Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O cinema tem importância na formação das mentalidades das sociedades nas quais se produz
e consome esse tipo de artefato. O homem do século XX jamais seria o que é se não
tivesse entrado em contato com a imagem em movimento, independentemente da
avaliação estética, política e ideológica.
Neste sentido, alerta que, muito da percepção que temos da história da humanidade talvez
esteja irremediavelmente marcada pelo contato que temos/tivemos com as imagens
cinematográficas.
Além disso, parece ser desse modo que determinadas experiências culturais, associadas a
uma certa maneira de ver filmes acabam interagindo na produção de saberes,
identidades, crenças e visões de mundo de um grande contingente de atores sociais. Esse
é o maior interesse que o cinema tem para o campo educacional – sua natureza
eminentemente pedagógica.
Contudo, enquanto os livros são assumidos por autoridades e educadores como bens
fundamentais para a educação das pessoas, os filmes ainda aparecem como coadjuvantes na
maioria das propostas de política educacional.
Depois de mais de um século da criação do cinema, como podemos acreditar quer existam
fronteiras intransponíveis entre linguagem escrita e linguagem audiovisual?
Rosália Duarte reforça a ideia de que, se admitimos que a relação com filmes participa de
modo significativo da formação geral das pessoas, precisamos entender como é que isso se
dá, precisamos compreender a pedagogia do cinema, suas estratégias e os recursos de
que ela utiliza para “seduzir”, de forma tão intensa, um considerável contingente de pessoas.
NOTAS SOBRE UMA LINGUAGEM
Conforme Rosália Duarte, o significado cultural de um filme (ou de um conjunto deles) é sempre constituído no
contexto em que ele é visto e/ou produzido. Filmes não são eventos culturais autônomos, é sempre a partir de
mitos, crenças, valores e práticas sociais das diferentes culturas que narrativas orais, escritas ou audiovisuais
ganham sentido.
O cinema-indústria procurou criar uma forma de narrar que cruzasse diferentes condições culturais, de modo a
tornar filmes acessíveis ao maior número de pessoas, de distintas nacionalidades. Para isso, faz uso de certos
modelos de representação de temáticas que atravessam a maioria das culturas, tais como as definições de
masculinidade, feminilidade, infância, dever, honra, patriotismo e assim por diante. Contudo, adverte a autora:
[...] ao que tudo indica, apesar de alguns esforços isolados feitos em contrário, o olhar masculino,
branco, ocidental e, sobretudo, heterossexual ainda é o que predomina nas convenções de
representações de temáticas distintas no chamado cinema dominante.
Convenções cinematográficas expressam, de um modo mais ou menos circular, a influência mútua que o
cinema e a sociedade exercem entre si. Se por um lado elas refletem valores e modos de ver e pensar das
sociedades e culturas nas quais os filmes estão inseridos, funcionando, assim, como instrumento de reflexão,
por outro, repetidas insistentemente, essas convenções constituem um padrão amplamente aceito e dificultam
ou retardam o surgimento de outras formas de representação, mais plurais e democráticas. Isso é,
basicamente, o que faz delas objeto de interesse e de preocupação para os estudiosos da cultura.
O autor no cinema
A autora diz que, apesar de todas as críticas e senões que possa suscitar, o fato é que, tendo adquirido
características distintas ao longo dos anos, a noção de autoria interferiu no fazer cinematográfico dando origem
a movimentos estéticos importantes em vários países.
Segundo ela, a ideia do significado de um filme passar mais pelas marcas impressas nele por quem o concebe
e/ou dirige do que pelos objetivos de quem os financia fez frente à pasteurização imposta pelo cinema
comercial.
Filmes mais baratos, criativos e heterogêneos conquistaram legitimidade no cenário mundial, favorecendo o
surgimento de novas formas narrativas e o crescimento das cinematografias de países pobres e/ou com
tradições culturais diferentes.
O ESPECTADOR COMO SUJEITO
Em sociedades audiovisuais como a nossa, em que milhões de pessoas têm acesso aos meios
de comunicação veiculados em imagem-som, é comum atribuir-se certas atitudes, crenças e
valores de grupos ou pessoas à influência desses meios. A ideia de que filmes (ou produções de
tevê) podem incutir opiniões e produzir comportamentos, especialmente nos espectadores mais
jovens ou menos escolarizados, é relativamente corrente. Mas estudos sérios vêm mostrando o
quanto é difícil constatar isso.
Pesquisadores vêm tentando entender o modo como as relações entre mídia audiovisual e
sociedade interferem na composição do imaginário social, na produção de identidades e na
transmissão de valores éticos e morais.
Por trás do chamado “receptor”, diz Rosália Duarte, existe um sujeito social, dotado de valores,
crenças, saberes e informações próprios de sua (s) cultura (s), que interage de forma ativa, na
produção de significados e mensagens. As suas experiências, visão de mundo e as suas
referências culturais interferem no modo como ele vê e interpreta os conteúdos da mídia.
Na sua concepção, grupos de pessoas que têm em comum certas práticas de uso da
mídia percebem, usufruem e a interpretam em relação direta com outros, ou seja,
influenciados por suas comunidades interpretativas. Essas pessoas compartilham
códigos, formas de ver e interpretar que se traduzem em um ambiente de significação
coletiva, aonde cada espectador, então, individualmente, irá construir a sua própria
interpretação.
Em resumo: nada nos autoriza a afirmar que os filmes impõem significados ou
interpretações aos seus espectadores, sempre haverá um sujeito pensante do lado de
cá da tela, dialogando com ela.
A autora acredita que a suscetibilidade dos espectadores não está ligada à sua idade
ou ao seu grau de escolaridade, mas, acima de tudo, ao maior ou menor domínio dos
códigos que compõem a linguagem cinematográfica.
Cinéfilos ou espectadores privilegiados
Conforme Rosália Duarte, a ideia que se faz a respeito da cinefilia nos dias de hoje
(fazer leituras, ter conhecimentos técnicos, saber sobre diretores e cinematografia, bem
como demonstrar interesses e posicionamentos diante dos diferentes tipos de produção),
está diretamente relacionada ao que foi construído originalmente entre as décadas de
1950 e 1970, apesar das diferenças sociais, políticas e culturais que separam aquelas
gerações das atuais.
Ainda hoje, grupos de cinéfilos formam uns aos outros através da troca de
saberes, produção/reprodução de valores e crenças compartilhadas na
comunidade interpretativa da qual participam. Para eles o cinema funciona como
elemento aglutinador e fonte inequívoca de conhecimento, formação e
informação, configurando-se, assim, como uma prática eminentemente
pedagógica.
E a escola com isso?
A autora encerra o texto nos propondo pensar o cinema como uma importante
instância pedagógica, e que devemos buscar entender melhor o papel desempenhado
junto àqueles com os quais nós também lidamos, só que em ambientes escolares e
acadêmicos.
Se a significação dos filmes é gradual e articulada aos modos de ver do grupo de pares
e aos diferentes tipos de discursos produzidos em torno dos filmes, faz sentido pensar
que é possível “ensinar a ver”. Isso implica valorizar o consumo de filmes, incentivar
discussões a respeito do que é visto, favorecer o confronto de diferentes
interpretações, trazendo a experiência do cinema para dentro da sala de aula.
Para ela, precisamos saber de que maneira linguagem escrita e linguagem audiovisual
combinam-se na produção de saberes e competências, para podermos fazer uso de
ambas de forma mais eficiente e produtiva.