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FACULDADES DE CAMPINAS

O QUE É PODER
GÉRARD LEBRUN

DEBORAH MELISSA HÜSEMANN RA 201015008

LUIZ GUSTAVO MARTINS SERPA

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

CAMPINAS
2010
Sumário

Apresentação do Monstro..................................................................................................................3
O Leviatã contra a Cidade Grega.....................................................................................................4
O “Leviatã” e o Estado Burguês.......................................................................................................5
A Comédia Liberal.............................................................................................................................7
O Último Chefe...................................................................................................................................8
Bibliografia:......................................................................................................................................10

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Apresentação do Monstro

Potência de destruição total é a capacidade que uma potência, que tem um arsenal nuclear,
tem de exterminar todos os seres vivos. Potência de limitar a soberania é quando, por exemplo, o
Fundo Monetário Internacional ajuda um país em dificuldades, e assim pode ditar-lhe uma política
econômica determinada. Potência é a capacidade de efetuar uma ação a qualquer momento, mas não
quer dizer que vá realizá-la.
A canalização da potência é a força. Desse modo, força não significa apenas métodos
violentos de coerção, mas meios que permitam influenciar no comportamento de outro individuo,
como por exemplo, um sindicato que tem peso político, é porque tem força para realizar uma greve.
Mas ao invés de potência, Lebrun discorre sobre poder, porque esse inclui outro elemento, a
dominação, que segundo Max Weber “é a probabilidade de que uma ordem com um determinado
conteúdo específico seja seguida por um dado grupo de pessoas”.
Existe o poder quando a potência, determinada por uma força, se explicita de forma precisa,
não sob a forma de ameaça, mas sob forma de ordem dirigida a alguém, que presume que deve
cumpri-la. Weber chamou isso de Herrschaft. Traduzido por Raymond Aron como dominação.
Talcott Parsons chama de imperative control, mas esse termo não deixa clara a relação entre quem
manda e quem obedece. Ele não concorda com o poder sendo uma ação imposta por um indivíduo a
outro. Political Power é a aplicação de uma capacidade generalizada, que tem como objetivo, que
os membros de uma sociedade cumpram obrigações legítimas em nome de fins coletivos. Parsons
julga errada toda definição de poder que o julgue como marcado pela desigualdade. Não basta ter
poder para impor sua vontade é necessário também, autoridade.
Hegel, por sua vez, diferencia Poder de Estado de potência pura e simples e o livre arbítrio
do despotismo, o último é aquele que a vontade particular vale como lei, e, o Poder estatal persegue
fins que são de coletividade.
Parsons descreve o poder, bem parecido com o poder exercido nas democracias ocidentais, o
direito de governar dentro de limites constitucionais está fundado num consenso explícito pela
nação, ninguém questiona o direito de um Presidente de exercer sua função. Para ele não importa
por qual processo passou essas pessoas encarregadas de tomar decisões. Não importa o regime em
que as pessoas vivam o comportamento do contribuinte, aquele que obedece às leis impostas, deve
ser bem parecido em todas as partes do mundo, quando se submetem às leis e regulamentos ditados
pelo poder, é sempre porque uma infração significa a certeza de uma punição. Os libertários
apresentam o poder como um monstro, que os súditos e temerosos devem ajoelhar-se. Não dá para
concluirmos que a coerção não seja essencial para a obediência política, onde está presente se não o
medo, a consciência da possível coação. Mesmo sendo rejeitada por Parsons, existe outra tese que
diz que só podemos ter poder à custa de outra pessoa, ou seja, o poder de um implica no não poder
de outro.
A origem de como continua sendo possível a conformação dos homens diante dos excessos
do poder, talvez se dê ao sentimento dos deserdados, de serem excluídos por natureza do poder, ou
de uma convicção de que se opor ao poder seria loucura. O homem representa o poder como uma
coisa, ainda que ele não seja.
Com o tempo o poder político foi se burocratizando e se sofisticando, essa evolução
originou-se a partir do óbvio da relação de igualdade entre “comunidade política” e “organização da
dominação”. O nascimento do poder deve-se aparentemente, às necessidades da guerra e a partir do
momento que as sociedades ampliam-se e aprimoram-se e as regras de justiça já não têm força o
suficiente em si próprias, para que os homens a respeitem sem correr algum risco de coerção. E
ainda existem grupos sociais interessados em que a justiça seja ministrada de maneira segura. A
partir daí o homem acostumou rapidamente com a obediência, gerando a igualdade entre “ser
cidadão” e “ser obediente”. Essa equação não é de natureza humana. Na Polis grega a dominação

