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Material 04

I – TEORIA SOCIAL DO ESTADO


(continuação)

5-) SOBERANIA

a) Conceito:

Nesse momento do nosso estudo, onde acabamos de ver os elementos essências do Estado, nos faz
ter a exata compreensão do conceito de soberania, como sendo um pressuposto necessário para o
entendimento do fenômeno estatal, visto que não há Estado perfeito sem soberania.

Etimologicamente, o termo soberania provém de superanus, supremitas, de origem francesa que


significa “o poder absoluto e perpétuo de uma República”, seja de ordem política como administrativa,
posteriormente com amplitude internacional.

Como vimos no material 03, aos três elementos constitutivos do Estado – população; território e
governo – alguns autores pretendem a inclusão da soberania como quarto elemento. Todavia, conforme já
apontado, não há razão para isso, já que a soberania se compreende no exato conceito de Estado. Estado não
soberano ou semi soberano não é Estado. Até mesmo o Canadá e a Austrália, com amplo poder de
autogoverno, se classificam como “Colônias Autônomas”, por se subordinarem à Coroa Britânica (vejam, não é
um Estado perfeito, por faltar à soberania).

Soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder. Daí
ressalta a toda evidência que não são soberanos os Estados membros de uma Federação. Exemplo: O Estado
do Espírito Santo não é um Estado soberano, pois o poder supremo é investido o órgão federal. OBS: O próprio
qualitativo de membro afasta a idéia de soberania. Veja, os Estados membros possuem autonomia de direito
público privado sendo privativo da União o poder de soberania interna e internacional.

Então veja, a soberania é uma só, una, integral e universal. Não pode sofrer restrições de qualquer
tipo, todavia, atualmente pode haver “restrições” nas causas decorrentes dos imperativos de convivência
pacífica das nações soberanas no plano do direito internacional, onde a seguir estudaremos essas limitações.

Dentre os vários conceitos atribuídos a soberania, podemos nos valer da definição do Prof. Aderson
Menezes: “ Soberania é a qualidade que o Estado possui, na esfera de sua competência jurídica, de ser
supremo, independente e definitivo, dispondo, portanto, de decisões ditadas em último grau pela sua própria
vontade e que pode impor inclusive pela força coativa.”

b) Teorias sobre a natureza e a titularidade de soberania:

Questão da mais alta relevância é a que concerne à natureza e à titularidade da Soberania. Em


outras palavras, a fonte do poder soberano.

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Diversas teorias disputam sobre o assunto, onde para a corrente carismática do direito divino
(sobrenatural ou providencial) dos reis, o poder vem de Deus e se concentra na pessoa sagrada do soberano.
Para as correntes de fundo democrático, a soberania provém da vontade do povo (teoria da soberania
popular) ou da nação propriamente dita (teoria da soberania nacional). Para a escola alemã, a soberania
provém do Estado, como entidade jurídica dotada de vontade própria (Teoria da soberania estatal).
Desdobram-se esses troncos doutrinários em várias ramificações, formando uma variedade imensa de escolas
e doutrinárias, de modo que não seria possível focalizar todas elas no âmbito restrito de nosso disciplina.

Daremos a seguir uma súmula das principais correntes que busca dirimir as questões:

1) TEORIA DA SOBERANIA ABSOLUTA DO REI:

A Teoria da Soberania absoluta do Rei começou a ser sistematizada na França, no séc. XVI, tendo
como um dos seus mais destacados teórico Jean Bodin, que sustentava: a soberania do rei é originária,
ilimitada, absoluta, perpétua e irresponsável em face de qualquer outro poder temporal ou espiritual.

Esta Teoria é de fundamento histórico e lança suas raízes nas monarquias antigas fundadas no
direito divino dos reis. Eram os monarcas acreditados como representantes de Deus na ordem temporal, e na
sua pessoa se concentrava todos os poderes. O poder de soberania era o poder pessoal do rei e não admitia
limitações.

Firmou-se esta doutrina da soberania absoluta do rei nas monarquias medievais, consolidando-se
nas monarquias absolutistas e alcançando a sua culminância na doutrina de Maquiavel.

Enquanto crítica dessa Teoria, vê-se que o próprio Bodin, teórico eminente do absolutismo
monárquico, não se livrou de contradições, quando se admitia a limitação do poder de soberania pelos
princípios inelutáveis do direito natural.

