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A PRESCRIÇÃO TRABALHISTA NA ERA DO COVID-19.

A possibilidade de suspensão do prazo prescricional.

Escrito por: Leandro Carvalho Alencar, especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo
Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, professor e advogado trabalhista.

A pandemia ocasionada pelo COVID-19, o Novo Coronavírus, tem gerado


trágicos efeitos nas relações de trabalho: rescisões contratuais, inadimplementos, quebra
das empresas, flexibilização das normas trabalhistas etc.

No entanto, não são destes efeitos que falarei no presente escrito, embora de ampla
relevância. Aqui, tratarei de outra consequência no Direito do Trabalho, relacionada à
possibilidade de suspensão do prazo prescricional para ajuizamento das reclamações
trabalhistas ante às restrições de acesso à Justiça durante o período de pandemia.

O Professor Maurício Godinho Delgado1, ao discorrer sobre a prescrição,


chamando-a de “Prescrição Extintiva”, a conceitua como “a perda da exigibilidade
judicial de um direito em consequência de não ter sido exigido pelo credor ao devedor
durante certo lapso de tempo”.

Curioso que, diferentemente do instituto da decadência, não há perda do direito


em si, mas da sua exigibilidade.

O art. 7º, XXIX da Constituição Federal prevê que os créditos trabalhistas devem
ser pleiteados (exigidos) no prazo máximo de 2 (dois) anos, a contar da extinção do
contrato de trabalho – é a chamada prescrição bienal, total.

Por outro lado, o(a) credor(a) fará jus ao recebimento dos direitos decorrentes dos
5 (cinco) anos que antecederem o ajuizamento da ação trabalhista, nos termos do mesmo
dispositivo constitucional e do Enunciado nº 308, I da Súmula do Tribunal Superior do
Trabalho – é a chamada prescrição quinquenal, parcial.

1
(Delgado, Maurício Godinho; Curso de Direito do Trabalho; 5ª ed.; São Paulo; LTr, 2006 – pg. 250).

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No mesmo sentido, caminha a redação atual do art. 11, “caput” da Consolidação
das Leis do Trabalho, dada pela Lei nº 13.467/2017, ao dispor que:

“Art. 11. A pretensão quanto a créditos resultantes das relações de


trabalho prescreve em cinco anos para os trabalhadores urbanos e
rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de
trabalho.”

Entretanto, indaga-se se os respectivos dispositivos serão inflexíveis durante os


períodos de “isolamento”, “quarentena” e outros mais, designados pelo Governo, os quais
visam impedir a propagação do COVID-19, com grande impacto no direito fundamental
de acesso à Justiça como veremos à frente.

Oportunamente, cumpre salientar a previsão contida no art. 2º da Lei nº


13.979/2020, que “dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto
de 2019”, e traz as definições de “isolamento” e “quarentena”:

“Art. 2º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:


I - isolamento: separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de
bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais
afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a
propagação do coronavírus; e
II - quarentena: restrição de atividades ou separação de pessoas
suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de
bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias
suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível
contaminação ou a propagação do coronavírus.”

Nota-se, logo, distinção significativa entre os períodos de “isolamento” e


“quarentena”, em que pese tenham finalidades equivalentes: o primeiro envolve a
segregação de pessoas ou bens infectados pelo Novo Coronavirus; ao passo que o segundo
diz respeito à separação e à restrição de pessoas, animais ou bens suspeitos de
contaminação.

Assim sendo, fica clara a intenção do Governo Federal de limitar/restringir o


acesso de pessoas contaminadas ou com suspeita de contaminação, para evitar a
propagação do COVID-19.

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No mesmo intuito, os Governos Estaduais e Distrital, seguindo as orientações da
Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, têm determinado, por
meio de decretos, o fechamento de locais que facilitam a aglomeração de pessoas, tais
como: parques, restaurantes, bares, academias, estádios de futebol, boates etc.

Com relação às medidas adotadas pelo Poder Judiciário, destaca-se a recente


Resolução nº 313 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 19 de março de 2020, que
visa “uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o
contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19”, e os Atos emanados pelos próprios
Tribunais. Tudo, na tentativa de impedir a disseminação do vírus.

Importante citar, também, o Decreto Legislativo nº 06/2020, que acertadamente


reconheceu o estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020,
além do fato de que as autoridades públicas de saúde já declararam a existência de
transmissão comunitária em determinadas unidades da Federação (quando não se
consegue verificar a origem da transmissão do vírus).

