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 –  Sociedade  Brasileira  de  Estudos  Interdisciplinares  da  Comunicação  


XXXVIII  Congresso  Brasileiro  de  Ciências  da  Comunicação  –  Rio  de  Janeiro  -­‐  RJ  –  4  a  7/9/2015

Protagonização de Mulheres Negras em Séries de Televisão Norte-americanas: Uma


Análise sobre as Séries Scandal e How To Get Away With Muder da Autora e
Produtora Shonda Rimmes1
Ana Paula DANTAS2
Marcília Luzia Gomes da Costa MENDES3
Samir Magoya de Medeiros SANTOS4
Geilson Fernandes de OLIVEIRA5
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN

Resumo

Este trabalho analisa a representação das mulheres negras nas séries de televisão norte-
americana, desde o surgimento até os tempos atuais. Interessa-nos apresentar a evolução
das mulheres negras nas séries, passando de papéis sem importância a protagonistas e
personagens bem-sucedidas. Neste sentido, o artigo visa um estudo sob o as séries com base
nas teorias do agendamento e da espiral do silêncio apresentadas respectivamente por
Maxwell McCombs e Donald Shaw (1970) e Elisabeth Noelle-Neumann (1974), analisando
especificamente as séries Scandal e How to get away with muder da autora e produtora
Shonda Rimmes.

Palavras-chave: Representação, Gênero, Séries, Televisão, Shonda Rimmes.

O surgimento das séries

O entretinimento na televisão ao longo dos anos passou por transformações que


vêm sendo acompanhadas pelo espectador. As séries de televisão norte-americanas, por
exemplo, têm sua origem mais remota na década de 50, derivadas da literatura, onde era
comum entre os autores publicarem seus romances em periódicos, cada capítulo (episódio)
em um dia diferente. Esse tipo de literatura se tornou comum na Europa, a princípio, logo
após chegou em toda América, inclusive no Brasil. Posteriormente, com o surgimento das
rádios essas obras foram adaptadas. As radionovelas eram em vários capítulos, e seus
acontecimentos rápidos tinham como intenção de prender o seu público. Com o surgimento

1
Trabalho apresentado na Divisão Temática de Rádio, TV e Internet, da Intercom Júnior – XI Jornada de Iniciação
Científica em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2
Graduada em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda, pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte – UERN.E-mail: paulinha.jusf@gmail.com.
3
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Docente do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH) e do Departamento de Comunicação Social (DECOM) da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Líder do Grupo de Pesquisa Informação, Cultura e Práticas
Sociais, email: marciliamendes@uol.com.br.
4
Discente do Curso de Comunicação Social, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail:
samirmagoya@outlook.com.
5
Mestre em Ciências Sociais e Humanas pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH),
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Membro do Grupo de Pesquisa Informação, Cultura e
Práticas Sociais, atuando na linha Mídia, Discurso e Tecnologias, email: geilson_fernandes@hotmail.com.

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da televisão, o que fora um sucesso nas rádios foi reproduzido, a princípio surgiram na
televisão no formato de sitcom (tradução livre: “situação cômica”), que conquistaram o
público com seu formato de comédia pastelão e escrachado sobre momentos corriqueiros da
vida. Na década de 60 as séries passaram por transformações, que permeiam até os dias de
hoje, e começaram a se parecer mais com as que estamos acostumados a ver atualmente,
mais próximas do gênero soap opera6. As novelas possuem prazos pré-definidos, o que as
diferenciam das séries, estando sujeitas a alterações dependendo da aprovação do público.
As séries televisivas não possuem este prazo, estando sujeitas a renovação ou ao seu
cancelamento, levando em consideração apenas a audiência. Segundo Jost (2012), o seu
sucesso depende menos dos procedimentos técnicos do que o que ela proporciona ao
telespectador.
Em uma breve análise sobre as séries, é possível observar como os produtos
culturais produzidos pela televisão, meio de comunicação que nos transmite informações e
possibilitam a formulação de pensamentos e posições que vão se transformando com o
passar do tempo, contribuindo para a alteração de conceitos e padrões históricos e sociais.
Na década de 50, as séries eram feitas paras as mulheres donas de casa. Ao longo dos anos,
foram mudando seus formatos em detrimento das mudanças dos padrões sociais e a mulher
que antes era vista na maioria das vezes, somente como dona de casa, passa a sair do
cenário familiar para entrar no mercado de trabalho. Fatores como esses influenciaram e
influenciam diretamente nas programações que vemos diariamente em nossas telas.

