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INTEFISA – Instituto de Filosofia e Teologia São Francisco e Santa Clara de Assis.

Filosofia Política. Prof. José Ricardo Reis


IR. ANTONIO CARLOS JOAQUIM FILHO, MPS 3º Ano de Filosofia
Mococa-SP, 21 de setembro de 2022.

RESENHA: “1984”

O filme “1984” inicia com uma máxima bastante provocativa – “quem controla o
passado controla o futuro, quem controla o presente controla o passado”. A partir desta, é
possível obter um brevíssimo resumo de todo o filme; todo o conteúdo explorado pode ser
inferido desta afirmação, ou melhor, deste conjunto de afirmações.

Repetindo quatro vezes o verbo “controlar”, é evidente que a ideia-chave jaz em


“controle”, de modo particular acerca do controle de massas (nítido quando do discurso da
oposição ao governo, fortemente vaiado), da propaganda coerciva (baseada na censura), no
uso ambíguo da semântica (com ênfase a supostas melhorias em detrimento de todo o
retrocesso socioeconômico da sociedade) e na repressão física da oposição (com tortura,
principalmente psicológica, e morte).

A ideologia apresentada visa a destruição do humano tal qual é apresentado pela


natureza, sendo reconstruído segundo a suposta vontade do “big brother”, personagem
aparentemente fictícia, sendo provavelmente mera personificação do ideal revolucionário. Os
inimigos do partido são literalmente rotulados de “culpados em todos os sentidos”, sendo
todos os aspectos da vida de cada indivíduo vigiado e até mesmo exposto. Acerca dessa
exposição exacerbada, comenta Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano da
contemporaneidade:

As coisas se tornam transparentes quando eliminam de si toda e


qualquer negatividade, quando se tornam rasas e planas, quando se
encaixam sem qualquer resistência ao curso raso do capital, da
comunicação e da informação. [...] O tempo transparente é um tempo
sem destino e sem evento. As imagens tornam-se transparentes
quando, despojadas de qualquer dramaturgia, coreografia e cenografia,
de toda profundidade hermenêutica, de todo sentido, tornam-se
pornográficas, que é o contato imediato entre imagem e olho [...]
(HAN, 2017, p.11)1.

Mais adiante, explorando acerca dessa “sociedade pornográfica”, aponta que


tamanha transparência não apresenta o belo, pois “nem o véu nem o objeto velado são o belo,

1
HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis: Vozes, 2017.
mas objetos em seu véu. Mas, desvelados, iriam se mostrar infinitamente invisíveis. [...] O
fundamento divino ontológico da beleza repousa no mistério” (HAN, 2017, p. 32). Na atual
conjuntura sociopolítica brasileira, vemos uma nação que expõe não somente a verdade, mas
toda e qualquer informação que coadune com outros “fatos” para conquistar espaço e poder.
Fato notório foi a recente campanha “anti fake news” promovida por veículos de informações
e candidatos políticos.

Outra proposta a se ressaltar é a buscar pela formação do unus mundus, em que todos
os povos sacrificariam sua essência cultural para se unir a um novus mundus, governado “em
prol do povo”. Aqui foi proposto pelo filme a criação da “novilingua” e é ressaltado de modo
particular no filme o fim das fronteiras da Eurásia na Índia Meridional (o que seria um
primeiro passo). Isso é visível nas agendas imperialistas de grandes potências, particularmente
com o atual conflito entre Rússia e Ucrânia, mas também com as investidas estadunidenses
em todo o globo, estas sendo veladas pelo capitalismo ou por propostas de intervenção militar
visando a paz, como ocorrido no Oriente Médio, particularmente sob o antigo governo de
George Washington.

A existência de uma “polícia do pensamento” e os diversos casos apresentados de


“crimes de pensamento” são evidências cabais do ultraje no controle das massas,
particularmente quando é apresentado que o crime do pensamento é sutil, por vezes sequer
sendo percebido pelo sujeito. Trata-se de uma aniquilação quase que completa do indivíduo,
em que a realidade se encontra apenas na mente humana, não do indivíduo, mas na do Partido,
personificado pelo Big Brother, que é indiviso e imortal. Os termos “homem”, “ser humano” e
correlatos não mais apresentam os indivíduos em si, mas supostamente toda a humanidade, e
a vontade geral é a vontade do Partido. É proposto, inclusive, que todos os prazeres sejam
excluídos do meio dos indivíduos, pois colocariam em risco o amor e a lealdade ao Partido.

O filme visa, assim, apresentar veladamente (ou nem tanto assim) o ideal
revolucionário de viés socialista-comunista, apontando que toda e qualquer proposta, por mais
que seja visando o bem comum, ao incorrer na repressão tirânica da oposição se porta como
aniquilador da própria humanidade, tendo em vista os planos não do povo em geral, mas de
uma cúpula, uma elite que governa o Partido, seja da denominação ou ideologia que for.

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