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Primeiro Actor: E o que é que fazemos? Já é muito tarde.

Segundo Actor: (em voz baixa) Ocorreu-lhe fazer um ensaio geral com convidados, e
não aparece!

P.A.: Estará doente?

Terceiro actor: Penso que não, avisar, não avisou.

Primeira Actriz: (Aproximando-se do grupo) As pessoas estão a ficar impacientes, e o


encenador não aparece!...

P. A.:E o que é que queres que façamos?

P. Actriz: Eu acho que é de começar...

P. A.: E fazer tudo de inicio quando apareça sua Exa o atrasado? Ai, não!

P. Actr.: (Em voz baixa) São quase todos crianças. Olha como já se estão todos a mexer
nas cadeiras! Se esperarmos muito mais, vão começar a atirar coisas uns aos outros, e
ainda nos destroem o teatro! Pelo menos passamos o texto...

P.A. :Está bem. Comecemos. Mas quando chegar o sr. Encenador vai ter que ouvir
umas quantas coisas! (Para uma actriz) Esse espelho não é aí! E essa cadeira também
não! (Furioso, coloca a cadeira no sitio certo e a actriz leva o espelho para fora do
cenário) Todos aos seus lugares, comecemos! (A gritar para a cabine de som e luzes.)
Luzes, por favor comecemos!

Técnico de luz: Sem o Encenador?

P.A.: (Em voz baixa) Este é surdo... (Grita) Sim!

T.L.: Está bem ( Faz-se um blackout e ouve-se bater três vezes com um pau no chão e
uma voz em off, supostamente a voz do oficial de diligencias) O. D.: Os esquecidos, os
figurantes, os silenciosos dos contos infantis, contra os autores desses contos! Todos de
pé, eu disse todos não disse alguns, todos de pé! Sua Exa. O sr. Dr. Juiz Lobo, vai
presidir a este julgamento! (Luz sobre a secretária do Juiz Lobo, ouve-se do lado dos
bons insultos, e do lado do maus ouvem-se aplausos e vivas, entra o juiz e quando este
se senta, todos o imitam)

Juiz Lobo: (acomoda-se na sua cadeira, demasiado “dono e senhor”, e quando vai a
falar, em vez de palavras, emite um grande uivo, que, confuso, corta de repente e tenta
disfarçar tossindo.) Queira levantar-se o sr.... (põe os óculos e olha para um papel.)
Andersen? (Andersen põe-se de pé)

Juiz Lobo: Nome Completo?

Andersen: Hans Cristián Andersen.

J.L.: Nacionalidade?
And.: Dinamarquês.

J.L.:Hummm... Parece que desse pais não sai muita coisa boa... Não era da Dinamarca
aquele Príncipe louco que matou toda a gente e terminou por se suicidar? Como é que
ele se chamava, Hamlet? Da história do sr. Shakespeare. Sim, penso que sim, mas não
estamos aqui para julgar o sr. Shakespeare! Idade?

A.: Indefinida.

J.L.: Mas está a brincar com este tribunal? Vamos responder com seriedade ou vai
sofrer as consequências!

A.: Bom, quando morri, em 1875, tinha 70 anos.

J.L.: Morreu?

A.: Sim em 1875.

J.L.: (A gozar) não me diga... Você então pertence ao séc. Passado?

A.: Ao séc. passado, não, se me permite sr. Dr. Juiz, como já estamos no séc. XXI
pertenço à 2 séc. atrás, ao séc. IXX.

J.L: E como é que está aqui... vivo?

A.: Da mesma forma que você, que também não existe.

J.L.: Como que não existo? Quem é que comeu a capuchinho vermelho e continua a
comer cada vez que uma criança volta a ler o conto?

A.: O Lobo Mau.

J.L.: E eu quem sou?

A.: O Lobo Mau, suponho.

J.L.: Então existo!

A.: Da mesma forma que eu!

J.L.: Bom, bom! Isto é demasiado complicado! Estamos aqui, não estamos?

A.: Sim... Sabe, o teatro tem destas coisas...

J.L.: Não se arme em esperto! Essa atitude em nada o vai favorecer! Estamos num
tribunal, e não no teatro! Isto é um julgamento! Um julgamento contra você!

A.: Não me diga? E o que pretendem? Matar-me?


J.L: Há coisas piores...

A.: Por exemplo?

J.L.: Esquecê-lo... ou conseguir que os seus contos se confundam com os de outro


autor...

A.:Você não é bobo, ãh? Perrault deu-lhe essa sabedoria toda? (olha para Perrault que
baixa a cabeça negando)

J.L.:São duas perguntas. E supostamente aqui quem faz as perguntas sou eu... Mas sou
educado e vou-lhe responder.
Primeira. Não, não sou bobo! Porque pensa que me elegeram juiz?
Segunda. Não, Perreault só me deu esta cabeça, assustadora, estes caninos, este salivar
incessante quando penso em certa menina vestida com um capuchinho vermelho, e
sobretudo deu-me uma reputação de malvado que nunca vou poder alterar, nem que
presida a mil julgamentos como este. (Perreault sorri dissimuladamente)

J.L.: (Furioso, apontando com o dedo para Perreault) Vejam, vejam como se ri! Festeja
o seu invento! Juro-te que hoje mas vais pagar (emite um pequeno grunhido de fúria,
compõe-se e limpa a baba com a toalha) Sigamos! Profissão?

