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Dilemas éticos da
sociedade brasileira
Patricia Villen
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2019
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Sumário
Unidade 3
Dilemas éticos da sociedade brasileira��������������������������������������������������� 5
Seção 3.1
A corrupção tem solução?������������������������������������������������������������� 7
Seção 3.2
Por que a miséria persiste em nosso país?�������������������������������� 32
Seção 3.3
Como combater nosso racismo?����������������������������������������������� 52
Unidade 3
Convite ao estudo
Caro aluno, seja bem-vindo à Unidade 3. Seguiremos tratando de
questões de enorme relevância para entendermos e enfrentarmos problemas
que são, ao mesmo tempo, atuais e históricos de nosso país. Abordaremos,
mais amplamente, três obstáculos centrais para a construção de uma socie-
dade democrática e mais justa: a corrupção, a miséria e o racismo.
Se, por um lado, é verdade que esses problemas não são novos e se conso-
lidaram como elementos estruturais, constituintes da sociedade brasileira
– como todos os dados mostram –, por outro, também é correto afirmar
que em cenários de crise econômica e política as contradições já existentes
explicitam-se e acirram-se. Em um país com um quarto de sua população
vivendo abaixo da linha da miséria (são 55 milhões de brasileiros vivendo
com renda mensal menor do que R$ 400), um cenário de crise econômica
e inflação é mais do que um incômodo: é um risco de vida. Do mesmo
modo, em cenários de crise e aumento do desemprego, populações historica-
mente marginalizadas são aquelas que mais sofrem e se veem, muitas vezes,
obrigadas a aceitar condições de exploração desumanas para sobreviverem.
No caso brasileiro, por exemplo, a população afrodescendente é especial-
mente atingida por esse quadro, pois convive com taxas de desemprego
muito acima daquelas enfrentadas pela população branca.
Ao mesmo tempo, diante das aflições sociais, são buscadas soluções
imediatistas – para não dizer “mágicas” – para problemas complexos.
Sobretudo nesses momentos, a política, tida como um espaço plural de
debates e negociação de impasses, passa a ser entendida não como o campo
em que poderíamos resolver nossos obstáculos, mas como o próprio obstá-
culo. Diante da crise, na mesma medida em que grande parte da sociedade
passa a buscar “salvadores” – líderes que seriam capazes de resolver sozinhos
todos os nossos problemas –, passa-se também a procurar os culpados de
tal situação: não raramente trabalhadores imigrantes são considerados
injustamente como os causadores do desemprego ou estudantes cotistas são
acusados de “roubarem” as vagas das universidades. Assim, nesse cenário,
enquanto a crise econômica reforça o fosso que separa os mais ricos dos
mais pobres e, no caso brasileiro, reitera as estatísticas que separam negros e
brancos, a “política” se torna sinônimo de “corrupção”, e a xenofobia cresce.
Não à toa, é comum na população uma sensação de desesperança, muitas
vezes resumida nos termos populares de “esse país não tem jeito”. Isso não
significa, porém, que nossa sociedade seja marcada apenas pela desesperança
ou pela inércia diante dos acontecimentos: a corrupção, por exemplo, é um
tema debatido por todos – independentemente de seu posicionamento ou
visão de mundo – e em todos os ambientes. Mesmo entre desconhecidos,
em um caixa de supermercado, o assunto aparece com frequência, em
conversas que podem durar apenas alguns segundos ou gerar longas e acalo-
radas discussões. Podemos dizer, de outro modo, que a sociedade brasileira
também oferece suas respostas para seus dilemas, denunciando injustiças
e discutindo soluções. Da mesma forma, podemos afirmar que predomina
na população um desejo de oferecer propostas que levariam a sociedade
para uma outra direção. A constatação do problema ou o simples desejo de
mudança, porém, não são suficientes para que apontemos soluções reais e
sustentáveis para o nosso futuro. É preciso partir de um diagnóstico preciso,
que vai além do senso comum e das respostas prontas como “só no Brasil”.
