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Análise constitucional do PL

4162/19 que atualiza o marco


legal do saneamento básico
Prof. Dr. Luiz Alberto G. S. Rocha
Doutor em Direito do Estado – USP
Professor Adjunto IV – Faculdade de Direito/UFPA
Assessor jurídico da FNU. Advogado.
luizalbertorocha@hotmail.com
Aspectos introdutórios
O O governo federal vem tentando alterar o marco legal do saneamento básico
brasileiro visando implementar projeto neoliberal no setor para entregar o
serviço público à exploração privada sob o argumento de (1) ineficiência do
setor público, e (2) insuficiência orçamentária para cobertura de déficits
fiscais e investimentos públicos.
O Por este diagnóstico somente o setor privado é capaz de garantir eficiência na
prestação do serviço de saneamento com o aporte de investimentos
necessários à universalização do serviço.
O Para que o setor privado assuma o negócio, no entanto, ele passa a requerer
segurança e previsibilidade do ambiente de negócios, gerenciamento de
risco, e garantias de lucratividade.
O Assim, o Governo Temer editou a MP 844, de 06/julho/18, que perdeu a
eficácia por decurso de prazo. E também a MP 868, de 27/dezembro/18, no
apagar das luzes de um governo que não deixa saudades.
O Ambas as MPs foram atacadas pela FNU por meio de propositura das Ações
Direta de Inconstitucionalidade 6006 e 6128.
Tramitação legislativa
O Repetindo integralmente o texto das MPs, o Senador Tasso Jereissati
(PSDB/CE) apresentou o PL 3261 com início de tramitação em junho/19.
Na tramitação no Senado Federal, a principal mudança foi a retirada das
alterações da Lei n. 9984/00 que regulamenta a ANA.
O Na Câmara dos Deputados houve intenso debate em Comissão Especial
com a retomada das modificações na Lei da ANA por proposta do
Deputado Hildo Rocha (MDB/MA) (PL 10996/18) e indo a Plenário em
novembro/19.
O No Plenário, foi aprovado requerimento do Deputado Geninho Zuliani
(DEM/SP) para votação prévia do PL 4162/19 que acabou sendo aprovado
em dezembro/19, prejudicando a apreciação do PL 3261, e encaminhando-o
para apreciação do Senado Federal.
O Caso o Senado Federal aceite as mudanças da Câmara dos Deputados, o
projeto vai à sanção presidencial. Se fizer novas alterações volta à Casa
Iniciadora (Câmara dos Deputados).
Alterações pretendidas na Lei
9984/00 – Lei da ANA
O ANA é agência reguladora das águas brutas concretizando a Lei de Águas do
Brasil (Lei 9433/97), o que já lhe confere responsabilidade suficiente para
passar a acumular novas e inéditas competências para regulação e fiscalização
do saneamento brasileiro em 5570 municípios brasileiros.
O A ANA passa a ser o órgão regulador central do saneamento brasileiro
editando normas de referência nacional que condicionam o acesso aos
recursos da União.
O Assim, há quebra do Pacto Federativo porque a União dominará a relação
com os entes titulares do saneamento (spending power) porque o poder
orçamentário da União trará ingerência inconstitucional na competência
municipal.
O Também perderão sentido a autonomia das agências reguladoras dos demais
entes federativos que se restringirão a reproduzir determinações da ANA.
Ainda outras questões
O A definição de padrões nacionais de qualidade e eficiência (mesmo que a PL
indique a observação de peculiaridades regionais) deverá trazer desequilíbrio
federativo porque as atuais agências reguladoras estaduais e municipais já
conhecem o sistema locais, tornando-as mais capacitadas para estabelecer tais
parâmetros.
O O novo modelo implantará seleção adversa entre os municípios brasileiros.
O Há aqui uma política constitucionalmente perversa porque viola o Federalismo
Cooperativo ao impor a vontade da União sobre a autonomia dos municípios.
O Ainda a ANA deverá fazer a padronização dos instrumentos negociais do
saneamento básico extrapolando sua competência porque é competência privativa
da União legislar sobre “normas gerais de (...) contratação, em todas as
modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais
dos (...) Municípios”.
O Não pode ato normativo supralegal de Agência Reguladora federal substituir
inconstitucionalmente a reserva de lei definida pela Constituição.
O Ainda os subsídios e o compartilhamento de ganhos de produtividade para
subsidiar os usuários do saneamento a serem realizados pelas normas de referência
nacional violam a competência legislativa de Lei Complementar.
Alterações pretendidas na Lei 11445/07 – Lei do
Saneamento
O Eliminação do Contrato de Programa no Saneamento Básico: a PL pretende
garantir o contrato de concessão, excluindo o Contrato de Programa para o
