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VIANA, S. Jaula de vidro. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, [S. l.], n. 60, p.

91-109,
2015. DOI: 10.11606/issn.2316-901X.v0i60p91-109. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/97693. Acesso em: 13 set. 2022.

“Por isso, não é por obra e graça da criatividade de produtores de TV que os espetáculos da
realidade são, grande parte, processos seletivos televisionados. Se o Big Brother acena para
seus participantes, temporários da fama, com a possibilidade de conquista da estabilidade
profissional na indústria cultural, há todo um subgênero que oferece abertamente o emprego
para aquele que lograr fugir às eliminações. Em America’s next top model26 o prêmio para a
moça que resistir às provações, mas jamais a sua obrigatoriedade, é um contrato com a
empresa Elite Management e com uma marca de cosméticos; em O Aprendiz27, é oferecido
um emprego de um ano como executivo na empresa do apresentador que estiver no comando
do show; em Por um fio28, no qual concorrem cabeleireiros, o vencedor deve realizar um
editorial para uma revista feminina; Hell’s Kitchen29, um programa no qual os participantes
devem cozinhar sob todas as formas de assédio moral imagináveis, agracia o sobrevivente com
a vaga de chef executivo em um restaurante diferente a cada edição. A remuneração-prêmio,
ofertada como contrapartida pela labuta televisionada, é a mesma que aquela prometida a
estagiários: mais trabalho!” (VIANA, 2015, p. 98)

Intuída com um arrepio, a triagem espreita, atenta à roupa inadequada,


ao comportamento incorreto, ao relacionamento que não rende, ao
corpo equivocado, às memórias das quais devemos nos livrar tendo
em vista uma melhor adaptação. Para cada uma dessas angústias, e
para quaisquer outras que esse mundo hostil possa forjar, os reality
shows de transformação, bem como os de autoajuda, oferecem suas
recauchutagens. (VIANA, 2015, p. 99)

GADELHA, Dilermando; MAIA, Yasmim; LIMA, Regina Lucia Alves de. Drag, glamour, filth:
gênero e monstruosidade em Rupaul’s Drag Race e Dragula. cadernos pagu, 2021.

“Adentrando ainda mais na complexidade dessas questões, é interessante pensarmos como a


popularização do reality show abriu portas para a irrupção de outros discursos, não só sobre o
drag, mas também sobre a sexualidade e o gênero; discursos cujas materialidades circulam
também nos espaços midiáticos.” (GADELHA; MAIA; LIMA; 2021, p. 4)

“As performances monstruosas em Dragula, acreditamos, podem ser lidas como forma de
escancarar e subverter o próprio lugar fronteiriço, marginal, criminoso a que tais
subjetividades são diuturnamente relegadas. Se, como aponta Butler (2011), a abjeção é o
lugar obscuro, ilegível, invisível que limita o espaço bem delimitado da norma, ao escreverem
suas próprias aparências como explícita e extravagantemente monstruosas, as performances
das monsters de Dragula parecem exigir a visibilidade, tornarem-se conhecidas e reconhecidas
pela exaltação do abjeto e não mais serem o resultado fantasmático de uma objetificação que
relega ao ostracismo uma parte considerável da sociedade.” (GADELHA; MAIA; LIMA; 2021, p.
15)

“Se, como aponta Gil (2016), a produção das monstruosidades é resultado da dúvida que
assola os seres humanos com relação à sua própria humanidade - humanidade que, segundo
Halberstam (1995) é muito claramente masculina, branca, heterossexual e burguesa
performatividades monstruosas de dragqueens assinalam que essa humanidade é muito mais
limitante do que bem delimitada. (GADELHA; MAIA; LIMA; 2021, p. 15)

Acreditamos que aí reside o potencial político dessas performatividades monstruosas. O papel


das mídias nesse processo não é pequeno, seja a fim de perpetuar os discursos dominantes,
seja ao abrir espaços para a visibilidade dos desvios e da abjeção” (GADELHA; MAIA; LIMA;
2021, p. 15)

