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Autos com (Conclusão) ao Juiz em 26/03/2010 p/ Despacho/Decisão


  S/LIMINAR
  *** Sentença/Despacho/Decisão/Ato Ordinátorio
  Trata-se de ação cautelar preparatória de ação civil pública ajuizada pelo
Ministério Público Federal com o escopo de obter o autor provimento
jurisdicional "inaudita altera parte" que, em apertada síntese, determine às
rés que cumpram as seguintes obrigações de fazer:1) Globo Comunicações
e Participações S/A - "exiba durante a 10.ª edição do reality show Big
Brother Brasil um quadro de esclarecimento à população acerca das
formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde, com
duração de, no mínimo, o dobro de tempo utilizado para exibição das
informações equivocadas no dia 09 de fevereiro último";2) União - "por
meio da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das
Comunicações, proceda à fiscalização da referida exibição".
Fundamentando sua pretensão, alega a parte autora, em síntese, que:- no
dia 02 de fevereiro de 2010, no Programa "Big Brother Brasil 10", reality
show produzido pela primeira co-ré, um participante de nome Marcelo
Dourado teria declarado que outro homem portador do vírus da AIDS "em
algum momento teve relação com outro homem"; disse ainda referido
participante o seguinte: "hetero não pega AIDS, isso eu digo porque eu
conversei com médicos e eles me disseram isso. Um homem transmite
para outro homem, mas uma mulher não passa para o homem";- tais
declarações foram incluídas na edição dos melhores momentos do
programa na semana exibida no dia 09/02/2010;- ao veicular as
declarações mencionadas, a emissora ré teria deixado de fornecer
informações corretas sobre as formas de transmissão do vírus HIV,
"atentando contra os programas de prevenção de doenças adotados pelos
Poderes Públicos" (fls. 03);- não obstante a garantia constitucional de
liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da Constituição
Federal, dispõe seu artigo 221 que toda a produção de programa de rádio
e televisão deve se submeter à preservação dos valores éticos e sociais da
pessoa e da família, o que teria sido descumprido pela emissora e não
devidamente fiscalizado pela União. Pleiteia a concessão de medida liminar
para que seja determinado às rés o cumprimento das obrigações de fazer
até o próximo dia 30 de março quando deve acontecer o encerramento do
programa televisivo em questão. Indica que será proposta ação civil
pública em face das rés, "visando coibir prática de exibir informações,
declarações e opiniões que contrariem as orientações do Programa de
Prevenção e Tratamento DST/AIDS".Com a inicial, foram apresentados
documentos (fls. 09-63), incluindo resposta da primeira co-ré ao
questionamento recebido do Ministério Público Federal no inquérito civil
público de n.º 1.34.001.001748/2010-66 a respeito dos fatos narrados na
inicial (fls. 61-62).A Globo Comunicação e Participações S/A sustentou o
seguinte na referida resposta:1- que "o programa Big Brother Brasil é um
reality show, gênero caracterizado pela espontaneidade e imprevisibilidade
nas atitudes dos participantes", não tendo roteiro preestabelecido;2- que
"diante da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão
conferidas aos participantes do programa, qualquer declaração por eles
prestada sobre os mais variados temas em nada espelha a opinião e/ou
orientação da TV Globo ou de seus funcionários sobre estes", sendo que tal
fato ficaria claro para o público em geral;3- que a TV Globo preocupa-se
com sua função social, motivo pelo qual veicula diversas "campanhas
sociais próprias ou em parcerias com ONGs, diferentes instituições e
órgãos federais, com o objetivo de levar conhecimento e informação à
população", inclusive quanto a formas de controle de doenças;4- que
"qualquer manifestação preconceituosa ou equivocada sobre forma de
contágio da AIDS, feita pelo participante do BBB10 Marcelo Dourado ou
qualquer outro, não reflete o posicionamento da TV Globo sobre o
tema";5- que, "por liberalidade, em razão do seu compromisso com as
causas socialmente relevantes", a TV Globo pelo apresentador do
programa disse após a exibição das gravações em questão que "as
opiniões e batatadas emitidas pelos participantes deste programa são de
responsabilidade exclusiva dos participantes deste programa. Para ter
acesso a informações corretas sobre como é transmitido o vírus HIV,
acesse o site do Ministério da Saúde".Para apreciação do pedido liminar,
observou-se o disposto no art. 2.º da Lei n.º 8.437/92.Nesse diapasão,
manifestou-se a União (fls. 70-84), aduzindo, em resumo, já ter
providenciado a fiscalização pretendida pelo Ministério Público Federal,
concordando com o pedido apresentado e requerendo integrar o pólo ativo
da lide, nos termos do art. 5.º, 2.º, da Lei n.º
7.347/85.Decido.PreliminarmenteDe início, considerando a conduta da
União de providenciar de imediato a fiscalização pretendida e o interesse
jurídico demonstrado para integrar o pólo ativo da lide, defiro seu
requerimento. Anote-se.No mais, observo que o Ministério Público possui
legitimidade ativa "ad causam".Isso porque, no caso, discute-se suposta
lesão ou ameaça de lesão ao direito constitucional à saúde (art. 196 da
Constituição Federal de 1988), bem como ao direito também de cunho
constitucional ao serviço público de rádio e televisão de qualidade (artigo
21, XI; artigo 220 e seus parágrafos; artigo 221, todos da Constituição
Federal de 1988).Tais direitos são evidentemente difusos e de alto relevo
social, havendo, portanto, legitimidade do Ministério Público para sua
tutela por meio de ação civil pública nos termos do art. 129, II e III da
Constituição Federal.Como acima visto, tratando-se de serviço público de
titularidade da União, cuja fiscalização é questionada, correta sua inclusão
na lide, atraindo, assim, a competência para processo e julgamento do
feito para a Justiça Federal (art. 109, I da Constituição
Federal).Considerando-se, ainda, o interesse jurídico da União a integrar a
lide na condição de litisconsorte ativa, corrobora-se a competência da
Justiça Federal.Superadas essas análises, passo à apreciação do pedido de
medida liminar.Medida liminarAssim, cumpre examinar a presença ou não
dos requisitos necessários à concessão da liminar pretendida (art. 12 da
Lei n.º 7.347/85).Nesse diapasão, verifico que, excepcionalmente, a
decisão proferida neste momento esgotará o provimento jurisdicional no
caso, haja vista que, com o encerramento do programa, a tutela, deferida
ou indeferida, não poderá ser revertida, ficando seus efeitos consolidados
no tempo.Isso porque o universo de telespectadores que tiveram contato
com as declarações do participante do programa mencionado na petição
inicial certamente não será o mesmo nem semelhante ao daquele que será
alcançado por transmissão de outro programa televisivo da emissora ainda
que nos mesmos dias e horários em que o chamado "Big Brother Brasil 10"
fora transmitido.De outro lado, caso deferida a medida liminar, será
irreversível o cumprimento da obrigação de fazer determinada na
decisão.Por tais motivos, constato que estamos diante de hipótese de
incompatibilidade entre o tempo necessário para o transcurso de todas as
fases processuais legalmente previstas até final decisão judicial e aquele
necessário para que a decisão seja proferida de forma útil.Com efeito, nas
palavras do E. Ministro do Superior Tribunal de Justiça e Professor de
Processo Civil TEORI ALBINO ZAVASCKI: "casos haverá, e esses
certamente são casos extremos, em que o conflito entre segurança e
efetividade é tão profundo que apenas um deles poderá sobreviver, já que
a manutenção de um importará o sacrifício completo do outro". Nesses
casos, continua, "caberá ao juiz, com redobrada prudência, ponderar
adequadamente os bens e valores colidentes e tomar a decisão em favor
dos que, em cada caso, puderem ser considerados prevalentes à luz do
direito. A decisão que tomar, em tais circunstâncias, é, no plano dos fatos,
mais que antecipação provisória: é concessão ou denegação da tutela em
caráter definitivo" ("Antecipação da tutela". São Paulo: Saraiva, 1997, p.
