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EFA NS - CURSO TÉCNICO/A DE CONTABILIDADE

UFCD: CP1 Direitos e Deveres Formadora: Ana Barros


Tema: DR1 Liberdade e Responsabilidade Pessoal Data: ____ / ____ / ____ Pág.: 1/4

Formando/a:

DR1- Liberdade e Responsabilidade Pessoal

“Responsabilidade é saber que cada um dos meus atos me vai construindo, me vai definindo, me vai
inventando. Ao escolher aquilo que quero vou-me transformando pouco a pouco. Todas as minhas decisões
deixam a sua marca em mim antes de a deixarem no mundo que me rodeia.”
Fernando Savater, Ética para um Jovem. D. Quixote Editora, Lisboa, 2005.

SOBRE A RESPONSABILIDADE
(…) E em bom rigor, definir o que é a Responsabilidade não deixa de ser uma tarefa de risco,
sobretudo pelos diversos níveis a que se pode referir - falamos de responsável como traço de uma pessoa,
como caraterística de uma ação; da responsabilidade como uma categoria legal, como dever associado a
uma função ou papel, como valor ou princípio da ação, tanto em termos individuais como coletivos.
Roque Cabral definiu-a como “a capacidade e a obrigação de
responder ou prestar contas pelos seus atos e efeitos”.
"Obrigação de responder pelas ações próprias, pelas dos outros
ou pelas coisas confiadas"1.
Todos nós temos muitos papéis - professores, estudantes,
funcionários, pais e mães, filhos e filhas, irmãos, tios, sócios da
coletividade do bairro, praticantes de algum desporto, cidadãos
do país - e percebemos que temos responsabilidades de
diferentes ordens, conforme os lugares, o tempo e as
metamorfoses da nossa vida. Além dos cruzamentos das
responsabilidades, alguns conflitos de responsabilidade agitam,
por certo, a nossa existência. (…)
Responsabilidade entre outras aceções é a capacidade de responder pelos seus atos – dizer eu sou
responsável, sou a causa, fui o princípio de uma série causal. E se o responsável responde pelos seus atos,
a verdade é que o ato, uma vez realizado, tem um conjunto de consequências que partem em feixe do ato,
como se acendêssemos uma lanterna no escuro – o foco de luz na minha mão é bastante menor do que o
círculo do cone luminoso lá ao fundo.
Por vezes medimos mal até que ponto se encadeiam causas e efeitos - e desta medida advém uma
gradação de responsabilidades; Algumas vezes, lá acontece que os efeitos contradizem a nossa intenção -
costumamos chamar-lhe efeitos perversos. (…)
Um responsável é-o sempre por alguma coisa ou por alguém. Mais, a “verdadeira responsabilidade
não é senão a que se exerce a respeito de alguém ou alguma coisa frágil, que nos é confiada” 2, dizia
Ricoeur.
Preciso que alguma coisa ou alguém me seja confiado para que eu possa ser tido por responsável; a
ideia de “tomar a cargo” é absolutamente central: algo ou alguém posto à minha guarda, sob a minha
proteção. Neste sentido, é exemplar o modelo da responsabilidade parenteral em que o «encargo
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confiado» se relaciona com a ideia de tomar conta, no caso de uma criança que se tem o encargo de
proteger, de ajudar a crescer, um ser frágil e em que a minha responsabilidade é de a conduzir à
maturidade (para que ela possa, um dia, tornar-se responsável e tomar a cargo alguém, que não ela). No
plano moral, “é pelo outro, que se é considerado responsável”.
A nossa responsabilidade ética de uns para com os outros aparece, por exemplo, na base da figura
jurídica do dever de auxílio (e do crime de omissão de auxílio) em que "o princípio legitimador que
consagra um dever de auxílio é o da solidariedade humana, face à vivência em comunidade ética" 3. (…)
O conceito crucial que faz a passagem do assumir-se como causa a interiorizar como valor é a noção
do dever. Dito de outra forma, "fazer da responsabilidade um valor, é indicar deveres. Se sou responsável
por, devo fazer isto e não aquilo; mas devo agir; e, mais ainda, não devo ser negligente. O dever impõe-
se à minha consciência."4
Talvez seja agora claro que quando falamos de responsabilidade estamos perante a reflexão sobre
as consequências do comportamento humano. (…)
Savater afirmou que a “Responsabilidade é saber que cada um dos meus atos me vai construindo,
me vai definindo, me vai inventando. Ao escolher aquilo que quero, vou-me transformando pouco a pouco.
Todas as minhas decisões deixam a sua marca em mim antes de a deixarem no mundo que me rodeia” 5.
Para nosso consolo, não se nasce responsável, vamo-nos tornando responsáveis.
Antes de mais, a responsabilidade é uma questão de formação. Como a responsabilidade opera a
síntese entre os conhecimentos e a ação e os seus efeitos, o nosso conhecimento é sempre enriquecido
quando confrontamos a intenção e os resultados; por isso nunca se é responsável de uma vez por todas.
Mais, tende a ser cumulativa – o seu exercício torna-nos cada vez mais responsáveis. (…)
Sou diretamente responsável pelas coisas que faço; e há também a responsabilidade por atos que
não cometi diretamente, em que posso ter colaborado para que ocorressem; ou ter-me omitido e
permitido que algo ocorresse ou deixasse de ocorrer, sendo imputável por isso. “a responsabilidade
estende-se tão longe quanto os nossos poderes no espaço e no tempo”6. Com grandes poderes vêm
grandes responsabilidades.
E os prejuízos das nossas ações, sejam possíveis, previsíveis ou prováveis, estendem-se igualmente
tão longe quanto os nossos poderes, ou seja, quanto a nossa capacidade de provocar prejuízos e a nossa
responsabilidade pelos danos. (…)
Todos temos direitos e deveres. Estão consagrados nos diferentes normativos legais que são a
expressão dos valores próprios de uma determinada sociedade. Assim, há uma relação entre direitos e
deveres. (…)