No mais, a realidade tem nos mostrado que o melhor “remédio” para combater o
Novo Coronavírus, no momento, é a manutenção das pessoas em suas residências,
evitando ao máximo o contato com terceiros (inclusive familiares), por mais doloroso que
seja.

E toda esta situação, aliada às restrições impostas e necessárias, geram impactos


expressivos no direito de acesso à Justiça e, por consequência, na contagem do prazo
prescricional.

O art. 5º, XXXV da Constituição Federal, inserido no Título II, “Dos Direitos e
Garantias Fundamentais”, estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Significa dizer, portanto, em breves palavras, que
o Estado, a partir do momento em que assume o monopólio da solução dos conflitos
jurídicos, deve atuar quando provocado, sendo vedada sua recusa a qualquer tipo de
litígio.

Ocorre que, a partir do momento em que o (a)trabalhador(a) encontra-se privado


do seu direito de ir e vir, embora por causa nobre, justa e solidária, sofre, se não com o

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impedimento de exercer seu direito fundamental de acesso à Justiça, com limitações
relevantes para provocar o Poder Judiciário.

Aqui, poderíamos até pensar, a título de debate, se os sistemas eletrônicos


amplamente utilizados pela sociedade (em sua maioria, talvez) não seriam suficientes
para suprir, por exemplo, o contato presencial do (a)trabalhador(a) com um(a)
profissional da advocacia.

Contudo, não. Dentre outros motivos, pelo fato de que grande parte da população
brasileira sequer tem acesso aos meios digitais de conversa, do tipo: e-mail, whatsapp,
skype, telegram etc. Alguns, nem à internet.

Noutro giro, parece-nos desarrazoado exigir-se do(a) trabalhador(a), normalmente


vulnerável e hipossuficiente, o convívio com estes meios eletrônicos como forma única e
exclusiva de se evitar a perda da exigibilidade do seu direito. Outro entendimento,
inclusive, equivaleria à degolação dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa
humana e do valor social do trabalho, previstos no art. 1º, III e IV da Constituição Federal.

Igualmente, não poderíamos falar na utilização do princípio do jus postulandi, o


qual permite ao(à) empregado(a) e ao empregador litigarem na Justiça do Trabalho sem
a obrigatoriedade de representação por advogados, na forma do art. 791 da Consolidação
das Leis do Trabalho e do Enunciado nº 425 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho.

Neste aspecto, inclusive, torna-se importante destacar, primeiramente, a previsão


do art. 18 da Resolução nº 185/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que obriga
aos órgãos do Poder Judiciário que utilizarem o Processo Judicial Eletrônico (PJe) –
sistema já utilizado em todos os TRT’s – a manterem “instalados equipamentos à
disposição das partes, advogados e interessados para consulta ao conteúdo dos autos
digitais, digitalização e envio de peças processuais e documentos em meio eletrônico”.

Todavia, a Resolução nº 313/2020 também do CNJ, citada anteriormente,


especificadamente no seu art. 3º, é clara ao dispor que “fica suspenso o atendimento
presencial de partes, advogados e interessados, que deverá ser realizado remotamente
pelos meios tecnológicos disponíveis”. O mesmo tem sido feito pelos Tribunais, através
dos seus respectivos Atos.

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Deste modo, seja pela impossibilidade de se deslocar à Justiça para obter o
necessário suporte, seja pelas restrições impostas pelo CNJ e pelos Tribunais ou, ainda,
pela ausência de equipamentos tecnológicos mínimos, fica inviável a utilização do jus
postulandi.

Importante se faz, também, diante da ausência de regulamentação própria,


específica, destacar a essência contida na Orientação Jurisprudencial nº 375 da SDI-1 do
Tribunal Superior do Trabalho, a fim de corroborar com o entendimento aqui exposto. In
verbis:

“375. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.


SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. PRESCRIÇÃO.
CONTAGEM. (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010)
A suspensão do contrato de trabalho, em virtude da percepção do
auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, não impede a
fluência da prescrição quinquenal, ressalvada a hipótese de absoluta
impossibilidade de acesso ao Judiciário.”

Em outras palavras: a suspensão do contrato de trabalho, em razão do recebimento


do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, por si só, não impede a fluência da
contagem do prazo prescricional; todavia, ficando caracterizada a impossibilidade total
de o(a) trabalhador(a) doente ou aposentado(a) ter acesso ao Judiciário, haverá o
impedimento.