98).É o que passo a fazer.No caso, tem-se, de um lado, a prestação do
serviço público de telecomunicações (art. 21, XI, da Constituição Federal
de 1988 (CF/88)) diretamente relacionado com o direito à livre
manifestação do pensamento, à criação e à expressão (art. 5.º, IX e art.
220, todos da CF/88) e, de outro, o direito à programação televisiva de
boa qualidade (arts. 220 e 221 da CF/88), bem como o direito à saúde
(art. 196 da CF/88), especialmente quanto ao aspecto da prevenção e da
informação sobre doenças.A Constituição Federal de 1988 conferiu à União
a competência exclusiva para explorar o serviço público de radiodifusão de
sons e imagens, podendo fazê-lo diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão (art. 21, XI).A prestação de tal serviço público
direta ou indiretamente pela União ocorre em consonância com o direito à
livre manifestação do pensamento, à criação e à expressão (art. 220 da
CF/88), que integra a chamada liberdade de comunicação, assim definida
por JOSÉ AFONSO DA SILVA:"A liberdade de comunicação consiste em um
conjunto de direitos, formas, processos e veículos que possibilitam a
coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do
pensamento e da informação. É o que se extrai dos incisos IV, V, IX, XII e
XIV do art. 5.º da CF, combinados com os artigos 220 a 224. Compreende
ela as formas de criação, expressão e manifestação do pensamento e de
informação e a organização dos meios de comunicação - esta sujeita a
regime jurídico especial, de que daremos notícia no final deste tópico"
("Comentário Contextual à Constituição". 2.ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2006, p. 823).Nesse passo, as diversas formas de comunicação
são regidas por princípios básicos, assim elencados pelo ilustre mestre das
Arcadas:"(a) observado o disposto na Constituição, a manifestação do
pensamento não sofrerá qualquer restrição, qualquer que seja o processo
ou veículo por que se exprima; (b) nenhuma lei conterá dispositivo que
possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística; (c)
é vedada toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica
e artística; (d) a publicação de veículo impresso de comunicação
independe de licença de autoridade; (e) os serviços de radiodifusão sonora
e de sons e imagens dependem d concessão, permissão e autorização do
Poder Executivo Federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional, a
que cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, 2º e 4º (45 dias, que não
correm durante o recesso parlamentar); (f) os meios de comunicação
social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio" (op.
cit., p. 823). Interessa analisar a restrição admitida pela própria
Constituição Federal à liberdade de comunicação, ou seja, aquela prevista
em seu art. 220, que dispõe:"a manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição"
(destaques nossos).A análise sistemática da Constituição Federal impõe,
portanto, que a liberdade de comunicação seja limitada pelo exercício de
outros direitos fundamentais nela previstos, dentre eles o direito à
saúde.Por sua vez, a saúde é um direito fundamental do ser humano,
devendo o Estado, nos termos do art. 196 da CF/88, prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício, que vão desde informação e
medidas de prevenção até o fornecimento universal de serviço médico e
hospitalar.A Lei n.º 8.080/90 diz claramente que é dever do Estado
garantir a saúde por meio da formulação e execução de políticas
econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças, sendo que
tal dever "não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da
sociedade" (art. 2.º, 1.º e 2.º).Ademais, como apontam GOMES
CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o direito à saúde possui duas
vertentes:"uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do
Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer acto que
prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às
medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o
tratamento delas" ("Constituição da República Portuguesa Anotada". 3.ª
ed., vol. I. Coimbra: Coimbra Editora, 1984, p. 342).Assim,
evidentemente, o direito à saúde na sua vertente negativa é um dos
limitadores à liberdade de comunicação, tanto quando exercida pelo Poder
Público quanto pela iniciativa privada, na medida em que o exercício desta
não pode ir de encontro ao trabalho do Estado de prevenção e divulgação
de informações à população sobre formas de evitar doenças
contagiosas.Nesse sentido, aliás, prevê expressamente a Lei n.º 9.472/97,
que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações no
Brasil:"Art. 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privado
terá por objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das
relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos
consumidores, destinando-se a garantir:[...]III - o respeito aos direitos
dos usuários;[...]VIII - o cumprimento da função social do serviço de
interesse coletivo, bem como dos encargos dela decorrentes;"Fixadas tais
premissas, cumpre, então, examinar se, no caso, procedem as alegações
do Ministério Público Federal quanto aos fatos narrados.As declarações
feitas pelo participante do programa Marcelo Dourado existiram realmente,
tal como comprova a gravação apresentada com a petição inicial.Em
verdade, trata-se de fato amplamente noticiado pela imprensa (v.g.: Folha
de São Paulo - Ilustrada 09/02/2010) e que tampouco fora contestado pela
emissora em sua resposta apresentada ao Ministério Público nos autos do
inquérito civil n.º 1.34.001.001748/2010-66.Ademais, tais declarações não
correspondem à realidade, o que se pode verificar no sítio do Ministério da
Saúde na internet (www.aids.gov.br), onde se lê:"O HIV pode ser
transmitido pelo sangue, sêmen, secreção vaginal e pelo leite materno.
sexo vaginal sem camisinha sexo anal sem camisinha sexo oral sem
camisinha uso da mesma seringa ou agulha por mais de uma pessoa
transfusão de sangue contaminado mãe infectada pode passar o HIV para
o filho durante a gravidez, o parto e a amamentação Instrumentos que
furam ou cortam, não esterilizados sexo, desde que se use corretamente a
camisinha masturbação a dois beijo no rosto ou na boca suor e lágrima
picada de inseto aperto de mão ou abraço talheres / copos assento de
ônibus piscina, banheiros, pelo ar doação de sangue sabonete / toalha /
lençóis Aliás, como destaca a União em sua manifestação, seguindo as
informações prestadas pelo Ministério da Saúde, "é significamente maior
no Brasil o número de casos de homens infectados com o HIV por
mulheres em relação ao número de casos de homens infectados por outros
homens. Além disso, a epidemia está estabilizada entre os homossexuais e
vem crescendo entre os heterossexuais" (fls. 74).O impacto da informação
equivocada sobre a saúde pública brasileira é certamente muito elevado,
tendo em vista a notória grande audiência do programa em questão.Há
que se considerar, ainda, a condição de verdadeiras celebridades a que são
alçados os participantes dos chamados "reality shows", sendo, por isso, de
grande peso suas declarações sobre boa parte da sociedade.Por isso, o
fato das declarações equivocadas terem partido de participante do
programa que não é especialista no assunto e nem se apresentou como tal
não afastam sua lesividade à saúde pública porque a grande audiência do
programa alcança pessoas de diversas condições sociais, econômicas e
etárias, que podem recebê-las como corretas.Além disso, destaque-se que
o declarante diz ter obtido as informações com médicos, o que aumenta
seu potencial de convencimento. Não bastasse, sabe-se que opiniões de
ídolos, celebridades ou famosos têm grande penetração nas
sociedades.Nem se alegue inexistir responsabilidade da ré no caso, uma
vez que as declarações em comento foram por ela selecionadas na edição
das imagens apresentadas no dia 09/02/2010, devendo ter sido adequadas
às normas constitucionais e legais regentes de tal atividade.Destaque-se
que o questionado nesta ação é justamente a edição feita pela ré Globo,