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era exercida apenas na vida privada, com escravos e família. O que os gregos chamavam de arché
politiké não é o nosso poder político, a arché, segundo Aristóteles se exerce no interesse de todos,
os encargos cívicos e a direção são feitas através de um rodízio dos cidadãos. Mas as vantagens
materiais que se tiram do Estado ou que se alcança pelo exercício da archéin os homens desejam
permanecer continuamente em funções. Esses fatores indicam o quanto está longe de Aristóteles as
idéias de uma dominação suprema e de um poder constitutivo da Cidade, que são marcas da
nascença da nossa política moderna.

O Leviatã contra a Cidade Grega

Tanto Hobbes quanto Jean Bodin conferem ao Príncipe legítimo uma potência tal que o
exercício de seu poder é livre de toda norma ou regra. Quando alguma dessas leis o atrapalha, ele
pode revogá-la e/ou fazer outra.
A diferença entre um príncipe e um soberano é que o príncipe obedece às leis e governa
conforme os Direitos, o soberano não engloba o poder do príncipe, mas é um poder de Estado que
está muito acima dos outros poderes.
Jean Bodin diferencia a concepção moderna da antiga de Cidade, “chamavam de República
uma sociedade de homens reunidos para viverem bem e felizes”, a segunda diferença é a de que a
República é um “reto governo de várias famílias e do que lhes é comum havendo um poder
soberano”. Mas para que o governo seja uma República é necessário que haja algo comum e
público. O povo não é um corpo político, é necessário uma instância que coordene e unifique esses
indivíduos.
O Leviatã criado por Hobbes coincide com a constituição da multidão em um corpo político.
É como se cada homem cedesse o direito de se governar a outro homem e autoriza todas as suas
ações. A multidão então será unida em uma só pessoa, a República. Para que haja corpo político é
necessário que todas as vontades sejam depositadas em uma só vontade, e que exista uma pessoa
para depositar essa vontade, o soberano. As vontades desse soberano são tidas como a vontade de
todas as outras pessoas, desse modo é gerada uma relação de identidade: comunidade sem
unificação – soberania – poder absoluto e perpétuo. O soberano tem apenas duas funções: zelar pela
vida boa e cômoda e pela segurança de seus súditos. Há uma cumplicidade entre soberano e súditos,
não é em troco de nada que os homens aceitam subordinar-se a um soberano, é em troca de
segurança e de graças a ele terão condições de se portarem como seres racionais. Mas todos sabem
que ir contra a soberania é colocar-se em perigo. Quando se tornam cidadãos os homens têm dois
objetivos, segurança e possibilidade de aproveitar ao máximo, em paz, todas as comodidades da
vida.
Fora de sua esfera privada, o homem não participa mais da Cidade, pertence à sociedade
(societas) “conjunto das relações jurídicas e econômicas que os indivíduos ou os grupos
estabelecem entre si”. A societas não é a cidade, pois não tem por objetivo o bem comum e sim
precisam exercer-se no quadro da paz.
Hobbes não considera o Direito como distribuição de uma ordem. Para ele Direito é a
liberdade de empregar o seu poder e sua força natural. Se não existisse uma instância soberana, ou
algo que despertasse o medo no homem, nada o impediria de agir conforme seus sentimentos, não
aceitariam nenhum tipo de arbitragem, e se essa existisse, e se não fosse a favor de uma decisão, o
que levaria alguém a acatá-la. Esse árbitro tomará a decisão pelo que é justo, e esse nada mais é que
uma opinião. É necessário, portanto, um poder capaz de decidir e legislar, que tenha seu princípio
apenas em si próprio. O que faz o homem obedecer a uma lei é saber que do contrário será
castigado. Sem a lei não há injustiça, porque injustiça é aquela que é praticada contra a lei. Mas
nada é mais temido que um soberano, que se acreditava que a razão falava por intermédio dele. E se
desobedecer a uma lei é crime, desobedecer à razão é um sacrilégio.

