Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A cultura veiculada pela mídia não pode ser simplesmente rejeitada como
um instrumento banal da ideologia dominante, mas deve ser interpretada e
contextualizada de modos diferentes dentro das matrizes de discurso e das
forças sociais concorrentes que a constituem.
cultural e como ele, por sua vez, afeta e influencia a sociedade por meio de
indivíduos e grupos.
Os estudos culturais têm como uma forte característica a interdisciplinaridade, ou
seja não são uma disciplina, pois fazem uma abordagem mais ampla, perpassando várias áreas
do conhecimento, como a história, sociologia, antropologia e entre outros campos
preexistentes. Além disso, podem se relacionar com o conceito de multiculturalismo, ao
buscar em seus estudos, produtos culturais que trazem as representações de resistência e luta
frente às formas sociais e culturais hegemônicas. O multiculturalismo, segundo Kellner (2001,
p. 37), afirma a “alteridade e a diferença, bem como a importância de atender aos grupos
marginalizados, minoritários e contestadores, antes excluídos do diálogo cultural”. Assim,
esses grupos passam a ser representados na mídia, trazendo questões como racismo,
orientação sexual, feminismo, desigualdade social e entre outros assuntos. Para realizar um
estudo cultural, ainda é recomendado que se faça um estudo multiperspectívico, ou seja,
utilizar diversos tipos de interpretação a fim de fazer uma análise mais abrangente possível
(KELLNER, 2001, p. 130).
Um exemplo de produto da mídia que se enquadra nessas características, é a série
“POSE”, que em sua narrativa, trabalha questões como identidade de gênero, racismo, o
abandono parental e novos conceitos de família, a solidão e a marginalização da mulher trans,
intolerância LGBT e dentre outros diversos assuntos que afetam a comunidade. Essas
características tornam a série um excelente objeto para se fazer um estudo cultural
multiperspectívico.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
DESCRIÇÃO DA OBRA
SINOPSE
CRÍTICA
Para analisar a série, serão abordadas duas das temáticas das quais ela trata. São elas:
o abandono parental por LGBTfobia e os novos conceitos de família, e a solidão e
marginalização da mulher trans.
A questão do abandono afetivo e parental por LGBTfobia sempre foi uma pauta
muito presente na comunidade, e na série “POSE”, isso é retratado com maestria. Nos
episódios em que esse problema é abordado com maior profundidade — ao contar a história
de Damon, que foi expulso de casa por seu pai após o mesmo descobrir a sexualidade do
garoto, e de Elektra, que foi agredida por sua mãe e em seguida expulsa sem o direito de levar
nenhum de seus pertences —, podemos acompanhar e sentir junto com os personagens a dor
de ser julgado e excluído sem nenhuma consideração, por motivos de sexualidade e
identidade de gênero.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Segundo Ribas (2019, p 27), a pessoa LGBT passa por diversos tipos de
exclusão ao longo de sua vida. Na escola, no trabalho e até mesmo no ambiente familiar,
podendo esse último, ser considerado a mais severa de todas, pois é a família que deveria ser
o nosso suporte e fonte de apoio.
Essa exclusão também é uma forma de abandono e é a realidade de muitos, que
passam a ser menosprezados, ignorados, ou até mesmo maltratados por seus próprios
familiares. Segundo a autora, “os pais por não aceitarem a condição do filho ou não
entenderem agem de maneira desesperada, buscando medidas de repreensão que podem
chegar até em agressões físicas e psicológicas, muitos são inclusive expulsos de casa”.
Esse foi o caso vivido pelo jovem Damon, que antes de ser expulso, enfrentou
diversas vezes comentários negativos e foi agredido por seu pai, que suspeitava da
sexualidade do garoto por ele gostar de dançar. A essa altura, Damon ainda tinha o apoio de
sua mãe, o qual logo perdeu após ser “descoberto”.
A saída precoce do ambiente familiar também pode acontecer por iniciativa do
próprio jovem que sofre discriminação dentro de casa. Nessas situações, muitos vão morar nas
ruas e acabam encontrando na prostituição uma maneira de sobrevivência. Essa questão da
prostituição, podemos encontrar na história das personagens trans da narrativa. Ao serem
expulsas de casa, todas elas viram nessa possibilidade uma forma de continuar sobrevivendo,
até encontrarem outras formas de ganhar dinheiro.
Uma outra questão abordada na narrativa, são as novas concepções de família. Após
alguns dias morando nas ruas, Damon encontra Blanca, que estava atrás de “filhos” para
poder abrir a sua Casa, a Evangelista. Na narrativa, os balls são constituídos por pessoas que
foram excluídas de alguma maneira da sociedade. Assim, elas se formam em “casas” , que são
normalmente compostas por outras pessoas que também foram expulsas precocemente, e
formam suas famílias. Cada casa tem a sua “mãe”, que é a fundadora do núcleo e assim, esse
grupo de pessoas, que compartilham muitas vezes de vivências semelhantes, trocam afetos,
contam suas histórias, se apoiam e se amam. O ato de se juntar com pessoas que possuem
similaridades, pode evidenciar uma nova compreensão do que se entende por família.
Por muito tempo, o termo família dizia respeito a “um grupo de pessoas com grau de
parentesco que convivem num mesmo lar, a família tradicional, aquela ditada pela cultura
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
imposta pela religião e que remete ao sistema patriarcal, onde o homem era visto
como o chefe da casa, dos filhos e até mesmo de sua esposa” (RIBAS, 2019, p. 33).
Hoje, podemos perceber que esse conceito vai muito além disso. De acordo com Ana
Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno (2018 apud RIBAS, 2019, p. 33):
Figura 3. Blanca e seus filhos Angel e Damon, da casa Evangelista. Fonte: Reprodução/Google
Em relação a isso, Silva (2008, apud SILVA et al, 2021, p. 17) diz que:
Um outro episódio da narrativa passível de ser citado, diz respeito a quando Blanca
finalmente encontrou um imóvel para alugar e, nesse espaço, realizar seu sonho de abrir
o seu salão. Até então, a locadora não sabia que Blanca era uma mulher trans e alugou o
espaço sem muitas ressalvas. No entanto, quando ficou ciente dessa informação, fez de
tudo para tomar o lugar, deixando a personagem na mão. Essa é mais uma menção a
falta de direitos que essa população possui.
Assim, de acordo com Pedra (2018, apud SILVA et al, 2021, p.17), essa
invisibilidade
faz com que exista uma rachadura em assegurar direitos que seriam
fundamentais aos seres humanos, tendo um grupo que é dominante que
estaria detendo todo esses direitos e assegurando a opressão das minorias,
gerando violências simbólicas, físicas e emocionais nesses indivíduos.
Além dessa problemática, POSE também faz menção à solidão vivida por essas
mulheres. Em um dos episódios, a personagem Angel acaba se apaixonando pelo seu cliente,
chamado Stan, que também se interessa por ela. Stan é casado e mantém uma relação às
escondidas com Angel, na qual chegou a lhe dar jóias, um apartamento e dinheiro. Apesar de
tudo isso, ele não conseguia dar a coisa que Angel mais queria: a sua presença, carinho e
atenção.
Em diversas vezes, o personagem deixava a jovem de lado para se dedicar a sua outra
família. No episódio que se passa no Natal, em que ambos haviam combinado de ficar juntos,
Stan não cumpriu com a sua promessa e novamente a deixou sozinha. Em um dado momento,
Angel cansa de ser deixada de lado, e resolve se afastar do seu amante.
De acordo com Senna (2021, p. 107),
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Em POSE, essa situação fica muito evidente. Apesar de gostar muito de Angel, Stan
não se vê encorajado a deixar a sua família para ficar com Angel. E quando finalmente
resolve ir atrás dela, já é tarde demais.
CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto, podemos perceber que a série é muito feliz ao tentar
evidenciar um pouco as vivências cotidianas desses personagens e casa bem com a realidade.
Para além dos problemas abordados, a série ainda foca nas diversas conquistas da causa
LGBT, e cumpre bem o seu papel de trazer a representatividade da comunidade, indo contra
os tipos de produção atualmente hegemônica e colocando em pauta uma minoria
invisibilizada, e que quando finalmente representados, muitas vezes são colocados de forma a
reforçar estereótipos.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MJ Rodriguez, de 'Pose', é primeira mulher trans a vencer um Globo de Ouro. G1, Rio de
Janeiro, 10 de jan 2022. Pop & Arte. Disponível em:
<https://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2022/01/10/mj-rodriguez-de-pose-e-primeira-
mulher-trans-a-vencer-um-globo-de-ouro.ghtml>. Acesso em: 11 de maio 2023.
SALVETI, Tiago. Análise | Pose. Pro Digital Pop, 2021. Disponível em:
<https://pop.proddigital.com.br/analises/analises-de-series/analise-pose>. Acesso em: 12 de
maio 2023.
SENNA, Ariane Moreira de. A solidão da mulher trans, negra e periférica: uma
(auto)etnografia sobre relações socioafetivas em uma sociedade cisheteropatriarcal.
Dissertação de mestrado (Mestrado em estudos étnicos e africanos) – Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, p. 188. 2021. Disponível em:
<https://repositorio.ufba.br/handle/ri/34369>. Acesso em 11 de maio 2023.