A.: Escritor.

J.L.:E o que é que escreve?

A.: Contos.

J.L.: Contos para crianças?

A.: Sim.

J.L.: Para crianças... Crianças!? Ou para crianças já não tão crianças?

A.: Não entendo...

J.L.: Eu entendo-me! E uma certa pessoa que está entre vocês, tenho a certeza que
também me entende! Mas sigamos! Sabe de que é acusado?

A.: Não!

J.L.: De ser um mentiroso.

A.: Todos os escritores o são, é parte do nosso trabalho, do nosso ofício.

J.L.: É Acusado de arruinar, com as suas mentiras, a reputação de muita gente. A


mesma acusação pesa sobre os seus companheiros e sobre todos os que, como você,
escrevem! Advogada, tem alguma coisa a dizer?
Advogada: (para os espectadores) Senhores do jurado, estarão espantados, seguramente,
do meu tamanho. Quero, em primeiro lugar, pedir-lhes que não me confundam com
esses personagens escuros e cheios de ambição, aos quais só interessa ouro e pedras
preciosas. Estou a referir-me, naturalmente, e como já devem ter reparado, às sete
criaturas disformes de “Branca de Neve”. Verão em seguida, que a insignificância da
minha estatura é inversamente proporcional à minha inteligência. Eu não nasci assim,
devo confessar, na realidade, estou gasto de tanto defender a estes honrados Srs., e
outros como eles, das calúnias, das acusações sem fundamento de todos os maus e
perversos dos contos! (vira-se para os Juiz) Enfim protesto, V. Exa., protesto pelo
tratamento que tem sido dado ao acusado, que me parece inadequado! Está a ser tratado
como se fosse culpado, quando este julgamento se celebra para determinar se
efectivamente é ou não culpado! E até que isso não se demonstre é inocente e tem que
ser tratado como tal!

J.L.: Errado, é culpado! Porque é que pensa que fui nomeado Juiz, se não fosse para o
condenar de antemão?

Adv.: Senhores do jurado. Na realidade, não sei porque estou aqui, nem qual a minha
função, já que isto, não é de maneira nenhuma um julgamento, mas sim uma farsa!
Vejam, se não, quem é o Juiz! Poder-se-á confiar numa sentença justa ou pelo menos
humana, quando o palco da justiça está ocupado pela BESTA? Pelo ser mais terrível,
sanguinário, malvado que a imaginação pode conceber?

J.L.: O srª Advogada tem a liberdade de exercer a defesa, ou não? Se está onde está,
ninguém a obrigou! Não será que estes três Srs. lhe pagam bem? Ninguém a obriga,
minha querida! Vá-se embora se quer! Os seus argumentos já são mais do que
conhecidos, e não vai ser você, quem vai deter este julgamento. Porque, quem é hoje a
acusação? Os que passaram por culpados! (aos espectadores) Trata-se de uma revisão
histórica, meu queridos amigos! Os culpados, os feios, os malditos, foram realmente
assim? Disso nos vamos ocupar neste julgamento! E os bons, foram assim, tão, tão
bons? Tchan, tchan, tchan, than! Também isso se verá neste julgamento!
_________________________________
Adv.: V. Exa. Sr. Dr. Juiz, desculpe mas, protesto!

J.L.: Proteste tudo o que queira, mas com a boca fechada! (deixa de prestar-lhe atenção
e a falar para os réus) Sr. Andersen. Que contos escreveu?

A.: “O soldadinho de chumbo”, “A Pequena Sereia”, “O Patinho feio”...

J.L.: Blhac!!! Basta, mais que suficiente! Merece a forca! Pode sentar-se! Ponha-se de
pé o Sr.... (consulta de novo o papel) Grimm... (Grimm levanta-se)

J.L.: Nome completo?

Grimm: Guilherme Grimm.

J.L.: E o seu irmão?

G.: Está bem, obrigado.


J.L.: Outro espertalhão! Porque é que o seu irmão não está aqui? Ele tinha com você
uma espécie de... empresa ou sociedade, ele também escrevia...

G.: Eu represento os dois.

J.L.: Está bem, de qualquer forma serão os dois condenados! Sr. Grimm, creio que
podemos saltar as formalidades anteriores. Suponho que você também morreu à muito
tempo, crê que está num teatro e não num julgamento, onde vai ser condenado por um
tribunal tão implacável, que nem sequer em sonhos pode ser concebido. Você escreveu
contos?

G.: Sim.

J.L.: Pode dizer quais?

G.: “Branca de Neve e os Sete Anões”, “Hansel e Greetel”...

J.L.: Bastam esses! Algum de vocês sabe tocar viola?

(Os réus olham-se entre eles)

A.: Sim, eu sei!

J.L.: Então pegue nesta e acompanhe-me...