“A televisão e o cinema, assim, são espaços de circulação e visibilidade dessas performances


de gênero monstruosas.Nessas plataformas, de alguma forma, esses seres abjetos conseguem
inserção. O cinema hollywoodiano, por exemplo, produziu muitos filmes que trouxeram a
noção de transgressão pela monstruosidade, como foi o caso de The Rocky Horror Picture
Show (1975) e Freaks (1932). Seguindo Butler (2018), o papel das mídias na visibilidade ou na
invisibilidade dessas performatividades desviantes ou monstruosas é essencial, visto que elas
podem ou apagar ou evidenciar esses corpos monstruosos muito além de suas fronteiras
espaciais e temporais, por meio da forma como constroem seus enquadramentos. Nesse
processo, se os próprios corpos, ao se posicionarem e se performatizarem por meio da
aparência, constituem ações políticas (Butler, 2015), as mídias são locais em que esses
posicionamentos são expandidos.” (GADELHA; MAIA; LIMA; 2021, p. 16)

GONÇALVES, Gabriela Marques. Consumo televisivo de la población gitana y sus reflexiones


sobre el reality show Los Gypsy Kings. Intercom: Revista Brasileira de Ciências da
Comunicação, v. 44, p. 21-34, 2021.

“Además, destacamos el alcance que tienen los reality shows en la audiencia televisiva, ya que
cuando tienen éxito, estos programas atraen tanto o más interés que los programas de la
televisión de pago, mostrando así su importancia para la televisión en abierto en la disputa por
la audiencia” (GONÇALVES, 2021, p. 23)

Além disso, destacamos o alcance que os reality shows têm na audiência televisiva, pois
quando são bem sucedidos, esses programas atraem tanto ou interessam mais do que os
programas de televisão por assinatura, mostrando assim sua importância para a televisão
gratuita na disputa pela audiência.

Segundo Segarra (2018, p. 45), os reality shows “fabricam celebridades” ao privilegiar duas
perspectivas diferentes e aparentemente opostas: a idealizadora e empática ou a irônica e
zombeteira que é “às vezes até agressivamente humilhante”. Nessa segunda perspectiva, o
espectador é colocado em situação de superioridade em relação a essas “celebridades”. Além
disso, esse tipo de programa "fornece aos consumidores um fluxo constante de dramas éticos"
que ordenam as discussões do público também sobre aspectos morais, reforçando ou
questionando alguns valores. Os participantes do programa “se expõem ao julgamento
público” enquanto “o público reitera seus próprios valores” (JENKINS, 2008, p. 123). -> para
citação indireta
“reality show sea definido como un género que exhibe y explora la dimensión espectacular de
la vida cotidiana de los participantes, que son expuestas representando a si mismas en
diferentes situaciones,” (GONÇALVES, 2021, p. 23)

“o reality show seja definido como um gênero que expõe e explora a dimensão espetacular do
cotidiano dos participantes, que são expostos representando-se em diferentes situações”

“Un consumo frecuente de televisión aparece en más de la mitad de la muestra consultada


para esta investigación, habiendo más seguimiento entre los adultos, pero todos ellos
afirmaron verla en algún momento. El consumo más frecuente se vincula sobre todo con el
seguimiento de noticias, mientras que el consumo esporádico es más mencionado en relación
con el entretenimiento.” (GONÇALVES, 2021, p. 27)

O consumo frequente de televisão aparece em mais da metade da amostra consultada para


esta pesquisa, com maior acompanhamento entre os adultos, mas todos afirmaram assistir em
algum momento. O consumo mais frequente está ligado sobretudo ao acompanhamento de
notícias, enquanto o consumo esporádico é mais referido em relação ao entretenimento.

“La mitad de la muestra tiene la costumbre de seguir la programación televisiva de


entretenimiento.” (GONÇALVES, 2021, p. 27)

Metade da amostra tem o hábito de acompanhar a programação televisiva de entretenimento.

