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LEGISLAÇÃO

APLICADA À
COMUNICAÇÃO
SOCIAL - ÊNFASE
EM JORNALISMO

Laísa Veroneze Bisol


Constituição Federal
e comunicação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Descrever os preceitos constitucionais relativos à comunicação no


Brasil.
 Identificar os princípios da liberdade de comunicação.
 Reconhecer os limites constitucionais da comunicação.

Introdução
Neste capítulo, você vai estudar os artigos da Constituição Federal brasi-
leira de 1988 que versam sobre a liberdade de comunicação no Brasil. Para
isso, é importante que você compreenda como ocorria a comunicação
antes dessa Constituição, no período em que a imprensa do País era
censurada em função da ditadura militar. Além disso, você vai conferir
quais são, hoje, os princípios e os limites da liberdade de comunicação,
que devem atender, sobretudo, o interesse público.
Com este estudo, você vai conhecer as normativas referentes à co-
municação no Brasil e o papel da comunicação e dos profissionais que
informam diariamente as notícias, além de acompanhar casos publicados
nos mais diversos segmentos midiáticos.

1 Capítulo V da Constituição e a comunicação


social
A Constituição de 1988 prevê alguns artigos voltados especificamente à co-
municação. Há, portanto, na legislação do País, normas que regulamentam
a comunicação, desde a publicação de materiais impressos até a concessão
de canais de televisão ou emissoras de rádio, passando ainda pela liberdade
de expressão.
2 Constituição Federal e comunicação

A Constituição de 1988 nasceu de um processo de redemocratização no


Brasil e, pela primeira vez na história das constituições no País, contemplou
cinco artigos específicos voltados para a comunicação, que estão inseridos
no Capítulo V — Da Comunicação Social (BRASIL, 1988).
O primeiro deles, art. 220, expõe que “[…] a manifestação do pensamento,
a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma, processo ou veículo
não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”
(BRASIL, 1988, documento on-line). A primeira regulamentação já engloba
a liberdade de expressão, que não era prevista anteriormente a 1988. Vicente
(2009) afirma que são grandes os avanços provenientes da Constituição de
1988 na área da comunicação. Segundo o autor:

Houve um cuidado especial em formular com nitidez direitos e garantias para


a liberdade de expressão e informação. Em tese, esse princípio norteador
significou um avanço substancial se comparado com a censura e falta de
garantias de informação ocasionadas pelos Atos Institucionais adotados no
regime autoritário (VICENTE, 2009, p. 156).

O art. 220 (BRASIL, 1988) vem acompanhado por seis parágrafos. O § 1º


indica, justamente, a liberdade de informação jornalística, e o § 2º se refere à
proibição de qualquer censura ideológica, política ou artística. Já o § 3º pará-
grafo apresenta os incisos que dizem respeito à Lei Federal. O inciso I engloba
a regulamentação de diversões e espetáculos públicos, afirmando que o Poder
Público deve informar sobre a natureza e a faixa etária recomendadas para
cada evento. O inciso II estabelece meios legais para que as pessoas possam se
defender de programações de rádio ou televisão nocivas ao meio ambiente e a
saúde ou que não cumpram o previsto no art. 221, que veremos mais adiante.
Ainda como parte do art. 220, o § 4º faz referência à propaganda comercial
de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, indicando
a possibilidade de restrições legais, dependendo do seu conteúdo. Essa medida
não visa limitar a liberdade de expressão, mas prevê, conforme o inciso II que
verificamos anteriormente, a preservação de informações nocivas à saúde dos
sujeitos (BRASIL, 1988).
O § 5º do art. 220 (BRASIL, 1988) afirma que os meios de comunicação
social não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio, nem de forma direta,
nem indireta. Isso significa que um veículo de comunicação como uma emissora
de televisão, por exemplo, não deve ser restrito a um único patrocinador (mo-
nopólio) ou poucos patrocinadores que detenham grande parcela do mercado
(oligopólio). Isso ocorre para prevenir que uma determinada ideologia se
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sobreponha no momento da transmissão de informações ao público, limitando