que incluiu declarações feitas pelo participante do programa sobre a forma
de se contrair o vírus HIV.Sabe-se que a chamada Liberdade de
Programação constitui uma das dimensões essenciais da liberdade de
expressão, que, por essência e como regra, não aceita limitações.Como
bem esclarecem os doutrinadores portugueses CANOTILHO e MACHADO
em excelente trabalho acerca do tema "Reality Shows" e Liberdade de
Programação":"A liberdade de programação preclude todas as
interferências estaduais, directas ou indirectas, ostensivas e subtis, oficiais
e não oficiais, na selecção e conformação do conteúdo da programação em
geral ou de um programa em particular. No que diz directamente respeito
à programação no seio dos operadores privados de radiodifusão, a
doutrina sublinha que a actividade em análise deve permanecer uma tarefa
essencialmente autónoma e livre de interferências" (Canotilho, J. J.
Gomes; Machado, Jónatas E. M. "Reality Shows" e Liberdade de
Programação". Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 29)Certamente, a
liberdade de expressão deve ser interpretada de forma ampla a garantir a
criação, expressão e difusão do pensamento e da informação sem
interferências. Disso não se discrepa.No entanto, como já visto acima, não
há liberdade pública absoluta, que se sobreponha às demais.Nas palavras
dos já mencionados doutrinadores portugueses, "a liberdade de
programação não é incompatível com o estabelecimento de algumas
restrições, à semelhança do que sucede com todos os direitos, liberdades e
garantias" (op. cit., p. 32).Devem, portanto, ser harmonizados os direitos
fundamentais envolvidos no conflito instaurado, sendo o princípio da
proporcionalidade o instrumento adequado para tanto.Não há o que se
falar em censura porque disso não se trata no caso, uma vez que
respeitada a liberdade de programação, mas apenas de verdadeira
aplicação das limitações previstas na própria Constituição Federal (art.
220), como acima explicitado.De fato, não se busca nesta ação coibir
qualquer manifestação de pensamento, mas apenas garantir, juntamente
com este, o direito fundamental à correta informação envolvendo a saúde
pública.Busca-se, como mencionado, a harmonização dos direitos
fundamentais envolvidos.Nesse sentido, "mutatis mutandis", já decidiu o
C. Supremo Tribunal Federal, como muito bem destacado pelo ilustre
Advogado da União:"O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o
regime de plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que
os mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensamento,
criação, expressão e informação) estão a salvo de qualquer restrição em
seu exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de sua
veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a outras disposições que não
sejam as figurantes dela própria, Constituição. A liberdade de informação
jornalística é versada pela Constituição Federal como expressão sinônima
de liberdade de imprensa. Os direitos que dão conteúdo à liberdade de
imprensa são bens de personalidade que se qualificam como sobredireitos.
Daí que, no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade,
vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no sentido de
que as primeiras se antecipam, no tempo, às segundas; ou seja, antes de
tudo prevalecem as relações de imprensa como superiores bens jurídicos e
natural forma de controle social sobre o poder do Estado, sobrevindo as
demais relações como eventual responsabilização ou consequência do
pleno gozo das primeiras. A expressão constitucional observado o disposto
nesta Constituição (parte final do art. 220) traduz a incidência dos
dispositivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo, mas como
consequência ou responsabilização pelo desfrute da plena liberdade de
informação jornalística ( 1º do mesmo art. 220 da Constituição Federal).
Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura
prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para
o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica. Silenciando a
Constituição quanto ao regime da internet (rede mundial de
computadores), não há como se lhe recusar a qualificação de território
virtual livremente veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo
o mais que signifique plenitude de comunicação." (ADPF 130, Rel. Min.
Carlos Britto, julgamento em 30-4-09, Plenário, DJE de 6-11-09)Por fim, a
conduta da emissora assumida por "liberalidade", conforme manifestação
de fls. 61-62, não é suficiente para cumprir seu dever de não afrontar o
direito fundamental de informação e prevenção de doenças, já que incapaz
de atingir igualmente os telespectadores que assistiram às declarações
equivocadas, tendo em vista a diferença entre meios de comunicação em
que fora realizada a declaração equivocada (televisão) e aquele em que
seria obtida a correta informação (internet), sendo diferentes os níveis
sociais, econômicos e de instrução necessários para que as pessoas
tenham acesso a tais meios.Portanto, presente o "fumus boni iuris".O
"periculum in mora" também existe no caso, tendo em vista que, como
acima registrado, para atingir suas finalidades, a informação correta deve
chegar aos telespectadores pelos mesmos meios utilizados para a
transmissão daquela equivocada, sendo que a data prevista para
encerramento do programa é 30/03/2010
(http://bbb.globo.com/BBB10/Sobre/0,,GEN1306-17413,00.html,
verificado no dia 27/03/2010, às 22h).Preenchidos, portanto, os requisitos
para a medida liminar pretendida, devendo ser aplicado o chamado
princípio da proporcionalidade para definir seu alcance.Para tanto, a tutela
do direito à correta informação de saúde deve ser feita de forma a lhe
conferir a maior efetividade possível com a menor interferência sobre a
liberdade de programação.Nessa linha, deve ser determinado à emissora
que faça no mesmo programa um esclarecimento à população acerca das
formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde,
especialmente quanto às equivocadas declarações acima consideradas,
com duração de, no mínimo, o mesmo tempo utilizado para exibição
dessas no dia 09/02/2010.Por tais motivos, a medida liminar, na extensão
pretendida pelo Ministério Público Federal, acabaria por interferir
desnecessariamente e, portanto, indevidamente na liberdade de
programação da ré, uma vez que seria imposta a exibição de um quadro
amplo de esclarecimento à população quanto às formas de contração do
vírus HIV e pelo dobro do tempo utilizado na exibição das informações
equivocadas no programa.Para restabelecer a verdade na informação neste
caso, respeitando o direito à saúde e o direito à livre programação, basta a
correção pontual do que foi equivocadamente transmitido, sendo a
emissora livre para fazer mais, se assim desejar.Pelo exposto, defiro
parcialmente a medida liminar pleiteada para determinar a GLOBO
COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A que exiba durante a 10.ª edição do
programa "Big Brother Brasil" um esclarecimento à população acerca das
formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde,
especialmente quanto aquelas objeto das declarações descritas na petição
inicial, com duração de, no mínimo, o mesmo tempo utilizado para
exibição das informações equivocadas no dia 09/02/2010, sob pena de
multa fixada em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) atualizados
conforme critérios da Resolução n.º 561/2007 do Eg. Conselho da Justiça
Federal.O valor da multa é fixado razoavelmente, considerando cerca de
1,5% do valor obtido pela ré apenas com a comercialização das cotas de
patrocínio iniciais para a 10.ª edição do programa "Big Brother Brasil" (R$
67,5 milhões), conforme ampla divulgação na
imprensa.(v.g.:http://www.mmonline.com.br/noticias.mm?
url=Uma_decada_de_Big_Brother_Brasil&origem=ultima, verificado no dia
28/03/2010, às 22h39min).Cite-se e intime-se a ré, com
urgência.Intimem-se o Ministério Público Federal e a
União.Oportunamente, encaminhem-se os autos à SEDI para retificação da
autuação de forma a constar a União no polo ativo ao invés do passivo.
  Ato Ordinatório (Registro Terminal) em : 29/03/2010
 