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O homem nunca conseguirá distinguir qual deles é melhor por suas características, porque
todos pensam ter o mesmo direito para decidir o que é justo ou injusto. Hobbes discorda da
hierarquia natural, dizendo que os homens não podem ser classificados de acordo com tarefas das
quais por natureza eles teriam que realizar. O certo seria a associação livremente consentida em que
os membros se comprometem com juramentos de fidelidade. Ele ao invés de dar ênfase ao dever
natural, dá ao direito natural, onde estão ligados o advento do individuo isolado e a promoção de
um poder único como condição. Também o reconhecimento dos direitos do homem e a ascensão do
autoritarismo. Ele acha que o maior erro da filosofia é ter considerado o homem um animal político
e social. Para ele o homem é apolítico e a-social. Desde que a razão aparece no estado de natureza,
o homem tem consciência da impotência que é posto pela igualdade das forças em conflito. O pode
dissuasor nunca valerá mais do que a certeza da paz. É necessário que os outros tenham medo para
que se possa confiar neles, o medo em comum deixa o ambiente mais seguro e mais longe da
guerra.
Kant diz que por mais apegados ao direito que sejam os homens, a saída do estado de
natureza só é a união em uma comum submissão a coerção legal. Ele critica Hobbes, dizendo que
esse considerou as leis como se não exigissem nosso consentimento racional. Ele distingue a
comunidade ética e o estado jurídico-civil. A primeira não poderia ser instituída pelos homens se
não houvesse a segunda como base. A soberania não conhece limites. É necessário um soberano
que me garanta a minha liberdade se ela respeitar todas as demais. Cada ser humano percebe que a
agressividade do outro está limitada, o que impossibilita de passar de um jogo a uma guerra e de
uma competição a uma fraude. Se não houvesse isso, não teria certeza que ao me recusar de lesar
alguém não preciso temer meu próprio direito. Kant viu que até o reino da razão está fundado na
força.
Para que seja possível uma sociedade de sujeitos racionais, é preciso que as vontades se
reúnam a uma só, representada por um poder absoluto. Se o Leviatã fosse a porta da frente de toda
política moderna, o poder político não se reduziria mais ao exercício de uma força repressiva
permanente. O importante não seria a força nela mesma, mas o fato de todos sentirem a sua
necessidade.

O “Leviatã” e o Estado Burguês

Para politizar o homem, não basta educá-lo moralmente, é necessário introduzi-lo em um


maquinário que o submeterá a fins que apenas por suas qualidades naturais ele não atingiria.
Hella Mandt compara Kant e Hobbes, porque os dois concebem a comunidade humana
como uma coisa, feita de regras jurídicas, independente do homem. Mas o conceito da Soberania
designa a condição política para a conservação e funcionamento de uma economia de mercado. Para
Hobbes, é o poder soberano que pode dar sentido à noção de propriedade, que só pode existir se o
Soberano fizer uma repartição. A propriedade dada a um súdito, não pode ser usada por outro
súdito, mas se o Soberano sentir necessidade de usar aquela terra, ele pode tomar de volta o que
deu.
Segundo Locke o homem abandona os poderes que tinha no estado de natureza, fazer o que
achar melhor para garantir sua conservação e punir as infrações cometidas contra a lei natural. O
homem abandona essas para que se possa realizar a conservação das propriedades, que constitui um
absoluto. Hobbes diz que uma das doutrinas de Locke tende à “dissolução da República” onde todo
particular teria uma propriedade absoluta dos seus bens, privando o Soberano do direito sob essas
coisas.
De acordo com Vaughan o livro de Locke é dirigido contra a idéia de Soberania de Hobbes,
pois diz que o poder é confiado a indivíduos que governarão com base em um contrato preciso, e
vigiados por seus mandantes. Para Hobbes o que marca a dissolução do corpo político é a anarquia