o acesso dos espectadores, considerando o exemplo citado, a um único ponto
de vista, que seria estabelecido por relações comerciais e econômicas antes
de primar pelo conteúdo de qualidade.
O último parágrafo do art. 220 menciona que a “[…] publicação de veículo
impresso de comunicação independe de licença de autoridade” (BRASIL, 1988,
documento on-line). Ou seja, os periódicos impressos, sejam eles jornais sejam
revistas, não estão condicionados à liberação governamental para existirem
e difundirem informações.
Passando para o art. 221 do Capítulo V (BRASIL, 1988, documento on-
-line), temos que “[…] a produção e a programação das emissoras de rádio e
televisão” deverão atender a alguns princípios voltados ao acesso a conteúdos
que apresentem uma contribuição social. A indicação é que seja dada prefe-
rência a programações com finalidades culturais, informativas, artísticas e
educativas e que promovam a cultura nacional e regional. Além disso, o artigo
orienta que haja a regionalização da produção cultural, artística e jornalística,
ou seja, que a população de cada região possa ter acesso a uma programação
que contemple a sua realidade. O art. 221 (BRASIL, 1988) também prevê
que os veículos de comunicação respeitem os valores éticos dos indivíduos
e das famílias.
O art. 222 apresenta o seguinte:

A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e


imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos,
ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede
no País (BRASIL, 1988, documento on-line).

O art. 222 vem acompanhado por quatro parágrafos. O § 1º apresenta


que ao menos 70% do capital total e votante das empresas de comunicação
devem seguir a regra mencionada no artigo e fazer a gestão de conteúdo e
programação. O § 2º enfatiza que a responsabilidade editorial e a direção da
programação deve ser feita por brasileiros natos ou naturalizados há mais de
dez anos. Já o § 3º atenta para o fato de que os meios de comunicação devem
sempre observar o previsto no art. 221, também garantindo a prioridade de pro-
fissionais brasileiros na execução de produções nacionais. O último parágrafo
do art. 222 indica que a participação de capital estrangeiro será disciplinada
por lei e que as alterações de controle societário deverão ser comunicadas ao
Congresso Nacional (BRASIL, 1988).
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O art. 223 se refere ao tema das concessões para rádio e televisão, prevendo
que:

[…] compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão


e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens,
observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público
e estatal (BRASIL, 1988, documento on-line).

Diferentemente das mídias impressas, que não necessitam de permissão para


circularem, emissoras de televisão e rádio abertas do Brasil precisam de uma
concessão do governo para funcionarem. Para isso, as emissoras comerciais
passam por um processo de licitação, segundo as normas estabelecidas pela
Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamenta a atuação. Depois
desse processo, as concessões devem ser validadas pelo Congresso Nacional,
conforme apresentado nos parágrafos deste artigo, que preveem, ainda, a
necessidade de pedido de renovação após o prazo de concessão, que é de 10
anos para as emissoras de rádio e 15 para as de televisão.
No ano de 2017, houve algumas alterações na lei das concessões. Uma delas
se refere ao tempo de antecedência ao pedido de renovação da concessão,
quando esta estaria por vencer. Anteriormente, esse prazo era de seis a três
meses anteriores ao fim da outorga e, com as alterações, o período aumentou
para 12 meses. Ainda no caso de a outorga expirar sem a decisão a respeito da
renovação, o serviço pode ser mantido funcionando, em caráter precário, com
uma licença provisória. Aquelas emissoras que não apresentarem o pedido
no prazo previsto recebem uma notificação para que se manifestem em até
90 dias (BRASIL, 2017).
No entanto, com a troca de gestão de governo, no ano de 2019 iniciou
uma nova discussão a respeito das concessões. Atualmente, para renovar a
concessão, as emissoras podem emitir um documento que comprove regula-
ridade fiscal com a Receita Federal. Isso significa que pendências tributárias
com a União ou em fase de discussão não são impeditivos para a ação. Com
a mudança, é preciso que todas as pendências estejam quitadas para a reno-
vação da concessão. Além dessa, outra mudança prevista é a integração da
radiodifusão com as telecomunicações. Com isso, conteúdos transmitidos em
vídeo pela internet também se configurariam como televisão.
Constituição Federal e comunicação 5