Lucília Nunes, SOBRE A RESPONSABILIDADE. OU A CONSCIÊNCIA DA LIBERDADE. Escola Superior de Saúde


In https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/19383/1/Sobre%20a%20Responsabilidade_2017%2010%2009.pdf, acedido em 14-02-2020

1 Cf. Cabral, Roque – «Responsabilidade», in Logos, vol. 4: 724 - “a capacidade e obrigação de responder ou prestar contas pelos próprios actos e seus efeitos,
aceitando as consequências”
2 «Etre responsable, en ce sens, ce n’est pas simplement pouvoir se désigner comme l’agent d’une action déjà commise, mais comme l’être en charge d’une
certaine zone d«efficacité, où la fidélité à la parole donnée est mise à l’épreuve.» Aeschlimann, J-C – Entretien. In Éthique et responsabilité. Paul Ricœur,p.31.
3 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 4310/2003.

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4 Etchegoyen, Alain (1995) A era dos responsáveis. Lisboa: Difel, p. 21.


5 Savater, Fernando (1997) Ética para um jovem. Lisboa: Ed. Presença. p. 81-82.
6 Ricœur, Paul (1997) O Justo ou a dimensão da justiça. Lisboa: Instituto Piaget. p.55.

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RESPONSABILIDADE E A LIBERDADE
(…) Hannah Arendt afirmou que “a pedra de toque de um ato livre – desde a decisão de saltar da cama
todas as manhãs até às mais altas resoluções pelas quais nos comprometemos para o futuro – é sempre que
sabemos que podíamos ter deixado por fazer o que efetivamente fizemos” 1.
Em bom rigor, se pensarmos na definição de responsabilidade, os atos e as consequências vêem-se. Mas
há um elemento anterior, invisível, a menos que o tornemos explícito. Anterior, porque acontece antes dos
atos, quando tomamos decisões.
Tomar uma decisão é proceder a uma escolha que orienta os atos que realizamos. E agimos sempre,
ainda que decidamos não agir. É por escolher entre duas ou mais possibilidades que realizamos os nossos
atos, habitualmente por preferência e medindo tão longe quanto conseguimos as consequências possíveis. A
essa possibilidade de fazer ou não fazer, de dizer sim ou não a atos que dependem de cada um, chamamos
liberdade. E assumir a nossa liberdade implica aceitar a responsabilidade pelo que fazemos ou tentámos
fazer e mesmo pelas consequências menos desejáveis dos nossos atos.
É conhecida (e reconhecida) a relação entre responsabilidade e liberdade - aliás, em bom rigor, são
correlativas; somos responsáveis pelos atos que decidimos realizar pois a condição primordial da ação é a
liberdade. E a liberdade é essencialmente capacidade de escolha.
A escolha supõe duas ou mais alternativas pois com uma só opção não existiria nem escolha nem
liberdade. Em síntese, só se pode falar de responsabilidade quando exista espaço para diferentes
possibilidades de ação - até porque, por definição, escolher é optar por uma alternativa e renunciar à outra
ou às outras. Como afirmou Ortega y Gasset, escolher é sempre rejeitar.
O ato livre é, necessariamente, um ato pelo qual se responde e se responsabiliza. Porque sou livre
tenho que assumir as consequências das minhas ações. Na verdade, face a uma situação, cabe-nos
estabelecer os critérios para as decisões quanto às nossas ações concretas. Seja agir ou omitir, trata-se
sempre de uma ação que decidimos levar a cabo.
E se a intencionalidade é a característica fundamental da consciência, ser livre é comprometer-se e
responsabilizar-se. Ora, "é preciso acrescentar um dado importante: a minha liberdade cruza a liberdade
dos outros, os quais também tomam livremente iniciativas que interferem com os meus atos . Portanto, ao
conhecer-se livre a minha liberdade é levada a reconhecer também a liberdade dos outros, cuja atividade
interfere com a minha."2
E aqui toda a gente sabe a «resposta», citando Sartre, que «a minha liberdade termina onde começa a
liberdade do Outro». Portanto, a liberdade tem condicionalismos decorrentes da convivência dos seres
humanos no mesmo mundo - mas os limites da liberdade não são só os que decorrem do Outro; são os
meus, do meu lugar, do meu passado, do meu mundo, do que eu sei, da minha consciência sobre a minha