“Además, para dos de los entrevistados, programas como este pueden contribuir a que
vecinos cambien la buena percepción que tienen sobre ellos, rompiendo con lo que la
comunidad gitana ha estado construyendo de cara a la convivencia con la sociedad
mayoritaria:” (GONÇALVES, 2021, p. 30)

Além disso, para dois dos entrevistados, programas como esse podem ajudar os vizinhos a
mudar a boa percepção que têm deles, rompendo com o que a comunidade cigana vem
construindo para conviver com a sociedade majoritária:

“Al denunciar el reality Los Gypsy Kings, las entidades, asociaciones y activistas gitanas
cuestionan más que un género televisivo, cuestionan el hecho de que este colectivo no tiene
su derecho a una representación que enseñe otras identidades gitanas, que sean múltiples y
diversas, presente en los medios de comunicación del país.

Como ya hemos discutido anteriormente, los medios de comunicación tienen más fuerza en la
difusión de estereotipos por la profesionalidad en la producción de sus mensajes (WILLEM,
2010), por ello, como apunta Segarra (2018, p. 47), el guión seguido por los personajes en Los
Gypsy Kings tiene un poder de legitimación diferente de los informativos, ya que “estas
emisiones también fabrican la realidad, especialmente en lo referente a las relaciones sociales,
entre ‘razas’ o ‘culturas’ diferentes...”.

Igual que no se puede hablar de la historia de España sin hablar de su población gitana, no se
puede hacer un debate serio sobre la televisión española sin cuestionar sus contenidos, en lo
referente a las representaciones presentes o ausentes de la minoría étnica más antigua del
país y como ello contribuye al “racismo ordinario” (SEGARRA, 2018) vivido por esta población.”
(GONÇALVES, 2021, p. 33)
Ao denunciar o reality show Los Gypsy Kings, as entidades, associações e ativistas ciganos
questionam mais do que um gênero televisivo, questionam o fato de esse grupo não ter direito
a uma representação que ensine outras identidades ciganas, que são múltiplas e diversas,
presente na mídia do país.

Como já discutimos anteriormente, a mídia tem mais força na disseminação de estereótipos


devido ao profissionalismo na produção de suas mensagens (WILLEM, 2010), portanto, como
aponta Segarra (2018, p. 47), o roteiro seguido por os personagens de The Gypsy Kings têm um
poder legitimador diferente do noticiário, pois “essas transmissões também fabricam a
realidade, principalmente no que diz respeito às relações sociais, entre diferentes 'raças' ou
'culturas'...”

Assim como não se pode falar da história da Espanha sem falar de sua população cigana, não
se pode fazer um debate sério sobre a televisão espanhola sem questionar seu conteúdo, em
relação às representações presentes ou ausentes da minoria étnica mais antiga do mundo.
como isso contribui para o “racismo comum” (SEGARRA, 2018) vivenciado por essa população
FUZER, Cristiane. Vítimas e vilões em reality shows no Brasil: representações e avaliações
com base em evidências léxico-gramaticais. Alfa: Revista de Linguística (São José do Rio
Preto), v. 56, p. 403-425, 2012.

A mídia tem se apresentado como poderoso instrumento de influência sobre o sistema social.
Em sua discussão sobre a mídia como uma ferramenta importante para que os cidadãos
possam influenciar, por meio de opiniões, o sistema político, (FUZER, 2012, p. 403)

“na mídia, situações do mundo privado acabam se “encontrando” em contextos comuns, nos
quais interpretações particulares de cada experiência se entrelaçam” (FUZER, 2012, p. 403)

“Com base em seu repertório e em sua subjetividade, o indivíduo toma conhecimento de um


fato por meio da mídia e discute o assunto com outras pessoas, participando de uma rede de
influências discursivas que viabiliza e enriquece a formação da opinião.” (FUZER, 2012, p. 404)

“Dependendo da sua história de vida, cada ator social atribui certa relevância a determinados
temas, aspectos ou situações, constituindo representações de suas experiências.” (FUZER,
2012, p. 408)