“Nem a família, nem a escola - velhos redutos da ideologia - são já o


espaço chave da socialização, os mentores da nova conduta são os filmes,
a televisão, a publicidade, que começam transformando os modos de vestir
e terminam provocando uma metamorfose dos aspectos morais mais
profundos” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 58).

As séries, que antes eram feitas para donas de casa, agora passam a adaptar-se a
mudança que vivemos, a mulher trabalha fora de casa, cuida dos filhos, do marido e da
casa. A mulher negra ganhou mais espaço no mercado, e é nesse cenário que podemos
perceber as mudanças na forma de apresentação da mulher. Deixou de ser a dona de casa
frágil e dependente e passar a ser a mulher forte, que por vezes sustenta a família, e
consegue atingir posições de prestígio na carreira e ainda cuidar de filhos.

6
A origem do termo soap opera dá-se pelas produções de antigamente serem patrocinadas por fabricantes de
sabão.

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Representações das mulheres e negros/as nas séries: reprodução de estereótipos e de


papéis secundários

Durante muito tempo, as mulheres eram vistas na sociedade como o sexo frágil que
é submissa ao seu companheiro. O papel da dona de casa que cuidava dos filhos e dos
afazeres domésticos passou por diversas mudanças que hoje podemos observar quão
relevantes foram para o rumo que a sociedade tomou. Em uma sociedade patriarcal, a
concepção norte-americana exportada para o mundo de uma mulher de avental, bobs e
rodeada de utensílios domésticos, são características que estiveram em alta por muito
tempo. Essa mulher vista como fraca e delicada, vítima de preconceitos, status de
inferioridade e dona de casa, teve seus conceitos modificados no momento em que houve
maior abertura do mercado de trabalho para as mulheres. O desenvolvimento das
tecnologias e a necessidade de um trabalho intelectual foram fatores determinantes para a
inserção da mulher no mercado de trabalho. Assim como o movimento feminista foi um dos
pontos de partida para que a sociedade começasse uma intensa luta de disseminação do
gênero.

A mulher do século XXI deixou de ser coadjuvante para assumir um lugar


diferente na sociedade, com novas liberdades, possibilidades e
responsabilidades, dando voz ativa a seu senso crítico. Deixou-se de
acreditar numa inferioridade natural da mulher diante da figura masculina
nos mais diferentes âmbitos da vida social, inferioridade esta aceita e
assumida muitas vezes mesmo por algumas mulheres (RIBEIRO, Paulo
Silviano, 2015, s/n).

A programação que antes era feita para donas de casa passou a sofrer alterações
que antes não podiam ser previstas, pois até então o lugar da mulher era em casa, nos
afazeres domésticos. Uma das comédias que mais teve destaque no início das séries, na
década de 50, foi a sitcom “I Love Lucy”, uma comédia familiar que retratava as histórias
de Lucy e seu marido. Era comum as séries abordarem temas do cotidiano das mulheres,
como cita Edgar Morin (2002), ao indicar que os temas “femininos”, como amor, amizade,
conforto, lar, mostravam-se de fácil identificação entre telespectador e trama. I Love Lucy
foi vencedora de vários prêmios Emmy,7 sendo um deles de destaque o de “1953: Melhor

7
O Emmy é um prêmio atribuído a programas e profissionais de televisão. É equivalente ao Oscar (para o
cinema), o Tony Award (para o teatro), e aos Prêmios Grammy (para a música)

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Comediante Feminina - Lucille Ball”. E em 2002 foi eleito pela TV Guide 8como o segundo
melhor programa de todos os tempos da TV norte-americana.