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e para Locke essa dissolução acontece quando o cidadão é privado de todo recurso que possa
decidir o diferendo que o opõe ao poder, monarquia absoluta e sociedade civil são incompatíveis.
Locke não considera o poder como núcleo político do social, o que o corpo político deve temer
acima de tudo é o abuso do poder, que ele não exerça mais uma função social e que os súditos não
tenham mais recursos contra ele. Outro ponto de contradição entre Locke e Hobbes, é que o
primeiro diz que Hobbes estava errado ao sustentar que todos os males que o poder é capaz de
causar, nada são, comparados com a volta ao estado de natureza. Locke já diz ser preferível o estado
de natureza a um poder que deixa o individuo juridicamente desarmado contra ele. Uma cidade
seria determinada por um poder central, mas subordinado à tarefa que lhe incube. Locke delineia o
Estado constitucional burguês “as relações de produção podem prescindir de uma dominação
tradicional” prescindir de uma legitimação “vinda de cima”, ou seja, o poder não é mais o que faz a
sociedade funcionar e sim o que a deixa funcionar. Isso mostra que o poder burguês se reduz a uma
dominação de classe.
Bertrand de Jouvenel analisa o poder como “agressor da ordem social”. Um poder de Estado
menos colaborou com tal classe ou qual grupo de interesses do que destruiu a força das autoridades
sociais que forma uma barreira entre ele e seus súditos. O poder pode defender privilégios, mas, por
principio, não aprecia privilegiados.
Para Engels o Estado é “um poder nascido da sociedade, mas que se coloca acima dela, e se
lhe torna cada vez mais estranho”. O Estado não é a marionete da classe dominante e é preciso
reconhecer que a instância do poder político possui uma especificidade.
Os marxistas “ortodoxos” dizem que, enquanto o Estado liberal se limitava a assegurar a
regulação do mercado, o atual Estado intervencionista tende a ocupar o lugar do mercado nos
pontos em que “este não é mais capaz, por sua própria dinâmica, de tornar possível a continuidade
de um processo de acumulação”. Jürgen Habermas diz que isso não é suficiente. Ainda se
desconhece em que medida a crescente substituição do mercado pelo Estado altera a estrutura sócio-
política. A ação do Estado não é um mero complemento da economia de mercado, nem mesmo sua
segurança, “o Estado deve garantir ao mesmo tempo a lealdade das massas no quadro da
democracia formal” e “as funções de integração social são novamente confiadas ao sistema
político”. O Estado a partir do século XX, não pode mais ser considerado como o guarda de uma
ordem cujo desenvolvimento é exterior a ele.
Acreditar que o Estado político só possa ser a proteção de uma sociedade civil apolítica é
confiar demais na representação lockiana do Estado. Acreditar que o poder político seja apenas o
cão de guarda de uma classe é subestimar todos os recursos de que pode dispor este poder, não
somente para garantir o seu controle sobre a sociedade civil, como ainda para modelá-la e organizá-
la. Isso é o que Habermas chama de Sozialstaat, estado essencialmente intervencionista, onde os
direitos do homem são cada vez menos autônomos na esfera privada. Estipuladas e manipuladas as
“liberdades” são recriadas juridicamente. A verdade é que a palavra “cidadão” significa cada vez
menos “indivíduo político enquanto participante do poder” e cada vez mais “indivíduo político
codificado pelo poder, determinado inteiramente por ele, produzido por ele”. Por esses motivos que
a repolitização da sociedade não é, absolutamente incompatível com o apolitismo dos indivíduos,
entendendo por isso a sua exclusão da esfera das decisões políticas.
Segundo Hobbes “pai do liberalismo”, o direito e a lei são contraditórios. “Pois o direito é a
liberdade que nos é deixada pela lei – e as leis são as restrições que estabelecemos por acordo
comum, para restringir as nossas liberdades recíprocas”. (Elements of Law, II, 9). Ele diz que a lei e
o direito diferem porque um trata da obrigação e outro da liberdade. Hobbes discute também a
liberdade dos súditos, até em que ponto um súdito pode, sem cometer injustiça, recusar a
obediência. Enquanto minha vida não estiver ameaçada, é regra a submissão absoluta à legislação,
por invasora que esta seja, pois não compete a ninguém, além do Soberano decidir sobre o alcance
dos meios requeridos para a proteção dos súditos. A única coisa que o Estado tem a garantir aos
súditos é a segurança deles, e as liberdades dos súditos só podem ser as tolerâncias, sempre sujeitas

