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Lei da Pandemia
Título: Continuando os Comentários à “Lei da
Pandemia” (Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020 -
RJET): Análise dos Novos Artigos
Autoria: Pablo Stolze Gagliano e Carlos Eduardo Elias de Oliveira
Leitura crítica: Giani Vendramel De Oliveira
Material Complementar
Sumário
1. Introdução
2. Reuniões em Pessoas Jurídicas de Direito Privado (art. 4º)
3. Revisão e resolução contratual em razão da pandemia (arts. 6º e 7º) e Locação
predial urbana (art. 9º)
3.1. Caso Fortuito e retroatividade (art. 6º)
3.2. Imprevisibilidade (art. 7º)
3.3. Contrato de Locação de Imóveis Urbanos (art. 9º)
1. Introdução
Na ocasião, deixamos de tratar dos artigos que haviam sido vetados pelo
Presidente da República para aguardarmos se o Congresso Nacional rejeitaria ou não
os respectivos vetos.
1
STOLZE, Pablo; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Comentários à Lei da Pandemia (Lei nº 14.010, de
10 de junho de 2020 – RJET). Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46412/comentarios-a-lei-da-
pandemia-lei-n-14-010-de-10-de-junho-de-2020-rjet. Publicado em junho de 2020.
2
Não se pode deixar de aplaudir aqui a Rede de Direito Civil Contemporâneo na pessoa do Professor Otávio
Luiz Rodrigues Júnior, que, com abnegação, esteve presente insistentemente no Parlamento esclarecendo a
relevância desse diploma para a comunidade jurídica. No mesmo sentido, o Instituto Brasileiro de Direito
Contratual (IBDCont) se posicionou contra o veto presidencial por meio de Nota Técnica, de 12 de junho de
2020, subscrita pelos professores Flávio Tartuce, Angélica Carlini, Eroulths Cortiano Júnior, José Fernando
Simão, Marília Pedroso Xavier e Maurício Bunazar.
3
O veto ao parágrafo único do art. 9º da Lei da Pandemia foi mantido.
Com a entrada em vigor desses dispositivos, passamos, neste artigo, a analisá-
los, de modo que, em conjunto com o nosso texto anterior, o leitor terá acesso a um
comentário detalhado de toda a “Lei da Pandemia”45.
Texto do Dispositivo
Art. 4º As pessoas jurídicas de direito privado referidas nos incisos I a III do art. 44
do Código Civil deverão observar as restrições à realização de reuniões e assembleias
presenciais até 30 de outubro de 2020, durante a vigência desta Lei, observadas as
determinações sanitárias das autoridades locais.
4
No canal “Direito Civil Brasileiro” no YouTube (sob a Coordenação do Professor Rodrigo Toscano), estão
disponíveis os vídeos dos oito painéis Ciclo de Palestras “A Lei 14.010 (RJET) comentada artigo por artigo” com
a participação de grandes juristas que trataram de todos os dispositivos da Lei da Pandemia (inclusive os que
haviam sido vetados). Recomendamos ao amigo leitor visitar esse canal (Disponível:
https://www.youtube.com/watch?v=djSqK-uSQpU).
5
Colhemos ainda o ensejo para agradecer ao professor e amigo Salomão Viana pela revisão do texto.
6
OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de Oliveira. Lei da Liberdade Econômica: diretrizes interpretativas da
nova Lei e Análise detalhada das mudanças no Direito Civil e no Registros Públicos. Disponível em:
http://www.flaviotartuce.adv.br/artigos_convidados/. Elaborado em 21 de setembro de 2019.
aglomeração presencial de pessoas também coíbem a realização de assembleias e
reuniões de pessoas jurídicas.
Se, todavia, inexistirem restrições por lei, decreto ou ato administrativo local,
emanado da autoridade competente, nada impedirá a realização de conclaves
presenciais das pessoas jurídicas.
Com efeito, o preceito apenas alude a três tipos de pessoas jurídicas (associações
, sociedades e fundações - art. 44, I a III do CC), o que poderia dar ensejo à
interpretação de que outros tipos de pessoas jurídicas (partidos políticos e
organização religiosa) e entes despersonalizados (ex.: fundos de investimento)
estariam autorizados a aglomerar seus membros em reuniões ou em assembleias
mesmo se houver norma local proibitiva.
Diante disso, indaga-se: por que o legislador não listou todas as pessoas jurídicas
no art. 4º da Lei da Pandemia?