2) TEORIA DA SOBERANIA POPULAR:

Reformulando a doutrina do direito divino sobrenatural, criaram eles o que denominaram Teoria do
Direito divino providencial: o poder público vem de Deus, sua causa eficiente, que infunde a inclusão social do
homem e a conseqüente necessidade de governo na ordem temporal. Mas os reis não recebem o poder por
ato de manifestação sobrenatural da vontade de Deus, senão por uma determinação providencial da
onipotência divina. O poder civil corresponde com a vontade de Deus, mas promana da vontade popular,
conforme com a doutrinação do apóstolo São Paulo e de São Tomás de Aquino.

3) TEORIA DA SOBERANIA NACIONAL:

A Teoria da Soberania Nacional ganhou corpo com as idéias político-filosófica as que fomentaram o
liberalismo e inspiraram a Revolução Francesa: ao símbolo da Coroa opuseram os revolucionários liberais o
símbolo da Nação. Como frisou Renard, a Coroa não pertence ao rei; o rei é que pertence à Coroa. Este é um
princípio, é uma tradição, de que o rei é depositário, não proprietário.

Pertence a Teoria da Soberania Nacional à escola clássica francesa, da qual foi Rousseau o mais
destacado expoente, onde pelas suas idéias, seus seguidores sustentaram que a nação é a fonte única do
poder de soberania. O órgão governamental só o exerce legitimamente mediante o consentimento nacional.

Esta teoria é radicalmente nacionalista: a soberania é originária da nação, no sentido estrito de


população nacional (ou povo nacional), não do povo em sentido amplo. Exercem os direitos de soberania
apenas os nacionais ou nacionalizados, no gozo de direitos de cidadania, na forma da Lei. Não há que não

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confundir com a “Teoria da Soberania Popular”, que amplia o exercício do poder soberano aos alienígenas
residentes no país.

A soberania, no conceito da escola clássica, é UNA, INDIVISÍVEL, INALIENÁVEL e IMPRESCRITÍVEL.

UNA: pois não pode existir mais de uma autoridade soberana em um mesmo território. Se repartida,
haveria mais de uma soberania, quando é inadmissível a coexistência de poderes iguais na mesma área de
validez das normas jurídicas.

INDIVISÍVEL: é a soberania segundo a mesma linha de raciocínio que justifica a sua unidade. O poder
soberano delega atribuições, reparte competências, mas não divide a soberania. Nem mesmo a clássica
divisão do poder em executivo, legislativo e judiciário importa em divisão da soberania. Pelos três órgãos
formalmente distintos se manifestam o poder uno e indivisível, sendo que cada um deles exerce a totalidade
do poder soberano na esfera da sua competência.

INALIENÁVEL: é a soberania, por sua própria natureza. A vontade é personalíssima: não se aliena, não
se transfere a outrem. O corpo social é uma entidade coletiva dotada de vontade própria, constituída pela
soma das vontades individuais. Os delegados e representantes eleitos hão de exercer o poder de soberania
segundo a vontade do corpo social consubstanciada na Constituição e nas Leis.

IMPRESCRITÍVEL: é ainda a soberania no sentido de que não pode sofrer limitação no tempo. Uma
nação, ao se organizar em Estado Soberano, o faz em caráter definitivo e eterno. Não se concebe soberania
temporária, ou seja, por tempo determinado.

4) TEORIA DA SOBERANIA DO ESTADO:

Seu expoente máximo, Jellinek, parte o princípio de que a soberania é a capacidade de


autodeterminação do Estado por direito próprio e exclusivo. Desenvolve esse autor o pensamento filosófico de
Ihering, segundo o qual a soberania é, em síntese, apenas uma qualidade do poder do Estado, ou seja, uma
qualidade do Estado perfeito. O Estado é anterior ao direito e a sua fonte única. O direito é feito pelo Estado e
para o Estado; não o Estado para o direito. A soberania é o poder jurídico, um poder de direito, e, assim como
todo e igual direito, ela tem a sua fonte e a sua justificativa na vontade do próprio Estado.

Dentro desta linha de pensamento se desenvolvem as inúmeras teoria estatística, que serviram de
fomento doutrinário aos Estados totalitários de após guerra.

5) ESCOLAS ALEMÃ E AUSTRÍACA:

Para as escolas alemã e austríaca, lideradas, respectivamente, por Jellinek e Kelsen, que sustentam a
estatalidade integral do direito, a soberania de natureza estritamente jurídica, é um direito do Estado e é de
caráter absoluto, isto é, sem limitação de qualquer espécie, nem mesmo do direito natural cuja existência é
negada.

Sustentam que só existe o direito estatal, elaborado e promulgado pelo Estado, já que a vida do direito
está na força coativa que lhe empresta o Estado, e não há que se falar em direito sem sanção estatal. Negam a
existência do direito natural e de toda e qualquer normatividade jurídica destituída da força de coação que só
o poder público pode dar. Daí a conclusão de que não existe direito internacional por falta de sanção
coercitiva.

