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INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE

ARTE, CULTURA E HISTÓRIA (ILAACH)

CINEMA E AUDIOVISUAL

AÇÕES TRANSMIDIÁTICAS NAS OBRAS DE ROSANE SVARTMAN

MATHEUS GREGORY DE S. DA SILVA

Foz do Iguaçu
2020
"A TV, como a conhecemos, está morrendo” declarou, recentemente, um amigo, ao
constatar que as formas de assistir à televisão têm se tornado cada vez mais versáteis. Esse
movimento, propiciado pela popularização da Internet e a proliferação de dispositivos
eletrônicos, como os celulares, ​tablets​, ​notebooks, etc. – itens indispensáveis na vida
pós-moderna – possibilitam o acesso de um mesmo conteúdo midiático em diferentes
mecanismos. Nesse sentido, as novelas, o produto audiovisual mais explorado e consumido da
televisão brasileira, podem ser assistidas a qualquer momento do dia pelos seus espectadores,
o que significa que essas pessoas não encontram-se mais atadas a uma programação linear de
um canal de TV. Essa autonomia, consequência de um desenvolvimento tecnológico em
constante processo, pode ser interpretada como um dos indícios mais aparentes de que a
hegemonia da televisão está ameaçada, o que não quer dizer que sua existência será extinta.
Para Henry Jenkins (2008), estudioso dos meios de comunicação, os meios antigos não estão
sendo substituídos mas tendo suas funções transformadas pelas novas tecnologias. Atentos a
isso, empresas como o Grupo Globo, maior conglomerado de comunicação da América Latina
e segunda maior emissora do mundo, apostam na convergência entre mídias para manter o
público interessado. Para a cineasta e dramaturga Rosane Svartman (2016), doutora em
Comunicação/Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF), é inviável pensar em
televisão atualmente sem considerar a convergência entre mídias. Jenkins compreende o
termo “convergência” como:

[...] fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação


entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos
dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das
experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que
consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais,
dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando. (JENKINS,
2008, p.30)

Em concordância com a diretora de cinema e autora de novelas de grandes audiências


e repercussão, o Grupo Globo desenvolveu há cinco anos o “Globoplay”, uma plataforma
digital de streaming, onde os noveleiros de plantão podem acompanhar as tramas a qualquer
hora do dia, fazendo os seus próprios ​breaks​. Com isso, a convergência entre essas mídias
mostram-se, mais uma vez, como uma questão que se refere à autonomia dos espectadores,
mas, sobretudo, à participação deles. São os espectadores que fazem o movimento transitório
entre uma tela e outra, e isso ocorre somente quando acontece o que Svartman aponta como
“extensão de afeto do público”, ao referir-se a uma das estratégias de ações tomadas pela
Globo à promoção de seus programas para outras janelas de exibição. Entretanto, com o
avanço tecnológico somado à diversidade de conteúdos disponíveis nas plataformas mais
distintas, reproduzir um mesmo produto em outras telas mostrou-se uma ação frágil para
manter a fidelidade dos espectadores, progressivamente interessados em outras experiências
de consumo audiovisual. Surgem, então, as narrativas transmídias, que possibilitam a
expansão do universo televisivo para outras plataformas. Jenkins informa que:

A narrativa transmídia é uma nova estética que surgiu em resposta à convergência


das mídias – uma estética que faz as novas exigências aos consumidores e depende
da participação afetiva das comunidades de conhecimento. A narrativa transmídia é
a arte da criação de um universo. Para viver uma experiência plena num universo
ficcional, os consumidores devem assumir o papel de caçadores e coletadores,
perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais, comparando suas
observações com outros fãs, em grupos de discussão on-line. (JENKINS, 2008,
p.47)

As obras televisivas assinadas por Rosane Svartman, que consistem em duas


temporadas da novela ​teen “Malhação”, da Globo, e duas outras novelas exibidas às 19 horas,
abrem espaços para ações transmidiáticas. A ​20ª temporada da novela ​teen,​ intitulada
“Malhação – Intensa como a vida” (2012/2013), escrita por Svartman em parceria com a
dramaturga Glória Barreto, trazia como uma das protagonistas a personagem Juliana
Menezes, vivida por Agatha Moreira. Ju, uma estudante do ensino médio interessada por
moda e beleza, possuía um ​vlog chamado “Dicas da Ju”, onde postava vídeos sobre beleza
feminina e o mundo ​fashion.​ Na mesma trama, o personagem Orelha, interpretado pelo ator
David Lucas, também tinha um ​vlog,​ a “TV Orelha”, onde denunciava, com um tom de
noticiário sensacionalista, os acontecimentos mais corriqueiros até os mais bombásticos das
vidas dos estudantes do Colégio Quadrante, o cenário principal da novela. Ambos os
conteúdos, produzidos em cenas, eram realmente postados nos ​vlogs dos personagens. O
espectador, por sua vez, era convidado a conferir numa outra plataforma os vídeos, que
poderiam, sim, ser consumidos de forma independente. Mais à frente, o público passou a
contribuir na criação desses conteúdos. No ​vlog de Ju, por exemplo, a personagem analisava
looks e ​makes enviados pelos fãs da novela. A participação do público tornou-se ainda mais
efetiva na ​22ª temporada do programa, intitulada “Malhação ​– ​Sonhos” (2014/2015), cuja
autoria Svartman dividiu com o cineasta Paulo Halm. Nessa fase, o público foi convidado a
participar de um concurso mensal de ​Fanfics sobre o universo apresentado na novela. Os
responsáveis pela ​fanfics vencedoras, além de assistirem a sua cena no ar e/ou ​streaming​,
poderiam visitar os Estúdios Globo e acompanhar as gravações.

Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que


ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante
lealdade a redes ou a meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram
indivíduos isolados, os novos consumidores são os mais conectados socialmente. Se
o trabalho dos consumidores de mídia já foi silenciado e invisível, os novos
consumidores são agora barulhentos e públicos. (JENKINS, 2008, p.45)

Devido ao sucesso das temporadas, a dupla Svartman e Halm foi promovida para o
horário das 19 horas. Entretanto, a autora não abriu mão de inserir narrativas e/ou
personagens que poderiam gerar ações transmidiáticas para a emissora. “Totalmente Demais”
(2015/2016), que girava em torno de um concurso de beleza para encontrar uma ​new face com
características de uma “menina do lado”, como a protagonista da obra de Alberto Salvá, teve
diversas execuções interessantes. A primeira foi a produção de um “capítulo zero”, anterior ao
primeiro, postado no Globoplay e no perfil oficial da Globo no YouTube. Outra, tratava-se do
site da fictícia revista “Totalmente D+”, na história a responsável por promover a competição
que leva o mesmo título da trama, onde eram postados conteúdos exclusivos sobre os
bastidores do concurso. Ainda na novela, a personagem Lu, uma blogueira vivida pela atriz
Julianne Trevisol, possuía um Instagram bombado sobre dicas de beleza e moda. O perfil da
personagem, de fato, existia na rede social, gerando engajamento e interatividade. Por fim, a
produção de um ​spin-off sobre um dos núcleos mais benquistos da novela, exibida no
streaming ​da emissora. “Bom Sucesso” (2019/2020), trabalho seguinte de Svartman,
considerado um fenômeno do horário por obter críticas positivas e os melhores índices de
audiência desde “Cheias de Charme” (2012), também apresentou ações transmidiáticas, ainda
que menores quando comparadas com “Totalmente Demais”. A trama calcada na literatura
tinha como protagonista o personagem Alberto Prado Monteiro, interpretado por Antônio
Fagundes, um moribundo dono de uma editora em crise. Devido ao sucesso do personagem,
que lia trechos de livros para a sua acompanhante Paloma da Silva, vivida por Grazi
Massafera, um ​poadcast c​ hamado “Clube do Livro”, apresentado por Fagundes, foi lançado
no site de entretenimento da Globo, reproduzindo o louros que a trama conquistava
diariamente no ar.
Não é somente na TV que Svartman aposta em narrativas transmídias. Antes mesmo
de “Malhação – Intensa como a vida”, a cineasta colocou a cultura da convergência em
prática no longa-metragem “Desenrola” (2010), de sua autoria e direção. O filme, que nasceu
de uma ​websérie e durante o seu processo também se viu no formato de jogos interativos,
transformou-se em livro, publicado anos depois do lançamento do longa nos cinemas. Essa
experiência, claramente, impactou Svartman, que levou para a televisão medidas que, hoje,
são tomadas pela própria emissora, no caso, a Globo. As emissoras de TV já encaram grandes
desafios para manter o público ainda cativo, e, no geral, buscam medidas para acompanhar o
ritmo das novas tecnologias que a cultura da convergência traz. Afinal de contas, como reflete
Jenkins (2008), os velhos e novos meios de comunicação devem convergir entre si e não
competir ou promover o fim um do outro. O rádio e a televisão são exemplos disso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JENKINS, Henry. ​Cultura da Convergência​. 2 ed. São Paulo: Aleph, 2008.

SVARTMAN, Rosane.​ A televisão em transformação …ou como o conteúdo colaborativo


pode invadir a TV aberta​. Universidade Federal Fluminense, 2016.

GLOBO UNIVERSIDADE. ​Rosane Svartman e Marcelo Souza participam de aula na


Unisinos​. Disponível em
<​https://redeglobo.globo.com/globouniversidade/novidades/eletivas-globais/noticia/rosane-sv
artman-e-marcelo-souza-participam-de-aula-na-unisinos.ghtml​> Acessado em: 15 de
dezembro de 2020.

GLOBO. ​História Grupo Globo​. Disponível em: <​https://robertomarinho.globo.com/hgg/​>


Acesso em: 15 de dezembro 2020.

MALHAÇÃO – INTENSA COMO A VIDA​. Disponível em: <


http://gshow.globo.com/novelas/malhacao/2012/​ > Acesso em: 15 de dezembro de 2020.

MALHAÇÃO – SONHOS​. Disponível em:


<​https://gshow.globo.com/novelas/malhacao/2014​ > Acesso em: 15 de dezembro de 2020.

TOTALMENTE DEMAIS​. Disponível em:


<​https://gshow.globo.com/novelas/totalmente-demais​ > Acesso em: 16 de dezembro de 2020.

BOM SUCESSO​. Disponível em: <​https://gshow.globo.com/novelas/bom-sucesso > Acesso


em: 16 de dezembro de 2020.

GSHOW​. A história das histórias que a gente conta. Disponível em: <
https://gshow.globo.com/​ > Acesso em: 16 de dezembro de 2020.

DESENROLA​, PROJETO. Dirigido por Rosane Svartman. Disponível em:


http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/1614628/DLFE-221706.pdf/1.0​> Acesso em 16 de
dezembro de 2020.

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