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à revisão, que a instituição cede. Para Kant e Hegel (racionalistas) não é mais dever do Estado
guardar pela segurança material do cidadão acima de todas as coisas. O papel do poder político é
mais nobre quando este organiza o meio em que eclodir a “liberdade” do sujeito racional. Mas desse
modo, o poder continua sendo pensado como a instância encarregada de limitar, romper o arbítrio
dos indivíduos. Também aí o objetivo do poder não é conquistar a sociedade, é politizá-la.
Karl Popper enxerga um Hegel totalitarista e pré-fascista. O totalitarismo é um modo de
poder que exige a integração total do sujeito/súdito no Estado, a sua total adesão à religião estatal, o
pagamento de uma fronteira existente entre Estado e sociedade civil.
O poder quando não mais se limita o imposto e a recrutar soldados, precisa de soberania e
deve organizar a sociedade.
O desejo dos libertários e dos burgueses era uma forma eficaz de se opor ao poder, de
resistirmos a uma sociedade onde obedecemos inconscientemente. Mas essa atitude não é tão
simples assim.

A Comédia Liberal

O liberalismo do século XIX enraíza-se numa crítica à noção de soberania de Hobbes e


Rousseau e aos excessos a que esta pode conduzir.
Benjamin Constant pensa que a vontade geral é a única fonte legitima de autoridade dos
governos.
Rousseau foi contra os detentores do poder, os tiranos, não contra o poder em si.
Concentrou-se em quem deve concentrar a força e o quanto de força deve-se deixar a esse
Soberano. Será o interesse do cidadão sempre compatível com as decisões do Soberano? Isso leva o
liberalismo a corrigir dois pontos da teoria da soberania. A primeira recusa a doutrina voluntarista
da soberania, a vontade geral se não for perturbada será “sempre reta e tendente sempre ao interesse
público”, se a vontade geral se exercer em estado público os seus decretos serão sempre juntos. A
segunda recusa o dilema entre a soberania absoluta ou anarquia, não pensa que os particulares,
tenham interesses distintos do interesse público.
Benjamin Constant, diz que a soberania é limitada, e que há vontade que nem o povo nem os
delegados têm direito a ter.
Segundo Rousseau o indivíduo natural é um ser solitário pronto para entrar em hostilidades
e sem nenhum dom para a troca e a comunicação, por esse motivo, sua liberdade só poderá ser
garantida pelo exercício da soberania popular absoluta. O que interessa aos liberais é proteger o
individuo natural, a preservação da propriedade privada contra as ingerências do poder e a
independência da sociedade civil.
Ao tornar-se predominante, a economia de mercado precisa de um poder capaz de manter as
condições do seu funcionamento natural. Mas essa função é considerada negativa, pois, o mundo
político é considerado subalterno. O liberalismo e o socialismo “utópico” desacreditam nessa idéia
de poder enquanto mando. Segundo o liberalismo, o cidadão só pode ser o proprietário, pois só
assim poderão exercer os direitos políticos. Mas o liberalismo possui uma incoerência. Encara-o
como uma ameaça potencial, e como uma necessária instância protetora da economia de mercado.
A República por governar pouco seria a melhor forma de governo. Esse seria o programa político
do liberalismo, acrescentando-se que esse pouco poder seria indispensável.
Durkhein analisa que a dominação burocrática do Estado vai crescendo nas sociedades que
parecem mais levar em conta os direitos do indivíduo. E que não se pode pretender que diminua a
importância das funções do Estado à medida que se desenvolve o tipo industrial de sociedade. A
atividade industrial pode crescer e o poder estatal tornar-se menos absoluto, mas crescendo também.
Ele afirma que o poder moderno não é mais, essencialmente, uma instância repressiva, e sim, uma
instância de controle, que envolve o indivíduo mais do que o domina. O Estado moderno é menos

