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Introdução

O presente artigo vem para discutir o amplo entendimento de soberania e como é


gerado no Brasil o conceito desse termo. Constituído como um dos fundamentos para a
criação de uma República Federativa do Brasil, em que fica claro a soberania popular,
haja vista que no artigo 1º do parágrafo único da constituição, diz: Todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.

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1. O início da soberania

O conceito de soberania durante os séculos trouxe uma multiplicidade de ideias,


justamente por ser um termo bastante apreciado no meio teórico, acarretando assim em
pensamentos confusos e distorcidos. A palavra vem de soberano, do latim superanus,
“chefe, comandante”, derivado de super, “acima”. Ele era o que “ficava acima” dos
outros.
É indiscutível que o conceito de soberania está atrelado à ideia de um Estado
Moderno. Antes de discutir o tema, veremos o quanto demorou a inclusão de uma
verdadeira supremacia do estado. Podemos perceber por meio das expressões de poder de
Roma “império” e do Estado da Antiguidade “autarquia”, que suas ideias não se
assemelham ao que realmente venha ser a soberania. A palavra império em Roma era
usada como forma de demonstração do poder militar. Já o termo autarquia no Antigo
Estado era apenas para dizer que a cidade era autossuficiente, ou seja, ela mesma se auto
supria. Diante disso, nenhuma delas mostra o Estado como um poder supremo. Mas o
porquê dessa demora?
Jellinek (2000; págs. 331 e 341) observou que pelo simples fato de não haver
conflitos entre o Estado e os outros poderes privados, não havia motivo de criar uma
hierarquização entre eles. Só na Idade Média que começou a aparecer motivos para
criação de um sistema que iria hierarquizar o sistema, tais razões eram as atividades de
segurança e tributação. Até o século XII fica indefinido essa situação, só aparecendo duas
referências, senhorial e real.
No século XIII onde os monarcas surgem como soberanos dos barões, adquirindo
assim o poder supremo da justiça e da polícia acabando por conquistar o poder legislativo
surgindo assim um poder supremo, pois os barões eram soberanos em seu senhorio e o
rei era soberano em todo reino. Tudo isso na época só para o rei declarar sua superioridade
em frete os senhores feudais e a independência relativa ao imperador e o papa.

No final da Idade Média ninguém disputava poder com os monarcas, fazendo


assim com que os líderes não tivessem nenhuma limitação, amadurecendo então a ideia
de soberania no século XVI.

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2. O Conceito de Soberania

O primeiro teórico a desenvolver o conceito de soberania foi o jurista Jean Bodin.


Ele aborda o termo em seu livro “Les Six Livres de la République”, onde afirma que a
soberania é um poder absoluto, ou seja, nenhuma lei humana, nem do próprio príncipe,
podem limitar o poder soberano. Percebemos isso mediante a seguinte citação. “A
soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República, palavra que se usa tanto em
relação aos particulares quanto em relação aos que manipulam todos os negócios de um
estado de uma República”. Porém o autor esclarece que diferente do soberano, a soberania
só é válida se o indivíduo for eleito pelo povo, caso ao contrário ele só estaria guardando
o poder. Já na monarquia só constaria um sistema assim, caso fosse passado de pai para
filho. A única limitação desse poder seria a lei divina.
A quase dois séculos depois Rousseau (1762; CAP. I e II) vem com sua publicação
“Contrato Social” onde apresenta a soberania como um poder de natureza “inalienável e
indivisível”. Inalienável por ser o exercício da vontade de geral, não podendo ser
alienável. Indivisível pois só é vontade de geral se houver participação do povo. Diferente
de Bodin, Rousseau deixa mais explícito que o poder soberano não pode ultrapassar a
vontade de geral. É citado também que a regra básica dessa limitação seria o poder
soberano não sobrecarregar os cidadãos e sim fazer exigências igualitárias a todos súditos.
O primeiro ponto de vista a se considerar sobre o conceito de soberania entre os
autores é o fato de que uma parte deles define como sendo um poder do Estado. Outros
acham que é uma qualidade do poder do Estado, sendo diferente da posição de Hobbes,
segundo o mesmo, a soberania só era apresentada pelo rei e acreditava em uma espécie
de Estado absoluto, onde só o rei era capaz de construir uma ordem e a sociedade se
ergueria em meio disso. Com o exposto acima podemos perceber que todas as
teorias formuladas sempre ligam a soberania ao poder, pois mesmo sendo usado como
união de uma ordem, também está inserida em uma ideia de poder unificador. Feita
puramente em termos políticos a soberania está conceituada em um poder que não pode
se contestar, com isso, vemos o lado negativo onde não sabemos se é legítimo ou jurídico,
o que importa aqui é que o poder seja absoluto. Criando assim uma cultura de
egocentrismo onde cada Estado se acha superior ao outro, em tal sentido um Estado criado
nessa ciência de supremacia do poder do mais forte, acaba que aquele que tinha tal força
conseguia se auto proclamar soberano.