https://www.jfsp.jus.br/foruns-federais?numeroProcesso=%200006642-51.2010.403.6100 ->
liminar
MPF move ação para que Globo seja
impedida de exibir cenas de crime
ou que lembrem crimes no BBB
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Publicado por Procuradoria da República em São Paulo

há 10 anos

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O Ministério Público Federal em São Paulo, por meio da


Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, ajuizou ação
civil pública contra a TV Globo e a União, com pedido de
liminar, para que a emissora deixe de transmitir durante o Big
Brother Brasil, seja em TV aberta ou em TV a cabo ou por
qualquer outro meio, cenas que possam estar relacionadas,
mesmo que em tese, à prática de crimes. À União, o MPF
requer que a Justiça Federal determine a obrigação de
fiscalizar o reality show por meio da Secretaria de
Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações.

Ao final do processo, o MPF requer, além da manutenção das


eventuais liminares concedidas, que a Rede Globo seja
condenada a elaborar e divulgar campanha de conscientização
à população acerca dos direitos das mulheres, visando a
erradicação da violência de gênero, além de adotar as medidas
necessárias para monitorar as condutas praticadas pelos
participantes do reality show com o intuito de impedir a
exibição de imagens atentatórias aos valores éticos e sociais ou
a imediata reparação dos danos causados pela eventual
exibição dessas imagens.

Em 17 de janeiro deste ano, o Ministério Público Federal em


São Paulo, após milhares de manifestações de telespectadores
nas redes sociais e reportagens de jornalistas especializados,
abriu procedimento visando apurar a violação de direitos da
mulher no BBB 12.

O fato que causou essa comoção social foi a exibição, na


madrugada de 15 de janeiro deste ano, de imagens de um
suposto estupro de vulnerável ocorrido no programa,
constatado por telespectadores da atração em sistema pay-per-
view, que desconfiaram da prática do abuso pelo fato de que
enquanto ambos estavam na mesma cama ocorreram
movimentos característicos de sexo entre os participantes
Daniel e Monique, sendo que ela aparentemente dormia em
razão de excesso de consumo de álcool.

NOVE MINUTOS NO AR - As imagens do suposto abuso


sexual foram exibidas durante 9 minutos e 29 segundos da
versão pay-per-view do BBB12. Um pequeno trecho da cena foi
exibido na versão do programa, em TV aberta, no mesmo dia
15, na edição que trouxe um resumo da festa na véspera.
Pela análise das cenas exibidas no pay-per-view, pode-se
interpretar a possível ocorrência de abuso sexual, uma vez que
Monique aparece parada na mesma posição todo o tempo em
contraste com a intensa movimentação de Daniel, com
conotação sexual. Ainda, pela análise da cena, pode-se
observar que a movimentação do rapaz só termina após a
intervenção de Monique, que o afasta com a mão, no que
pareceu ser um ato de defesa.

O MPF, é bom deixar claro, não está acusando Daniel de abuso


sexual. A ação civil visa tão somente a adequação do programa
para impedir que cenas, que dêem margem a interpretações do
gênero, aconteçam novamente, e, pior, sejam exibidas em
qualquer modo de transmissão. O caso foi investigado na
esfera penal pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, mas que foi
trancado em virtude de, em depoimento, Monique ter
declarado que os atos foram consensuais.

Entretanto, as cenas exibidas, independentemente do alegado


por Daniel e Monique à polícia, deram margem a esse tipo de
interpretação de sexo não consensual e, no mesmo dia, o
assunto tomou proporções gigantescas no Twitter, sendo um
dos assuntos mais comentados da rede social e em sites
jornalísticos ou não, naquele dia e nos seguintes.

OMISSÃO - Entretanto, na avaliação do MPF, mesmo após a


advertência do público, a direção do programa nada fez para
remediar os danos do suposto crime e da veiculação das
imagens. Pior, de forma imprudente, realizou a exibição de
trecho destas imagens no programa transmitido na noite do
mesmo dia 15 de janeiro. A cena aparece aos 09 minutos e 40
segundos da gravação enviada à Justiça Federal pelo MPF
como prova. Logo em seguida, o apresentador Pedro Bial
comenta: O amor é lindo.
Para o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em São
Paulo, Jefferson Aparecido Dias, autor da ação, a direção do
BBB e a Rede Globo só adotaram providências após a
instauração do inquérito policial (que abriu a investigação após
uma representação externa), quando decidiu expulsar Daniel
do programa, por infração ao regulamento do reality show,
conforme informado por Bial na edição de 16 de janeiro.

A expulsão de D.E. demonstra que os diretores do programa e


a Rede Globo também reconheceram, mesmo que tardiamente,
a potencialidade abusiva da conduta deste participante em
detrimento de M.A., afirma Dias na ação.

SUBMISSÃO DA MULHER - Entretanto, para o MPF,


mesmo após reconhecer o abuso e o potencial crime na
conduta de Daniel e a consequente expulsão dele, a Rede Globo
deixou de adotar medidas em prol da reparação dos danos
causados pela exibição das imagens em questão, atentando,
desta forma, contra os propósitos do Poder Público e da
sociedade no sentido da afirmação dos direitos humanos da
mulher, da desconstrução do estigma de submissão do sexo
feminino ao sexo masculino e de combate à violência de gênero
no Brasil, afirma Dias.
Somente no Estado de São Paulo, segundo dados da Secretaria
de Segurança Pública, ocorreram 80 casos de violência contra a
liberdade e a dignidade sexual da mulher no mês de janeiro, o
que demonstra o quanto é incompatível a exibição pela TV de
cenas que possam sugerir um estupro, pois apesar de todas as
iniciativas do poder público e da sociedade, como a Lei Maria
da Penha e a existência de uma Secretaria de Políticas para as
Mulheres da Presidência da República, a violência de gênero
persiste.
A Rede Globo foi questionada pelo Ministério Público Federal
do Rio de Janeiro, que também instaurou procedimento para
apurar os fatos ocorridos no reality show. Em síntese, a
emissora afirmou que o BBB não se trata de uma obra de
ficção, mas de um reality que, sem roteiro previamente
aprovado - promove convivência entre pessoas de diferentes
origens, provocando reações espontâneas entre os
participantes. Disse ainda que as cenas entre Daniel e Monique
não foram ao ar na TV aberta, o que não corresponde à
gravação obtida pelo MPF da edição do dia 15, que contém um
trecho da cena.

Para o MPF, isso só aumenta a lesão ocasionada pelas imagens


exibidas na versão pay-per-view do programa. Na ação, Dias
recorda que essa não é a primeira ação do MPF-SP contra o
BBB. Em 2010, a emissora foi condenada a prestar
esclarecimentos ao público sobre as formas de contágio do
vírus HIV por conta da exibição de um comentário do futuro
vencedor do BBB 10, Marcelo Dourado, que disse que hétero
não pega Aids.