“Os reality shows, com maior frequência de ocorrências no corpus analisado, são
representados como um negócio lucrativo que tem emissoras de televisão e patrocinadores
como os principais beneficiados. Entre os reality shows, aparece ativado o Big Brother Brasil,
representado, na função de Ator, como uma ferramenta que se presta a três funções: dar
visibilidade para pessoas que possam direcionar o comportamento dos jovens; beneficiar
aproveitadores e despertar o voyeurismo nos telespectadores. Essas representações são
avaliadas por meio de apreciações negativas, materializadas por uma série de Atributos
constituintes de orações relacionais que estruturam definições para esse reality show no
ponto de vista de alguns articulistas. Outros articulistas, porém, ao escolherem colocar o
programa na função de Circunstância (e não de Ator), representam-no como um lugar onde
seres humanos agem, expostos à contemplação por outros seres humanos. O reality show é
representado, assim, como isento de responsabilidade sobre comportamentos antiéticos, pois
é apenas um espaço onde esses comportamentos são praticados. Pode-se dizer que essas
maneiras divergentes de representar os reality shows funcionam, nos termos de Scheufele
(2000), como um mecanismo de retroalimentação de discussões na esfera pública.” (FUZER,
2012, p. 421)

“A vitimização dos participantes é, ainda, construída por meio de Atributos que sinalizam
apreciação e metáforas lexicais que denotam intertextualidade com fatos históricos em que
pessoas eram martirizadas sob o olhar curioso do povo. Desse modo, nos artigos de opinião
analisados, as pessoas que se submetem a participar de um reality show aparecem
representadas, principalmente, como vítimas – ora dos produtores do programa e da emissora
de televisão, ora do sistema capitalista, cuja “pedagogia” as leva a desejarem coisas que só o
dinheiro pode dar.” (FUZER, 2012, p. 422)

bservadoras da realidade, capazes de estabelecer relações por meio de operações analíticas e,


assim, expressar opiniões que, divulgadas na mídia, passam a exercer um papel na formação
da opinião pública. Essas representações estão manifestadas nos textos, principalmente, por
meio de orações mentais cognitivas e emotivas, das quais os autores participam como
Experienciador. O uso de recursos de Engajamento por expansão dialógica, expressos por
modalizadores, abre o discurso para outras possibilidades de opinião. Dessa forma, os
articulistas não impõem opiniões, mas estimulam a discussão a respeito do assunto. (FUZER,
2012, p. 422)

“compreensão de como se processa a formação de opinião, por meio de textos, na esfera


pública.” (FUZER, 2012, p. 423)
MILLAN, Marília Pereira Bueno. Reality shows: uma abordagem psicossocial. Psicologia:
ciência e profissão, v. 26, p. 190-197, 2006.

“Desde os primórdios da civilização, o ser humano mostra necessidade de representar


cenicamente seus dramas pessoais e vicissitudes existenciais. O “reality show” é uma das
versões pós-modernas da encenação da vida humana.” (MILLAN, 2006, p. 191)

“Conclui-se que tais programas televisivos são o retrato da contemporaneidade, ou seja,


revelam a morte do sujeito, a fugacidade das experiências vividas, a desvalorização da história
e o culto à imagem e à superficialidade. Por meio da sedução do espectador, mobilizam-se
aspectos primitivos de seu psiquismo, fazendo com que ele se sinta narcisicamente poderoso e
onipotente e se acredite dono do destino dos participantes do programa.” (MILLAN, 2006, p.
191)

“o “reality show”, filmagem ao vivo de pessoas comuns convivendo em um espaço fechado


durante um tempo determinado.” (MILLAN, 2006, p. 191)

