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Resenha crítica do artigo “Cinema, ao fim e ao cabo.

Primeiras impressões sobre o


impacto da Lei 12.485/2011, a Lei da TV paga, no Brasil”, de Mannuela Ramos da Costa
Por Julie de Oliveira

Conforme explícito no título, o artigo trata de uma investigação sobre a influência da Lei
12.485/2011 no fomento e visibilidade das produções audiovisuais nacionais dentro do âmbito das
redes de teledifusão por assinatura (“TV paga”). A autora traz uma revisão histórica dos cenários de
investimentos públicos e privados no mercado cinematográfico nacional desde as origens da
televisão brasileira, passando pela criação da Agência Nacional de Cinema (ANCINE) e
conduzindo o leitura até o momento da criação da “Lei da TV paga”.
Com base em dados de questionários elaborados por ela própria e respondidos por 8
produtoras nacionais, a professora Costa faz uma análise da frequência de utilização por essas
produtoras das leis de incentivo oferecidas por editais municipais, estaduais e federais. Além disso,
as produtoras descrevem também suas percepções sobre as leis em questão e sobre a atuação da
ANCINE dentro desse contexto.
O artigo é dividido em quatro seções: (1) ‘O pensamento setorial sobre a relação entre
cinema e televisão no Brasil’, (2) ’A ANCINE e a Lei 12.485/2011’, (3) ‘A vida como ela é’ e (4)
‘Antes dos créditos finais’.
A Seção (1) é uma longa introdução que inicia descrevendo a origem da TV e seu papel
como “influenciadora no gosto médio do brasileiro para o audiovisual”, mas rapidamente muda de
foco e concentra-se em apresentar definições sobre a área de regulação de conteúdo do setor de
comunicação brasileiro e o papel da ANCINE como o atual agente público oficial responsável por
esta tarefa.
Ao fim da introdução, há uma descrição que levanta um contraste que permeia boa parte do
artigo. De um lado, descreve-se a expectativa dos produtores independentes em relação às leis de
protecionismo, fomento e incentivo ao mercado cinematográfico interno, além das suas dificuldades
em competir com um mercado estrangeiro já bastante consolidado e industrializado. Por outro lado,
o que ocorre em termos de legislação, através de leis como a Lei Rouanet (8.313/1991), são
políticas neoliberais que pressupõem como premissa investimento privado (em forma de isenção de
impostos) para financiamento das obras dos produtores, gerando uma espécie de (des)regulação
pelo mercado privado baseada fortemente no interesse em busca do capital em detrimento da
qualidade e diversidade das obras.
A Seção (2) é uma revisão histórica desde a criação da ANCINE até a aprovação da “Lei da
TV Paga” em 2011. Analisando os fatos apresentados, a autora acaba realizando uma crítica ao
desvio funcional da ANCINE, que, em suas próprias palavras, “como agência reguladora, a
ANCINE passou a desempenhar mais um papel de fomento e regulamentação do que de
regulação”. Nesta seção, a autora também destaca a criação do Fundo Setorial do Audiovisual
(FSA), regulamentado em decreto em 2007. O período de criação do FSA coincide com a
tramitação do projeto de lei que daria origem à “Lei da TV Paga” em 2011. Conforme levantado por
Costa, a importância do FSA passa a ser ainda maior após articular-se à Lei 12.485/2011 em uma
linha de financiamento a produtos audiovisuais de televisão.
O artigo de Costa aponta algumas medidas garantidas pela “Lei da TV Paga” para as redes
de teledifusão por assinatura, tais como tempo mínimo semanal de conteúdo nacional, garantia de
horários nobres para exibição desses conteúdos, classificação da rede de acordo com a produção
veiculada (própria ou independente) e também a atualidade e renovação do conteúdo nacional.
Essas ações reforçam a defesa de Costa e as expectativas da ANCINE de que a Lei 12.485/2011
promove “um aumento quantitativo e qualitativo na produção independente audiovisual brasileira,
com vistas à diversidade, além de proporcionar mais empregos, renda e aumento nos royalties
para o país, tendo como fim maior uma indústria mais profissional e fortalecida”.
Pode-se levantar alguns problemas ainda enfrentados com a “Lei da TV Paga”; um deles é
apontado por Costa – a redação da lei cria uma limitação de no máximo 25% de conteúdo
publicitário total emitido na programação, enquanto não limita o volume de reprises de conteúdo.
Outro ponto crítico foi a entrada massiva das (poucas) empresas de telefonia no setor de
distribuição de conteúdo audiovisual. Embora a lei tenha mérito em estabelecer as restrições e