J.L.: Aqui a Gata borralheira


Não passa de uma empregada
E A Bela adormecida
Mente,
Tem insónias...
Seu príncipe valente
Está no manicómio

Aqui Capuchinho vermelho


Dorme no INEM…

J.L.: Os julgamentos, hoje em dia, são muito chatos, às vezes à que animá-los um
pouco… Pode sentar-se Sr. Grimm. Ponha-se de pé o Sr. Perrault.
Olhe Sr., falar de certo tema com você… Seria hipócrita… Já nos conhecemos bastante
bem… Você fez comigo coisas horríveis, primeiro fez com que eu comesse uma
velhota, com o sabor que você sabe que têm os velhos além de que são muito duros, não
são nada tenros, pode ter a certeza. Depois obrigou-me a comer uma menina e
finalmente mandou o caçador abrir-me a barriga. Mas não se preocupe, não vou
testemunhar contra você. Chega e sobra com os testemunhos que vamos ouvir. Por
agora responda apenas a uma pergunta: Você escreveu, sim ou não, “Capuchinho
Vermelho”?

Perrault: Sim.
J. L.: (emite um uivo de raiva) Você é o responsável pela minha deplorável reputação.
Contra você, não há um julgamento, caro autor! Não espere de nós os Lobos, as Bruxas
e os Ogres, semelhante consideração! Contra você há uma vingança, uma vingança
pessoal, acarinhada durante quase duzentos anos! O que é que lhe parece?! Sente-se e
espere pelo pior! Agora imagine o mais terrível dos castigos que se possa dar aos outros
delinquentes e pense, pense só, que esse castigo seria um doce quando comparado com
o que você vai receber!
E passemos a outro assunto, porque se continuarmos a falar acho que vou vomitar!
Arrg, Blhac! A primeira testemunha por favor.

O.L.: O Ogre, contra o autor Perrault! O Sr. Ogre passa a testemunhar!

J.L.: Queira fazer o favor de se apresentar, senhor. Nem todos os presentes o conhecem.

Ogre: Senhor Juiz, (virando-se para o publico) Srs. do Jurado, eu sou o Ogre do “Gato
das botas altas”. Este Sr. (assinala a Perrault) favoreceu um delinquente e despojou-me
de todos os meus bens!

J.L.: A que delinquente se refere, pode aclarar?

O.: Falo do Gato das Botas Altas, o gato do Marquês de Carabás, a quem o Sr. Perrault
fez o herói do conto, aquele gato que me pediu para me transformar em rato, para me
comer e apoderar-se do meu castelo e de toda a minha fortuna!

J.L.: Não estou a ver bem o episódio… Acho que o estou a confundir com um outro que
envolve uma menina de capuchinho vermelho…

O.: Isso é outro conto! Não queira ser sempre o protagonista! Se quer testemunhar, faça-
o na sua vez! Estou a falar, repito, do “Gato das Botas Altas”, não leu o conto?

J.L.: Sim, quando era muito pequenino, acho que a minha mãe me leu alguma coisa
assim… Vocês lembram-se do conto do “Gato das Botas Altas”?

Público: SIM, NÃO

J.L.: Queira recordar-nos por favor. È que é um conto muito antigo e não é tão
importante como o do “Capuchinho Vermelho”…

O.: O.K.. O Gato do conto, era um simples gato… bah! Um gato um pouco mais
inteligente que os outros gatos, tenho que o admitir, mas um gato. O dono do tal gato,
era um pobre diabo, o filho do moleiro… E ocorreu-lhe, ao gato, ganhar o apreço do
Rei, para casar o filho do moleiro com a princesa e assim fazer o casamento do séc.!
Começou por dar graxa ao rei, sempre que caçava um coelho oferecia-lho, caçava
perdizes e dava-lhas… Um dia, quando o gato soube que o rei iria passear com a filha à
beira rio, fez com que no momento em que chegassem, o filho do moleiro estivesse a
afogar-se, para que os servidores do rei o fossem salvar e assim poder aproximá-lo da
princesa. Os criados do rei tiraram, o pobre diabo, da água e vestiram-no com roupas
secas do rei, e claro com esses trajes mais parecia um príncipe! “Este é o meu amo, o
Marquês de Carabás”, disse o gato, “ Foi ele que lhes enviou, de presente, os coelhos e
as perdizes, Majestade.” Foi assim que a princesa, que era uma pinga amores, se
apaixonou pelo jovem…

J.L.: Vá directo ao assunto.

O.: É já a seguir, V. Exa., é já a seguir. O Rei, agradecido pelos presentes, convida este
jovem mentiroso e ao seu gato, a dar um passeio. O gato adianta-se, e chega ao meu
castelo, pede para falar comigo e eu recebi-o com toda a cortesia, conversa puxa
conversa até que me pergunta se sou transformista, como V. Exa. Sabe, é a minha
especialidade, posso transformar-me no que quiser, quer que lho demonstre?

J.L.: Não é preciso, não é preciso!

O.: Eu tinha aprendido a arte do transformismo no Egipto, com magos alexandrinos, e já


sabia uns quantos truques. Foi então que o gato me perguntou: “Pode o Sr. Ogre,
transformar-se em leão?” V. Exa., Insisto que é importante para o testemunho, que
demonstre do que sou capaz. Posso?

J.L.: Está bem, mas rápido…

O.: (Diz umas quantas palavras mágicas e troca de máscara, aparecendo com uma
cabeça de leão.) Está a ver?

J.L.: É suficiente, continue, por favor.

O.: Com esta cara?

J.L.: É melhor com a outra. Prossiga.