“O programa televisivo que pretendemos discutir é a versão brasileira de um “reality show”


que também foi produzido em outros países. Foi criado originalmente por John de Mol e Joop
van den Ende em 1999, na Holanda, e recebeu o título de “Big Brother”. Tal termo já fora
usado por George Orwell, em seu livro “1984”, para designar um olho eletrônico que
espionava as pessoas com o intuito de manter o domínio de um Estado totalitário sobre tudo e
todos.” (MILLAN, 2006, p. 192)

“Trata-se de um programa de entretenimento que consiste no confinamento voluntário de


pessoas em uma casa, que se dispõem a ser filmadas durante todo o tempo que ali
permanecerem. A duração é de cerca de dois meses e, semanalmente, um dos participantes é
eliminado de acordo com votações feitas pelo público e pelos outros integrantes do grupo. A
finalidade última do jogo é que apenas uma pessoa consiga permanecer, o que lhe dará o
direito de receber um prêmio em dinheiro.” (MILLAN, 2006, p. 192)

“Há, também, a presença de um apresentador que tem a função de organizar o programa,


interagindo com os participantes, direcionando os julgamentos e opiniões dos telespectadores
e mediando as diversas situações apresentadas (Marcondes Filho, 2002; Curvelo, 2004).”
(MILLAN, 2006, p. 192)

“Buscamos, nas manifestações artísticas, o familiar, aquilo que nos conecta com a
subjetividade, com experiências emocionais que se reatualizam e ganham forma através da
representação do artista.” (MILLAN, 2006, p. 193)

“A imitação da vida nos permite compartilhar a essência humana com os outros: o


estritamente pessoal ganha o terreno social. Já não somos os únicos; é possível compreender
as situações humanas à luz da esfera cultural. Não estamos completamente sós, pois os outros
participam do drama que julgávamos exclusivamente nosso.” (MILLAN, 2006, p. 193)

“Touraine (1999) relaciona a fragmentação de nossa cultura à desagregação social e ao do


mercado, das comunidades e de suas próprias pulsões. Sem parâmetros definidos socialmente
de espaço e tempo, perdeu-se a noção de continuidade histórica de uma nação ou de uma
coletividade territorial.” (MILLAN, 2006, p. 194)

“somos atraídos pelo fútil, pela curiosidade ávida de sensacionalismo e pela excitação banal,
deixando de lado nossa potência de pensar e agir. Os “reality shows” nos proporcionam tudo
isso, adormecendo nossa capacidade crítica já tão abalada pela alienação de nossas
consciências.” (MILLAN, 2006, p. 195)

“Enquanto espectadores, também retornamos a um funcionamento psíquico primitivo, na


medida em que ter acesso à vida de outras pessoas em tempo integral confere-nos a
realização da onipresença, da onipotência e da onisciência, qualidades essas inerentes às
experiências emocionais dos bebês e que mimetizam os atributos imanentes dos deuses. Se,
na infância, encarnamos os super-heróis com seus ilimitados poderes, nesse momento,
tornamo-nos os “super-espectadores”, que realizam o desejo de participar de tudo, negando a
exclusão e o limite.” (MILLAN, 2006, p. 195)

“O herói perdedor sai triunfante, com ares de celebridade, é entrevistado pelo apresentador e
conversa com os telespectadores via internet, com o intuito de relatar sua grande aventura. É
lamentável que essa espécie de Dom Quixote pós-moderno não traga consigo qualquer
indagação ou pensamento profundo e, ao contrário do original, nada busque a não ser o
exibicionismo e a fama.” (MILLAN, 2006, p. 196)

“Portanto, a função desse tipo de programa é aprofundar a alienação, impedindo os processos


de pensamento crítico. Para isso, mobilizam-se aspectos primitivos do psiquismo humano
através da sedução do espectador, ou seja, acreditando-se poderoso e capaz de decidir o
destino dos participantes, o público deixa-se levar pela imagem narcísica refletida na tela. O
prazer advém do triunfo e da onipotência, o que acaba criando um círculo vicioso de consumo
e audiência.” (MILLAN, 2006, p. 197)
CARNEIRO, Nancy Greca de Oliveira; CORDEIRO, Andressa de Barros; CAMPOS, Denise dos
Santos. Reality shows e voyeurismo: um estudo sobre os vícios da pós-modernidade. Revista
Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 8, p. 1-13, 2005.
“Esses programas, conhecidos por reality shows (shows da vida), puderam ser criados em
decorrência da fantástica evolução tecnológica do século XX e da criação da Internet em suas
últimas décadas.” (CARNEIRO, CORDEIRO, CAMPOS, 2005, p. 2)