A ausência da EIRELI (art. 44, VI, CC) é compreensível, por se tratar de ente
unipessoal. Mas e as demais pessoas?
Outra tentação a que está exposto o leitor ao ler o dúbio texto do art. 4º da Lei
da Pandemia é a de entender que, como o referido dispositivo limitou a observância
das normas locais de restrição de aglomeração de pessoa até 30 de outubro de 2020,
as pessoas jurídicas teriam salvo-conduto para desrespeitar as normas locais após
essa data.
Ledo engano!
7
A propósito, a professora Karina Fritz, na sua rica coluna “German Report”, noticiou que, na Alemanha, o
Tribunal Constitucional garantiu o direito de manifestação mesmo em tempo de pandemia (FRITZ, Karina.
Tribunal Constitucional alemão garante direito de manifestação mesmo em tempos de
coronavírus. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/german-report/325145/tribunal-
constitucional-alemao-garante-direito-de-manifestacao-mesmo-em-tempos-de-coronavirus. Publicado em: 22
de abril de 2020).
A observância das leis locais pelas pessoas jurídicas existe independentemente
do art. 4º da Lei da Pandemia, que, como já dito, tem natureza declaratória.
30 de outubro ou 31 de dezembro?
Fique claro que não houve revogação do parágrafo único do art. 7º da Lei nº Lei
nº 14.030/2020, que prorroga, por sete meses, os prazos de assembleias e de
mandatos de dirigentes de associações, fundações e de sociedades (que não sejam
limitadas, anônimas ou cooperativas9), além de ratificar a autorização de virtualização
das assembleias na forma do art. 5º da Lei da Pandemia.
8
Art. 7º As associações, as fundações e as demais sociedades não abrangidas pelo disposto nos arts. 1º, 4º
e 5º desta Lei deverão observar as restrições à realização de reuniões e de assembleias presenciais até 31 de
dezembro de 2020, observadas as determinações sanitárias das autoridades locais.
Parágrafo único. Aplicam-se às pessoas jurídicas de direito privado mencionadas no caput deste artigo:
I – a extensão, em até 7 (sete) meses, dos prazos para realização de assembleia geral e de duração do mandato
de dirigentes, no que couber;
II – o disposto no art. 5º da Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020.
9
Para sociedades anônimas, limitadas e cooperativas, a prorrogação de prazos de assembleias e de mandatos
foi disciplinada pelos arts. 1º ao 6º da Lei nº 14.030/2020.
oportunidade de comentar minuciosamente em nosso artigo anterior10, ao qual
reportamos o amigo leitor).
Quadro 2: Art. 6º
Texto do Dispositivo
Alcance da norma
10
STOLZE, Pablo; OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Comentários à Lei da Pandemia (Lei nº 14.010,
de 10 de junho de 2020 – RJET). Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46412/comentarios-a-lei-da-
pandemia-lei-n-14-010-de-10-de-junho-de-2020-rjet. Publicado em junho de 2020.
O preceito deixa claro que os transtornos causados pela pandemia nos contratos,
ainda que possam ser caracterizados como caso fortuito ou força maior, não podem
ser invocados para atingir situações jurídicas anteriores à própria pandemia.
Podemos citar exemplos baseados em casos concretos: (1) muitas lojas ficaram
proibidas de funcionar por medidas de isolamento e de quarentena, e, assim, ficaram
sem chance de obter faturamento para pagar o aluguel; (2) vários profissionais
autônomos ficaram sem cliente algum durante o período de isolamento e de
quarentena e, assim, ficaram sem dinheiro para pagar aluguel; (3) empresários que
haviam se comprometido a pagar uma dívida não conseguiram honrar seu
compromisso por haverem sido surpreendidos pela crise econômica causada pela
pandemia etc.
Esse cenário excepcional gerou, para usar as palavras do art. 6º da Lei do RJET,
várias “consequências decorrentes da pandemia do Coronavírus (Covid-19) na
execução dos contratos”.
(2) desequilíbrio da base contratual, com onerosidade para uma das partes,
conduzindo à resolução ou à revisão contratual (aplicação da teoria da
imprevisão – art. 317 e arts. 478 a 480, CC - ou a aplicação da teoria da
onerosidade excessiva – art. 6º, V, do CDC)11;
11
Leia-se, ainda, a respeito da “frustração do fim do contrato”: Professor Giovanni Nanni: NANNI, Giovanni
Ettore. Frustração do fim do contrato: análise de seu perfil conceitual. In: Revista Brasileira de Direito Civil
- RBDCivil, Belo Horizonte, v. 23, jan./mar. 2020, pp. 39-56 (Disponível em:
https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/download/437/344).