ERROS EM SEQUÊNCIA - Para o MPF, a Globo errou ao


não ter tentado intervir na cena entre Daniel e Monique e errou
novamente ao manter a cena no ar por tanto tempo e errou
uma terceira vez por não ter acionado a polícia. Na ação, é
citada entrevista da BBC Brasil com o especialista em mídia da
BBC britânica Torin Douglas, que ressaltou a necessidade de
monitoramento constante sobre todos os participantes para
evitar que crimes sejam consumados, como ocorreu na edição
britânica do programa, que, em 2004, exibiu uma briga entre
dois participantes que resultou em ameaça de morte de um
contra o outro e uma sanção ao Channel 4, que exibia a
atração.
Na entrevista, Douglas cita o livro Dead Famous, de Ben Elton,
que gira em torno de um homicídio ocorrido em um reality
show. A obra é de ficção, mas infelizmente a realidade do BBB
não é longínqua de tal hipótese, considerando a diversidade
das pessoas confinadas, e as inúmeras artimanhas da direção
do programa para gerar conflitos entre estes, tais como o
Monstro e a separação dos participantes em grupos rivais, e o
ineficiente aparato de monitoramento das condutas dos
participantes, demonstrado pelo episódio do BBB 12, afirma
Dias, que ressalta ainda que o número de camas menor que o
número de participantes contribui para abusos contra as
mulheres.

Para o MPF, a falta de ação da Globo para evitar a exibição da


cena e a ocorrência dela, não importando se na TV aberta ou
fechada, são graves violações aos princípios do
artigo 221 da Constituição, à Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher
(Convencao de Belém do Pará), de 1995, ao art. 28 do
Regulamento dos Serviços de Radiofusão, de 1963, e à Lei
Maria da Penha, que prevê no inciso III de seu artigo 8º o
respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e
sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papeis
estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência
doméstica e familiar.
O MPF optou por ajuizar a ação após o fim do programa para
termos oito meses para debater o desrespeito aos direitos da
mulher na TV e, também, como as emissoras podem intervir
nos reality shows de modo a impedir que crimes ou cenas
sugerindo crimes ocorram e, caso ocorram, deixem de ir ao ar.
Evitamos ainda gerar uma publicidade gratuita ao programa
caso fosse discutida a questão com o programa no ar, afirma
Dias.

Leia aqui a íntegra da ação nº 0007265-47.2012.4.03.6100 ,


distribuída à XXª Vara Federal Cível
Assessoria de Comunicação

Procuradoria da República no Estado de S. Paulo


Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira

11-3269-5068

ascom@prsp.mpf.gov.br

www.twitter.com/mpf_sp
P
Procuradoria da República em São Paulo

https://pr-sp.jusbrasil.com.br/noticias/3098538/mpf-move-acao-para-que-globo-seja-
impedida-de-exibir-cenas-de-crime-ou-que-lembrem-crimes-no-bbb

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIBERDADE DE IMPRENSA.


ARTIGO 220 DA CF/88. VEICULAÇÃO DE IMAGENS EM
PROGRAMA TELEVISIVO DE REPERCUSSÃO NACIONAL.
SUPOSTO ABUSO SEXUAL E INCITAÇÃO À VIOLÊNCIA DE
GÊNERO. CONFISSÃO NA ESFERA CRIMINAL. INQUÉRITO
POLICIAL ARQUIVADO. DANO DIFUSO E
RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO NÃO
CONFIGURADOS. APELO IMPROVIDO. 1. Primeiramente,
cabe destacar que não se está aqui a discutir o dano individual
da participante exposta nas cenas que foram "ao ar", mas sim o
alcance difuso causado pela reprodução das cenas com suposta
conotação sexual ao telespectador em âmbito nacional e sua
repercussão sobre a violência de gênero. 2. Não cabe ao Estado
decidir o que é e o que não é cultura ou o que pode ou não ser
veiculado pelos meios de comunicação, sob pena de censura. 3.
Para o Col. STF, o artigo 220 da CF/88 deve ser interpretado
como mecanismo constitucional de calibração de princípios, na
medida em que "os direitos que dão conteúdo à liberdade de
imprensa são bens de personalidade que se qualificam como
sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de imprensa e as
relações de intimidade, vida privada, imagem e honra são de
mútua excludência, no sentido de que as primeiras se
antecipam, no tempo, às segundas" (ADPF 130/DF). 4. No
presente caso, o inquérito policial foi arquivado, em razão da
confirmação da participante "M.A." de que o ato sexual foi
consentido. Dessa forma, não há que se falar em abuso sexual
das cenas veiculadas, tampouco violência de gênero a
configurar dano na esfera difusa. 5. Não há provas concretas a
amparar a pretensão ministerial, sendo temerário afirmar que
houve crime de estupro somente com a análise das imagens e
dos fatos narrados pelo recorrente. 6. Destarte, não cabe ao
Judiciário exercer controle de conteúdo ou qualidade das
manifestações artísticas reproduzidas pelo programa "Big
Brother Brasil" em nosso meio cultural, mas, sim, aferir se
houve ou não abuso no exercício da liberdade de expressão, o
que não ocorreu, in casu. 7. Por fim, não há provas concretas
de que houve omissão por parte da União, enquanto Poder
Concedente, quanto ao dever de fiscalização "adequada", até
porque, proibir a veiculação das cenas, não reputadas como
abusivas, seria o mesmo que praticar censura. 8. Apelo
improvido.

(TRF-3 - AC: 00072654720124036100 SP, Relator:


DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, Data de
Julgamento: 06/09/2017, TERCEIRA TURMA, Data de
Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/09/2017)

https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-3/499280616/inteiro-teor-499280630

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007265-47.2012.4.03.6100/SP


2012.61.00.007265-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR
APELANTE : Ministério Público Federal
PROCURADOR : JEFFERSON APARECIDO DIAS e outro (a)
APELADO (A) : GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A
SP130483 LUIS FERNANDO PEREIRA ELLIO e outro
ADVOGADO :
(a)
APELADO (A) : União Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
No. ORIG. : 00072654720124036100 24 Vr SÃO PAULO/SP
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIBERDADE DE IMPRENSA.
ARTIGO 220 DA CF/88. VEICULAÇÃO DE IMAGENS
EM PROGRAMA TELEVISIVO DE REPERCUSSÃO
NACIONAL. SUPOSTO ABUSO SEXUAL E INCITAÇÃO
À VIOLÊNCIA DE GÊNERO. CONFISSÃO NA ESFERA
CRIMINAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO.
DANO DIFUSO E RESPONSABILIDADE CIVIL POR
OMISSÃO NÃO CONFIGURADOS. APELO IMPROVIDO.
1. Primeiramente, cabe destacar que não se está aqui a
discutir o dano individual da participante exposta nas
cenas que foram "ao ar", mas sim o alcance difuso
causado pela reprodução das cenas com suposta
conotação sexual ao telespectador em âmbito nacional e
sua repercussão sobre a violência de gênero.
2. Não cabe ao Estado decidir o que é e o que não é
cultura ou o que pode ou não ser veiculado pelos meios de
comunicação, sob pena de censura.
3. Para o Col. STF, o artigo 220 da CF/88 deve ser
interpretado como mecanismo constitucional de
calibração de princípios, na medida em que "os direitos
que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens de
personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí
que, no limite, as relações de imprensa e as relações de
intimidade, vida privada, imagem e honra são de mútua
excludência, no sentido de que as primeiras se
antecipam, no tempo, às segundas" (ADPF 130/DF).
4. No presente caso, o inquérito policial foi arquivado, em
razão da confirmação da participante "M.A." de que o ato
sexual foi consentido. Dessa forma, não há que se falar
em abuso sexual das cenas veiculadas, tampouco
violência de gênero a configurar dano na esfera difusa.

