Voltamos para casa, e jamais me esquecerei da sensação das areias do Arquipélago Lúgubre,
pelo meu rosto, dorso exposto pela armadura quebrada, e meus pés precisando de um enorme
esforço para cada passo pelo peso de cada grão de areia embolado em grandes emplastros de
sangue e suor.
“- Nunca foi coragem, a idade nos traz sabedoria pra escolher qual batalha vale a
pena lutar”
Hoje nos meus 38 anos eu ouço as trovas em nome da minha companhia e sinto tristeza,
percebo que aqueles que nem sequer estavam na batalha foram os mais vangloriados pelos
feitos naquela noite, e me faz recordar e reviver cada instante todas as noites quando vejo
meu reflexo, sinto meu rosto, percebo aquela cicatriz me oprimindo e resgatando a
juvenilidade do meu eu de 15 anos. Durante a viagem fizemos uma prática: anotamos todas
as vontades que tínhamos em vida para que, caso algo acontecesse, os remanescentes ou
quem encontrasse o caderno pudesse realizar. E hoje minha missão é fazer a vontade de meus
companheiros, honrar seus nomes e mencioná-los em cada trova que disserem sobre aquele
dia.

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