12
Vários contratos não sofreram impactos com a pandemia, como o contrato de serviço de internet (que
aumentou seu faturamento com as medidas de quarentena e de isolamento decorrentes de pandemia). Nesses
casos, não há falar em caso fortuito ou força maior, conceitos que dependem da vinculação com o caso
concreto. O professor Salomão Resedá faz oportuna exortação contra a banalização do conceito de força maior
neste artigo: RESEDÁ, Salomão. Todos querem apertar o botão vermelho do art. 393 do Código Civil
para se ejetar do contrato em razão da covid-19, mas a pergunta que se faz é: todos possuem esse
direito? Disponível em https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/323958/todos-querem-
apertar-o-botao-vermelho-do-art-393-do-codigo-civil-para-se-ejetar-do-contrato-em-razao-da-covid-19-mas-a-
pergunta-que-se-faz-e-todos-possuem-esse-direito. Publicado em 8 de abril de 2020.
13
Sobre isso, chamamos a atenção para este artigo do Professor Marcelo Matos Amaro da Silveira: SILVEIRA,
Marcelo Matos Amaro da. Encargos moratórios, coronavírus e a boa-fé objetiva. Disponível em:
https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/823561131/encargos-moratorios-coronavirus-e-a-boa-fe-
objetiva. Elaborado em 22 de março de 2020.
14
Muitos artigos tratam das várias alternativas jurídicas para sustentar a revisão ou a resolução contratual,
como estes: (1) OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. O coronavírus, a quebra antecipada não culposa de
contratos e a revisão contratual: o teste da vontade presumível. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/depeso/321885/o-coronavirus-a-quebra-antecipada-nao-culposa-de-contratos-
e-a-revisao-contratual-o-teste-da-vontade-presumivel. Acesso em 17 de março de 2020; (2) TARTUCE, Flávio.
O coronavírus e os contratos - Extinção, revisão e conservação - Boa-fé, bom senso e
solidariedade. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/322919/o-
coronavirus-e-os-contratos-extincao-revisao-e-conservacao-boa-fe-bom-senso-e-solidariedade. Acesso em 27
de março de 2020; (3) SIMÃO, José Fernando. "O contrato nos tempos da covid-19". Esqueçam a força
maior e pensem na base do negócio. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-
3.2. Imprevisibilidade (art. 7º)
Quadro 3: Art. 7º
Texto do Dispositivo
Art. 7º Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos arts. 317,
478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a
desvalorização ou substituição do padrão monetário.
§ 1° As regras sobre revisão contratual previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro
de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) e na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de
1991, não se sujeitam ao disposto no caput deste artigo.
§ 2° Para os fins desta Lei, as normas de proteção ao consumidor não se aplicam às
relações contratuais subordinadas ao Código Civil, incluindo aquelas estabelecidas
exclusivamente entre empresas ou empresários.
Alcance da Norma
contratuais/323599/o-contrato-nos-tempos-da-covid-19--esquecam-a-forca-maior-e-pensem-na-base-do-
negocio .Acesso em 7 de abril de 2020; (4) SIMÃO, José Fernando. Pandemia e locação – algumas
reflexões necessárias após a concessão de liminares pelo Poder Judiciário. Um diálogo necessário
com Aline de Miranda Valverde Terra e Fabio Azevedo. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/325272/pandemia-e-locacao-algumas-reflexoes-
necessarias-apos-a-concessao-de-liminares-pelo-poder-judiciario-um-dialogo-necessario-com-aline-de-
miranda-valverde-terra-e-fabio-azevedo. Acesso em 24 de abril de 2020; (5) FROTA, Pablo Malheiros da Cunha;
BARROSO, Ramiro Freitas de Alencar. Impactos nos compromissos de compra e venda em
incorporação imobiliária. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mar-24/opiniao-impactos-
compromissos-compra-venda-imobiliaria. Acesso em: 24 de março de 2020; (6) SCHREIBER, Anderson.
Devagar com o andor: coronavírus e contratos - Importância da boa-fé e do dever de renegociar
antes de cogitar de qualquer medida terminativa ou revisional. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/322357/devagar-com-o-andor-coronavirus-e-
contratos-importancia-da-boa-fe-e-do-dever-de-renegociar-antes-de-cogitar-de-qualquer-medida-terminativa-
ou-revisional. Acesso em 23 de março de 2020; (7) SOUZA, Eduardo Nunes de; SILVA, Rodrigo da Guia.