5. Não há provas concretas a amparar a pretensão


ministerial, sendo temerário afirmar que houve crime de
estupro somente com a análise das imagens e dos fatos
narrados pelo recorrente.
6. Destarte, não cabe ao Judiciário exercer controle de
conteúdo ou qualidade das manifestações artísticas
reproduzidas pelo programa "Big Brother Brasil" em
nosso meio cultural, mas, sim, aferir se houve ou não
abuso no exercício da liberdade de expressão, o que não
ocorreu, in casu.
7. Por fim, não há provas concretas de que houve omissão
por parte da União, enquanto Poder Concedente, quanto
ao dever de fiscalização "adequada", até porque, proibir a
veiculação das cenas, não reputadas como abusivas, seria
o mesmo que praticar censura.
8. Apelo improvido.

ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima
indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar
provimento ao apelo ministerial, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.

São Paulo, 06 de setembro de 2017.


NERY JÚNIOR
Desembargador Federal Relator

Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de


24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil,
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Nº de Série do
11A21703044B8ADB
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Data e Hora: 12/09/2017 14:31:50
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007265-47.2012.4.03.6100/SP

2012.61.00.007265-8/SP

RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR


APELANTE : Ministério Público Federal
PROCURADOR : JEFFERSON APARECIDO DIAS e outro (a)
APELADO (A) : GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A
SP130483 LUIS FERNANDO PEREIRA ELLIO e outro
ADVOGADO :
(a)
APELADO (A) : União Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
No. ORIG. : 00072654720124036100 24 Vr SÃO PAULO/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta nos autos da ação civil
pública, com pedido de tutela antecipada, movida pelo
Ministério Público Federal contra Globo Comunicação e
Participações S.A., concessionária de serviço público
federal de radiodifusão, e a União, visando a
responsabilização destes em obrigação de fazer e não
fazer.

O objeto desta ação visa obter, preliminarmente,


provimento jurisdicional que determine à Rede
Globo obrigação de não fazer, consistente na
abstenção de exibir nas futuras edições do programa "Big
Brother Brasil", em TV aberta ou em TV a cabo ou por
qualquer outro meio, cenas que possam estar
relacionadas, mesmo que em tese, à prática de crimes;
e in fine, na obrigação de fazer consubstanciada na
elaboração e divulgação de campanha de conscientização
à população acerca dos direitos atribuídos às mulheres
com vista à erradicação da violência de gênero;
cumulativamente com a obrigação de
fazer consubstanciada na adequação da estrutura e
conteúdo do dito reality show às finalidades educativa,
artística, cultural e informativa que norteiam a
comunicação social.

Pleiteou, ainda, a condenação da União, por meio da


Secretaria de Comunicação Eletrônica dos Ministérios das
Comunicações, em obrigação de fazer consubstanciada
na adequada fiscalização da transmissão do programa
televisivo em foco, especialmente quanto ao cumprimento
das obrigações determinadas em juízo na presente ação
civil pública.

Narra o representante do Parquet Federal que a presente


ação civil pública advém das Peças de Informação nº
1.34.001.000233/2012-19, nas quais consta que na
madrugada do dia 15 de janeiro de 2012, foi veiculado
imagem de suposto crime de estupro de vulnerável
praticado por um dos participantes contra a participante
"M.A.", o que teria sido constatado por diversos
telespectadores do programa exibido em pay per view, os
quais desconfiaram da prática do abuso pelo fato de que,
enquanto ambos estavam na mesma cama, ocorreram
movimentos característicos de conjunção carnal por parte
daquele junto a esta, que aparentemente estava
adormecida em razão do excesso na ingestão de bebida
alcóolica.

Segundo o apelante, as imagens do suposto abuso sexual


foram veiculadas em tempo real para os telespectadores
do pay per view, e transmitidas na TV aberta na exibição
do programa na noite do dia 15 de janeiro, durante
exibição do resumo da festa iniciada na noite do dia
anterior.
A liminar foi indeferida às fls. 224/227-v.

Regularmente processado o feito, sobreveio sentença,


julgando improcedente o pedido inicial, com fundamento
no artigo 269, inciso I do CPC/73.

Irresignado, apela o MPF, alegando, em síntese, omissão


da recorrida Rede Globo ao permitir a exibição das cenas
em discussão, o que ocasionou dano à sociedade
brasileira e prejudicou políticas públicas de
conscientização quanto aos direitos da mulher em
prejuízo à erradicação da violência de gênero.

Sustenta que não é o fato do inquérito policial ter sido


arquivado que importa para o deslinde da causa, mas sim
sua instauração, que, por si só, já demonstra a conotação
de abuso sexual da conduta exibida nas imagens em
comento, percebida por inúmeros telespectadores do
programa "Big Brother 12", apta a ocasionar dano à
sociedade.

Alega que a notória aparência de abuso sexual do homem


em detrimento da mulher nas cenas exibidas pela
emissora correcorrida já é o suficiente para prejudicar
toda uma construção de conscientização em prol da
proteção dos direitos da mulher, diante da influência dos
meios de comunicação em massa em relação à
coletividade telespectadora.

Aduz que uma prova da influência da conotação sexual


das cenas em foco é o vídeo denominado "Funk BBB12 -
Monique se dormir, vai tomar dormindo", de autoria de
"DJ RD da NH", postado em 17 de janeiro de 2012 e
acessado 909.220 vezes, sendo o suficiente para fazer ruir
o entendimento pela ausência de incentivo ao estigma de
submissão do sexo feminino ao masculino decorrente dos
fatos em análise.
Argumenta que a liberdade de imprensa não é um direito
absoluto, mas deve respeito às disposições do
artigo 221 da Constituição Federal, especialmente, no
tocante à preservação dos valores éticos e sociais da
pessoa e da família, e quando inserida no campo da
radiodifusão de sons e imagens, submete-se a regramento
jurídico peculiar, às limitações impostas pelo
constituinte, e também aos tratados internacionais de
direitos humanos dos quais o Brasil faz parte, nos termos
do artigo 5º, § 2º da CF/88.

Defende que a Rede Globo, ao deixar de adotar as


medidas necessárias à mitigação dos efeitos maléficos da
veiculação das referidas imagens, não só atentou contra
as políticas dos Poderes Públicos e da sociedade, bem
como às diretrizes da "Convenção de Belém do Pará" e da
"Lei Maria da Penha".

Assevera que houve inércia da Administração Pública em


fiscalizar a transmissão do programa televisivo em foco,
violando o artigo 21 da Carta Política.

Requer o provimento do apelo e a reforma da r.


sentença, in totum.

Contrarrazões apresentadas pela Rede Globo às fls.