Assim como as mulheres, os negros possuem uma história, devido a descriminação


de raça, desfavorecida, que nos remete aos tempos de escravidão, em que os negros sempre
estiveram oprimidos. Na televisão, não muito obstante, nota-se a presença de negros sempre
em situações de pouca importância ou relevância para a história. Aos negros, sempre eram
destinados os papéis de escravos, empregadas domésticas, motorista, etc. Em 1950 os
Estados Unidos foram considerados uma das sociedades mais desiguais em se tratando de
questões étnicas e raciais9. Fatores como esses refletiram diretamente na televisão norte-
americana e assim como nota-se no Brasil, a televisão estadunidense está recheada de
estereótipos10. Segundo Jannete Date (1995), os programas de televisão na época em
questão eram feitos por brancos e para brancos, que não revelam os reais valores e crenças
dos afros-americanos e sim “as percepções dos produtores, patrocinadores, proprietários e
roteiristas brancos” (1995 p. 7).

Na década de 70, na televisão americana foi de grande notoriedade o movimento


cinematográfico Blaxplotation (portmanteau11 da palavra black – negro e explotaition –
exploração) que tomou cena na década de 70, onde os protagonistas eram negros e os filmes
e séries eram feitos especialmente para negros, um exemplo são os filmes Cleópatra Jones
(1973), Coffy (1973) e o filme feito para televisão Get Christie Love12 (1974) ou em
português Anjo Negro que mais tarde viria ganhar sua própria série com Teresa Graves13
como protagonista. Por volta dos anos 80, os negros começaram a interpretar mais
personagens nas telenovelas e séries. Um espaço considerável para construção de
identidades, porém a imagem ainda estava ligada a estereótipos criados pela sociedade com
papéis que remetem às desigualdades entre negros e brancos. Esses personagens eram
tratados de maneira inferior, dificilmente se viam histórias que realmente tratam-se
questões sérias que pudessem levantar questionamentos sobre desigualdades raciais

8
TV Guide é o nome de duas revistas norte-americanas semanais, especializadas na programação de televisão,
uma nos Estados Unidos e outra no Canadá.
9
Período de lutas árduas com a segregação racial, sendo “superada” com o Ato do Direito dos Votos de 1965.
10
Estereótipos são generalizações que as pessoas fazem sobre comportamentos ou características de outro
11
Portmanteau é uma palavra que nasce da combinação de duas outras palavras para ganhar um
novo significado.
12
Filme de grande sucesso da década de 70 dirigido por William A. Graham que mais tarde viria a ganhar sua
série de televisão.
13
Atriz negra americana que ganhou grande notoriedade ao interpretar um papel de protagonista negra no
filme para televisão que mais tarde viria ganhar sua série Anjo Negro.

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presentes e quando vemos ainda hoje muitos dos personagens aparecem marginalizados até
mesmo em condições de drogados, imagem que ainda permeia em nossa sociedade. Na
teoria da agenda setting14 de Maxwell McCombs e Donald Shaw, formulada na década de
70, que mostra os meios de comunicação como mediador e formulador de opiniões,
tentando estabelecer no senso comum de cada indivíduo que problemas de desigualdades
como esse devem ser vistos como questões normais. Logicamente histórias felizes de
famílias etnicamente brancas vendem bem mais e satisfazem o público do que histórias de
dor e sofrimento vivenciadas por negros. Segundo Morin (2002), o personagem principal
deverá estar ligado ao espectador e, devido a essa ligação, como as séries retratavam a
realidade da época em questão, é possível notar a estereotipização de negros, aparecendo
como personagens cômicos e provenientes de periferias. As séries representam histórias
como caso de vida real, os atores não só representam personagens, eles vivem esses
personagens e absorvem detalhes da trama, de maneira intensa, a tendência é o
telespectador sentir-se ligado de maneira íntima com o herói, se ele sofre ou fica feliz, o
espectador sentirá junto, esse sentimento partilhado entre telespectador e herói e acaba
criando um sentimento em conjunto, onde o espectador gera seus sentimentos de acordo
com o que acontece com o herói, chorar junto, sofrer junto e vencer junto.