O.: Como estava a dizer, O gato perguntou-me se me podia transformar em leão. “Não
posso?”, respondi, e transformei-me em leão e lancei um rugido tão poderoso, que o
gato até voou pelo ar e foi bater contra uma janela. Quando se recuperou, estava cheio
de medo, mas não tinha perdido a sua astúcia, então perguntou-me se também me podia
transformar num rato, como era um animal mais pequeno deveria ser muito mais difícil.
“Ai não posso?” respondi e imediatamente me transformei em rato e depois comeu-me!
Engoliu-me de uma só vez! Quando passou o Rei pelo castelo com a princesa e o filho
do moleiro, o gato recebeu-os com toda a pompa e circunstância, dizendo-lhes que esse
era o castelo do seu Amo, O Marquês de Carabás. O Rei não duvidou mais e deu-lhe a
mão da sua filha, e aproveitaram o banquete que eu tinha preparado para uns amigos
que me iam visitar para ser o banquete do casamento!

J.L.: E o que reclama, o castelo?

O.: Não, a injustiça vai bastante mais longe do que um castelo! Trata-se de uma atitude,
o gato comeu-me, abusando da minha boa fé e ninguém disse nada! Para todos, esse
acto foi uma coisa corrente, honrável até! E o que é que eu tinha feito? Parece que basta
ser um Ogre, para que nos possam eliminar de um conto sem que ninguém diga nada.
Além disso a quem é que chamamos Ogre? Aos seres sanguinários, ferozes, perversos…
Mas era eu um perverso? Não! Em nenhuma parte do conto é dito que eu era mau! Mau,
foi o gato que me comeu, diria mesmo que foi antropófago! Eu tinha matado alguém?
Também não. Qual foi, então, o meu pecado? Penso que ser feio, sim porque reconheço
que não sou liiiindo, mas o que é que eu podia fazer? Bem podia fazer uma plástica,
mas olhe para a Manuela Moura Guedes, não lhe valeu de muito e isso custa dinheiro e
eu estava arruinado! … O mais importante é que estes senhores, os autores, não só nos
fazem feios como maus! E eu não sou mau, não há nada no conto que prove isso!

J.L.: Como é isso? Não estou a entender nada!

O.: Quero dizer, que quando via a pena desse senhor (assinala a Perrault) a deslizar pelo
papel eu até tremia de medo do que ele pudesse escrever e eu sem poder fazer nada…

J.L.: Sr. Perrault, não fuja à responsabilidade. Queremos saber o que pensava o Ogre,
enquanto você escrevia o que ele ia fazer.

P.: Mas se eles dependem de mim! Se eu não escrevo eles não vivem, não
compreendem?
Eu se quiser até os posso matar e faze-los ressuscitar passado um bocado… Eu sou
Deus para essas criaturas, Deus!

J.L.: Impressionante, mas não estamos aqui para aplaudir a sua magia… Podemos
continuar? Sr. Ogre prossiga, por favor.

O.: Mas Sr. Autor, hoje já não é bem assim, já não dependemos da sua pena, nós
estamos aqui, isto que fazemos e dizemos não foi você que escreveu, nem ele, nem ele.
(apontando para os outros autores) E porque estamos aqui? Porque nos tornámos
independentes, porque estamos na imaginação destas crianças. E enquanto eles vivam
nós viveremos!

J.L.: Bom, bom, não se ponha sentimental, agora! Onde é que quer chegar?

O.: Quero demonstrar que nem naquele momento, em que ele escrevia o conto,
dependíamos completamente dele. Quando este senhor escrevia:”Também me disseram,
disse o gato, que podias transformar-te em seres mais pequenos, num rato, por
exemplo”, eu pensava, e pensava com total independência do autor: “ Para mim é mais
fácil transformar-me em rato do que em leão, mas não quero! Este desalmado está é a
fazer-me uma armadilha, para me comer! Acha, V. Exa., possível que alguém, por mais
palerma que seja, que não entenda que não deve transformar-se em rato, quando tem
diante de si o pior inimigo dos ratos, um gato? È como se uma menina inocente,
aparecesse no meio de um bosque, frente a um lobo!

J.L.: Nada de alusões a outros contos! Ou vai custar-lhe muito caro!

O.: Desculpe, V. Exa., não encontrei outro exemplo. Quero dizer… Eu sabia que era
uma armadilha e que acabaria na boca do maldito gato, mas não podia parar-lhe a mão,
por mais que pensasse não podia deixar de obedecer à vontade da maldita pena. E o gato
comeu-me, não porque eu o desejasse (quem o iria desejar?), mas porque o autor assim
o escreveu. Esta é a minha história. Peço Justiça!

J.L.: E o que deseja?


O.: Um pedacinho.

J.L.: Um pedacinho de quê?

O.: Desse senhor. (assinala a Perrault) Não irá come-lo todo, não?

J.L.: Aqui ninguém vai comer ninguém! Esses tempos já passaram! (Enxuga a baba com
a toalha) Pode retirar-se, senhor Ogre. Que entre o próximo!

O.L.: A Bruxa de “Hansel e Gretel”, contra o autor, O Sr. Grimm!

J.:l: (Esconde-se, e quando levanta a cabeça) E o que é isto?

Bruxa: Pode não fazer palhaçadas, Sr. Juiz? Por acaso acha-me repugnante? (muda de
máscara) Assim está melhor?