336/344 e pela União às fls. 347/349-v.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do


apelo, para que se determine à Globo Comunicação e
Participação S/A que elabore e divulgue campanha de
conscientização à população sobre os direitos das
mulheres, com vistas à erradicação da violência contra o
gênero, e que proceda à adequação da estrutura e do
conteúdo do programa Big Brother Brasil às finalidades
constitucionais da comunicação social, bem como se
determine à União (por meio da Secretaria de
Comunicação Eletrônica do Ministério das
Comunicações) que fiscalize, de modo adequado, a
transmissão do referido programa televisivo.

É o relatório.

NERY JÚNIOR
Desembargador Federal Relator

Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de


24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil,
por:
Signatário (a): NERY DA COSTA JUNIOR:10037
Nº de Série do
11A21703044B8ADB
Certificado:
Data e Hora: 12/09/2017 14:31:54

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007265-47.2012.4.03.6100/SP


2012.61.00.007265-8/SP

RELATOR : Desembargador Federal NERY JUNIOR


APELANTE : Ministério Público Federal
PROCURADOR : JEFFERSON APARECIDO DIAS e outro (a)
APELADO (A) : GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A
SP130483 LUIS FERNANDO PEREIRA ELLIO e outro
ADVOGADO :
(a)
APELADO (A) : União Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
No. ORIG. : 00072654720124036100 24 Vr SÃO PAULO/SP
VOTO
Cinge-se a controvérsia a analisar a responsabilidade por
omissão das recorridas e a ocorrência de dano à
sociedade brasileira em razão da exibição de cenas de
suposto crime de estupro praticado por um dos
participantes no programa "Big Brother 12", pela Rede
Globo.

Primeiramente, cabe destacar que não se está aqui a


discutir o dano individual da participante exposta nas
cenas que foram "ao ar", mas sim o alcance difuso
causado pela reprodução das cenas com suposta
conotação sexual ao telespectador em âmbito nacional e
sua repercussão sobre a violência de gênero.

Em verdade, não cabe ao Estado decidir o que é e o que


não é cultura ou o que pode ou não ser veiculado pelos
meios de comunicação, sob pena de censura.

O artigo 220 da Constituição dispõe sobre a liberdade de


atuação da imprensa, manifestada na liberdade de
pensamento, criação, expressão e informação.

Para o Col. STF, no julgamento da ADPF 130/DF, o


aludido dispositivo deve ser interpretado como
mecanismo constitucional de calibração de princípios, na
medida em que "os direitos que dão conteúdo à liberdade
de imprensa são bens de personalidade que se
qualificam como sobredireitos. Daí que, no limite, as
relações de imprensa e as relações de intimidade, vida
privada, imagem e honra são de mútua excludência, no
sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às
segundas".

Assim sendo, primeiramente, assegura-se o gozo dos


sobredireitos de personalidade oriundos da liberdade de
pensamento, criação e informação; somente depois,
passa-se a cobrar do titular de tais situações jurídicas
ativas um eventual desrespeito a direitos constitucionais
alheios.

No presente caso, o inquérito policial foi arquivado, em


razão da confirmação da participante "M.A." de que o ato
sexual foi consentido. Dessa forma, não há que se falar
em abuso sexual das cenas veiculadas, tampouco
violência de gênero a configurar dano na esfera difusa.

Não há provas concretas a amparar a pretensão


ministerial, sendo temerário afirmar que houve crime de
estupro somente com a análise das imagens e dos fatos
narrados pelo recorrente.

Destarte, não cabe ao Judiciário exercer controle de


conteúdo ou qualidade das manifestações artísticas
reproduzidas pelo programa "Big Brother Brasil" em
nosso meio cultural, mas, sim, aferir se houve ou não
abuso no exercício da liberdade de expressão, o que não
ocorreu, in casu.