As concessões para as rádios comunitárias têm algumas peculiaridades com relação


à outorga para rádios comerciais. As rádios comunitárias podem solicitar a renovação
entre os 12 e os 2 meses anteriores ao término da vigência. Quando faltar um mês para
terminar o prazo, a emissora é notificada pelo governo. Caso a outorga de radiodifusão
expire antes da decisão sobre o pedido de renovação, poderá continuar funcionando
em caráter precário.

O art. 224 apenas indica que “[…] para os efeitos do disposto neste Ca-
pítulo, o Congresso Nacional instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de
Comunicação Social, na forma da lei” (BRASIL, 1988, documento on-line),
indicando a existência de um Conselho de Comunicação que, por muito tempo,
não existia no Brasil.
O Texto Constitucional, sendo de 1988, não contempla as mais diferentes
mídias existentes hoje. O que dispõe no capítulo V, a esse respeito, é uma
emenda, acrescentada em 2002, indicando apenas que “[…] os meios de co-
municação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para
a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art.
221” (BRASIL, 1988, documento on-line). No entanto, ainda não existem
normativas específicas para esse tipo de mídia.
A grande quantidade de produção e divulgação do conteúdo pela internet
vale-se de regras gerais da Constituição e do próprio Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros, que também não apresenta artigos específicos voltados
ao jornalismo digital, mas normatiza diversas questões de contexto deonto-
lógico. O que existe é a Lei Geral de Proteção de Dados, Lei nº. 13.709, de
14 de agosto de 2018, que visa proteger os dados pessoais a fim de respeitar
a vida privada dos indivíduos.
Uma vez reconhecidas quais são as premissas deste capítulo constitucional
voltado à comunicação, observaremos, no próximo item, de maneira mais
específica, quais são as questões relativas à liberdade da comunicação.
6 Constituição Federal e comunicação

Leia, na íntegra, os artigos que se referem à comunicação no País buscando em seu


navegador por “Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”. O documento
está disponível na página da Presidência da República.

2 Da proibição à liberdade de comunicação


Estamos acostumados, a todo momento, a receber uma grande quantidade de
informações. Hoje em dia, ficamos sabendo sobre o que acontece no mundo
inteiro, em poucos instantes, não há nada que barre a notícia. Por vezes,
consideramos que ela chega até de forma exagerada, exaustiva, pois as atua-
lizações não param. No fim, por mais que cansemos de um determinado tema,
queremos estar atualizados sobre ele.
Nem sempre foi tão simples assim. Antes da Constituição de 1988, que
prevê, como já vimos, a livre expressão de atividades intelectuais, artísticas,
científicas e de comunicação, tudo era bastante diferente. A nova Constituição
rompeu com um passado marcado por autoritarismo e censura. Veja a seguir
os registros mais importantes nesse sentido.

a) Lei da imprensa: era a forma de o governo regular os direitos e de-


veres referentes à liberdade de imprensa de forma legalizada. Eram
estabelecidas restrições na abordagem de determinados assuntos. A
polícia tinha o direito de apreender os veículos de comunicação sem a
necessidade de um mandado judicial.
b) Censura prévia: dava o direito ao governo de verificar os conteúdos
produzidos antes de serem publicados e, a partir disso, selecionar as
informações que deveriam chegar à população.
c) Autocensura: para garantir o funcionamento dos veículos de comuni-
cação, os gestores e jornalistas eram obrigados a se autocensurar, ou
seja, selecionar as informações a serem divulgadas, para não sofrerem
posteriores retaliações.