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Portanto, se a soberania é um poder de direito e todo direito provém do Estado, a conclusão lógica de
que o poder de soberania é ilimitado e absoluto. Logo, toda forma de coação estatal é legítima, porque tende
a realizar o direito como expressão da vontade soberana do Estado.

Realmente, em face desse princípio da estabilidade do direito, não se concede limitação alguma ao
poder do Estado.

A crítica que se tem acerca dessa Teoria é que o Estado não pode criar arbitramente o direito; ele cria
a lei, o direito escrito, que apenas uma categoria do direito no seu sentido amplo. Como acentua Pontes de
Miranda, o Estado é apenas um meio perfectível, não exclusivo, de revelação das normas jurídicas. A lei que
dele emana há de corporificar o direito justo como condição de legitimidade. Sobretudo, o Estado não é um
fim em si mesmo, mas um meio pelo qual o homem tende a realizar o seu fim próprio, o seu destino
transcendental, como demonstram as Teorias liberais e Humanistas. Lembram do final do nosso material 02
que revela essa relação entre Estado e Homem, conferindo ao Estado o meio e ao homem o fim!!!

As teorias da soberania absoluta do Estado, malgrado seu caráter absolutista e totalitário, tiveram
ampla repercussão no pensamento político universal, inclusive na própria França pelos ideais humanistas
liberais.

6) TEORIA NEGATIVISTA DA SOBERANIA:

A Teoria Negativista da Soberania é da mesma natureza absolutista.

A soberania é uma idéia abstrata, não existe concretamente. O que existe é apenas o crença na
soberania. Estado, Nação, Direito e Governo são uma só e única realidade. Não há direito natural nem
qualquer outra fonte de normatividade jurídica que não seja o próprio Estado. E este conceitua-se como
organização da força a serviço do direito. Assim, a soberania resumem-se em mera noção de serviço público.

7) TEORIA REALISTA OU INSTITUCIONALISTA DA SOBERANIA:

Esta Teoria, modernamente vem ganhando terreno em face das novas realidades mundiais.

É forçoso admitir que a soberania é originária da Nação, mas só adquiri expressão concreta e objetiva
quando se institucionaliza no órgão estatal, recebendo através deste o seu ordenamento juríico-formal-
dinâmico.

Assim, podemos sistematizar a teoria realista nos seguintes pontos:

a) A soberania não é um poder, mas a qualidade do poder político elevada a mais alta
intensidade;

b) A soberania pertence à nação, que é a fonte originária de todo o poder, porém,


juridicamente, ela, a soberania, se consubstancia no Estado, que é a única entidade
possível capaz de exercitá-la;

c) Necessariamente absoluta em sua origem, a soberania torna-se realimente limitada em seu


exercício. Caracteriza-se, portanto, por uma autarquia absoluta e uma autonomia relativa.
Assim, embora possa ela mesma fixar sua própria lei, não pode, todavia, “afastar-se das
grandes regras de justiça e do direito natural, nem das normas e dos limites que lhe
impõem sua natureza e seu fim” ( Aderson de Menezes).

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Por fim, é preciso reconhecer que esta Teoria se coaduna e se adapta inteiramente à Teoria da
Origem Natural, Necessária e Espontânea do Estado.

d) Soberania Externa e Soberania Interna:

Soberania Externa e Soberania Interna ... Não existe tal coisa. Dadas a unidade e a indivisibilidade da
soberania, não se permite, logicamente, sua ramificação em soberania externa e soberania interna. Nos
domínios do Poder Soberano, o máximo que se pode aceitar é uma divisão formal ou de funções, uma função
externa e uma função interna da mesma e única soberania una e indivisível.

Assim sendo, podemos dizer que, pela chamada soberania externa, o Estado não acata nenhum
poder superior ao seu no concerto ou convívio internacional, ao passo que, pela soberania interna, o Estado
não admite nenhum outro poder mais expressivo ou igual ao seu, dentro de suas próprias fronteiras
territoriais.

e) Limitações à Soberania:

O Estado, sendo um meio e não um fim, e, existindo especificamente para realizar o bem público
comum, é inevitável que o seu poder soberano sofra limitações compreensíveis. A soberania do Estado não
pode, assim, ser absoluta. Tem que funcionar, obedecendo a certos limites. Dentre as necessárias limitações à
soberania, destacam-se como mais importantes aquelas que são exigidas pelo direito natural e as que são
impostas pelos princípios do direito internacional público.