Se nossos problemas têm uma origem histórica – e eles têm –, isso significa
que eles também são possíveis de serem solucionados. Em outros termos, se
os impasses que enfrentamos se originam na ação humana, é também a ação
humana o caminho para a sua resolução. O conhecimento de experiências
bem-sucedidas de transformação social, assim como dos princípios da ética,
da política e da cidadania, deve, portanto, ocorrer lado a lado com a ciência
aprofundada de como se estruturam nossos problemas. Independentemente
de sua opinião prévia, ao discutir, por exemplo, programas sociais de renda
mínima ou cotas étnicas, você saberia dizer quais têm sido os efeitos reais – os
dados – dessas políticas no Brasil ou no mundo? Independentemente de sua
posição política ou partidarismos, saberia apontar dados sobre a corrupção
no país, assim como os poderes responsáveis por seu combate?
A luta contra a corrupção, o racismo e a miséria são questões urgentes da
população brasileira – e mundial –, que invadem a sala de aula, porque certa-
mente estão determinando a sociedade ao seu redor. O desafio que cabe em um
percurso de formação universitária é exatamente o de colocar essas questões
em um plano objetivo, com o devido distanciamento, para podermos enxergar
com mais nitidez quais elementos são de fato importantes para proporcionar os
parâmetros científicos de entendimento da nossa própria realidade. Só assim
poderemos pensar com mais clareza nos caminhos que podem ser alternativos
a esse desenho de uma sociedade em crise.
Seção 3.1
Diálogo aberto
Caro aluno, convidamos você a refletir sobre um dos temas mais discu-
tidos nos últimos anos no Brasil: a corrupção.
Nesta seção veremos que a corrupção não é um problema exclusivamente
brasileiro e não se restringe aos fatos da atualidade, mas, é claro, há períodos
e lugares em que a corrupção está mais presente. Apesar de ser complexo, é
possível identificar as causas que levam determinado país, em determinado
momento da sua história, a ser marcado por casos de corrupção.
Conforme destacou o estudo de Cavalcanti (1991), escrito no início da
década de 1990, quando o tema da corrupção viria a explodir no Brasil com
o processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello,
Assimile
Veja como a ciência social define a corrupção:
Partiremos, portanto, da relação entre corrupção e ética, que, por sua vez,
também nos obriga a pensar na relação entre o público e o privado. Como
vimos em outro momento, as esferas do público e do privado, além de terem
um critério objetivo de definição em leis e em princípios da administração
pública, também abrangem a noção de interesse público (bem comum)
e interesse privado (particular). No Ocidente, a distinção entre público e
privado está prevista em normas e princípios jurídicos, porém, se na teoria
pode parecer mais simples separar essas dimensões, na prática elas estão
imbricadas. Ainda assim, essa distinção que se aplica às leis e normas não
deixa de ter importância, pois permite identificar a ação corrompida dos
agentes que exercem a função pública.
Fonte: https://goo.gl/ChjcJG. Acesso em: 7 fev. 2019. Fonte: https://goo.gl/xau7er. Acesso em:
7 fev. 2019.
Esse desastre poderia ter sido evitado, pois, segundo notícias de jornais e
alegações de movimentos ligados à causa, o rompimento da barragem parece
ter sua raiz última em uma fraude do licenciamento ambiental e em opera-
ções ilícitas das atividades dessa empresa (MAB, 2016; AUGUSTO, 2019).
A empresa não teria cumprido seu dever de gestão do risco ambiental e de
fazer as reparações nas inúmeras rachaduras que estavam comprometendo
a estrutura das barragens. Também teria havido negligência e ausência de
fiscalização efetiva por parte do Estado para que as normas de segurança
ambiental fossem cumpridas (GRAÇA, 2018). Muitas vezes, o alerta dos
fiscais que trabalham comprometidos com seu dever público não é ouvido
pelos responsáveis políticos. Essa situação é muito mais abrangente no Brasil,
não se resumindo apenas ao caso da Samarco.
“
Ao revisitar as ruínas do distrito de Bento Rodrigues, a agricul-
tora Marinalva dos Santos Salgado, conseguia explicar o que
era cada cantinho do vilarejo, devastado pela avalanche de
rejeitos. Mesmo doído, o retorno ameniza a saudade e, porque
as lembranças revividas ali a aproximam de tudo que lhe faz
falta: dos amigos que se foram, dos vizinhos que não estão por
perto, de sua casa e da carta que seu marido havia escrito com
declarações de amor e registros de 22 anos de casamento. Ele
morreu cinco anos antes da destruição de Bento, e Marinalva
não teve tempo de pegar nenhuma recordação de seu compa-
nheiro naquele 5 de novembro.
