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* Nesta semana, uma texto do antropólogo e escritor Luiz Eduardo Soares circulou nas redes
sociais ao chamar atenção para uma suposta “armadilha de Bolsonaro” contra os manifestantes
antifascistas. Publicado em sua página no Facebook, Soares apela para que não ocorram os
atos previstos para este domingo (7) sob risco de que o presidente aproveite do fato para
decretar um golpe.
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20/01/2021 A quem interessa ser profeta do caos? Reflexões sobre manifestações antifascistas
Neste artigo reproduzido pela RBA, antropólogas e pesquisadoras respondem ao texto. Confira
abaixo.
A quem interessa ser o profeta do caos? Ao próprio profeta que, inventor do jogo do quanto pior
melhor, sacrifica seus seguidores feito gado, gasta a tinta das representações com seu próprio
manifesto e promove a tensão entre espadas para se manter como o grande conselheiro
conciliador.
Os profetas do caos são como uma fênix que ressurge da crise que criam. Eles se apresentam
como proprietários das representações políticas, à direita ou à esquerda, em cima e embaixo.
Eles se oferecem como mediadores dos conflitos que provocaram, como tradutores intérpretes
na Torre de Babel que criaram entre nós. A ameaça (do caos, da morte e do cerceamento da
liberdade) não serve como advertência. Os profetas do caos produzem o medo, moeda de troca
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20/01/2021 A quem interessa ser profeta do caos? Reflexões sobre manifestações antifascistas
fundamental para a construção de milícias, para vender os seus remédios (previsíveis, amargos
e inócuos). Para eles, não importa se os doentes morrem ou vivem, o que importa é que,
doentes ou não, consumam suas previsões do passado.
Nesses espetáculos públicos que encenam os jogos da política aprendemos coisas muito
básicas, sejamos nós manifestantes ou espectadores: sempre haverá a presença de agentes
infiltrados (que ajudam na contenção) e de provocadores, para providenciar a dispersão. A
infiltração de agentes de inteligência por dentro dos movimentos sociais remonta a uma antiga
estratégia estadunidense da década de 1960. Ou seja, muito antes do surgimento dos Black
Bloc. Nos últimos 60 anos, acumulou-se um aprendizado sobre o uso do espaço público relativo
ao círculo do protesto (aglomeração, deslocamento, ato de encerramento e dispersão) que
permite que os movimentos saibam lidar com esses elementos internos.
Neste mesmo período aprendemos, também, que o que torna legítimo um protesto não é a
quantidade de indivíduos reunidos em um território específico por um período de tempo
determinado, mas os modos de ocupação do espaço público e a construção coletiva de uma
agenda política que os mobilize e tenha impacto na sociedade. A produção de dossiês
intimidatórios, com a participação de agentes públicos, também não é novidade. Os
constrangimentos da exposição de dados acabam por jogar na lama do “tribunal digital” os
adversários, fortalecendo a promoção de linchamentos virtuais, de direita ou de esquerda.
O governo Bolsonaro não é o único que tem disseminado o medo para sabotar os mecanismos
de cooperação e mobilização sociais, substituindo práticas de coesão por coerções e cruzadas
moralistas vindas de cima, de baixo e ao redor.
Bicho papão
Discursos do medo contra ou a favor de Bolsonaro são péssimos conselheiros porque dão a
#Elenão um tamanho e uma agilidade política irreal, retirando-o do isolamento político em que
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20/01/2021 A quem interessa ser profeta do caos? Reflexões sobre manifestações antifascistas
se encontra para nos fazer acreditar que, quando chegarmos às ruas, imediatamente um cabo e
um soldado fecharão o Congresso, o STF e tirarão as emissoras e os portais de internet do ar.
O medo transforma Bolsonaro num bicho papão, num monstro mítico incontrolável que atira
hordas de zumbis (com cabelos tingidos de acaju) contra todos nós. O medo disseminado faz
com que as pessoas vejam gigantes onde há sombras e abram mão de seus direitos e garantias
em favor de um ‘libertário do agora’ que prometa proteção. Mas o profeta-liberador de hoje
será o seu tirano de amanhã!
O rigor científico não permite que nós, pesquisadores, determinemos como os movimentos
sociais devem se comportar, nem que sejam pautados por oráculos que anunciam profecias que
se autorrealizam. A contemporaneidade produziu os ativismos acadêmicos, mas eles não devem
substituir jamais a liberdade dos sujeitos de decidir suas agendas, nem servir de chofer dos
movimentos sociais em direção à “Terra sem Males”, um mundo idílico sem conflitos e, por sua
vez, sem a política. A ciência pode contribuir com diagnósticos da realidade e oferecer
alternativas que considerem, inclusive, que a negação dos conflitos monopoliza o debate e as
representações, obscurecendo as negociações dos interesses em disputa. Quando a decisão
científica está acima da pactuação social ela deixa de ser ciência e passa a ser doutrina, retira
da sociedade a responsabilidade pelas escolhas que faz, para o bem e para o mal.
Ao olharmos a história vemos que os discursos de “lei e ordem” são utilizados sempre a serviço
dos interesses do Estado e seus grupos de poder. Viver sob o jugo da espada não é novidade
para as pessoas para quem o isolamento social é uma prisão histórica dos direitos de cidadania,
e não um privilégio de classes. A juventude, principalmente a negra, conhece de perto a
violência policial, e sabe que nem em casa está protegida.
(*) Jacqueline Muniz e Ana Paula Miranda são antropólogas e professoras da Universidade
Federal Fluminense. Rosiane Rodrigues é pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em
Administração de Conflitos (Ineac/UFF), da mesma universidade.
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