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FAKE NEWS E O PENSAMENTO SOCRÁTICO: UMA APROXIMAÇÃO

André Luiz Valcarengh


Bruna Leffa Hilbert
Carolina dos Santos Carboni

Resumo: Trata sobre a relação entre as atuais fake news e a antiga filosofia de Sócrates. Discorre
sobre a origem das fake news, seu contexto social e suas consequências. Aborda a vida do
filósofo Sócrates, sua filosofia e seu legado para com a sociedade. Analisa o pensamento crítico
de Sócrates e o relaciona como uma das formas de combater as fake news. Conclui que
incentivar a reflexão crítica é importante para diminuir a degradação informacional.

Palavras-chave: Sócrates. Pensamento socrático. Fake news. Ética na informação.

Abstract: It deals with the relationship between the current fake news and the old philosophy of
Socrates. Discusses the origin of fake news, its social context and its consequences. It addresses
the life of the philosopher Socrates, his philosophy and his legacy to society. It analyzes
Socrates' critical thinking and relates it as one of the ways to combat fake news. It concludes that
encouraging critical reflection is important to reduce information degradation.

Keywords: Socrates. Socratic thinking. Fake news. Ethics in information.

1 INTRODUÇÃO

A contemporaneidade é caracterizada por um excesso de informações sendo geradas,


compartilhadas e consumidas instante a instante. Ao mesmo tempo que há muita informação
circulando, há também muitas informações sendo manipuladas, sem que muitas vezes se tenha
discernimento no momento de consumi-las, compartilhá-las ou de tomar partido a respeito do
tema de que tratam. Assim, as consequências desse processo são desinformação, falta de
conhecimento e escolhas equivocadas.
Dentro desse contexto, é oportuno lembrar uma questão central da filosofia, o
autoconhecimento – o contato com as nossas verdades, tendências, opiniões, emoções – para que
tenhamos uma interação mais consciente com a realidade. Tendo isso em mente, este artigo se
foca no pensamento do filósofo que tomou o autoconhecimento para si de forma central,
Sócrates, de forma a interagir de forma mais verdadeira e sábia com o mundo a que pertenceu.
O objetivo deste trabalho é aproximar pontos do pensamento socrático com o fenômeno
das fake news em nossa época, de forma a se pensar em possibilidades de se gerenciar melhor
essa questão, tanto para nós mesmos quanto para as pessoas e a realidade que nos cercam.
Inicialmente, será abordado o assunto da fake news, depois serão tratados alguns aspectos
do pensamento de Sócrates pertinentes ao tema, sendo que, no final do artigo, um
relacionamento entre os dois assuntos será feito.

2 METODOLOGIA

Este artigo realiza uma revisão bibliográfica fundamentada em ideias e pressupostos de


teóricos que apresentam relevância na definição e construção dos temas analisados.
Na primeira parte da fundamentação teórica, utilizam-se citações a respeito de fake news
e desenvolve-se o tema a partir do entendimento dos autores selecionados. O mesmo processo
ocorre, na sequência, em relação ao pensamento socrático. Por fim, os dois temas são
relacionados, fazendo-se uma aproximação do assunto de acordo com a compreensão dos
autores.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Nessa seção, será desenvolvida a fundamentação teórica sobre os temas envolvidos. Na


primeira parte será abordado o assunto das fake news. Na segunda parte, serão discorridos
apontamentos sobre o pensamento de Sócrates. Ao fim, serão relacionados esses dois temas, com
vistas a possibilitar uma atitude mais consciente frente ao fenômeno das fake news em nosso
tempo.
3.1 Fake news

O termo fake news popularizou-se em 2016 durante a disputa presidencial estadunidense


entre Hilary Clinton e Donald Trump. Também chamado de “notícias falsas”, Ribeiro e
Ortellado (2018) apresentam três diferentes definições para a expressão, uma delas retirada de
um relatório oficial do Facebook redigido por Weedon, Nuland e Stamos, no qual afirmam que
“notícias falsas” é:

Uma expressão abrangente para se referir a todo tipo de coisa, desde artigos de notícias que são factualmente
incorretos até artigos de opinião, paródias e sarcasmo, boatos, rumores, memes, abuso online e erros factuais em
declarações de figuras públicas que são corretamente mencionados em matérias noticiosas. [...] Adotamos a seguinte
terminologia para se referir a esses conceitos: [...] artigos de notícias que parecem ser factuais, mas que contêm
distorções intencionais de fatos com o propósito de provocar paixões, atrair audiência ou enganar (RIBEIRO;
ORTELLADO, 2018, p. 72).