Insta ressaltar, por oportuno, que o Col. STF tem


posicionamento firme no sentido de vedar ao Estado
definir o que pode ou não ser dito pelos jornalistas, dever
de omissão que inclui a própria atividade legislativa,
vedando à lei de dispor sobre o núcleo duro das
atividades jornalísticas, "assim entendidas as
coordenadas de tempo e de conteúdo da manifestação do
pensamento, da informação e da criação lato sensu",
(Precedentes: ADPF 130/DF e ADIin verbis:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA.
ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME CONSTITUCIONAL
DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA",
EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE
IMPRENSA. A "PLENA" LIBERDADE DE IMPRENSA
COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE
QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A
PLENITUDE DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO
REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE
INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA,
CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL.
LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES
DE IMPRENSA E QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES
BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA
EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL
DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO
PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE
INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA,
CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL.
TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS
DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO
PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DIRETAMENTE
CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE
PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO
CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA E O BLOCO
DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E
VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO
BLOCO. INCIDÊNCIA A POSTERIORI DO SEGUNDO
BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE
ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR
RESPONSABILIDADES PENAL, CIVIL E
ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS
CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE
DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA
CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES
PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A POSTERIORI,
ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR ABUSOS POR
PARTE DA IMPRENSA. PROPORCIONALIDADE
ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E
RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E
MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA
CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E
DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE
PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A
IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE
FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO
ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS.
PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU OLIGOPOLIZAR
ÓRGÃOS DE IMPRENSA COMO NOVO E AUTÔNOMO
FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO DA
LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS
PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA.
AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA
ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO EM
BLOCO DA LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA ORDEM
CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA
DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
"1. (...)
3. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA
COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO
PROLONGADOR DE SUPERIORES BENS DE
PERSONALIDADE QUE SÃO A MAIS DIRETA
EMANAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: A
LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E O
DIREITO À INFORMAÇÃO E À EXPRESSÃO
ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E
COMUNICACIONAL. TRANSPASSE DA NATUREZA
JURÍDICA DOS DIREITOS PROLONGADOS AO
CAPÍTULO CONSTITUCIONAL SOBRE A
COMUNICAÇÃO SOCIAL. O
art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de
plena liberdade de atuação da imprensa, porquanto
fala: a) que os mencionados direitos de personalidade
(liberdade de pensamento, criação, expressão e
informação) estão a salvo de qualquer restrição em seu
exercício, seja qual for o suporte físico ou tecnológico de
sua veiculação; b) que tal exercício não se sujeita a
outras disposições que não sejam as figurantes dela
própria, Constituição. A liberdade de informação
jornalística é versada pela Constituição Federal como
expressão sinônima de liberdade de imprensa. Os
direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são
bens de personalidade que se qualificam como
sobredireitos. Daí que, no limite, as relações de
imprensa e as relações de intimidade, vida privada,
imagem e honra são de mútua excludência, no sentido
de que as primeiras se antecipam, no tempo, às
segundas; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações
de imprensa como superiores bens jurídicos e natural
forma de controle social sobre o poder do Estado,
sobrevindo as demais relações como eventual
responsabilização ou consequência do pleno gozo das
primeiras. A expressão constitucional"observado o
disposto nesta Constituição"(parte final do art. 220)
traduz a incidência dos dispositivos tutelares de outros
bens de personalidade, é certo, mas como consequência
ou responsabilização pelo desfrute da"plena liberdade
de informação jornalística"(§ 1º do mesmo
art. 220 da Constituição Federal). Não há liberdade de
imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura
prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena
de se resvalar para o espaço inconstitucional da
prestidigitação jurídica. Silenciando
a Constituição quanto ao regime da internet (rede
mundial de computadores), não há como se lhe recusar
a qualificação de território virtual livremente veiculador
de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais que
signifique plenitude de comunicação.
4. MECANISMO CONSTITUCIONAL DE CALIBRAÇÃO
DE PRINCÍPIOS. O art. 220 é de instantânea
observância quanto ao desfrute das liberdades de
pensamento, criação, expressão e informação que, de
alguma forma, se veiculem pelos órgãos de comunicação
social. Isto sem prejuízo da aplicabilidade dos seguintes
incisos do art. 5º da mesma Constituição Federal:
vedação do anonimato (parte final do inciso IV); do
direito de resposta (inciso V); direito a indenização por
dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à
honra e à imagem das pessoas (inciso X); livre exercício
de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer (inciso
XIII); direito ao resguardo do sigilo da fonte de
informação, quando necessário ao exercício profissional
(inciso XIV). Lógica diretamente constitucional de
calibração temporal ou cronológica na empírica
incidência desses dois blocos de dispositivos
constitucionais (o art. 220 e os mencionados incisos do
art. 5º). Noutros termos, primeiramente, assegura-se o
gozo dos sobredireitos de personalidade em que se
traduz a"livre e plena"manifestação do pensamento, da
criação e da informação. Somente depois é que se passa
a cobrar do titular de tais situações jurídicas ativas um
eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios,
ainda que também densificadores da personalidade
humana. Determinação constitucional de momentânea
paralisia à inviolabilidade de certas categorias de
direitos subjetivos fundamentais, porquanto a cabeça do
art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou
restrição à concreta manifestação do pensamento
(vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou
restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a
informação, seja qual for a forma, o processo, ou o
veículo de comunicação social. Com o que a Lei
Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e
civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e
opiniões, assim como das notícias e informações, mas
sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um
regime de responsabilidades civis, penais e
administrativas. Direito de resposta e responsabilidades
que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as
causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de
liberdade de imprensa.
5. (...)
6. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE
LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. A plena
liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que
corresponde ao mais eloquente atestado de evolução
político-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido
condão de vitalizar por muitos modos a Constituição,
tirando-a mais vezes do papel, a Imprensa passa a
manter com a democracia a mais entranhada relação de
mútua dependência ou retroalimentação. Assim
visualizada como verdadeira irmã siamesa da
democracia, a imprensa passa a desfrutar de uma
liberdade de atuação ainda maior que a liberdade de
pensamento, de informação e de expressão dos
indivíduos em si mesmos considerados. O § 5º do art.
220 apresenta-se como norma constitucional de
concretização de um pluralismo finalmente
compreendido como fundamento das sociedades
autenticamente democráticas; isto é, o pluralismo como
a virtude democrática da respeitosa convivência dos
contrários. A imprensa livre é, ela mesma, plural,
devido a que são constitucionalmente proibidas a
oligopolização e a monopolização do setor ( § 5º do
art. 220 da CF). A proibição do monopólio e do
oligopólio como novo e autônomo fator de contenção de
abusos do chamado" poder social da imprensa ".
7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO
CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO
INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO
PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL
DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da
informação plena e fidedigna. O possível conteúdo
socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de
estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto
da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o
direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda
que em tom áspero ou contundente, especialmente
contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica
jornalística, pela sua relação de inerência com o
interesse público, não é aprioristicamente suscetível de
censura, mesmo que legislativa ou judicialmente
intentada. O próprio das atividades de imprensa é
operar como formadora de opinião pública, espaço
natural do pensamento crítico e" real alternativa à
versão oficial dos fatos "(Deputado Federal Miro
Teixeira).
8. NÚCLEO DURO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E A
INTERDIÇÃO PARCIAL DE LEGISLAR. A uma
atividade que já era"livre"(incisos IV e IX do art. 5º),
a Constituição Federal acrescentou o qualificativo
de"plena"(§ 1º do art. 220). Liberdade plena que,
repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à
essência mesma do jornalismo (o chamado" núcleo duro
"da atividade). Assim entendidas as coordenadas de
tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento,
da informação e da criação lato sensu, sem o que não se
tem o desembaraçado trânsito das ideias e opiniões,
tanto quanto da informação e da criação. Interdição à
lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa,
retratadas no tempo de início e de duração do concreto
exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou
tamanho do seu conteúdo. Tirante, unicamente, as
restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para
o"estado de sítio"(art. 139), o Poder Público somente
pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de
imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem
quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja.
Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos,
definir previamente o que pode ou o que não pode ser
dito por indivíduos e jornalistas. As matérias
reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de
conformação legislativa, são as indicadas pela
própria Constituição, tais como: direitos de resposta e
de indenização, proporcionais ao agravo; proteção do
sigilo da fonte (" quando necessário ao exercício
profissional "); responsabilidade penal por calúnia,
injúria e difamação; diversões e espetáculos públicos;
estabelecimento dos" meios legais que garantam à
pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de
programas ou programações de rádio e televisão que
contrariem o disposto no art. 221, bem como da
propaganda de produtos, práticas e serviços que possam
ser nocivos à saúde e ao meio ambiente "(inciso II do §
3º do art. 220 da CF); independência e proteção
remuneratória dos profissionais de imprensa como
elementos de sua própria qualificação técnica (inciso
XIII do art. 5º); participação do capital estrangeiro nas
empresas de comunicação social ( § 4º do
art. 222 da CF); composição e funcionamento do
Conselho de Comunicação Social
(art. 224 da Constituição). Regulações estatais que,
sobretudo incidindo no plano das consequências ou
responsabilizações, repercutem sobre as causas de
ofensas pessoais para inibir o cometimento dos abusos
de imprensa. Peculiar fórmula constitucional de
proteção de interesses privados em face de eventuais
descomedimentos da imprensa (justa preocupação do
Ministro Gilmar Mendes), mas sem prejuízo da ordem
de precedência a esta conferida, segundo a lógica
elementar de que não é pelo temor do abuso que se vai
coibir o uso. Ou, nas palavras do Ministro Celso de
Mello," a censura governamental, emanada de qualquer
um dos três Poderes, é a expressão odiosa da face
autoritária do poder público ".
9. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA
ATIVIDADE DE IMPRENSA. É da lógica encampada
pela nossa Constituição de 1988 a autorregulação da
imprensa como mecanismo de permanente ajuste de
limites da sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade
civil. Os padrões de seletividade do próprio corpo social
operam como antídoto que o tempo não cessa de
aprimorar contra os abusos e desvios jornalísticos. Do
dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade
das informações comunicadas ao público decorre a
permanente conciliação entre liberdade e
responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais
pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma
liberdade de informação a que o próprio Texto Magno
do País apôs o rótulo de"plena"(§ 1 do art. 220).
10. (...)."
(STF, ADPF 130/ DF - DISTRITO FEDERAL, Rel Min
CARLOS AIRES BRITO, TRIBUNAL PLENO, Julgado
em: 30/04/09, Publicado em: 06/11/2009)
Nesse sentido, programas de reality shows compõe as
atividades de"imprensa", na medida em que gozam da
plenitude da liberdade de expressão consagrada
pela Constituição.

Por fim, não há provas concretas de que houve omissão


por parte da União, enquanto Poder Concedente, quanto
ao dever de fiscalização "adequada", até porque, proibir a
veiculação das cenas, não reputadas como abusivas, seria
o mesmo que praticar censura.

Ante o exposto, voto pelo improvimento do apelo


ministerial e manutenção da r. sentença.

NERY JÚNIOR
Desembargador Federal Relator

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