obrigações de cada atividade para os diversos tipos de operadores (desde a produção até a
distribuição do conteúdo) – inclusive gerando recursos para o FSA, como apontado no artigo –, não
é possível negar que as empresas de telefonia atualmente mantém um oligopólio de serviços de
telefonia, banda larga e TV por assinatura. Esse oligopólio é garantido pela forma de licenciamento
e concessão de uso do espectro na radiodifusão, regulada pela ANATEL, que dificulta a entrada de
novos competidores no mercado.
Embora não mencionado no trabalho de Costa, deve-se ressaltar ainda nesta análise que o
formato de distribuição de serviços de TV por assinatura pelas grandes empresas de telefonia
atuando como “empacotadoras” restringe a liberdade do consumidor de assistir determinados
conteúdos sob demanda e pagando apenas pelo conteúdo consumido. A revolução digital e a
entrada de novos tipos de serviço para oferecer conteúdo audiovisual – em particular a difusão sob
demanda pela internet, denotada streaming – coloca em xeque muitos aspectos regulados e
engessados pela lei. O conservadorismo e a inércia das redes de TV por assinatura e seus
distribuidores em modificar a forma de distribuição de conteúdo para o público prejudica não só o
acesso como também a divulgação de conteúdo audiovisual original e independente.
Na terceira Seção do artigo de Costa, são apresentados os dados dos questionários e
entrevistas respondidos por 8 produtoras nacionais – as identificações das produtoras foram
mantidas anônimas, embora as unidades federativas em que se localizam tenham sido divulgadas.
Foram selecionados diferentes grupos de produtoras: localizadas em estados emergentes que
apresentaram crescimento na produção de longa-metragens lançadas em circuitos nacionais entre
2010 e 2014; localizados em estados com produção já consolidada; e também localizados em
estados baixo volume de produção.
Conforme descrito no artigo, a função do questionário era avaliar se a as produtoras
utilizavam recursos financiados por leis de incentivo ou fomento para cinema e audiovisual. A
classificação dos resultados obtidos analisou a frequência de uso de cada produtora em função da
esfera do edital de financiamento (federal, estadual ou municipal). Ressalta-se dos dados
apresentados que 100% das produtoras entrevistadas afirmaram ter comercializado produtos para
canais de televisão antes do ano de 2012.
Embora a apresentação dos dados esteja desorganizada, o que a professora Costa relata é que
há otimismo entre os produtores em relação à “Lei da TV Paga” – uma grande parcela dos
entrevistados relata que o mercado está mais receptivo à produções independentes e que a forma de
financiamento para o audiovisual via ANCINE melhorou após a criação da lei.
O que não fica claro no artigo de Costa é como impactou na entrada de novos produtores no
mercado, que não comercializavam com a televisão anteriormente. Essa ausência de informação nos
dados é um espaço para maiores investigações. Recentemente a ANCINE também considera a
cobrança de impostos sobre plataformas de serviços digitais de distribuição de conteúdo audiovisual
que já estão consolidadas no mercado – tais como Neflix, Youtube, HBO Go (será que Globo Play
está nessa lista?).
A última seção do artigo de Costa é uma conclusão otimista, mas deixando claro que a maior
parte do impacto da lei até o momento foi gerar maior demanda de produções nacionais (já
realizadas e financiadas pelo FSA) pela TV por assinatura, enquanto não se consegue medir se
houve um aumento significativo na produção e oferta desses conteúdos. A autora trata como
positivo o aumento do número de assinantes da TV por assinatura, entretanto a estratégia das
empresas de telefonia foi “forçar” pacotes combinados de “telefone + banda larga fixa + TV por
assinatura” – e com programações empacotadas altamente limitadas – que praticamente obrigavam
os clientes ou a aceitarem as ofertas ou a trocarem de operadora.
Conforme apontado na conclusão da professora Costa, embora pareçam ter surgido
resultados favoráveis ao cinema brasileiro, ainda há necessidade de aguardar mais tempo para
mensurar de fato os impactos da lei a longo prazo. Ainda, o perfil de regulamentação e fiscalização
da ANCINE ainda precisa ser aperfeiçoado e atualizado para levar em consideração as novas
plataformas e formas de distribuição de conteúdo digital que vem evoluindo constantemente.

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