De acordo com Oliveira e Souza (2018, p. 5), “A intensidade com que as pessoas
passaram a estar conectadas via internet tem causado saturação informacional”. Desse modo, a
checagem de informações se tornou um desafio árduo. Acredita-se que um dos motivos para a
formação desse fenômeno seja o crescimento da polarização política, pois pessoas engajadas e
partidárias distorcem, exageram ou tiram do contexto acontecimentos com o objetivo de
degradar os fatos, relativizando a verdade. Como afirmam Ribeiro e Ortellado (2018, p. 74):
“[...] é neste contexto polarizado de disputa política aquecida que os expedientes de seleção,
distorção e invenção de fatos emergem. [...] em geral, não se trata de mentiras, estritamente
falando, mas de diversas gradações de distorção. Acreditava-se que, com a liberdade e a
construção coletiva que a internet propõe, os indivíduos estariam livres de qualquer tipo de
controle. No entanto, um novo tipo de controle informacional surgiu, havendo, assim, uma
valorização do individualismo e dos interesses econômicos e políticos na esfera
infocomunicacional (OLIVEIRA; SOUZA, 2018, p. 7).
O modelo de educação formal atual é incompatível com as constantes mudanças e
inovações da rede de informação, não preparando as pessoas para proceder diante de uma
necessidade informacional, formando uma lacuna que dificulta o discernimento frente à
manipulação da informação on-line:
O diferencial do impacto das fake news consiste em sua rápida propagação, sua produção desafixada de um ponto
central e da dificuldade em identificar sua ilegitimidade. A educação formal de poucas décadas atrás centrava a
aprendizagem em coleta de dados e sínteses genéricas, modelo este incompatível com a atualidade, que exige um
esforço crítico de tamanho semelhante à complexa rede de informação que se modela constantemente (OLIVEIRA;
SOUZA, 2018, p. 3).

Logo, é necessário assumirmos nossa responsabilidade em refletir os conteúdos que


vemos diariamente: não fomentar a degradação informacional compartilhando matérias
noticiosas de baixa qualidade e, portanto, não colaborar com uma guerra de informação pouco
reflexiva. “O acesso à informação desvinculado de um estado crítico analítico é um mero
acúmulo de dados.” (OLIVEIRA; SOUZA, 2018, p. 5).