“Dessa forma, o reality show possibilita a observação direta e previamente selecionada, de


pessoas em seu cotidiano por intermédio de câmeras ocultas que mantêm uma observação
vigilante de sua intimidade.” (CARNEIRO, CORDEIRO, CAMPOS, 2005, p. 4)

Da intimidade do anonimato à visibilidade da telinha, essas pessoas passam a ser objeto do


olhar do Outro, numa relação de submetimento mútuo que envolve grande quantidade de
sujeitos, os quais assistem a esses programas, mantendo-se “aprisionados” a eles. (CARNEIRO,
CORDEIRO, CAMPOS, 2005, p. 4)

Nada melhor do que os shows da vida real para colocar o indivíduo nesse patamar de angústia:
viver a vida de outros. Envolvido a ponto de agir, atuar e estabelecer dependência, a fim de
efetivar um laço social perverso do tipo voyeurismo/exibicionismo, caracterizado pelo
acompanhamento em tempo integral da vida e do sofrimento do outro, abstraindo-se o sujeito
do real de sua própria experiência. (CARNEIRO, CORDEIRO, CAMPOS, 2005, p. 6)
CASTELO, Marcos Goulart; CARVALHO, José Luis Felício dos Santos de. O" Grande Irmão" e
a empresa: indústria cultural, reality shows e espetáculos organizacionais. Cadernos EBAPE.
BR, v. 3, p. 01-17, 2005.

Ao longo da última década, os reality shows tornaram-se os maiores campeões de audiência e


vendas de espaço publicitário da história da mídia televisiva, bem como poderosos
determinantes de modificação comportamental (JONES, 2003; MATHIJS, 2002). Por outro lado,
esses programas também foram alvo de críticas ferozes, notadamente nos campos da
sociologia, da comunicação e da psicologia (CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 2)

A indústria cultural é fundamental para o funcionamento do sistema capitalista,


principalmente, em decorrência de sua essência narcisista. Para impulsionar relações de oferta
e demanda, ela vende aos consumidores “a satisfação manipulada de se sentirem
representados nas telas do cinema e da televisão” (FREITAS, 2003, p.19): seus heróis são
elaborados para refletirem algo que os espectadores já percebem em si próprios; porém, essa
semelhança é potencializada pela elaboração técnica. Nos reality shows, essas diretivas são
levadas ao limite pelo artifício da transposição de indivíduos até então desconhecidos do
público para situações nas quais eles passam a ter suas vidas acompanhadas por milhões de
pessoas. Configura-se, portanto, a díade exibicionismovoyeurismo, responsável pela
transformação de relações mercadológicas entre empresas (canais de televisão e anunciantes)
e clientes (a audiência) numa experiência de hedonismo e fantasia (HOLBROOK, 2001).
(CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 3)

“Fenômenos de audiência derivados da complexidade midiática característica da virada do


milênio (CORREIA, 2003; TINCKNELL e RAGHURAM, 2002), os reality shows podem ser
retratados como híbridos entre documentário, jogo e novela, posicionando-se no negócio do
entretenimento de suas audiências por meio da explicitação de questões como identidade,
representação, prazer e interatividade (JONES, 2003; MATHIJS, 2002). (CASTELO, CARVALHO,
2005, p. 3)
É possível considerar que o reality show nasceu com a estréia de Road Rules, exibido pela MTV
norteamericana desde 1997. É um programa-gincana, no qual um grupo de jovens viaja em
caravana, de uma cidade a outra, cumprindo determinados desafios (ANDREJEVIC, 2002). No
ano 2000, o programa Big Brother – lançado no ano anterior na Holanda – obteve repercussão
sem precedentes nos EUA, na Inglaterra e em muitos outros países da Europa, proporcionando
enorme retorno para anunciantes e patrocinadores (TINCKNELL e RAGHURAM, 2002).”
(CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 3)

