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DA COMÉDIA AO COMENTÁRIO: COMO SITCOMS COMO 'MODERN FAMILY'

LIDAM COM PROBLEMAS REAIS

FROM COMEDY TO COMMENTARY: HOW SITCOMS LIKE 'MODERN FAMILY'


TACKLE REAL PROBLEMS

Lucas Pazzaglini Faria1

Thamires Ribeiro Mattos2

Resumo: O presente artigo aborda o tema da mídia como veículo de discursos, com
foco na análise da série de comédia Modern Family (2009-2020) e seu impacto
social. A partir da fundamentação teórica dos Estudos Culturais, a pesquisa busca
compreender os discursos apresentados na série e sua relação com a sociedade. A
sitcom, como gênero televisivo, é analisada como um veículo eficaz para a
divulgação de problemas e discursos. A metodologia dos Estudos Culturais permite
analisar os elementos textuais, imagéticos e sonoros presentes na série,
considerando sua relação com os processos sociais. O trabalho conclui que Modern
Family é um exemplo de como as sitcoms podem influenciar a cultura e promover
debates. A série desafia os modelos tradicionais de família e estimula reflexões
sobre identidade, diversidade e relações familiares. A análise dos discursos
apresentados na série contribui para uma compreensão mais ampla do papel da
mídia na formação de opiniões e na construção da identidade individual e coletiva.

Palavras-chave: Modern Family; Sitcoms; Estudos Culturais.

Abstract: This article addresses the topic of media as a vehicle for discourses,
focusing on the analysis of the comedy series Modern Family (2009-2020) and its
social impact. Drawing on the theoretical foundation of Cultural Studies, the research
seeks to understand the discourses presented in the series and their relationship with
society. The sitcom, as a television genre, is analyzed as an effective means of
disseminating ideas and discourses.The methodology of Cultural Studies allows for
the analysis of textual, visual, and auditory elements present in the series,
considering their relationship with social processes. The study concludes that
Modern Family is an example of how sitcoms can influence culture and promote
discussions. The series challenges traditional models of family and encourages
reflections on identity, diversity, and family relationships. The analysis of the
discourses presented in the series contributes to a broader understanding of the role
of media in shaping opinions and constructing individual and collective identity.

Keywords: Modern Family; Sitcoms; Cultural Studies.

1
Graduando em Jornalismo no Centro Universitário Adventista de São Paulo. E-mail:
lucaspazzaglini@gmail.com
2
Thamires Ribeiro Mattos, Mestra, Centro Universitário Adventista de São Paulo.
1.Introdução

A mídia já é consolidada como um dos principais vetores de explanação


de discursos. A partir do surgimento de tecnologias comunicacionais, como o
rádio e a televisão, foi percebido um poder um tanto quanto extraordinário
desse meio, o de domínio da cultura (KELLNER, 2001). A particularidade do
acréscimo de tecnologias aos discursos midiáticos se dá pelo seu impacto
extremo na sociedade comum:
Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos
ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer,
modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o
material com que as pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o
cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos
daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado,
poderoso ou impotente. (KELLNER, 2001, p. 9)

Quando passamos a analisar a mídia como principal precursora de


discursos e de modelos de vida, também observamos por onde esse discurso
está sendo divulgado. A televisão, por exemplo, representa um grande vetor
quando se trata da repercussão de discursos, contribuindo para a formação de
caráter e opiniões, pois ela “ajuda a moldar não apenas crenças, valores e
atitudes, mas também subjetividades, a percepção das pessoas sobre si
mesmas e seu lugar no mundo”(MORREALE, 2003, p. xi).
A afirmação acima, retirada do livro Critiquing The Sitcom: A Reader, faz
menção ao impacto da televisão, em uma época em que a maioria dos
discursos midiáticos eram expostos através dela. Mas existem produtos que
contribuem melhor para a divulgação de ideias e discursos. O gênero da
comédia, por exemplo, é tido como, talvez, um dos que mais contribui para a
construção de debates e conversas culturais (MORREALE, 2003).
Para a exploração do gênero de comédia na televisão, seus impactos
sociais e a relevância do seu discurso na sociedade serem analisados de forma
esclarecedora, a sitcom Modern Family (2009 - 2020) foi escolhida para estudo.
A luz dos Estudos Culturais, é possível perceber o impacto que uma série de
comédia pode promover e os diferentes discursos que pode carregar.