3.2 O pensamento socrático

Sócrates foi um ateniense que nasceu por volta de 469 a.C. Filho de um escultor e de uma
parteira, aprendeu o ofício do pai, mas passou a dedicar-se à filosofia (PESSANHA, 1980).
Vivendo em uma das épocas de maior proeminência da cultura grega, a atividade de filósofo o
consagrou na história da humanidade, dividindo-a em antes e depois dele (GAARDER, 1995).
Sócrates foi o filósofo da Antiguidade que se focou no autoconhecimento humano,
procurando distanciar-se do que parecia natural e óbvio na sua e na existência dos que o
rodeavam, esforçando-se para ir a fundo naquilo a que se propunha (PEIXOTO, 2010). Esse
distanciamento lhe possibilitava, além do autoconhecimento, o uso deste para finalidades mais
conscientes e, consequentemente, menos impulsivas.
Sócrates tinha um método que se propunha à construção do conhecimento, tanto pessoal
quanto dos outros, através do diálogo, caracterizado por duas facetas: a ironia e a maiêutica. No
primeiro momento, dava-se a ironia, em que o filósofo procurava desconstruir os argumentos do
seu interlocutor, sendo que, em um segundo momento, ocorria a maiêutica, na qual era refeita a
argumentação, ou seja, a síntese (PEIXOTO, 2010). Esse método é interessante para se pensar a
possibilidade de valer-se de argumentos e contra-argumentos para se chegar a uma conclusão
que beneficie e clareie a compreensão dos envolvidos em um diálogo. Isso é, em muitos casos,
completamente diferente das argumentações movidas a paixões e com pouca reflexão que vemos
em nossos dias.
A filiação de Sócrates o fez conceber algumas metáforas pertinentes ao que se propunha,
a saber, “dar luz” à verdade. Na primeira, relacionava seu trabalho com o de uma parteira, em
que auxiliava o outro a “trazer a vida” à verdade que ele já tinha dentro de si. Na segunda
metáfora, dizia-se um escultor, que esculpia da matéria bruta uma obra de arte que já estava
subjacente a ela, respeitando a sua natureza (DALBOSCO, 2009). Essas duas metáforas nos
deixam clara a função de Sócrates, que não era a de se sobrepor às pessoas, nem de influenciá-las
a pensar de determinada forma; era, sim, de ajudá-las a tomarem consciência de si, de trazer à
tona suas próprias ideias.
Uma fala de Sócrates, através dos diálogos de Platão (o autor que nos deixou o maior
legado sobre Sócrates) aprofundam essas ideias. Na primeira, Platão (2015a, p. 163.) diz que “A
mais fácil e honrosa das escapatórias não consiste em silenciar outros indivíduos, mas em voz
tornar o melhor possível.”. Nela, pode-se inferir a necessidade de autoeducação em oposição à
imposição de ideias sobre outra pessoa, chegando ao extremo de silenciá-la. Cabe aqui um
paralelo: pensar as fake news como uma forma de imposição e manipulação de ideias, em
contraste com a ideia de autoconhecimento e educação de Sócrates.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A vida de Sócrates nos leva a refletir sobre como devemos agir diante do grande número
de dados que recebemos diariamente por todos os meios de comunicação. É necessário estimular
nossa reflexão crítica, sempre questionando o senso comum sem medo: “[...] vida que não é
pensada, problematizada, questionada, não merece ser vivida [...] daí o sentido da mensagem
‘Conheça-te a ti mesmo’” (PEIXOTO, 2010, p. 675). O senso comum e a falta de profundidade
nas ideias preponderam nos embates das redes sociais em nosso tempo, sendo que a
autoeducação proposta por Sócrates é o primeiro passo para que seja posta em prática a educação
daqueles com quem nos relacionamos. “Tu e eu não devemos cair no erro que reprovamos nos
outros” (PLATÃO, 2015b, p. 46), era o que falava Sócrates, corroborando essa ideia.
O filósofo empreendia seus diálogos em praças atenienses, sendo que essas eram um dos
símbolos da democracia ateniense, do “livre-mercado de ideias” (DALBOSCO, 2009). Cabe se
estabelecer um paralelo entre a praça ateniense e a rede mundial de computadores. Não seria a
rede de hoje, mais especificamente as redes sociais nela existentes, um tipo de praça de outrora?
Afinal, é nas redes sociais que se propagam uma quantidade imensa de troca de ideias, de
embates e, infelizmente, de fake news, de uma forma exponencialmente superior àquela, ainda
que o termo não tivesse sido cunhado.
Fica aqui a reflexão sobre o nosso comportamento e a necessidade de mudança de muitos
de nós frente ao fenômeno das fake news, tendo como referência o pensamento de Sócrates. O
filósofo sempre salientou a necessidade de autocrítica para depois criticar os outros, como forma
de facilitar a educação e, posteriormente, gerar ideias autênticas (DALBOSCO, 2009).
Expandindo esse pensamento para os nossos dias, a autoeducação, o discernimento frente às
ideias dos demais e a investigação dos reais motivos e ideias por trás de uma fake news pode ser
um instrumento de valor para a mudança de atitude em prol de uma sociedade mais consciente.

Referências

DALBOSCO, Claudio Almir. O mestre na praça: sentido pedagógico das metáforas socráticas.
Revista Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 16, n. 1, p. 50-57, 2009. Disponível em:
https://doi.org/10.5335/rep.v16i1.7450. Acesso em: 10 jun 2019.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

OLIVEIRA, Maria Lívia Pachêco de; SOUZA, Edivanio Duarte de. A competência crítica em
informação no contexto das fake news: os desafios do sujeito informacional no ciberespaço. In:
ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19., 2018,
Londrina. Anais... Disponível em:
http://enancib.marilia.unesp.br/index.php/XIXENANCIB/xixenancib/paper/viewFile/1118/1829.
Acesso em: 10 jun 2019.

PEIXOTO, Adão José. Sócrates, a filosofia e a questão da morte. Fragmentos de Cultura,


Goiânia, v. 20, n. 9/10, p. 663-682, set./out. 2010. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.18224/frag.v20i5.1642. Acesso em: 10 jun. 2019.

PLATÃO. Apologia de Sócrates. In: PLATÃO. Diálogos III: socráticos. São Paulo: Edipro,
2015a. p. 135-166.

PLATÃO. Fedro (ou do belo). In: PLATÃO. Diálogos III: socráticos. São Paulo: Edipro, 2015b.
p. 31-110.

RIBEIRO, Márcio Moretto; ORTELLADO, Pablo. O que são e como lidar com as notícias
falsas. Sur: Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 15, n. 27, p. 71-83,
2018. Disponível em: https://sur.conectas.org/wp-content/uploads/2018/07/sur-27-portugues-
marcio-moretto-ribeiro-pablo-ortellado.pdf. Acesso em: 10 jun 2019.

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