J.L.: Não, não! Tire isso, não pretenda mudar as circunstâncias, olhe que o autor do seu
conto está a vê-la! Isso não a favorece na acusação que vai apresentar. A impressão que
a sua verdadeira cara nos provoca, não vem ao caso! Tire essa máscara.

B.: Qual?

J.L.: Qual haveria de ser? A que meteu!

B.: Tenho várias! Esta? (tira a máscara da mulher bonita)

J.L.: Assim está bem… Bah, bem é uma forma de expressão…

B.: Ou esta? (tira a cara de bruxa e põe uma ainda mais feia)

J.L.: Um momento, um momento! Está a brincar com este tribunal? Nada de


brincadeiras hein! Parece que hoje todos querem mostrar as suas habilidades! Ai querem
brincar? (mete uma máscara de cordeirinho e todos gritam de espanto) Assim está
melhor? (olha-se a um espelho) É uma boa máscara, um cordeirinho é um bichinho tão
lindo, não é? Inofensivo, não come CARNE! (lambe-se e limpa a baba) Chega de
brincadeiras! (tira a máscara de cordeirinho) Senhora Bruxa, deixe-se de coisas e vamos
ao que de verdade interessa, volte ao seu lugar, que aqui não estamos no circo! Não,
espere um momento. Sr. Grimm, esta é a bruxa de Hansel e Gretel?

G.: Pode ser.

J.L.: Pode ser? Então não tem a certeza?

G.: Na realidade, não me interessa tanto a sua cara, mas sim o seu carácter. Trata-se de
um ser malvado, e um ser malvado até pode ser muito bonito… De aparência, quero
dizer.

J.L.: Mas se também é feia por fora, é melhor, não? Mais convincente, pelo menos foi
assim que o fizeram todos vocês, tiveram sempre o cuidado de a um ser malvado
corresponder uma aparência feia… Feio = Mau, não?
G.: Talvez.

J.L.: Hummmm! Senhora Bruxa, prossiga, se faz favor.

B.: Eu tinha uma casinha no meio do bosque…

J.L.: Todas as casinhas dos contos são no meio do bosque, por isso não esteja para aí a
dizer coisas que toda a gente sabe! Passe ao que é importante, por favor.

B.: Uma casinha de chocolate, de açúcar, de caramelo…(chora)

Adv.: Senhores do Jurado! Não se deixem impressionar com as suas lágrimas de


crocodilo! Sabemos muito bem como era essa casa! E sabemos também (sabemos
porque lemos), que essa casa não passava de uma armadilha para as crianças entrarem
nela. E lá dentro esperava-os esta bruxa, perversa, para os engordar e comer de seguida!

B.: Quer parar de dizer parvoíces?

Adv.: Sr. Dr. Juiz, exijo que se tenha mais respeito pelo advogado de defesa!

J.L.: Não diga mais parvoíces…. (para a bruxa) Prossiga.

B.: Protesto, Sr. Dr. Juiz! Em nenhuma parte do conto se diz que eu tenha comido
alguém.

Adv.: Escreve-se que tinha fabricado uma casa de caramelo…

B.: Caramelo, chocolate e açúcar…

Adv.: Basta! Escreve-se, estava a dizer, que a casa atraía as crianças e que aí as comia!
Quer dizer, que se deixa entrever, que já tinha comido vários!

B.: Isso são coisas infundadas do autor, no conto eu não comi ninguém! Era só a
brincar.

Adv.: Brincadeira? Brincadeira, foi o que disse? Não fechou o Hansel numa jaula para o
engordar e come-lo?

B.: Por favor! Factos, advogado, factos! Escreve-se no conto que comi alguém, sim ou
não?

Adv.: Não chegou a faze-lo porque Gretel o impediu, empurrando-a de cabeça para
dentro do forno que estava quente para assar as crianças! O Hansel e a Gretel!

B.: Sr. Dr. Juiz, quer fazer calar este senhor, que só diz estupidezes? Estou aqui para
acusar formalmente o Hansel e a Gretel, quer dizer, a esse senhor que está aí (assinala a
Grimm) de ter sido queimada viva, de terem destruído a minha casa e roubado a minha
fortuna!
Adv.: No conto escreve-se que as crianças, quando conseguiram fugir de si, levaram um
cofre cheio de pedras preciosas. Podemos saber onde foi buscar tal fortuna?

B.: O que é que você tem haver com isso? Por acaso passa a vida a perguntar aos ricos
como é que ficaram ricos? Se no conto isso não é dito, não é agora que o vou dizer!

Adv.: Se lhe pergunto é porque no conto não é dito!

B.: Então, eu também não sei. Pergunte-lhe a Grimm… Sr. Dr. Juiz, por favor, este é
outro tema! O Sr. Advogado quer distrair-me do assunto principal. E o principal é…

Adv.: Pode ser acusada de prisão indevida! Por acaso, não prendeu o Hansel numa
jaula?

