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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Projeto de Pesquisa
TCHAU, QUERIDA!
Uma estética da democracia agonizante na cobertura dos protestos pelo
impeachment de Dilma Rousseff
Maio de 2019
TCHAU, QUERIDA!
sociedade fala consigo mesma, a propósito de si mesma” (2012, p. 12), como define
Vera França –, como esses ataques se integraram à vivência sociopolítica do país?
Tendo no horizonte as muitas contradições que habitam o imaginário social da nossa
nação, onde esses protestos aí se ajustam e que tipo de instabilidade trouxeram? E
quais os significados desse rearranjo para a “paisagem midiática” e o processo
democrático no Brasil?
2º) Justificativa
3º) Objetivos
remeter à formação histórica e social do país. Seria talvez o caso de, nos moldes do
que Hannah Arendt chamou de “ideologia da ralé” em Origens do Totalitarismo,
pensar em uma ideologia da ralé à brasileira.
Em sua autópsia da ascensão do nazismo ao poder na Alemanha, Arendt
introduz o conceito de “ralé” para dizer de um grupo heterogêneo, composto por
gentes das mais variadas classes, e que por isso a historiografia às vezes confunde
com “o povo”. “Refugo” da burguesia, esses grupos que viriam a apoiar o nazismo
assistiam, desde o fim da 1a Guerra, à decadência das estruturas sociais e dos valores
morais em que se moldaram. Sem tradição de participação política, sua retórica se
fez justamente na rejeição à política, ao diálogo e às contradições que ela encerra. Às
diferenças inerentes à vida democrática, opôs, “não porque sejam estúpidas ou
perversas, mas porque essa fuga lhes permite manter um mínimo de respeito
próprio” (1975, p. 466), o autoritarismo e o recrudescimento de mitologias acerca da
raça e da nação. Violência simbólica e material, ódio e cinismo, para essa “ralé”,
afiguraram-se como métodos de ação política. O ensaísta Thiago Dias da Silva, em
artigo publicado na revista Cult, acrescenta outras características notáveis dessa
“ralé” política:
descrita por Arendt e que foi visto em 2015-16 – e àquilo que, cada vez mais, tem
frequentado as discussões políticas. O viralismo do discurso antipolítica, com ataques
aos partidos em geral e ao PT em específico, e a defesa da “família”, de “deus” e da
“pátria” ante supostas ameaças difusas estão aí para respaldar a comparação. Cabe
perguntar: para além da disputa acerca do impeachment, o que esse ódio à democracia
no Brasil expressa, e como esses anseios reverberaram na mídia?
Para Benedict Anderson, a essência de ideias como as de “nação”, “povo” ou
“cidadãos de bem” consiste em que todos que a elas aderem “tenham muita coisa em
comum, e também que tenham esquecido muitas coisas” (2008, p. 32). De fato, o que
as manifestações pelo impeachment colocaram em cena foram também disputas em
torno da memória: a comunidade imaginária, o Brasil ali feito em performance,
trouxe consigo amnésias características, e para se chegar ao fundo do ódio à
democracia expresso em 2015-16 é também nesse espaço, no espaço das disputas da
memória – que, na definição de Henri Bergson, “intercala o passado no presente”
(1999, p. 80) –, que precisamos mergulhar.
O Brasil, diz Gilberto Freyre, “sendo um só, é também uma constelação de
Brasis” (1968, p. 11), de forma que o ineditismo do processo civilizatório brasileiro
estaria na delicada “renda social” que logrou “juntar contrários” e “harmonizar
extremos” (p. 124). Tais disputas acerca da memória desvelam também isso: um país
em que as visões de mundo – o “relacionamento com o real”, diz Muniz Sodré (2016,
p. 20) –, a parte a unidade formal, estão radicalmente cindidas. Pacificada
imperfeitamente, como provou o tempo, no processo político que André Singer chama
de “lulismo” (2012), as trincheiras que apartam os muitos brasis, explica Darcy
Ribeiro, têm profundas raízes históricas:
5º) Metodologia
3
- Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=wcxN2WZRcEU , acessado em 7/9/2018
TCHAU, QUERIDA!
desta nação”, podem ser compreendidos a partir da chave da estética do grotesco, que
para Sodré muitas vezes oferece “uma radiografia inquietante, surpreendente, às vezes
risonha, do real” (p. 24). Torno a questionar, enfim: o que a cobertura dos ataques à
democracia nas manifestações pelo impeachment de Dilma ambicionaram encobrir, e
o que revelaram nessa tentativa?
6º) Cronograma
MENDONÇA, C. Dandara: a vida nua de um corpo sem peso. In: Compós, São
Paulo, 2018.
MIGUEL, Luis Felipe. Democracia participativa e representação política no
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MOTA, Celia Maria; ALMEIDA, Paulo Henrique. Jornalismo e redes sociais:
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NOBRE, Marcos. Choque de democracia: razões da revolta. São Paulo:
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QUÉRÉ, Louis. Entre fato e sentido: a dualidade do acontecimento. In:
Trajectos. Revista de Comunicação, Cultura e Educação, Lisboa, no 6, 2005.
RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014.
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RIZZOTTO, Carla; PRUDENCIO, Kelly; SAMPAIO, Rafael. Tudo normal: a
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SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: ed. Hucitec, 1996.
STREECK, W. As crises do capitalismo democrático. Novos Estudos, n. 92,
2012.
SINGER, André. Os sentidos do lulismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2012.
SODRÉ, M. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis, Rio de
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VITULLO, Gabriel. Transitologia, consolidologia e democracia na América
Latina: uma revisão crítica. Revista de Sociologia e Política. No 17. 2001.
ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
WISNIK, J. Veneno Remédio. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.