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Uma concepção exclusivamente jurídica leva o conceito de soberania como poder
de decidir em última instância sobre a qualidade das normas ou até mesmo, sobre a
eficácia do direito. Partindo da suposição que todas as decisões dos Estados são
suscetíveis de orientações jurídicas, tem-se como soberano o poder que decide qual regra
jurídica é aplicável em cada caso, podendo assim negar a juridicidade da norma. Segundo
essa concepção não há Estados mais fortes ou mais fraco, uma vez que para todos a noção
de direito é a mesma.

A grande vantagem dessa compreensão jurídica é que mesmo os atos praticados


pelos Estados mais fortes podem ser qualificados como não jurídicos, permitindo e
favorecendo a reação de todos os demais Estados.

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3. Características da Soberania

A maioria dos estudiosos reconhece a soberania como una, indivisível, inalienável


e imprescritível. Ela é una porque não é permitido dois poderes no mesmo Estado. É
indivisível pois ela se aplica a universalidade dos fatos ocorridos no Estado, sendo assim
não é aceito a existência de várias partes da mesma soberania. Também podemos dizer
que umas das suas características é a sua inalienabilidade pois quem a possui desaparece
quando fica sem ela, seja o povo, nação ou Estado. Finalmente, é imprescritível pois se
tivesse duração de tempo jamais seria verdadeiramente superior.
A essas características ainda Zanzucchi (1948; pág. 21) fala que a soberania se
originou em conjunto com o Estado, portanto ela é exclusiva do Estado; incondicionado
porque só encontra limites por meio do Estado; coativo, pois o Estado que impõe e dispõe
de meios para cumprir suas ordens coativamente.
Duguit (1926; pag. 116) em seu livro Leçons de Droit Public Général reflète tudo
isso e faz uma síntese dessas teorias, mas sem aceitá-las. Seu principal aspecto é a vontade
comandante. A vontade soberana é o poder supremo em todo território que nela se
submete. A relação entre as vontades soberanas e as não soberanas, são relações com
propósitos desiguais, entre o superior e subordinados. também temos a vontade
independente, esse se aproxima bastante do poder incondicionado de Zanzucchi. A
preocupação de Duguit em mencionar esse poder está relacionado mais ao ambiente de
fora do Estado, pois, segundo ele, o isso torna inviável a existência de um direito
internacional. A resposta a essa crítica e a autolimitação do Estado, pois desde que ele
entenda como conveniente, pode assumir suas obrigações externas, se auto voluntariando
as limitações impostas por essas normas. Um grande defensor dessa teoria foi Hering,
que justifica seu argumento refletindo, já que essas limitações não iriam diminuir o poder,
uma vez que o Estado faz essas normas em favor do seu próprio interesse.

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4. Limitações da Soberania

A forma de limitação mais antiga da soberania é o famigerado Direito Natural que


abarrotava os discursos Jusnaturalistas. Este consiste em um Direito anterior ao
reconhecimento positivo e que serve de fundamento desse último. Segundo Hugo de Brito
(MACHADO, P. 10):

“Diz-se direito natural o conjunto de princípios que resultam da própria divindade,


ou da própria natureza, e que seria superior e fundante do direito positivo.”

Sendo assim, o direito positivo visto como instrumento de coordenação do Direito,


só encontra legitimidade quando se conforma com as leis da natureza que possuem
perenidade e imutabilidade. O Direito Natural serviu de base para o que o hoje se
denomina Direitos Fundamentais e Direitos Humanos.

Destarte, qualquer ato do poder soberano que afrontar o direito natural é tirânico,
corrupto e destituído de legitimidade. Algo que seria absurdo para o positivismo, pois
todo direito nasce com o Estado. Na medida em que o Estado não poderá legislar ou
executar atos que afrontem os direitos naturais, o poder deste encontra limites. Nesse
sentido, diz Azambuja (AZAMBUJA, P. 83):

“O poder soberano deverá realizar o bem comum, só podendo fazê-lo respeitando


os princípios permanentes do Direito e da Moral. Desde que o Estado infringisse o Direito
e a Moral, não poderia mais realizar o bem à sociedade, negar-se-ia a si mesmo, não seria
mais uma força legítima, não poderia mais ser obedecido.”