B.: Estava a brincar! Estava a brincar! Tanto alarido por uma brincadeira sem mal
nenhum! Eu, senhores do jurado, sou a que passo por má da fita, perversa, canibal, a
que come crianças, mas tal como demonstrei, não comi ninguém! E em troca comeram-
me a casa! Fiquei sem vidros nas janelas porque eram feitos de açúcar, sem porta de
entrada porque era de caramelo… Por sorte detive os malandrotes quando estavam a
começar a comer-me o tecto, porque senão tinha ficado à intempérie. Mas não termina
aqui, senhores, comeram-me a casa e queimaram-me viva, demonstrando uma
insensibilidade, que até podia ser admitida num criminoso, mas jamais numa criança.
Apesar dos gritos horríveis que lançava desde o forno, para onde me tinham mandado,
nem assim tiveram pena! E não contentes com isso, ainda levaram a minha fortuna. O
que é que lhes parece?
Peço justiça, Sr. Dr. Juiz!

J.L.: O seu testemunho será tomado em conta para a sentença final. Oficial de
diligências! Quem é que se segue?

O.L.: Capuchinho Vermelho…

J.L.: (A ralhar, a protestar) Não te metas com a Capuchinho Vermelho! Não te permito
isso!

O.L.: Desculpe…

J.L.: E Agora, o que é que se passa? (sai de cena e vai até aos bastidores, onde se vai
ouvir uma conversa entre o Lobo e a bruxa, com as perguntas da praxe, terminando com
a bruxa aos gritos por estar a ser devorada pelo lobo. Deve demorar o tempo necessário
para que o actor mude para patinho feio)
(o Lobo volta à cena a limpar os dentes) Desculpem, agora sim, sinto-me muito bem…
até tenho vontade de perdoar a toda a gente… O que faz uma boa refeição, já viram?
Bom, vejamos se podemos prosseguir! Há mais alguém para testemunhar?

Patinho Feio: Eu, Excelentíssimo.

J.L.: Quem é que disse eu?

P.F.: Eu, o patinho feio.


J.L.: Você é…

P.F.: Chamavam-me o Patinho feio, excelência.

J.L.: Ah… sim, claro. Mudámos muito, hein?

P.F.: É o tempo, excelência, é o tempo…

J.L.: Mas como? Você não é aquele que se transformou num belíssimo cisne? Não foi
assim? Ou isso é noutro conto?

P.F.: Sim, foi assim. Mas V. Exa. reconhecer-me-ia se me apresentasse como um cisne?
Qual é o titulo do conto?

J.L.: “O Patinho Feio”

P.F.: Está a ver? Toda a gente continua a recordar-me como um pato e não como um
cisne! E agora já não sou o Patinho agora sou o Pato. Repito que não me reconheceria se
me apresentasse como um cisne…

J.L.: Tem razão, tem toda a razão… mas há algo que não entendo… Quer testemunhar
contra o seu autor o sr….

P.F.: Andersen.

J.L.: Andersen??

P.F.: Sim, excelência.

J.L.: Mas você é o herói do conto! No final consegue a felicidade plena, convertendo-se
no mais belo dos cisnes, é admirado e invejado por todos…!

P.F.: Por isso mesmo, excelência, por isso mesmo! Posso passar a testemunhar?

J.L.: Pode passar. Mas aviso-o de uma coisa: Se tenta fazer uma defesa disfarçada dos
autores, vai cair sobre a sua cabeça todo o peso dos meus dentes… digo, da lei! Disso
não tenha a menor duvida! Portanto muito cuidado com o que vai dizer! Humm isto está
a cheirar-me mal… Há algo podre na Dinamarca… Sr. Andersen, tem algo a Dizer?

A.: Sim, que não entendo nada. Esse pato é um dos meus personagens favoritos. É um
mal agradecido! Não podia ter-lhe feito mais favores, e agora vem testemunhar contra
mim?! Já não se pode confiar em ninguém!... Não tenho mais nada a dizer. Só quero
saber de que me acusa esse ingrato.

J.L.: Sr advogado?

Adv: Não tenho nada a dizer, Excelência. Estou tão espantado como o autor e como
v.Exa.
J.L.: Oficial de diligências, prossiga!

O.L.: O senhor patinho feio…

P.F.: O pato, o pato…

O.L.: O senhor pato feio contra o autor, o senhor Andersen! O senhor pato passa a
testemunhar.

P.F.: Sua excelência, senhores do jurado: à simples vista, o meu caso é bem simples.
Parti a casca do meu ovo, num ninho de patos, e como na realidade não era um pato,
mas sim um cisne, era diferente dos outros patos… muito maior e mais feio, lembram-
se? A família dos patos rejeitou-me, só recebia patadas e bicadas, a minha vida estava
insuportável, e afastei-me do mundo conhecido. Passando o tempo numa lagoa
recôndita, marginalizado da civilização.
Assim fui crescendo até que um dia, me encontrei com 3 maravilhosos cisnes…
aproximei-me a pensar que me iriam matar… bom, na realidade eu queria mesmo que
me matassem, pois não desejava continuar a viver tão triste vida.
Mas quando inclinei a minha cabeça em direcção à água, à espera dos golpes fatais, vi a
minha imagem reflectida no lago e reparei que não era a de um pato feio, escuro,
desprezível e repugnante, mas sim a de um cisne!
Os cisnes rodearam-me e acariciaram-me com os seus bicos!
Nunca pensei que pudesse existir tamanha felicidade!