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abertamente dominador, e mais manipulador. Reprime menos e previne mais às desobediências,
pune menos e disciplina mais. O poder não pode ser definido como uma máquina monstruosa que
esmaga os indivíduos, pois acima de tudo, é uma maquina que produz os indivíduos dando-lhes
bons hábitos e institui o social. Durkhein está correto ao dizer que nas sociedades modernas há uma
transformação e um crescimento do poder. Portanto, a ilusão a qual assenta o liberalismo parte de
uma análise fraudulenta do problema político, pretende a reduzi-lo a “Indivíduo vs. Estado”. Ele diz
que não são classes desfavorecidas apenas que se subordinam ao controle do aparelho político, mas
também o próprio Estado que à medida que a atividade econômica se torna um fator mais
importante na sociedade, é levado cada vez mais a vigiar e a regular as suas manifestações. Alguns
liberais ainda cultivam outra ilusão, o economicismo, crença de que o funcionamento econômico só
pode ser um fator de regulação e estabilização da sociedade. É o próprio jogo da liberdade
econômica que acaba tornando cada vez mais profundamente necessária a intervenção do Estado.
À medida que o papel econômico se torna mais invasor, e mais complexo o seu
funcionamento, a tarefa do Estado passa a ser cada vez menos proteger a liberdade de alguns, e cada
vez mais garantir a segurança do maior número, por simples instinto de conservação.
“A maioria considera que o governo age mal – mas todos pensam que o governo deve agir
sem parar e pôr a mão em tudo. Até os que se combatem mais asperamente não deixam de
concordar nesse ponto”. Nossos liberais teriam interesse em meditar acerca destas linhas de
Tocqueville, antes de descreverem a proliferação do poder estatal como efeito uma sorrateira
vontade de potência. É esquecer que na maioria das vezes, são os próprios governados que forçam o
Estado a colocar-se como instância tutelar e “providencial”.

O Último Chefe

Para Tocqueville a palavra democracia é ambígua, mas na maioria das vezes designa o
estado social caracterizado pela ausência de uma hierarquia de nobres e pela tendência a igualizar as
condições. Ele recusa-se a chamar de democrático um governo absoluto em que o povo não tem
nenhum papel nos negócios, ainda que as leis sejam feitas de modo a favorecer, na medida do
possível, o seu bem-estar. Mas as sociedades democráticas correm um alto risco de secretar esse
tipo de poder. A origem desse perigo está no individualismo que se desenvolve nas sociedades
democráticas. O remédio para isso é a liberdade política, entendida como a participação efetiva dos
cidadãos nos negócios públicos. É necessário fazer com que todos os cidadãos sintam que
dependem uns dos outros.
Os liberais preocupam-se com a independência dos agentes econômicos. Por isso, voltavam
toda sua desconfiança contra o poder enquanto mando, na medida em que ameaça interferir na sua
esfera de decisão pessoal. O interessante para eles é que a sociedade civil possa cuidar dos seus
negócios.
Tocqueville é diferente, pensa que destruíram a sociedade hierárquica, mas se não
substituírem a hierarquia pela associação, a sociedade sentirá falta de uma força política e será
manipulada pelo poder. A democracia política americana do século XIX merece mérito porque ela
se esforça para combater aquilo que torna o poder perigoso, o fato de que ele pode tomar conta da
sociedade e de que ele pode privar os indivíduos de qualquer iniciativa política, e até do desejo de
tomarem iniciativas. Para a mentalidade do século XIX, a palavra poder significa mandar. Este
poder, uns propõem eliminá-lo simplesmente, outros submetê-lo a uma vigilância estrita e todos
concordam que o melhor seria substituí-lo por uma gestão científica, por uma administração,
finalmente, racional.
Marx reduzia o poder político a uma instância opressora, encarregada de manter as
condições de funcionamento de um sistema de produção anárquico acoplado a um sistema de

