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Opinião

O poder da cidadania
Uma nova concepção de cidadania que sirva de coração a uma democracia sadia e virtuosa,
próspera e justa é o maior desafio da política no pós-pandemia

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo


07 de agosto de 2020 | 03h00

A cidadania é o princípio e o fim da democracia. A palavra vem do civis latino,


equivalente do grego polites, o membro da polis, de onde deriva nossa “política”. De
um modo geral, a cidadania é o conjunto de prerrogativas e responsabilidades dos
membros de uma comunidade política.

O cidadão grego era alternadamente um soldado, servidor, legislador, juiz e


administrador, dedicado em tempo integral ao interesse público. Mas a cidadania
era o privilégio de uma minoria definida por gênero, raça e classe. Roma, em seus inícios, era similar,
mas à medida que a cidade se alargava em um império, a cidadania foi gradualmente estendida.
Indivíduos de diferentes etnias, culturas e religiões podiam se dedicar aos seus interesses privados em
igualdade de condições sob leis comuns, mas em contrapartida eram alheios à deliberação e execução
destas leis. Construída sobre estes protótipos, a cidadania nos Estados nacionais modernos herdou
deles esta tensão entre proteção legal e participação política – entre o cidadão como recipiente passivo
de garantias individuais e como membro ativo da gestão pública.

No pós-guerra, consolidou-se a concepção da cidadania composta por três categorias de direitos


sucessivamente acumulados nos últimos três séculos: direitos civis (como propriedade ou liberdade de
expressão), direitos políticos (de eleger e ser eleito) e direitos sociais (como educação, saúde ou
previdência).

Os críticos deste modelo apontam sua excessiva ênfase nos direitos e a necessidade de suplementá-los
com o exercício das responsabilidades e virtudes cívicas. Por outro lado, há os que acusam a
insuficiência do mero reconhecimento formal da igualdade entre todos os cidadãos e demandam
medidas especiais para incluir grupos vulneráveis. Correntes feministas, por exemplo, criticam
estruturas de perpetuação da subordinação das mulheres e os multiculturalistas pedem mecanismos de
legitimação das identidades culturais, religiosas ou étnicas minoritárias. Na era da globalização, há
ainda quem demande uma cidadania “cosmopolita” que transcenda as fronteiras nacionais.

No século 21, enquanto crescem as apreensões dos ambientalistas em relação a um modelo econômico
baseado na expansão contínua da produção e do consumo, o colapso das suas bases financeiras, em
2008, assim como o impacto das novas tecnologias sobre a cadeia de trabalho, engrossaram o coro dos
descontentes com este sistema e com os mecanismos de representação política, desencadeando
soluções populistas e autoritárias.

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O choque da pandemia expôs e agravou as disfunções da democracia contemporânea, e, passado o


pânico inicial, vai inflamar estes debates. Com os negócios parcial ou totalmente paralisados e as
pessoas confinadas em suas casas aterrorizadas por um inimigo comum invisível, seria cínico duvidar
da sinceridade de expressões generalizadas como “estamos todos juntos”. Mas o fato é que as
disparidades no interior dos países e entre eles aumentarão, intensificando os conflitos políticos e
sociais.

A antiga tensão no seio da cidadania parece mais retesada do que nunca. Para a tradição liberal
individualista, a cidadania é primariamente um status legal de garantias das liberdades individuais que
permitem aos indivíduos empreenderem e se associarem em busca de sua prosperidade privada. Por
sua vez, a concepção cívica republicana vê a cidadania como um processo ativo de participação na
esfera pública.

A pedra angular para a reconstrução do contrato social em nosso tempo é o reconhecimento de que
estas duas concepções não são antagônicas, mas dialeticamente complementares. As liberdades
passivas são a base da democracia, mas a participação ativa é a sua perfeição – se as primeiras estão na
raiz da árvore da democracia, é a segunda que gera os seus frutos. Dito de outro modo: o modelo liberal
é a saúde da democracia, mas o modelo republicano é a sua virtude. Uma nova concepção de cidadania
que sirva de coração a uma democracia a um tempo sadia e virtuosa, próspera e justa é o maior desafio
da política no pós-pandemia.

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14 de fevereiro de 2022 | 03h00

Na lista de prioridades do governo Bolsonaro, o interesse eleitoral vem muito antes

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do que eventual responsabilidade fiscal. Neste ano de 2022, Jair Bolsonaro tem sido
pródigo não apenas em anunciar aumento de benefícios sociais, mas também em
prometer reajustes e benesses para setores do funcionalismo. É o velho e conhecido
populismo fiscal, com dinheiro público sendo usado para angariar votos.

Mas não é apenas a irresponsabilidade fiscal que requer, neste ano, cuidados especiais. Com Jair
Bolsonaro na Presidência da República, outro tema exige vigilância redobrada: o retrocesso civilizatório
e institucional. Sem ter o que apresentar nas áreas fundamentais de um governo – ao contrário, há
muito a esconder na saúde, na educação e na economia –, o bolsonarismo, com a proximidade das
eleições, volta sua atenção a demandas específicas dos grupos que o apoiam, além de ressuscitar
algumas de suas pautas ideológicas. Mais do que simples bizarrices, essas pautas causam danos.

Tudo isso é parte da grande farsa de tentar apresentar o bolsonarismo como uma causa política
relevante, com um propósito definido, capaz de oferecer alguma contribuição ao País. No conto
bolsonarista – que não é apenas distante dos fatos, mas rigorosa manipulação –, Jair Bolsonaro estaria
travando quixotescamente batalhas ideológicas decisivas contra o comunismo, em prol da família e da
liberdade.

Ainda que a farsa convença cada vez menos incautos, é preciso estar em alerta contra a ruína dos
padrões mínimos de convivência social e democrática promovida pelo bolsonarismo. Incapaz de
construir alguma coisa, o bolsonarismo é hábil em destruir o que outros fizeram. O exemplo mais
recente, que está longe de ser o mais grave, foi o novo ataque do governo à Lei Rouanet, publicando
novas regras e limitações totalmente arbitrárias para o programa de apoio à cultura.

É impressionante como esse tema ocupa o imaginário bolsonarista. Entre outros efeitos, tal obsessão
com a Lei Rouanet, que está longe de ser perfeita, mas tampouco é o horror que os bolsonaristas
pintam, manifesta a disfuncionalidade de um governo que faz da perseguição à classe artística uma de
suas prioridades. É conduta imoral e inconstitucional.

Na mesma linha do retrocesso eleitoreiro, veem-se movimentos do governo Bolsonaro para diminuir
ainda mais o controle sobre as armas de fogo. Tenta-se, por exemplo, dar andamento ao Projeto de Lei
3.723/2019, de autoria do Executivo e que tramita no Senado. É uma proposta perversa. Sob o pretexto
de dar segurança jurídica para caçadores, atiradores desportivos e colecionadores, o projeto extingue,
entre outros pontos, a marcação que permite rastrear as armas e munições e investigar seus desvios.
Por mais que Bolsonaro queira, não é hora de alterar o Código Penal e o Estatuto do Desarmamento
para facilitar a vida da milícia e de outros criminosos.

Como se não bastasse, há rumores de possível medida provisória para anistiar armas ilegais, o que seria
constrangedor escracho com a lei e o interesse público. E tudo isso é apenas para angariar votos – que,
espera-se, sejam insuficientes para que Bolsonaro complete sua ruinosa obra.

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