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A nova redação do art. 29, § 3º, traz disposição muito importante para a racionalização do
consumo de água, ao prever que “as novas edificações condominiais adotarão padrões de
sustentabilidade ambiental que incluam, entre outros procedimentos, a medição individualizada
do consumo hídrico por unidade imobiliária (…)”.
À Agência Nacional de Águas [ANA] foi atribuída a competência para regular o a prestação do
serviço de saneamento básico por meio da edição de normas de referência (arts. 1º e 3º da Lei
nº 9.984/2000 e art. 25-A da Lei nº 11.445/2007), como, por exemplo, sobre padrões de
qualidade e eficiência na prestação, na manutenção e na operação dos sistemas de saneamento
básico, metas de universalização dos serviços, entre outros aspectos (art. 4-A, § 1º, da Lei nº
9.984/2000).
No entanto, a nova Lei não traz a definição do que sejam normas de referência. Julgamos
apropriado estabelecer, como critério interpretativo, a adoção da analogia entre as normas de
referência no âmbito da regulação com as normas gerais da União no exercício da competência
legislativa concorrente prevista no art. 24 da CRFB.
Inspirado na ADI 1842 do STF, o legislador fez a distinção entre serviços públicos de saneamento
básico de interesse comum e serviços públicos de saneamento básico de interesse local. Estes
últimos são caracterizados quando as infraestruturas e instalações operacionais referentes aos
serviços atendam a um único Município (art. 3º, XV). Os primeiros são caracterizados quando os
serviços de saneamento básico são “prestados em regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões instituídas por lei complementar estadual, em que se verifique o
[1] Professor Associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO; Doutor em Direito (UERJ).
Coordenador do Programa de Pós Graduação em Direito da UNIRIO.
[2] Doutorando em Direito Público e Mestre em Direito Ambiental pela Universidade de Coimbra, Portugal. Professor
de Direito Ambiental da Puc-Rio. Ex-conselheiro do CONAMA e do CONEMA-RJ. Procurador do Estado do Rio de
Janeiro. Sócio do escritório Daudt Advogados.
Ocorre que, ao tratar da prestação regionalizada dos serviços, a Lei é pouco clara. Num primeiro
momento, parece que as formas de prestação regionalizada se esgotariam no inciso VI do art.
3º. No entanto, consideramos a gestão associada também uma forma de prestação
regionalizada, nos moldes do art. 3º, II, que a define como “associação voluntária entre entes
federativos, por meio de consórcio público ou convênio de cooperação, conforme disposto no
art. 241 da Constituição Federal”.
Logo, existem quatro formas de prestação regionalizada: (1) por meio da região metropolitana,
aglomerações urbanas ou microrregiões de municípios limítrofes, de acordo com lei
complementar estadual; (2) por intermédio da unidade regional de saneamento básico,
constituída pelo agrupamento de Municípios não necessariamente limítrofes, que pode ser
instituída pelos Estados mediante lei ordinária; (3) por meio do bloco de referência, constituído
por Municípios não necessariamente limítrofes, que pode ser instituída pela União Federal de
forma subsidiária aos Estados mediante acordo voluntário entre os integrantes; e, finalmente,
(4) por gestão associada entre os entes federativos por meio de consórcio público ou convênio
de cooperação.
A nova lei encampa a técnica de regulação por performance ou baseada em desempenho a qual,
em vez de prescrever exatamente as ações dos regulados, “o regulador limita-se a estabelecer
metas de desempenho”, com base em parâmetros mensuráveis, objetivos e bem definidos
(DAUDT D’OLIVEIRA, Rafael Lima. A simplificação no direito administrativo e Ambiental. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2020, pp. 84-85). Dada a sua flexibilidade quantos aos meios utilizados,
fomenta a inovação tecnológica e a adoção das melhores tecnologias disponíveis. Além disso,
reduz o custo regulatório para todas as partes envolvidas.