Resolução contratual nos tempos do novo coronavírus. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/322574/resolucao-contratual-nos-tempos-do-
novo-coronavirus. Acesso em: 25 de março de 2020.
De fato, os arts. 317, 478, 479 e 480 do CC consagram a teoria da imprevisão,
à luz da qual é cabível a revisão ou a resolução de um contrato se estiverem presentes
os seguintes requisitos: (1) fato superveniente, imprevisível e extraordinário; (2)
prestação manifestamente onerosa; e (3) extrema vantagem para a outra parte.
À semelhança do que já foi dito quanto ao art. 6º, o art. 7º - apesar de não ser
aplicável a contratos anteriores em virtude da vedação à retroatividade mínima diante
de ato jurídico perfeito - tem a importante finalidade de servir de guia interpretativo
de modo a evitar insegurança jurídica.
A derrubada do veto a esse dispositivo foi muito oportuna por deixar aos juristas
um vetor uniformizador na aplicação do Direito.
15
Parecer disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=8085183&ts=1585934134399&disposition=inline. Acesso em 3 de abril de 2020.
(...) Parece ser mais adequado definir a imprevisão pelo que ela não é,
admitindo-a como um filtro para se restringir as possibilidades de o juiz
intervir no contrato. Trata-se de entendimento doutrinário e que se baseia em
pesquisa jurisprudencial, que revelou a existência de um grupo de fenômenos
macroeconômicos que os tribunais, ao longo do século XX, definiram como
previsíveis, como a inflação, a mudança de moeda e o aumento da taxa de
juros.”
Ademais, o art. 7º não poderia ser aplicado para contratos anteriores em razão
da vedação à retroatividade (ainda que mínima) diante de atos jurídicos perfeitos.
Ele, no entanto, por ser a positivação de doutrina e jurisprudência majoritárias
anteriores, pode servir de guia interpretativo.
Cabe fazer uma advertência em contratos de locação predial urbana regida pela
Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), pois o § 1º do art. 7º da Lei do RJET ressalva
esses tipos de contratos. Há certa imprecisão redacional nesse dispositivo, o que pode
ser corrigida pela via da interpretação.
É que a Lei nº 8.245/91, que trata das locações de imóveis urbanos, não contém
regras específicas para revisão contratual por fatos supervenientes e imprevisíveis que
tornem manifestamente desproporcional a prestação. No regime jurídico específico
das locações de imóveis urbanos, a revisão contratual se funda no próprio CC (arts.
317, 478, 479 e 478 do CC).
Por fim, entendemos que a regra acima também pode beneficiar o locador. Se
eventualmente o valor do aluguel se tornar insignificante diante de uma
desvalorização monetária ou cambial, ele também poderá pleitear a resolução ou a
revisão contratual. Em tal caso, o juiz deve preferir a revisão do contrato à sua
resolução, diante do princípio da conservação do negócio jurídico.
A norma não inova, na medida em que salienta a aplicação do Código Civil para
relações civis e empresariais.
Texto do Dispositivo
Art. 9º Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de
despejo, a que se refere o art. 59, § 1º, incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da Lei nº 8.245,
de 18 de outubro de 1991, até 30 de outubro de 2020.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se apenas às ações ajuizadas
a partir de 20 de março de 2020. (VETADO)
Elaborado pelo autor.
Acresça-se a isso que a crise financeira causada pelo coronavírus atingiu também
muitos inquilinos, subtraindo-lhes a capacidade de honrar o valor dos aluguéis.
16
Vide: (1) FRITZ, Karina. Alemanha aprova pacote de mudanças legislativas contra a crise do
coronavírus. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/322781/alemanha-aprova-pacote-de-
mudancas-legislativas-contra-a-crise-do-coronavirus. Publicado em 26 de março de 2020; (2) BARBERS, Gregor.
Changes in tenancy law as a result of the Covid-19 pandemic. Disponível em:
https://www.noerr.com/en/newsroom/news/changes-in-tenancy-law-as-a-result-of-the-covid-19-pandemic.
Publicado em 2 de abril de 2020.
17
Trata-se do Decreto nº 320/2020, do Presidente da Argentina (Disponível em:
https://www.boletinoficial.gob.ar/detalleAviso/primera/227247/20200329. Acesso em 14 de maio de 2020).