saneamento, facilitando a privatização do setor.
O Ademais, o PL prevê obrigação de licitação somente para o caso de gestão
associada, ainda que o art. 175 CF/88 e a Lei 8666/93 imponha a licitação em
todos os casos de concessão.
O Adequação do Saneamento ao modelo negocial interessante ao setor
privado: incluir-se-ão nos contratos de concessão mecanismos de garantias
jurídicas para o setor privado gerenciar o risco do investimento privado como
sua repartição, e novas fontes de receitas alternativas, complementares ou
acessórias, entre outras garantias.
O Há retirada, por exemplo, da obrigação de que o estudo de viabilidade técnica
e econômico-financeira preveja “a prestação universal e integral de serviços”.
Um pouco mais ...
O Também a regulação permitirá que a antiga “apropriação social dos ganhos de
produtividade” seja substituída por ganhos “compartilhados” oferecendo fonte
adicional de remuneração para as empresas.
O Prestação regionalizada: estratégia para segregação espacial em blocos
regionais que garanta o interesse econômico das empresas privadas, sem que
haja previsão de subsídio cruzado entre os municípios que integram os blocos
regionais. Podendo haver, inclusive, um super bloco regional integrado
exclusivamente por municípios superavitários.
O Entidade reguladora: viabiliza que a regulação de serviços de saneamento seja
feita por qualquer entidade reguladora mesmo que fora dos limites do
respectivo Estado (Regulação Exógena) abrindo espaço para regulação
centralizada na ANA, por exemplo.
O As alterações ainda reforçam as normas de referência nacional editadas pela
ANA e criam o Comitê Interministerial de Saneamento Básico (CISB) com
composição a ser definida posteriormente pelo Presidente sem garantias de
participação de outros entes da Federação ou controle social.
Adiante ...
O Remuneração da cobrança de serviços: com a retirada da expressão
“sempre que possível” o saneamento passa a ser sustentado
exclusivamente pela remuneração de serviços universalizando a
cobrança. E ainda cria outras formas adicionais de remuneração.
O Mesmo que mantenha os subsídios tarifários e não tarifários (retira o
subsídio direto ao usuário), eles não poderão ser mais concedidos a
localidades inteiras que não tenham escala econômica suficiente para
pagar o serviço. Retira, portanto, a obrigação da empresa privada de
atender este sistema.
O Manejo de resíduos sólidos: facilita tais contratos de modo que a
fatura de consumo de outros serviços públicos possa ser acompanhada
com a cobrança pela prestação privada de tais serviços (cobrança
conjunta).
O Licenciamento ambiental: facilita o licenciamento do manejo de
resíduos sólidos ao lhes conferir prioridade e procedimentos
simplificados.
Alterações pretendidas na Lei 11107/05
– Lei de Consórcios Públicos
O Contratos de Programa: não serão mais usados para os consórcios
públicos na prestação do saneamento básico, justamente para permitir a
participação do ente privado via contratos de concessão.
O Garante segurança jurídica para que a alteração na composição dos
consórcio público não prejudica os contratos, não falando mais em
contrato de programa. O que permite a transposição de tais contratos para
contratos privados.
O Ademais, os bens e direitos decorrentes da gestão associada custeados por
tarifas ficam com concessionárias privadas e não mais com os titulares de
serviços.
O Já os encargos e obrigações ficam com a gestão associada até que se
indique os responsáveis por cada obrigação.
Transição para o novo modelo
O Adaptação de prazos dos contratos vigentes: permite a alteração dos
prazos dos contratos de programa vigentes podendo reduzir e prorrogar os
mesmos para convergirem com a data do início do contrato de concessão
violando o ato jurídico perfeito e a segurança jurídica.
O Indicando, desde já, a licitação da concessão ou a alienação de controle
acionário da CESB para substituição dos contratos vigentes pelos novos
contratos de concessão.
O Sendo que a União apoiará financeira e tecnicamente somente se o titular
dos serviços seguir a cartilha legal determinada.
O Serviços sem contrato: não há impedimento de novos contratos de
concessão para prestação regionalizada. Tais serviços poderão reconhecer
legalmente a situação fática com prazo de 5 anos.
O Os titulares de serviços poderão aderir à proposta da CESB para
continuarem sendo servidos depois da alienação com prazo de
manifestação de 180 dias. A omissão configurará anuência.
O Mas se discordarem terão que indenizar previamente os investimentos
realizados e não amortizados.
Muito Obrigado !!!

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