O elo sentimental e pessoal que se estabelece entre espectador e herói é tal, no


novo clima de simpatia, de realismo e de psicologismo, que o espectador não
suporta mais que seu alter ego seja imolado. Pelo contrário, ele espera o sucesso,
o êxito, a prova de que a felicidade é possível (MORIN, 2002, p. 93).
Ao ser gerado esse sentimento mutuo, podemos perceber o quanto sentem uma
afinidade maior com o final feliz, ao ponto de se sentirem contrariadas e ofendidas na hora
que o mocinho não tem um final glorioso, levando toda a trama ao fracasso em seu último
capítulo. A receita do happy end15 que se tornou popular a partir da década de 30 trazendo
consigo o herói simpático e uma direção mais realística, trazendo ao público um sentimento
de identificação com o herói. Segundo Morin (2002), o herói pode ser admirado, lastimado,
mas deve sempre ser amado. Essa abertura que se deu ao happy end desde os anos 30
permeia na indústria cinematográfica norte-americana até hoje, em sua maioria pode-se
observar em filmes e séries uma participação unânime de heróis simpáticos em que seus
dramas e sofrimentos efêmeros, logo se resolvem de maneira quase que imediata. Desde

14
A teoria do agendamento ou agenda setting theory em inglês, é uma teoria da comunicação desenvolvida na
década de 1970 por Maxwell McCombs e Donald Shaw. A teoria propõe quais assuntos entraram na pauta
pública para debate, e, além disso, propõe o que pensar.
15
É um conceito que procura definir a nova forma de cultura na sociedade contemporânea, desenvolvida por
Edgar Morin.

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então é possível notar-se uma formação de estereótipos dos negros, onde os mesmos
constantemente aparecem como personagens cômicos e provenientes de periferias. Mais
uma vez trazendo o conceito de happy end como já foi mencionado anteriormente, nota-se
que o negro mesmo em suas aparições passa a ser visto como um herói cômico, que em
suas situações de comédia cai nas graças do público. Até mesmo, para gerar essa empatia
entre espectador e herói, era mais comum um protagonista branco e bem-sucedido, que no
final da estória termina com a mocinha mais bonita da trama, uma ideia mais convincente
que manter como herói um negro que vem de uma história etnicamente desfavorecida, da
escravidão, desprovido de estudo, vivendo na pobreza, era socialmente mais aceitável vê-lo
em personagens inferiores que como herói da trama. Isso acaba limitando os personagens
negros, sempre vistos em participações de humor, ou a serviço dos brancos e bem
abastados. As mudanças ocorridas ao longo dos anos, mostram agora que os negros vêm
conquistando um espaço maior, não sem um árduo trabalho, na sociedade, na política e,
como consequência, na televisão. Ganhando destaque aos longos dos anos e saindo dessa
zona de conforto em que estavam os roteiristas e produtores que se encostavam até então na
receita do happy end na qual as mulheres possuíam papel predeterminados e, no caso dos
negros, sequer estavam inseridos.

O papel do negro na indústria televisionada contemporânea

As desigualdades raciais não se extinguiram totalmente, apesar das grandes


conquistas, e estão bem longe de desaparecerem, mas já é possível notar na televisão norte-
americana desde a década de 80 uma aparição bem mais frequente de negros. Com o
surgimento da TV a cabo e uma maior audiência, tais aspectos possibilitaram para a
televisão uma presença constante de personagens afrodescendentes, entretanto o que ainda
se via e permeia até hoje são os estereótipos criados pela cultura midiática de um negro
pobre, cômico e uma conotação sexual em sua cultura.
Atualmente a presença do negro em séries de televisão norte-americanas é bem
maior, com papeis além de pobres e desfavorecidos. Os roteiristas estão mais propícios a
trazê-los com personagens mais impactantes e de maior destaque. Um exemplo é Shonda
Rimmes, roteirista, cineasta e produtora norte-americana e criadora da produtora
ShondaLand. Mulher e negra, conhecida por promover a diversidade em suas produções, foi
responsável pela criação de diversos filmes, em 2005 criou o que viria a ser um dos seus