Conforme Mattos (2005), o golpe militar de 1964 se caracterizou como um


grande controle do Estado sobre os veículos de comunicação, já que, principal-
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mente a partir do Ato Institucional nº. 5 (AI5), em 1968, muitos jornais foram
fechados e impedidos de circular, além de seus diretores serem presos, assim
como outras pessoas que expressavam a situação da época por meio das artes.
Tendo conhecimento desse passado de restrições à divulgação e, consequen-
temente, ao livre acesso a qualquer informação, podemos notar a importância
da Constituição de 1988. Lattman-Weltman (2008), discorre acerca desse
assunto, destacando alguns princípios que são base da liberdade de expressão:

[…] a defesa, em legislação federal complementar, da pessoa e da família


diante do poder da mídia (particularmente o rádio e a televisão); uma série
de princípios norteadores da produção audiovisual e, portanto, também das
eventuais políticas de concessão que, por sua vez, passam a ser ratificadas, ou
canceladas, pelo Congresso Nacional; e, por último, mas não menos importante,
a instituição de um conselho de comunicação social para a salvaguarda dos
efeitos previstos em suas diretrizes (LATTMAN-WELTMAN, 2008, p. 42).

Considerando esses princípios previstos pela Constituição, o autor conclui


que:

Não há dúvida, portanto, de que princípios, digamos moderadores de uma


certa tradição liberal — ou doutrinariamente ultraliberal — nacional, em
matéria de informação, e que já haviam se manifestado no contexto auto-
ritário pós-64, sofreram uma inflexão de caráter republicano ao longo da
redemocratização, sendo acolhidos pela Assembleia Nacional Constituinte, no
sentido de reconstruir os princípios gerais da ordem (re)nascente (LATTMAN-
-WELTMAN, 2008, p. 42).

Mesmo assegurado o direito à liberdade de expressão do indivíduo, ou seja,


do seu direito de opinar, receber e transmitir ideias, os princípios da liberdade
de comunicação, ou de imprensa, descritos na Constituição são fundamentais
ao exercício da profissão e à população.
Existem alguns preceitos básicos que certificam essa liberdade. Segundo
Fleiner (2003), a imprensa cumpre a sua missão de informar quando confronta
diversas opiniões. Do contrário, se apresentasse apenas uma única opinião, o
conteúdo seria esvaziado de sentido. Essa afirmativa vai ao encontro do art.
220 (BRASIL, 1988), uma vez que, quando os veículos de comunicação não
sofrem censura por parte dos governos e não estão submetidos a um monopólio
ou oligopólio, conseguem apresentar as mais diversas versões dos fatos, sem a
necessidade de obedecer a uma linha ideológica. Assim, a premissa básica do
jornalismo, que perpassa por ouvir o maior número de fontes possíveis, não
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apenas demarca a publicização de informações de qualidade, mas também


confirma a acuidade da liberdade da Comunicação.
Rospa (2011) afirma que existe o direito de ser informado e o direito de
informar. O direito de informar diz respeito à divulgação de fatos ou notícias
de interesse da coletividade. Entretanto, a autora enfatiza que não basta que o
governo impeça ou dificulte o exercício a esses direitos, uma vez que, com o
grande fluxo de informações disponível na atualidade, é necessário que, para
além do cumprimento da Constituição, o Estado fomente meios para facilitar
que a liberdade seja efetiva e não se trate apenas de uma ficção jurídica.
Entretanto, que apesar da liberdade conquistada, especialmente a partir do
que determina a Constituição, os meios de Comunicação nem sempre conse-
guem trabalhar de forma completamente livre. Isso porque, para se manterem,
necessitam dos patrocinadores e, inclusive, do apoio dos governos. Isso faz
com que, algumas vezes, a autocensura ainda esteja presente nas redações do
País, embora em uma proporção muito menor do que nos tempos de ditadura.
Alves (1985, p. 434) explica que:

Daqui ressalta a vocação mediadora da imprensa entre o caos dos fatos e o


mundo inteligível próprio dos humanos. Simultaneamente se realça o seu papel
na formação do pensamento e atitudes dos indivíduos e consequente influência
na opinião pública, o que levanta o poder da imprensa e da sua ligação com os
diferentes poderes que tendem a usá-la em seu proveito. Importa reconhecer,
por um lado, que a relação da imprensa com o poder político e econômico é
inevitável e que a forma de lhe salvaguardar a independência reside no fato
de aquelas relações serem claramente definidas e conhecidas; por outro lado,
a ideia da imprensa como quarto poder só é aceitável enquanto tal poder
corresponder ao poder do seu público, sem o que a ‘imprensa que a liberdade
criou se torna senhora da liberdade’. Por isso mesmo, e qualquer que seja o
estatuto jurídico e formal da imprensa, o seu funcionamento deveria tender
para se tornar a efetiva expressão do público para o público. Assim realizaria
a imprensa a sua função de mediação social, e tanto mais quanto maior for a
capacidade crítica de informadores e informados.

As ideias abordadas por Alves (1985) deixam clara a necessidade de o


jornalismo estar sempre atento ao seu papel fundamental de informar aten-
dendo ao interesse público em primeira instância. Isto é, não se autocensurar
em função de relações políticas ou econômicas. Embora também dependam
dessas relações, os meios de comunicação devem considerar que a liberdade
conquistada tem como intuito cumprir com o direito de informar e ser infor-
mado, conforme mencionado anteriormente.
Constituição Federal e comunicação 9

A ideia de “quarto poder da imprensa” é questionada por esse autor, assim


como por tantos outros. Embora os veículos de comunicação assumam um
importante papel diante da sociedade quando informam com qualidade e
veracidade, esse poder deve estar associado, sobretudo, com a sua principal
função, que é contribuir para que os indivíduos se mantenham informados
e, mais do que isso, que também possam refletir e questionar a respeito dos
mais diversos temas sociais, abordados midiaticamente.
Por fim, o que se ressalta é a importância de utilizar essa liberdade tendo
em vista não a possibilidade de informar qualquer coisa, mas sim a necessi-
dade de transmitir notícias que possam ser relevantes ao coletivo. Por isso, é
importante reconhecer que a liberdade de comunicação deve estar atrelada a
alguns limites. Não é porque a imprensa tem o poder de informar que deve
fazer isso de maneira frívola e sem barreira alguma. Diante disso, veremos,
na próxima seção, quais são os limites que devem ser observados com relação
a essa liberdade.

3 Limites da liberdade
Como já vimos, a conquista da liberdade de informação foi fundamental, já
que, para cumprir sua função, os veículos de comunicação precisam ser livres
de censura. Todavia, isso não significa que os profissionais da área estejam
isentos de responsabilidade com aquilo que noticiam. Pelo contrário, a obtenção
da liberdade também deve levar ao senso máximo de responsabilidade. Caldas
(1997) apresenta ideias a esse respeito:

A liberdade de imprensa exige o princípio da verdade, haja vista que, se por


um lado lhe é reconhecido o direito de informar a sociedade sobre fatos e
ideias, por outro sob este direito incide o dever de informar objetivamente,
ou seja, sem alterar-lhes a verdade ou modificar o sentido original, posto que
assim agindo não temos informação, mas sim uma deformação (CALDAS,
1997, p. 66-67).

Com esse fragmento, podemos compreender que não se pode confundir


a liberdade com simplesmente comunicar qualquer coisa. O primeiro com-
promisso dos meios de Comunicação deve ser com o seu público, com toda
a população, tendo como ponto de partida o respeito e a veracidade daquilo
que é transmitido.
Além disso, a Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 5º, inciso
X, que “[…] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
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das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral


decorrente de sua violação” (BRASIL, 1988, documento on-line). Essa deter-
minação se refere tanto à pessoa física, ou seja, a responsabilidade individual
de não violar a imagem de outra pessoa, quanto aos veículos de imprensa, que
não possuem o direito de, por exemplo, apresentar julgamentos ou difamar
alguma pessoa ou entidade usando como argumento a liberdade, uma vez que
devem ser respeitados os seus limites.
Além desse limite constitucional, há a garantia desse direito no art. 12
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU. Nesse artigo, está
assegurado que:

[…] ninguém estará sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família,
no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação.
Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou
ataques (NAÇÕES UNIDAS, 1948, documento on-line).