1.1 Estudos Culturais como conceito teórico e metodológico


Para uma análise clara e coerente sobre o tema a ser tratado, é
necessário encontrar a metodologia de estudo que mais se adeque ao
problema de pesquisa. A fim de compreender, e estudar, os discursos
apresentados pela série Modern Family, e assumindo que “o conteúdo seriado
audiovisual apresenta, à primeira vista, uma dificuldade metodológica”
(MATTOS, 2020, pág. 20), os Estudos Culturais se mostraram como a
metodologia ideal, pois “uma característica distintiva dos Estudos Culturais é a
busca para entender a relação entre produção, consumo, crença e significado,
dos processos e instituições sociais” (LISTER e WELLS, 2005, pág. 431).
A metodologia criada por volta do ano de 1923, na Escola de Frankfurt
(STARICEK, 2011), foi aperfeiçoada a fim de analisar conteúdos seriados, pois
foi compreendido que seu conteúdo exposto não é estático a uma única forma
de apresentação, e por isso “os Estudos Culturais consideram igualmente
elementos textuais, imagéticos e sonoros” e “suas combinações e
intersecções” (MATTOS, 2020, pág. 20). Mas a preocupação e interesse do
método vai mais além, como exemplificam Lister e Wells:

Os Estudos Culturais centram-se no estudo das formas e práticas da cultura


(não apenas seus textos e artefatos), suas relações com grupos sociais e as
relações de poder entre esses grupos, como eles são construídos e
mediados por formas de cultura. A “cultura” em questão não se limita à arte
ou à alta cultura. Cultura é entendida como incluindo práticas simbólicas e
expressivas cotidianas… (LISTER E WELLS, 2005, p. 431)

Ao entender que os Estudos Culturais se dedicam “a busca para entender


a relação entre produção, consumo, crença e significado, aos processos e
instituições sociais” (LISTER E WELLS, 2005, pág. 431), além de ser um
campo interdisciplinar que inclui “elementos de métodos textuais etnográficos,
sociológicos, semióticos, psicanalíticos e críticos” (LISTER E WELLS, 2005,
pág. 431), fica claro a capacidade de compreensão e análise que o método
propõe e desenvolve, principalmente ao se tratar da análise de um produto que
atravessa gerações, como no caso das sitcoms (SAVORELLI, 2010).

1.2. A sitcom
O termo Sitcom é usado para definir uma série de "comédia
situacional”, ou seja, apresenta situações do cotidiano, em um mesmo
ambiente, com um grupo de pessoas identificável, mas sempre em tom de
comédia (SAVORELLI, 2010). Por apresentar situações comuns e grupos de
pessoas consideradas normais, ou alcançáveis, em sua grande maioria, o
espectador tem mais facilidade em se identificar com o produto. A partir dessa
identificação, essas séries têm a possibilidade de apresentar discursos, que
podem divergir do pensamento do fã, mas ainda serem recebidos de forma
aceitável. A apresentação de problemas por meio das sitcoms difere de outras
séries por ter o fator cômico, o que torna mais fácil a recepção de notícias e
situações que diferenciam do pensamento do espectador. A influência que a
série de comédia tem sobre o público pode facilitar a apresentação de
problemas sociais sensíveis (SAVORELLI, 2010) e a quebra de paradigmas.
Para Savorelli (2010, p. 176), sitcoms americanas são constantemente
veículos de “discursos sobre questões culturais e sociais muito sensíveis: do
racismo à guerra, dos choques intergeracionais à identidade sexual”. Até
mesmo séries menos conhecidas podem ter sido influentes, pois serviram
como espaços para que o debate florescesse e também como fonte de
inspiração (SAVORELLI, 2010).
As sitcoms carregam esse caráter questionador desde que migraram da
rádio para a televisão, por volta do ano de 1948 (MORREALE, 2003). Nesse
período de transição, houve um grande investimento em programas de
comédia e variedades na televisão. Na mesma época as sitcoms passaram a
transmitir falas mais questionadoras e avançadas, sempre se apoiando na
plataforma cômica do programa:
Em vez de confiar nas travessuras físicas e réplicas de uma linha de
humor vaudevilliano, esses programas exploravam o humor que surgia das
situações cotidianas, especialmente daquelas que expressavam o conflito
entre valores tradicionais e modernos. (MORREALE, 2003, p. 3)

Além disso, esse modelo de série tem como uma de suas principais
características a definição de um local específico, ou de um elemento
contínuo, que se repete durante todos, ou a maioria, dos episódios da
produção, definindo um espaço familiar para o espectador (SAVORELLI,
2010). Para construir uma melhor familiarização do observador com o produto
exibido, grupos específicos de personagens são escalados para as histórias,
como famílias ou colegas de trabalho, porque “elas giram em torno de
relacionamentos [...] ao fazê-lo, eles expressam as tensões ideológicas que
marcam determinados momentos sociais e históricos”(MORREALE, 2003).
Esse modelo de série tornou-se um grande vetor de exposição cultural e
crítica, podendo agir tanto em aspectos mais conservadores, quanto em
progressistas. Para Morreale (2003, p. xii), “talvez mais do que qualquer outro
gênero fictício da televisão, as sitcoms forneceram material para grandes
controvérsias e conversas culturais”.

1.2.1 Modern Family


Modern Family é uma série norte-americana, criada por Christopher Lloyd
e Steven Levitan, para a American Broadcast Company (ABC). A série se
encaixa nos padrões de comédia situacional, seguindo também um modelo de
mocumentário3, no qual a narrativa é guiada por falas dos próprios
personagens, dando um direcionamento a história.
O nome da série, Modern Family, ou Família Moderna, tem o objetivo de
transmitir o conceito principal da série: os novos formatos de família que são
cada vez mais comuns, fazendo alusão também a certo progresso e
readaptação (STARICEK, 2011). É entendido que “a palavra “moderno” sugere
um afastamento do normativo, algo novo, algo inovador” (STARICEK, 2011,
pág. 26), além de por muitas vezes transmitir um conceito positivo, que,
quando associado a família, exemplifica “uma família que evoluiu da tradicional
família nuclear.” (STARICEK, 2011, pág 26).
Em Modern Family somos apresentados a uma grande família que se
divide em três núcleos familiares: Pritchets, Dunphys e Prichet-Tucker.

● Os Pritchetts: Nesse núcleo o casal é formado por um senhor de mais


idade, Jay Pritchett, que se casa com uma imigrante colombiana,
Glória, bem mais nova e bem mais bonita. Ela já tinha um filho
pré-adolescente, Manny, de um casamento passado, e ele já tem dois
filhos adultos, Claire e Mitchell, com famílias constituídas, que se
dividem entre os Dunphys e os Pritchett-Tucker.

3
Mocumentário: Filme, vídeo ou série de TV ficcionais, mas que se apresentam como um
documentário real, ao seguir o estilo típico deste gênero [...]. (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS,
2023)
● Os Dunphys: São considerados o núcleo tradicional, com mãe, Claire,
pai, Phil Dunphy, e filhos, Haley, Alex e Luke. O pai é quem tem o
emprego para sustentar a família, e a mãe, até certo ponto da série, é
dona de casa.
● Os Pritchett-Tucker: Aqui, o núcleo familiar é composto por um casal
de homens e sua filha vietnamita, Lily, que foi adotada logo no primeiro
episódio. Mitchel representa o Pritchett do nome, é advogado e mais
sério, enquanto Cameron faz parte dos Tucker, é dono de casa, músico
e palhaço por profissão.

A sitcom segue o cotidiano dessa família e diverte o espectador com


situações comuns, como a pré-adolescência, a escolha de uma faculdade
futura, maternidade e conflitos familiares gerais (ABC, 2023).
O primeiro episódio da série foi ao ar em 2009, tendo finalizado sua
produção na 11° temporada, com o último episódio exibido em 2020. Durante
os 11 anos em que a produção esteve na televisão, ganhou prêmios, tendo
recebido o Emmy de Melhor Comédia Televisiva por cinco anos seguidos, de
2010 a 20144.
Sua terceira temporada, exibida em 2011, além de ter sido indicada a 14
Emmys, ganhou o Golden Globes5 por Melhor Série de Televisão - Musical ou
Comédia. Durante esse ano de exibição, foram pautados temas como: adoção,
à volta da mulher para o mercado de trabalho, a divergência de futuros que os
pais impõem para os filhos, e outras questões que envolvem o relacionamento
familiar. Por conta dessa diversidade de temas e histórias, a 3° temporada foi
escolhida como objeto de análise principal, a fim de encontrar na série
referências de estudo sobre modelos familiares, questões de gênero e
discussões sobre raça.

2. Modern Family como objeto de estudo


Partindo da ideia de que as “séries foram mais longe do que qualquer
outra produção “clássica” da TV” (NICOLÁS GAVILÁN et al., 2015, pag. 22),
pois foram criadas com objetivo de transmitir questões reais e assimiláveis de
4
Disponível em: https://www.emmys.com. Acesso em: 17 mai. 2023.
5
Disponível em: https://www.goldenglobes.com. Acesso em: 22 mai. 2023.
forma artística (NICOLÁS GAVILÁN et al., 2015), se percebe a possibilidade de
analisar esse modelo de produção, seus discursos e ideias como um formador
de opiniões.
A série Modern Family, constrói narrativas diversas e permite a discussão
de inúmeros temas inerentes a nossa sociedade, possibilitando debates sobre
os mais variados e complexos assuntos (MORREALE, 2003). Foram
escolhidos três pontos principais abordados na série, que serão destrinchados
em tópicos específicos a seguir.

2.1. O modelo certo de família


O ponto principal da série pode ser facilmente encarado como a
discussão sobre o que é a família e o modelo certo a ser seguido, fazendo
sempre questão de reiterar que “família é família, seja a em que você começou,
aquela na qual foi parar, ou a família que você ganha no caminho” (MODERN
FAMILY, temp. 3, ep. 10). Nesse sentido, cada núcleo familiar apresenta um
modelo distinto e enfrenta problemas relacionados à sua realidade.

2.1.1. Diferença de idade e interesses


Uma das discussões principais apresentada pela série surge do
relacionamento entre Jay e Glória. No começo da série ele já está com cerca
de 60 anos de idade, enquanto ela está na faixa etária dos 30. Obviamente isso
causa atrito entre a família e até faz com que a índole de Glória seja
questionada - acrescentado ao fato dela ser latina. Ao longo dos episódios
essa questão vai sendo deixada de lado, por ficar claro que o que alimenta a
relação é realmente o amor entre os dois, e não o interesse, ou pelo menos
não inteiramente.
No episódio 21 da terceira temporada, intitulado Planes, Trains and Cars
(Aviões, Trens e Carros), a família Pritchett se empenha para chegar em
Pebble Beach, onde Jay planeja se encontrar com amigos da época do colégio.
Após passarem por diversas situações que os impossibilitam de chegar ao
destino, Glória desiste da viagem e pede uma explicação para tanto interesse
no encontro. Jay oferece uma resposta um tanto superficial, mas que é aceita:

Jay - As pessoas não esperavam muito de mim e certamente não


esperavam que eu ficasse com alguém como você.
Glória- Então isso é tudo sobre você desfilar comigo feito um troféu? Por
que não me disse? Eu posso ser um troféu! (MODERN FAMILY, temp. 3, ep.
21)

Apesar de não ser um declaração de amor, apresenta uma relação de


parceria e companheirismo que não é comprometida pela diferença de idade.

2.1.2. Adoção: problemas e dificuldades reais


Durante a terceira temporada, nós vemos o casal Pritchett-Tucker na
tentativa de adotar outro bebê, dessa vez um menino. Desde o primeiro
episódio da temporada, esse arco é apresentado com Mitchell tentando fazer
mais “coisas de menino”, para se convencer de que seria um bom pai. Ao longo
dos episódios diversos problemas surgem, o que os desanima e faz com que
parece que nunca dará certo.
O ponto crítico de todo o processo se dá no episódio 24, intitulado Baby
On Board (Bebê a Bordo), quando eles recebem a notícia de que conseguiram
adotar um bebê. Eles partem para buscá-lo mas, chegando lá, em meio a uma
cena novelística - que será abordada mais à frente - descobrem que mais uma
vez o processo não deu certo, o que os desanima e faz com que desistam da
ideia:
Mitchell - Toda vez que alguém diz que vamos ter um bebê eu fico
esperançoso, e quando as coisas não dão certo, nós temos de passar por
tudo isso de novo. [...}
Cameron - Eu sei. Estou tão frustrado quanto você.
Mitchell - Está mesmo? Porque eu não sei se posso passar por isso de
novo. (MODERN FAMILY, temp. 3, ep, 24)

As falas acima foram ditas em meio as lágrimas dos personagens, o que


tornou a cena mais emocionante. O retrato apresentado, pelo arco de adoção
na temporada, reflete a história de muitos que passam pelo mesmo processo e
serviu como divulgador de uma realidade pouco conhecida.

2.2. O gênero
O interesse na questão de gênero em Modern Family é perceptível. Tendo
sido criada em um momento que nem mesmo o casamento entre pessoas do
mesmo sexo era legalizado nos Estados Unidos, a série mostra o quão normal
o casal gay pode ser ou como ele é tão normalmente estranho quanto as
outras unidades da família (STARICEK, 2011).
Por mais que essas questões possam ser aprofundadas de diversas
formas, esse estudo irá focar na representação da mulher dentro do show.

2.2.1. O lugar e papel da mulher


Apesar de em muitos pontos Modern Family estar a frente do tempo, ao
se tratar da quebra de preconceitos, existe uma falha no começo da série
quando a mulher é representada. Em dois núcleos familiares existem mães e
as duas são donas de casa. Não que exista um problema nessa realidade, mas
era de se esperar que uma série que trata sobre tempos modernos, fugisse da
fórmula em que o homem é responsável por todo o trabalho fora de casa,
enquanto a mãe cuida dos filhos.
Na terceira temporada essa realidade começa a mudar quando Claire, a
mãe Dunphy, decide se candidatar ao Conselho Municipal, após quase 15 anos
de dedicação exclusiva à criação dos filhos. Esse arco apresenta a realidade
da reinserção da mulher no mercado de trabalho e como ela pode vir coberta
de preconceitos. Em uma das cenas, o concorrente de Claire diz o seguinte:
Duaney - Escute moça, você não tem chance. Ganhei seis eleições
seguidas. Uma dona de casa entediada não me fará perder. (MODERN
FAMILY, temp 3, ep 5)

Apesar da ofensa, Claire continua com os planos de concorrer à eleição


e, mesmo tendo perdido, ao longo dos episódios vemos o apoio de toda a
família para que ela alcance o objetivo.
Existem cinco mulheres principais na série, Claire, Glória, Haley, Alex e
Lily, e cada uma apresenta personalidades e ambições diferentes. Enquanto
Alex se preocupa com a faculdade e se dedica aos estudos, de forma extrema,
desde que entrou na escola, sua irmã Haley tem outros planos para o futuro e
não acha que a faculdade é o único caminho. A série oferece diferentes
realidades e reitera que a mulher não tem um único papel ou está taxada a um
só lugar.

2.3. A representação da raça


Como já apresentado em outros tópicos, uma parcela da família tem
origem hispana, Glória e Manny, que a pouco tempo entraram no círculo
familiar. Glória é colombiana, mas Manny já nasceu em solo norte-americano.
Ao longo da série são apresentados diversos estereótipos com relação aos
latinos, partindo desde o sotaque extremamente forçado de Glória, até as
histórias absurdas do seu pequeno vilarejo de origem, onde as meninas do
concurso de beleza faziam malabarismo com facas e uma cabra era sua babá.
Apesar de falas um tanto quanto preconceituosas serem apresentadas de
forma direta, existe também uma crítica a forma que os americanos agem com
relação aos outros países, como exemplificado pela fala de Glória, quando
tenta ensinar espanhol a Haley:
Glória - Esse é o problema com os americanos, todos tem que falar a língua
deles, mas nem se esforçam para falar a do outro (MODERN FAMILY, temp.
3, ep. 11)

O exemplo é curto, mas suficiente para gerar uma dúvida e um ponto de


debate. Mas, infelizmente, a estereotipização é o foco quando se trata da
comunidade hispana na série. No último episódio da terceira temporada (já
abordado no tópico 2.1.2) é apresentada uma cena caricata de novela
mexicana, onde o pai da criança não está morto e na verdade a avó que criou
toda a situação. Pode parecer inofensivo, por se tratar de uma ficção cômica,
mas se problemas tão reais são incorporados nos episódios (MORREALE,
2010), é desrespeitoso satirizar toda uma comunidade ao invés de trazer temas
relevantes sobre a mesma.

3. Considerações finais
A série Modern Family cumpre bem o papel adotado pelas sitcoms ao
longo dos anos ao levantar debates e discussões à frente do seu tempo. Com
um grande leque de personagens foi possível o desenvolvimento de diversos
enredos que contribuíram para a apresentação de problemas e discussões
(SAVORELLI, 2010).
O sucesso da série se dá pela sua habilidade de lidar com temas tão
complexos como questões de gênero, raça e família, de forma leve e discreta,
sempre fazendo com que as risadas amenizem o problema real, mas
permitindo que ele seja exposto.
Levando em conta a afirmação de que “a cultura da mídia também
fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe,
de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de ‘nós’ e ‘eles’” (KELLNER,
2001), Modern Family oferece um material extenso, que deve ser analisado
com mais afinco no futuro.
Existem diversas formas de abordagem para o estudo dessa série, e ao
serem utilizados diferentes métodos, melhor será percebido o impacto que
Modern Family teve em seus 11 anos de exibição e continua tendo até hoje.
Compreender que o que consumimos forma parte de quem nós somos é
indispensável para uma análise crítica do conteúdo que nos é apresentado. A
televisão formou o pensamento de muitos ao longo dos anos, as sitcoms
ofereceram pontos de debate e Modern Family, mesmo falhando em partes,,
exemplificou como pautas complexas ainda podem ser abordadas e
apresentadas ao grande público.
Referências

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (Brasil). Vocabulário Ortográfico da Língua


Portuguesa. [S. l.: s. n.], 2023. Disponível em:
https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/mocumentario. Acesso em:
22 maio 2023.

AMERICAN BROADCASTING COMPANY (EUA). About Modern Family. [S. l.], 23


set. 2009. Disponível em: https://abc.com/shows/modern-family/about-the-show.
Acesso em: 23 maio 2023.

KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia: estudos culturais: identidade e política


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KELLNER, Douglas. Critical theory, Marxism, and Modernity. Baltimore: John


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LISTER, Martin; WELLS, Liz. Seeing Beyond Belief: Cultural Studies as an


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MORREALE, Joanne. Critiquing the Sitcom: A Reader. Nova York: Syracuse


University Press, 2003.

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