Por meio da dominância dos aspectos hiper-reais do cotidiano, abre-se espaço para a
banalização da vida (DEBORD, 1995) – principalmente, em função da hegemonia dos canais
midiáticos de comunicação –, a qual contribui para a dominação ideológica (ADORNO, 1990;
BASTIDE, 1971; HAUSER, 1966), ao embotar a capacidade crítica dos indivíduos e atrofiar a
imaginação e a espontaneidade do consumidor da cultura de massa (ADORNO e HORKHEIMER,
1997; KOZINETS, 2002). O televisionamento da realidade desempenha um papel
particularmente importante no treinamento de espectadores e consumidores para a assunção
de seus papéis numa economia de mercado baseada na interatividade (ANDREJEVIC, 2002).
(CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 5)

Os produtos da indústria cultural não permitem a atividade intelectual do espectador, se ele


não quiser perder as imagens e os pseudo-eventos que desfilam diante de seus olhos
(ADORNO e HORKHEIMER, 1997). O espetáculo, inspirado na semiótica hollywoodiana,
seqüestra a vida, pois a adesão à ordem espetacular é consolidada por meio de um fluxo
ininterrupto de imagens e fantasias (BAUDRILLARD, 1990) que substitui a vivência (FRIDMAN,
2000). (CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 5)

Assim, a emergência dos reality shows como inigualáveis fenômenos de mídia ao final do
século XX (TINCKNELL e RAGHURAM, 2002) pode ser percebida como um distanciamento ainda
maior entre real e hiper-real, principalmente, por conta da simulação embutida na venda de
tais programas como pedaços autênticos de realidade. Por meio da mídia, então, pode-se
elaborar um mundo saneado em que a paz, a harmonia e a beleza plástica e asséptica provêm
a única fonte crível de gratificação estética (DALE e BURRELL, 2002; HANCOCK, 2002)
(CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 5)

A idealização da realidade é um requisito determinante para o sucesso do projeto modernista


de desenvolvimento e controle social por meio da razão (BELL e TAYLOR, 2004; COOPER e
BURRELL, 1988) e, por conseguinte, ela é essencial para a atividade organizacional (ENRIQUEZ,
2001). Nas empresas, a idealização representa o meio mais comum de se conter impulsos
agressivos, constituindo um esforço para “impedir que uma ‘boa’ imagem não seja
contaminada por uma ‘má’ imagem” (DE VRIES, 1996, p.77). Através desse mecanismo,
sentimentos, experiências e percepções tidos como “bons” ou “maus” são polarizados, com o
intuito de impedir a construção de uma realidade povoada de intenções ambíguas ou
contaminadas. (CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 6)

A escolha dos participantes constitui uma das etapas mais importantes para o sucesso dos
reality shows (MURPHY, 2003). É por meio de uma boa seleção de candidatos que os dramas,
conflitos, casos amorosos, complôs e diversas outras situações criadoras de audiência podem
ser estimulados. De acordo com a concepção aristotélica da catarse (FISCHER, 1966; PINHEIRO,
2000) – igualmente fundamental para a cultura de massa (MARCONDES FILHO, 1986) – os
realizadores de reality shows não necessitam de indivíduos questionadores, amantes dos livros
e capazes de reflexões elaboradas. Devem ser escolhidos jogadores capazes de namorar muito,
conversar com o espelho, falar sobre moda e, principalmente, meter-se em discussões vãs e
brigas por motivos banais (SANTOS, 2004). (CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 6)