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maiores sucessos nas telas da televisão americana, a série Grey’s Anatomy. Na rede de TV
ABC16, que exibe a série, Shonda é tida como uma das mais importantes roteiristas. Em seu
portfólio possui grandes sucessos, no mesmo canal, como Private Practice, em 2007, que
veio logo após Grey’s Anatomy. Sua série de grande sucesso, Scandal teve sua estreia em
2012 e How get away with muder, a mais nova produção da autora teve sua estreia em
2014. Uma das características mais fortes da produtora é a presença constante em suas
séries de negros em grandes papéis e mulheres fortes como protagonistas. Essa permanente
presença prova que a audiência está bem mais favorável a aceitar negros em papéis de
poder e de grandes decisões nas histórias no horário nobre da televisão norte-americana.

Foto 1: Elenco original da série Scandal


Fonte: http://www.deunatelha.net/2014/06/na-telinha-scandal.html

A série Scandal, que traz como protagonista Olivia Pope17 (Kerry Washington), ex-
funcionária da Casa Branca e responsável pela empresa Pope & Associates, uma empresa
responsável por gerenciar crises. Mulher e negra, com personalidade própria forte, a
personagem ganha a vida protegendo a elite americana, resolvendo seus problemas antes
que eles venham à tona. É uma das séries de maior audiência nos EUA, de tal modo que
desde sua estreia só tem aumentado seu índice de audiência, como podemos ver nos dados
abaixo:

16
American Broadcasting Company (ABC Inc.) fundada em 1948 é a maior rede de televisão do mundo.
17
A personagem foi inspirada em Judy Smith, especialista afro-americana de gestões políticas e ex-assessora
da Casa Branca. Depois de um encontro entre a produtora Shonda Rimmes e Judy em 2010.

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Fonte: Nielsen TV Ratings: ©2014 The Nielsen Company. All Rights Reserved.

A série traz temáticas importantes a partir de sua protagonista e mostra o quanto a


televisão está aberta para negros em papeis de grande destaque. Vale salientar que a atriz
que interpreta Olivia Pope (Kerry Washigton18) é a primeira atriz afro-americana a
interpretar uma protagonista em uma série de televisão norte-americana desde Teresa Grave
em Anjo Negro (1974)19. Essa ruptura na televisão dada pela grande audiência pode ser
vista na teoria da agenda setting ou teoria do agendamento, pois como afirma Ferreira
(2001, p. 112) “o agendamento constrói a massificação daquilo que vão pensar”, vê-se
então uma construção a partir do mass media durante os anos quebrando padrões impostos
desde então. O negro que antes era visto como um personagem submisso aos demais de
uma produção, num processo sutil e lento tem estado cada vez mais presente em grandes
produções. Partindo do princípio da espiral do silêncio20 desenvolvido por Elisabeth
Noelle-Neuman apud Hohlfeldt, A. et al (2001, 111). vemos que o agendamento de temas
recorrentes nas séries de Rimmes, como relações inter-raciais e personagens LGBTS
inseridos de forma sutil sem trazer estereótipos, mostra uma aceitação natural do público,
uma vez que aqueles que não concordam, por medo de isolamento acabam cedendo a
opinião pública e abrindo espaço na televisão para que mais programas do mesmo gênero
passem a ser exibidos.

18
É um atriz norte-americana famosa pela atuação na série Scandal. Eleita pela revista Time uma das cem
pessoas mais influentes do mundo.
19
Anjo Negro (Get Christie Love – 1974) foi uma série adaptada de um filme feito para televisão onde uma
detetetive (Teresa Graves) combatia o consumo de drogas, a série era inspirada nos problemas contra heroína,
droga bastante utilizada na década de 70.
20
A espiral do silêncio é uma teoria da comunicação de massa proposta em 1977 pela cientista alemã
Elisabeth Noelle-Neumann. É definido nessa teoria que os indivíduos omitem suas opiniões quando diferem
da maioria.

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Os indivíduos se encontram numa posição vulnerável acerca da ação do mass


media e da formação da opinião pública. Entre o indivíduo e o Mass Media se
encontram os grupos sociais que podem punir segundo a discordância no que diz
respeito as opiniões dominantes (FERREIRA, 2001, p. 113).

Algo que também pode ser visto em outra de suas séries, How Get Away With
Muder, também transmitida pela emissora ABC, desde sua estreia em 2014, é o fato de
trazer como personagem principal Annalise Keating (Viola Davis21) - mulher e negra.
Professora de Direito Penal da Universidade de Middleton, na Filadélfia, uma das mais
prestigiadas Escolas de Advocacia na América e uma das melhores advogadas de defesa da
região. Nesta série, a personagem Annalise seleciona um grupo dos seus melhores alunos
em sua turma da universidade para trabalhar em seu escritório. São eles: Connor Walsh
(Jack Falahee) gay e caucasiano, Michaela Pratt (Aja Naomi King) negra, Asher Millstone
(Matt McGorry) caucasiano, Laurel Castillo (Karla Souza) caucasiana e Wes Gibbins (Alfie
Enoch) negro. Em sua vida pessoal, vive com seu marido Sam Keating (Tom Verica), um
renomado psicólogo, mas também vive um relacionamento às escondidas com Nate Lahey
(Billy Brown) negro, um detetive local.

Foto 3: Elenco Original da série How to Get Away With Murder


Fonte: http://www.huffingtonpost.com/2014/07/31/how-to-get-away-with-murder_n_5635567.html

A presença constante dos negros (as) mostra o quanto a ficção tem acesso e
semelhança atualidade, já que em determinados momentos pode ser identificado como uma
realidade geral. Jost (2011) fala que a atualidade tem duas faces: a dispersão e a
21
Viola Davis foi apenas a terceira mulher não-branca a ganhar o prêmio de melhor atriz dramática no SAG.
As outras duas foram Chandra Wilson e Sandra Oh por “Grey’s Anatomy”. Curiosamente, as três estão em
séries que têm o dedo de Shonda Rhimes. Fonte: Site oficial do SAG e O Globo.

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persistência. Uma fala das aparições, seja grande ou pequena, do cotidiano, ao contar a
história de Olivia Pope, ex-funcionária da Casa Branca e amante do Presidente dos Estados
Unidos, evoca casos que conferem de imediato com à ficção, temas como corrupção,
terrorismo e casos extraconjugais no mundo político, são todas verdades do nosso mundo.
Além disso, o Presidente em questão é do partido republicano e possui em sua equipe como
chefe de gabinete e seu braço direito um gay, o partido republicano é conhecido por não
aceitar a união matrimonial de pessoas do mesmo sexo. O que pode gerar um efeito real,
assim como pode expirar rapidamente, surge o acontecimento e o mesmo pode passar de
maneira fugaz. O outro mostra o que persiste, aquilo que os telespectadores sentem como
contemporâneo, o presente aumenta a duração e deixa a trama ainda mais longa, gerando
uma empatia muito forte entre telespectador e série. Um exemplo é o caso extraconjugal
entre a personagem Annalise e Nate em How to get with a muder, não é algo que está
distante da realidade dos telespectadores, é algo que está intrínseco.

Considerações finais

A busca pela igualdade e oportunidades vem mudando cada vez mais a história da
humanidade, porém ainda nos tempos atuais, outras etnias e raças, assim como gênero,
especificamente a mulher, são inferiorizados em relações aos brancos e as marcas da
desigualdade estão presentes. Muitos negros permanecem marginalizados, sofrem com o
racismo e a discriminação e não encontram condições igualitárias de educação e
desenvolvimento profissional. É claro que os negros alcançaram algumas vitórias, mas a
realidade ainda está longe da ideal. Ainda vivemos o mito da democracia racial, e segundo
o IBGE precisaremos de pelo menos 20 anos de políticas afirmativas no Brasil para
fomentar a igualdade entre negros e brancos, por exemplo.
Naturalmente, o racismo, que atravessou séculos sendo construído, não seria fácil e
rapidamente extinto, os pseudo-valores herdados da escravidão ainda persistem na
sociedade atual. De acordo com sociólogos e especialistas em estudos das camadas
populares na América do Norte, os índices sociais - que incluem emprego, saúde e
educação - entre os afrodescendentes norte-americanos são os piores em 25 anos, por
exemplo, um negro que não concluiu seus estudos tem mais chances de viver como
mendigo ou ir para prisão. É nesse contexto que se pode notar a importância da presença
constante de personagens negros na televisão, seja em séries, filmes ou telenovelas.

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Recentemente em entrevista para o The Wrap22, a atriz Viola Davis comentou sobre o quão
pertinente e importante é seu personagem na série How to get away with murder, não só
para ela, mas também para a sociedade que ainda encontra preconceitos enraizados na
televisão e em esferas sociopolíticas.
Um fato que não pode ser negado, apesar de tudo, é que mudanças positivas estão
ocorrendo nos longos dos anos, um exemplo disso é Barack Obama, primeiro presidente
negro da história norte-americana. Ele conseguiu aprovação suficiente para um segundo
mandato, apesar desse grupo político – de negros – ter menor representação nesse cenário.
Rhimmes é uma prova de que a receita do happy end para ela de nada serve,
conhecida por matar seus personagens a roteirista não perdoa quando o assunto é sofrer. Em
entrevista recente ao jornal El País, Rhimmes declarou que “as coisas estarão melhores
quando deixarmos de fazer essas perguntas. Quando não nos perguntarmos se está melhor a
presença de mulheres na televisão ou quantas mulheres negras trabalham no meio”. Visto
que embora a televisão esteja pronta para receber produções como as de Rhimmes que
quebram tabus, os meios de comunicação ganham diante de tais circunstâncias papel de
mediador das mudanças, considerando que os mesmos serão de caráter fundamental no
processo de mudanças que a indústria cultural precisa passar para que personagens negros
sejam vistos na televisão apenas como personagens, sem que haja segregações étnicas.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, J. Z. Tv e identidade negra diante da mundialização da cultura. In: Anais do XXXVI


CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO - INTERCOM, 1995,
Aracajú. São Paulo: Intercom, 1995. Disponível em:
<http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/9156698fe2dc8b19f2c7104e9aad7b26.pdf> Acesso em
25 de maio de 2015.

AYUSOO, R. O sucesso é uma mulher afro-americana. El País Online. Disponível em:


<http://brasil.elpais.com/brasil/2014/10/17/cultura/1413568764_270559.html>. Acesso em 6 jul.
2015.

ABC. Séries. Disponível em: <  http://abc.go.com> . Acessado em: 05 de julho de 2015.

COSTA, P. S. Séries, Rhimes e Agenda Setting: Representações Raciais na Televisão Americana.


In: Anais do XXXVI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO -
INTERCOM, 36, 2013, Manaus. São Paulo: Intercom, 2013. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2013/resumos/R8-1689-1.pdf > Acesso em 06 de
julho de 2015.

22
Site de entretenimento e notícias americano fundado por Sharon Waxman em 2009.

11
Intercom  –  Sociedade  Brasileira  de  Estudos  Interdisciplinares  da  Comunicação  
XXXVIII  Congresso  Brasileiro  de  Ciências  da  Comunicação  –  Rio  de  Janeiro  -­‐  RJ  –  4  a  7/9/2015

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