Desse modo, o novo art. 10-A, caput e inciso I, da Lei 11.445/2007 prevê que os contratos de
prestação dos serviços de saneamento básico deverão conter, expressamente, sob pena de
nulidade, determinadas metas de desempenho, que podem ser sintetizadas a seguir: (i)
proceder à universalização (metas de expansão) e (ii) melhorar a qualidade dos serviços, (iii)
reduzir perdas na distribuição de água, (iv) racionalizar o uso da água e dos recursos naturais, e,
incentivar (v) a eficiência energética, (vi) o reuso de efluentes sanitários e (vii) o aproveitamento
da água da chuva (esses objetivos são reforçados pelo disposto no art. 2º, XIII, da Lei
11.445/2007).
O art. 11-B, da Lei 11.445/2007, prevê que os contratos de saneamento básico devem definir
metas de universalização, metas quantitativas de não intermitência do abastecimento, de
redução de perdas e de melhoria dos processos de tratamento que garantam o “atendimento
de 99% (noventa e nove por cento) da população com água potável e de 90% (noventa por
cento) da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033”.
Embora perceba-se uma clara intenção do legislador em tentar resolver o crônico problema de
saneamento no Brasil, tudo leva a crer que as metas de universalização não serão cumpridas até
2033, haja vista o vulto dos investimentos, o tempo e o ambiente político necessários para tanto.
Entretanto, existe uma possibilidade de dilação do prazo para o cumprimento das metas de
universalização até, no máximo, 1º de janeiro de 2040 quando os estudos para a licitação
referentes à regionalização da prestação “apontarem para a inviabilidade econômico-financeira
da universalização na data referida no caput deste artigo, mesmo após o agrupamento de
Municípios de diferentes portes” (art. 11-B, § 9º).
Os §§2º e 3º do art. 17, da Lei nº 11.445/2007, agora preveem que o plano regional de
saneamento básico prevalece sobre e dispensa a elaboração dos planos municipais de
saneamento. E o §4º do mesmo artigo estabelece que, além de órgãos e entidades públicas, os
prestadores de serviço também podem dar suporte à elaboração dos planos.
O §1º do art. 19 da Lei nº 11.445/2007 agora prevê que os planos de saneamento básico “serão
aprovados por atos dos titulares e poderão ser elaborados com base em estudos fornecidos
pelos prestadores de cada serviço”. O dispositivo citado fala na aprovação por “atos dos
titulares” o que pressupõe a edição, não só de lei, mas principalmente de regulamento,
promovendo uma simplificação na elaboração dos planos, o que constituiu medida elogiável.
Além disso, contempla a possibilidade de os planos serem elaborados com base em estudos
elaborados pelos próprios prestadores de serviços. Parece-nos que esta previsão também é
positiva, na medida em que, como se sabe, nem sempre o poder público tem recursos para
elaborar tais estudos.
O §9º do art. 19 traz regra interessante ao prever a possibilidade de que os Municípios com
população inferior a 20.000 (vinte mil) habitantes possam elaborar planos simplificados de
saneamento, com menor nível de detalhamento. Trata-se de medida realista que leva em conta
o nível de capacidade técnica, institucional e financeira de pequenos municípios.
O §1º do art. 44 consagra o princípio da simplificação de procedimentos, eis que estabelece que
devem ser previstos “procedimentos simplificados de licenciamento para as atividades a que se
refere o caput deste artigo, em função do porte das unidades, dos impactos ambientais
esperados e da resiliência de sua área de implantação”.
O novo marco legal do saneamento básico tem o mérito de estimular a concorrência entre
agentes econômicos, assim como aperfeiçoar o ambiente regulatório. Ao enfatizar a prestação
regionalizada do serviço, bem como com a previsão de metas de desempenho e das ambiciosas
metas de universalização, cuida-se de um desafio importante para tentar resolver os problemas
históricos do setor.
Esperamos que os avanços trazidos pela lei possam se refletir no mundo dos fatos, produzindo
os esperados benefícios para o setor e para a tão sonhada universalização do saneamento básico
a todas as famílias brasileiras.