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distribuição iníquo. Assim, parecia-lhe evidente que, uma vez suprimida radicalmente a desordem,
o guarda da desordem não teria mais condições de reaparecer.
Lênin diz que “Além do aparelho opressor por excelência (exército permanente, polícia,
funcionários), existe no Estado contemporâneo um aparelho muito intimamente ligado aos bancos e
cartéis, e que efetua um vasto trabalho de estatística e registro. Este aparelho não pode nem deve ser
destruído. A sua submissão aos capitalistas deve terminar... ele deve ser submetido aos sovietes...”
Bernstein e Kautsky dizem que o capitalismo aprendeu a resistir às crises, as instituições
burguesas cada vez mais fornecem ao proletariado meios de intervenção política, até mesmo a
esperança de acesso ao poder. Kautsky diz que no dia em que as classes operárias forem colocadas
no lugar dos capitalistas, para exercerem as mesmas funções que estes, o Estado democrático,
finalmente tomará forma. O mal não reside no aparelho governamental, mas no egoísmo dos
proprietários que nele se instalaram. Desse modo não se pode confundir o Estado com os
exploradores que o monopolizaram. Se estes forem eliminados trataremos de uma sadia organização
democrática.
Schumpeter diz que socialismo e democracia são forçosamente ligados e também conceitos
estranhos um ao outro: um diz respeito à organização da produção e da repartição dos recursos, o
outro se refere a um certo modo de organizar o poder.
Marx dizia que a conquista do poder político pelo proletariado deveria culminar na abolição
das classes, portanto, na abolição do Estado político. A negação da necessidade do poder político
levou Marx a identificá-lo como o controle sobre os meios de produção. A subversão das relações
de produção deverá bastar para varrer a figura de dominação que só servia para manter um regime
bem determinado de exploração.
O entrelaçamento dos interesses econômicos e do poder nos regimes burgueses ainda não
permite afirmar como dogma que o poder político seja apenas a sombra dos interesses dos
proprietários.
Ralf Dahrendorf mostra que não há nenhuma lei universal que une poder econômico e poder
político. O poder do dinheiro não nos deixa confundir a função de produção e aquisição de bens
com a que consiste em determinar a conduta dos homens.
Parsons gera polêmica ao dizer que Wright Mills não viu que o poder político moderno se
fundava na confiança de todos, mais que na força. O poder não é normalmente um instrumento
manipulado por elites e seus interesses, mas uma função encarregada à profissionais apoiados por
seus mandatários. Para ele o poder é apenas o último recurso, que intervém quando a autoridade é
desacatada.
Não é evidente que os homens por espontaneidade sejam levados a considerar o poder como
exercício de uma função na qual devam obedecer. Nem que eles se submetam a ele por saberem que
seu interesse profundo é colaborarem para alcançar objetivos impostos pelos fins coletivos.
O modelo marxista reconhece que o papel coercitivo do Estado não é absolutamente
secundário e que o conflito social existe enquanto durar a propriedade privada dos meios de
produção.
Há uma fronteira que é inseparável do poder, a dos detentores e excluídos. O poder não se
dilui numa autoridade livre e racionalmente consentida por todos. E é irrecusável a igualdade que há
entre poder e coerção. O poder não é um caso extremo de exercício de autoridade, ao contrário, a
sua violência torna possível uma aparência de autoridade.
O modelo hobbesiano seria concretamente o poder sempre supõe a dominação do grande
número por uma elite que confunde inevitavelmente os seus objetivos próprios com o que ela
chama de bem-comum.
Kant fala sobre o “último chefe” que não pode deixar de ser um homem ou um grupo de
homens, é preciso reconhecer que não há comunidade sem soberania e que não existe poder
soberano sem uma elite que domine.

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A questão é saber quem são os chefes menos piores, ou por que tipo de chefia podemos
esperar. Se por alguns minutos de verdade, as coisas fossem ditas de peito aberto, os homens talvez
se tornassem espíritos livres. Ao invés de depositarem suas esperanças no dia em que o poder não
passasse de uma triste lembrança, mas agiriam para que os dominadores do futuro estivessem mais
perto do Soberano hobbesiano do que do tirano.

Bibliografia:

LEBRUN, Gerárd. O que é poder. Coleção Primeiro Passos. São Paulo: Brasiliense s.a., 3ª Ed.

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