O princípio da legalidade impõe-se não apenas como limitador, mas como fator
imprescindível para a existência de um Estado Democrático de Direito. Sendo assim, na
esfera de atuação interna, o Estado deve respeitar, em todos os atos, a lei estabelecida
previamente, bem como os princípios positivados na própria Constituição.

Em síntese, a busca pela dignidade da pessoa humana tornou a atuação do Estado


condicionada a consecução da mesma como realidade efetiva. Destarte, a própria
produção normativa do Estado deve estar em diapasão com os direitos fundamentais e
com os diretos consagrados nos tratados internacionais.

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Concernente à esfera de atuação exterior da soberania, a questão apresenta
notáveis fatores de complexidade, haja vista que no cenário internacional coexiste
diversos protagonistas estatais, todos dotados do idêntico atributo da soberania. Sobre
isso, observa Sahid Maluf (MALUF, P. 38):

“No plano internacional, a soberania é limitada pelos imperativos de coexistência


entre os Estados soberanos, não podendo invadir a esfera de ação das outras soberanias.”

Torna-se imprescindível indagar-se sobre a finalidade da soberania, sendo ela, a


priori, garantir a ordem e a paz. Logo, quando ela viola o direito natural, propaga a
violência, perturbando a paz. Quando a soberania de um Estado invade a de outro, causa
o caos, perturbando a paz e a ordem. Sendo assim, parecem estar corretas as palavras de
Mouskheli, que diz: “A soberania é um poder absoluto, encontrando, porém, sua limitação
natural na própria finalidade que lhe é essencial.”

Como já dito, a soberania, em sua relação externa, significa a igualdade entre os


Estados na esfera internacional. Todavia, a questão não é tão simples como pode parecer
à primeira vista. Reis Friede demonstra de maneira precisa a raiz do problema (FRIEDE,
P. 72):

“A soberania é, em última análise, um fato abstrato cuja caracterização efetiva


somente se dá através de elementos concretos de força cogente (militar, econômica e
política). (...) As diversas soberanias existentes no mundo possuem diferentes graus de
caracterização, considerando as diferentes potencialidades efetivas dos diversos Estados
(soberanos)."

A partir da ponderação de Friede, pode-se considerar que os processos de


internacionalização das regras de convivência e da interferência política entre países,
produzem sérios reflexos na soberania, pois atinge cada Estado de forma desigual. Sahid
Maluf também reconhece o problema, salientando que essa desigualdade atinge
principalmente os chamados “países de terceiro mundo” ou “em desenvolvimento”.

Para a maior parte da doutrina, a internacionalização do Direito, bem como as


regras/legislações de convivência entre os Estados constitui-se como um fator limitador
da soberania, visto que, em tese, um Estado não poderia invadir a esfera de competências
de outro arbitrariamente, pois os Estados são iguais como detentores de poder soberano.
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A carta das Nações Unidas, em seu art. 2º diz que realizará seus propósitos com base em
alguns princípios, dentre eles: “A igualdade de todos os seus membros.”

Todavia, dentro desse cenário de complexidades inerentes a sua natureza, surgiu


a tese da soberania dominante, falando-se em soberanias “mais ilimitadas” (quanto à
projeção de seu poder efetivo), estabelecendo, por consequência, soberanias principais e
secundárias (periféricas).

Colaborando para a sustentação dessa ideia, tem-se vários fatores históricos, e o


mais próximo deles é o recente caso da invasão e anexação da Criméia à Rússia; a invasão
dos EUA em Granada (1983); A Guerra Fria onde havia, essencialmente, duas potenciais,
sendo elas os EUA e a URSS; dentre outros.

Por último, é importante observar que a chamada soberania externa


necessariamente repousa sobre a interna. Não pode um Estado ser chamado de soberano
no exterior, se não o é no domínio interno.

Por esta razão, é sempre lícito concluir que se há limitações à soberania interna,
derivada da preeminência do direito natural sobre o direito positivo, necessariamente
existem limitações à soberania externa, tornando impossível, por via de consequência,
afirmar a soberania em sentido absoluto.

Mesmo com a interferência das soberanias principais em outras soberanias


secundárias, a mesma tende a cada dia hesitar, haja vista a possibilidade fática da
destruição da própria humanidade em face do advento das armas nucleares.