Adv.: (A fungar e a limpar o nariz com um lenço) O seu relato foi muito comovedor,
mas continuo sem entender o que está a fazer aí. De que é que se queixa? De pato,
passou a cisne, de feio a belo, de infelicidade à maior felicidade que se possa imaginar!

J.L.: Eu adverti-o que não viesse para aqui fazer uma defesa dissimulada do autor,
porque isso lhe iria custar muito caro! Diga qual é a sua acusação ou saia já daqui.

P.F.: Excelência, deixe-me terminar, por favor. Eu, o pato feio, acuso o autor de
transmitir uma mensagem nociva a todas as crianças! Os meninos deveriam ler o meu
conto!

J.L.: Deixe-se de palavras, provas, nós queremos é provas!

Adv.: Este pato ficou maluco! Trata-se de um conto que todas as crianças adoram! Quer
fazer o favor de se explicar?

P.F.: Isso é o que estou a tentar fazer, explicar-me. Façam um esforço e pensem no
conto… o que é que pensam de mim quando o lêem?

Adv.: Mas se você já disse tudo… por acaso quer inventar outro conto?

P.F.: AH sim? Pois bem, pergunto: sou bom ou mau? (silêncio). Não podem responder,
porque o autor não escreve sobre isso. O que é que se escreve da minha vida com os
outros cisnes? Nada!
Os cisnes reconhecem-me como um igual e alcanço a felicidade plena! E a história
acaba aqui.
Adv.: Se aí termina a história, não acrescente acontecimentos que não se podem ler em
lado nenhum, senão estaríamos noutro conto. Deixe-se de invenções, por favor!

P.F.: OK, vou cingir-me ao que está escrito. Antes de ser cisne, o que é que vêem? O
que é que lêem? A história de um bicho maltratado, corrido a patadas e bicadas, mais
nada. Mas eu…. Não o que parecia sendo pato ou sendo cisne mas o que eu era bom ou
era mau?
Senhor Juiz, você é bonito ou feio?

J.L.: Está a interrogar-me? Mas onde é que já se viu? Ponha-se no seu lugar!

P.F.: Senhor Juiz , não é minha intenção ofendê-lo, mas asseguro-lhe que a sua resposta
é muito importante para o meu testemunho. Podia ter a amabilidade de responder?

J.L.: Pode repetir a pergunta?

P.F.: A minha pergunta foi: você é bonito ou feio?

J.L.: É mesmo muito importante que responda?

P.F.: Absolutamente, Excelência!

J.L.: Bom… alguns dizem que o lobo é como o urso… quanto feio mais charmoso!

P.F.: Pode ser mais directo na sua resposta, por favor?

J.L.: É que não é uma resposta fácil…. Algo de atractivo creio ter.

P.F.: Concluindo: não crê ser totalmente feio…

J.L.: Não!

P.F.: E os outros, como o vêem? A avó, o lenhador, etc. etc.

J.L.: Ah esses…. Feio, feio e feroz.

P.F.: Muito bem, muito obrigado. Não quero abusar da sua generosidade, mas posso
fazer-lhe outra pergunta?

J.L.: Estamos a afastar-nos do assunto… e qualquer um fica impaciente! Não sou eu que
estou a ser interrogado neste momento.

P.F.: Verá excelência, que as minhas perguntas estão directamente relacionadas com o
caso. Só mais uma pergunta.

J.L.: Está bem.

P.F.: Como se considera você? Bom ou mau?


J.L.: Uhmmm (pensa durante um bom bocado)

P.F.: Excelência?

J.L.: Estou a pensar!

P.: Como se pudesse!

J.L.: Quem é que disse isso?

O.L.: Ninguém excelência. Não terá sido a sua consciência?

J.L.: Não tenho… deixo isso para os humanos, e eu não sou homem! Cuidado com os
cochichos senão ainda faço evacuar a sala.

Adv.: Está a fugir à resposta, Excelência?

J.L.: Não senhor advogado, ainda me falta muito para aprender todas as suas
artimanhas. Estava a pensar e já terminei. Senhor pato, se fosse a considerar o meu
passado, quero dizer, o passado que o senhor autor inventou (gunhe para perrault), devo
dizer que sou decididamente mau. Mas eu sou um lobo, e os lobos comem carne, sou o
que se chama um animal carnívoro. Funciona assim: tenho fome, vejo uma presa, salto-
lhe em cima e devoro-a, mais nada. Não lhe arranco as unhas, não lhe meto a cabeça na
água para a obrigar a dizer coisas…. Sou um lobo, não sou um homem. Não atiro
bombas atómicas. Como carne e é tudo. Então, não sou nem bom nem mau, a minha
natureza é assim, e obedeço ao meu instinto, e quanto mais olho para você, senhor pato,
mais me cresce água na boca! Por instinto, claro!