“No reality show, acredita-se que as platéias prefiram conhecer a intimidade de jogadores
brancos; no entanto, é “politicamente correto” incluir participantes da raça negra. Assim, em
todas as edições brasileiras do Big Brother é convocado um casal de negros. Geralmente, são
escolhidos por sua adequação ao estereótipo: o homem é sempre brincalhão, sedutor e
amante da cerveja e do pagode; enquanto a mulher tem os traços finos e adora sambar para
as câmeras. Nas organizações produtivas, de acordo com as recentes demandas da cidadania
corporativa, verifica-se a inclusão de funcionários negros não por serem mais capacitados, mas
pelo simples fato de serem negros. Segue-se, portanto, a perspectiva da responsabilidade
social para cumprir a função de melhoria da imagem corporativa, não como fundamento
substancial da ação organizacional (MENDONÇA e GONÇALVES, 2002).” (CASTELO, CARVALHO,
2005, p. 6)

Estratégias declaradas e secretas, coalizões, alianças, disputas por poder, manipulação e


politicagem fazem parte da essência dos programas de reality show e são estimulados pelos
produtores e diretores, pelo efeito causado na audiência. Evidenciando a função pedagógica
da cultura de massa (MARCONDES FILHO, 1986), o público aprendeu a esperar que os
participantes façam tudo que for possível, desconsiderando os limites éticos, para eliminar os
outros jogadores e vencer. Já nas empresas, tais procedimentos podem ser extremamente
danosos ao desempenho da companhia (KACMAR e FERRIS, 1993; PASKOFF, 2003), mas são
praticados diariamente, numa contradição própria do sistema produtor (PAGÈS et al., 1993)
(CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 8/9)

Nos reality shows, aquelas forças de poder e controle estão claramente incorporadas pelas
entidades dos controladores do jogo: autor, diretor e audiência. O modelo comunicacional da
indústria cultural é o do videogame, que proporciona aos jogadores/espectadores o prazer de
percepções previamente esquematizadas pelo criador do jogo (FREITAS, 2003). (CASTELO,
CARVALHO, 2005, p. 11)

Nos reality shows, os produtores procuram deter o controle das “cenas” que acontecem entre
os participantes, com a intenção de gerar situações que atraiam audiência. Para isso, valem-se
da tecnologia de câmeras e microfones, da configuração espacial dos cenários, de prêmios
intermediários ou benefícios concedidos apenas a alguns participantes, entre outras
estratégias, para gerar ciúme, inveja, brigas, paixões, intrigas e muitas outras situações que
vão ao encontro de seus objetivos. A capacidade de impor hábitos e a habilidade em ditar
comportamentos são características distintivas da cultura de massas (ADORNO, 1990),
principalmente, por meio da criação e da manipulação de imagens, as quais, no caso de um
reality show, podem ser direcionadas tanto para os jogadores quanto para a platéia. (CASTELO,
CARVALHO, 2005, p. 11)

Nos reality shows, a instauração de uma “cultura” está bem refletida nos itens “impressão de
brincadeira”, “codificação de ações e falas” e “normatização” do quadro 1. Quando os
jogadores passam a repetir jargões vencedores utilizados em outros programas, por exemplo,
pode-se creditar esse comportamento ao estabelecimento de um vínculo cultural com os
participantes do primeiro programa. (CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 11)
Quando nos recordamos da obra de Orwell (1978), que inspirou os reality shows, percebe-se
que a dimensão cultural também tem presença marcante(CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 11)

O controle da tecnologia e dos espaços físicos compõe outro pilar fundamental para os shows
hiper-reais, mesmo porque esses dois pontos eram cruciais para o “Grande Irmão” do livro de
George Orwell (1978). Para construir uma nova realidade, nada melhor do que criar uma nova
relação do agente dominador com a dimensão mais frágil e objetiva da vida humana – sua
corporeidade (DALE e BURRELL, 2002; SEAMON, 1984). (CASTELO, CARVALHO, 2005, p. 12)
RICCIO, Vicente. A Lei em tela e a tela da lei: O Direito e os Reality Shows. Dados , v. 44,
p. 773-805, 2001.

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