1) Limitações exigidas pelo direito natural. O direito natural, enquanto valor ou ideal a ser
alcançado por toda a ordem jurídico-política vigente, limita necessariamente a
soberania estatal, sobretudo, na forma de direitos humanos fundamentais, sagrados e
inalienáveis. Mas ainda, se se tratam dos direitos e garantias individuais, políticos e
sociais das pessoas; e;

2) Limitações impostas pelo direito internacional público. Aqui, o termômetro é a


coexistência pacífica dos Estados na órbita internacional. Como definiu sinteticamente
e claramente, Sahid Maluf, é uma limitação ditada pelo princípio da coexistência
pacífica das soberanias, nas relações internacionais dos Estados entre si.

d) Soberania e Globalização:

No tópico anterior tratamos da soberania na sua acepção clássica como uma autoridade superior,
que não pode ser limitada por nenhum outro poder. As limitações admissíveis, como vimos, são as contidas
nos conceitos do direito natural, no respeito da pessoa humana e nos direitos dos grupos e associações, tanto
no domínio interno quanto na órbita internacional, devendo respeitar a coexistência de Estados soberanos.

Modernamente outros fatores têm sido acrescidos, o que tem motivado autores a afirmar que a
soberania estaria em via de extinção.

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Neste contexto, a palavra que surge é “globalização”, utilizada genericamente pó juristas, políticos,
economistas, sociólogos e jornalistas como representativa do fenômeno da disseminação de processos globais
que extrapolam os limites das fronteiras nacionais e influenciam as culturas, as economias, as liberdades e até
as organizações políticas dos países, em escala mundial.

Para este estudo, consideraremos que a globalização constitui um processo de internacionalização


de regras de convivência ou interferência política entre países, impulsionado por fatores da produção e da
circulação do capital em âmbito internacional, movidos pela força propulsora da revolução tecnológica.

A globalização, assim considerada, produz reflexos no conceito de soberania, na medida em que


acaba por atingir cada país de forma desigual, na proporção da riqueza, poder, ou desenvolvimento social,
econômico e tecnológico de cada um. Esses reflexos assumem maior gravidade entre os países chamados de
“terceiro mundo” ou “em desenvolvimento”, os quais ficam mais vulneráveis, diante da incapacidade de
enfrentamento das imposições originadas da ordem internacional. Tal realidade não pode ser negada,
bastando lembrar que a primeira sanção imposta aos governos considerados “dissidentes” da ordem
internacional é a imposição de embargo comercial, um dos fatores que acaba por obrigar a adesão à exigência
que determinou o embargo, sob pena de comprometimento da própria sobrevivência da população.

d.1) Blocos Econômicos – Na ordem internacional, a globalização se faz presente por meio da
formação de blocos integrados por Estados Soberanos, unidos através de tratados e convenções, os quais
estabelecem as regras a serem respeitadas mutuamente. Essas regras, conforme a relevância das restrições ou
obrigações de conduta impostas aos países participantes, constituem o combustível que alimenta a elaboração
dos diversos posicionamentos dos doutrinadores a respeito de constituírem ou não restrições ao conceito de
soberania.

Embora não se possa negar que a mola propulsora da formação destes blocos seja, no mundo
capitalista atual, o interesse econômico, é possível identificar a importante presença do elemento político, já
que as regras aplicáveis à unificação abrangerão, necessariamente, a concessão de prerrogativas que estão
incluídas no conceito de soberania de cada país – membro.

Considerando-se os blocos internacionais atualmente existentes, é possível classificá-los, segundo os


processos de integração que tenham adotado na constituição de suas estruturas orgânicas, em blocos
intergovernamentais (Exemplo: Mercosul; Nafta etc.) e blocos supra nacionais (Exemplo: União Européia).

As características dos processos de integração do tipo intergovernamental é a subordinação das


decisões do bloco à vontade política dos Estados-Membros. Significa afirmar que as decisões tomadas pelos
órgãos administrativos de cada bloco, para adquirirem força de execução, dependem da internacionalização
dessas regras, mediante a aprovação individual dos órgãos políticos de cada Estado-Membro.

Nos processos de integração do tipo supranacional, cada país cede ou transfere parcelas de suas
respectivas soberanias a um órgão comum, admitindo que as decisões tomadas por esse órgão se tornem de
obediência interna obrigatória, independentemente de qualquer outra manifestação política ou legislativa
interna. Em outras palavras, as decisões desse órgão supranacional passam a integrar automaticamente o
ordenamento jurídico de cada Estado-Membro.

Os blocos de integração supranacionais constituem exemplo marcante da relativização do conceito


clássico da soberania absoluta.

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