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5. Estado Moderno e a Soberania

Para compreender o conceito de Soberania nos dias e hoje, é preciso entender o


Estado Moderno e o seu papel na história.

O Estado Moderno nasceu da crise e da fragmentação do Feudalismo. Suas


principais características são: um só poder, um só exército, autoridade soberana do rei e
administração unificada.

Inicialmente, é possível dizer que o Estado nada mais é do que uma figura abstrata
criada pela sociedade, cujo papel é organizar e governar um povo em determinado
território. O primeiro elemento formador do Estado é a população, que constitui e
representa o poder da união das pessoas. O segundo elemento é o território, que delimita
o espaço territorial onde essa população irá conviver em sociedade na busca do seu
desenvolvimento e, por fim, o terceiro e último elemento é a soberania. Saiba mais sobre
o papel do Estado!

A garantia da soberania está atrelada à manifestação do poder exercido por um


país, quando este consegue manter suas fronteiras em paz e o seu espaço doméstico livre
de quaisquer contestações internas. Somado a isso, é necessário ao Estado manter
distantes também possíveis contestações externas à sua soberania, que se manifestem por
interferência de outros Estados nos assuntos internos de seu país.

Podemos classificar a soberania de duas formas:

Soberania interna: diz respeito a todas as forças que operam dentro do espaço
nacional e que podem contestar ou ameaçar a atuação desse governo. Como exemplos de
ameaça à soberania interna têm-se o crime organizado, milícias, as FARC, guerra civil e
qualquer outro poder que opere de maneira paralela dentro do Estado, ameaçando a sua
soberania através da disputa pela autoridade como o governo oficialmente reconhecido.

Soberania externa: é composta por todos os agentes representativos da autoridade


nacional, originários de dentro do território nacional e que efetivem, através de relações
com outros países, a atividade internacional daquele Estado de maneira autônoma, ou
seja, através de decisões tomadas sem a imposição de nenhum outro Estado. Dentre
exemplos que ameaçam a soberania do país é possível citar as organizações terroristas ou

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até mesmo a ação militar de outros Estados. Configuraram exemplos deste tipo: a invasão
Americana ao Iraque, acarretando inclusive na ocupação do território iraquiano e a
anexação da Crimeia pela Rússia.

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6. A soberania no Estado Brasileiro

A Constituição Brasileira de 1988 traz, em seu Art. 1º, os fundamentos do estado


democrático, sendo o primeiro deles o mais importante: a soberania. Considerando os
conceitos abordados acima, o Estado não conseguiria, portanto, sem que a soberania fosse
mantida e respeitada impor suas decisões e fazer valer sua ordem jurídica resguardando
os demais fundamentos.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

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Conclusão

Neste artigo, foi possível perceber a evolução do termo soberania do período do


Feudalismo até a formação do Estado Moderno e atualidade. Na lógica do feudalismo, o
poder era compartilhado entre o monarca e a Igreja Católica, não existindo a figura de
uma representação soberana. Com a dissolução do feudalismo e o surgimento do Estado
Moderno, a soberania passa a ser compreendida como a vontade do povo e a supremacia
do poder da figura do Estado, legitimado nos dias atuais através da Constituição.

Neste sentido, a soberania é essencial para que a independência de um Estado seja


manifestada perante outros Estados, contribuindo assim para a autoafirmação nacional
diante do contexto internacional. Um Estado não pode ser considerado soberano no
sistema internacional se não o for também no contexto interno. De acordo com Miguel
Reale já falecido advogado, professor e reitor da USP na obra Teoria do Direito e do
Estado, “A Soberania é o poder que tem uma ação de organizar-se livremente e de fazer
valer dentro do seu território a universalidade de suas decisões para a realização do bem
comum.”

Portanto, conhecer o conceito de soberania e interpretá-lo de acordo com as suas


diferentes fases é importante para que a população consiga entender as engrenagens que
movem o sistema internacional e seus atores, incluindo os Estados soberanos.

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BIBLIOGRAFIA

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do


Brasil. Brasília DF: Senado, 1988.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 32. Ed. São
Paulo: Saraiva, 2013.

REALE, MIGUEL. Teoria do Direito e do Estado. 5. Ed. Rev. São Paulo: Saraiva,
2000.

BONDIN, JEAN. Les Six Livres de la République .1. Ed. Ícone, 2017

ROSSEAU, JEAN-JAQUES. O Contrato Social, Ed. Cultrix, 1917

ZANZUCCHU, MARCO. Istituzioni di Diritto Pubblico, Ed. GIUFFRÉ, 1948

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