O direito da garantia à vida privada, honra e imagem estão também aliados


a outros limites da liberdade, evidenciados por Lorenzetti:

O direito à liberdade de imprensa pode ser limitado por algumas razões de


interesse público, como, por exemplo: a) a censura prévia a espetáculos, a fim
de se proteger a moral da infância e da adolescência; b) proibição de propaganda
em favor da guerra e toda apologia do ódio nacional, racial ou religioso que
incite à violência ou a ações discriminatórias (LORENZETTI, 1998, p. 508).

Com essas constatações, percebe-se a grande responsabilidade atribuída


a quem está à frente da possibilidade de divulgar informações, já que todo o
conteúdo deve estar em consonância com esses direitos que são de todos. O não
cumprimento desses aspectos também está previsto no art. 5º, inciso V: “[…] é
assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem” (BRASIL, 1988, documento on-line).
Isso quer dizer que, se em algum momento, um jornal, televisão, rádio ou
qualquer outro veículo de comunicação ultrapassar os limites da liberdade e
ferir alguém material ou moralmente, deverá destinar o mesmo espaço para
assegurar o direito de resposta.
Outros incisos bastante importantes deste mesmo artigo são aqueles que se
referem ao anonimato. O inciso IV assegura que “[…] é livre a manifestação
do pensamento, sendo vedado o anonimato” (BRASIL, 1988, documento
on-line). Significa que, ao divulgar uma informação importante, o veículo
Constituição Federal e comunicação 11

não poderá se omitir da sua responsabilidade ocultando quem o fez. Contudo,


o inciso XIV prevê que “[…] é assegurado a todos o acesso à informação e
resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”
(BRASIL, 1988, documento on-line). Portanto, se for preciso, é permitido não
indicar qual a fonte da informação, quando o intuito for garantir que o público
tenha acesso a informações relevantes.
Também é preciso considerar que não basta uma notícia ser verdadeira, é
fundamental que a divulgação das informações seja útil para a sociedade. Por
isso, pensar o papel do jornalismo enquanto disseminador de conteúdos que
são de interesse público é fundamental. Embora exista um segmento midiático
voltado ao entretenimento e que divulga, por exemplo, curiosidades referentes
a famosos e outras personalidades públicas, quando tratamos sobre jornalismo
em sua essência de informação, é preciso atentar sempre à seleção de infor-
mações conforme critérios que validam por que aquilo está sendo divulgado.
É inegável, porém, que a vida de figuras públicas, como políticos e artistas,
acabem sendo alvo de curiosidade do público e, por isso, muitas vezes, são
publicadas informações que seriam consideradas de ordem mais intimista.
Embora respaldados igualmente pela Constituição, por serem figuras públicas
acabam ficando sujeitos à uma exposição midiática avaliada de uma maneira
que leva em consideração o contexto do que foi divulgado. Mendes, Coelho
e Branco (2008, p. 383) afirmam que é incorreto pensar que pessoas públicas
abrem mão de sua privacidade já pelo seu modo de viver: “[…] vivendo ele do
crédito público, estando constantemente envolvido em negócios que afetam a
coletividade, é natural que em torno dele se avolume um verdadeiro interesse
público, que não existiria ao pacato cidadão comum”.
Ainda que haja essa curiosidade em saber informações a respeito dessas
pessoas, é necessário ter a consciência de que a Constituição segue em vigor
para todos os casos. Além do cuidado para o fornecimento de um conteúdo
verdadeiro, é preciso atentar para aquilo que não vá ferir a intimidade da
personalidade a ser exposta, fato que, infelizmente, nem sempre ocorre na
mídia brasileira, haja vista o fato de muitos artistas precisarem abrir processos
contra revistas ou emissoras de televisão por terem sido alvo de publicações
inoportunas.
Quando falamos sobre os limites da liberdade, também é pertinente recordar
o que apresenta os princípios básicos da Constituição. O art. 3º indica que é
necessário “[…] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988,
documento on-line). Essa normativa, apesar de ser geral e não corresponder
especificamente ao que diz respeito à comunicação, deve ser também obser-
12 Constituição Federal e comunicação