liberdade. Por isso é que a consciência se torna a ideia mais forte, nesta relação entre a liberdade e a
responsabilidade. Pois cada um de nós tem o seu grau de autoconsciência, que potencia, que suporta, as
escolhas que faz. A consciência sobre Si, enquanto ser que trabalha, consciente e livre.
A consciência é a capacidade de perceber as realidades (internas e externas), a nossa capacidade de
avaliar, o nosso juízo prático sobre nós e os outros. Estarmos mais conscientes da nossa liberdade e da
nossa responsabilidade permite, por exemplo, percebermos que as circunstâncias não decidem a nossa vida;
"as circunstâncias são o dilema sempre novo, ante o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso
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caráter".3 A nossa vida, e neste aspeto penso que tanto a pessoal como a vida organizacional, decorre do que
fazemos com as circunstâncias.
De facto, como reiterou Savater, não decidimos o que nos acontece, mas decidimos o que fazemos com
o que nos acontece. Quem somos inclui a nossa realidade circunstancial, que é histórica, temporal, mutável,
assim como as decisões que tomamos e os percursos que escolhemos.
Gostaria de concluir mantendo-me na companhia de Ortega y Gasset, que no seu primeiro livro, em
1914, Meditaciones del Quijote, afirmou «sou eu e a minha circunstância e se não a salvo a ela não me salvo a
mim»4. Salvar a circunstância é compreendê-la, ligar as coisas, dar-lhes significado, na irredutível consciência
que a circunstância me constitui ainda que não determine por si só. A nossa vida é concreta, com limites
individuais, desenvolvida em inter-relação, intersubjetividade, associada aos limites da relação com os Outros
e o Mundo. Cada um de nós faz o que é capaz de fazer, mas a nossa capacidade depende da preparação, do
conhecimento e da reflexão. E se a dignidade humana requer reconhecimento, respeitá-la significa promover
a capacidade para pensar, decidir e agir. No cenário ético da responsabilidade e na assunção que « sou eu e a
minha circunstância e se não a salvo a ela não me salvo a mim».

Lucília Nunes, SOBRE A RESPONSABILIDADE. OU A CONSCIÊNCIA DA LIBERDADE. Escola Superior de Saúde


In https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/19383/1/Sobre%20a%20Responsabilidade_2017%2010%2009.pdf, acedido em 14-02-2020

1 Arendt, Hannah (2000) A Vida do Espírito. Vol. II – Querer. Lisboa: Instituto Piaget, p. 33.
2 Renaud, M. ; Renaud, I. (2017) A teoria da acçao. In Neves, M.C.P. (org.) Ética aplicada. Dos fundamentos às práticas. Lisboa: Almedina. p. 56.
4 25 Ortega Y Gasset (2000) A Rebelião das Massas. Lisboa: Relógio d' Água. (V.)
3 Ortega Y Gasset Meditaciones del Quijote - "Yo soy y o y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo" p.12

SUGESTÕES DE EXPLORAÇÃO DE SITUAÇÕES DE VIDA A INTERGRAR NO PORTEFÓLIO


• Explorar situações de responsabilidades para com a família, por exemplo, a educação partilhada dos
filhos (mesmo em caso de divórcio), a gestão partilhada do orçamento familiar (partilha de conta
bancária, de despesas, a necessidade de fazer opções, na partilha de tarefas no dia a dia...).
• Explorar situações de responsabilidades enquanto cidadão designadamente a responsabilidade para
com os vizinhos, com o condomínio, no negócio, na condução de viaturas, no cumprimento do
Código da Estrada, no pagamento do seguro do carro, na posse de animais domésticos, na utilização
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dos espaços públicos como jardins, praias, recintos, situações em que apresentou uma reclamação.
• Explorar situações em que agiu no sentido do bem comum, em detrimento dos seus interesses
pessoais, em que se viu perante o binómio liberdade versus responsabilidade.

OBSERVAÇÃO: Na Página Direitos e Deveres dos Cidadãos da responsabilidade da Fundação Francisco


Manuel dos Santos pode encontrar inúmeras questões geradoras relativas a assuntos que poderão ser
abordados no Portefólio com relevância para a evidenciação e competências no Núcleo Gerador Direitos
e Deveres. Poderá aceder a essa página aqui no endereço electrónico: https://www.direitosedeveres.pt/.

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