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ANÁLISE JURÍDICA

Acontecimentos:
Controle de dados pelo Governo, que são
fornecidos por operadoras de telefonia

Resumo

Diante da necessidade de contenção da pandemia Covid-19, que principalmente relaciona-se


com a reclusão das pessoas em suas residências, o tema sobre o controle de dados pessoais
pelo Poder Executivo está em evidência.

Inicialmente, foram celebrados acordos por governos estaduais com operadoras de telefonia.
Porém, na busca de suporte legal para a obtenção e tratamento dos dados pessoais de clientes
das operadoras de telefonia, foi publicada, no dia 17 de abril de 2020, a Medida Provisória -
MP n. 954.

A MP 954 autoriza o tratamento de dados pessoais com a finalidade de produção de pesquisas


estatísticas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, a partir dos
dados obtidos das operadoras de telefonia.

Dois dias depois da publicação do ato do Presidente da República, foram apresentadas cinco
ações judiciais pela OAB e por partidos políticos, para que a MP seja declarada inconstitucional.

As demandas tramitam no Poder Judiciário, mas o Supremo Tribunal Federal - STF já


determinou a suspensão da MP 954, bem como requisitou o detalhamento do
compartilhamento de dados entre as operadoras de telefonia e IBGE.

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2019
Análise jurídica - principais acontecimentos

Governo do Estado de São Paulo

❖ 03/03/2020: início do controle da população, por meio de dados de telefonia móvel

➢ 12/03/2020: Ministério Público Federal solicita ao governador a apresentação


dos acordos formalizados com as operadoras, bem como o esclarecimento
quanto a comunicado anterior, de que poderia ser decretada prisão contra
quem desobedecesse a ordem de reclusão durante a pandemia

Governo Federal

❖ 17/04/2020: Medida Provisória - MP n. 954 é publicada

➢ A MP dispõe sobre o compartilhamento de dados de cadastro de clientes por


empresas de telecomunicações com o IBGE. A finalidade do tratamento dos
dados obtidos é a produção estatística oficial durante o período de emergência
de saúde pública, decorrente do coronavírus (Covid-19)

❖ Entre os dias 19 e 20/04/2020: são apresentadas 5 Ações Diretas de


Inconstitucionalidade1 quanto à MP 954, as quais argumentam, principalmente, no
sentido de que:

➢ não há cumprimento dos requisitos de relevância e urgência para a edição da


medida provisória, segundo o artigo 62 da Constituição Federal – CF/1988;
➢ há violação dos direitos fundamentais previstos no art. 5, X e XII da CF/1988,
quanto à dignidade da pessoa humana, intimidade, sigilo dos seus dados.

Outrossim, conforme as ADIs, ao promover a disponibilização desregulamentada de


dados pessoais, a MP possibilita a criação de uma estrutura de vigilância pelo Estado,
inclusive com a verificação do local de residência e eventuais interferências sobre os
titulares, que são clientes das operadoras de telefonia.

São autores das ADIs:

➢ Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - CFOAB (ADI 6387)


➢ Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB (ADI 6388)
➢ Partido Socialismo e Liberdade - PSOL (ADI 6390)
➢ Partido Socialista Brasileiro - PSB (ADI 6389)
➢ Partido Comunista do Brasil – PCdoB (ADI 6393)

1
STF. Ministra Rosa Weber solicita informações ao IBGE e à Anatel sobre compartilhamento de dados. [S.
l.], 23 abr. 2020. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441973. Acesso em: 24 abr. 2020.

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Supremo Tribunal Federal

❖ 23/04/2020: a ministra relatora das ADIs, Rosa Weber, requisita ao IBGE e à Anatel
que, em 48 horas, apresentem o detalhamento de como serão realizados os
procedimentos de compartilhamento de dados telefônicos e pesquisas estatísticas
oficiais, durante o período de emergência sanitária provocada pela Covid-19.

❖ 24/04/2020: é deferida liminar2 para suspender o envio de dados pelas operadoras ao


IBGE. A decisão ressalta que a Constituição Federal confere especial proteção à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas:

“(...) a fim de prevenir danos irreparáveis à intimidade e ao sigilo da vida


privada de mais de uma centena de milhão de usuários dos serviços de
telefonia fixa e móvel, com o caráter precário próprio aos juízos perfunctórios
e sem prejuízo de exame mais aprofundado quando do julgamento do mérito,
defiro a medida cautelar requerida, ad referendum do Plenário desta
Suprema Corte, para suspender a eficácia da Medida Provisória n.
954/2020, determinando, em consequência, que o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE se abstenha de requerer a disponibilização dos
dados objeto da referida medida provisória e, caso já o tenha feito, que suste
tal pedido, com imediata comunicação à(s) operadora(s) de telefonia. (...)”
(g.n.)

Considerações Finais

Diante do cenário da pandemia, reconhece-se a importância do tema de saúde pública em


níveis nacional e internacional.

Com a previsão de vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a Lei 13.979/2018,
a MP 954 traz em seu texto referências dessa lei ao prever: (i) base legal, já que o tratamento
de pesquisas estatísticas será realizado pela administração pública, com o objetivo de
execução de políticas públicas previstas em leis, regulamentos, respaldadas em contratos ou
convênios; (ii) cumprimento de princípios e análise de risco, já que determina à Fundação
IBGE a publicação, em sítio eletrônico, sobre detalhes do tratamento realizado, bem como
relatório de impacto de proteção de dados.

Mesmo diante de todo o fundamento para o cumprimento das políticas governamentais para
a saúde pública, ainda é possível identificar a preocupação dos representantes da população
e do Poder Judiciário quanto ao atendimento dos direitos fundamentais relacionados aos
sigilos dos dados pessoais, como os previstos na Constituição Federal, em especial no artigo
5º, incisos X e XII:

2
STF. Ministra suspende MP que prevê compartilhamento de dados com o IBGE por empresas de
telecomunicações durante pandemia. [S. l.], 20 abr. 2020. Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=441728&ori=1. Acesso em: 24 abr. 2020.

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“X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no
último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. (g.n.)

Vale lembrar que há proposta de emenda constitucional - PEC 17/2019 - em tramitação no


Congresso Nacional para, expressamente, prever, no artigo 5º, a proteção de dados pessoais
entre os direitos fundamentais do cidadão (brasileiro ou estrangeiro residente no Brasil).

Muito ainda será discutido sobre o tema, sendo que o Comitê Jurídico da ANPP acompanhará,
divulgando mais informações.

Elaborado por:

Bruno Cabral
Membro ANPPD – Comitê Jurídico
Subcomitê de Trainees

Adrianne Lima Davis Alves


Diretora do Comitê Jurídico da ANPPD Presidente da ANPPD

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