vada por quem produz as notícias. Ao pensarmos na ideia de um conteúdo


verdadeiro, que acrescenta à reflexão social, percebemos a importância de,
não simplesmente fazer o básico, que é respeitar as diferentes pessoas, mas
também atribuir voz a elas.
Mesmo com a dificuldade de alimentar um jornalismo objetivo e imparcial,
retomamos o ponto básico de ouvir as mais variadas fontes e representá-las nas
mídias. Embora a Constituição preveja liberdade ao comunicador, este deve
ter consciência que, ao comunicar ao coletivo, deve minimizar ao máximo as
suas próprias crenças, ideologias, etc., para considerar todas ou, pelo menos,
a maioria das opiniões.
Outro modo de ultrapassar os limites da liberdade é quando a imprensa
utiliza a informação com o foco no lucro. Mello (2010) discorre sobre isso,
afirmando que, com o intuito de promover o lucro, a mídia explora fatos e os
transforma em espetáculo, instrumento de entretenimento, sem um crítico
processo de seleção, o que gera audiência e, com isso, dinheiro. Veja a seguir
um exemplo de quando a mídia ultrapassa os limites da liberdade.

Na comunicação, existe um termo chamado sensacionalismo. Ocorre quando um


veículo de imprensa se vale, por exemplo, de algum acontecimento marcante no
mundo ou da dor de uma pessoa para chamar a atenção do público de uma maneira
apelativa que, normalmente, acaba sendo exaustivamente repetitiva.
O sensacionalismo também pode ser uma maneira de abusar da liberdade concedida
pela Constituição, quando fere, por exemplo, a moral ou a integridade de outrem. Um
exemplo disso aconteceu em fevereiro de 2020, quando um programa de televisão de
uma grande emissora brasileira informou, ao vivo, a uma mãe, sobre a morte da sua
filha que estava desaparecida. Ao saber, durante a programação, que sua filha havia
sido assassinada pelo companheiro, a mãe desmaiou em frente às câmeras.
Esse episódio é um exemplo de como o sensacionalismo pode ferir os limites da
liberdade, já que o programa em questão se valeu da dor e da fragilidade de uma
pessoa buscando impacto diante da audiência. Embora casos como esse gerem, de
fato, curiosidade do público, a repercussão foi absolutamente negativa, tendo em
vista a falta de responsabilidade diante do sentimento de uma mãe que perde uma
filha e, também, de respeito com o próprio público espectador.

Ainda de acordo com o estudo de Mello (2010, p. 109): “[…] essa desneces-
sidade de exame ou vedação da censura, no entanto, não deve ser entendida de
Constituição Federal e comunicação 13

forma a dar à imprensa liberdade absoluta. Muito pelo contrário, a liberdade


de informação jornalística deve enfrentar restrições frente aos outros direitos
fundamentais igualmente garantidos pela Constituição”.
Dessa forma, é fundamental ter em vista que, tanto quanto a liberdade é
importante, também seus limites são essenciais para que os conteúdos divul-
gados pela imprensa sejam de fato relevantes para a sociedade.

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cadernos/direito-constitucional/o-papel-do-direito-fundamental-a-liberdade-de-
-imprensa-no-estado-brasileiro/#_ftn9. Acesso em: 21 abr. 2020.
14 Constituição Federal e comunicação

VICENTE, M. M. Comunicação em xeque: o debate na regulamentação pós-Consti-


tuição. In: GOULART, J. O. As múltiplas faces da Constituição cidadã. São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2009.

Leituras recomendadas
BRASIL. Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968. São mantidas a Constituição de
24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais; O Presidente da República poderá
decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Cons-
tituição [...]. Brasília, DF, 1968. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/
atoins/1960-1969/atoinstitucional-5-13-dezembro-1968-363600-publicacaooriginal-1-
-pe.html. Acesso em: 23 abr. 2020.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Cons-
tituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública
e dá outras providências. Brasília, DF, 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 23 abr. 2020.
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(LGPD). Brasília, DF, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 23 abr. 2020.

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