18
Disponível em: https://www1.nyc.gov/content/tenantprotection/pages/covid19-home-quarantine. Acesso
em 8 de junho de 2020.
19
Até 2 de junho de 2020, está proibido o despejo na Flórida, conforme Ordem Executiva 20-94 e a Ordem
Executiva 20-121, do Governador da Flórida (Disponível em: https://www.flgov.com/wp-
content/uploads/orders/2020/EO_20-121.pdf e https://www.flgov.com/wp-
content/uploads/orders/2020/EO_20-94.pdf.
Na Inglaterra, também se restringiu o despejo, suspendendo, por 90 dias, a
tramitação dos processos de despejo20.
Talvez por isso, o art. 9º da Lei do RJET preferiu ser mais contido, proibindo a
tutela liminar em situação específica: o despejo concedido no início da ação sem
citação prévia da outra parte ("inaudita altera pars”) e com caução de três aluguéis,
em algumas hipóteses listadas no § 1º do art. 59 da Lei de Inquilinato.
a.2) acordo escrito com duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado o
prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do
instrumento (art. 59, § 1º, I);
b) por extinção do contrato de trabalho do inquilino, nos casos de locação
profissional, ou seja, de locação vinculada ao emprego do inquilino (59, § 1º,
II);
c) por haver sublocatário no imóvel após a extinção do contrato de locação (art.
59, § 1º, V,);
d) pelo término do prazo notificatório previsto no parágrafo único do art. 40,
sem apresentação de nova garantia apta a manter a segurança inaugural do
contrato (art.59, VII);
e) pelo fim do prazo do contrato de locação comercial, com ação proposta nos
trinta dias seguintes ao fim desse prazo ou de notificação resilitória (art. 59,
VIII).
20
Disponível em: http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2020/7/contents. Acesso em 13 de abril de 2020.
É ou não cabível proibir despejo em outras hipóteses?
Afinal, o Judiciário precisa atentar para a opção construída pelo Legislativo, sob
pena de incorrer em indevido ativismo judicial. O legislador, na sua competência
constitucional dentro do arranjo democrático brasileiro, deu concreção aos valores
constitucionais, de modo que não é adequado que o juiz se afaste dessa opção
legislativa por mera preferência pessoal.
Ainda que assim não fosse, caso a Lei do RJET houvesse previsto uma moratória
geral ou um direito ao parcelamento, haveria forte obstáculo jurídico a que essa
disposição legal fosse aplicada a contratos de locações celebrados anteriormente à
entrada em vigor da lei emergencial. É que aí haveria uma norma de Direito Material,
que, como se sabe, não pode atingir nem mesmo efeitos futuros de ato jurídico
perfeito pretérito: é vedada a retroatividade mínima diante desse óbice
constitucional23.
21
Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=8081773&ts=1586188345382&disposition=inline.
22
Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=8088980&ts=1586188350305&disposition=inline.
23
A propósito da retroatividade mínima diante de atos jurídicos perfeito, reportamo-nos a este artigo:
OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de Oliveira. Retroatividade das leis: a situação das leis emergenciais
em tempos de pandemia. Disponível em: http://www.flaviotartuce.adv.br/artigos_convidados. Elaborado em
17 de junho de 2020.
Portanto, a possibilidade ou não de se conceder uma moratória ou um
parcelamento de aluguéis ao inquilino deverá ser analisada em cada caso concreto
pelo juiz, valendo-se das ferramentas já disponíveis no ordenamento jurídico, como a
teoria da imprevisão, a quebra da base objetiva do contrato, a frustração do fim do
contrato etc.
E, nesse contexto, uma solução bem ponderável foi aventada pelos professores
Flávio Tartuce, José Fernando Simão e Maurício Bunazar, os quais, por meio de uma
sugestão de redação ao projeto de lei que gerou a Lei do RJET24, cogitaram a
possibilidade de aplicar, por analogia, em favor do inquilino, o direito previsto no art.
916 do Código de Processo Civil (CPC).
Imprimiu-se, com isso, por via oblíqua, maior alcance temporal à norma
constante no art. 9º da Lei do RJET.
24
TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando; BUNAZAR, Maurício. Da necessidade de uma norma
emergencial sobre locação imobiliária em tempos de pandemia. Disponível em:
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/326483/da-necessidade-de-uma-norma-
emergencial-sobre-locacao-imobiliaria-em-tempos-de-pandemia. Acesso em 11 de maio de 2020.