P.F.: Obrigado excelência. Senhores do jurado, como tiveram ocasião de ver, há uma
relação directa entre beleza e bondade, assim como entre fealdade e maldade. Para os
senhores autores, é simples: ser belo é ser bom, e ser feio equivale a ser mau, é muito
claro! Um cisne tão belo, tão gracioso, tão elegante, tão majestoso, pode ser malvado?
Impossível! Um lobo com esses dentes, com essa baba, essa pele, pode ser bom?
Impossível, também! E a vida, é assim? Não, não é assim! Um lobo, como sua
excelência o Dr. Juiz, o demonstrou, e eu não tenho razões para duvidar dele, não é nem
bom nem mau! E um cisne, por mais belo que seja, pode ser um malvado, um
convencido e até vingativo! Quem pode dizer que não me teria dado prazer, pavonear-
me, quando já era um cisne, desprezando, desde o alto de toda a minha beleza, os
insignificantes patos que sempre me desprezaram a mim? Quem é que se pode atrever a
dizer que não me teria dado prazer dar-lhes uma belas de umas bicadas? Ninguém! Eu
teria gostado de tudo isso porque a vida é mesmo assim!
Concluindo Senhoria: O autor mente e deforma a realidade, peço pois, para ele, a pena
máxima! Tenho dito.

J.L.: Silêncio, silêncio! Isto não é um espectáculo, se continua este alarido, mando
evacuar a sala. Ouvidos estes testemunhos e as acusações que pesam sobre os réus, este
tribunal passará a determinar quanto à sua culpa ou inocência.
O senhor Oficial de diligências, entregará aos senhores do jurado, papéis de cor
vermelha e de cor azul. Se ganharem os papéis de cor vermelha, terão decidido que os
réus são culpados, se pelo contrário, ganharem os de cor azul, é porque decidiram que
são inocentes. Oficial de diligências, proceda à distribuição dos papéis.
Este tribunal, solicita a presença de dois membros do jurado para dar credibilidade à
contagem dos votos. Oficial de diligências, separe os papéis vermelhos dos azuis. Já
terminou?

O.L.: Sim excelência.

J.L.: Proceda à contagem por favor.

O.L.: São x papéis vermelhos e y papéis azuis, excelência.

J.L.: Senhoras e senhores, tendo em conta o erro do Júri, que declara inocentes os
autores Andersen, Grimm e Perrault assim como todos os autores de contos infantis, a
sentença deste tribunal é a seguinte:
PRIMEIRO: os referidos senhores autores, ficam desde já em liberdade, solicitando este
tribunal ao senhor Perrault, que passe pelo escritório do senhor juiz Lobo antes de sair.
SEGUNDO: Este tribunal vê-se obrigado a declarar que os membros do Júri são todos
uns tontos e que o senhor Juiz Lobo não vai perder mais tempo a presidir a um tribunal
que tenta salvá-los das mentiras e deformações que cometem os escritores, retirando-se
assim ao seu castelo no bosque, onde se dedicará a escrever contos a sério.
TERCEIRO: Este tribunal vê-se obrigado a requerer uma prova da sensatez da decisão
dos membros do Júri, composta por quatro perguntas, ás quais tem que haver
unanimidade nas respostas.

J.L.: Estão prontos?

Júri: Simmmmm

J:L::Primeira pergunta: Como é que faz o galo?

Res. cacareja

J.L.: Ah esta era fácil!


Segunda pergunta: Como faz o cão?

Res: ladra

J.L.: Terceira pergunta: (em surdina) Agora é que eu os quero ver! Como faz o elefante?

Res: Barre

J.L.: Última pergunta: Como faz o lobo?

Res: Uiva
J.L.: E come todos os membros do Júri!

Encenador: parem, parem! O que é que se passa aqui? Eu disse que parem, todos
quietos senão ninguém recebe! Senhor ogre, pode explicar o que se está a passar aqui?
Ogre: É que …. Verá, o senhor Juiz Lobo, digo, a Carmo, enlouqueceu …. Acreditou
que era um lobo de verdade, saltou para a plateia e quer comer os meninos.
Imobilizámo-la, mas parece uma louca furiosa. Senhor, temos medo que nos façam uma
denúncia, por assustar assim as crianças.

Encenador: Que barbaridade! Não posso ausentar-me nem um bocadinho, fazem logo
um escândalo. Tragam a Carmo.

Ogre: Eu não o aconselho!

Encenador: Tragam, já disse!

Ogre: Mas os meninos estão a olhar para nós!

Encenador: Isto é um ensaio com convidados! Vocês queiram desculpar esta situação,
mas o teatro é assim, acontecem estas coisas nos ensaios. Tragam a Carmo, já disse!!
Boa noite Carmo. Quando eu não estou, você encarrega-se dos ensaios. Pode dizer-me o
que é que aconteceu?

Carmo: Tudo normal! Está tudo normal.

Enc.: Como é que pode dizer isso? E aquela bagunça que encontrei ao entrar? Isso é
normal?

Carmo: Estávamos a improvisar, só isso!

Enc.: A improvisar? Num ensaio geral, improvisavam!? Bom, o melhor é falarmos disso
depois! Onde é que iam quando eu cheguei?

O.: Nas perguntas, senhor.

Enc.: Está bem. Todos aos seus lugares. Carmo, sentes-te bem?

Carmo: Muito bem

Enc.: Vá vai para o teu lugar. Continuemos!

J.L.: Desde onde?

Enc.: Desde a ultima pergunta.

J.L.: Como é que faz o Lobo?

Res.: Uivaaaaa

J.L.: E come todos os membros do júri!

O.: Eu não lhe disse que ela estava louca!?

Enc.: Que barbaridade! Continuem, continuem! Não podemos terminar aqui!


Actores e crianças em rodas cantam
…Quem tem medo do Lobo Mau, do Lobo Mau

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