“Casa eu consigo de volta, mas isso não consigo mais. Ele
escreveu na agenda muitas coisas sobre a vida da gente, me
agradecendo pelo que a gente viveu junto, os maus momentos,
os bons momentos, me declarando amor na hora da morte. Até
a camisa que ele morreu com ela, que nunca havia sido lavada, se
foi com a lama. Isso daí era o meu bem mais precioso”, revela. [...]
Os números da tragédia são todos de grandes proporções: 256
feridos, 300 desabrigados, 424 mil pessoas sem água. Exceto um
deles, o de condenados ou presos até agora, que é zero. Um ano
depois, 22 pessoas são denunciadas, sendo 21 por homicídio
com dolo eventual, quando se assume o risco de matar. As
lembranças ainda são latentes, como se o dia 5 de novembro
de 2015 realmente nunca tivesse acabado. Bento Rodrigues
virou ruína e permanece afundado em lama, o rio Doce parece
marcado para sempre por uma mancha escura de impurezas e
tristeza. (FERREIRA, [s.d., s.p.])
Exemplificando
Impostômetro e sonegômetro
Também Célia Regina Jardim Pinto (2011) tem como centro de seus
estudos sobre a corrupção a questão “do desrespeito generalizado da socie-
dade com o bem público”, sobretudo no que se refere à “forma de governar”
dos partidos políticos, mas também à forma de a sociedade brasileira se
relacionar com o público (PINTO, 2011, p. 8). Segundo a autora:
Foi a partir dessa prática ilegal – tanto para leis e tratados internacionais,
quanto para leis nacionais – que mais de um milhão de africanos escravizados
foram trazidos a um Brasil já independente, para servirem aos interesses
econômicos de uma elite escravocrata que não apenas não pagaria por esse
crime, mas também compunha câmaras e poderes políticos que determi-
navam sua própria impunidade. Ao mesmo tempo, a partir desse crime, essa
pequena elite política e econômica que lucrava com a escravidão consolidava
a estrutura desigual e injusta do país.
Exemplificando
A ilegalidade do tráfico negreiro
Não por acidente, muitas pessoas alegam que nos tempos da ditadura
“não ouviam falar de corrupção”. Em qualquer regime de exceção em que a
Pesquise mais
A cultura da impunidade e a Ditadura
Na palestra disponível no link a seguir – entre os minutos 9 e 18 – o histo-
riador José Alves de Freitas Neto expõe os efeitos da “não condenação
das mazelas do regime militar” no período de transição democrática. O
historiador explica “a impunidade que se perpetua”, tanto em relação
aos graves crimes contra a humanidade cometidos nesse período –
como a tortura, assassinatos em massa, entre outros – quanto também
os prejuízos aos cofres públicos. A “interdição de falar das mazelas do
regime ditatorial” e o “esquecimento e silenciamento” impostos estão
diretamente ligados à falsa ideia de que regimes militares e autoritários
estão isentos de corrupção.
FOI para isto que lutamos pela liberdade? José Alves de Freitas Neto.
Diretor: Mário Mazzilli. Produção: Instituto CPFL. [S.l.]: Instituto CPFL,
2017. 1 vídeo (48min05s). Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=bCQKe6nDihU. Acesso em: 8 fev. 2019.
Assimile
O presidencialismo de coalizão
Para compreender a expressão “presidencialismo de coalizão”, leia o
trecho do artigo de Sylvio Costa (2013), disponível no portal Congresso
em Foco, indicado a seguir:
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“A dinâmica estrutural das redes de corrupção”
Pesquise mais
O movimento global Transparência Internacional não considera
a corrupção como algo natural, impossível de ser combatida nas
empresas, no Estado, no cotidiano das pessoas. É interessante notar que
esse movimento coloca a discussão da corrupção em termos sistêmicos,
não apenas éticos, relacionados ao comportamento de um indivíduo em
particular. Além disso, a luta anticorrupção jamais é dissociada da luta
pela justiça social, realização de direitos e da paz.
Para saber mais, acesse o site do movimento, indicado a seguir:
TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL BRASIL. Sobre a transparência inter-
nacional. [2018?]. Disponível em: https://transparenciainternacional.
org.br/quem-somos/sobre-a-ti/. Acesso em: 8 fev. 2019.
O texto traz uma reflexão sobre o tipo de regime político de uma sociedade e a
corrupção. Qual das alternativas a seguir segue a tese do autor: