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brasileira1
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Deysi Cioccari2
Simonetta Persichetti3
O culto das imagens fabricadas pela mão do homem tem, pelo menos, 10 mil
anos. Regis Debray (1994) lembra que as imagens sempre foram adoradas, veneradas e
glorificadas. “Ou então, execradas como demoníacas ou perversas” (p. 12). O autor
afirma, no entanto, que nos encontramos na era da suspeição. Desconfiamos cada vez
mais das imagens. Na mesma linha, a política na contemporaneidade passa por
transformações cada vez mais intensas. A mídia toma um espaço central não sendo mais
possível pensar o movimento político longe da lógica do espaço público.
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Trabalho apresentado ao II Seminário Internacional de Pesquisas em Midiatização e Processos Sociais.
PPGCC-Unisinos. São Leopoldo, RS – 8 a 12 de abril de 2018.
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Jornalista, doutora em Ciências Sociais pela PUC/SP, mestre pela Casper Líbero/SP, pesquisadora do
grupo Comunicação e Política na Sociedade do Espetáculo. deysicioccari@gmail.com
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Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001) é bacharel em
Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero.Mestre em Comunicação e Artes pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, integra o Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura Visual, do CNPq (2006), e
é responsável pelo Projeto de Pesquisa Fotografia, Jornalismo e Identidade, ambos do Programa de Pós-
graduação-Mestrado em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero.
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As estratégias políticas são voltadas a viabilizar informações que possam
repercutir na mídia e nas redes sociais. Nesse sentido, a imagem tem uma força
preponderante na construção do personagem político, seja ela como fotografia, como
vídeo ou como uma construção social. A fabricação de personagens passa por essa
construção imagética. As mensagens dos políticos veiculadas por meios simples ou
complexos, dentre as quais algumas utópicas, com promessa de realizações a curto
prazo, podem atingir o eleitorado de tal maneira que, por meio de imagens e símbolos
que afetam agressivamente a percepção irracional, se formam os mitos políticos com
base numa relação emocional do público com a mensagem política.
(SCHWARTZENBERG, 1977, p. 259).
Juremir Machado da Silva afirma que “a realidade é a ilusão histórica que
venceu a concorrência e impôs-se como narrativa necessária. (...) A realidade faz parte
do campo da crença” (2006, p. 164). É justamente essa crença no real e na imagem que
sustenta a relação com a realidade. Assim, cada vez mais são produzidas imagens que
tentam chegar a nós como parte do nosso processo cotidiano. Se alguns atores políticos
não são necessariamente, construção midiática, eles se transformam em uma. O
deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) trabalha suas mídias com a mesma destreza
de quem nasceu numa geração em que papel e caneta aparecem depois da tela do
computador. Aproxima-se do espectador transformando-se em político-midiático.
Alterna promessas, compromissos, leviandades e acusações. Mas sempre faz parte do
show. A imagem construída buscando a audiência quando a imprensa tradicional o
ignora torna-se rentável. Nesse sentido, Jameson (1995, p. 1) afirma que:
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Maria Helena Weber (p.274) afirma que o “estatuto da imagem determina e
qualifica o estabelecimento de relações e negociações de todas as ordens, como
afirmação, montagem, insinuação e como registros parciais de alguma realidade,
atravessada pelas mídias”.
Nessa mesma linha, Martine Joly (2000, p. 27) argumenta que: parece que a
imagem pode ser tudo e o seu contrário – visual e imaterial, fabricada e natural, real e
virtual, móvel e imóvel, sagrada e profana, antiga e contemporânea, vinculada à vida e à
morte, analógica, comparativa, convencional, expressiva, comunicativa, construtora e
destrutiva, benéfica e ameaçadora. No jogo político ser o contrário do que se espera
pode significar a perda de uma campanha. Rubim (2000, p. 79) afirma que “a busca de
uma visibilidade, requisitada no âmbito e pelas características peculiares da
sociabilidade contemporânea norteia e tece o poder específico da comunicação: o ato de
publicizar ou seu correlato ato de silenciar”. O silenciar não interessa. Interessa, aos
atores políticos, a aprovação, principalmente, no campo midiático. É a imagem a
ferramenta do “animal político midiático” (NASCIMENTO, 2012) para se sobressair no
jogo político. Balandier afirma que a persuasão política “depende menos da
argumentação do que daquilo que é manifestado espetacularmente” e se faz pela difusão
cotidiana de imagens: onde o poder passa a dispor, então, de uma verdadeira ecologia
das aparências, que lhe permite produzir ao mesmo tempo a impressão de uma certa
transparência; de suscitar a conivência passiva ou ativa de numerosos governados-
espectadores com o sentimento de uma liberdade de determinação – em face da imagem
introduzida no universo privado – e de uma possibilidade de participação –, graças às
intervenções que lhes são propostas (BALANDIER, 1982).
Bolsonaro representa uma grande parcela do conservadorismo moral e
punitivista existente no Brasil. Mas, para ampliar o público com quem dialoga e ter reais
chances de participar de uma disputa presidencial eleitoral, terá que mudar seu discurso
para abarcar uma grande parcela da população que ainda duvida de suas intenções.
Declarar-se liberal para quem já disse que entregaria o governo aos militares é uma
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mudança considerável. “Atualmente, regular, integrar, criar vínculos é comunicar: o
malvado, o infeliz é aquele que fica sozinho no seu canto e não sabe ‘transmitir a
mensagem’”. (DEBRAY, 1994, p.73)
Em 29 de outubro de 2017, em Belo Horizonte (MG), durante o programa TV
Verdade, do SBT/Alterosa, o pré-candidato à presidência afirmou que se excedeu ao
falar sobre a população LGBT durante entrevistas. Segundo o político, a maioria dos
gay e lésbicas brasileiros vota nele. O deputado federal disse ainda que não usaria as
mesmas palavras, classificadas como “bala perdida”. O critério das condutas é
performático e, além de boas maneiras, é necessária muita perspicácia para saber o que
se espera deles (DEBRAY, 1994, p.135) e, nesse cenário Bolsonaro parece ter
percebido estarem em jogo os “tensionamentos entre visibilidade e credibilidade”
(WEBER, 2008). E a visibilidade proporcionada pela mídia institui uma nova dimensão
pública que não pode ser descartada, onde se consolida um verdadeiro espaço de luta
política em que cada um deve adaptar-se para sobreviver. Não é mais possível ficar fora
desse jogo. “A política midiatizada espetacular, certamente por seu caráter
``escandaloso'', apenas aparenta ocupar esse lugar privilegiado, pois, por suas
características imanentes, potencializa suas aparições, dando-lhes um maior impacto
popular” (RUBIM, 2004, p. 54).
O objetivo desse estudo é compreender as transformações na cena política com a
potencialização do poder da imagem. Nesse sentido pretendemos analisar como o
processo de espetacularização midiática da sociedade aumenta a dimensão de
fenômenos políticos pré-existentes, ou até mesmo cria fenômenos novos, como o pré-
candidato à presidência da República, deputado federal Jair Bolsonaro. Bolsonaro é
hoje, um dos personagens mais polêmicos da política brasileira, com discursos que
fazem apologia à misoginia, racismo e homofobia. No entanto, atrai uma legião de
seguidores que lhe valeram a alcunha de “Bolsomito”. Entender esse processo de
espetacularização nos permite entender a transformação de fatos e acontecimentos
políticos em espetáculos. Há na política contemporânea uma confluência de interesses
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político-ideológicos que vende jornais e acirra debates. Dialogam nesse texto Régis
Debray, Georges Balandier, Guy Debord, Frédric Jameson e Maria Helena Weber.
Entendemos que, se antes o objetivo da propaganda era ressaltar as qualidades de um
produto, hoje ela cria o seu produto, podendo ser, na sociedade espetacular, não raras
vezes, um político.
Referências bibliográficas
GOMES, Wilson. A política de imagem. In: Revista Fronteiras. Vol I, no. 1, São
Leopoldo: Unisinos, 1999 (p.43-52).
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LASCH, Cristopher. A cultura do narcisismo: a vida americana numa era de esperanças
declínio. Rio de Janeiro, Imago, 1983.