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5/11/2020 AMAR - Carlos Drummond de Andrade (Impressão)

Amar
Carlos Drummond de Andrade

Que pode uma criatura senão, O que é entrega ou adoração expectante,


Entre criaturas, amar? E amar o inóspito, o áspero,
Amar e esquecer, amar e malamar, Um vaso sem flor, um chão de ferro,
Amar, desamar, amar? E o peito inerte, e a rua vista em sonho,
Sempre, e até de olhos vidrados, amar? E uma ave de rapina.
Que pode, pergunto, o ser amoroso, Este o nosso destino: Amor sem conta,
Sozinho, em rotação universal, senão Distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
Rodar também, e amar? Doação ilimitada a uma completa ingratidão,
Amar o que o mar traz à praia, E na concha vazia do amor à procura
O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, medrosa,
É sal, ou precisão de amor, ou simples Paciente, de mais e mais amor.
ânsia? Amar a nossa falta mesma de amor,
Amar solenemente as palmas do deserto, E na secura nossa, amar a água implícita,
E o beijo tácito, e a sede infinita.

Composição: Carlos Drummond de Andrade

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