Veja que a Orientação, embora não tratar especificadamente do tema em comento,


além de versar sobre o impedimento da prescrição, pode ser invocada analogicamente,
mormente em sua parte final, quando ressalva “a hipótese de absoluta impossibilidade
de acesso ao Judiciário”.

Isso porque, ao fazer tal ressalva, o Tribunal Superior do Trabalho nada mais quis
do que valorizar, prestigiar, respeitar o direito fundamental de acesso à Justiça,
entendimento este que também deve ser transportado para o presente caso.

Atualmente, as pessoas estão absolutamente impossibilitadas de acessarem o


Poder Judiciário, por restrições impostas pelo Governo (infectados, suspeitos ou por
medidas de prevenção) e/ou em razão do não acesso aos meios tecnológicos próprios que

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poderiam sobrepor à necessidade do contato direto, pessoal, com outros profissionais
(advogados privados ou públicos, servidores da Justiça etc.).

Afinal, não seria justo e razoável tampouco atenderia aos princípios e objetivos
constitucionais concluir no sentido de que todos e todas têm ou deveriam ter, por conta
própria, contato com meios tecnológicos mínimos e necessários de acesso à Justiça. Do
contrário, por mais absurdo que fosse, restaria ao(à) trabalhador(a), desprovido(a) de
sistemas eletrônicos, apenas aguardar o manto da prescrição acobertar seus direitos dos
“pés à cabeça”, diante das restrições vividas nos dias atuais.

Por fim, mantendo-se a aplicação analógica, poder-se-ia atrair a inteligência


contida no art. 23 da Medida Provisória nº 927/2020 que, conquanto trate da suspensão
da contagem do prazo prescricional dos débitos relativos ao FGTS, é suficiente para
demonstrar a preocupação do legislador com a preservação deste direito, de modo que o
mesmo raciocínio deve ser aplicado aos demais haveres trabalhistas.

Portanto, pelas breves e singelas considerações expostas, aliadas à


impossibilidade de se averiguar ou de se fazer distinção entre trabalhadores providos ou
não de acesso à tecnologia, é que a regra da suspensão da prescrição deve ser estendida a
todos os credores (ou supostos credores), flexibilizando, excepcionalmente, as regras
constitucionais e legais mencionadas anteriormente.

Neste ponto, desafiamos outra problemática: quais seriam os marcos inicial e final
da suspensão?

Aqui, oportunamente, cumpre ressaltar o 1º, 8º e 9º “Considerando” da Resolução


nº 313/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, respectivamente, assinalam:

“CONSIDERANDO que cabe ao Conselho Nacional de Justiça a


fiscalização e a normatização do Poder Judiciário e dos atos
praticados por seus órgãos (artigo 103-B, § 4o , I, II e III, da CF);
CONSIDERANDO que a existência de critérios conflitantes quanto à
suspensão do expediente forense gera insegurança jurídica e potenciais
prejuízos à tutela de direitos fundamentais;
CONSIDERANDO a necessidade de se uniformizar, nacionalmente, o
funcionamento do Poder Judiciário em face desse quadro excepcional
e emergencial;”

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Diante dos dizeres destacados nos “Considerando”, principalmente no que diz
respeito à “necessidade de se uniformizar, nacionalmente, o funcionamento do Poder
Judiciário” e de que “a existência de critérios conflitantes quanto à suspensão do
expediente forense gera insegurança jurídica”, o marco inicial a ser considerado é a data
de publicação da respectiva Resolução, logo, 19 de março de 2020. Não fosse assim,
equivocadamente, aceitar-se-ia marcos distintos para cada Tribunal, gerando total
insegurança jurídica.

Quanto ao marco final, utilizando-se do mesmo critério de uniformização, deverá


ser considerado o último dia de validade da Resolução supracitada, portanto, 30 de abril
de 2020, ou, ainda, nova data que porventura venha a ser designada pelo CNJ.

Conclui, assim, pela suspensão do prazo prescricional para ajuizamento das


reclamações trabalhistas entre os dias 19 de março de 2020 e 30 de abril de 2020 (a
princípio), voltando a correr normalmente, pelo tempo que restar, após este período. A
mesma regra, inclusive, deverá ser aplicada à prescrição quinquenal.

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